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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
DO RESULTADO PARA O PROCESSO:
Potencialidades da avaliação, investigação e experimentação
no ensino-aprendizagem das Artes Visuais
Pollyanna Motta Martins
Dissertação de Mestrado em Educação Artística
Dissertação de Mestrado orientada pela Professora Doutora Helena Margarida dos Reis Cabeleira
2017
1
DECLARAÇÃO DE AUTORIA
Eu, Pollyanna Motta Martins, declaro que a presente dissertação / trabalho de
projeto de mestrado intitulada “Do resultado para o processo: potencialidades da
avaliação, investigação e experimentação no ensino-aprendizagem das Artes
Visuais”, é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O
conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente
mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tal como
todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho
segundo as normas académicas.
A Candidata,
Pollyanna Motta Martins.
Lisboa, 30 de Outubro de 2017.
2
RESUMO
A presente dissertação busca refletir sobre uma possível mudança no modo de avaliar, ou seja, sobre a possibilidade de deixar de pensar na avaliação de um modo racionalista – que atualmente parece focado na quantificação e que muitas vezes não deixa espaço para uma reflexão sobre o processo que envolve a aprendizagem –, e passar a pensar na avaliação como um processo reflexivo que possibilita aos estudantes uma maior autonomia e autocrítica em relação à sua própria aprendizagem. Para isso, reflete-se sobre questões históricas que acompanharam a emergência, na cultura ocidental, de uma perspectiva funcional de apreender, e que contribuiu para uma redução da percepção de mundo e para uma forma utilitarista de se encarar o tempo e o espaço escolar. Verificando-se que essa ‘mecanização da visão’ tem uma construção histórico-cultural, faz-se uma crítica ao modo como o exame é tratado nas escolas, isto é, como uma forma de controle e um instrumento para a produção de exclusões (sociais, cognitivas). A partir dessa perspectiva, procurou-se mapear e expandir os conceitos e práticas de avaliação e experimentação, refletindo sobre a importância de ambas na promoção da autonomia e, consequentemente, no autoconhecimento de professores e alunos. O conceito de ‘avaliação formativa’ verificou-se particularmente pertinente no curso desta investigação, ao remeter para formas de ensino sensíveis às diferenças dos indivíduos, e abertas quanto à sua participação no processo avaliativo. Considera-se que descentralizar a avaliação, tornando-a num processo contínuo de experimentação e investigação, pode contribuir para que professores e alunos encarem o processo de aprendizagem como sua construção. Nesse sentido, foram abordados diversos conceitos e métodos de avaliação que valorizam a experimentação mais do que o resultado final, com o objetivo de pensar a avaliação como um processo democrático e reflexivo. Com o intuito de apurar a existência de alguns pontos de contacto nos discursos de diversos autores, estudiosos ou profissionais – especialistas – da área da educação artística quanto à pertinência (e exequibilidade) da busca por uma avaliação participativa, fez-se uma breve revisão de literatura (teses, monografias e artigos) e uma análise comparativa da legislação brasileira e portuguesa sobre avaliação educativa. Através da realização de entrevistas a um grupo de professores, procurou-se perceber o que pensam sobre o tema e como avaliam os seus alunos.
Palavras-Chave:
Avaliação; Reflexão; Processo; Investigação; Experimentação.
3
ABSTRACT
This dissertation seeks to reflect about a possible change in the modes of assessing, that is, about the possibility of changing our ways of thinking about assessment in a rationalist way – which currently seems focused on quantifying and that often leaves no room for a reflection on the process involved in learning – by thinking about assessment as a reflective process that allows students a greater autonomy and self-criticism in relation to their own learning. In order to do so, the thesis reflects on historical issues that accompanied the emergence, in Western culture, of a functional perspective of learning that contributed to a reduction in our perception of the world and to a utilitarian form of looking at the school time and space. By recognizing that this 'mechanization of vision’ was historically and culturally constructed, we propose a critique of the ways in which the exam is handled in schools, that is, as a form of control and an instrument for the production of exclusions (social, cognitive). From this perspective, we attempted to map and expand the concepts and practices of evaluation and experimentation, reflecting on the importance of both the promotion of autonomy and, consequently, the self-knowledge of teachers and students. The concept of 'formative assessment' was found to be particularly relevant in the course of this investigation, to refer to forms of teaching that are sensitive to differences of individuals, and open as to allow participation in the assessment process. We consider that to decentralize assessment, by making it a continuous process of experimentation and research, will help to ensure that teachers and students understand the learning process as their own construction. Therefore, several concepts and methods of assessment which value experimentation more than the end result were approached, with the goal of thinking the assessment as a democratic and reflective process. In order to ascertain the existence of some contact points in the discourses of various authors, scholars or professionals – experts – of artistic education, on the relevance (and viabilility) of participatory assessment, we made a brief review of literature (theses, monographs and articles) and a comparative analysis of Brazilian and Portuguese legislation on educational assessment. By conducting interviews with a group of teachers, we tried to figure out what they think about the topic and how they assess their students.
Keywords:
Assessment ; Reflection; Process; Investigation; Experiment.
4
À minha família – a quem estarei sempre emocionalmente perto, mesmo que
fisicamente longe -, por apoiar e incentivar meus estudos de forma
incondicional, por nunca deixar de acreditar em mim e por fazer com que a
distância seja apenas corpórea; especialmente à minha mãe, Silvana, pelo
amor maior do mundo, e que com sua dedicação extrema a nossa família,
muito me ensina e me inspira; ao meu pai, Gilberto, pelo exemplo de
integridade, pelos valores que me transmite e por ser meu maior incentivador;
ao meu irmão, Renan, por cuidar de nossos pais, por sanar um pouquinho da
falta da minha presença física, por fazer o papel de dois, por “segurar a barra”
com positividade, por permitir que eu esteja longe, por tudo. E um
“desagradecimento” ao oceano atlântico, por dividir meu coração e fazer com
que ele nunca mais possa estar completo.
Ao Rui, pela mais admirável sensibilidade, e que pelo intenso amor e carinho,
dá-me diariamente toda a coragem necessária para seguir em frente; por
reforçar o sentido da minha vida, e por transformar a nossa caminhada em algo
tão inesperado e especial.
Aos amigos que conheci em Lisboa e que são responsáveis pelos meus
melhores e inesquecíveis momentos em Portugal: Tainá, Regina, Luan, Daniel
V., Daniel B., Antonio, Isadora, Alice, Milagre, Paula, Talles, Letizia, Marisa,
Any, Helena, Marina, Mavi, Moscheta, Migotto, Raíssa, Gustavo, Caroline,
Jessaminy, Ricardo, Reinaldo, Luã, Catarina, Pedro, Moniky, Cauélia, Rafael.
À minha orientadora dessa dissertação, Profa. Dra. Helena Cabeleira - a quem,
pela imediata identificação, eu já soube que seria minha orientadora desde o
primeiro dia de aula-, pela excelente orientação, pelo apoio, motivação e
exemplo de dedicação acadêmica.
À professora que foi minha orientadora do meu trabalho de conclusão da
Licenciatura em Artes Visuias, Profa. Dra. Umbelina Barreto, responsável pelo
meu interesse no tema dessa dissertação de mestrado, a quem lembro com
muito carinho, por ter suscitado em mim o gosto pela pesquisa em educação
artística.
5
ÍNDICE
Resumo..........................................................................................................................2
Abstract..........................................................................................................................3
Agradecimentos............................................................................................................4
Índice de figuras............................................................................................................6
Introdução: Uma luz no fim do túnel - inquietações sobre a (des)valorização da
experiência pessoal na educação................................................................................7
1. Redução da Percepção: a construção histórica do modo de pensar o ensino e
a avaliação...................................................................................................................19
1. 1. Um breve olhar histórico sobre a construção da visão a partir da
racionalização do olhar......................................................................................19
1. 2. O exame vinculado a uma relação de competitividade e exclusão..........31
2. Estudo comparado: o que dizem as leis e os modelos de ensino no Brasil e em
Portugal........................................................................................................................39
3. Por uma ampliação da percepção: a avaliação como um processo significativo
de autoconhecimento.................................................................................................64
3. 1. Potenciando a experimentação.................................................................72
3. 2. Olhar e ouvir os alunos..............................................................................81
3. 3. Alguns exemplos de novas práticas avaliativas.........................................83
3. 4. A arte participativa como estímulo para uma avaliação
participativa........................................................................................................86
3. 5. O que pensam os professores sobre o processo de aprendizagem e como
avaliam seus
alunos................................................................................................................89
3. 6. O discurso dos ‘especialistas’ sobre avaliação..........................................98
Considerações finais................................................................................................117
Bibliografia.................................................................................................................120
Anexos........................................................................................................................128
6
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1. Miguel Palma (1964). Técnico Miracle, 2013. Colagem, grafite e ponta de feltro
sobre papel impresso.....................................................................................................12
Figura 2. Esquema com semelhanças entre a câmera obscura e o olho humano
realizado no início do século XVIII (CRARY, 2012, p. 53)............................................21
Figura 3. Ilustração dos artistas Jean Marc CotÍ e Villemard retratando uma escola
imaginada dos anos 2000............................................................................................26
Figura 4. Imagem que ilustra alunos dispostos em linhas de montagem....................27
Figura 5. No cartoon de Horsey, os estudantes usam capacetes transmissores de
conhecimento onde está escrito “tests”. Enquanto isso, as artes voam no céu, e a única
criança que se mostra interessada em seguir esse apelo, parece estar condenada –
segundo diz o professor – a “ficar para trás”.................................................................33
Figura 6. Ilustração de Mike Keefe da série Standardized Testing..............................35
Figura 7. Ilustração que ironiza o figurino escolar segundo um modelo político liberal.
Fonte: http://jesuslifetogether.com/letters/images/37209_factory_schools.jpg.............67
Figura 8. Cartoon que satiriza o ensino baseado em testes, que pouco ou nada interfere nas habilidades do “mundo real”. Fonte: http://www.uft.org/editorial-cartoons/what-real-world-skills-do-you-have................................................................................................69
Figura 9. Modelo de portfólio para disciplina teórica..................................................103
Figura 10. Comparação entre as abordagens pedagógicas.......................................104
Figura 11. As cinco gerações da avaliação................................................................105
Figura 12. Representação do trabalho de confecção do portfolio pelo professor que o
autor denomina de professor reflexivo pesquisador....................................................110
Figura 13. Gráfico que ilustra as finalidades da avaliação.........................................112
Figura 14. Gráfico que ilustra a participação dos estudantes no processo de
aprendizagem..............................................................................................................113
7
Introdução
Uma luz no fim do túnel: inquietações sobre a (des)valorização da
experiência pessoal na educação
“Se debe cambiar la evaluación para cambiar la pedagogía […] ¿Por
qué poner la evaluación en el centro (de los cambios)? Sencillamente
porque aquí hace de punto de partida” (PERRENOUD, 2008, p. 194).
Ao iniciar esta dissertação, apresentarei algumas inquietações advindas
de observações que realizei ao longo do meu percurso acadêmico que se
referem a práticas de ensino da arte e que me levaram a querer investigar sobre
o modo atual de ensinar e de avaliar que muitas vezes não leva em conta a
experiência dos estudantes e se foca em resultados a serem alcançados.
Portanto, para falar sobre a importância das experiências, penso ser coerente
começar falando sobre minhas próprias experiências que me fizeram escolher o
tema dessa dissertação.
Eu tenho percebido que o que é ensinado nas aulas de arte atualmente
nas escolas está, muitas vezes, em desarmonia com o pensamento
contemporâneo1, o que leva a um afastamento dos alunos do universo artístico.
Se as aulas de artes perpassassem pelo contexto atual, o qual está relacionado
com a nossa vida e com o mundo como ele é atualmente, poderia haver uma
maior aproximação dos alunos com a arte, com os museus e com o mundo
artístico em geral, pois os alunos se sentiriam mais participantes desse universo.
1 A ideia de “pensamento contemporâneo” é aqui tratada de acordo com o conceito de contemporaneidade, de Giorgio Agambem que, segundo o autor, é “uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela.” (2009, p. 59) Nesse sentido, torna-se essencial a capacidade de “buscar ser contemporâneo” ao próprio tempo ao propor ideias novas nas aulas de artes para estimular os alunos a aproximarem-se do universo artístico; caso contrário, estaremos sempre com um pensamento retrógrado que nada acrescenta aos estudantes.
8
Nesse sentido, eu penso que a inserção do pensamento contemporâneo
na educação se faz relevante por possibilitar uma prática criativa e uma intensa
aproximação com as experiências vividas, tornando-as significativas, assim
como afirma João Francisco Duarte Júnior em O sentido dos sentidos: A
educação (do) sensível,
Obras de arte, consagradas ou não, apenas ganham significação na medida em que podem ser vinculadas à vida e às experiências efetivamente vividas pelas pessoas. E tais experiências precisam ser estimuladas e desenvolvidas, num modo sobretudo sensível, antes de intelectual. (JÚNIOR, 2000, p. 192)
Para contextualizar esta necessidade de desenvolvimento do sensível
aliado ao inteligível, em relação ao desenvolvimento da escolaridade, relato a
seguinte experiência: Quando eu era estudante da escola básica, antes de
realizar uma prova de alguma disciplina, eu fazia um resumo de todo o conteúdo
estudado e elaborava questões referentes ao conteúdo. Minha mãe,
posteriormente, colocava-me essas questões. Como eu decorava tudo
exatamente como havia escrito, eu respondia rapidamente e, quando não
lembrava, voltava a estudar até gravar mentalmente a totalidade do conteúdo
que, com frequência, era esquecido após a avaliação.
Não quero dizer com isso que a memorização não seja necessária, pelo
contrário, ela é sim relevante, mas a aprendizagem significativa também deve
ser almejada. No caso que descrevi, o conteúdo escolar raramente era
relacionado ao que eu já havia conhecido, sucedendo o que Ausubel, segundo
Moreira e Masini (1985), chama de aprendizagem mecânica, isto é, as
informações passadas pelos professores não interagiam com os conceitos
considerados incorporados em minha estrutura cognitiva, dificultando a minha
atribuição de significado ao conteúdo aprendido.
Ao pensar nessa etapa de minha vida, verifico que a maioria dos meus
professores não me ensinava a pensar e refletir, mas tão somente a memorizar,
pois não havia uma reflexão sobre o conteúdo ensinado, tornando a minha
maneira de estudar eficaz, mas esta eficácia correspondia unicamente à forma
imprópria como os professores cobravam o conteúdo nas avaliações. E,
9
infelizmente, o caso anteriormente relatado é ainda muito presenciado nas
escolas atualmente.
Enquanto estudante de Artes Visuais, eu pude observar algumas aulas de
artes em escolas da rede pública de ensino no Brasil e percebi, em geral, uma
falta de interesse dos alunos pelas aulas de artes, o que resultava em trabalhos
realizados de forma mecanizada. Além disso, os professores sempre enfocavam
a avaliação. Muitas vezes ouvi professoras dizerem: “façam esse trabalho bem
feito, pois ele será avaliado!”, “prestem atenção, vocês estão sendo avaliados!”,
e também ouvi de muitos alunos: “professora, esse trabalho vale nota?”, “quanto
vale, professora?”, “quanto eu preciso ‘tirar’ nesse trabalho?”. Essas questões
fazem-me pensar que o foco das aulas não é a aprendizagem, mas a avaliação,
e que urgentemente devemos pensar em novos modos de aprender e de avaliar,
de forma a desviar o foco excessivamente centrado no resultado final e atentar
mais ao processo de aprendizagem, enquanto tal.
Desse modo, posso afirmar que ao longo da minha vida escolar eu senti
falta de poder desenvolver atividades criativas e reflexivas que realmente
fizessem sentido para mim, e agora, enquanto pesquisadora, quero refletir sobre
a possibilidade de buscar estratégias e práticas concretas que permitam não só
inverter a apatia dos alunos nas aulas de artes, mas também auxiliá-los, desde
a escola básica, no processo de encontrar aquilo que é significativo para eles,
aquilo que efetivamente os deslumbra nesse processo de encontro, e o modo
como esse processo pode ser gerador de uma vontade de aprender para além
da preocupação com a avaliação.
María Acaso afirma que, partindo dos atos educativos que nos sucederam
ao longo do nosso trajeto escolar – e que formam as nossas racionalidades e o
nosso discurso enquanto docentes –, podemos introduzir pedagogias invisíveis,
ou seja, micro-discursos que, por sua vez, produzem micro-revoluções no
cotidiano da sala de aula. Isso pode dar-se a partir da conversão do ‘sistema
autoritário’ do uso do poder num sistema que poderíamos denominar
10
‘democrático’2, deixando, consequentemente, de trabalhar de forma ‘automática’
para trabalhar de forma ‘reflexiva’:
Tú eres una parte más de una situación donde se regenera conocimiento en perpetuo crecimiento, en movimiento, donde hay una línea tirada delante de ti (tus profesores, los libros que has leído, tu familia, las películas que has visto, la información que nos has querido alojar en tu interior) y parte de otra línea aún por tirar, ya que los estudiantes, si hacen rizoma contigo, generarán nuevas estructuras de conocimiento que, a la vez, influirán en otras personas (especialmente si tus alumnos van a ser profesores), de manera que se generará una estructura infinita de líneas-conocimientos encadenados de manera orgánica, con diferentes ritmos, tamaños y pulsaciones, que no tiene principio ni final. (ACASO, 2013, p. 77)
Nesse sentido, assim como esclarece María Acaso (2013) em seu livro
rEDUvolution, eu estou entendendo a minha construção pessoal como
formadora do meu discurso enquanto docente e pesquisadora, e busquei
enfatizar os descontentamentos citados e também algumas observações feitas
em sala de aula, em que pude notar que os alunos e os professores parecem
obcecados por avaliações, para, a partir daí, desenvolver uma pesquisa que visa
contribuir para uma nova forma de pensar a avaliação escolar, refletindo sobre
um modo de inverter a apatia dos alunos nas aulas de artes, gerando
envolvimento para além da preocupação com a avaliação.
Ao participar da conferência internacional de educação em 2016, na
Fundação Calouste Gulbenkian, cujo tema foi “educação e desenvolvimento –
escola e sociedade”, assisti a uma mesa temática intitulada “Percursos
Formativos nos Trajetos de Vida”, em que os palestrantes (uma cientista, uma
artista e um escritor) falaram sobre alguns aspectos que consideram como sendo
os mais importantes e que contribuíram positivamente para a sua formação ao
2 A ideia da democratização do processo pedagógico está relacionada com a participação de todos nas decisões que são tomadas e na sua aplicação, assim, no sistema democrático há abertura à reflexão coletiva. Segundo Paro: “Tendo em conta que a participação democrática não se dá espontaneamente, sendo antes um processo histórico em construção coletiva, coloca-se a necessidade de se preverem mecanismos institucionais que não apenas viabilizem, mas também incentivem práticas participativas dentro da escola pública” (1986, p. 46). É preciso ter em conta que a participação é algo que deve ser incentivada na escola, já que não é algo inato, como afirma Bordenave: “A participação é uma habilidade que se aprende e se aperfeiçoa. Isto é, as diversas forças e operações que constituem a dinâmica da participação devem ser compreendidas e dominadas pelas pessoas” (1994, p. 47).
11
longo do percurso escolar. Todos os pontos levantados pelos palestrantes
estavam relacionados com momentos em que se sentiram participantes do
processo de aprendizagem, quando professores lhe abriam caminhos para o
desconhecido, num contínuo processo de diálogo com os professores nessa
busca (e construção) do conhecimento.
Em seguida, os palestrantes falaram sobre o ambiente sufocante da sala
de aula, sobre o valor de coisificação e sobre a tendência para quantificar tudo
aquilo que observamos (e vivemos) atualmente nas relações humanas e,
sobretudo, nas relações pedagógicas, que facilmente são resumidas em
números, gráficos, tabelas, raramente valorizando a importância do inesperado
(e até, da dúvida e do erro) na aprendizagem ou, até mesmo, menosprezando a
capacidade do professor em abrir caminhos para o desconhecido, estimulando
sempre a curiosidade dos estudantes.
Ao fim da mesa temática, quando os ouvintes foram convidados a fazer
questões ou apontamentos, uma professora da escola básica levantou-se e,
muito aflita, tomou a palavra para falar sobre os inconvenientes de, na escola,
se trabalhar sempre visando os exames e as notas, disse: “Me deem uma luz no
fim do túnel. Só trabalhar para exame não dá mais.”
A fala dessa professora pareceu ter ecoado no auditório, e muitos
professores lá presentes identificaram-se com o seu comentário, que acabou por
não ter resposta, diante da dificuldade que todos parecem concordar que advém
do modo como os alunos são avaliados.
Também, nesse mesmo dia, fui a exposição da coleção moderna da
Fundação Calouste Gulbenkian, onde uma obra me chamou a atenção. Trata-
uma intervenção gráfica sobre fotografia (Figura 1) do artista Miguel Palma, que
questiona o tratamento dos estudantes como meros números.
12
Figura 1. Miguel Palma (1964). Técnico Miracle, 2013.
Colagem, grafite e ponta de feltro sobre papel impresso
Portanto, ao pensar sobre o facto de a educação necessitar de mudanças
para que a aprendizagem seja significativa, torna-se necessário pensar também
no modo como os alunos são avaliados, pois atualmente o ensino é quase
totalmente focado na avaliação, tanto por parte dos alunos como pelos
professores. Contudo, também é um facto que a avaliação não vai deixar de
existir numa sociedade que crescentemente se baseia nas lógicas da
competição e da concorrência como garantias de sobrevivência no mercado
global e na economia de conhecimento em que vivemos, e é sobretudo nesse
sentido que penso ser essencial refletir sobre modos de avaliar que sejam mais
abertos e focados no processo de aprendizagem e não no resultado final.
13
Assim como afirma Ivan Ilich, em Sociedade sem escolas,
O planejamento de novas instituições educacionais não deve começar com as metas administrativas de um príncipe ou presidente, nem com as metas de ensino de um educador profissional e nem com as metas de aprendizagem de alguma classe hipotética de pessoas. Não deve começar com a pergunta: «O que deve alguém aprender?», mas com a pergunta: «Com que espécie de pessoas e coisas gostariam os aprendizes de entrar em contacto para aprender?» (ILICH, 1985, p. 88)
Ao pensar nesse sentido, os alunos poderiam participar ativamente no
processo de construção da sua aprendizagem, sendo agentes (ativos) e não
sujeitos (passivos). A avaliação pode ser pensada como um processo reflexivo
e que possibilita aos estudantes uma maior autonomia e autocrítica em relação
não apenas à sua própria aprendizagem, mas também em relação às condições
do mundo em que vivem. Assim, poderíamos pensar em estudantes como
pessoas emancipadas, responsáveis pela própria aprendizagem, sem
hierarquia, sem divisões. Pessoas com total consciência sobre suas próprias
experiências.
Jacques Rancière, em O mestre ignorante, traz uma interessante reflexão
– que é, em primeiro lugar, um sonho - sobre como seria uma “sociedade de
emancipados”, dando como exemplo a “sociedade de artistas”. Em suma, uma
sociedade sem ‘donos’ nem ‘excluídos’ da inteligência:
Pode-se, assim, sonhar com uma sociedade de emancipados, que seria uma sociedade de artistas. Tal sociedade repudiaria a divisão entre aqueles que sabem e aqueles que não sabem, entre os que possuem e os que não possuem a propriedade da inteligência. Ela não conheceria senão espíritos ativos: homens que fazem, que falam do que fazem e transformam, assim, todas as suas obras em meios de assinalar a humanidade que neles há, como nos demais. (RANCIÈRE, 2002, p. 80)
Nessa sociedade de pessoas emancipadas, seríamos mulheres e homens
com inteligências idênticas, numa sociedade desigual. E sobre a educação
desses ‘espíritos ativos’, ele continua:
Tais homens saberiam que ninguém nasce com mais inteligência do que seu vizinho, que a superioridade que alguém manifesta é somente o fruto de uma aplicação tão encarniçada ao exercício de manejar as palavras quanto a aplicação de outro a manejar instrumentos; que a
14
inferioridade de outrem é a conseqüência de circunstâncias que não o obrigaram a buscar mais. Em suma, eles saberiam que a perfeição alcançada por um ou outro em sua arte não é mais do que a aplicação particular do poder comum a todo ser razoável, que qualquer um pode experimentar quando se retira para esse espaço íntimo da consciência em que a mentira já não faz mais sentido. Eles saberiam que a dignidade do homem é independente de sua posição. (...) Para unir o gênero humano, não há melhor laço do que essa inteligência idêntica em todos. É ela a justa medida do semelhante, iluminando a doce inclinação do coração que nos leva à ajuda e ao amor recíprocos. (RANCIÈRE, 2002, p. 80)
Para isso, reflete-se nessa dissertação sobre outras possibilidades de
tratar o campo da avaliação ao valorizar a experimentação mais do que o
resultado final e sobre a importância de ouvir os professores e alunos sobre o
que pensam em relação à avaliação com o objetivo de torná-la um processo
democrático e reflexivo, ou seja, transformá-la numa ‘aplicação particular de um
poder comum’.
Um conceito importante tratado ao longo desta dissertação diz respeito à
experimentação, que aqui é entendida como ato de experimentar, verificar por
meio da sua própria experiência, exercitar-se, ensaiar-se, colocar à prova as
suas próprias forças e faculdades.3 Portanto, o ato de experimentar está
diretamente relacionado com a experiência no sentido vital e sensível, entendida
também como um método de conhecimento empírico. O conceito de experiência
utilizado nesse trabalho é o de John Dewey, que diz que:
A experiência, nesse sentido vital, define-se pelas situações e
episódios a que nos referimos espontaneamente como “experiências
reais” – aquelas coisas de que dizemos, ao recordá-las: “isso é que foi
experiência.” (...) Como aquela refeição em um restaurante parisiense
da qual se diz “aquilo é que foi uma experiência”. Ela se destaca como
um memorial duradouro do que a comida pode ser. (DEWEY, 2010, p.
110-111)
Proporcionar aos estudantes essa ‘experiência real’ de uma
aprendizagem qualitativamente (mais do que quantitativamente) vivenciada, que
seja efetivamente uma experiência estética e artística e também reflexiva, é
3 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013. [Em linha] [Consult. 30-06-2017]. Disponível em URL: https://www.priberam.pt/dlpo/experimenta%C3%A7%C3%A3o
15
essencial para um ensino da arte verdadeiramente significativo e transformador.
A experiência de pensar, segundo Dewey:
Uma experiência de pensar tem sua própria qualidade estética. Difere
das experiências que são reconhecidas como estéticas, mas o faz
somente em seu material. O material das belas artes consiste em
qualidades; o da experiência tem uma conclusão intelectual
consistente em sinais ou símbolos sem qualidade intrínseca própria,
mas que representam coisas que, em outra experiência, podem ser
qualitativamente vivenciadas. (DEWEY, 2010, p. 113-114)
Porém, segundo Dewey, as experiências nos dias atuais são dificultadas
pelo excesso de fazeres a que nos dispomos, e isso também vai ao encontro do
que diz Jorge Larrosa (2002), que a falta de tempo acaba por impedir a
experiência, ou seja, aquilo que nos acontece, aquilo que nos toca.
A partir de uma reflexão sobre a questão detectada nas experiências de
prática docente4, e sobre uma certa forma utilitarista de se encarar o tempo e o
espaço escolar, são tratadas no primeiro capítulo as questões históricas
envolvendo uma perspectiva funcional de apreender a realidade. Verifica-se que,
essa fórmula utilitarista, muito comum na atualidade, de alguma forma, contribui
para a redução de nossa percepção de mundo. Procura-se fazer a crítica dessa
perspectiva funcional como uma forma de “mecanização da visão”, evidenciando
com Jonathan Crary (2012) que esta visão tem uma construção histórico-cultural,
trazida como a mudança operada no mundo, em que o modernismo se
apresentou como o surgimento de algo novo, mas para um observador que
continuava sendo o mesmo.
Ainda no capítulo 1, discute-se o modo como o exame e o ensino e a
aprendizagem das artes é tratado nas escolas atualmente, ainda muito marcado
por questões passadas, como no sistema clássico de ensino e, por exemplo, na
4 Atuei como bolsista do subprojeto de Artes Visuais no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/UFRGS) de 2013 a 2015, em duas escolas públicas, de ensino primário e secundário, situadas em Porto Alegre/Rio Grande do Sul (Brasil). O programa tem como meta o desenvolvimento de projetos pedagógicos de âmbito gráfico, pictórico, plástico e visual, em sala de aula e espaços de educação continuada. Portanto, como bolsista, atuei diretamente na elaboração e na aplicação dos projetos em sala de aula. Também, de março a dezembro de 2014, atuei como estagiária nas aulas de artes das séries finais do ensino fundamental (equivale a 7 e 8 anos em Portugal) no Instituto Estadual Rio Branco.
16
vocação utilitária do ensino desenho que, como veremos, começou em Portugal
em 1772. Podemos dizer que a partir de um conjunto de regras para um desenho
que é definido como correto ou incorreto, a vontade do indivíduo não é
autônoma, mas subordinada a um poder disciplinar que dita regras, modos de
ver e também de ser.
Com o foco na eficiência e na produtividade, faz-se também uma relação
do ensino atual com a industrialização e observa-se que essa atitude advém da
época da indústria cultural, termo usado pelos autores Adorno e Horkheimer
(2009) para definir a condição da arte na sociedade industrial e capitalista.
Algumas das funções do capital que é a fiscalização, a vigilância, o poder
disciplinar e, nas palavras de Michel Foucault (2011), a sanção normalizadora e
o olhar hierárquico, podem ser observadas facilmente no ensino atual, em que
os alunos são constantemente controlados e penalizados. Assim, o exame – que
é uma das formas de controle –, acaba por excluir e não incluir, como deveria. A
avaliação, desse modo, pouco ou nada acrescenta ao conhecimento dos
estudantes a não ser um reforço da sua (in)capacidade competitiva no mercado
dos valores que, em dado momento histórico, são atribuídos a determinados
tipos de conhecimento (excluindo-se outros).
Portanto, é a partir desta perspectiva, histórica e presente, que se pode
perceber o atual modo de avaliar para propor novas alternativas de avaliação.
Por conseguinte, no capítulo 2, faz-se uma análise das leis educativas brasileiras
e portuguesas, com o objetivo de ver, no que se refere a legislação, como e de
que modo aparecem as palavras avaliação, experimentação e investigação.
