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155 Revista Discente Expressões Geográficas, nº 07, ano VII, p. 155 - 173. Florianópolis, junho de 2011. www.geograficas.cfh.ufsc.br DO PEQUENO AO GRANDE: O CONTEXTO DA CAFEICULTURA NO SUL DE MINAS E SUA QUESTÃO AGRÁRIA COCHISE RICCI LIBANIO Discente do curso de Geografia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) MG [email protected] RODRIGO ALEXANDRE PEREIRA CALDERARO Discente do curso de Geografia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) MG [email protected] ANA RUTE DO VALE Docente do curso de Geografia Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) MG [email protected] Data de saída a campo: 04 e 05 de Novembro de 2010. INTRODUÇÃO Nos dias 04 e 05 de novembro de 2010, foi realizado o trabalho de campo, referente à disciplina Geografia Agrária, do curso de Geografia Bacharelado da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), ministrada pela professora Ana Rute do Vale. Este trabalho consistiu em três visitas, sendo que no dia 04/11/2010 foi visitada no período da manhã a Fazenda Iara, uma grande propriedade localizada no município de Alfenas (MG), pertencente ao grupo empresarial Itapuã e cujo principal produto é o café. No período da tarde, estivemos em um assentamento de reforma agrária do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) denominado Primeiro do Sul, localizado no município de Campo do Meio (MG), que também tem como principal produto o café, contudo em moldes de agricultura familiar. No dia 05/11/2010 realizamos uma visita técnica à Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores de Guaxupé Ltda.), no município de Guaxupé.

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Revista Discente Expressões Geográficas, nº 07, ano VII, p. 155 - 173. Florianópolis, junho de 2011. www.geograficas.cfh.ufsc.br

DO PEQUENO AO GRANDE: O CONTEXTO DA CAFEICULTURA NO SUL

DE MINAS E SUA QUESTÃO AGRÁRIA

COCHISE RICCI LIBANIO

Discente do curso de Geografia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) MG [email protected]

RODRIGO ALEXANDRE PEREIRA CALDERARO Discente do curso de Geografia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) MG

[email protected]

ANA RUTE DO VALE Docente do curso de Geografia Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) MG

[email protected]

Data de saída a campo: 04 e 05 de Novembro de 2010.

INTRODUÇÃO

Nos dias 04 e 05 de novembro de 2010, foi realizado o trabalho de campo,

referente à disciplina Geografia Agrária, do curso de Geografia – Bacharelado da

Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), ministrada pela professora Ana Rute do

Vale.

Este trabalho consistiu em três visitas, sendo que no dia 04/11/2010 foi visitada no

período da manhã a Fazenda Iara, uma grande propriedade localizada no município de

Alfenas (MG), pertencente ao grupo empresarial Itapuã e cujo principal produto é o café.

No período da tarde, estivemos em um assentamento de reforma agrária do MST

(Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) denominado Primeiro do Sul, localizado no

município de Campo do Meio (MG), que também tem como principal produto o café,

contudo em moldes de agricultura familiar. No dia 05/11/2010 realizamos uma visita

técnica à Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores de Guaxupé Ltda.), no

município de Guaxupé.

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Figura 1: Municípios visitados durante o trabalho de campo. Fonte: Alago, 2006.

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Antes de tudo, convém ressaltar que a cafeicultura hoje é a principal atividade

econômica do Sul de Minas, considerando a grande extensão de terras ocupada por ela,

o volume de café produzido e o grande número de produtores existente na região.

Nesse contexto, o objetivo geral do trabalho de campo consistiu em conhecer in

lócus duas realidades da diversidade no espaço agrário de produção cafeeira no Sul de

Minas: um estabelecimento rural moderno, produtor de café para exportação, e seu

processo produtivo, portanto, representando o agronegócio; um assentamento rural, cuja

base da produção agrícola é a agricultura familiar, tendo também como principal cultura o

café; o outro lado da cadeia produtiva do café representada por uma das maiores

cooperativas agrícolas brasileiras do setor, que atua na exportação desse produto.

A partir dessas visitas foi possível realizar uma discussão a respeito da questão

agrária no Sul de Minas, a partir dos três pontos: a) a frieza do agronegócio, que na busca

pelo melhor preço e maior lucro, passa por cima de questões sócio/ambientais; b) a

realidade vivenciada no Assentamento Primeiro do Sul, mostrando sua breve história de

lutas, as dificuldades de produzir, a falta de incentivos e as perspectiva futuras; e c) a

logística englobada em torno de uma cooperativa/empresa, que monopoliza o setor

cafeeiro por meio de contratos de comercialização unilaterais com os cafeicultores da

região. Esses pontos serão discutidos a seguir.