Para esse efeito, foram pesquisados alguns relatórios, assim como documentos
definidores de metas de aprendizagem, de acordo com a legislação brasileira e
portuguesa. O modo como a avaliação de desempenho de alunos brasileiros e
portugueses é realizada é por vezes muito semelhante, verificando-se
igualmente que algumas das ‘inovações’ ou ‘melhorias’ propostas nas leis nem
sempre são concretizadas na prática, parecendo por vezes utópica a
possibilidade de introduzir efectivas mudanças nas formas de ensinar e de
aprender.
17
A partir disso, no capítulo 3, pensa-se em ampliar a percepção, em
expandir visões sobre o conceito de avaliação, refletindo sobre a importância da
avaliação no desenvolvimento da autonomia e, consequentemente, do
autoconhecimento, a partir de práticas alternativas de avaliação.
Disserta-se brevemente sobre a avaliação formativa (Domingos
Fernandes, 2014, 2015), que permite que o ensino seja adaptado às diferenças
dos indivíduos e incentiva o diálogo e a interação dos estudantes, tornando-os
participantes do processo avaliativo, assim como sobre o facto de que a
igualdade de tratamento na sala de aula produz desigualdades nas
aprendizagens. Portanto, assim como nos diz Philippe Perrenoud (2000, 2011),
deve-se favorecer os desfavorecidos para neutralizar o fracasso e as
desigualdades no acesso à escola e à sociedade em geral.
Torna-se importante pensar em uma ação coletiva, pois a organização do
trabalho nas aulas não é algo que compete apenas ao professor, mas deve ser
negociada entre as partes envolvidas (professores e alunos) com base na
experiência de cada um. Nesse sentido, de acordo com Célestin Freinet (1996),
trabalhar com pesquisa é uma aposta na autonomia dos alunos, influenciando
também na vontade de aprender de cada um. A avaliação, portanto, deve ser
pensada a serviço da libertação e não da domesticação, como afirma Paulo
Freire (2011).
A potência da experimentação, bem como a importância da experiência –
no sentido que diz Jorge Larrosa (2002) – de cada um, também é tratada no
texto no sentido de abrir um caminho para uma prática avaliativa democrática.
Pensando e incentivando uma avaliação participativa, trata-se da arte
participativa como estímulo para uma avaliação também participada por todos
os envolvidos, pois acredita-se, assim como afirma Claire Bishop (2012), que a
arte participativa pode ser percebida como uma fonte para uma mudança social,
através da ação coletiva que ela propõe.
A valorização dessa dimensão experiencial e experimental a partir das
propostas avaliativas dos serviços educativos de Museus de Arte é tratada neste
18
texto pois, como afirma Júlia Rocha Pinto na sua tese de doutoramento –
Reflexões sobre o meio: o espaço entre a Escola e o Museu de Arte
Contemporânea (2015) –, a avaliação nos museus está cada vez mais focada
na experimentação do participante e pode ser vista como um exemplo para o
ensino da arte nas escolas.
A transformação do papel do público na arte contemporânea também
pode ser vista como exemplo para a transformação do papel e da importância
do aluno na sua própria aprendizagem e, consequentemente, no seu próprio
processo de avaliação e auto-avaliação. Também no teatro contemporâneo,
como afirma Cláudia Madeira, o público é o núcleo central e não receptor
passivo. Os alunos também não são receptores passivos ou, pelo menos, não
deveriam ser. Eles são agentes da sua própria aprendizagem e podem perceber
a escola como muito significativa na sua formação, desde que possam exercer
a sua autonomia e desenvolvê-las constantemente.
Para tentar perceber como é que a arte vem sendo trabalhada nas
escolas, também foi realizada uma breve entrevista com professores de artes de
escolas básicas e secundárias brasileiras e portuguesas, que mostrou muitas
semelhanças no modo de pensar, apesar de uns professores se mostrarem mais
receptivos (e outros menos), à ideia de que o aluno pode e deve participar na
sua própria avaliação.
Cabe salientar que não houve entrevistas com os próprios alunos, pois as
entrevistas foram feitas com o objetivo de compreender como os professores
veem a avaliação e detectar se eles dão abertura para que os alunos participem
da sua própria avaliação.
E, para completar, foi feito um levantamento de algumas teses ou
trabalhos de investigação elaborados por estudiosos ou profissionais da área da
educação artística – os chamados ‘especialistas’ – que tratam do tema da
avaliação, com o intuito de apurar a existência (ou não) de alguns pontos de
contacto nos seus discursos quanto à pertinência (e exequibilidade) da busca
por uma avaliação participativa.
19
Capítulo 1
1. Redução da percepção: a construção histórica do modo de pensar o
ensino e a avaliação
Para entender o atual estatuto do olhar, que parece ser restrito e focado,
sendo que esse foco elimina os detalhes e, ao mesmo tempo, define-o como
sendo o todo, o qual é visto somente na amplidão e não nos detalhes, faz-se
necessário fazer uma breve volta ao passado, no sentido de entender como se
formou historicamente esse olhar que é focado em quantificação, e que parece
“mecanizado”.
1. 1. Um breve olhar histórico sobre a construção da visão a partir da
racionalização do olhar
Na escrita desta breve história, utiliza-se como ponto de partida, e como
base teórica, o livro de Jonathan Crary, Técnicas do observador: visão e
modernidade no século XIX (2012), que trata da história da visualidade no século
XIX, a qual, de certa forma, ainda define o estatuto atual da visão.
Compreende-se que o rápido e intenso desenvolvimento da tecnologia no
século XX, acabou por causar um novo modo de relação entre o sujeito
observador e os modos de representação, pois a produção de imagens, ao se
apropriar da tecnologia, contribuiu para um novo ‘modelo dominante de
visualização’. Como diz Crary (2012), essas imagens dialogam com as
necessidades industriais emergentes no século XIX, de acesso célere à
informação, e que, de certa forma, se repetem com a emergência tecnológica do
século XX.
Crary examina alguns acontecimentos que foram definidores de um certo
processo de abstração da visão, e que ocorreram, especialmente entre as
décadas de 1820 e 1830, pois é nessa época que, no entender do pesquisador,
20
um novo tipo de observador se formou, devido a uma forma de regulação do
corpo do sujeito observador, pelos regimes institucionais que o tomaram como
objeto de observação e conhecimento.
Com a ruptura dos modelos clássicos de representação, ou seja, com os
modelos renascentistas até então vigentes, surgiram novas formas de se pensar
e novas práticas sociais que acabaram por modificar as capacidades de
produção dos indivíduos e até mesmo as aspirações desses sujeitos. Também
se pode dizer que o surgimento do impressionismo causou certa desordem no
modo de ver predominante no século XIX, pois, de um lado, os artistas estavam
criando algo totalmente novo, mas, de outro lado, em um nível mais cotidiano,
os sujeitos continuavam a olhar e a representar o mundo com as mesmas
limitações normativas e realistas herdadas do modelo renascentista de
representação.
Nesse sentido, Crary afirma que o modernismo “se apresenta como o
advento de algo novo para um observador que permanece o mesmo e cujo
estatuto histórico não é questionado” (2012, p. 14). Os modelos de visão que
emergiram no século XIX, exigiam uma visão muito mais subjetiva, ao contrário
dos séculos XVII e XVIII, em que a subjetividade – e o seu modo de produção -
quase não era questionada, ou tida em consideração na sua historicidade, mas
assumida como algo natural, em vista de uma racionalidade sempre buscada.
Crary afirma que uma modernização da visão já havia começado em
décadas anteriores ao surgimento do impressionismo, que surgiu apenas como
um indício tardio dessa mudança no estatuto da visão. A modernização, para
Crary, começou por volta de 1820, e com esta afirmação o autor propõe que a
câmera obscura5 foi paradigmática para o estatuto do observador, assim como
outros instrumentos ópticos, que nos ajudam a entender as transformações no
modo de observar (Figura 2), já que podem ser vistos como pontos onde se
cruzam alguns discursos científicos e filosóficos com técnicas mecânicas, que
5 Analisando a evolução da fotografia, o autor observa que essa evolução se relaciona diretamente com a história da relação do observador com o mundo exterior, pois os dois desenvolvimentos acontecem concomitantemente.
21
vêm de pretensões institucionais e econômicas. Para deixar mais claro, o autor
afirma que não se tratam de instrumentos ópticos somente pelos modelos de
representação que originam, mas de instrumentos ópticos “como lugares de
saber e de poder que operam diretamente no corpo do indivíduo” (Crary, 2012,
p. 17).
Figura 2. Esquema com semelhanças entre a câmera obscura e o olho humano realizado no
início do século XVIII (CRARY, 2012, p. 53).
É importante resgatar aqui esta questão trazida por Crary sobre os
instrumentos ópticos e a atuação direta na constituição dos corpos, pois esta
afirmação confirma um processo de naturalização da visão, que nos constitui
sem que se tenha disso uma consciência, como se verá a seguir, e com o qual
os professores continuam a atuar (e a compactuar), na avaliação dos alunos.
22
De outro modo, a modernização6, por fazer surgir novas formas de
produção e de consumo, interfere também nas necessidades dos sujeitos, que
são inseparáveis desse processo, e que passam a circular nos espaços urbanos
utilizando-se mais dos variados meios de locomoção, como o comboio (ou trem,
como lhe chamamos no Brasil).
Devido ao ritmo de velocidade que a indústria suscita no cotidiano dos
indivíduos, que passam a ver a realidade também como uma realidade de
mercadorias e de objetos funcionais, os quais passam a ser produzidos em série,
ao mesmo tempo em que a fotografia passa a industrializar a criação de imagens
e a causar impacto social, a visão tornou-se objeto de estudo científico e
filosófico, bem como o funcionamento dos instrumentos ópticos. Sobre esses
estudos, Crary afirma:
Com isso, acumulou-se conhecimento sobre o papel constitutivo do corpo na apreensão do mundo visível, e rapidamente ficou claro que a eficiência e a racionalização em muitas áreas da atividade humana dependiam da informação sobre as capacidades do olho humano. Um resultado da nova óptica fisiológica foi expor as idiossincrasias do olho “normal”. As pós-imagens retinianas, a visão periférica e binocular e os limiares da atenção foram estudados, tendo em vista determinar normas e parâmetros quantificáveis. A preocupação generalizada com os defeitos da visão humana definiu mais precisamente um contorno do normal e gerou novas tecnologias para impor uma visão normativa ao observador. (CRARY, 2012, p. 25)
Uma condição para essa imposição de uma visão normativa – que trata
de administrar a percepção –, foi tornar a visão um sentido autônomo, separado
dos outros sentidos7. Dessa forma, foi possível formar um novo observador-
consumidor, e a observação, que passou a visar sempre ao utilitarismo, acabou
por não dar espaço a uma percepção contemplativa.
6 Para Jonathan Crary “a modernização é um processo pelo qual o capitalismo desestabiliza e torna móvel aquilo que está fixo ou enraizado, remove ou elimina aquilo que impede a circulação, torna intercambiável o que é singular” (2012, p. 19). 7 Guy Debord, ao falar da sociedade do espetáculo – no seu livro The society of Spectacle (1990) –, já havia referido essa separação dos sentidos. “O espectáculo, como tendência a fazer ver (por diferentes mediações especializadas) o mundo que já não se pode tocar diretamente, serve-se da visão como o sentido privilegiado da pessoa humana – o que em outras épocas fora o tato; o sentido mais abstrato, e mais sujeito à mistificação, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual” (Crary, 2012 p.27).
23
A câmera obscura contribuiu para isso, pois ela separa o corpo do
observador da sua visão, ou seja, do ato de ver. Nas palavras de Crary, há, com
isso, uma “descorporificação da visão” e a câmera obscura “impede a priori que
o observador veja a sua posição como parte da representação” (2012, p. 47). O
espaço da câmera obscura, que é escuro e separado do seu exterior, colabora
para essa dissociação do corpo com o sentido da visão. A este respeito, Crary
também afirma:
O espaço da câmera escura, seu enclausuramento, sua escuridão, sua separação de um mundo exterior encarnam o ‘fecharei agora os olhos, taparei os ouvidos, desviar-me-ei de todos os sentidos’ de Descartes. (CRARY, 2012, p. 49)
Além disso, a câmera obscura, através do seu ponto central onde é
possível visualizar o que está fora da câmera, colabora para que o sujeito passe
a aceitar que existe um único ponto em que a desordem pode ser solucionada,
que existe uma única verdade, uma única possibilidade de ordem, que não leva
em conta as subjetividades, sendo que este mesmo princípio pode também ser
observado nas relações dos professores com os exames propostos e na
avaliação dos alunos, como se sempre houvesse um ‘certo’ e ‘errado’, numa
tentativa de tornar objetivo o que muitas vezes é subjetivo.
Apesar da invenção da câmera obscura ser datada do início do século
XIX, e ter contribuído para a formação de um observador que possui, de certa
forma, uma visão condicionada em relação ao mundo, visão esta que, como
vimos, já foi esboçada antes mesmo da invenção da câmera obscura, ainda
assim, durante muito tempo, a atenção foi voltada para modos de produzir e de
se relacionar com o mundo exterior que visavam sempre uma forma cada vez
mais racional, que separa o ato de ver do corpo físico, tal como separa a arte da
ciência, o inteligível do sensível.
Partindo dessas questões históricas que comprovam o modo racionalista
de se ver e perceber a realidade, pode também entender-se o modo racionalista
de avaliação vigente ainda hoje, mas que não faz mais sentido na
contemporaneidade.
24
Ainda hoje, passados quase dois séculos de alguns dos acontecimentos
que, na cultura ocidental, moldaram esta forma dominante de ver e perceber a
realidade, pode observar-se o quanto as perspectivas mais racionalistas ainda
estão presentes na nossa forma de ensinar, aprender e avaliar, e o quanto ainda
são aceites como um modelo inquestionável de pensar e de agir. Além da
racionalidade, a eficiência – principalmente no que se refere à produção
industrial8 –, é sempre almejada, como se essa fosse não apenas a principal
busca, mas a única via para a sobrevivência e salvação, do ser humano.
Com os avanços tecnológicos e industriais, o antigo artesão tornou-se o
novo operário, e precisou de se adaptar às novas necessidades da produção
industrial e econômica de massas. Conforme afirma João Francisco Duarte
Júnior em O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível:
Desde sempre, o artesão se mostrara senhor de seu trabalho, levando, ao longo dos dias, uma vida regida organicamente pelo próprio corpo e em concordância com as alterações sazonais do mundo. Quer dizer: concorde com a estação do ano, trabalhava segundo a sua necessidade, comia ao ser solicitado pelo estômago, dormia sob o imperativo do sono, etc. Seus horários e seu regime de atividades se davam em consequência de um ritmo vital, orgânico, corporal. Entretanto, ao se empregar numa daquelas nascentes indústrias, ao se tornar funcionário de uma organização, sua atividade diária passou a ser regida por uma lógica que lhe era exterior, qual seja, a da nova produção industrial. Ocorrência que o obrigou a dormir, a acordar, a comer e a trabalhar em conformidade com os horários estabelecidos por uma racionalidade produtiva a ele externa e totalmente alheia às suas demandas corporais. Por isso, não é demais afirmar-se que, primordialmente e em termos dos indivíduos, a Revolução Industrial significou um radical processo de reeducação do corpo humano. (JUNIOR, 2000, p. 51).
8 A este respeito, João Francisco Duarte Junior (2000) cita Kujawski, quando este afirma: “Salta-se do manuscrito para a imprensa, da navegação costeira para a volta ao mundo, do empirismo para a ciência, do artesanato para a indústria, ao cabo de muito pouco tempo. A eficácia torna-se a tal ponto o denominador comum de todos os empreendimentos, não só materiais como científicos, jurídicos, políticos (...), culturais, que a modernidade não demora a criar certa forma de legitimidade, que será típica dela e a única que ela tem condições de criar: a legitimidade pela eficiência. Algo é eficaz, produz bons resultados a baixo custo? Pois então é legítimo, impõe-se por si mesmo e não há que discutir quanto a sua adoção. Esta é a sensibilidade moderna em toda a sua crueza secular e em todo o prosaísmo burguês da razão calculadora. O que é eficaz, em princípio é bom, seja para o bem material ou a salvação da alma, para o enriquecimento ou o reforço do Estado, para a educação dos jovens ou para a conduta moral” (Junior APUD Kujawski (data) A crise do século XX, p. 139).
25
Contudo, ao analisar os modelos de produção industrial, que interferem
diretamente nos modos de perceber e de se relacionar com o mundo exterior, é
possível verificar uma tendência, que foi surgindo ao longo dos tempos, e que
consiste em deixar de lado essa racionalização excessiva e buscar uma certa
flexibilização nos modelos de produção, levando em conta uma maior qualidade
de vida do trabalhador que contribui, por sua vez, para uma melhoria também na
qualidade dos produtos fabricados.
Fazendo uma breve retrospectiva dos modelos de produção, podemos
observar que, devido uma necessidade de economia de tempo do trabalhador e
visando ao aumento da sua produtividade, nos anos 1970 surgiu um modelo de
produção denominado Taylorista/Fordista que, resumidamente, se caracterizou
pela fragmentação das tarefas, pela produção em série, com uma unidade de
comando, com a subordinação do interesse particular ao interesse geral, com a
fabricação de grandes stocks de produtos duráveis, com a rigidez de leis e
regulamentos e uma busca constante pela racionalização e padronização de
métodos.
Numa ilustração de 1899, os artistas franceses Jean Marc CotÍ e Villemard
já denunciavam os alunos como receptores passivos do conhecimento,
ilustrando uma escola dos anos 2000 imaginada pelos artistas. Na ilustração
(figura 3) vemos os estudantes de mãos cruzadas em cima de suas mesas, com
capacetes de metal que são ligados por cabos elétricos onde são colocados
livros pelo professor. A função do aparelho parece ser extrair a informação dos
livros e introduzi-las no cérebro dos estudantes. O postal fez parte de uma série
produzida para a Exposição Universal de Paris, em 1900.
26
Figura 3. Ilustração dos artistas Jean Marc CotÍ e Villemard retratando uma escola imaginada
dos anos 2000.
Também, o professor Antonio Dias de Figueiredo, numa entrevista ao
Jornal Público, refere que a educação do século XXI está a ser construída com
visões da educação do século XIX produzindo alunos de modo industrial, que é
chamada pelo autor de escola uniformizada. Para ilustrar, Figueiredo mostra
uma imagem (figura 4) que está dividida em duas partes (com duas mensagens
distintas, senão opostas). Na primeira parte, vemos um grupo de figuras
humanas estilizadas, com cores diferentes, e que estão distribuídas por vários
grupos com organizações heterogéneas, debaixo da legenda: What today’s
world needs (Aquilo de que o mundo de hoje precisa). Na segunda parte, as
mesmas figuras humanas estilizadas surgem todas pintadas de cinzentos,
milimetricamente alinhadas e distribuídas em filas iguais, debaixo da legenda
que diz: What the school systems are producing (Aquilo que os sistemas
escolares estão a produzir). Esta última imagem remete-nos para outras
associações visuais e metafóricas como, por exemplo, as imagens que hoje
temos dos produtos alinhados nas prateleiras de um supermercado, ou a idéia
de que os sistemas escolares produzem meras figuras humanas, que são
fabricadas numa linha de montagem e, daí, seguem para o mercado.
,
27
Figura 4. Imagem que ilustra alunos dispostos em linhas de montagem
Portanto, vemos que as duas imagens anteriormente mencionadas
(figuras 3 e 4), retratadas com uma diferença de mais de 100 anos, ainda criticam
o mesmo: uma educação que torna os indivíduos formatados, uniformizados;
uma educação que não considera as suas diferenças.
Porém, posteriormente, devido à crise econômica dos anos 1980 e 1990,
o mercado global competitivo e o modelo industrial fundado na produção de
massa passaram a estar sujeitos a imprevistos permanentes e novas
necessidades surgiram. O Estado precisou de se reestruturar e modernizar para
poder responder com maior rapidez e eficiência às constantes mutações do
mercado global e às demandas sociais. Surge, dessa forma, o modelo flexível9,
9 Na educação, o modelo flexível se assemelha ao atual modelo de gestão democrática escolar. De acordo com Campos e Rodrigues: “esse processo de transição do modelo taylorista-fordista para o modelo flexível, chamado de reestruturação produtiva, significou, no campo da sociologia
28
que é caracterizado pela descentralização, pela autonomia democrática, pela
inovação comercial, tecnológica e organizacional, por um trabalho operário
realizado em equipe e com variedade de funções, com base modular (ilhas de
produção isoladas); os horários se tornam flexíveis, o trabalho passa a ser
domiciliar ou por tarefas e há uma participação dos trabalhadores na tomada de
decisão.
Dessa forma, com esse novo modelo flexível, ainda muito recente, tem-
se formado um observador que é mais autônomo e que pode buscar perceber
as coisas de forma não tão automática, mas sim contemplativa e também
reflexiva. As generalizações, em muitos casos, não fazem mais sentido, e as
possibilidades de escolhas pelos sujeitos tornam-se mais plausíveis.
Nas considerações de Alexandre Melo, em Globalização Cultural (2002),
sobre “o fim da crença na bondade do progresso ilimitado e da novidade a todo
o custo”:
Ao contrário da hegemonia unidirecional de uma única tendência – uniforme – impõe-se uma situação de relativismo e pluralismo generalizados em que quase tudo é possível, ao mesmo tempo ou em momentos sucessivos, deixando a cada indivíduo ou grupo uma imensa liberdade de escolha entre diferentes combinações e opções possíveis. Já não é mais possível seguir a moda porque já não há uma moda. Cada um tem de assumir a responsabilidade de compor a sua própria imagem, fazer a sua própria moda, a partir da enorme diversidade das modas disponíveis. (MELO, 2002, p. 69)
Tendo levantado este breve histórico, confirma-se a necessidade de fazer
uma retrospectiva da história da visualidade, para se buscar alguns elementos
que possibilitem uma explicação para o olhar condicionado que se observa
do trabalho, uma progressiva substituição da noção de “qualificação” pela de “competências”. Enquanto a primeira concepção, mais estanque, relaciona-se aos conhecimentos necessários para o exercício de uma determinada função, a segunda pode ser definida sinteticamente como o “conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes a serem mobilizados para determinada atividade humana”. Assim, a noção de qualificação é flexibilizada pela ideia de competências, o que a torna menos rígida, além de valorizar características individuais. Portanto: “assim, a escolaridade passa a significar mais um indicativo da ‘capacidade de aprendizado’ que uma credencial para o exercício de determinadas tarefas. Consequentemente, a ênfase é deslocada da educação técnica para a educação básica, que permite o desenvolvimento de uma mentalidade com maior receptividade ao novo.” (2011, p. 60)
29
atualmente. Esta retrospectiva possibilita algumas reflexões sobre as
observações realizadas nas escolas, que mostram que ao falarmos de cultura
moderna ou, até mesmo, de cultura visual, é necessário ter em mente a relação
histórica entre isso a que podemos chamar modernismo (tecnológico ou artístico)
e os processos de racionalização do corpo e do pensamento, que estiveram na
base daquilo que hoje identificamos com o desenvolvimento científico e
econômico, e com os modelos industriais da produção e do consumo de massas,
a uma escala global. Por outro lado, estas reflexões permitem-nos perceber que
a visão e a percepção são produtos de uma construção histórico-cultural e, como
tal, não universal. Portanto, assim como afirma Walter Benjamin: “o modo em
que a percepção sensorial do homem se organiza – o medium em que ocorre –
é condicionado não só naturalmente, como também historicamente” (1992, p.
80).
Penso ser muito significativo o entendimento da origem de formas
específicas de visão, para que se possam construir propostas de ampliação do
universo encontrado. Por outro lado, para corroborar a ideia de uma visão não
universal, deve ter-se ainda em consideração que esta não universalidade do
modo de ver se confirma e pode ser vista também quando analisamos o modo
como os orientais se relacionam com o mundo e com as coisas. Em Elogio da
Sombra, Tanizaki10 (1999) observa a imensa diferença da cultura oriental para a
ocidental. O que encanta os orientais pode desagradar-nos muito, como, por
exemplo, os efeitos da sombra (Tanizaki explica que se a luz das residências
orientais fosse brilhante, todo o encanto se dissiparia), a sujidade nos objetos
(que os remete ao tempo que se passou), a disposição da cozinha - segundo
Tanizaki (1999), a cozinha oriental não foi feita para se comer, mas para se olhar
e meditar.
Tanizaki chega a questionar como teria sido se os orientais e ocidentais
não tivessem elaborado distintas civilizações. Para o autor, esse olhar dos
10 Junichiro Tanizaki (1886-1965) é considerado um dos principais autores da literatura japonesa moderna e, depois de Natsume Soseki, é o mais popular romancista japonês. Tanizaki valorizava a arte e beleza em contraposição ao objetivismo da época. Foi o primeiro autor japonês eleito membro honorário da American Academy and Institute of Arts and Letters.
30
orientais, que não é direcionado para a matéria estritamente utilitária, se justifica
porque os orientais se satisfazem com os limites que lhe são impostos, diferente
dos ocidentais, que estão sempre em busca da claridade, em busca do
progresso, e questiona:
Qual poderá ser a origem de uma diferença de gostos tão radical? Pensando bem, é porque nós, Orientais, procuramos acomodar-nos aos limites que nos são impostos, que desde sempre nos satisfizemos com a nossa presente condição; consequentemente, não sentimos repulsa alguma pelo que é obscuro, resignamo-nos a ele como a algo de inevitável: se a luz é fraca, pois que o seja! Mais, afundamo-nos com delícia nas trevas e descobrimos-lhe uma beleza própria. Pelo contrário, os Ocidentais, sempre à espreita do progresso, agitam-se incessantemente na procura de uma condição melhor que a atual. Sempre em busca de uma claridade mais viva, afadigaram-se, passando da vela ao candeeiro de petróleo, do petróleo ao bico de gás, do gás à iluminação elétrica, para cercar o menor recanto, o último refúgio da sombra. (TANIZAKI, 1999, p. 65).
Essa forma dos orientais, tão diferente de estar no mundo, faz-nos ver
que a construção da nossa percepção está condicionada pela nossa cultura e
pela nossa história, mas também nos possibilita ver que existe um outro lado, e
que, de alguma forma – mesmo que, nesse sentido, Tanizaki se tenha mostrado
pouco otimista11 –, talvez seja possível, não ignorar os avanços científicos e
tecnológicos, mas viver visando uma maior consciência de nossas percepções,
uma maior autonomia, e um estar no mundo que leve em conta a contemplação
também das coisas ínfimas, assim como a valorização da experiência e a
consciência da subjetividade: a nossa e a dos outros. Desse modo se pode
visualizar um caminho em que o cotidiano, assim como o ensino, não se torne
tão fatigante e desprovido de sentido, quer para nós (professores) quer para os
alunos (os outros).
11 Na última página de Elogio da Sombra, Tanizaki afirma: “Mas basta de recriminações, sou o primeiro a reconhecer que os benefícios da civilização contemporânea são incontáveis, e além disso os discursos não irão modificar nada; o Japão está irreversivelmente embrenhado nas vias da cultura ocidental, de tal forma que só lhe resta avançar valentemente, deixando pelo caminho aqueles que, como os velhos, são incapazes de prosseguir. (...) Para finalizar, a minha intenção ao escrever isto era a de colocar a questão de saber se, em tal ou qual direção, por exemplo nas letras ou nas artes, não subsistiria alguma maneira de compensar os estragos” (1999, p. 77).
31
1. 2. O exame vinculado a uma relação de competitividade e exclusão
Apesar dessa ‘mudança’ no modo de ver, que lentamente pode ser
observada, ainda há uma resistência por parte das escolas em mudar também o
modo de avaliar para que o ensino e a aprendizagem passem a ser encarados
como algo mais participativo e democrático e não mais hierárquico.
Maria Clara Brito (2014), na sua tese de doutoramento intitulada As
Disciplinas de Desenho e de Educação Visual no Sistema Público de Ensino em
Portugal, entre 1836 e 1986: Da Alienação à Imersão no Real, ao tratar sobre a
história do ensino do desenho, verifica que a vocação utilitária do desenho
começa em Portugal já em 1772 (de acordo com os Estatutos Pombalinos da
Reforma da Universidade de Coimbra), onde o desenho é incluído como uma
disciplina optativa do curso de Medicina, com a finalidade de possibilitar aos
estudantes o conhecimento necessário para a execução de estampas botânicas
e anatómicas. Primeiramente, no sistema clássico de ensino, que perdurou até
meados do século XX em Portugal, os estudantes estudavam geometria, a fim
de terem uma base sólida nesse conhecimento.
Segundo Clara Brito, uma reação contra o modelo de escola tradicional
surgiu com a Escola Nova, uma escola “aberta, descentralizada e crítica da
sociedade” (2014, p. 55). Faria de Vasconcelos, defensor da Escola Nova,
defendia um ensino do desenho muito diferente daquele que estava em vigência
na época12. Para Faria de Vasconcelos, o ensino do desenho “não deveria ter
como finalidade fazer desenhadores, mas ensinar a criança a ver, a olhar e a
observar” (2014, p. 56).
Portanto, também na aprendizagem do desenho se verifica que,
historicamente, o seu ensino está associado a uma racionalidade que privilegia
12 Segundo Clara Brito “O novo método defendido por Faria de Vasconcelos baseava-se nos seguintes princípios: O desenho educa a vista (incidência na observação detalhada); O desenho desenvolve a memória (a memorização visual permitirá uma melhor compreensão de um objeto); O desenho desenvolve a atenção e a vontade (partindo de objetos do interesse da criança); O desenho desenvolve o raciocínio (pela análise das partes, suas relações e respetiva verbalização)” (2014, p. 56).
32
a dimensão utilitária, que ainda hoje pode ser observada na relação dos
professores e dos alunos com o ensino. Assim como afirma Brito “aprender a ver
e a desenhar continua sujeito a uma oferta de modelos, cuja estética e cultura
visual têm como referente a arquitetura do passado” (2014, p. 63).
Ainda sobre o ensino do desenho, Catarina Martins (2011) discorre sobre
o desenho da figura humana que, em muitos casos, fixa limites – a autora chama
essa forma de regulação de gramática do corpo -, como quando se divide o corpo
humano em módulos, de modo a parecer uma estátua perfeita, a fim de realizar
um desenho condizente com a ‘realidade’. Dessa forma, o modo de fazer o
desenho modifica também o modo de ver de quem desenha. Assim, segundo a
autora, “A educação do olhar e o treino da mão assumiram-se como tecnologias
morais e disciplinares ao serviço de uma tecnologia económica” (2011, p. 155).
Isso significa que, a partir do momento em que há uma série de regras para um
desenho “correto”, a vontade do sujeito é subordinada a um poder disciplinar.
Assim, até mesmo na prática do desenho o aluno desde cedo é preparado para
um trabalho futuro que é mecânico, centrado na eficiência e na produtividade.
Nessa busca constante pela eficiência a todo custo (e de acordo com as
conhecidas teorias de Karl Marx acerca das relações entre trabalho e capital na
sociedade industrial), o produto do trabalho domina o trabalhador, que exerce
uma atividade passiva. O trabalho acaba se transformando em objeto, é feito de
forma automática e exige pouca necessidade de reflexão acerca dele. O
trabalhador acaba por se submeter ao domínio do objeto produzido, ou seja, do
capital. É precisamente essa apropriação do trabalho (e do sujeito trabalhador)
pelo capital e sua correspondente submissão ao estatuto de um objeto (produto,
mercadoria), que o autor designa como alienação. Segundo Marx:
Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção directa a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens. (MARX, 1993, p. 159)
O trabalho acaba por ter a função de satisfazer uma única necessidade
que é a existência física. Ainda, segundo Marx, devido ao mercado industrial,
33
observa-se a alienação da sociedade, que anula a personalidade própria de cada
indivíduo. Dessa forma, o comportamento dos estudantes é algo que muitas
vezes se pode prever, pois agem de modo estereotipado também ao tentar evitar
esforço intelectual, já que estão acostumados a agir mecanicamente em
algumas situações. Como no cartoon de David Horsey (figura 5), que denuncia
o sistema educacional, o aluno acaba “ficando para trás” se não segue o modelo
padrão de ensino. O mais curioso (e irônico) neste cartoon, é que o aluno ‘em
risco’ de ficar para trás, é precisamente, aquele que está empenhado em saltar
janela fora para responder aos apelos lançados pelo avião que passa a voar, e
que o chama a seguir o caminho das artes!
Figura 5. No cartoon de Horsey, os estudantes usam capacetes transmissores de
conhecimento onde está escrito “tests”. Enquanto isso, as artes voam no céu, e a única criança que se mostra interessada em seguir esse apelo, parece estar condenada – segundo diz o
professor – a “ficar para trás”…
Muitas vezes se observa professores explicando aos seus alunos o que
devem fazer de uma forma extremamente ‘objetiva’, sem deixar espaços para os
estudantes refletirem além dessa suposta ‘objectividade’ que se está propondo,
34
colaborando para o comportamento de obediência e subordinação dos
estudantes, e para uma atitude de reverência perante o conhecimento (e perante
o professor como dono da verdade e do conhecimento verdadeiro). Porém,
quando os professores se demitem da sua posição autoritária ou abandonam
abruptamente essa conduta tradicionalmente expectável, deixando os alunos
mais ‘livres’, paradoxalmente, pode gerar-se muita ansiedade no próprio grupo
de alunos, como nos diz Bleger:
A manutenção e repetição das mesmas condutas e normas – de modo
ritual – acarreta a vantagem de não se enfrentarem mudanças nem
coisas novas e, assim, evitar-se a ansiedade. Porém, o preço desta
segurança e tranquilidade é o bloqueio do ensino e da aprendizagem,
e a transformação destes instrumentos no oposto daquilo que devem
ser: um meio de alienação do ser humano. (BLEGER, 1989, p. 57)
Adorno e Horkheimer, sobre essa atitude na época da indústria cultural –
termo criado pelos autores para caracterizar a condição da arte na sociedade
capitalista industrial –, afirmam:
O espectador não deve ter a necessidade de nenhum
pensamento próprio, o produto prescreve toda a reação: não por
sua estrutura temática – que desmorona na medida em que
exige o pensamento – mas através de sinais. Toda ligação lógica
que pressuponha um esforço intelectual é escrupulosamente
evitada. (ADORNO E HORKHEIMER, 2009, p. 7-8)
Portanto, para os autores, a indústria cultural padroniza e nivela a
subjetividade e o gosto de seus consumidores. Ela não colabora para o
desenvolvimento da autonomia e do senso crítico e, dessa forma, não promove
a imaginação e a espontaneidade dos indivíduos.
Também segundo os autores, o valor crítico da obra de arte, seja ela
erudita ou popular, na era da indústria cultural, é aniquilado por não possibilitar
a participação intelectual do público, ou seja, a arte na sociedade capitalista
industrial propicia uma visão passiva do espectador, que não se vê encorajado
a realizar um esforço pessoal em busca de uma experiência estética. Na escola,
observa-se isso pela forma como todos os estudantes são tratados, de modo a
desvalorizar totalmente as suas diferenças, como nos testes que são iguais para
35
indivíduos que não são iguais, mas que visam a obtenção dos mesmos
resultados, ignorando as diferenças que poderiam ser enriquecedoras. O
‘cartoonista’ Mike Keefe ilustra ironicamente aquela que representa a maior das
contradições pedagógicas: a aplicação de um método de “seleção justa” entre
indivíduos cujas diferenças são obvias (figura 6).
Figura 6. Ilustração de Mike Keefe da série Standardized Testing
Pode dizer-se que a indústria cultural – ou melhor, a cultura entendida
como uma indústria, submetida às lógicas da economia e do princípio da
produtividade e do lucro, a qualquer preço – neutraliza a sociedade na sua
diversidade e, assim, produzindo e naturalizando toda uma máquina da exclusão
que, por sua vez, fabrica modos de ser acríticos que reproduzem
constantemente conteúdos e comportamentos previsíveis (ou seja, conteúdos e
comportamentos que são meros produtos que antecipam os desejos de
consumo do próprio mercado). As pessoas acabam por ter receio em
experimentar aquilo que não conhecem, que nunca antes foi experimentado. E
é partindo desta constatação – precisamente para questionar e reverter esse
modo de produção industrial (e escolar) das subjetividades –, que se pode e
deve pensar num outro modo de avaliar que valorize mais as experiências (e a
36
experimentação) do que a reprodução acéfala de conteúdos curriculares, sendo
que esse questionamento e essa experimentação são algo que se torna não
apenas necessário, mas urgente, na contemporaneidade, na medida em que
questionar e experimentar aquilo que se aprende (e o modo como se aprende)
é valorizar a autoconsciência e a autonomia dos estudantes em relação à sua
própria aprendizagem.
Ainda no sentido de perceber o quanto o sistema de produção interfere na
relação dos professores e estudantes, assim como no cotidiano dos indivíduos,
percebe-se também o quanto a vigilância e o controle estão presentes nessas
relações pedagógicas. A função de vigilância é também uma função do capital,
conforme nos diz Marx. Isso vai ao encontro do que afirma Michel Foucault em
Vigiar e Punir:
À medida que o aparelho de produção se torna mais importante e mais complexo, à medida que aumentam o número de operários e a divisão do trabalho, as tarefas de controle se fazem mais necessárias e mais difíceis. Vigiar se torna então uma função definida, mas deve fazer parte integrante do processo de produção; deve duplicá-lo em todo o seu comprimento. (FOUCAULT, 2011, p. 168)
Assim, pode afirmar-se, com Foucault, que “uma relação de fiscalização,
definida e regulada, está inserida na essência da prática do ensino: não como
uma peça trazida ou adjacente, mas como um mecanismo que lhe é inerente e
multiplica a sua eficiência” (2011, p. 170). Sobre as causas do sucesso do poder
disciplinar, Foucault afirma que “se deve sem dúvida ao uso de instrumentos
simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num
procedimento que lhe é específico, o exame” (2011, p. 164). Assim, o exame, o
teste, alimentam uma relação de poder vinculada a uma relação de
competitividade, regulamentação e controle:
O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados. É por isso que, em todos os dispositivos de disciplina, o exame é altamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade. (FOUCAULT, 2011, p. 177)
37
De acordo com Foucault, há sempre um “mecanismo penal” na essência
de todos os sistemas disciplinares, e por isso “os aparelhos disciplinares
hierarquizam, numa relação mútua, os ‘bons’ e os ‘maus’ indivíduos” (2011, p.
174). Ou seja, os indivíduos são medidos em termos quantitativos, são
hierarquizados de acordo com suas capacidades, e penalizados, diferenciados,
comparados. Há, portanto, um
Duplo efeito consequentemente dessa penalidade hierarquizante: distribuir os alunos segundo suas aptidões e seu comportamento, portanto segundo o uso que se poderá fazer deles quando saírem da escola; exercer sobre eles uma pressão constante, para que se submetam todos ao mesmo modelo, para que sejam obrigados todos juntos “à subordinação, à docilidade, à atenção nos estudos e nos exercícios, e à exata prática dos deveres e de todas as partes da disciplina.” Para que todos, se pareçam. (FOUCAULT, 2011, p. 175)
O exame é uma das formas desse controle, que permite a punição, e é
onde as relações de poder se tornam mais nítidas:
O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção
que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite
qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma
visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados. É
por isso que, em todos os dispositivos de disciplina, o exame é
altamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a
forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da
verdade. No coração dos processos de disciplina, ele manifesta a
sujeição dos que são percebidos como objetos e a objetivação dos que
se sujeitam. A superposição das relações de poder e das de saber
assume no exame todo o seu brilho visível. (FOUCAULT, 2011, p. 177)
A partir do que afirma Foucault, pode-se notar que nessa relação
hierárquica, o professor tem a possibilidade de transmitir o seu conhecimento ao
aluno, mas “retira do aluno um saber destinado e reservado ao mestre”. (2011,
p. 179). É uma objetivação que limita, que reduz, pois torna os alunos como
objetos que são analisáveis e descritíveis, que podem ser moldados de acordo
com um ideal de produção infinita do mesmo, isto é, o saber e a palavra do
mestre. Modos de pensar, de agir, de relacionar-se com o outro e com o mundo,
originam-se nessa relação hierárquica, conforme diz o autor:
38
Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos
negativos: ele “exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “abstrai”,
“mascara”, “esconde”. Na verdade o poder produz; ele produz
realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo
e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção.
(FOUCAULT, 2011, p. 185)
Nota-se, portanto, que a partir de uma perspectiva histórica, podemos
entender o atual modo de avaliar, de ensinar, de se relacionar com as coisas e
com as pessoas, mas que, principalmente, a partir disso, se torna possível
pensar num modo de combater o modelo racionalista que não leva em conta a
experimentação, e num modo de avaliar que seja mais aberto, intuitivo, que
reforce as individualidades, mas, ao mesmo tempo, respeite as diferenças, que
combata a lógica da competição pela competição, que leve em conta as
subjetividades, e que possibilite que o aluno se abra ao desconhecido,
percebendo a importância da experimentação e da liberdade de conhecer.
39
Capítulo 2
2. Estudo comparado: o que dizem as leis e os modelos de ensino no Brasil
e em Portugal
O que vale a pena ser ensinado? Recorro à resposta, bem conhecida
de Olivier Reboul: vale a pena ser ensinado tudo o que “une” e “liberta”
simultaneamente. O que une, isto é, o que permite a cada um integrar-
se numa sociedade, como as línguas, a história, a comunicação, a
aprendizagem do diálogo, do viver em conjunto. O que liberta, isto é, o
que permite a cada um ir além do seu destino, libertar-se pela ciência
e pelo conhecimento, pela expressão pessoal, pela leitura, pelas artes.
Dito de outro modo, é preciso que as crianças aprendam os valores de
integração social e os valores de libertação individual. (NÓVOA, 2017,
p. 45)
Pretende-se, nesse capítulo, analisar as legislação brasileira e portuguesa
relacionada com educação, especialmente a avaliação do processo de ensino-
aprendizagem, com o objetivo de comparar, assim como analisar as limitações
e as potencialidades da avaliação educacional.
Pensar em avaliação muitas vezes nos leva a pensar em exclusão, como
já dito no capítulo anterior. O que seria então necessário para pensarmos numa
avaliação inclusiva? De acordo com António Nóvoa, na conferência Que
currículo para o século XXI?:
Assegurar que todos os alunos tenham verdadeiramente sucesso. O
debate tem estado na ordem do dia, mas em bases erradas. O
problema não deve ser posto em termos de aprovação/reprovação e,
muito menos, com a obsessão estatística que tem toldado os cérebros
e as políticas. A simples aprovação, sem critério, é o pior serviço que
se pode prestar aos alunos mais desprotegidos, àqueles que mais
necessitam do conhecimento escolar. A reprovação como método é
um destempero que empurra os alunos para ciclos sucessivos de
insucesso e abandono, afastando-os cada vez mais da cultura escolar.
Só através da diferenciação e da diversificação será possível conciliar
o que parece inconciliável: uma elevada exigência com a integração de
todos. (NÓVOA, 2017, p. 39)
40
Torna-se, portanto, necessário também analisarmos o que dizem as leis.
A começar pela Lei de Bases do Sistema Educativo português (LBSE)13, no
artigo 1º, sobre âmbito e definição, afirma-se:
O sistema educativo é o conjunto de meios pelo qual se concretiza o
direito à educação, que se exprime pela garantia de uma permanente
acção formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da
personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade
(LBSE, 1986, p. 1)
Ainda, no artigo 2º, sobre princípios gerais, a lei diz que:
É da especial responsabilidade do Estado promover a democratização
do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de
oportunidades no acesso e sucesso escolares. (LBSE, 1986, p. 2)
Percebe-se desde já uma preocupação com algo muito importante para a
criança e adolescente, o desenvolvimento da personalidade, assim como os
valores da democratização do acesso à escola e à educação.
Esses aspectos também estão presentes na Constituição Portuguesa,
sobre direitos e deveres culturais, no artigo 73º do Capítulo III, e ainda é
reforçado a questão da autonomia dos estudantes. De acordo com a
constituição, é dever do Estado incentivar e apoiar a investigação científica, mas
fala-se também desse apoio como forma de reforçar a competitividade.
O Estado promove a democratização da educação e as demais
condições para que a educação, realizada através da escola e de
outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades,
a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o
desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de
compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o
progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.
(...) A criação e a investigação científicas, bem como a inovação
tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado, por forma a
assegurar a respectiva liberdade e autonomia, o reforço da
13 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PORTUGUESA (1999). Lei de Bases do Sistema Educativo: processo legislativo. Lisboa: Assembleia da República. [Em linha]. [Consult. 02-08-2017]. Disponível em: http://www.cnedu.pt/content/noticias/CNE/Lei_de_Bases_86.pdf
41
competitividade e a articulação entre as instituições científicas e as
empresas.14 (1976, Artigo 73º, Capítulo III)
Já sobre avaliação, no Parecer sobre organização da escola e promoção
do sucesso escolar15, o Conselho Nacional de Educação (CNE) de Portugal,
entende que:
Qualquer apreciação que possa ser feita sobre instrumentos de
avaliação das aprendizagens não pode ser realizada fora do contexto
e dos princípios fundamentais do sistema de avaliação. Um desses
princípios merece um destaque especial: toda a avaliação da
aprendizagem terá de ser uma avaliação para a aprendizagem. Ou
seja, todo o instrumento de avaliação tem um potencial formativo, na
medida em que os seus resultados sejam apropriados por escolas,
professores e alunos com vista a melhorar os seus respetivos
desempenhos. Tradicionalmente, tende a estabelecer -se uma
dicotomia entre avaliação formativa e sumativa, confundindo -se a
finalidade com o processo avaliativo. Toda a avaliação é, pela sua
própria natureza, potencialmente formativa, tudo dependendo da forma
como ela é concebida, transmitida e apropriada por aqueles atores. (...)
A complexidade dos processos de desenvolvimento das capacidades
dos alunos ao longo do seu trajeto educativo exige a diversificação dos
instrumentos de avaliação e a sua utilização de forma equilibrada e
integrada. O recurso excessivo a um determinado tipo de instrumentos
torna a avaliação mais confinada, mais parcial e menos equitativa.
(CNE, 2016, p. 4981)
Portanto, a avaliação é tratada como meio para melhorar o desempenho
e por isso deve ser uma avaliação para a aprendizagem e equilibrada, integrada
e flexível no sentido de ser diversificada nos tipos de instrumentos de avaliação.
O CNE também afirma que avaliar não pode ser entendido como sinónimo de
castigo ou repressão, servindo antes para potenciar e aferir as aprendizagens
dos estudantes. Fala-se também em classificações, mas também na reflexão em
relação aos resultados alcançados e na participação dos alunos, dos pais e da
escola em geral:
14 ASSEMBLEIA CONSTITUINTE (1976). Constituição da República Portuguesa – V Revisão Constitucional. [Em linha]. [Consult. 02-08-2017]. Disponível em: http://www.parlamento.pt/const_leg/crp_port/index.html 15 CNE (2016). Parecer nº 5/2016. Diário da República, II série, Nº 222, 18 de Novembro de 2016, pp. 34472-34479. [Em linha] [Consult. 11-08-2017]. Disponível em URL: http://www.cnedu.pt/content/deliberacoes/pareceres/Organizacao_da_escola_e _promocao_do_sucesso_escolar.pdf
42
De forma regular essa avaliação deverá expressar-se através de
classificações — resultantes da aplicação de uma escala de medida —
suscetíveis de serem codificadas visando a sua comunicação ao aluno,
aos pais, encarregados de educação e à escola no seu todo. Essa
comunicação da informação pressupõe que se incentive a reflexão em
torno dos resultados alcançados, que se identifiquem os pontos fortes
e as fragilidades reveladas e, em consequência, que se definam as
ações necessárias para uma melhoria do desempenho. (CNE, 2016, p.
4981)
Sobre o caráter da avaliação e instrumentos que podem ser usados para
avaliar, percebe-se o quanto está presente a ideia de classificação e regulação:
A avaliação externa da aprendizagem tem como finalidade aferir e
regular a prossecução dos objetivos previstos no curriculum, sendo
realizada no final de cada ciclo de estudos e assumindo, em muitos
casos, um carácter sumativo. Os instrumentos poderão ser testes ou
exames que visam avaliar e classificar parte dos conhecimentos e
competências adquiridos. Sempre que possível estes instrumentos de
avaliação e os respetivos resultados deverão ser utilizados para, em
complemento com a avaliação interna, definir o perfil de desempenho
de cada aluno de forma a identificar carências ou potencialidades em
contexto de prosseguimento de estudos.
Porém, o CNE reconhece os impactos negativos da avaliação, e como
afirma, a “dramatização social dos exames”, que influenciam na vida
da escola, dos alunos, dos professores e das famílias.
4.1 — Nas escolas porque tendem a mobilizar os seus recursos para
que os alunos obtenham melhores resultados na avaliação dos
saberes das áreas disciplinares avaliadas, muitas vezes em detrimento
de outros saberes/objetivos (das áreas disciplinares não avaliadas)
indispensáveis à sua formação. A importância conferida aos resultados
dos exames, quer na avaliação externa das escolas quer na atribuição
de créditos horários, reforça essa mobilização das escolas para
obterem melhores resultados nas disciplinas objeto de avaliação
externa.
4.2 — Nos professores porque sentindo a pressão social para que os
seus alunos obtenham os melhores resultados, assumem uma parte
da responsabilidade pelo seu sucesso ou insucesso.
4.3 — Nos alunos porque são confrontados com um ato de avaliação
para o qual podem não estar psicologicamente preparados, tornando-
-se muitos deles extremamente sensíveis à «dramatização social» do
exame.
4.4 — Para as famílias que em muitos casos tendem a transmitir uma
pressão inadequada à importância da própria prova para o sucesso dos
seus filhos.
4.5 — Esta «dramatização social dos exames» é ainda ampliada pela
cobertura mediática que é promovida na época dos exames com a
multiplicação de reportagens, debates, entrevistas e testemunhos,
transformando a realização de uma prova num facto insólito na vida
dos alunos, das famílias e das comunidades. (CNE, 2016, p. 4981-
4982)
43
A dramatização social dos exames (como refere o CNE) é percebida em
diversos meios de comunicação de massas – como a televisão, a internet, as
redes sociais –, que criam certo medo nos estudantes, que se sentem
pressionados pela escola, pelos média, pela família. Referente a participação
dos pais na promoção do sucesso escolar dos seus filhos:
O CNE sublinha de novo que as atividades escolares em que os pais
têm a sua participação prevista na lei, mormente nos Conselhos de
Turma, devem contar com esta qualificada presença em termos
educativos. Por isso, os pais devem ser cuidadosa e atempadamente
convocados pelas escolas e Agrupamentos. Além disso deve ser
incentivada a participação dos pais, sobretudo pela via das
Associações de Pais, em todos os Planos de promoção do sucesso
escolar que se estão a construir atualmente nas escolas e
Agrupamentos. (CNE, 2016, p. 34478)
Sobre o modelo tradicional de ensino, o CNE ainda o considera ineficaz,
por diversos motivos:
A Recomendação 2/2010 do CNE referia que apesar dos enormes
progressos registados na escolarização da população e na capacidade
de criar soluções educativas de qualidade para cada aluno, o sistema
existente é ineficaz na promoção de aprendizagens de qualidade por
parte de todos os alunos, persistindo: dificuldades em lidar com a
heterogeneidade de culturas e de perfis familiares; desigualdades de
sucesso muito vinculadas às desigualdades de origem cultural e
socioeconómica que o sistema não se tem mostrado capaz de atenuar;
problemas graves ao nível da acumulação de dificuldades de
aprendizagem; além de acentuadas desigualdades regionais no
acesso e no sucesso. (...) Temos de aprender a responder à atual
heterogeneidade sociocultural com muito mais do que com uma mera
uniformidade de políticas, impostas do mesmo modo burocrático a
todas as escolas/Agrupamentos, com soluções preestabelecidas.
Seremos capazes de aumentar hoje a qualidade e a equidade, de
modo a criar oportunidades para todos os cidadãos, contribuindo para
a realização pessoal, escolar e social, de cada uma das crianças e dos
jovens? O desafio atual de uma “escola para todos” e com cada um
encontra alguns entraves estruturais na escola portuguesa, sobretudo
quando nos confrontamos com a missão, os objetivos e os modelos,
organizacional e pedagógico, do quotidiano de cada escola. A esta
realidade, acresce ainda um novo desajustamento provocado por uma
nova geração de crianças “nativos digitais” que acede a uma escola
ainda centrada nos programas, no ensino e em modelos tradicionais
de promoção das aprendizagens e de acesso ao conhecimento. (CNE,
2016, p. 34472)
44
Nesse sentido, António Nóvoa defende uma renovação da escola pública,
mais aberta às diferenças, com maior liberdade em diversos aspectos:
Só é possível defendermos a escola pública se defendermos a sua
renovação. Em vez da homogeneização que caracterizou a história do
século XX, impõe-se agora uma abertura à diferença, sob todos os
pontos de vista: liberdade de organização de escolas diferentes, por
exemplo com base em contratos com entidades ou associações locais;
liberdade na construção de diferentes projectos educativos, por
exemplo com base em iniciativas de grupos de professores ou de
associações pedagógicas; liberdade na definição de percursos
escolares e de currículos diferenciados, por exemplo com base em
acordos com sociedades científicas ou universidades54. A proposta
que aqui se elabora retoma a aspiração de Claparède, “uma escola à
medida de cada aluno”55, mas define-a para além dos aspectos
meramente pedagógicos e projecta-a no plano da organização de
escolas diferentes. (NÓVOA, 2017, p. 45)
Sobre o excesso do centramento na avaliação classificativa, que também
necessita urgentemente de mudanças, o conselho afirma:
O excessivo centramento na avaliação sobretudo classificativa
constitui um grande entrave. Diz a Recomendação sobre a Retenção
(2015) “que a avaliação sumativa, rapidamente transformada na arte
de classificar e seriar, tem sido a mais desenvolvida e praticada no
nosso sistema de ensino, aprofundando “o caráter sancionatório e
penalizador da avaliação”, tendo mesmo sido banida do normativo
enquadrador da avaliação do ensino básico, em 2012, a perspetiva da
“avaliação formativa como a principal modalidade de avaliação do
ensino básico” e de todo o sistema de ensino e aprendizagem. A
avaliação sumativa externa, pela centralidade que lhe foi conferida nos
últimos anos, tem “contaminado os procedimentos de avaliação
interna, reduzindo a sua capacidade formativa e reproduzindo os
modelos da avaliação sumativa externa”, em vez de se ter explorado
uma complementaridade e interligação, “tirando partido das
possibilidades que cada uma potencia”. (CNE, 2016, p. 34473)
Então, para combater o insucesso escolar e melhorar o desempenho da
escola, foi criado o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, como
afirma o CNE:
Em abril de 2016, o Governo criou o Programa Nacional de Promoção
do Sucesso Escolar, com o intuito de “promover um ensino de
qualidade para todos, combater o insucesso escolar, num quadro de
valorização da igualdade de oportunidades e do aumento da eficiência
e da qualidade da escola pública”. O Programa pretende “dinamizar
uma consciencialização de toda a comunidade de que o sucesso
45
escolar é possível para todos os alunos e que, para tal se exige um
compromisso e intervenção dos diferentes intervenientes.” O ME
intervém a três níveis: disponibilizar formação contínua, com base nos
planos de cada escola, disponibilizar novos recursos necessários à
execução desses planos e apoiar esta concretização dos planos de
cada escola pelas vias da “monitorização, avaliação e eficácia”. Para o
efeito criou igualmente uma Estrutura de Missão, “de natureza
científica e de acompanhamento e proximidade aos estabelecimentos
de ensino básico e secundário”. (CNE, 2016, p. 34475)
Também como forma de melhoria escolar, o CNE sugere uma redução do
número de alunos por turma, mas também outras alternativas para melhorar a
qualidade do ensino:
Como complementos eficazes à redução do número de alunos por
turma, existem pois práticas pedagógicas e modelos de organização
escolar que tanto a literatura como a experiência acumulada
recomendam e que são postas em prática, em Portugal, em muitas
escolas: Melhorar o currículo, flexibilizar a sua concretização, em
função dos objetivos de cada ciclo de estudos e dos alunos concretos;
Realizar sistemas de sinalização e intervenção precoce, desde a
educação pré-escolar; Definir modos de superação das dificuldades de
ensino e de aprendizagem derivadas da crescente presença de alunos
de vários anos de escolaridade na mesma turma do 1.º ciclo; Adotar
práticas de avaliação formativa mais frequentes e mais capazes de
promover a aquisição das aprendizagens e das competências
adequadas a cada ciclo e a cada grupo de alunos; Investir na
capacitação profissional dos docentes, mormente aquela que incide
sobre a ação concreta de melhoria e a acompanha, em regime de
formação -ação; Diminuir a rotatividade dos docentes, manter a
estabilidade e mudar políticas de recrutamento; Alterar os modos de
ensinar, mormente o ensino e aprendizagem por projetos, como se
realiza já em várias escolas portuguesas e, em particular, nos “projetos
integradores” que são desenvolvidos em muitas escolas profissionais;
Colocar professores mais experientes em locais mais desfavorecidos
e em escolas que se foram degradando em termos de imagem social
e de aproveitamento escolar, promovendo nestes locais a escola
pública de qualidade; Realizar um maior investimento em tecnologia de
apoio ao ensino e às aprendizagens, em escolas preparadas para o
efeito; Promover maior autonomia escolar, deixando ao diretor/a e aos
órgãos coletivos de decisão de cada escola a gestão do melhor modo
de reorganizar a escola para melhorar a qualidade da educação
(grupos turmas, gestão semanal dos tempos e horários, construção de
projetos interdisciplinares, etc.). (CNE, 2016, p. 34475)
São diversas sugestões que poderiam gerar melhorias, a maioria delas
exige capacidade para lidar com as desigualdades, com os diversos ritmos e
diferenças entre os alunos. Isso também vai ao encontro do que diz Carmen
46
Maestro no capítulo “Como construir uma escola onde se aprenda melhor”, na
conferência Que currículo para o século XXI?:
A escola, como organização e como uma comunidade organizada ao serviço da promoção de uma educação de qualidade de todos e de cada um dos percursos escolares, tem de se comprometer e estruturar adequadamente para cumprir este nobre objectivo, em cada contexto sociocultural, o que só pode fazer no quadro de uma real autonomia pedagógica e organizacional. Esta é crucial para criar a organização e a gestão pedagógica e curricular mais adequada a cada situação, por exemplo: trabalhar por “ciclos de estudo” como unidade base de progressão escolar, atender e responder eficazmente às escolhas escolares dos alunos, estruturar agrupamentos de alunos e equipas de docentes (Formosinho e Machado, 2009), com base nestes ciclos de estudo, criar maior heterogeneidade de grupos, níveis e ritmos de aprendizagem, reorganizar o relacionamento e a cooperação com as famílias, desencadear, enfim, uma multiplicidade de soluções que se entende serem, em cada caso, as mais adequadas face aos contextos e aos objectivos traçados pela escola. O exercício de uma verdadeira autonomia escolar só se pode entender dentro deste quadro de exercício de uma verdadeira responsabilidade e compromisso de cada escola com a qualidade dos percursos educativos de cada um dos seus alunos. (MAESTRO, 2017, p. 58)
Mostra-se ser essencial que as escolas tenham mais autonomia, como
reafirma Maestro, “Conferir real autonomia às escolas para construírem, em paz,
com competência e com persistência, estes caminhos da qualidade da educação
de cada pessoa” (2017, p. 59). No que diz respeito à Educação Artística, a
APECV (Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual),
sobre a valorização da Educação Artística em Portugal, afirma que:
Apesar de existir uma tradição forte no ensino das artes visuais e
investigação relevante sobre a educação artística em Portugal o papel
da educação artística, e do ensino das artes visuais no sistema
educativo português é pouco valorizado. Apesar de em muitos
contextos se reconhecerem grandes potencialidades nas artes visuais
como áreas de aprendizagem específica e transversal, a comunidade
educativa não reconhece totalmente o valor do ensino das artes visuais
no desenvolvimento de pensamento crítico; valores individuais e
coletivos; resolução de problemas; comunicação, criatividade;
capacidades sociais, de empreendedorismo, de colaboração e trabalho
em grupo, de adaptação à mudança e ao inesperado, de
autorregulação e de responsabilidade. Talvez porque o discurso 'oficial'
apenas valorize disciplinas onde o conhecimento adquirido pelos
estudantes se possa avaliar por testes objetivos do tipo exames
nacionais. (APECV, 2013, p. 2)
47
A APECV elaborou uma lista de necessidades e algumas sugestões que
poderão ajudar uma futura revisão dos documentos reguladores desta área:
Necessidades de oferta formativa: - Proporcionar oferta formativa em
ensino das artes visuais no espaço curricular em todos os níveis de
ensino; - Elaborar novos programas para as diferentes disciplinas de
ensino das artes visuais nos vários graus de ensino; - Garantir que as
Expressões Artísticas como educação pelas artes sejam de facto
operacionalizadas no espaço curricular do primeiro ciclo; - Reconhecer
instrumentos de avaliação adequados às artes e valorizar a avaliação
dos alunos nas áreas da educação artística para efeitos de
classificação e certificação.