METODOLOGIA

A metodologia deste relatório de trabalho de campo buscou aliar a teoria, realizada

por meio de leituras e debates sobre os temas propostos (agronegócio, agricultura familiar

e cooperativismo) em sala de aula durante o 2º semestre de 2010, com a prática através

de visitas monitoradas por representantes desses locais, com os quais foi possível

tirarmos dúvidas, levantarmos informações importantes e criar questionamentos para a

elaboração desse relatório. Cabe ressaltar também a importância de nossas observações

sobre as paisagens locais durante essas visitas.

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Primeiro dia (manhã): Fazenda Iara

O Grupo Itapuã, o qual pertence à Fazenda Iara, localizada no município de Alfenas,

possui mais 5 fazendas no sul de Minas, num total de 1350 hectares (ha), tendo por volta

de 6 milhões de pés de café em produção. Essa produção tem como principal comprador

o mercado externo, principalmente os EUA e a Europa, considerando que o café é uma

commodity muito bem paga no mercado internacional. O capital do Grupo Itapuã é de

origem nacional, ficando no país também seus investimentos e lucro.

A produção de café do Grupo Itapuã gira em entorno de seis a sete mil sacas/ano,

tendo uma produtividade superior à média regional que é 40 sacas/ha, sua meta de

produção é de 50 sacas/ha. O grupo conta ainda com 30 tulhas de armazenamento, além

de beneficiar todo o seu café com um alto padrão de qualidade, modernos equipamentos

e alta tecnologia, agregando assim valor à sua commodity.

Na verdade, esse grupo empresarial enquadra-se no contexto da cafeicultura do sul

de Minas, que visando obter competitividade, desenvolveu uma série de infraestrutura e

benfeitorias próprias, a qual conferiu uma logística à região, que aliada à qualidade do

café a tornou especializada na produção desta commodity, obtendo assim um destaque

no cenário nacional e internacional. Tornando-se, devido à alocação de diversos fatores

produtivos, numa “região competitiva” (CASTILLO, 2008).

De acordo com as informações do administrador desse estabelecimento rural, que

nos acompanhou durante toda a visita, o Grupo Itapuã trabalha dentro da lei, ou seja,

respeita os direitos trabalhistas garantindo a todos os seus funcionários acesso a todos os

equipamentos de segurança necessários, bem como de acordo com as normas

ambientais. Além disso, o grupo tenta buscar melhorias e assim adquirir certificações,

visando sempre qualidade, gerando uma boa imagem da empresa e conquistando mais

mercado.

Infelizmente, sabemos que para adquirir certificações, ter alta produção e conseguir

agregar valor ao produto agrícola é necessário mecanizar a produção, causando um

grande problema social à região, consequentemente criando uma grande oferta de mão-

de-obra e baixos salários. Nesse sentido, segundo o referido administrador, os

funcionários (cerca de 300 pessoas fixas) necessitam ter qualificação necessária para

serem competentes em seu trabalho técnico e mecanizado proporcionando qualidade à

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produção. Esse treinamento é oferecido anualmente pela empresa aos novos e antigos

funcionários.

Figura 2: Lavoura de café da Fazenda Iara em Alfenas (MG). Fonte: Foto de Rodrigo A. Pereira Calderaro (04/11/2010).

Figura 3. Colheitadeira de café, trator e outros implementos agrícolas da Fazenda em Alfenas (MG). Fonte: Foto de Rodrigo A. Pereira Calderaro (04/11/2010).

Ao conquistar essa certificação, consequentemente o produto será visto pelo

possível comprador, europeu ou americano, como um produto que atendeu legislações

ambientais e sociais. Esses mercados, principalmente o europeu valoriza produtos com

certificações ambientais e sociais, ficando assim mais fácil a exportação do produto

certificado.

O administrador da fazenda nos relatou também que no passado, o Grupo Itapuã

investia em terras, para assim aumentar a produção, mas hoje o grupo tem uma nova

postura, isto é, investe intensivamente em tecnologia, com o intuito de diminuir o custo de

produção, diminuindo a mão de obra e aumentar a produtividade, tornando-se assim

competitivo. Isso é um fator incondicional exigido para quem deseja adentrar cada vez

mais ao agronegócio. Sendo assim, atualmente 80% do cafezal da fazenda são irrigados,

sendo 40% por gotejamento (a técnica mais moderna de irrigação) e 40% com pivôs,

além de investir cada vez mais na mecanização da produção, substituindo o trabalhador

por colheitadeiras e outras máquinas (figura 3). Para se ter uma idéia, uma colheitadeira

de café pode substitui em média 40 trabalhadores.

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Para garantir a alta produtividade faz-se o uso intenso de insumos agrícolas,

incluindo os agrotóxicos, fato esse ocorrido nos grandes estabelecimentos rurais

brasileiros voltados para o agronegócio. Isso porque, nas palavras do administrador da

fazenda: “é muito trabalhoso produzir em grandes propriedades sem o veneno, assim a

agricultura orgânica é para os pequenos proprietários”.