Recomendação: Criar uma oferta curricular transversal na formação
geral dos estudantes em todos os níveis de ensino básico e secundário
de pedagogia por projeto que poderá ser coordenada pelos
professores de Artes Visuais. Com avaliação por portefólio com peso
na classificação final do aluno.
Recomendação: Criar novos programas para o ensino das artes visuais
(atual Educação Visual) no segundo e terceiro ciclos. Turmas com
menos alunos ou divisão das turmas em turnos.
No Ensino secundário não existe uma disciplina de artes visuais na
formação geral para todos os alunos independentemente das escolhas
de formação específica. As disciplinas de oferta na formação específica
da área das Artes estão desajustadas às carreiras artísticas que os
alunos poderão escolher. As provas de seleção e de certificação não
contemplam as competências chave dos alunos.
Recomendação: Criar uma oferta de artes visuais para todos os alunos
na formação geral. Rever as disciplinas da formação específica à luz
das atuais carreiras artísticas (por exemplo Geometria
Descritiva/Desenho técnico; Desenho; História da Arte e do Design,
Oficinas de arte e design). Criar novos programas para o ensino das
artes visuais no ensino secundário. Criar um exame nacional baseado
em portefólio para as artes visuais no secundário. Divisão das turmas
em turnos nas disciplinas práticas. (APECV, 2014, p. 3-6)
Sobre a importância do ensino da arte na educação, o documento ainda
afirma que a compreensão do meio, possibilitada pela educação artística, amplia
a autonomia:
A prática artística, através das suas características de reflexão e
questionamento, ajuda os estudantes a procurar conhecimentos e a
utilizá-los em soluções de problemas a partir de trabalho colaborativo.
Projetos de trabalho com e através das artes incidem em tarefas
complexas e desafios que incitam os estudantes a mobilizar os seus
conhecimentos e a completá-los. Simultaneamente, a compreensão do
meio amplia a responsabilidade, a autonomia; (APECV, 2014, p. 3)
48
Porém, sobre a abordagem da prática artística em sala de aula no 1º
ciclo do ensino básico, a APECV diz que:
As artes visuais no 1º ciclo desempenham um papel vital na motivação
dos estudantes, incentivando-os a aprender, convidando-os a
colaborar com os colegas, apelando para as suas capacidades
cognitivas e emocionais numa altura em que a linguagem verbal é
ainda muito escassa. No entanto, mesmo numa sociedade atual
dominada pela imagem e pelas industrias criativas, continuam a ser
desvalorizadas e a terem um lugar acessório no currículo português. A
classe docente titular atual está maioritariamente envelhecida e, muitos
dos educadores nunca tiveram qualquer formação académica em Artes
Visuais o que lhes gera alguma insegurança. Por outro lado, há falta
de formação especializada nesta área que possa ser frequentada.
Neste contexto, e também por essa insegurança assumida pelos
docentes, a abordagem da Expressão Plástica, em aula,
maioritariamente continua a ser baseada em modelos de desenho
“azulejo” através de folhas carimbadas ou fotocopiadas vezes sem
conta e, de seguida, coloridas pelos alunos. Além da falta de tempo,
gerada pelas disciplinas ditas prioritárias, muitos dos docentes não
arriscam inovar as propostas das artes visuais pois sentem-se
incapazes de apoiarem o desenvolvimento plástico e criativo dos
alunos. (APECV, 2014, p. 4)
E como recomendação, sugere:
Atribuir um professor especialista da área da educação das artes
visuais nas escolas do 1.º ciclo para ajudar os professores e os alunos
a desenvolver projetos de aprendizagem centrados nas artes.
Coadjuvação-professor especializado em educação artística (atual
grupo 600). Possibilitar projetos educativos com artistas em residência
para desenvolver projetos de aprendizagem transdisciplinares.
Reformulação do nome: “Educação Artística Visual” em lugar de
“Expressão Plástica”; Revisão dos programas e eliminação das metas
atuais; Espaço curricular de 120 a 180 min. semanais. (APECV, 2014,
p. 4-5)
A APECV, no Parecer sobre as provas de artes visuais, sugere fortemente
a utilização de portfólio como meio para avaliar:
Vários investigadores demonstraram as potencialidades do portefólio
como instrumento de avaliação válido para as artes ( Gardner, 1992i ;
Beattie, 1994ii; Boughton, 1996iii). O portefólio inclui processo e
produto, favorece a autonomia dos alunos; o inquérito crítico, a
constante reflexão sobre progressos e dificuldades; favorece a
integração da avaliação na aprendizagem, respeita as bases teóricas
da educação em arte e design; inclui um variado leque de conteúdos;
tarefas motivadoras para os estudantes; e pela sua flexibilidade
apresenta riscos reduzidos de discriminação de grupos ou minorias.
49
Um portefólio é uma coleção de trabalhos selecionados pelo aluno
segundo um propósito ou tema. Exibe esforço, progresso e resultados
em mais do que uma área; inclui reflexões críticas e justificação de
tomada de decisões. O portefólio é realizado a partir de um tema ou
tópico dado ou à escolha do aluno e mostra trabalhos onde o aluno
explora o tópico; planifica; elabora; apresenta e avalia o seu projeto
(Lindström, 1998iv). O portefólio facilita a fiabilidade de resultados
porque um vasto leque de trabalhos revelando as mesmas qualidades
ou qualidades semelhantes pode ser apreciado verificando assim por
várias vezes a consistência da avaliação. As tarefas do portefólio são
flexíveis e respeitam estilos de diferentes aprendizagens e diferentes
motivações dos alunos. A fiabilidade do instrumento não depende da
uniformidade das tarefas mas sim da interpretação consensual das
qualidades a procurar nos trabalhos dos alunos. Alunos e professores
deverão compreender claramente os critérios de avaliação para que os
alunos possam inserir trabalhos que revelem o que se procura avaliar.
(APECV, 2015, p. 1-2)
Ainda como sugestão da utilização e aplicação do portfólio como meio
avaliativo, o documento da APECV sugere:
A operacionalização do portefólio como instrumento de avaliação
externa (exame) dentro do sistema de exames atuais é possível se for
mudada a tipologia, duração da prova e sistema de correção . Por
exemplo o portefólio poderia ser realizado durante o período de um
mês durante as aulas de Desenho sob a vigilância do professor da
disciplina. O IAVE poderia propor um guião para a construção do
Portefólio no final do segundo/íncio do terceiro Período Letivo. Os
alunos realizariam o portefólio nas aulas, salvaguardando que a
pesquisa pudesse ser feita fora do período letivo. Os portefólios
deveriam ser entregues pelos alunos num dia fixo à equipa de exames
da escola . O aluno deveria submeter uma declaração assinada por ele
e pelo seu professor (e pelo diretor da escola) sobre a autoria do
portefólio. Os portefólios seriam enviados para o agrupamento
coordenador dos exames da área. Esse organismo convocaria os
corretores (no mínimo 2) para corrigirem os portefólios numa sala
reservada para esse fim. Em caso algum os portefólios poderiam sair
do agrupamento. (APECV, 2015, p. 3)
Ao analisar os documentos e leis sobre a educação e o ensino da arte em
Portugal, notamos que ainda há muito a ser feito, mas parece haver uma
crescente preocupação com o insucesso escolar, e muito se tem refletido sobre
isso, como afirma Carmen Maestro:
O insucesso escolar, essa invariante sinistra que todos jogam para cima da mesa, sobretudo como arma de arremesso, não é nenhuma fatalidade pessoal e social, pois nenhuma pessoa está a ele condenada (como já deixámos esclarecido). As mais das vezes é o
50
reflexo de graves incapacidades institucionais para saber lidar com a diferença, com as desigualdades pessoais e com os diversos ritmos de desenvolvimento humano, com os diversos modos de pensar e agir, com as mais díspares formas pessoais de enunciar as questões da vida e com os diferentes contextos familiares e sociais. Existe, nas escolas portugueses (desigualmente), um vastíssimo capital já acumulado de aprendizagens acerca do melhor modo de construir itinerários educativos de qualidade para todos (capital este diariamente desperdiçado, quando não delapidado). (MAESTRO, 2017, p. 57)
Já no que diz respeito à legislação brasileira, de acordo com a
Constituição16:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II
- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas,
e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV -
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V -
valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei,
plano de carreira para o magistério público, com piso salarial
profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas
e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições
mantidas pela União; VI - gestão democrática do ensino público, na
forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. (1988, art. 205)
E sobre o dever do Estado com a educação pública:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante
a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive
para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva
extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III -
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em
creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V -
acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino
noturno regular, adequado às condições do educando; VII -
atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde. (1988, art. 205)
16 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1988, 5 de Outubro). Constituição Federal. [Em linha] [Consult. 11-08-2017]. Disponível em URL: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
51
Portanto, vê-se que é dever do estado proporcionar acesso a pesquisa e
a criação artística, reconhecendo a importância da pesquisa e da arte, e
sublinha, “segunda a capacidade de cada um”. Ao dizer “capacidade de cada
um”, reforça as diferenças entre estudantes que serão definidas em avaliações
de aprendizagem. Podemos ver que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) reforça a autonomia das escolas:
O projeto político-pedagógico, nomeado na LDB como proposta ou
projeto pedagógico, representa mais do que um documento. É um dos
meios de viabilizar a escola democrática e autônoma para todos, com
qualidade social. Autonomia pressupõe liberdade e capacidade de
decidir a partir de regras relacionais. O exercício da autonomia
administrativa e pedagógica da escola pode ser traduzido como a
capacidade de governar a si mesmo, por meio de normas próprias. A
autonomia da escola numa sociedade democrática é, sobretudo, a
possibilidade de ter uma compreensão particular das metas da tarefa
de educar e cuidar, das relações de interdependência, da possibilidade
de fazer escolhas visando a um trabalho educativo eticamente
responsável, que devem ser postas em prática nas instituições
educacionais, no cumprimento do artigo 3º da LDB, em que vários
princípios derivam da Constituição Federal. Essa autonomia tem como
suporte a Constituição Federal e o disposto no artigo 15 da LDB: Os
sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de
Educação Básica que os integram progressivos graus de autonomia
pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as
normas gerais de direito financeiro público. O ponto de partida para a
conquista da autonomia pela instituição educacional tem por base a
construção da identidade de cada escola, cuja manifestação se
expressa no seu projeto pedagógico e no regimento escolar próprio,
enquanto manifestação de seu ideal de educação e que permite uma
nova e democrática ordenação pedagógica das relações escolares.
(LDB, 1996, p. 47)
A defesa pela Gestão Democrática – termo que muito se tem utilizado no
Brasil –, é intensa. Sobre a Gestão Democrática, diz a LDB:
Como tal, a gestão democrática é entendida como princípio que orienta
os processos e procedimentos administrativos e pedagógicos, no
âmbito da escola e nas suas relações com os demais órgãos do
sistema educativo de que faz parte. Assim referenciada, a gestão
democrática constitui-se em instrumento de luta em defesa da
horizontalização das relações, de vivência e convivência colegiada,
superando o autoritarismo no planejamento e na organização
curricular. Pela gestão democrática, educa-se para a conquista da
cidadania plena. (LDB, 1996, 56)
52
Sobre a avaliação, os Parâmetros Curriculares Nacionais afirma:
Avaliar implica conhecer como os conteúdos de Arte são assimilados
pelos estudantes a cada momento da escolaridade e reconhecer os
limites e a flexibilidade necessários para dar oportunidade à
coexistência de distintos níveis de aprendizagem em um mesmo grupo
de alunos.” (...) A avaliação em arte constitui uma situação de
aprendizagem em que o aluno pode verificar o que aprendeu,
retrabalhar os conteúdos, assim como o professor pode avaliar como
ensinou e o que seus alunos aprenderam. (...) O professor precisa ser
avaliado sobre as avaliações que realiza, pois a prática pedagógica é
social, de equipe de trabalho da escola e da rede educacional como
um todo.” (PCN, 1996, p. 57)
A LDB defende seu caráter processual, formativo e participativo:
A avaliação do aluno, a ser realizada pelo professor e pela escola, é
redimensionadora da ação pedagógica e deve assumir um caráter
processual, formativo e participativo, ser contínua, cumulativa e
diagnóstica. A avaliação formativa, que ocorre durante todo o processo
educacional, busca diagnosticar as potencialidades do aluno e detectar
problemas de aprendizagem e de ensino. A intervenção imediata no
sentido de sanar dificuldades que alguns estudantes evidenciem é uma
garantia para o seu progresso nos estudos. Quanto mais se atrasa
essa intervenção, mais complexo se torna o problema de
aprendizagem e, consequentemente, mais difícil se torna saná-lo.
(LDB, 1996, p. 123)
E sobre a avaliação contínua, diz a LDB (também fazendo referência à
avaliação por portfólio):
A avaliação contínua pode assumir várias formas, tais como a
observação e o registro das atividades dos alunos, sobretudo nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, trabalhos individuais, organizados ou
não em portfólios, trabalhos coletivos, exercícios em classe e provas,
dentre outros. Essa avaliação constitui um instrumento indispensável
do professor na busca do sucesso escolar de seus alunos e pode
indicar, ainda, a necessidade de atendimento complementar para
enfrentar dificuldades específicas, a ser oferecido no mesmo período
de aula ou no contraturno, o que requer flexibilidade dos tempos e
espaços para aprender na escola e também flexibilidade na atribuição
de funções entre o corpo docente. (...) Considerando que a avaliação
implica sempre um julgamento de valor sobre o aproveitamento do
aluno, cabe, contudo alertar que ela envolve frequentemente juízos
prévios e não explicitados pelo professor acerca do que o aluno é
capaz de aprender. Esses pré-julgamentos, muitas vezes baseados
em características que não são de ordem cognitiva e sim social,
conduzem o professor a não estimular devidamente certos alunos que,
de antemão, ele acredita que não irão corresponder às expectativas de
53
aprendizagem. O resultado é que, por falta de incentivo e atenção
docente, tais alunos terminam por confirmar as previsões negativas
sobre o seu desempenho. (LDB, 1996, p. 123)
Observa-se a importância que se dá ao professor acreditar nos seus
alunos, tentar não pré-julgar, incentivá-los e dar máxima atenção. A LDB ainda
afirma que alguns pré-julgamentos são baseados em características sociais, o
que deve ser evitado completamente, pois não é algo que define competências.
A LDB também fala de um espaço de diálogo com os alunos e sobre a
importância da transparência nos processos avaliativos:
A avaliação proporciona ainda oportunidade aos alunos de melhor se
situarem em vista de seus progressos e dificuldades, e aos pais, de
serem informados sobre o desenvolvimento escolar de seus filhos,
representando também uma prestação de contas que a escola faz à
comunidade que atende. Esse espaço de diálogo com os próprios
alunos – e com as suas famílias, no caso do Ensino Fundamental
regular – sobre o processo de aprendizagem e o rendimento escolar
que tem consequência importante na trajetória de estudos de cada um,
precisa ser cultivado pelos educadores e é muito importante na criação
de um ambiente propício à aprendizagem. Além disso, a transparência
dos processos avaliativos assegura a possibilidade de discussão dos
referidos resultados por parte de pais e alunos, inclusive junto a
instâncias superiores à escola, no sentido de preservar os direitos
destes, tal como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.
(LDB, 1996, p. 124)
A LDB ainda refere os perigos de dar ênfase excessiva aos resultados,
sem se preocupar com o processo de aprendizagem:
Entretanto, a ênfase excessiva nos resultados das avaliações externas
– que oferecem indicações de uma parcela restrita do que é trabalhado
na escola – pode produzir a inversão das referências para o trabalho
pedagógico, o qual tende a abandonar as propostas curriculares e
orientar-se apenas pelo que é avaliado por esses sistemas. Desse
modo, a avaliação deixa de ser parte do desenvolvimento do currículo,
passando a ocupar um lugar indevido no processo educacional. Isso
ocasiona outras consequências, como a redução do ensino à
aprendizagem daquilo que é exigido nos testes. A excessiva
preocupação com os resultados desses testes sem maior atenção aos
processos pelos quais as aprendizagens ocorrem, também termina
obscurecendo aspectos altamente valorizados nas propostas da
educação escolar que não são mensuráveis, como, por exemplo, a
autonomia, a solidariedade, o compromisso político e a cidadania, além
do próprio ensino de História e de Geografia e o desenvolvimento das
diversas áreas de expressão. (LDB, 1996, p. 124)
54
Também sobre avaliação, o artigo 32 da LDB sublinha que devem
“prevalecer os aspectos qualitativos da aprendizagem do aluno sobre os
quantitativos, bem como os resultados ao longo do período sobre os de
eventuais provas finais”:
Art. 32 A avaliação dos alunos, a ser realizada pelos professores e pela
escola como parte integrante da proposta curricular e da
implementação do currículo, é redimensionadora da ação pedagógica
e deve: I – assumir um caráter processual, formativo e participativo, ser
contínua, cumulativa e diagnóstica, com vistas a: a) identificar
potencialidades e dificuldades de aprendizagem e detectar problemas
de ensino; b) subsidiar decisões sobre a utilização de estratégias e
abordagens de acordo com as necessidades dos alunos, criar
condições de intervir de modo imediato e a mais longo prazo para
sanar dificuldades e redirecionar o trabalho docente; c) manter a família
informada sobre o desempenho dos alunos; d) reconhecer o direito do
aluno e da família de discutir os resultados de avaliação, inclusive em
instâncias superiores à escola, revendo procedimentos sempre que as
reivindicações forem procedentes. II – utilizar vários instrumentos e
procedimentos, tais como a observação, o registro descritivo e
reflexivo, os trabalhos individuais e coletivos, os portfólios, exercícios,
provas, questionários, dentre outros, tendo em conta a sua adequação
à faixa etária e às características de desenvolvimento do educando; III
– fazer prevalecer os aspectos qualitativos da aprendizagem do aluno
sobre os quantitativos, bem como os resultados ao longo do período
sobre os de eventuais provas finais, tal como determina a alínea “a” do
inciso V do art. 24 da Lei nº 9.394/96; IV – assegurar tempos e espaços
diversos para que os alunos com menor rendimento tenham condições
de ser devidamente atendidos ao longo do ano letivo; V – prover,
obrigatoriamente, períodos de recuperação, de preferência paralelos
ao período letivo, como determina a Lei nº 9.394/96; VI – assegurar
tempos e espaços de reposição dos conteúdos curriculares, ao longo
do ano letivo, aos alunos com frequência insuficiente, evitando, sempre
que possível, a retenção por faltas; VII – possibilitar a aceleração de
estudos para os alunos com defasagem idade-série. (LDB, 1996, p.
137-138)
A LDB também enfatiza a importância de desenvolver a capacidade de
pesquisa, porém faz referência apenas ao Ensino Médio:
Essa atitude de inquietação diante da realidade potencializada pela
pesquisa, quando despertada no Ensino Médio, contribui para que o
sujeito possa, individual e coletivamente, formular questões de
investigação e buscar respostas em um processo autônomo de
(re)construção de conhecimentos. Nesse sentido, a relevância não
está no fornecimento pelo docente de informações, as quais, na
atualidade, são encontradas, no mais das vezes e de forma ampla e
diversificada, fora das aulas e, mesmo, da escola. O relevante é o
55
desenvolvimento da capacidade de pesquisa, para que os estudantes
busquem e (re)construam conhecimentos. (LDB, 1996, p. 164)
Em relação à pesquisa como princípio pedagógico, Parecer da CEB
(Conselho de Entidade de Base), cuja concepção este Parecer compartilha:
O fato dessas novas tecnologias se aproximarem da escola, onde os
alunos, às vezes, chegam com muitas informações, reforça o papel dos
professores no tocante às formas de sistematização dos conteúdos e
de estabelecimento de valores. Uma consequência imediata da
sociedade de informação é que a sobrevivência nesse ambiente requer
o aprendizado contínuo ao longo de toda a vida. Esse novo modo de
ser requer que o aluno, para além de adquirir determinadas
informações e desenvolver habilidades para realizar certas tarefas,
deve aprender a aprender, para continuar aprendendo. Essas novas
exigências requerem um novo comportamento dos professores que
devem deixar de ser transmissores de conhecimentos para serem
mediadores, facilitadores da aquisição de conhecimentos; devem
estimular a realização de pesquisas, a produção de conhecimentos e
o trabalho em grupo. Essa transformação necessária pode ser
traduzida pela adoção da pesquisa como princípio pedagógico. (...) A
pesquisa escolar, motivada e orientada pelos professores, implica na
identificação de uma dúvida ou problema, na seleção de informações
de fontes confiáveis, na interpretação e elaboração dessas
informações e na organização e relato sobre o conhecimento adquirido.
Muito além do conhecimento e da utilização de equipamentos e
materiais, a prática de pesquisa propicia o desenvolvimento da atitude
científica, o que significa contribuir, entre outros aspectos, para o
desenvolvimento de condições de, ao longo da vida, interpretar,
analisar, criticar, refletir, rejeitar ideias fechadas, aprender, buscar
soluções e propor alternativas, potencializadas pela investigação e
pela responsabilidade ética assumida diante das questões políticas,
sociais, culturais e econômicas. A pesquisa, associada ao
desenvolvimento de projetos contextualizados e
interdisciplinares/articuladores de saberes, ganha maior significado
para os estudantes. Se a pesquisa e os projetos objetivarem, também,
conhecimentos para atuação na comunidade, terão maior relevância,
além de seu forte sentido ético-social. É fundamental que a pesquisa
esteja orientada por esse sentido ético, de modo a potencializar uma
concepção de investigação científica que motiva e orienta projetos de
ação visando à melhoria da coletividade e ao bem comum. A pesquisa,
como princípio pedagógico, pode, assim, propiciar a participação do
estudante tanto na prática pedagógica quanto colaborar para o
relacionamento entre a escola e a comunidade. (CEB, 1996, p. 217-
218)
Logo vemos que o parecer é fortemente a favor da pesquisa na educação,
reforçando a importância da pesquisa até mesmo para um melhor
56
relacionamento entre escola e comunidade, visando a um senso de coletividade
e a um sentido ético-social.
Fala-se também na pesquisa associada ao desenvolvimento de projetos
interdisciplinares, que ganham maior relevância quando articulam saberes. Para
isso, o parecer diz que é necessário que professores deixem de ser
transmissores de conhecimentos e passem a ser mediadores. Isso reforça a
autonomia do professor em relação ao modo de ensinar e pode ser facilitado se
o professor inserir em sala de aula um pensamento interdisciplinar.
Nesse sentido, Ana Mae Barbosa sintetiza o que se busca, ou se deveria
buscar, no ensino da arte atualmente:
Mas não basta ensinar arte com horário marcado, é necessário ensinar interdisciplinarmente para provocar a capacidade de estabelecer relações, assim como é recomendável introduzi-la transversalmente em todo o currículo provocando a imbricação de territórios e a multiplicação de interpretações. (BARBOSA & AMARAL, 2008, p. 26)
Contudo, o ensino da arte no Brasil historicamente passou por um
momento em que se precisou de lutar contra a polivalência, que não é o mesmo
que interdisciplinaridade, mas que ainda hoje pode ser confundido por alguns
professores de artes e, dessa forma, justificar o receio em inserir o pensamento
interdisciplinar em sala de aula.17 Ana Mae Barbosa esclarece essa questão em
Interterritorialidade: mídias, contextos e educação:
Vivemos a era ‘inter’. Estamos vivendo um tempo em que a atenção está voltada para a internet, a interculturalidade, a interdisciplinaridade e a integração das artes e dos meios como modos de produção e significação desafiadores de limites, fronteiras e territórios. Entretanto, os arteeducadores têm dificuldades de entender a arte ‘inter’ produzida hoje. (...) Nós, arte-educadores, ficamos perplexos com a riqueza estética das hibridizações de códigos e linguagens operadas pela arte hoje, pois fomos obrigados a combater no Brasil a polivalência na Educação Artística decretada pelo governo ditatorial na década de 1970. A polivalência consistia em um professor ser obrigado a ensinar música, teatro, dança, artes visuais e desenho geométrico, tudo junto, da quinta série do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, sendo
17 Sobre a polivalência, segundo Josélia Schwanka (2010, p. 2152): “De caráter superficial esta formação objetivava formar o professor para atuar em todas as linguagens trazendo para a educação a idéia de que ao se trabalhar com técnicas isoladas, estar-se-iam trabalhando todas as áreas. Após a sua formação superior, o professor se via apto a trabalhar as quatro linguagens artísticas: Artes Plásticas, Teatro, Dança e Música.
57
preparado para tudo isso em apenas dois anos nas faculdades e universidades. Contudo, mesmo naquele tempo, já defendíamos a interdisciplinaridade das artes. Nosso mote era: “Polivalência não é interdisciplinaridade”. A interdisciplinaridade era desejada, embora fosse ainda uma utopia para nós. (BARBOSA & AMARAL, 2008, p. 23-24)
A interdisciplinaridade não deveria mais ser considerada uma utopia, e
teoricamente não é, mas nas escolas é ainda muito difícil de trabalhar
interdisciplinarmente. Acredito que, aos professores, primeiramente, deveria ser
esclarecido o que é a interdisciplinaridade e a sua importância na educação,
assim como a relação entre Arte e Ciência, já que muitos deles tiveram uma
formação num tempo em que o tema em questão não era tão debatido como
atualmente, mesmo que, em relação à Arte, os Parâmetros Curriculares
Nacionais deixem claro que não há separação entre Arte e Ciência:
Tanto a Ciência como a Arte respondem a essa necessidade de busca de significações na construção de objetos de conhecimento que, juntamente com as relações sociais, políticas e econômicas, sistemas filosóficos, éticos e estéticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas das culturas. Ciência e Arte são, assim, produtos que expressam as experiências e representações imaginárias das distintas culturas, que se renovam através dos tempos, construindo o percurso da história humana. A própria idéia da ciência e da arte como disciplinas autônomas é produto recente da cultura ocidental. Na verdade, nas sociedades primitivas as formas artísticas não existem como atividades autônomas dissociadas da vida e impregnam as atividades da comunidade. Da mesma maneira como alguns rituais são celebrados pelo coletivo — cantos de trabalho, oferendas aos deuses por uma boa colheita ou um ano livre de intempéries — outros são da exclusiva alçada de curandeiros, sacerdotes ou chefes de tribos. No entanto, a ciência do curandeiro não está isolada dos rituais que se expressam no canto, na dança e nas invocações (preces), que poderiam ser considerados os ancestrais das nossas formas artísticas. Não há separação entre vida, arte e ciência, tudo é vida e manifestação de vida. (PCN, 1998, p. 31)
Os Parâmetros Curriculares Nacionais também explicam que essa visão
que fragmenta Arte e Ciência é fruto do período pós-Renascimento, quando a
Arte era vista como resultado de um pensamento sensível, diferente da Ciência,
que era vista como produto de um pensamento racional, mas que essa visão não
se sustenta atualmente, pois a “visão dicotomizada entre arte e ciência contradiz
o pensamento de hoje, quando se entende que razão e sensibilidade compõem
igualmente as duas áreas de conhecimento humano.” (Parâmetros curriculares
58
nacionais: arte, 1998, p.31) Além disso, um dos objetivos que consta nos PCN’s
de Arte é bastante claro na afirmação de que é esperado, no final do Ensino
Fundamental, que os alunos possam:
Compreender, analisar e observar as relações entre as artes visuais com outras modalidades artísticas e também com outras áreas de conhecimento humano (Educação Física, Matemática, Ciências, Filosofia etc.), estabelecendo as conexões entre elas e sabendo utilizar tais áreas nos trabalhos individuais e coletivos. (PCN, 1998, p.66)
Desse modo, algo que também deve ser refletido é o trabalho colaborativo
entre professores de variadas áreas do conhecimento para que essas conexões
sejam facilitadas.
Voltando ao parecer da CEB, e refletindo sobre a experiência de
aprendizagem, vemos que a palavra “experiência” aparece mais na educação
infantil e na educação profissional, e a palavra investigação no ensino médio
mas, principalmente, no ensino superior:
Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da
Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a
brincadeira, garantindo experiências que: I – promovam o
conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências
sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação
ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos
da criança; (CEB, 2010, p. 99)
Fala-se também da importância de valorizar as experiências pessoais no
caso da Educação Profissional:
Em consequência, neste paradigma, a atenção se desloca das
atividades de ensino para os resultados de aprendizagem dos sujeitos.
Sua prática pedagógica orientadora deve se pautar pela valorização
das experiências pessoais do aluno, sejam elas acadêmicas ou de
vida. Nesse sentido, a responsabilidade das instituições de Educação
Profissional se amplia, porque esse modelo exige novas formas de
organização curricular, novos conteúdos e metodologias de ensino e
aprendizagem que coloquem o docente como facilitador e o estudante
como sujeito ativo do processo de aprendizagem. (CEB, 2010, p. 244)
Novamente percebemos que o professor deve ser um facilitador ou
mediador de conhecimento para que o estudante tenha autonomia e um
59
julgamento independente sobre sua própria aprendizagem. Assim, o aluno
certamente ficará melhor preparado para engajar-se no mundo artístico-estético.
O que muitas vezes dificulta esse engajamento é a desvalorização do ensino da
arte. Segundo Ana Del Tabor Vasconcelos Magalhães:
Enfrenta-se, ainda, no campo da educação escolar, a desvalorização
da área de Arte, em função do preconceito de toda a ordem. Não se
compreende o conhecimento artístico-estético como um campo
propício para a inserção do aluno no universo artístico-cultural. As
várias tendências pedagógicas revelam a compreensão do ensino-
aprendizagem de cada época e estão presentes na formação do
professor de Arte e nas práticas educativas correntes. (MAGALHÃES,
2011, p. 163)
É muito importante mencionar que atualmente no Brasil, tem sido muito
comentada a aprovação da Medida Provisória nº 746 de 2016, que tira a
obrigatoriedade do ensino das artes no ensino médio (além de filosofia,
sociologia e educação física). Segundo o website do Senado Federal, na
“ementa” consta o seguinte:
Promove alterações na estrutura do ensino médio, última etapa da educação básica, por meio da criação da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Amplia a carga horária mínima anual do ensino médio, progressivamente, para 1.400 horas. Determina que o ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio. Restringe a obrigatoriedade do ensino da arte e da educação física à educação infantil e ao ensino fundamental, tornando as facultativas no ensino médio. Torna obrigatório o ensino da língua inglesa a partir do sexto ano do ensino fundamental e nos currículos do ensino médio, facultando neste, o oferecimento de outros idiomas, preferencialmente o espanhol. Permite que conteúdos cursados no ensino médio sejam aproveitados no ensino superior. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular - BNCC e por itinerários formativos específicos definidos em cada sistema de ensino e com ênfase nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Dá autonomia aos sistemas de ensino para definir a organização das áreas de conhecimento, as competências, habilidades e expectativas de aprendizagem definidas na BNCC.18
18 Cf. “Medida Provisória n° 746, de 2016 (Reformulação Ensino Médio), disponível online no Website do Senado Federal: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/126992; O texto completo, datado de 22 de Setembro de 2016, encontra-se disponível em: http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=2517992&disposition=inline ; Esta medida provisória foi posteriormente transformada em Norma Jurídica (17/02/2017), pela Lei nº 13.415 de 16/02/2017, publicada no Diário Oficial da União de 17/02/2017 (p. 1, col. 1), disponível
60
A consulta pública mostrou que 4.551 pessoas foram favoráveis ao
Projeto de Lei nº 746, de 2016, de autoria do presidente da república Michel
Temer, e 73.565 foram contra a MP. Portanto, mais de 94% da população que
votou foi contra; apenas menos de 6% votou a favor, e mesmo assim, a medida
provisória foi aprovada na forma de Projeto de Lei de Conversão e transformada
em norma jurídica em 17/02/2017.
Diversas associações de arte-educadores e pesquisadores em artes
visuais publicaram notas de repúdio à nova lei. Segue nota da ANPAP:
Reunidos por ocasião do VI Encontro do Fórum de Coordenadores dos
Cursos de Graduação em Artes Visuais em 26 de setembro de 2016,
em Porto Alegre/RS, manifestamos publicamente nossa contrariedade
às alterações à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
especificamente para o Ensino Médio, por meio da MP746/2016, e à
forma como foram conduzidas. Entendemos que medidas desta
importância e amplitude devam primar pela consulta à sociedade e,
imprescindivelmente, aos profissionais da educação e aos estudantes,
e não por meio de arbitrariedade e autoritarismo expressos na decisão
do governo. Entendemos que a arte deve compor a formação integral
dos estudantes e deve permanecer obrigatória no Ensino Médio por
sua contribuição específica para a formação do pensamento autônomo
e crítico, a valorização das culturas e do patrimônio histórico-cultural
brasileiro e o exercício estético, cuja centralidade da imagem nos
tempos atuais requer a compreensão de seus códigos. Em suma, a
arte contribui para qualificação do viver frente ao que exige a
complexidade do nosso tempo. Além disso, consideramos que aqueles
que venham exercer a carreira docente na educação básica devam ser
conhecedores de uma área do saber sempre em relação ao campo da
educação. Para isso, os que atuarão em escolas devem ter formação
específica na modalidade licenciatura nas áreas de conhecimento que
compõem a educação básica. Nos aliamos ainda à reivindicação pela
manutenção de Educação Física, Sociologia, Filosofia e Espanhol no
currículo do Ensino Médio, entendendo a contribuição que têm a dar
para a formação de jovens com amplas possibilidades de pensamento
e para a integração com países da América Latina. Defendemos de um
ensino público de qualidade e, mesmo considerando que há
modificações necessárias a serem feitas, ao nosso ver as medidas
impostas configuram um grande retrocesso à educação e ao país.19
em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=17/02/2017 19 Coordenadores dos Cursos de Graduação em Artes Visuais, Porto Alegre, 26 de setembro de 2016. Disponível em: http://anpap.org.br/media/nota_de_repudio_fcg.pdf
61
Em nota de repúdio a ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação) classificou a medida provisória de “autoritária na forma
e equivocada em conteúdo”, e que:
O golpe civil que a sociedade brasileira vivenciou, e que se consumou
em agosto de 2016, afastou uma presidenta eleita sem a devida
comprovação de crime de responsabilidade e colocou no governo um
presidente sem voto popular e legitimidade sobre um projeto de país.
Este governo começa agora a evidenciar sua face de ruptura com os
direitos sociais defendidos e construídos desde a promulgação da
Constituição Federal em 1988.
A ação do governo Temer com a Emenda à Constituição - PEC 241 -
que estabelece o congelamento dos gastos sociais por 20 anos está
articulada ao envio de Medida Provisória Nº - 746, de 22 de setembro
de 2016 ao Congresso Nacional, alterando o Ensino Médio
unilateralmente e sem diálogo com a sociedade. A MP fragiliza o
princípio do Ensino Médio como direito de todo cidadão a uma
formação plena para a cidadania e o trabalho, abre canais para a
mercantilização da escola pública e evidencia a face mais perversa do
golpe contra a sociedade brasileira, os estudantes, seus professores e
a educação pública. O uso de uma MP para tratar de uma temática
importante no âmbito educacional emite o claro sinal de que se trata
de um governo avesso ao diálogo. O uso de MP apesar de ser previsto
na lei deve ser excepcional. A que interesses obscuros serve uma
reforma feita de maneira autoritária e que atropela processos de
discussão em curso na Câmara dos Deputados? É possível encontrar
na MP claros sinais de propostas de reformadores educacionais e
defensores da fragmentação do Ensino Médio e do estabelecimento de
canais para parcerias público-privadas. (...) Temos uma gama imensa
de pesquisadores que já se manifestaram contra o esvaziamento que
a proposta representa para uma educação de qualidade e criticaram a
retomada de antigas perspectivas elitistas de separação da formação
humana segundo origens sociais dos estudantes. Exemplos disso são
a extinção da obrigatoriedade das disciplinas de sociologia, filosofia,
artes e educação física do currículo, além da possibilidade que
qualquer profissional não licenciado possa exercer o magistério. A
ANPEd se associa às manifestações do Movimento em Defesa do
Ensino Médio que são contundentes quanto aos riscos de
esvaziamento do sentido do Ensino Médio, de uma escola pública
igualitária e de qualidade para todos. A ANPED reitera a defesa da
democracia e do direito a um Ensino Médio como parte constituinte da
Educação Básica. Não aceitaremos a imposição de uma reforma
autoritária. Iremos ao legislativo em busca do diálogo com
parlamentares e apresentaremos argumentos científicos visando a
62
rejeição da MP do Ensino Médio que o governo Temer quer impor à
sociedade brasileira!”20
A nota pública da ABEM (Associação brasileira de educação musical)
considera a medida provisória “uma agressão a educação nacional e uma ação
que fere duramente o princípio da “gestão democrática”, que vem se
consolidando no brasil nas últimas décadas e que está, inclusive, garantido no
atual Plano Nacional de Educação – 2014/2024.
Portanto, ao analisar as leis portuguesas e brasileiras, vemos que é
comum o objetivo de gerar melhorias na educação, e é tendência falar e defender
a autonomia das escolas, autonomia dos professores, autonomia dos
estudantes, e de valorizar o processo de aprendizagem, ainda que muitas vezes
se fale em avaliação como meio de seleção, e isso nos leva a pensar em
exclusão, fato que deve ser ultrapassado urgentemente. Avaliar deve ser
sinônimo de incluir.
Porém, apesar do que se tem feito, é necessário muito mais, ainda mais
porque, no que se refere ao ensino da arte, constantemente é questionado a sua
importância na educação, pensamento que já há muito deveria ter sido
ultrapassado, considerando todas as pesquisas que mostram o quanto a Arte é
essencial no currículo. Segundo Carlinda Leite, na conferência Que currículo
para o século XXI?:
Aceitando como importante que a educação valorize os quatro pilares propostos no relatório para a UNESCO sobre a educação para o séc. XXI – aprender, aprender a fazer, aprender a viver juntos e a viver com os outros para aprender a ser –, há que contemplar no currículo e no processo do seu desenvolvimento condições que permitam essas aprendizagens. Como é sabido, esta não é uma situação nova. Vários têm sido os movimentos pedagógicos que têm clamado no sentido de fazer das aprendizagens o centro da acção educacional. Neste sentido, o Professor Thélot dizia: “estou a falar de aprender e não estou a falar de ensino.” Ou seja, estes desafios colocam-se ao nível da aprendizagem e da necessidade de existir nas escolas um lugar para o desenvolvimento sistemático da educação para a cidadania, nela articulando questões da educação intercultural, de direitos humanos,
20 ANPED (2016). Nota pública da ANPEd sobre a Medida Provisória do Ensino Médio MP do Ensino Médio – Autoritária na forma e equivocada em conteúdo (23 de Setembro de 2016). Rio de Janeiro: ANPED. [Em linha] [Consult. 17-08-2017]. Disponível em URL: http://www.anped.org.br/sites/default/files/anped_nota_publica_mp_ensinomedio.pdf
63
de equidade, de responsabilidade individual e social, e de envolvimento dos estudantes nas tomadas de decisão. (LEITE, 2017, p. 26)
Portanto, há ainda desafios a serem superados que necessitam de
condições para isso. É absolutamente necessário e urgente a valorização de um
maior envolvimento dos estudantes na sua própria aprendizagem, bem como a
revisão sobre avaliações que se configuram como meios de exclusão e não de
inclusão, a valorização da experiência e do processo de aprendizagem.
Devem-se multiplicar os olhares sobre as potencialidades de uma
aprendizagem mais inclusiva, participativa, voltada para a cidadania, que
valorize o processo em detrimento do resultado como forma de rever e reinventar
o espaço escolar.
64
Capítulo 3
3. Por uma ampliação da percepção: a avaliação como um processo
significativo de autoconhecimento
(…) La evaluación educativa y los conceptos que la van definiendo
(rendimiento, calificación, acreditación…) es un constructo social y por
tanto un invento, una convención susceptible de cambio, al que se le
dan usos ideológicos y políticos confundidos con los usos educativos.
No obstante, las prácticas reiteradas / no reflexionadas nos hacen creer
que no puede ser de otro modo, lo cual obtura toda posibilidad de
revisión y transformación. (MÉNDEZ, 1999, p. 10)
A avaliação, quando é consistente e bem fundamentada, pode permitir ao
estudante se posicionar em relação aos seus trabalhos e aos trabalhos artísticos
em geral, pois possibilita que se pense, reflita e aprenda sobre o que foi feito e
o que poderá ser feito. Trata-se, portanto, de um retorno sobre o processo de
aprendizagem e por isso deve favorecer o aprendizado.
Ainda podemos verificar que, para muitos professores, o exame (embora
sendo um método muito antigo de avaliação, é também frequentemente alvo de
discussões e críticas) é o único método utilizado para avaliar seus alunos. Por
mais que muitos professores não concordem com os métodos de avaliação até
hoje vigentes, eles acabam por se adaptar, e aceitar como inevitável, esse
método de avaliar por exame, assim como todo o sistema de ensino que ele
acaba por legitimar, e que é um sistema que podemos considerar limitado e
limitador das potencialidades de um ensino que se pretende democrático.
Quando se fala em avaliação, logo pensamos numa nota ou conceito
abstracto – um número –, porém, esse pensamento frequentemente se associa
a uma ideia de punição ou prêmio (tal como demonstrado no segundo capítulo
desta dissertação), e vai contra a ideia de avaliação como um processo
significativo de autoconhecimento que valoriza a experimentação e a experiência
na aprendizagem entendida como aquisição/produção de conhecimento. A esse
65
respeito, María Acaso considera que a existência da avaliação – tal como a
concebemos no seu sentido mais restritivo, o exame final – não tem nada a ver
com a aprendizagem, mas com a validação dos saberes que, em determinado
momento, um Estado considera como válidos para comparar, organizar e
classificar as suas populações escolares e, assim, a própria sociedade:
La evaluación es una prolongación de los sistemas de legitimación del Estado en la educación: su existencia realmente no tiene que ver con el aprendizaje, tiene que ver con la validación de saberes, con mecanismos artificiales que la sociedad occidental requiere para establecer comparaciones y organizar las clases sociales sirviéndose para ello de la escuela, la universidad y otras instituciones. (ACASO, 2012, p. 2)
Assim, a avaliação funciona muitas vezes como um sistema disciplinar, e
como nos fiz Foucault, na essência de todos os sistemas disciplinares há sempre
um pequeno “mecanismo penal”. A avaliação acaba por quantificar as
capacidades pessoais, e serve para “medir em termos quantitativos e
hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nível, a “natureza” dos
indivíduos”. (2011, p. 176). Dessa forma os alunos são comparados,
diferenciados e excluídos, prevalecendo o olhar científico na legitimação do
exercício de poder da disciplina sobre o corpo e a alma dos indivíduos:
O exame como fixação ao mesmo tempo ritual e “científica” das
diferenças individuais, como aposição de cada um à sua própria
singularidade indica bem a aparição de uma nova modalidade de poder
em que cada um recebe como status sua própria individualidade, e
onde está estatutariamente ligado aos traços, às medidas, aos desvios,
às “notas” que o caracterizam e fazem dele, de qualquer modo, um
“caso”. (FOUCAULT, 2011, p. 183)
Vemos o quanto os alunos são classificados e, novamente, o valor de
coisificação que isso produz. Os alunos são, portanto, analisados
constantemente, e segundo Foucault, o exame – sobretudo, o exame vinculado
a todo um aparelho de escrita – cria possibilidades que confirmam o aluno como
objeto analisável e comparável, individualmente e em grupo:
Graças a todo esse aparelho de escrita que o acompanha, o exame
abre duas possibilidades que são correlatas: a constituição do
indivíduo como objeto descritível analisável, não contudo para reduzi-
66
lo a traços “específicos”, como fazem os naturalistas a respeito dos
seres vivos; mas para mantê-lo em seus traços singulares, em sua
evolução particular, em suas aptidões ou capacidades próprias, sob o
controle de um saber permanente; e por outro lado a constituição de
um sistema comparativo que permite a medida de fenômenos globais,
a descrição de grupos, a caracterização de fatos coletivos, a estimativa
dos desvios dos indivíduos entre si, sua distribuição numa “população”.
(FOUCAULT, 2011, p. 182)
Observamos o quanto estão presentes nos exames e métodos de
avaliação frequentemente utilizados na escola de ontem como de hoje, o que
Foucault chama de vigilânia hierárquica e sanção normalizadora.
Isso vai ao encontro da hipótese formulada pelo Professor Jorge Ramos
do Ó, que a partir do conceito de governamentalidade, de Michel Foucault,
mostra que à ideia de “escola para todos” se adequa a amplificação de
mecanismos e instrumentos de controle social. Assim, o modelo de instituição
que a escola evidencia a partir do final do século XIX, surge a partir do ‘estilo
liberal de governo’ em que se observa que as dimensões da ética e da política
estão plenamente (con)fundidas. Segundo o Professor, a noção de
governamentalidade foucaultiana estabelece relações através de um tríptico
sequencial entre:
(i) a microfísica do poder, ligada às tecnologias políticas do corpo e à aplicação de técnicas disciplinares nas prisões; (ii) as preocupações gerais da soberania política, direccionadas para gestão das nações, populações e sociedades no quadro de relações institucionais; (iii) as estratégias estabelecidas para a direcção e condução de indivíduos livres, fazendo equivaler as práticas do eu com as práticas do governo. O Governo de si e dos Outros foi sintomaticamente o título escolhido para os seus dois últimos Cursos. (Ó, 2009, p. 98)
A partir disso, Jorge do Ó afirma que:
(…) a minha hipótese é que tanto o figurino institucional quanto as categorias identitárias que a instituição escolar pôs a circular desde finais do século XIX – conjuntura que coincide com a autonomização da ciência pedagógica e com o arranque da escolarização massiva das populações – são, no essencial, produtos e instrumentos de um estilo liberal de governo das populações que não cessa de fundir a dimensão política com a ética. (Ó, 2009, p. 98)
67
Para ilustrar, a figura 7 mostra, de modo cómico, o figurino institucional da
escola que advém desse estilo liberal de governo, onde observamos a confusão
para que tantos estudantes, tão diferentes nas suas categorias sociais e
psicológicas, se possam homogeneizar no interior de uma sala de aula de modo
a ficarem exclusivamente concentrados na aquisição de conteúdos de
aprendizagem. Daí que a pergunta se imponha: perante tamanha quantidade e
diversidade de ‘fauna’, como pode uma professora – “uma simples mortal” –
chegar a “gerir” uma sala de aula, quanto mais, “ensinar”? Como pode uma
professora ensinar alguma coisa que seja, quando os seus alunos trazem na
bagagem todo um historial de “problemas sociais” - incluindo “cultura televisiva”,
“violência”, “drogas”, “abusos”, “pais ausentes”, “pobreza”, e “nenhum bom
exemplo”?
Figura 7. Ilustração que ironiza o figurino escolar segundo um modelo político liberal. Fonte: http://jesuslifetogether.com/letters/images/37209_factory_schools.jpg
68
Nessa perspectiva, pode-se perceber a conexão das aspirações
governamentais (no que se refere a ideias e ações) com organizações sociais, e
a nossa liberdade submetida ao governo que tem o poder, e que o exerce
disciplinarmente, de modo a tornar os nossos corpos dóceis, isto é, preparados
para receberem o conhecimento que lhes é administrado. Assim, nota-se que é
precisamente quando questionamos os processos de institucionalização que
podemos observar “as modalidades de constituição do sujeito moderno.” (Ó,
2009, p. 115)
Por outro lado, o sujeito moderno – disciplinado –, quando submetido à
objetivação limitadora da instituição escolar – o exame –, faz parte de um sistema
de hierarquização e normalização que excluí tudo aquilo que é diferente e tudo
aquilo que não pode ser classificado dentro das categorias de avaliação
previamente definidas por esse exame. Essa forma de exclusão causa a não
aprendizagem dos conteúdos considerados indispensáveis para a competição
pela sobrevivência, o que, por sua vez, consolida a correspondência imediata
entre fracasso/sucesso escolar e fracasso/sucesso social, na medida em que os
indivíduos num futuro após a saída da escola (quando vão em busca de
emprego), frequentemente experimentam a sensação de que, mesmo tendo
obtido ‘boas’ notas nos exames, todos os seus conhecimentos testados em
exames de nada servem no mundo real (fora da escola) e, por isso, a escola é
incapaz de os preparar convenientemente para saberem aquilo que precisam
mesmo de saber para poderem sobreviver fora da escola – tal como denuncia o
cartoon presente no site da United Federation of Teachers, de 2013 (figura 8).
69
Figura 8. Cartoon que satiriza o ensino baseado em testes, que pouco ou nada interfere nas habilidades do mundo real.
Fonte: http://www.uft.org/editorial-cartoons/what-real-world-skills-do-you-have
Conforme afirma Cláudia de O. Fernandes, isso compromete boa parte do
desenvolvimento do indivíduo:
A não aprendizagem dos alunos nos angustia profundamente, pois
significa a negação do direito fundamental do ser humano de acesso a
determinados elementos da cultura, saberes elaborados (conceituais,
procedimentais e atitudinais), a que dificilmente terá acesso fora da
escola, pelo menos não de forma intencional, sistemática, crítica,
coletiva e mediada, como acontece – ou deveria acontecer – na escola.
O fracasso escolar é outra forma de exclusão: a exclusão dos incluídos,
já que formalmente os alunos estão no sistema, mas não estão
aprendendo, tendo, portanto, boa parte de seu desenvolvimento
comprometido. (FERNANDES, 2015, p. 18)
70
Quando avaliamos a própria avaliação, que é excludente e classificatória,
percebemos alguns problemas como o desvio dos objetivos, ou seja, o centro da
aprendizagem passa a ser a classificação e não o crescimento e
desenvolvimento pessoal. Além disso, o professor, ao querer cumprir as metas
e programas, preocupa-se com os exames, utilizando uma metodologia passiva
a fim de ensinar aos alunos todos os conteúdos que sairão nos exames, gerando
insatisfação e ansiedade nos estudantes, que passam a desinteressar-se pelas
aulas. Isso leva o professor a usar a avaliação como uma arma que serve para
controlar o comportamento, acabando por, conforme diz Fernandes, “alienar
ainda mais a relação pedagógica e realimentar o ciclo vicioso” (2015, p. 28)
Conforme a autora, ao avaliar a avaliação, também está presente a
questão ética:
A prática da avaliação excludente favorece em muito o tratamento do
aluno como coisa; é classificado e, se estiver fora do padrão desejado,
é descartado, ainda que com a melhor das intenções (“Estamos te
reprovando hoje, mas no futuro irá nos agradecer”). Nesse campo,
quando se resolve avaliar também os conteúdos atitudinais
(participação, interesse, disciplina) com a mesma lógica classificatória,
o estrago é ainda maior. (FERNANDES, 2015, p. 28)
Precisamos livrar-nos desses conceitos já ultrapassados para entender
que avaliar não é julgar, mas fundamentar com o objetivo de criar condições de
desenvolvimento e qualificação constante.
A avaliação, quando bem utilizada, pode ajudar o aluno a ter uma maior
consciência acerca dos seus acertos e erros, fortalecendo a sua autonomia,
preparando-o para novas aprendizagens, e possibilita que os alunos revejam as
suas práticas e atitudes, visando a superação, o que facilita que o aluno se sinta
valorizado e responsabilizado pela sua própria aprendizagem, pela sua própria
evolução.
O erro pode ser visto como um elemento de interação porque ele
possibilita a construção do conhecimento e assim também favorece o combate
à competição entre os alunos, pois unidos eles podem perceber melhor onde
falham e onde um outro colega pode ajudar o outro. Assim, o ponto forte de um
71
colega, pode servir como meio de inspiração para superar o ponto fraco de outro,
fortalecendo a união entre pares. O mesmo sucedendo com o professor.
Quando o aluno passa a ter maior consciência dos seus limites internos,
passa a ter também uma maior consciência da evolução da sua aprendizagem
e, portanto, pode estar apto a escolher o momento a ser avaliado. O próprio
aluno, melhor que ninguém, é que deve saber o momento em que quer ser
avaliado, o momento que se sente preparado para tal.
Com essa maior autoconsciência, o aluno já não se compara a um
referencial externo, mas a si mesmo, pois consegue perceber as suas
potencialidades, os fatores que facilitam os seus processos de aprendizagem, e
a sua própria vocação histórica e ontológica de ser mais, conforme termo usado
por Paulo Freire. Estamos num processo de permanente busca, que é essa
vocação de ser mais:
Na verdade, diferentemente dos outros animais que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. (FREIRE, 2014, p. 102)
A vontade inata ao ser humano de ser mais é um desafio ao ato de
investigar. Portanto, os indivíduos necessitam de ser sujeitos de seu próprio
movimento, do seu processo de descoberta e construção de si mesmos:
Seria, realmente, uma violência, como de fato é, que os homens, seres históricos e necessariamente inseridos num movimento de busca, com outros homens, não fossem o sujeito de seu próprio movimento. Por isto mesmo é que, qualquer que seja a situação em que alguns homens proíbam os outros que sejam sujeitos de sua busca, se instaura como situação violenta. Não importa os meios usados para esta proibição. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, que são transferidas a outro ou a outros. (FREIRE, 2014, p. 104)
Portanto, o próprio aluno é quem deve ser responsável pela produção do
conhecimento, pela transformação da aprendizagem num processo, mais do que
num resultado quantificável e comparável. Reafirma-se assim, que o
conhecimento deve ser avaliado de forma significativa para possibilitar ao aluno
72
uma maior consciência e, consequentemente, maior autonomia, sobre o seu
processo de aprendizagem, principalmente quando o aluno é requisitado para
se auto avaliar, ou seja, manifestar um posicionamento sobre o conhecimento
que foi adquirido, refletindo sobre o que aprendeu, como aprendeu e por que
aprendeu. Isso permite, igualmente, ao aluno construir uma maior consciência
crítica acerca do mundo artístico e também da vida cotidiana.
3. 1. Potenciando a experimentação
Com o modelo racionalista de avaliar o que se ensina e o que se aprende,
que não potencializa a experimentação, e ainda pelo nosso modo de vida
formatado, a nossa capacidade de acolher o novo e de chegar àquilo que
desconhecemos, fica bastante dificultada. Em sala de aula, é possível perceber
a pressa que os alunos parecem ter em terminar logo as atividades propostas
pelos professores.
Inês Dussel discorre sobre a avaliação de uma página na internet, com
testes de múltipla escolha, que foram respondidos por alunos. A autora diz que
o que se destacou foi o imediatismo das respostas e, ainda, que:
Es ineludible la comparación con los videojuegos: parece que lo que convoca este tipo de evaluaciones es la interactividad, la inmediatez y la competencia. Habrá que estar atentos a qué se aprende con este tipo de evaluaciones, y también habrá que buscar proponer otras que promuevan operaciones más relevantes y más cercanas al tipo de trabajo pedagógico que se quiere promover. (DUSSEL, 2010, p. 81)
Isso acaba por dificultar uma experiência enriquecedora através de uma
experimentação mais dedicada e demorada – simultaneamente contemplativa e
reflexiva – que muitas atividades artísticas exigem. Para Jorge Larrosa (2002),
um dos fatores que explica isso, é o excesso de informação que é característico
do mundo atual e que não deixa lugar para a experiência, que é, justamente,
aquilo que nos acontece, aquilo que nos toca.
73
O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça. (LARROSA, 2002, p. 22)
John Dewey (2010) também discorre sobre o conceito de experiência:
Por a mão no fogo não é, necessariamente, ter uma experiência. A
ação e sua consequência devem estar unidas na percepção. Essa
relação é o que confere significado; apreendê-la é o objetivo de toda
compreensão. O âmbito e o conteúdo das relações medem o conteúdo
significativo de uma experiência. A experiência de uma criança pode
ser intensa, mas, por falta de uma base de experiências anteriores, as
relações entre o estar sujeita a algo e o fazer são mal-apreendidas, e
a experiência não tem grande profundidade nem largueza. Ninguém
jamais atinge uma maturidade de tal que perceba todas as conexões
envolvidas. (DEWEY, 2010, p. 122-123)
Portanto, uma nova experiência que vivenciamos, relaciona-se com
experiências anteriores já vivenciadas, em conexões que estão envolvidas:
A experiência é limitada por todas as causas que interferem na
percepção das relações entre o estar sujeito e o fazer. Pode haver
interferência pelo excesso do fazer ou pelo excesso da receptividade
daquilo a que se é submetido. O desequilíbrio em qualquer desses
lados embota a percepção das relações e torna a experiência parcial e
distorcida, com um significado escasso ou falso. (DEWEY, 2010, p.
123)
A experiência é a totalidade e apreender o significado da experiência é
compreendê-la. Uma experiência só é verdadeira se apreendemos o seu
significado, se somos capazes de estabelecer relações.
Para Larrosa, no mundo atual, a dificuldade de se ter uma experiência,
além do excesso de informação, como já dito, advém do excesso de opinião (ter
opinião crítica nos tempos atuais, significa ser um sujeito “culto” e, então, acaba-
se por opinar sobre qualquer coisa que se tem informação, por mínima que seja),
do excesso de trabalho (o sujeito acredita que pode assumir muitos
compromissos e realizar, produzir, fazer tudo a que se propõe) e da falta de
tempo, que são fatores que definem o homem moderno com certa obsessão pela
aceleração do tempo:
74
Um sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma mercadoria, um sujeito que não pode perder tempo, que tem sempre de aproveitar o tempo, que não pode protelar qualquer coisa, que tem de seguir o passo veloz do que se passa, que não pode ficar para trás, por isso mesmo, por essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo, este sujeito já não tem tempo. (LARROSA, 2002, p. 23)
Nesse sentido, o excesso de informação, de opinião, de trabalho e a falta
de tempo, por impedir a experiência do acontecimento, acaba por impossibilitar
também a estesia21. Daí vem a dificuldade dos alunos em experimentar, sem
pressa, sem pensar nos resultados. Ainda no mesmo sentido, John Dewey
afirma que:
O gosto pelo fazer, a ânsia de ação, deixa muitas pessoas, sobretudo no meio humano apressado e impaciente em que vivemos, com experiências de uma pobreza quase inacreditável, todas superficiais. Nenhuma experiência isolada tem a oportunidade de se concluir, porque o indivíduo entra em outra coisa com precipitação. O que é chamado de experiência fica tão disperso e misturado que mal chega a merecer esse nome. A resistência é tratada como uma obstrução a ser vencida, e não como um convite à reflexão. O indivíduo passa a buscar, mais ainda inconscientemente do que por uma escolha deliberada, situações em que possa fazer o máximo de coisas no prazo mais curto possível. (DEWEY, 2010, p. 123)
Essa pressa, fruto da sociedade capitalista, atinge não apenas os
estudantes, mas também os professores, e gera ansiedade excessiva em
ambos. É preciso dar tempo ao processo para que consigamos alcançar os
objetivos de aprendizagem. Um movimento que defende isso mesmo, designa-
se slow education que, conforme refere María Acaso:
La sociedad capitalista en la que vivimos nos obliga a olvidar este hecho (lo importante que es darle tiempo al proceso) y nos condena adinámicas de ansiedad donde la inminencia se cotidianiza. Una de las metas que me he fijado para este año que empieza es el desarrollo de lo que podríamos llamar slow education: la conciencia de ralentizar los tiempos, los formatos y los sistemas de evaluación en favor de procesos de enseñanza y aprendizaje tranquilos. Además de
21 O conceito de estesia, segundo João Francisco Duarte Júnior, é “definido pelos dicionários como ‘faculdade de sentir’, como ‘sensibilidade’ e, secundariamente, como ‘percepção do belo’. Na verdade, tal termo apresenta-se hoje como irmão da palavra estética, tendo ambos origem no grego aisthesis, que significa basicamente a capacidade sensível do ser humano para perceber e organizar os estímulos que lhe alcançam o corpo” (2000, p. 142). Porém, diferente da estética, a estesia “diz mais da nossa sensibilidade geral, de nossa prontidão para apreender os sinais emitidos pelas coisas e por nós mesmos.” (2000, p. 42).