A colheita realizada na fazenda é 95% mecanizada e dura no máximo 50 dias úteis,

pois com isso o Grupo Itapuã espera diminuir o custo final de produção e melhorar a

qualidade do produto. A fazenda ainda conta com 300 funcionários fixos, os quais

desempenham várias funções ao longo do ano, desde o preparo do terreno e plantio de

novas mudas de café, passando pelo beneficiamento e manutenção da lavoura e do

maquinário nos períodos de safra e entressafra.

Com relação aos trabalhadores temporários, esses são contratados apenas no

período da colheita e podem ultrapassar mais de 1.000 contratados, os quais trabalham

por produtividade, colhendo juntos de 200 a 400 mil litros/dia de café. Eles são oriundos

principalmente nos municípios vizinhos como Alterosa e Campo do Meio, devido à

dificuldade de encontrar mão-de-obra disposta a este tipo trabalho em Alfenas. Na opinião

do administrador, isso ocorre porque Alfenas é uma cidade universitária, que tem uma

rede de serviços que emprega uma parcela considerável da PEA (População

Economicamente Ativa), que acaba preferindo os empregos urbanos. Sendo assim, a

renda da terra não é realizada propriamente no local de produção (Alfenas), pois parte da

renda é migrada juntamente com os trabalhadores volantes aos municípios vizinhos e a

outra parte da renda (lucro) é transferida ao proprietário, que também não reside no

município de Alfenas.

Visando aumentar seu lucro, após a colheita e beneficiamento de sua produção, o

Grupo Itapuã beneficia também o café de terceiros, além de alugar seus equipamentos e

máquinas para outros cafeicultores da região, adquirindo assim uma renda extra.

Infelizmente em comparação com a agricultura familiar, as condições de obtenção de

equipamentos e máquinas por agricultores familiares ou até mesmo por pequenos e

médios agricultores, ficando inviável devido ao pequeno lucro, a falta de incentivos público

e a carência de organização de pequenas cooperativas e sindicatos na região que

poderiam propiciar melhores condições para aquisição de maquinário.

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Além do café, o Grupo Itapuã ainda produz milho, girassol, sorgo e soja em outros

700 hectares, tendo assim uma menor vulnerabilidade ao mercado, ou seja, sofrendo

menos com a mudança (queda) de preços da commodity.

Outro ponto importante em questão levantado durante a visita foi o da preservação

ambiental, pois percebemos que não existe nenhuma área destinada à preservação na

Fazenda Iara. Para compensar, o grupo cumpre a legislação ambiental, mantendo em

conservação uma área de 250 hectares no município de Carmo do Rio Claro (MG), ou

seja, muito distante do local dos prováveis impactos ambientais causados pela

cafeicultura. Isso demonstra que o agronegócio e a agroindústria agem com total

imparcialidade frente à região de atuação, desconsiderando aspectos sociais e

ambientais, visando apenas o lucro e os melhores negócios.

Primeiro dia (tarde): Assentamento Primeiro do Sul

A origem do assentamento de trabalhadores rurais Primeiro do Sul está ligada à

falência da Usina Ariadnópolis, situada em Campo do Meio (MG) e seu nome se explica

por tratar-se do primeiro assentamento de trabalhadores rurais implantado no sul de

Minas.

A história de luta desses trabalhadores aqui relatada foi obtida por meio de

publicações sobre o assunto e do relato do assentado Sebastião Mélia Marques

(Tiãozinho), coordenador regional do MST – Sul de Minas, que nos acompanhou nessa

visita ao assentamento.

A partir de 1984 várias usinas, entre elas a Ariadnópolis quebraram, devido à

interrupção dos subsídios e incentivos do Projeto Pró-Álcool. Vendo este cenário,

trabalhadores da usina entraram em greve reivindicando o pagamento das dívidas

trabalhistas e salários atrasados, no entanto não obtiveram êxito.

Com medo de não obterem seus direitos, esses trabalhadores procuraram fortalecer

seu movimento, buscando apoio dos sindicatos da região, entre eles o Sindicato do

Trabalhador Rural de Campo do Meio e outros da região e o Sindicatos dos Bancários,

totalizando num total de 49 sindicatos apoiando os trabalhadores.

Nesta luta o movimento vai perdendo apoio frente ao impasse judicial, restando

apenas 15 sindicatos ao lado dos trabalhadores, os quais oficializaram uma proposta:

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receber parte da terra da usina como forma de pagamento da divida. No entanto, esta

proposta não foi aceita pelo proprietário da usina.

É a partir daí que o contexto toma novo rumo. Neste momento de indecisão surgem

dois novos apoios o MST e a CUT (Central Única dos Trabalhadores), os quais levaram a

conhecimento dos funcionários da usina a existência de terra improdutiva no município.

Trata-se da Fazenda Jatobá, a qual o proprietário devia algo em torno de 1,5 milhões de

reais em dividas trabalhistas e junto a Receita Federal.