75
fomentarla desde las instituciones, la slow education es muy importante fomentarla en familia para experimentar juntos momentos ajenos a la crispación y al enfado. (ACASO, 2012, p. 2)
Além disso, atualmente observa-se uma certa fixação por tudo o que nos
transmite segurança, que é garantido e estável, já que não se quer perder tempo
com algo que não oferece certeza. Isso é mais um fator que torna a busca pela
experimentação algo cada vez mais raro. Bauman, em A busca pela segurança
no mundo atual, discorre sobre isso mesmo:
No vazio, a experimentação é fácil e encontra poucos obstáculos — mas o empecilho é que, agradável ou não, o produto experimental nunca é seguro; sua expectativa de vida é curta e por isso a segurança existencial que promete custa a chegar. (BAUMAN, 2003, p. 91)
Bauman ainda afirma que “só a experimentação contínua poderá
sustentar a esperança de vir a encontrar o alvo, e essa experimentação exige
grande quantidade de caminhos alternativos” (2003, p. 119). Nessa perspectiva,
cabe ao professor criar condições de enunciação para que os seus alunos –
sejam crianças ou adultos – percorram o caminho da experimentação, mas só
lhe será possível obter sucesso nessa tentativa de estimular o experimento, se
houver um deslocamento do objetivo central da aprendizagem, ou seja, se
desviar o foco do resultado final e depositá-lo no próprio processo de chegar até
ele, o que envolve a potencialização do erro, da tentativa, do ensaio, do
experimento, e aceitação das falhas que decorrem desse processo.
O processo de aprenziagem pode ser dificultado pelas notas ou pela
obsessão pela classificação. Infelizmente ainda há quem acredita que o sujeito
se obtém por métodos estatísticos e que uma nota, um número, define o que o
aluno aprendeu nas aulas. Esse pensamento é altamente prejudicial e
impossibilita que o estudante possa aprender livremente, estudar por prazer,
divertir-se com possíveis descobertas. Essa concepção vai ao encontro da
afirmação de María Acaso de que “Investigaciones recientes han puesto de
relieve los valores negativos de calificación y la mayor implicación de los
estudiantes en el proceso de aprendizaje cuando no hay notas.” (2012, p. 224)
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A autora criou o conceito de educação bulímica para definir o tipo de
ensino em que os alunos coletam dados, decorando esses dados e muitas
informações que são armazenadas em sua memória, depois “vomitam” todo
“conhecimento” nas provas e exames e, por fim, esquecem de tudo, pois pouco
ou nada significou para eles, apenas foram geradores de ansiedade. Para
explicar, Acaso conta uma história:
Clara tiene siempre un sueño recurrente, un sueño en el que parece que va a morir y lo único que le preocupa es que no llega al examen que tenía programado. Es tal el nivel de autoexigencia que ha desarrollado desde niña con relación a los exámenes, que en sus peores pesadillas se repite esta angustiosa y terrorífica sensación de tener que llegar a una prueba en la que todos más o menos repetimos el ritual emblemático de la educación bulímica: atracón de datos, vómito y olvido sazonado con grandes dosis de ansiedad, miedo y desazón. (ACASO, 2012, p.1)
Muitos de nós podemos facilmente nos identificar com a Clara. A autora,
partindo da premissa de que a forma como os alunos são avaliados faz parte de
um sistema de repressão, de castigo e de controle, propõe uma nova forma de
avaliar em que o estudante participa do processo avaliativo. Sua proposta
envolve cinco etapas. A primeira etapa consiste em uma avaliação antecipada,
ou seja, os estudantes estabelecem desde o início qual é a qualificação que
querem alcançar. Trata-se de um recurso em que o estudante se posiciona
consigo mesmo, partindo da sua realidade, do tempo que dispõe, da motivação
que tem.
A segunda etapa diz respeito a uma autoavaliação por parte do estudante,
em que o estudante se torna responsável pela sua avaliação e reflete sobre as
questões que envolvem uma avaliação. Acaso afirma que os alunos tem mais
condições de avaliar a sua própria aprendizagem do que o próprio professor.
Outra etapa é a avaliação compartilhada, quando os estudantes se avaliam entre
si. É o que Freedman chama de avaliação grupal.
A quarta etapa consiste em uma entrevista em profundidade, em que o
professor conversa com o aluno. Nesse caso, o diálogo é essencial para
observar o nível de aprendizagem do aluno, e quanto maior a discussão, maior
se torna a facilidade para o avaliar. A última etapa proposta por María Acaso é a
77
elaboração pelo estudante de um portfolio visual, que trata de uma sequência
cronológica de trabalhos desenvolvidos pelo estudante que comprovem a
evolução ao longo do processo, e pode conter reflexões em linguagem escrita.
Se a avaliação acontecesse durante o processo, como ocorre em
métodos alternativos de avaliação, os estudantes seriam estimulados a olharem
de maneira crítica e reflexiva para o que fazem, preocupando-se, além do
resultado, com o modo como fazem de forma autocrítica. Caso contrário, haverá
sempre um estado de tensão gerada nos alunos ao falar sobre avaliação.
Segundo o documento “Evaluación”, do Conselho Geral de Educação do
Governo de Entre Ríos:
Si la evaluación es propuesta como forma de control fundamentalmente destinada a identificar a aquéllos que no saben y aquello que no saben, generará en los alumnos estados de ansiedad y temores que tendrán un fuerte impacto sobre la autoestima y la motivación, generando efectos negativos sobre sus aprendizajes. Si por el contrario la evaluación les permite a los alumnos revisar sus errores, dificultades y logros para saber cómo continuar, será aprovechada por ellos para conocer sus procesos de aprendizajes, a través de la información que reciben y para autoconocimiento de sus límites y de sus posibilidades. (2009, p. 13)
Outra proposta de avaliação que é mais aberta, ainda que considere os
resultados da aprendizagem, é a avaliação formativa, que permite que o ensino
seja adaptado às diferenças dos indivíduos e incentiva o diálogo e a interação
dos estudantes, tornando-os participantes do processo avaliativo:
A avaliação formativa é realizada com o propósito de informar o professor e o aluno sobre o resultado da aprendizagem, durante o desenvolvimento das atividades escolares. Localiza deficiências na organização do ensino-aprendizagem, de modo a possibilitar reformulações no mesmo e assegurar o alcance dos objetivos. É chamada formativa, pois indica como os alunos estão se modificando em direção dos objetivos. (SANT’ANNA, 2010, p.34)
Para Domingos Fernandes a avaliação formativa é essencial para a
melhoria das aprendizagens dos alunos. Segundo este especialista em matéria
de avaliação educacional:
Cerca de trinta anos de investigação evidenciam inequivocadamente que os alunos que frequentam aulas onde aquela modalidade de
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avaliação prevalece, aprendem melhor, com particular evidência para aqueles que têm mais dificuldades. Além disso, a investigação também mostra que a avaliação formativa contribui para que os alunos obtenham melhores resultados em provas de avaliação externa, nomeadamente exames. (FERNANDES, 2015, p. 02)
Isso mostra que pensar a avaliação de forma crítica pode contribuir para
a melhoria dos processos educativos e ainda tornar os alunos mais conscientes
do seu próprio desenvolvimento, na medida em que o conhecimento passa a ser
construído de forma interativa. Porém, podemos verificar que esses autores
sempre finalizam dando ênfase aos objetivos que estão sempre vinculados aos
exames e avaliações externas, ou seja, os alunos participam mais, têm maior
abertura para interagir no processo de aprendizagem, há um maior diálogo, mas
(e neste ponto, há sempre um ‘mas’…) o modo de avaliar é externo a eles, não
podendo os alunos interferir ou escolher o momento e o modo como serão
avaliados, sobretudo quando consideramos esse nível macro, do teste e
comparação a uma escala global, como acontece, atualmente na Europa, no
caso PISA – Programme for International Student Assessment.22
Para Luckesi “a avaliação é um juízo de qualidade sobre dados relevantes
da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão” (2009, p. 9). Isso significa
dizer que a avaliação fundamenta uma determinada decisão – que, em última
instância, é sempre uma posição e uma visão política – e, portanto, como afirma
o autor, ela não se dá em um vazio conceitual, sem expectativas sobre os
resultados que se desejam alcançar (ou antecipar, de alguma forma). Nesse
sentido, o objetivo da avaliação passará também por reconhecer e incluir as
várias dimensões da experiência que devem ser tomadas em conta nessa
decisão – que é sempre ética e política –, não só proporcionando os meios de
análise e reflexão sobre a aprendizagem enquanto ela ainda está acontecendo,
visando uma melhoria constante da aprendizagem para que se obtenham
22 O Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA) é uma pesquisa internacional trienal que visa avaliar os sistemas educacionais em todo o mundo testando as habilidades e o conhecimento de estudantes de 15 anos. Em 2015, mais de meio milhão de estudantes, que representam 28 milhões de jovens de 15 anos em 72 países e economias, tomaram o teste de duas horas acordado internacionalmente. Os alunos foram avaliados em ciência, matemática, leitura, resolução colaborativa de problemas e alfabetização financeira. Cf. Website OCDE/ PISA: http://www.oecd.org/pisa/
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melhores resultados, mas também abrindo o caminho para que se possam incluir
e discutir os vários entendimentos sobre aquilo que, em cada momento histórico,
é admissível (ou desejável) como ‘resultado excelente’ e qual a escala de valores
que deve não apenas ‘medir’, mas ‘nortear’, a própria noção que temos do que
seja um resultado ‘excelente’.
A construção teórica da avaliação, no que se refere ao domínio das
aprendizagens, mostra grande complexidade, por envolver perspectivas que são
políticas, éticas, sociológicas, psicológicas e filosóficas, e isso acaba por criar
certas barreiras teóricas que precisam de ser reconhecidas para que uma real
mudança possa acontecer. Nesse sentido, penso que uma teoria da avaliação
poderia servir como um direcionamento - um sentido, uma orientação – para
professores e também investigadores, pois, caso contrário, não seria fácil haver
uma mudança nas práticas de avaliação sem haver também uma teoria na qual
se possam guiar. Portanto, para mudar as práticas de avaliação – e melhorá-las
– é preciso que o significado de avaliação seja claro.
Tendo em conta que avaliar não é julgar, mas criar condições para que a
aprendizagem se efetive, essa ‘teoria da avaliação’ não pode, de nenhum modo,
considerar a avaliação como elemento de manipulação e de controle. Assim,
uma avaliação que seja ‘alternativa’ ao exame, e que potencia os ‘processos’ de
aprendizagem, deve considerar o papel relevante do professor, que deve criar
oportunidades para que seus alunos desenvolvam a consciência sobre sua
própria aprendizagem e interajam com seus colegas (pois a avaliação só é
significativa se inserida num contexto de interação e participação). Portanto, a
consciência dos alunos sobre seu próprio estado de aprendizagem só pode se
desenvolver em um contexto e ambiente de ensino-aprendizagem que seja
socialmente dinâmico – e daí vem o papel essencial do professor em oportunizar
esse ambiente. Assim, pode-se considerar o conceito de avaliação formativa
alternativa23, de Domingos Fernandes, como conceito-chave para uma “teoria da
avaliação”:
23 Sobre as funções da AFA, segundo Domingos Fernandes: “Para clarificar a natureza e funções da AFA, integrando diferentes contributos teóricos, é oportuno sistematizar nesta altura algumas
80
A avaliação formativa alternativa (AFA) baseia-se em novas visões acerca da natureza das interacções sociais que se estabelecem nas salas de aula entre os alunos e entre os professores e os alunos. É um processo pedagógico e interactivo, muito associado à didáctica, integrado no ensino e na aprendizagem, cuja principal função é a de conseguir que os alunos aprendam melhor, isto é, com significado e compreensão. Nestas condições, a AFA pressupõe uma partilha de responsabilidades em matéria de ensino, avaliação e aprendizagens e, consequentemente, uma redefinição dos papéis dos alunos e dos professores. (FERNANDES, 2006, p. 32)
A teoria de Fernandes dá maior visibilidade ao aluno ao torná-los
consciente do seu próprio desenvolvimento e do conhecimento adquirido num
processo que é construído de modo interativo, e isso é essencial para o
progresso dos processos cognitivos e sócio-afectivos dos alunos, interferindo
diretamente em sua motivação e auto-estima. Porém, em relação aos objetivos
da avaliação, Fernandes diz que
A AFA é uma construção social, um processo intrinsecamente pedagógico e didáctico, plenamente integrado no ensino e na aprendizagem, deliberado e interactivo, cuja principal função é regular e melhorar as aprendizagens dos alunos. (FERNANDES, 2006, p. 11)
Contudo, “regular a aprendizagem dos alunos” é, de certa forma, controlar
e sujeitar o aluno a certas regras e, conforme diz o autor (2006, p. 31), para
melhorar as aprendizagens, “torna-se imperativo que professores e alunos
partilhem as mesmas ideias, ou ideias aproximadas, acerca da qualidade do que
se pretende alcançar”. Mas, considerando que o aluno tem responsabilidade
das suas características mais relevantes, tais como: 1. A avaliação é deliberadamente organizada em estreita relação com um feedback inteligente, diversificado, bem distribuído, frequente e de elevada qualidade tendo em vista apoiar e orientar os alunos no processo de aprendizagem. 2. O feedback é importante para activar os processos cognitivos e metacognitivos dos alunos, que, por sua vez, regulam e controlam os processos de aprendizagem, assim como para melhorar a sua motivação e autoestima. 3. A natureza da interacção e da comunicação entre professores e alunos é central porque os professores têm que estabelecer pontes entre o que se considera ser importante aprender e o complexo mundo dos alunos (por exemplo, o que eles são, o que sabem, como pensam, como aprendem, o que sentem e como sentem). 4. Os alunos são deliberada, activa e sistematicamente envolvidos no processo do ensino-aprendizagem, responsabilizando-se pelas suas aprendizagens e tendo amplas oportunidades para elaborarem as suas respostas e para partilharem o que e como compreenderam. 5. As tarefas propostas aos alunos que, desejavelmente, são simultaneamente de ensino, de avaliação e de aprendizagem, são criteriosamente seleccionadas e diversificadas, representam os domínios estruturantes do currículo e activam os processos mais complexos do pensamento (por exemplo, analisar, sintetizar, avaliar, relacionar, integrar, seleccionar). 6. As tarefas reflectem uma estreita relação entre as didácticas específicas das disciplinas e a avaliação que tem um papel relevante na regulação dos processos de aprendizagem. 7. O ambiente de avaliação das salas de aula induz uma cultura positiva de sucesso baseada no princípio de que todos os alunos podem aprender.” (2008, p. 356-357)
81
sobre o desenvolvimento da sua própria aprendizagem (e sobre o tempo da sua
aprendizagem), penso que ele pode ser capaz também de escolher o momento
a ser avaliado e, se o aluno utilizar de modo adequado a auto-avaliação, o
professor pode ser um mediador a quem o estudante pode sempre recorrer.
Assim, o modo de avaliar não seria externo aos alunos, e sim um processo
natural, e contínuo, que valoriza a livre iniciativa, a autonomia dos estudantes e
a liberdade pedagógica.
Considera-se também que os conceitos de experimentação e
investigação estão diretamente relacionados com o conceito de avaliação que
se propõe, já que experimentar é vivenciar, experienciar, testar (e nesse sentido,
o erro é um factor importante), realizar, explorar; e investigar é pesquisar,
analisar, aprofundar. Assim, a investigação complementa a experimentação,
pois tem como objetivo ampliar o conhecimento sobre determinada experiência.
O acto de investigar – procurar conhecimento, buscando soluções para
determinados problemas – contribui para que a experiência seja mais completa
e significativa.
Portanto, reafirma-se que é importante descentralizar a avaliação,
tornando-a num processo contínuo de experimentação e investigação, o que
pode contribuir fortemente para que professores e alunos encarem o processo
de aprendizagem como sua construção.
3. 2. Olhar e ouvir os alunos
“…la calificación mediante notas fabrican ‘pequeñas’ jerarquías de
excelencia que prefiguran la jerarquía final” (PERRENOUD, 2008,
p.10)
Apesar de haver métodos alternativos de avaliação, o modelo
predominante ainda é aquele extremamente racional e taxonómico, que trata do
aluno por métodos estatísticos e quantificáveis, e por mais que muitos
professores discordem desses métodos até agora vigentes (ou até os denunciem
82
como prejudiciais), eles acabam por se conformar ao sistema instituído,
remetendo-se ao silêncio, e não contestando nem questionando a sua
autoridade nessa que é a grande fábrica da democracia, a escola. É por esse
mesmo ângulo que, em Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
docente, Paulo Freire discorre sobre a avaliação:
Os sistemas de avaliação pedagógica de alunos e de professores vêm se assumindo cada vez mais como discursos verticais, de cima para baixo, mas insistindo em passar por democráticos. A questão que se coloca a nós, enquanto professores e alunos críticos e amorosos da liberdade, não é, naturalmente, ficar contra a avaliação, de resto necessária, mas resistir aos métodos silenciadores com que ela vem sendo às vezes realizada. A questão que se coloca a nós é lutar em favor da compreensão e da prática da avaliação enquanto instrumento de apreciação do quefazer de sujeitos críticos a serviço, por isso mesmo, da libertação e não da domesticação. Avaliação em que se estimule o falar a como caminho do falar com. (FREIRE, 2015, p. 113-114)
Ao encontro do que afirma Paulo Freire, ouvir os professores sobre como
eles avaliam e sobre como eles gostariam de avaliar, ou seja, sobre como eles
pensam que a avaliação deveria ser feita, é um ótimo caminho para repensar o
sistema atual de avaliação, já que esses professores estão inseridos nas escolas
e têm o privilégio de observarem de perto as vantagens e desvantagens do
sistema de ensino vigente, e do qual eles mesmos são os principais
responsáveis por fazer funcionar.
Também, poucas são as investigações (de caráter académico e científico)
que levam em consideração a opinião dos alunos, ou o seu direito em discutir e
propor métodos de ensino e de avaliação diferentes daqueles a que os
professores os sujeitam. O aluno é, como toda a gente sabe, um ser menor e,
como tal, irresponsável e incompetente para decidir sobre o seu próprio futuro,
e sobre os métodos de adquirir um conhecimento que não tem. Mas Paulo Freire
diz-nos o contrário, diz-nos que os estudantes certamente têm muito a dizer e a
contribuir para um modo de avaliar mais dinâmico:
Respeitar a leitura de mundo do educando significa tomá-la como ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade, de modo geral, e da humana, de modo especial,
83
como um dos impulsos fundantes da produção do conhecimento. (FREIRE, 2012, p. 120)
É importante ouvir o que o aluno tem a dizer sobre o seu próprio processo
avaliativo, mas também importa saber o que o aluno pensa sobre a avaliação
em geral, sobre como é e sobre como poderia ser.
Se os alunos fossem ouvidos, certamente seriam incentivados a pensar
criticamente e isso poderia estimular também um grande senso de
responsabilidade, sendo construtivo tanto para os alunos, como para os
professores, diretores, supervisores, pedagogos.
3. 3. Alguns exemplos de novas práticas avaliativas
María Acaso (2013) propõe três mudanças para a avaliação: a ideia de
descentralizá-la, ou seja, ter uma pedagogia que tem como meio a aprendizagem
e não a avaliação, sem a obsessão pelos resultados quantitativos; a ideia de
transformá-la em investigação, tratando a avaliação como um processo reflexivo
e construtivo; e começar a criar outras formas de representação da
aprendizagem, superando o paradigma numérico.
A exemplo disso, temos a proposta de Carlos González Tardón, doutor
em psicologia e professor na U-TAD (Centro Universitário de Tecología y Arte
Digital), que criou o termo avaliação gamificada (2014), através de três conceitos
que verificamos nos videojogos e podem ser incorporados na aprendizagem, que
são: dopamina, a ideia de conectar a avaliação com o prazer; o empoderamento,
que diz respeito a participação; e responsabilidade, pois a aprendizagem é
consequência do que temos feito e por isso somos criadores e autores do
conhecimento.
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Sobre novas propostas avaliativas, no texto Can testing save arts
education?24, publicado por Sarah Butrymowicz no The Hechinger
Report (organização de notícias independente e sem fins lucrativos, focada na
desigualdade e inovação na educação) é mostrado um teste realizado nos
Estados Unidos, na High School regional de Sanborn, em que a professora
Karen Ladd usou um novo tipo de avaliação, diferente dos testes mais
tradicionais que geralmente seguem um padrão pré-estabelecido. Para isso, a
professora pediu aos seus alunos que pesquisassem um artista, criassem uma
obra inspirada na obra do artista escolhido e que fizessem uma reflexão sobre a
experiência. O objetivo era criar uma espécie de “teste comum”, que poderia ser
na forma de um projeto, aplicado em diversas salas de aula, e que pudesse
comparar o desempenho das escolas.
A pesquisa mostrou que a educação artística favorece o desempenho em
disciplina como matemática e leitura, e o pensamento crítico, assim como o
envolvimento dos alunos na escola. Segundo o mesmo website: “one study by
the National Endowment for the Arts found that low-income students who take
multiple arts classes are significantly more likely to enroll in a four-year college.”
(Butrymowicz, 2016, sp) Porém, o acesso à educação artística nos Estados
Unidos ainda se mostra desigual. Um inquérito federal publicado na National
Center for Education Statistics em 2012, mostrou que 95% das escolas com alto
rendimento dos alunos oferece aulas de artes, enquanto 80% das escolas de
baixo rendimento oferecem aulas de artes.
Contudo, conforme consta no artigo em questão, ao mesmo tempo em
que os professores de artes querem que as artes receba o mesmo peso de
outras disciplinas, eles também sabem que as artes não podem ser tratadas nos
testes como as demais disciplinas. Segundo Tim Brophy, diretor de avaliação
institucional e professor de educação musical na Universidade da Flórida, “We’re
all pretty glad that Monet and Da Vinci didn’t go to a school that said, ‘You need
to [paint] in this way to meet a rubric.’” (Butrymowicz, 2016, sp) E de acordo com
24 BUTRYMOWICZ, Sarah (2016, August 10). “Can testing save arts education”. The Hechinger Report: Covering Innovation & Inequality in Education. Disponível em: http://hechingerreport.org/can-testing-save-arts-education/
85
Marcia McCaffrey, “An assessment can also allow kids creativity if it's designed
in the right way.” (Butrymowicz, 2016, sp)
McCaffrey junto com uma equipe de 11 professores desenvolveu durante
meses testes de artes e música que avaliam os alunos numa escala de 1 a 4. As
professoras Boudreau e Austin, mostraram aos seus alunos 24 auto-retratos
feitos por seus alunos da quarta série, e eles deveriam avaliar cada peça de 1 a
4, levando em conta critérios como habilidade de desenho e técnica de mistura
a óleo pastel. Isso levou a discussões e a escolhas subjetivas, e como solução
para esses problemas, o professor Timothy Brophy, diretor de avaliação
institucional e professor de educação musical da Universidade da Flórida,
sugeriu o que ele chamou de “consensus moderation”, onde um grupo de
especialistas e artistas, reuniram-se para ver uma obra, discutiram sobre ela e
chegaram a um acordo em relação a nota. Segundo Brophy, é um processo mais
trabalhoso, mas que se aproxima muito mais do modo como os artistas
trabalham. (Butrymowicz, 2016, sp)
É também interessante refletir sobre as propostas avaliativas dos serviços
educativos de museus, já que o princípio educativo dessas instituições
geralmente é baseado na valorização da experiência. Dessa forma, é
interessante buscar compreender de que forma os espaços museológicos
trabalham com o público, especialmente estudantes da educação básica, e como
se dá a articulação de estratégias de reflexão sobre os processos que são
realizados nessas instituições.
Na sua tese de doutoramento, Julia Rocha Pinto, ao analisar os processos
avaliativos utilizados nos serviços educativos de museus, afirma que muitos
museus “têm buscado trabalhar em processos de avaliação mais focados nos
seus visitantes, criando estratégias de escuta que deem voz à pluralidade
colocada” (2015, p. 222). Nesse sentido, a avaliação em museus atualmente é
focada na experimentação do participante.
Talvez muito do que é proposto em museus pode ser adaptado às
escolas, porém, não se pode esquecer que são instituições diferentes, com
86
objetivos diferentes. Segundo Julia Rocha Pinto, no museu há uma “frivolidade
temporal”, onde não é necessário medir conhecimento, alcançar novos níveis,
ou acumular informações memorizadas:
O que pontuo neste sentido é que os objetivos da avaliação realizada dentro dos museus são de outra ordem; começando por se diferenciar no direcionamento, visto que não é realizado pelo professor em relação ao estudante. O que se propõe repensar por meio da avaliação é a própria ação e, na medida que ela envolve todos os sujeitos postos no diálogo em horizontalidade, não existe um único direcionamento do foco. Os participantes da ação educativa, em espaço expositivo, não são os sujeitos para o qual é feita a avaliação, mas sim colaboradores de um exercício de reconstrução da visita. Na medida em que todos são coautores durante a mediação cultural, a voz de todos é parte relevante da avaliação dentro desta perspectiva. (PINTO, 2015, p. 228-229)
Essa conversação que há no museu, a participação de todos os
envolvidos, num processo que se pretende democrático e reflexivo, pode ser
inspirador para as escolas. Assim como afirma Acaso,
Uma conversación (teniendo en cuenta la participación del inconsciente) és uno de los mejores sistemas de evaluación, es una de las mejores formas para averiguar si el estudiante que tenemos al lado há creado su proprio cuerpo de conocimientos o no. (ACASO, 2012, p. 225)
O que também pode contribuir para se pensar em uma avaliação mais
participativa é tratar da arte contemporânea em sala de aula, já que é uma arte
mais participativa e que envolve a subjetividade do observador.
3. 4. A arte participativa como estímulo para uma avaliação
participativa
O que pode contribuir para se pensar em uma avaliação participativa é
tratar da arte contemporânea em sala de aula, já que é uma arte mais
participativa e que envolve a subjetividade do observador. Com a convocação
da arte contemporânea para um espectador mais ativo na criação e na
interpretação, o campo da arte passa a se articular com outros campos, como o
social, e pode vir a influenciar positivamente em um novo modo de avaliar, que
87
envolva a participação de todos os sujeitos envolvidos no processo de
ensino/aprendizagem.
Inês Dussel relata uma entrevista em que perguntou a docentes se eles
acreditavam que seria possível haver uma mudança na avaliação. Segundo a
autora, “as respuestas fueron ambiguas: se percibe que es posible que pueda
llegar a cambiar la forma de evaluación de las diferentes materias aunque
todavía no se visualiza de qué manera.” (p. 80). Nesse sentido, pode ser
favorável pensar coletivamente sobre a avaliação, de modo a incluir todos os
envolvidos. De acordo com Rafaela Ganga, referindo-se a vários textos de outros
autores que tratam o problema da ‘participação’:
Apesar de todas as formas de artes requererem a participação, em certa medida, a partir da segunda metade do século XX e de forma mais significativa na última década, a relação entre objeto, artista e públicos transformou-se profundamente (Becker 1988; Heinich 1998; Bishop 2012). O foco da arte mudou e um novo paradigma surgiu, colocando as relações humanas no centro da criação e interpretação da arte contemporânea. Independentemente da localização geográfica, a marca de uma orientação artística para o social, na década de 1990, é fruto de um conjunto compartilhado de desejos para derrubar a tradicional relação entre o objeto de arte, artista e públicos. (...) Atualmente, este campo expandido de práticas artísticas “pós-estúdio” atende por vários nomes: arte socialmente comprometida, arte baseada na comunidade, comunidades experimentais, arte participativa, arte colaborativa e, mais recentemente, prática social (Bishop 2006, 2012). (GANGA, 2015, p. 420-421)
Ainda de acordo com a leitura desta autora, sobre os principais conceitos
e autores que nas últimas décadas fundamentaram as relações entre arte e
educação a partir, precisamente, dessa viragem que se está a operar no discurso
dos museus no que se refere à definição de um novo lugar para o seu
‘espectador’ ou os seus ‘públicos’:
Emergente do Pós-Modernismo (Mandel 1975; Anderson 1998), a arte participada funda-se nas sucessivas viragens cultural (Jameson 1998), educativa (O’Neill & Wilson 2010) e social (Bishop 2006), como tentativas de repensar o potencial político da arte, reconsiderando formas de produção, mediação e consumo (Andreasen & Larsen 2007). A narrativa da arte contra a passividade das massas e o desejo de ativar os públicos emana de um outro mais lato: o da emancipação do capitalismo (Santos B. S. 2002). Partir destas premissas, implica depositar na arte participada a responsabilidade de um comprometimento social promotor de relações sociais emancipatórias
88
(Bourriaud 2002; Kester 2004; Thompson 2012; Jackson 2011). (GANGA, 2015, p. 421)
Ainda que todas as formas de arte demandem, de um certo modo, a
presença e a participação de um observador, a arte produzida atualmente tem
uma relação mais profunda entre objeto, artista e público. Na arte
contemporânea, as relações humanas estão no centro da criação, assim como
corrobora Cláudia Madeira em Espetáculos com ‘gente real’:
Hoje é frequente encontrarmos o próprio público como núcleo central de um espectáculo, não como receptor passivo, agente que assiste a uma obra/processo/mensagem pré-definida e que tem de a descodificar nos códigos próprios cunhados pelo artista, mas como agente activo, “colaborador”, “cocriador”, ou mesmo “conteúdo” desse mesmo espectáculo. (MADEIRA, 2012, p. 3)
Cláudia Madeira também afirma que:
Esta “activação” do espectador no sentido da criação e participação no acto artístico ainda que não traduzindo uma dinâmica nova tem-se ampliado desde os anos 90 através de um contexto de maior “hibridação estrutural” (Pieterse) onde a esfera da arte se articula/mistura ou se dilui com as outras esferas do social. Essa dinâmica que no campo da crítica de arte tem vindo a ser definida como “retorno ao real” (Hal Foster), “ viragem para o social” (Claire Bishop), “estética relacional” (Nicolas Bourriaud) e que na filosofia tem vindo a ser problematizada por Jacques Ranciére através do conceito de “emancipação do espectador”, parece encontrar uma base analítica na “sociologia performativa” de Jeffrey Alexander. (MADEIRA, 2012, p. 3)
Assim, pode-se introduzir um novo pensamento sobre a avaliação, ou
seja, as maneiras de fazer as práticas artísticas podem influenciar
beneficamente nas maneiras de pensar a avaliação. Essa ideia vai ao encontro
da teoria de Claire Bishop, que afirma que a arte participativa pode ser percebida
como uma fonte para uma mudança social, através da ação coletiva que ela
propõe, e que “as práticas artísticas são ‘maneiras de fazer’ que intervêm na
distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas relações com maneiras de
ser e formas de visibilidade” (2012, p. 17).