Em 18/10/1996 a Fazenda Jatobá é ocupada por cerca de 100 famílias, dentre as

quais estavam presentes antigos funcionários da usina, além de famílias de Campo do

Meio e de outros municípios do Sul de Minas (Santana da Vargem, São Sebastião do

Paraíso e Campo Gerais) e do Norte de Minas (Porteirinha, Minas Nova e Novo Cruzeiro),

os quais tinham em comum a trajetória de exploração como trabalhadores volantes,

empregados na colheita da cafeicultura (VALE; LOURENÇO; LUCAS,2009).

A desapropriação é realizada junto ao INCRA no mesmo ano (1996), no governo de

Fernando Henrique Cardoso, fato que tornou o Primeiro do Sul um dos assentamentos

com o processo de regularização mais rápido do Brasil. Isso se explica, segundo

Tiãozinho, devido às pressões populares e da mídia nacional e internacional, ocasionada

pela repercussão negativa ao massacre de sem-terras, ocorrido em Eldorado do Carajás

(PA), em abril de 1996, quando o MST passou a pressionar o governo para a realização

da reforma agrária. Ademais, a própria “satisfação” do proprietário da fazenda, o qual

recebeu por suas terras uma quantia equivalente a 2,5 milhões de reais, capital que o

permitiu quitar suas dívidas junto ao Banco do Brasil (1,5 milhões de reais) e ainda

adquirir de um novo latifúndio no Triângulo Mineiro.

O Primeiro do Sul foi o primeiro e o único assentamento regularizado no Sul de

Minas, após este assentamento nenhuma família mais foi assentada na porção sul do

Estado. No município de Guapé (MG) houve um pré-assentamento no ano de 2002, onde,

de acordo com LORENÇO; VALE (2010, p. 3662):

105 famílias ocuparam uma área de 5.000 hectares de uma falida usina de álcool - Usina Passos Maia -, formando o acampamento Santo Dias. Atualmente ele é considerado um pré-assentamento, ou seja, a áreas está em vias de se tornar um assentamento de trabalhadores rurais definitivo.

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Atualmente existem 12 acampamentos em Campo do Meio, ocupando uma área

equivalente a 5.000 hectares de terras improdutivas da Usina Ariadnópolis. Estas

ocupações já duram em média 12 anos e ainda estão em luta pelo processo de

regularização. Vale ressaltar que a Usina Ariadnópolis é a segunda maior devedora no

Estado de Minas Gerais, portanto parte de sua divida poderia ser saudada mediante a

regularização dos atuais 11 acampamentos em um assentamento.

Mediante este quadro o discurso do assentado e líder do MST, Tiãozinho, torna-se

extremamente coerente, já que para ele “no Brasil não existe reforma agrária, existe

enfrentamento por terras”.

Campo do Meio é um município muito conflituoso, basta ver a existência de vários

assentamentos e que apenas três famílias ocupam 40% das terras do município, fato que

demonstra a concentração de terras no município e na região, se repetindo por todo o

país esse quadro.

Devido esta força aristocrática existente no município, o assentamento sofreu, a

princípio, grande preconceito e rejeição, devido à desinformação dos habitantes locais,

que tinham uma visão deformada sobre os sem-terra, passada diariamente pelos veículos

de informação - comumente esses trabalhadores são retratados como vagabundos e

baderneiros. Porém, nos últimos anos, o movimento vem ganhando força, graças aos

resultados conquistados na produção e na desmistificação perante a exposição da

realidade e do conhecimento da proposta do MST à população de Campo do Meio.

Hoje no assentamento existem 40 famílias produzindo em lotes de 15 hectares em

média, as quais produzem e comercializam sua produção individualmente, devido à

dificuldade de produzir coletivamente, haja vista a existência de divergências pessoais

entre os ocupantes dos lotes. Apenas a colheita de café é feita em sistema de mutirão,

hábito comum entre pequenos agricultores, devido à necessidade dessa tarefa ser

realizada em período curto e da falta de recurso dos assentados para pagar mão-de-obra

contratada ou adquirir maquinário.

Conforme já mencionado, o Sul de Minas está inserido em uma região

tradicionalmente cafeeira e o assentamento não foge desta realidade, sendo o café seu

principal produto e as demais culturas subsidiárias, servindo para o sustento das famílias

e o excedente comercializado diretamente na região. Essas culturas subsidiárias são:

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feijão, arroz, milho, mandioca, hortaliças e frutas em geral (figura 5). Além disso, os

assentados dedicam-se também à criação de gado, porcos e galinha.

Figura 4: Lavoura de café no Assentamento Primeiro do Sul, Campo do Meio - MG, 2010.

Figura 5: Cultivos de hortaliças no Assentamento Primeiro do Sul - Campo do Meio, 2010.

Fonte: Foto de Rodrigo A. Pereira Calderaro (04/11/2010).

Fonte: Foto de Rodrigo A. Pereira Calderaro (04/11/2010).