89
3. 5. O que pensam os professores sobre o processo de aprendizagem
e como avaliam os seus alunos
Com o objetivo de perceber como alguns professores de artes, na
educação básica, pensam e trabalham acerca da questão da avaliação na sua
prática pedagógica, entrevistei colegas do Mestrado (que são também
professoras), alguns dos meus ex-colegas do curso de Licenciatura em Artes
Visuais (que hoje são professores), e também alguns amigos que são
professores de artes. No inquérito coloquei as seguintes perguntas:
1) Qual é a sua formação? Atua há quanto tempo como professor? Em que
disciplina? Em que escola?
2) Você lembra como era avaliado quando ainda era estudante do ensino
primário e secundário? Alguma experiência de avaliação o marcou?
3) Você considera importante a avaliação em artes? Considera a avaliação
como um fator motivante para a aprendizagem?
4) Como e o que você enfatiza na avaliação dos seus alunos? Quais os
instrumentos de avaliação que costuma utilizar? Avalia o processo e a
experiência do aluno ou o foco é no resultado final?
5) Você já utilizou o portfólio como meio de avaliar? Se sim, como foi a
experiência?
Os entrevistados A, B e C são professores de escolas portuguesas. Os
entrevistados D, E e F são professores de escolas brasileiras.
Em relação à primeira pergunta: Qual é a sua formação? Atua há quanto
tempo como professor? Em qual disciplina? Em qual escola?, a resposta do
entrevistado A foi: “Licenciatura em Design Visual; 25 anos; Todas as disciplinas
do grupo 600, este ano: Educação visual (8º); Desenho A (11º); Design e
Comunicação Audiovisual( 11º 12º); Expressões e Ofícios (8º).” O entrevistado
B respondeu: “Formação: Licenciatura em Ciências da Educação 1º Ciclo;
Especialização em Supervisão Pedagógica; Especialização em Educação
90
Artística. Exerço a profissão de professora do 1º ciclo há 40 anos. O professor
do 1º ciclo é um professor generalista, logo tem a seu cargo todas as disciplinas
do currículo. Nas áreas artísticas (Expressão Plástica, Musical, Teatro e Dança)
está prevista a coadjuvação, desde 2001, por professores especialistas, mas tal
não foi aplicado até à data.” A resposta do entrevistado C foi: “Licenciatura em
Professor do Ensino Básico, 2º Ciclo, Variante de Educação Visual e
Tecnológica. Sou professora há 15 anos. Educação Visual e Educação
Tecnológica. Escola Básica de 2º e 3º ciclo do Bairro Padre Cruz.”
Sobre a segunda pergunta, que está relacionada com lembranças e
experiências passadas dos professores, quando ainda eram alunos, a resposta
do entrevistado A foi: “O sistema de avaliação era muito idêntico ao atual. Não,
só me lembro que as minhas classificações a matemática eram péssimas.” A
resposta do entrevistado B: “No ensino primário a qualificação dos trabalhos era
qualitativa e nos subsequentes anos quantitativa, mas sempre sendo avaliado o
resultado final. Os alunos ou encarregados de educação não tinham acesso aos
critérios de avaliação, mas também não era possível (permitido) questionar a
autoridade do professor no período da ditadura. Experiência negativa: quando
iniciei o estudo da disciplina de Inglês, no liceu, nunca tinha entrado em contato
com a língua, mas como uma larga maioria das alunas da turma frequentavam
um instituto de inglês e já sabiam falar e escrever, a professora “sentenciou” que
as restantes, como não aprendiam logo na primeira explicação eram “burras”
logo, independentemente da nossa prestação, tínhamos sempre nota negativa.
Experiência positiva: uma professora de Desenho que sempre valorizava o
percurso, a experimentação, as ideias, e não o ser “bonitinho” e “estar tudo
certinho”.” E o entrevistado C: “Sim, lembro-me que a avaliação na primária era
qualitativa e partir do 5º ano a avaliação limitava-se sempre à média aritmética
dos testes e trabalhos, todos os professores avaliavam assim até ao secundário.”
A pergunta número três: Você considera importante a avaliação em artes?
Considera a avaliação como um fator motivante para a aprendizagem? suscitou
91
respostas distintas. Segundo o entrevistado A: “Depende, se o grupo estiver
mesmo interessado em arte a avaliação não é relevante mas, de um modo geral,
os alunos gostam de ouvir uma apreciação: se estão a ir bem, se a técnica está
correta, se funciona. A avaliação sumativa acaba por ser a conversão em número
da apreciação formativa (nem sempre é fácil).” Já o entrevista B disse que: “Sim.
A avaliação, independentemente da disciplina ou área, não tem só a ver com
conteúdos, com aquisição de conhecimentos, mas também com competências,
interesses, modos de ser e de fazer. Logo, é importante, também como é feita,
com que critérios, com que finalidade. Se o aluno souber o que é avaliado e com
que intenção é feita essa avaliação, será um fator motivante para a
aprendizagem. No entanto, ao avaliar, também avalio o meu desempenho
enquanto docente, reflito sobre o ensino/aprendizagem, sobre metodologias,
pois não é só o aluno que aprende, também eu sou aprendente (e convém estar
motivada!). E o entrevistado C: “Considero que a avaliação é importante como
forma de aferição quer para o professor, quer para o aluno mas não acredito que
seja um fator de motivação.”
A pergunta número quatro diz respeito ao modo como os entrevistados
avaliam seus alunos: Como e o que você enfatiza na avaliação dos seus alunos?
Quais os instrumentos de avaliação que costuma utilizar? Avalia o processo e a
experiência do aluno ou o foco é no resultado final? A resposta do entrevistado
A: “Escrevo pequenos textos, faço anotações da evolução dos alunos e converto
para números que são colocados em grelhas porque a escola exige (estes
números são enviados para o Ministério da Educação que os transforma em
tabelas, gráficos, etc). Para mim, o processo, a experiência e o resultado estão
intimamente ligados, posso analisar cada um destes fatores mas todos são
igualmente importantes.” Do entrevistado B: A avaliação é um processo diário
em que acompanho o desenvolvimento do aluno na sua totalidade, não só a nível
de conhecimentos aplicados nos trabalhos realizados, mas também a nível
estético, sensível, afetivo,ético e moral. Preocupa-me a evolução dos alunos em
todos os níveis, de modo a serem melhores seres humanos, e eles percebem
que as artes fazem parte desse percurso. Avalio o processo e a experiência do
92
aluno através da avaliação formativa ao longo das aulas. No final de cada
período letivo tenho de traduzir essa avaliação em qualificações qualitativas-
avaliação sumativa- de I-Insuficiente, S-Suficiente, B-Bom, MB-Muito Bom,
sendo esta avaliação discutida/analisada com os alunos. Instrumentos de
avaliação que utilizo: Registos de observação por atividade/tema que constam
da avaliação formativa, que é feita durante o processo, e visa detetar as
dificuldades ou potencialidades do aluno/grupo, servindo de base para planificar
as atividades subsequentes. Registo de autoavaliação dos alunos no final de
cada tema/período letivo. Debate coletivo sobre a atividade desenvolvida.” O
entrevistado C respondeu que: “Enfatizo a capacidade do aluno em se envolver
na aprendizagem. Costumo utilizar registos que vão de encontro aos critérios de
avaliação estabelecidos no grupo da disciplina. Avalio todo o processo tendo o
produto final um peso equivalente às etapas anteriores.”
A última pergunta está relacionada a utilização do portfolio como meio de
avaliação: Você já utilizou o portfólio como meio de avaliar? Se sim, como foi a
experiência? Como resposta, o entrevistado A disse que: “É interessante porque
funciona como uma gaveta onde se guarda tudo, mas exige tempo. O portfólio
também tem um processo de construção, as experiências vão sendo registadas,
existem produtos finais que são, por exemplo, fotografados, o próprio portfólio é
um produto final.” O entrevistado B: “Sim, várias vezes. O portfólio permite ao
aluno, professor e encarregado de educação ter uma “visão” fundamentada do
percurso escolar, das potencialidades ou constrangimentos. Ali está o seu saber
fazer, o germinar das suas ideias, as suas “viagens” pelo mundo interior e
exterior, um pouco da sua história de vida.” E o entrevistado C: “Sim. Inicialmente
é necessário que o aluno entenda o que é um portfólio e que o reconheça como
o registo da sua progressão no processo de ensino-aprendizagem.”
Veremos agora as respostas dos entrevistados que são professores em
escolas brasileiras.
93
A primeira pergunta, sobre a formação e profissão dos entrevistados, foi
respondida pelo entrevistado D: “Sou licenciado em Artes Visuais e atuo há um
ano como professor de artes no primeiro ano do ensino médio na escola Pastor
Dohms”. O entrevistado E disse que: “Sou licenciada em artes visuais pela
UFRGS. Atuo como professora de artes há três anos na mesma escola Marista
Assunção.” E o entrevistado F: “Licenciado em artes visuais (Instituto de Artes -
UFRGS-2014). Atualmente bacharelando em artes visuais pela mesma e
mestrando em educação (Faculdade de Educação - UFRGS). Atuo como
professor de artes desde março de 2015 na Escola Estadual de Ensino
Fundamental Dr. Gustavo Armbrust.”
A segunda pergunta sobre as memórias dos entrevistados sobre
avaliação na época em que eram estudantes, foi respondida desse modo pelo
entrevistado D: “Eu lembro que eu era avaliado exclusivamente por notas.
Marcou-me uma avaliação e recuperação em Física na escola SENAI Francisco
Matarazzo, em São Paulo.” O entrevistado E disse que: “Tenho pouquissimas
lembranças das aulas de artes, talvez por elas não terem despertado meu
interesse, por não serem desafiadoras e interessantes na minha época.” Para o
entrevistado F: “Nenhuma experiência avaliativa me marcou, positivamente
falando. Minhas avaliações/provas sempre foram com base no decorar/gravar os
conteúdos e na aula de artes, no ensino fundamental em especifico, era
basicamente desenho livre ou fazer cópias de pinturas conhecidas.”
A terceira pergunta, que tratou do quanto os entrevistados consideram
importantes a avaliação em artes e se veem ela como fator motivante para a
aprendizagem, foi assim respondida pelo entrevistado D: “Considero a avaliação
importante em todas as matérias. A avaliação é um fator natural da
aprendizagem, nem mais ou menos motivador para o processo.” Para o
entrevistado E as avaliações: “São motivadoras pois percebo quando recebem
uma nota alta a satisfação deles.” O entrevistado F afirmou que: “Considero a
avaliação importante como parte do processo, como algo que ajuda na
construção do pensamento, do desenvolvimento das propostas realizadas. No
94
caso da aula de artes, considero um bom momento para se discutir, ver o que
deu certo e o que não deu, as mudanças que aconteceram e o motivo de terem
acontecido. É outra etapa do processo de criação. Como motivante, acredito que
dependa do contexto, ela pode ser sim, se colaborar para a reflexão, motivando,
salientando aspectos positivos do trabalho desenvolvido pela/o estudante ou não
deixando que elas/es se desanimem por qualquer coisa que acreditem terem
feito de “errado” no trabalho.”
Na quarta pergunta, que diz respeito ao modo como os entrevistados
avaliam seus alunos, o entrevistado D disse: “Deixo bem claro no primeiro dia de
aula que eles serão avaliados todos os dias na atividade de artes. Faço uma
avaliação diária – conseguiu fazer a atividade/ não conseguiu fazer a atividade
e uma prova com avaliação do conteúdo trimestral.” O entrevistado E afirmou:
“Utilizo vários instrumentos diferentes. Desde o caderno de arte até produções
artísticas de colagem, pintura, desenho, modelagem, teatro, musical. Avaliações
individuais e em grupos dependendo da proposta. Todas contextualizadas com
conteúdos teóricos previamente elaborados. Provas escritas, pois trabalhamos
por área do conhecimento, e a prova trimestral contempla todas as disciplinas
da área de linguagens. Ainda tem mais peso a avaliação do produto final, porém
os processos são bem diferenciados.” O entrevistado F respondeu que: “O
método avaliativo que uso é processual na maior parte, como trabalho
basicamente com trabalhos práticos desenvolvidos em aula (seja individual ou
coletivo) tento conversar o máximo que posso com cada estudante/grupo para
poder entender o que quer fazer, os pensamentos que o orientam, as duvidas,
trabalhando numa lógica de orientação tendo como base a proposta a ser
desenvolvida. Também peço as vezes uma produção textual sobre o trabalho,
onde é colocado, os motivos de ter escolhido fazer tal trabalho,usar determinado
material e o tema. A participação é fundamental, assim como, a responsabilidade
com o material, o comprometimento com o grupo (quando é o caso, mas procuro
sempre estimular o trabalho em grupo, devido a dificuldade que é para eles/as
conciliar interesses) e a dedicação em pensar sobre o que está fazendo, isso
influencia no processo e consequentemente no “resultado final”. Assim, tenho a
95
fala deles/as, o texto e o trabalho visual propriamente dito desenvolvido nas
aulas.”
A última pergunta, que pretende saber se os professores utilizam o
portfólio como um modo de avaliar, foi respondida pelo entrevistado D: “Avalio a
construção do portfólio diariamente. No geral, eles usam o portifólio como meio
de avaliação para passar de ano. Ou seja, quem entrega o portfólio completo
está passado.” Para o entrevistado E: “Sim, utilizo o portfólio para todo o ensino
médio, e o caderno de desenho para o fundamental. É muito bom, pois eles
podem apresentar trabalhos que produzem fora da aula de artes e da escola,
assim temos a possibilidade de conhecer melhor o gosto e o talento dos
estudantes.” E o entrevistado F disse que: “Por parte deles elaborarem cada um,
um portfólio, não. Como o sistema da escola é trimestral, em cada trimestre de
cada ano tenho um pequeno projeto, com um tema/assunto especifico e ou
material para experimentar/conhecer/explorar. Ao fim do trimestre, muda-se o
assunto, podendo estabelecer ligações com o anterior, seja da minha parte ou
da dos/as estudantes. O objetivo é provocá-los/as a pensar sobre algum
determinado tema em questão, para isso, trago pequenos textos, imagens e
vídeos que possam colaborar na discussão sobre, e durante o trimestre vamos
elaborando os trabalhos visuais, intercalados com momentos de leitura e
discussão.”
Em geral, as respostas mostram diversos modos de pensar, apesar de
todos estarem inseridos em um sistema educativo semelhante. Sobre as
memórias, observamos que um dos entrevistados, que foi estudante na época
da ditadura em Portugal, lembra que nessa época não era possível aos
estudantes questionar a autoridade do professor e os alunos não tinham acesso
aos critérios de avaliação.
Alguns entrevistados não lembraram de experiências passadas sobre a
avaliação. Uma entrevistada disse que teve uma professora de desenho que
valorizava a experimentação e o percurso do aluno, classificando-a como uma
experiência positiva. Porém, alguns dos entrevistados, tanto portugueses como
96
brasileiros, disseram que lembram apenas que eram avaliados por notas e ao
fim do período letivo era feita uma média aritmética dos trabalhos/testes que
realizaram.
Outra pergunta que suscitou respostas distintas foi a terceira pergunta:
Você considera importante a avaliação em artes? Considera a avaliação como
um fator motivante para a aprendizagem?. Um dos entrevistados disse que se o
grupo estiver realmente interessado em Arte a avaliação não é importante.
Percebe-se que o entrevistado não vê a avaliação como aliada no processo de
aprendizagem. Outro disse que “a avaliação é importante como forma de
aferição quer para o professor, quer para o aluno mas não acredito que seja um
fator de motivação”. Vê-se que ele considera a avaliação apenas meio de medir
e comparar. Também foi dito que “A avaliação é um fator natural da
aprendizagem, nem mais ou menos motivador para o processo”, porém não
percebi o que o entrevistado quis dizer com “fator natural”. Mas também houve
professores que destacaram que a avaliação é importante se o aluno souber
como e por quê é avaliado, onde vê-se que consideram importante que o aluno
posso refletir sobre o ato de avaliar e ser avaliado, como nessa resposta: “Como
motivante, acredito que dependa do contexto, ela pode ser sim, se colaborar
para a reflexão”. Considero também muito importante a resposta do entrevistado
que disse que considera a avaliação importante como parte do processo e “como
algo que ajuda na construção do pensamento, do desenvolvimento das
propostas realizadas. No caso da aula de artes, considero um bom momento
para se discutir, ver o que deu certo e o que não deu, as mudanças que
aconteceram e o motivo de terem acontecido. É outra etapa do processo de
criação.” Percebe-se que o professor em questão está totalmente elucidado
sobre a avaliação como meio de facilitar o processo, refletindo sobre ele,
inclusive considera a avaliação uma “etapa do processo de criação.”
A pergunta quatro: Como e o que você enfatiza na avaliação dos seus
alunos? Quais os instrumentos de avaliação que costuma utilizar? Avalia o
processo e a experiência do aluno ou o foco é no resultado final? mostra
pensamentos que por vezes são semelhantes em seus respectivos países pelo
97
fator que os professores estão inseridos no mesmo sistema e precisam seguir
os mesmos parâmetros, mas também há modos diferentes de chegar na “nota
final”. Cada um parece ter e seguir seu próprio método, mesmo que no fim tenha
que se submeter ao sistema, como fica evidente na fala do entrevistado que
disse “Escrevo pequenos textos, faço anotações da evolução dos alunos e
converto para números que são colocados em grelhas porque a escola exige
(estes números são enviados para o Ministério da Educação que os transforma
em tabelas, gráficos, etc).” Um dos entrevistados afirma que avalia a experiência
do aluno e o processo através da avaliação formativa e que “no final de cada
período letivo tenho de traduzir essa avaliação em qualificações qualitativas-
avaliação sumativa- de I-Insuficiente, S-Suficiente, B-Bom,MB-Muito Bom”, O
entrevistado também afirma que solicita aos seus alunos que façam ao final de
cada período letivo um registo de autoavaliação e um debate coletivo sobre a
atividade que foi desenvolvida. Alguns critérios são subjetivos como o do
entrevistado que disse “Enfatizo a capacidade do aluno em se envolver na
aprendizagem.” Dois dos entrevistados disseram fazer uma prova trimestral para
avaliar o conteúdo aprendido. Um professor entrevistado disse “conversar o
máximo que posso com cada estudante/grupo para poder entender o que quer
fazer, os pensamentos que o orientam, as duvidas, trabalhando numa lógica de
orientação tendo como base a proposta a ser desenvolvida”. Percebe-se a
preocupação com o aluno, em saber o que ele pensa, o que pretende
desenvolver, ou seja, o professor dá autonomia para o aluno e atua como um
mediador ao tentar orientar o aluno de acordo com o que ele pretende. O mesmo
entrevistado ainda afirmou “peço as vezes uma produção textual sobre o
trabalho, onde é colocado, os motivos de ter escolhido fazer tal trabalho, usar
determinado material e o tema.” Nessa afirmação vemos que o professor faz com
que o aluno reflita sobre o seu próprio trabalho. O professor considera “a
dedicação em pensar sobre o que está fazendo, isso influencia no processo e
consequentemente no “resultado final””.
A última pergunta, que serviu para saber se os professores já utilizaram o
portfolio para avaliar seus alunos. Viu-se que a maioria já utilizou o portfólio para
avaliar e muitos aprovam a ideia, como o professor que disse: “É interessante
98
porque funciona como uma gaveta onde se guarda tudo, mas exige tempo.”
Também foi dito na entrevista que “o portfólio permite ao aluno, professor e
encarregado de educação ter uma “visão” fundamentada do percurso escolar,
das potencialidades ou constrangimentos. Ali está o seu saber fazer, o germinar
das suas ideias, as suas “viagens” pelo mundo interior e exterior, um pouco da
sua história de vida.” Outro professor disse: É muito bom, pois eles podem
apresentar trabalhos que produzem fora da aula de artes e da escola, assim
temos a possibilidade de conhecer melhor o gosto e o talento dos estudantes.”
Já um dos entrevistados disse que não solicita aos seus alunos que elaborem
portfolio, pois o sistema escolar é trimestral, o que dificulta a criação de um
portfólio por ser um processo contínuo e nem sempre os projetos novos têm
relação com projetos de trimestres passados.
Percebe-se, pelas respostas, que os professores têm modos distintos de
trabalhar em sala de aula, alguns têm maior abertura ao diálogo com seus alunos
e procuram saber o que eles querem fazer, outros já tem propostas prontas que
são repassadas aos alunos.
Em relação às memórias dos professores, nota-se uma certa desilusão
com o modo como eram avaliados, e uma tendência a valorizarem o processo
de aprendizagem.
3. 6. O discurso dos ‘especialistas’ sobre a avaliação
Importa também saber o que se tem escrito sobre a avaliação e como ela
tem sido pensada por diversos estudiosos desta matéria. Não se pretende aqui
efectuar um levantamento exaustivo (ou sequer representativo) do conjunto de
trabalhos e autores que, nas últimas décadas, se dedicaram a tratar esta
complexa temática, pelo que se incluem aqui nesta categoria de ‘especialista’,
não apenas as autoridades cientificamente legitimadas e socialmente
reconhecidas pelos seus pares enquanto tal, e cuja dimensão do seu trabalho, e
respetiva competência, no campo da educação (em geral) e da educação
artística (em geral) adquiriu já uma visibilidade pública incontestável, mas
99
também todos os investigadores (mais ou menos desconhecidos de um público
entendedor) que, no quadro do seu percurso de formação acadêmica, têm
desenvolvido estudos empíricos e reflexões mais ou menos sistemáticos sobre
conceitos e práticas de avaliação.
Para esse efeito, realizou-se uma pesquisa que pretendeu identificar
alguns posicionamentos e alguns debates mais marcantes em torno deste
assunto, procurando perceber o que se tem tratado como foco na questão da
avaliação e como o processo de aprendizagem é levado em consideração bem
como a investigação nas aulas de artes do ensino básico e secundário.
No relatório de estágio do mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3º
Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, com o título: A avaliação nas
artes visuais: dilemas, diferenças, estratégias, a autora Ana Teresa Almeida,
reforça que a avaliação é realizada em todas as disciplinas, mas no caso da
educação artística, ela sempre gera maior debate por envolver a subjetividade.
A autora fala que considera importante tratar a aula como um atelier, onde seja
possível experimentar, diversificar as técnicas, expor os trabalhos produzidos e
possibilitar um diálogo com os alunos, gerando debates:
No processo de ensino e aprendizagem da Arte é fundamental abrir espaços para que os aprendizes possam colocar em jogo o que pensam, sentem e sabem sobre os problemas ou questões com as quais se deparam. (ALMEIDA, 2015, p. 36)
A autora também afirma a importância de avaliar não apenas o resultado
final dos trabalhos produzidos pelos alunos, mas também o processo de
produção:
Além disso, todo o processo de produção dos trabalhos, deve ser avaliado para uma possível decisão da nota final, e não só o produto final. A perspetiva de experiência reflexiva contribui para pensarmos que aprender e avaliar requer que os alunos percebam seus percursos, sejam convidados a analisar o seu universo cultural frente a outros e construam gradativamente conceitos que servirão de ferramentas para usufruir e produzir Arte. (ALMEIDA, 2015, p. 36)
Vê-se também que a autora defende fortemente a ideia de que o professor
deve possibilitar o espaço para a interação em sala de aula e que o aluno deve
estar envolvido ativamente no seu próprio processo de aprendizagem. Almeida
100
afirma que é através do erro que se pode pensar em novas possibilidades e,
portanto, permitir o erro é um fator que ajuda o estudante a desenvolver seu
autoconhecimento e avançar na aprendizagem.
Em relação a políticas de avaliação, a mestre em Supervisão Pedagógica
pela Universidade Aberta de Lisboa, Engrácia de Jesus Correia de Oliveira
Bastos, na sua tese Políticas de Avaliação na Educação em Portugal e Espanha
(2012), faz um estudo comparativo entre Portugal e Espanha no âmbito das
políticas de avaliação educacional. A autora fala sobre a avaliação dos docentes,
e defende uma prática avaliativa democrática:
A avaliação dos docentes deve ser alicerçada numa cultura avaliativa democrática, devendo os professores ser convidados a participar na construção, manutenção e aperfeiçoamento dos sistemas de avaliação. (BASTOS, 2012, p. 92)
A autora explica que há duas lógicas de avaliação, a formativa e a
sumativa, e que esta deveria ser sempre reflexiva
A lógica formativa é orientada para o desenvolvimento profissional e pode ser conotada com o modelo de processo. A lógica sumativa visa a prestação de contas, a gestão da carreira, o controlo de resultados, a responsabilização docente, a demonstração do mérito, podendo ser identificada com o modelo de produto. Por norma foca-se na competência, na eficácia e no desempenho. (...) A avaliação deve ser encarada numa perspetiva de escola reflexiva e não se centrar nas falhas dos docentes, mas antes deve empenhar-se na busca do seu desenvolvimento profissional. (BASTOS, 2012, p. 92)
A prestação de contas, que ela observou na sua pesquisa, e que critica,
é uma lógica ainda frequente:
A lógica da prestação de contas – típica de escolas burocráticas, que parece ganhar atualmente alguma relevância na educação, está associada à visão funcional do ensino e à orientação para os resultados (BASTOS, 2012, p. 91)
Sobre as diferenças nas políticas de avaliação entre Portugal e Espanha
a autora verificou que:
Um aspeto muito significativo que distingue as políticas de avaliação de alunos do ensino secundário dos dois países reside no facto de a avaliação sumativa externa, operacionalizada através da realização de
101
provas de caráter nacional, elaboradas a nível central, só ser obrigatória em Espanha para os alunos que aspirem ingressar no ensino superior, enquanto em Portugal os alunos dos cursos Científico-Humanísticos têm de se sujeitar a várias provas destas para conclusão do ensino secundário, donde parece existir uma preocupação diferente relativamente à qualidade da avaliação interna realizada pelos docentes. Mais, nos nossos normativos presume-se que a avaliação formativa tenha incorporada uma função diagnóstica ao passo que no país vizinho a avaliação diagnóstica perpassa toda a legislação do foro educativo. (BASTOS, 2012, p. 139)
Em sua tese, a autora investiga uma perspectiva geral da avaliação em
educação, mas no fim diz que outras questões surgiram ao longo do
desenvolvimento da tese que mereciam um aprofundamento, e uma delas é a
questão dos resultados escolares, como afirma:
Ao longo desta investigação privilegiamos a perspetiva geral e articulada da avaliação em educação, mas foram surgindo múltiplas questões que nos interpelaram, por vezes enunciadas, que mereciam aprofundamento. Uma é, sem dúvida, a questão dos resultados escolares que apenas sinalizamos nesta investigação e que (em nosso entender) uma investigação multidisciplinar poderia dar resposta. (BASTOS, 2012, p. 187)
Sobre a questão do portfólio como método de avaliação, José Roberto
Zanellato, em seu mestrado em educação na Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, cujo título da tese é Portfolio como instrumento de avaliação no
ensino de graduação em artes visuais, busca pesquisar o portfólio como
instrumento de avaliação e que possibilita maior reflexão no ensino das artes
visuais na graduação. Segundo o autor da tese:
A pesquisa é específica sobre a diversidade teórica que aborda o portfólio como uma modalidade de reflexão e avaliação, sendo itens de análise: promoção de uma nova perspectiva de aprendizagem; processo promissor e eficiente de reflexão e avaliação; incorporação analítica do desenvolvimento da aprendizagem; requisição de auto-avaliação; encorajamento à seleção e à reflexão do aluno sobre o trabalho; e como um instrumento metodológico facilitador e mais democrático dos processos de ensino e aprendizagem praticados hoje nos cursos de graduação em artes visuais. (ZANELLATO, 2008, p. 5)
Após contextualizar os fundamentos e história do portfolio, bem como sua
utilização de acordo com políticas educacionais, o autor buscou construir um
modelo de portfólio para o ensino de graduação em artes visuais.
102
O autor afirma que o portfólio deixa transparecer todo o percurso do aluno
– o processo – e permite reunir todas as informações e documentos que foram
usados durante a aprendizagem, mostrando a evolução do estudante e seu
modo de pensar, o que dá autonomia ao aluno. Novamente vemos as palavras
“processo” e “autonomia” lado a lado.
Na sua tese, Zanellato ainda disserta sobre a fundamentação didático-
pedagógica para a construção de um modelo de portfólio. Para o autor, o portfólio
deve sempre conter reflexões dos alunos e também ser preparado pelo próprio
aluno, que deve decidir sobre os materiais e o modo como vai fazer. O autor
afirma constantemente que a avaliação deve ser um processo contínuo e que a
sua aplicação deve ser feita sempre no sentido da democratização do acesso ao
conhecimento.
O autor diz que a avaliação torna-se mais verdadeira quando o aluno pode
mostrar e fazer o que realmente gosta, o que é do seu próprio interesse, sempre
levando em conta a cooperação e a auto avaliação constante. Assim, a avaliação
é mais ligada a realidade global dos estudantes.
Além disso, isso evita que se tenha a ideia do professor como um juiz, já
que ele passa a compartilha o seu poder de avaliação com todos os estudantes.
Zanellato afirma que assim a avaliação torna-se um processo participativo.
Vemos novamente a questão da participação sendo colocada como fundamental
no ensino.
Outra palavra que o autor utiliza é a “pesquisa”. No portfólio, o aluno
mostra o andamento das suas pesquisas, o que incentiva o estudante ao ato de
pesquisar.
No fim da sua tese, Zanellato cria um modelo de avaliação por portfolio no
ensino superior das artes visuais. São dois modelos, um para aulas teóricas e
um para aulas práticas. O modelo teórico (figura 9) segue um padrão de
organização, mas permite que o estudante possa usar a configuração que
melhor lhe parecer ao mostrar os seus registros, como fotos, reflexões,
desenhos, etc.
103
Figura 9. Modelo de portfólio para disciplina teórica
Vemos que na introdução do portfólio o aluno deve escrever sobre os
resultados que são os esperados, e na etapa de conclusão deve escrever sobre
os resultados que obteve e analisá-los.
Sua proposta de portfólio para a disciplina prática, como pintura, por
exemplo, segue três possíveis modelos. O primeiro é um portfólio de pintura com
teorias e técnicas, o segundo segue o padrão de um livro de artista, e o terceiro
é um livro-objeto. Os alunos é que formatam o modelo do seu portfolio e sua
forma de apresentação dentro essas possibilidades.