Das 40 famílias produtoras de café, apenas duas produzem de forma orgânica, ou

seja, sem o uso de agrotóxicos, tentando assim se tornar competitivos em qualidade, já

que a quantidade é dificilmente alcançada pelos pequenos produtores. As demais famílias

produzem com o uso de defensivos agrícolas e vendem sua produção individualmente à

COOPERCAM (Cooperativa dos Cafeicultores de Campos Gerais e Campo do Meio), o

leite excedente também é comercializado com a CAPEBE (Cooperativa Agropecuária de

Boa Esperança).

A produtividade de café no assentamento é abaixo da média regional (40 sacas/ha),

produzem 25 sacas/ha, o que faz com que a atividade não gere grande retorno financeiro

ao assentado, já que grande parte da renda é drenada pelos intermediários. Sendo assim,

a atividade serve apenas para o sustento da família a qual tem dificuldade de produzir

outras culturas, considerando que a maior parte do lote está ocupada com o café. Este

fato de baixa produtividade no assentamento deve à falta de apoio técnico e financeiro a

agricultura familiar, fazendo com que o agricultor familiar sofra com a falta de assistência

e por isso corra risco de não conseguir obter um sustento digno. No assentamento esta

realidade faz com que uma ou duas famílias/ano desista do sonho de produzir na terra e

da liberdade conquistada, abandonando seus lotes e voltando as cidades de origem.

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Vale destacar ainda que a comunidade residente no assentamento possua

preocupação com as questões ambientais, fato que pode ser comprovado pela

preservação das APP’s (Áreas de Preservação Permanente) e da existência de uma

grande reserva, onde podemos deparar com uma rica biodiversidade da fauna e flora.

Segundo dia: COOXUPÉ (Cooperativa Regional de Cafeicultores de Guaxupé Ltda.)

Em nossa vista à Cooxupé fomos monitorados por funcionários dos diferentes

setores visitados: armazém de estocagem e classificação, laboratório de classificação do

café e laboratório de análise de solo.

A Cooxupé teve sua origem no ano de 1932, exercendo a função de cooperativa de

crédito agrícola, apenas em 1957 se torna cooperativa de cafeicultores. Essas duas datas

correspondem a períodos importantes da cafeicultura nacional e internacional, pois na

década de 1930, após a crise da bolsa de Nova York, o setor cafeeiro nacional

necessitava de incentivos para se reerguer. Assim em 1932 foi editado um projeto de lei

com objetivo de superar as dificuldades vividas pelo setor dando incentivos para a

formação de cooperativas. Já a década de 1950 foi um período de reestruturação do setor

cafeeiro, pois com o fim da 2ª Guerra Mundial, houve um aumento da demanda nos

Estados Unidos e Europa. Além da criação do IBC (Instituto Brasileiro do Café),

incentivando novamente a criação de cooperativas, visando vantagens econômicas.

(SOUZA; BIALOSKORSKI NETO BIALOSKORSKI NETO BIALOSKORSKI NETO, s/d)

Atualmente a Cooxupé conta com aproximadamente 12 mil cooperados de mais de

200 municípios de Minas Gerais e São Paulo. Trabalha com compra e venda de café "in

natura" e beneficiado.

Por se tratar de uma cooperativa onde seu principal produto é uma commodity,

passou a ser administrada não apenas como cooperativa para ajuda mútua dos

cafeicultores, mas também como indústria, com objetivos internacionais (OLIVEIRA;

MEDEIROS, 2004). Trabalhando em moldes industriais de produção é de seu interesse

oferecer suporte técnico a seus cooperados, tentando assim melhorar e agregar maior

valor a seu produto. Além disso, atua também em outras áreas, como produção de

insumos agrícolas, grãos e cereais.

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Figura 6: Armazém da Cooxupé em Guaxupé (MG), 2010.

Figura 7: Classificadora Eletrônica da Cooxupé, 2010.

Fonte: Foto de Rodrigo A. Pereira Calderaro (05/11/2010)

Fonte: Foto de Rodrigo A. Pereira Calderaro (05/11/2010)

Como sua área de atuação é de grande abrangência e o volume de café recebido é

muito grande (até novembro de 2010 já tinham recebidos cinco milhões de sacas de

café), evidenciando uma logística bem complexa. Desde o momento que o café chega à

cooperativa é rastreado, ou seja, todos os passos desde a chegada, classificação,

estocagem, e saída são registrados em detalhes, para facilitar e melhorar o processo de

trabalho, suprimir custos e agregar valor ao produto.

O processo de rastreamento é feito por etapas. Quando o café chega à cooperativa,

é retirada uma amostra de cada saca e marcada com código de barra para ir para o

Laboratório de Classificação, será essa amostra decisiva no preço do café pago a cada

produtor. Após isso o café passará por uma logística de preparo em cinco máquinas: a

primeira separará o café dos objetos grandes, como pedaços de pau, chaves de boca,

canivetes, e outros; a segunda separará pequenas pedras contidas no café; a terceira

separará o café pelo tamanho do grão; a quarta classificará o grão do café por densidade;

e a quinta classificará o café eletronicamente pela cor do grão (amarelos separados de

vermelhos, verdes e pretos). Essa quinta máquina tem capacidade de classificar 100

sacas de café por hora. Após essa classificação é que são feitos os "blends" (mistura de

grãos variados), específicos para cada mercado consumidor.

O transporte do café do produtor à cooperativa é feito pelo próprio produtor ou pelo

transporte da cooperativa terceirizado, sendo que a cooperativa só recebe café até as

18h00min horas. Já o transporte da Cooxupé até o porto de Santos é terceirizado, sendo

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que os caminhões saem carregados até as 12h00min horas, após isso a carga sofre risco

de ser furtada por possivelmente chegar ao destino no período noturno. Os caminhões

que saem da Cooxupé nunca viajam sozinhos e são rastreados de cidade em cidade.

O café para exportação é acondicionado em "containers" onde sua capacidade total

é de 320 sacas ou 360 sacas a granel. Esse tipo de acondicionamento é solicitado pelo

comprador, que de acordo com a quantidade comprada, viabiliza um menor ou maior

preço nas taxas de exportação para o comprador. Para facilitar o transporte do grande

volume de café, a Cooxupé tem parceria com as AF (Administração Fazendária), para

agilizar as notas fiscais para o grande volume de capital transportado.

Apenas em Guaxupé, a cooperativa tem capacidade de estocagem de 4,2 milhões

de sacas, onde são empregados, apenas no armazém, 465 funcionários. Como produto

final, a Cooxupé exporta café para 42 países.

Com relação aos seus cooperados, a Cooxupé oferece todo suporte técnico

agrícola, independente da quantidade de café produzido por cada produtor. Na data de

visita a Cooxupé não foi possível caracterizar qualquer forma de vantagem ao grande

produtor, mas sabemos que há esta diferença de tratamento entre cooperativa (indústria)

e cooperado. Todavia, sabemos que o grande produtor, além de vender mais café à

cooperativa, compra mais insumos para sua melhor produção, assim a forma de

pagamento que adquire é vantajosa, comprando em maior quantidade, o preço pode cair

na aquisição. Enquanto o pequeno produtor compra e paga com dificuldades os insumos

e às vezes até atrasa o pagamento, o preço final sempre virá acrescido de juros.

Esse aspecto de diferenciação entre cooperativa e pequeno produtor faz com que

haja no futuro uma tendência à aniquilação do produtor que não invista em mecanização

visando maior produção (GRAZIANO,1999).

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Figura 8: Países de atuação e negócios da Cooxupé em 2010. Fonte: Sítio Cooperativa de Cafeicutores Guachupé Ltda. Disponível em: http://www.cooxupe.com.br

Do pequeno ao grande: o contexto da cafeicultura no Sul de Minas

Conforme já mencionamos, a cafeicultura hoje é a principal atividade econômica do

Sul de Minas, visto a grande extensão de terras ocupada por ela, o volume de café

produzido e o grande número de produtores existente na região. Sendo assim, essa

cultura é responsável por boa parte da renda gerada na região, tornando-se a atividade

agrícola predominante, a qual passou a desenvolver tecnologia e a modernizar com o

intuito de aumentar a produção, diminuir o custo da produção, conquistar mais mercado,

para assim tornar esta atividade agrícola ainda mais lucrativa.

Visando obter competitividade, a região desenvolveu uma série de infraestrutura e

benfeitorias a qual conferiu uma logística à região, que aliada à qualidade do café tornou

a região especializada na produção desta commodity, obtendo assim um destaque no

cenário nacional e internacional. Tornando-se, devido à alocação de diversos fatores

produtivos, numa “região competitiva” (CASTILLO, 2008).

Hoje a produção do Sul de Minas ganha o mundo, ela é exportada principalmente

para a Europa e EUA, graças à globalização, a qual tornou possível o comércio mundial.

Por isto, o Sul de Minas tornou-se fundamental para o Brasil, pois a região passou a

exportar uma commodity, garantindo assim a entrada de capitais ao país, mantendo o

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superávit da balança comercial, fundamental para a política fiscal e monetária do governo

federal.

No contexto regional ela torna-se fundamental, pois garante a entrada de capitais

para a região, o qual poderá promover o desenvolvimento regional e também porque

emprega grande parte da população economicamente ativa. No entanto cabe ressaltar

que este fluxo de capital é concentrado, ficando nas mãos de poucas pessoas, ou seja,

dos latifundiários, e que com a modernização do campo cada vez mais se emprega

menos trabalhadores no campo. Quando a concentração não esta no latifundiário dono da

agroindústria, está nas mãos das cooperativas que funcionam em moldes industriais e

empresariais.

Esta especialização alcançada tornou a região extremamente competitiva no ramo

do café (CASTILLO, 2008), porém transformou a região vulnerável a uma crise, pois esta

especialização alcançada é para atender o mercado internacional (divisão internacional

do trabalho) gerando uma pulverização das outras atividades agrícolas. Assim, a região e

os produtores tornam-se “reféns” do mercado, ou seja, dependente da compra do café e

ao mesmo tempo excluindo o agricultor familiar do processo produtivo de culturas de

subsistência e de menor valor no mercado, culturas estas que dão a alimentação diária à

população.

A modernização em questão não se materializou homogeneamente no espaço e na

sociedade. Sendo assim, a aristocracia rural, a qual possuía o latifúndio e o capital à seu

favor obteve vantagens, pode integra-se mais rapidamente ao período técnico-científico-

informacional, onde o uso da tecnologia na produção e a informação/conhecimento do

mercado tornaram-se fundamental para que a monocultura do café obtivesse sucesso em

produção e qualidade, tornando competitivo perante o cenário mundial.

No entanto, nem todo pequeno produtor (agricultura familiar) conseguiu adquirir

todos os benefícios do desenvolvimento tecnológico, pois muitos não disponham de

capital para modernizar sua produção, portanto diante dessa não inserção total, muitos

dos pequenos perderam sua competitividade ou tornaram-se subordinados à indústria ou

cooperativa, pois tiveram que reorganizarem sua produção para produzir da maneira que

a indústria ou cooperativa deseja e também o pequeno agricultor não tem controle do

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preço da safra nem poder de barganha junto a grandes corporações, as quais controlam o

preço do café.

Mas mesmo assim, neste cenário adverso ainda vemos camponeses lutando para

produzir café da maneira tradicional, isto é sem alta tecnologia, os quais sobrevivem de

seu trabalho na lavoura do café, mas ao mesmo tempo são fundamentais, pois o seu

trabalho é explorado pelas multinacionais e cooperativas do setor, possibilitando a

retirada da mais-valia e da renda da sua terra por terceiros.

ANÁLISE DO CONTEXTO AGRÁRIO DO SUL DE MINAS

No Sul de Minas podemos observar um grande número de pequenas propriedades,

que tem como principal uso a lavoura de café, a qual a produção está subordinada ao

capital que a explora de forma indireta, ou seja, pelo baixo preço pago.

Percebemos que o cultivo da lavoura de café para os pequenos proprietários não

traz grande retorno financeiro, devido à exploração a que estão submetidos, ao contrário

do latifúndio monocultor, o qual consegue tornar a atividade compensadora mediante o

investimento de capital na produção e pela disponibilidade de plantar em extensas áreas,

o que torna seu produto competitivo, tanto pela qualidade como pelo volume da produção.

Dessa forma, o grande produtor tem um maior poder de barganha, podendo conquistar

melhores preços pelo seu produto.

Percebemos, então que um dos pontos fundamentais da questão agrária no Sul -

bem como no restante do país - está relacionado à falta de políticas agrícolas (ou

insuficiência das existentes), incentivos e subsídios fiscais específicos para a agricultura

familiar, a qual por falta de assistência técnica e de crédito não consegue produzir com

todo o seu potencial, fato que prejudica na sua competitividade frente à agroindústria.

Para Graziano (1999), a agricultura camponesa carece de assistência técnica para

aumentar a produção, de financiamento para se modernizar o maquinário e com isso

aumentar a produtividade e a qualidade da produção e assim poder elevar sua renda e

conseqüentemente melhorar a qualidade de vida.

A falta de políticas agrícolas eficientes e a ineficácia das políticas existentes fazem

com que o camponês desista do campo, ou seja, pare de produzir, arrendando ou

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vendendo sua terra e mudando para a cidade em busca de um emprego e de uma vida

mais digna, o que na maioria das vezes não encontra. Com isto, o latifúndio ganha a

possibilidade de ampliar suas terras, anexando através da compra ou arrendamento (ou

grilagem) as terras camponesas, aumentando a concentração de terras no Brasil ainda

mais.

A partir daí surge à necessidade da reforma agrária, de democratizar o acesso a

terra e fazer cumprir a sua função social que esta estabelecida na constituição e com isso

diminuir as desigualdades sociais e produzir mais alimentos, podendo assim acabar com

a fome, já que boa parte dos alimentos produzidos vem da pequena propriedade,

enquanto o latifúndio produz commodity para o mercado externo.

O combate ao latifúndio improdutivo torna-se fundamental para o desenvolvimento

nacional e a melhoria da qualidade de vida, pois dados do Censo Agropecuário (2006)

demonstra que 70% dos empregos gerado do campo vêm da agricultura familiar. Sendo

assim, o acesso à terra a todos os trabalhadores excluídos mostra-se importante, pois

aumentará a oferta de emprego.

Embora no contexto sul–mineiro exista grande número de pequenas propriedades,

isto não exclui a existência de grandes latifúndios improdutivos e nem a exploração do

trabalho camponês pelas grandes propriedades.

Por isso no Sul de Minas é também necessário combater a improdutividade e a

especulação realizada pelos latifúndios improdutivos, o qual dificulta o acesso à terra aos

trabalhadores rurais. É necessária então uma verdadeira reforma agrária, a qual

disponibilize ao camponês um pedaço de terra e de condições para que possa produzir,

isto é apoio técnico e financeiro (GRAZIANO, 1999).

Também torna fundamental a luta dos peões contra a exploração dos latifúndios,

pois é necessário que todos direitos conquistado sejam de fato cumpridos, o que nem

sempre acontece devido a falhas da fiscalização e corrupção existente e ainda que estes

trabalhadores tenham acesso a melhores planos de créditos agrícolas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos ao longo do trabalho que o contexto agrário sul–mineiro não é muito

diferente do nacional, embora ele apresente algumas peculiaridades, aqui como em todo

Brasil é preciso dar acesso à terra a população excluída, fazer com que o camponês

deixe de produzir para o patrão ou indústria e produza para si, em beneficio da sua

família.

Podemos constatar que a cafeicultura tornou-se uma importante atividade para a

região e para a nação e que esta cultura é lucrativa para o grande proprietário e nem

tanto para o pequeno, o qual deveria procurar na policultura ou na produção de produtos

diferenciados o seu sustento.

Sendo assim notamos que a viabilidade econômica para a agricultura familiar não

consiste na monocultura e que ela carece de apoio e assistência, mas ao mesmo tempo

ela torna-se fundamental para a indústria e as agroindústrias, pois ela fornece alimento a

um preço baixo a população, o que possibilita a manutenção do baixo salário e o grande

lucro da burguesia e também por fornecer matéria prima à indústria.

Por fim, percebemos que as outras atividades agrícolas praticada na região têm

propósitos que variam dependendo do produtor (grande ou pequeno), sendo que para o

pequeno o cultivo de outra cultura é uma a possibilidade de uma renda extra para a

sobrevivência enquanto para o grande este cultivo é uma segurança, visto que o café é

uma commodity e assim está sujeito a maior estabilidade, tendo o mercado internacional

como destino.

Como o Sul de Minas tem como principal produto agrícola o café, produto que gera

muitas divisas para a região. O escoamento desse café se da por forma de cooperativas e

portos secos na região. Essa logística toda em torno de um produto transformou a

realidade das cooperativas, que tinham como interesse primário apenas ajudar de forma

mutua um grupo, mas a necessidade de transformação se deu naturalmente com as

transformações do mercado internacional. Passou então as cooperativas a serem geridas

como uma indústria, preocupada com o mercado interno e externo e tentando agregar

valor ao produto de commodity.

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Os produtores, grandes, médios e pequenos tiveram e terão que adequar o modo de

produção, aderindo à mecanização e qualidade, sem isso irão ficar a mercê da sorte do

mercado internacional oscilante.

A cooperativa como indústria busca cada vez mais mercado, tentando de todas as maneiras monopolizar o setor (OLIVEIRA; MEDEIROS, 2004), isso gera divisas para região, mas pode ser um fator de pobreza para a região caso haja uma grande crise internacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTILLO, Ricardo. Região competitiva e logística: expressões geográficas da produção e da circulação no período atual. In: IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2008, Santa Cruz do Sul RS. Anais do IV Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional. Santa Cruz do Sul, RS: Unisc, v. 1, 2008. GRAZIANO DA SILVA, José. Tecnologia e Agricultura Familiar. Ed. da Universidade do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 1999. LOURENÇO, A. R.; VALE, A. R. A luta pela terra no Sul de Minas: conflitos agrários no

município de Campo do Meio (MG). In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA. 20. Anais do Encontro Francisco Beltrão: Unioeste/Geterr, 2010, p. 3650-3669 (CD-ROM).

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino; MEDEIROS, Marta Inês Marques. O Campo no Século

XXI: Território de vida, de luta e de construção da justiça social. São Paulo: Casa

Amarela/Paz e Terra, 2004.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência

universal. São Paulo: Record, 2000.

SOUZA, J.V.P.; BIALOSKORSKI NETO, S. Formação das Cooperativas de Café no

Brasil: Uma Análise Econômica e Institucional. Disponível em:

http://www.sober.org.br/palestra/12/04O240.pdf.

VALE, A.R.; LOURENÇO, A. R.; LUCAS, K. S. Projeto de extensão “Biblioteca Popular:

Resgate Histórico e Espaço de Diálogos”. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA

AGRÁRIA, 9. São Paulo, 2009, p. 1-18. Disponível em:

http://www.geografia.fflch.usp.br/inferior/laboratorios/agraria/Anais%20XIXENGA/artigos/V

ale_AR.pdf