Há, na construção do portfólio, quatro etapas: A) plano de ação; B)
atividades; C) diálogos introspectivos entre Aluno/Professor/Disciplina; D)
avaliação/auto-avaliação.
Ao finalizar sua tese, o autor defende que o aluno deve estar no centro do
processo de ensino-aprendizagem, e que se deve abandonar a concepção de
104
avaliação quantitativa, com critérios pré-definidos, que apenas justificam práticas
de exclusão.
Sobre abordagens pedagógicas, no livro A avaliação em Artes Visuais no
Ensino Fundamental, da Universidade do Paraná em conjunto com o Ministério
da Educação, com a Secretaria de Educação Básica e a Pró-Reitoria de
Graduação e Ensino Profissionalizante, as autoras Ana Maria Petraitis Liblik e
Marília Diaz, mostram um quadro comparativo da Escola Tradicional, Escola
Nova, Escola Tecnicista, Escola Construtivista e Escola Progressista (figura 10),
bem como um quadro (figura 11) sobre o modo de avaliar nessas cinco gerações.
Figura 10. Comparação entre as abordagens pedagógicas
105
Figura 11. As cinco gerações da avaliação
Vemos que houve um avanço, pois na atualidade há uma busca por um
modo democrático de avaliação, levando em conta o pluralismo e a negociação,
o que envolve a cooperação entre os envolvidos no processo de aprendizagem.
Mesmo assim, ainda há muitos professores da atualidade que usam métodos
das primeiras gerações.
Os autores também fazem um levantamento sobre instrumentos
avaliativos, que são: provas orais, provas escritas (objetivas e/ou dissertativas),
trabalhos individuais parciais (relatórios), trabalhos individuais somativos
(portfolio), auto-avaliação, e também o que os autores chamam de
“processofolio”, que é segundo os autores:
É um percurso criado pelo aluno, em que todas as evidências de aprendizagem configuram-se como indicativos para a avaliação. Assim, o portfólio é uma modalidade de avaliação retirada da Arte, estratégia do programa de avaliação de arte-educação Arts Propel. Fernando Hernández é um dos maiores divulgadores deste encaminhamento. Ao longo do processo o aluno deve encontrar um lugar para armazenar todas as evidências de seu processo de aprendizagem como, por exemplo, pasta, CD, caixa, guarda-roupas, baú e outros. No caso das crianças pequenas o professor e a família podem auxiliar a selecionar e escolher onde colocar o material, visto que o entendimento sobre o percurso, a construção do conhecimento se dá de forma diferente. O continente pode se estruturar com diferentes tipos de documentos: anotações pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, histórias, controles de aprendizagem, conexões com outros temas fora da escola, representações visuais, auto-avaliações, cartas, avaliações de colegas, gravações de áudio e vídeo, relatórios, relatos, manifestações expressivas em várias modalidades de Arte e outras. Ao longo do processo o professor acaba percebendo as estratégias utilizadas para aprender e a disposição de quem elabora o portfólio para continuar aprendendo. O ato de arquivar, guardar os registros permite ao aluno rever, reconstruir e reelaborar o seu processo. (LIBBLIK e DIAZ, 2006, p. 64-65)
106
Além disso, os autores ainda listam alguns instrumentos de avaliação
coletivos como debates, painéis, seminários, estudos de casos, trabalhos em
grupo e provas elaboradas/resolvidas em grupo.
Em relação ao que pensam alguns professores, no trabalho de conclusão
de curso, apresentado para obtenção do grau de Licenciatura no Curso de Artes
Visuais da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, cujo título é
Avaliação em Artes: o que dizem os professores de arte da rede estadual de
Araranguá-SC, a autora, Fernanda Marcelino Ferraz, busca responder a questão
“Como acontece a avaliação em artes nas Escolas Estaduais de Araranguá –
SC?”
Araranguá é uma cidade de 60.076 habitantes, situada no estado de
Santa Catarina (sul do Brasil). A autora analisa o que foi dito pelos professores:
Ao analisar as respostas das professoras entrevistadas não tive nenhuma surpresa, mesmo porque o problema motivador desta pesquisa nasceu justamente enquanto observava no ambiente escolar o avaliar em artes. Mesmo assim, no falar das professoras, percebi que há um desejo de redefinir a prática avaliativa, para que essa seja um instrumento a mais, a favor do aluno, na construção do conhecimento. (FERRAZ, 2009, p. 44)
A autora ainda diz que
Com o presente trabalho de pesquisa pude concluir que avaliar é um processo muito mais amplo do que se pode imaginar. Não é a avaliação o fim de um processo, mas o próprio processo de ensino e aprendizagem. A avaliação da aprendizagem escolar é um instrumento norteador da prática pedagógica. É através dela que o professor avalia se o conteúdo ministrado foi aprendido e por quem foi aprendido. O resultado desta investigação não é para, somente, promover alguns alunos, enquanto outros amargam o insucesso. Ao contrário, servirá para investir mais e melhor naquele aluno que não conseguiu assimilar o suficiente do que foi proposto. Para isso, o docente precisa estar num constante processo reflexivo e ser o motivador da aprendizagem. (FERRAZ, 2009, p. 44)
Ferraz afirma que muitos professores se mostraram desvalorizados no
exercício da sua profissão, o que afeta algumas respostas, pois vê-se a
desmotivação de alguns docentes.
A autora perguntou aos professores como e o que avaliam nas aulas de
107
artes e, segundo ela, percebe-se uma pluralidade conceitual:
A professora Taís: “Através do desenvolvimento de cada aluno, criatividade, conhecimento e participação”. A segunda entrevistada, professora Marly diz que: “A complexidade de se avaliar representa um dos problemas da educação, a avaliação no campo de artes é ainda mais complexa, mas procuro avaliar a produção artística dos alunos sem que interfira o padrão do gosto individual. A terceira professora, Cláudia, revela que:” Avalio através dos trabalhos feitos, o interesse, a criatividade, o capricho; trabalho às vezes com nota ou conceito”. (FERRAZ, 2009, p. 36)
Outra professora diz
“Não gosto de dar nota, prefiro fazer com que o aluno faça para ele aprender e se expressar de maneira espontânea, não levo a” ferro e folha”, essa questão de dar nota, vejo o que ele fez, da maneira dele. Se ele não quer fazer, também não insisto” (FERRAZ, 2009, p. 37)
Segundo a autora, percebe-se que a maioria dos professores valorizam a
construção do conhecimento, que a aprendizagem é um processo em constante
construção e que isso acontece gradativamente, de acordo com as experiências
de cada estudante, dentro e fora da escola.
A mestre em Educação, Vanessa Priscila da Costa, em sua dissertação
intitulada Avaliação no ensino de artes visuais: desdobramentos e implicações
para a docência, apresentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
em 2015, buscou investigar as relações e os tensionamentos que estão
presentes nos discursos sobre a avaliação no ensino da arte e afirma sobre o
estudo da sua dissertação que:
Em especial, o estudo nos convoca a pensar em outros modos de encarar a avaliação que se faz no ensino de arte, problematizando a maneira como o discurso se movimenta nas publicações, nas legislações e nas imagens, levando a pensar que tal temática é tão complexa a ponto de poucos quererem tocá-la. (COSTA, 2015, p. 1)
Podemos observar o quanto a questão da avaliação é delicada, o quanto
alguns tentam de alguma forma “fugir” do assunto quando ele vem a tona, mas
parece sempre haver uma inquietação, e a autora transparece isso em sua
dissertação, quando fala em avaliação. A própria autora inicia sua investigação
dissertando sobre sua própria experiência, em que os seus professores
108
avaliavam apenas o “fazer artístico”, apenas o resultado final, como se não
houvesse – ou devesse haver – uma reflexão antes da produção.
Costa enfatiza, com base em autores como Miriam Celeste Martins, Gisa
Psicosque e Maria Terezinha Guerra, a importância de deixar de lado o fator
numérico e enfatizar a trajetória do aluno ao longo do percurso do currículo
escolar, privilegiando o processo do ensinar e do aprender, em uma avaliação
que é contínua. Isso exige do professor uma maior proximidade com o percurso
de cada aluno.
Porém, quando pensamos na legislação e nas pedagogias norteadoras
no ensino da arte no Brasil, vemos que algumas práticas ainda se repetem e que
mudá-las é algo que não acontece de uma hora para outra. De acordo com a
autora:
Já, ao nos defrontarmos com as pedagogias que nortearam a educação no Brasil, percebemos o quanto o nosso modo de dar aulas e a nossa prática ainda está impregnada de todas elas. Hoje, consigo ver com mais clareza o quanto nossas atitudes estão imbuídas de concepções pelas quais ainda desconhecemos. Como diz Hernández (2000), “[...] as concepções não mudam da noite para o dia.” (p. 144). Não basta substituí-las, de modo que ao conhecer e estudar as pedagogias de ensino é preciso se dar conta de que elas não ocorrem separadamente por uma data ou período que as definam, elas existem e coexistem concomitantemente. (COSTA, 2015, p. 41)
Costa também trata na sua dissertação o tema do portfólio como
instrumento de avaliação em artes:
Mais do que compilar propostas desenvolvidas em aula, o portfólio é criação conjunta entre o que o aluno aprende em aula e o que ele busca fora dela. É pesquisa e registro do processo de ensino e aprendizagem, atuando como instrumento importante no que tange a avaliação. (COSTA, 2015, p. 47)
Ainda sobre o uso do portfólio na avaliação, na tese de doutorado de
Antônio Costa Andrade Filho pela Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo (USP) intitulada O uso do portfólio na formação contínua do professor
reflexivo pesquisador, o autor tem por foco o uso do portfólio enquanto recurso
para a formação do professor reflexivo, onde faz uma pesquisa de campo com
docentes da rede pública estadual da região de Carapicuíba e Cotia, em São
109
Paulo.
Na sua investigação, o autor verificou que muitos docentes utilizavam o
portfólio de uma forma espontânea, como meio de conhecer o repertório cultural
e educacional dos seus alunos. Interessado nesse fato, Filho começou um
processo de formação contínua com esses professores para identificar se havia
por parte dos professores um conhecimento teórico acerca desse instrumento e
para aparentar-lhes o portfólio como ferramenta de pesquisa e reflexão, onde
também acrescentou a utilização de um blog como modalidade de portfólio
online. O autor utilizou como referenciais teóricos, entre outros autores, John
Dewey, Donald Schon, Antônio Nóvoa, Isabel Alarcão e Fernando Hernández.
Portanto, Filho propôs que os professores criassem seu próprio portfólio
para conhecer melhor seus alunos, contendo descrição das atividades
realizadas pelos docentes durante o ano letivo, registros escritos dos alunos
(antes e após a conclusão das atividades), registros sobre pontos positivos e
negativos da turma, reflexões sobre o percurso de trabalho, incluindo auto-
avaliação, assim como registros fotográficos, desenhos, gráficos, ou a linguagem
que o professor quisesse utilizar. Sobre isso, o autor diz que:
Deste modo, o portfólio do ensino torna-se um produto de reflexão individual e coletiva, contendo ideias, percursos e amostras do trabalho desenvolvido, propicia a pesquisa sobre a prática, a produção cultural e docente na e para a escola, construindo no seu dia-a-dia de trabalho identidade e autonomia profissional. Além disso, apresenta a avaliação como um processo, superando-a como um ponto de corte. (FILHO, 2011, p. 40)
Segundo o autor, o portfólio proporciona 5 ações que colaboram para
organizar o trabalho pedagógico:
1) Organizar o trabalho pedagógico de uma maneira não fragmentada;
2) Pensar sobre o trabalho pedagógico, ou seja, refletir coletivamente sobre a ação;
3) Planejar e propor intervenções a partir do que se visualiza no portfolio, do que foi selecionado e catalogado;
110
4) Refletir sobre as intervenções propostas, a partir da: reflexão na ação, sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação;
5) Reorientar o trabalho pedagógico fundamentado na teoria da educação, mudar o que foi constatado ou dar continuidade a um processo de mudança pela observação e a reflexão. (FILHO, 2011, p. 41)
Filho representou o processo de movimento do trabalho docente com a
construção do portfólio através da figura 12.
Figura 12. Representação do trabalho de confecção do portfólio pelo professor que o autor
denomina de professor reflexivo pesquisador
O autor afirma que pode perceber o entusiasmo dos professores na
111
confecção dos portfólios, onde puderam construir/reconstruir suas docências de
modo humano e sensível, através de exercício intelectual. Também, a introdução
do blog como modelo de portfólio online, gerou benefícios de aprendizagens para
alguns professores e reflexões sobre o uso da tecnologia em sala de aula.
Na dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual
Paulista UNESP para a obtenção do grau de Mestre na área Artes Visuais,
Avaliação do ensino e aprendizagem em arte: o lugar do aluno como sujeito da
avaliação, a autora Rosangela de Souza Bittencourt Lara, tem como objeto de
estudo a avaliação no processo de ensino e aprendizagem de Arte no ensino
fundamental e buscou por em discussão algumas representações de
professores de artes da rede escolar SESI-SP sobre a avaliação com o objetivo
de dar maior visibilidade ao lugar que é ocupado pelo estudante nas avaliações
escolares.
Assim, a autora classificou as finalidades de avaliação dos professores
entrevistados em seis categorias, como no gráfico a seguir (fig. 13), que mostra
também a porcentagem de professores que se inserem em cada categoria.
112
Figura 13. Gráfico que ilustra as finalidades da avaliação
Como diz a autora:
Parece existir uma sutil e importante diferença: declarar que avaliam para verificar se os alunos atingiram os objetivos esperados é diferente de avaliar para assegurar que os alunos aprendam os conteúdos ensinados em Arte. (…) Podemos colocar em discussão a direção deste pensamento: trata-se realmente de uma avaliação a serviço da aprendizagem ou esta avaliação está reduzida à verificação das aprendizagens? (LARA, 2015, p. 89-90)
De acordo com Lara, apenas em 30% das respostas verificou-se o
entendimento de que a avaliação também tem o papel de acompanhar – ao longo
do processo – as aprendizagens. Muitos têm a preocupação de apenas
identificar se o aluno aprendeu ou não aprendeu, o que revela:
Uma forte ênfase no produto, aproximando-se, portanto, mais do modelo tecnicista da avaliação por objetivos e não da avaliação como possibilidade de leitura e intervenção por parte do professor, oportunizando ao aluno apropriar-se, ele também, de suas próprias dificuldades e buscar novas soluções aos desafios da aprendizagem das linguagens artísticas. (LARA, 2015, p. 90)
113
Contudo, a autora também verificou que a ideia de uma avaliação
processual é bastante recorrente e foram poucos os professores que falaram da
avaliação como uma função classificatória.
Foi de grande relevância o que a autora identificou no discurso dos
professores:
É possível notar, no discurso dos docentes, conceitos importantes de uma avaliação emancipatória, idéias correntes nos últimos anos dentro e fora do SESISP, idéias que ressaltam, sobre tudo, o papel importante do professor para intervir e assegurar a aprendizagem dos alunos. Há sem dúvida a proposição de um papel ativo do professor no processo e avaliação. (LARA, 2015, p. 90)
A presente ideia de uma avaliação emancipatória, do professor com um
papel ativo no processo avaliativo, revela que há uma manifesta preocupação
dos professores em assegurar a aprendizagem dos seus alunos, o que os faz
refletir sobre o modo de avaliar, relevando-se como um passo a caminho de uma
maior autonomia dos professores e, possivelmente, dos alunos, na avaliação.
Um gráfico (figura 14) relacionado a resposta dos professores sobre a
participação dos seus alunos no processo de aprendizagem mostrou que 45%
dos professores compreende a participação como a ação de realizar as
atividades propostas.
Figura 14. Gráfico que ilustra a participação dos estudantes no processo de aprendizagem
114
Verifica-se que 13% dos alunos participam da avaliação, conhecendo os
critérios e expectativas de aprendizagem. Não significa que são participantes
ativos na avaliação, mas conhecem os critérios pelos quais são avaliados. O
gráfico também mostra que a auto-avaliação é uma modalidade de avaliação
não muito lembrada pelos professores.
Na conclusão, a autora diz que:
Os relatos dos docentes confirmaram as hipóteses iniciais sobre a participação dos alunos no processo de avaliação, que parece ser tratado muito mais como objeto do que sujeito da avaliação (LARA, 2015, p. 122)
Nesse sentido, ao questionar os pressupostos que sustentam a existência
dos exames na avaliação educativa, Leonor Santos, especialista em avaliação
das aprendizagens, em entrevista ao jornal expresso online25, de 2009, diz que
Entre as razões que habitualmente são enunciadas para justificar os exames, por vezes aponta-se a necessidade de dar credibilidade ao sistema. Mas será que quem a enuncia quer dizer que os professores são competentes para ensinar, mas não o são para avaliar? Afinal, para que servem os exames? Os exames têm por função seriar. Mas até que ponto é que essa seriação permite ter alguma confiança?
Quando questionada se concorda com a elaboração de um ranking com
base nas notas dos exames nas escolas de ensino secundário, Leonor Santos
considera que o ranking só pode trazer consequencias negativas e mostra-se
direta ao responder:
Discordo inteiramente. Não questiono a divulgação pública desses dados, mas a verdade é que são usados de uma forma extremamente pobre. Esses resultados são analisados pelos professores no sentido de melhorarem os aspectos onde os alunos demonstraram maior fragilidade. Utilizá-los, como é feito nos media, para produzir um ranking das escolas, não traz nenhum benefício e quando traz alguma consequência ela é negativa. Antes de mais porque se está a comparar realidades muito diferentes. Em rigor, os media não estão a alterar os dados que existem, mas estão, do meu ponto de vista, a dar-lhes o pior serviço. Indicam as 'melhores escolas', mas o que é que isso quer dizer? A melhor escola é aquela em que os alunos têm os
25 Disponível em http://expresso.sapo.pt/actualidade/especialista-em-avaliacao-questiona-exames=f518852
115
melhores resultados? Esta leitura é muito questionável. E é isso que está na base dos rankings.
Leonor Santos também foi questionada se acredita que faz sentido haver
um 12º ano já que ele é utilizado sobretudo para preparar os alunos para os
exames. A especialista respondeu que:
Esse é um dos efeitos enviesantes que o exame coloca. Penso que é perfeitamente natural que os professores tenham uma grande preocupação em preparar os alunos para o exame. Essa é uma das implicações nefastas, porque aquilo que são as aprendizagens não se reduzem àquilo que é possível ser testado numa prova escrita em tempo limitado. Aquilo que se procura que sejam as aprendizagens dos alunos num dado ano é certamente muito mais do que aquilo que pode ser testado numa prova escrita em tempo limitado. (...) Esse efeito nefasto dos exames poderia ser minimizado se considerássemos outras formas de exame. Em Portugal os exames sempre tiveram a mesma forma: prova escrita feita em tempo limitado, mas isso não é uma fatalidade. Os exames podem ter outras modalidades, como, por exemplo, uma prova escrita em tempo limitado curto, pode ter uma outra parte de prova escrita feita num tempo mais alargado, durante a qual se podem testar outros tipos de conhecimentos e competências, pode ter uma componente oral. Há alternativas a este modelo que provavelmente permitiria diminuir esse efeito redutor sobre o currículo.
Nota-se a discordância da especialista com o modo com vem sendo
realizados os exames e uma certa desconfiança com a seriação proposta pelo
exame educativo, que pode reforçar as desigualdades ao invés de garantir a
igualdade de oportunidades.
Portanto, vê-se que muitas pesquisas com o tema da avaliação têm sido
feitas e vêm sendo feitas. No sentido negativo, nota-se, nas investigações
tratadas nesse capítulo, que ainda verifica-se práticas avaliativas não
construtivas que se repetem nas escolas e também a desmotivação de alguns
professores.
No sentido positivo, vemos que as investigações parecem convergir para
um mesmo caminho: a busca pela democratização do ensino e a valorização do
processo de aprendizagem. Já nas entrevistas com os professores, mostrada no
subcapítulo 3.1, observamos, pelo contrário, uma certa divergência nos modos
de pensar. Isso nos leva a crer que os ‘especialistas’, que são estudiosos do
assunto, tendem a seguir a tendência participativa da avaliação, assim como os
116
professores entrevistados que são estudantes, seja de pós-graduação ou
mestrado. Nota-se, então, que a formação continuada do professor é algo
bastante importante, pois os faz refletir sobre temas atuais com uma visão mais
aberta.
As palavras processo, autonomia, auto-avaliação e diálogo são muito
presentes nos discursos, o que deixa transparecer que estamos a caminho, pelo
menos no que diz respeito as investigações sobre o tema, da avaliação como
um processo participativo, em que o aluno é sujeito da aprendizagem.
117
Considerações Finais
Esta dissertação teve como objetivo refletir sobre o processo avaliativo
nas aulas de artes, evidenciando a avaliação como um processo de investigação
e reflexão, que favorece a experimentação, e em que o aluno é participante ativo
do processo de ensino-aprendizagem.
Para isso, procurou-se pesquisar fatores históricos sobre como se formou
o nosso olhar e nossa percepção sobre as coisas, e que, de uma certa forma,
explicam a nossa perspectiva funcional de apreender a realidade. Verificou-se
que o modo utilitarista de lidar com o tempo e o espaço contribuiu para uma
redução da nossa percepção de mundo. Segundo Crary (2012) essa
“mecanização da visão” tem uma construção histórico-cultural e advém de uma
mudança operada quer nas técnicas e tecnologias de observação, quer nas
instituições criadas para o seu governo.
Verificou-se também que o modo como a avaliação educativa em artes é
tratada nas escolas atualmente é ainda marcado por questões passadas, como,
por exemplo, quando o ensino do desenho tinha uma vocação utilitária. O exame,
conforme nos diz Foucault, excluí e não incluí o seu verdadeiro objecto de
conhecimento – o próprio aluno –, por ser uma forma de controle e, desse modo,
pouco ou nada devolve ao aluno sobre o sentido da sua aprendizagem e dos
conteúdos que aprendeu, ou sobre a sua experiência de aprendê-los, ou sobre
as condições em que isso se tornou efetivamente possível.
Ainda com o objetivo de se perceber o atual modo de avaliar para que
futuramente seja possível propor novas alternativas de avaliação, fez-se uma
análise da legislação brasileira e portuguesa para investigar onde e de que
maneira são tratadas as palavras avaliação, investigação e experimentação.
Para expandir o conceito de avaliação refletiu-se sobre a sua importância
no desenvolvimento da autonomia partindo de práticas educativas de avaliação.
Portanto, o conceito de avaliação formativa foi abordado por ser essencial na
118
construção da autonomia do aluno, para que ele perceba o percurso da sua
aprendizagem e se torne participante do processo educativo.
Verificou-se que os conceitos de experimentação e de investigação
parecem evidentemente relacionados com o conceito de avaliação, pois a
investigação complementa a experimentação, de modo a dar-lhe sentido e
significado. Assim, propõe-se descentralizar a avaliação e torná-la um processo
de experimentação e investigação – a investigação como experimentação, que
é também uma avaliação entendida como um processo de experimentação –
para que professores e alunos encarem o processo de aprendizagem como
significativo, construtivo e contínuo.
Viu-se que quando os alunos são tratados de forma igual pode-se produzir
mais desigualdades e que, segundo Perrenoud (2000, 2011), os educadores
precisam favorecer aqueles que são desfavorecidos para extinguir o fracasso
escolar e, consequentemente, as desigualdades que daí decorrem.
A arte contemporânea também é um fator que pode contribuir para se
pensar nas (im)possibilidades de uma avaliação participativa, pois ela pode ser
um caminho para uma mudança social (Claire Bishop, 2012), já que produz
ações coletivas. E que, assim como no teatro contemporâneo, em que o público
não é mero receptor passivo, mas núcelo central ativo, o estudante também pode
ser em relação a sua própria avaliação, pois ninguém melhor que ele para
perceber sua própria aprendizagem. Notou-se, a partir da tese de doutoramente
de Júlia Rocha Pinto, Reflexões sobre o meio: o espaço entre a Escola e o Museu
de Arte Contemporâneo (2015), que as propostas avaliativas dos serviços
educativos de museus também podem servir como incentivo para que a
avaliação escolar seja focada na experimentação e investigação.
A entrevista com professores de artes brasileiros e portugueses mostrou
as semelhanças e diferenças no modo de pensar, mas que uns são mais abertos
ao pensar sobre a avaliação, enquanto outros não parecem ser muito receptivos
à ideia do aluno como participante da avaliação.
119
Observou-se certos problemas e confusões dos entrevistados quando
confrontados com a palavra “avaliação”. Parece haver, no termo “avaliação”,
algo que provoca amedrontamento e apreensão, quando deveria ser algo mais
natural. A avaliação parece ser entendida de diversos modos. Contudo, mostra-
se evidente que uma teoria da avaliação poderia servir no sentido de direcionar
os educadores. Nesse sentido, foi abordado o conceito de avaliação formativa
alternativa, de Domingos Fernandes, como possível contributo para essa
mudança, mas também é necessário considerar que se o estudante pode ser
responsável pela sua própria aprendizagem – e pelo seu desenvolvimento - ele
pode ser capaz de escolher o momento e o modo a ser avaliado.
O levantamento de teses e trabalhos realizados por
estudantes/profissionais da educação artística mostrou que parece haver
atualmente uma propensão a valorizar a experimentação, o “erro”, a participação
e as ideias dos alunos.
O ensino da arte mostra-se como um terreno muito fértil para que o aluno
seja visto como sujeito que tem autonomia sobre a sua aprendizagem. Basta-
nos continuar a enfrentar o desafio de romper com o ensino mecanicista e
instrumental, focada no produto final e valorizar cada vez mais o processo,
possibilitando aos estudantes experiências significativas e o exercício constante
da autonomia, ao acreditar que os alunos são os principais agentes da sua
própria aprendizagem. Só assim, poderemos efetivamente deixar de nos focar
exclusivamente nos ‘resultado’, e vivermos a experiência do ‘processo’.
120
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ANEXOS
Anexo 01. Inquérito sobre a avaliação – Entrevistado A
1) Qual é a sua formação? Atua há quanto tempo como professor? Em que disciplina? Em
que escola?
Licenciatura em Design Visual; 25 anos; Todas as disciplinas do grupo 600, este ano:
Educação visual (8º); Desenho A (11º); Design e Comunicação Audiovisual( 11º 12º);
Expressões e Ofícios (8º).
2) Você lembra como era avaliado quando ainda era estudante do ensino primário e
secundário? Alguma experiência de avaliação o marcou?
O sistema de avaliação era muito idêntico ao atual. Não, só me lembro que as minhas
classificações a matemática eram péssimas.
3) Você considera importante a avaliação em artes? Considera a avaliação como um fator
motivante para a aprendizagem?
Depende, se o grupo estiver mesmo interessado em arte a avaliação não é relevante
mas, de um modo geral, os alunos gostam de ouvir uma apreciação: se estão a ir bem,
se a técnica está correta, se funciona. A avaliação sumativa acaba por ser a conversão
em número da apreciação formativa (nem sempre é fácil).
4) Como e o que você enfatiza na avaliação dos seus alunos? Quais os instrumentos de
avaliação que costuma utilizar? Avalia o processo e a experiência do aluno ou o foco é
no resultado final?
Escrevo pequenos textos, faço anotações da evolução dos alunos e converto para
números que são colocados em grelhas porque a escola exige ( estes números são
enviados para o Ministério da Educação que os transforma em tabelas, gráficos, etc).
Para mim, o processo, a experiência e o resultado estão intimamente ligados, posso
analisar cada um destes fatores mas todos são igualmente importantes.
5) Você já utilizou o portfólio como meio de avaliar? Se sim, como foi a experiência?
É interessante porque funciona como uma gaveta onde se guarda tudo, mas exige
tempo. O portfólio também tem um processo de construção, as experiências vão sendo
registadas, existem produtos finais que são, por exemplo, fotografados, o próprio
portfólio é um produto final.
129
Anexo 02. Inquérito sobre a avaliação – Entrevistado B
1) Qual é a sua formação? Atua há quanto tempo como professor? Em que disciplina?
Em que escola?
Licenciatura em Ciências da Educação 1º Ciclo; Especialização em Supervisão
Pedagógica; Especialização em Educação Artística. Exerço a profissão de professora do
1º ciclo há 40 anos. O professor do 1º ciclo é um professor generalista, logo tem a seu
cargo todas as disciplinas do currículo. Nas áreas artísticas (Expressão Plástica, Musical,
Teatro e Dança) está prevista a coadjuvação, desde 2001, por professores especialistas,
mas tal não foi aplicado até à data. Sou professora no Agrupamento de Escolas Sá da
Bandeira- Santarém.
2) Você lembra como era avaliado quando ainda era estudante do ensino primário e
secundário? Alguma experiência de avaliação o marcou?
No ensino primário a qualificação dos trabalhos era qualitativa e nos subsequentes anos
quantitativa, mas sempre sendo avaliado o resultado final. Os alunos ou encarregados
de educação não tinham acesso aos critérios de avaliação, mas também não era
possível (permitido) questionar a autoridade do professor no período da ditadura.
Experiência negativa:quando iniciei o estudo da disciplina de Inglês, no liceu, nunca tinha
entrado em contato com a língua, mas como uma larga maioria das alunas da turma
frequentavam um instituto de inglês e já sabiam falar e escrever, a professora
“sentenciou” que as restantes, como não aprendiam logo na primeira explicação eram
“burras” logo, independentemente da nossa prestação, tínhamos sempre nota negativa.
Experiência positiva: uma professora de Desenho que sempre valorizava o percurso, a
experimentação, as ideias, e não o ser “bonitinho” e “estar tudo certinho”.
3) Você considera importante a avaliação em artes? Considera a avaliação como um fator
motivante para a aprendizagem?
A avaliação, independentemente da disciplina ou área, não tem só a ver com conteúdos,
com aquisição de conhecimentos, mas também com competências, interesses, modos
de ser e de fazer. Logo, é importante, também como é feita, com que critérios, com que
finalidade. Se o aluno souber o que é avaliado e com que intenção é feita essa avaliação,
será um fator motivante para a aprendizagem. No entanto, ao avaliar, também avalio o
meu desempenho enquanto docente, reflito sobre o ensino/aprendizagem, sobre
metodologias, pois não é só o aluno que aprende, também eu sou aprendente ( e convém
estar motivada!).
130
4) Como e o que você enfatiza na avaliação dos seus alunos? Quais os instrumentos de
avaliação que costuma utilizar? Avalia o processo e a experiência do aluno ou o foco é
no resultado final?
A avaliação é um processo diário em que acompanho o desenvolvimento do aluno na
sua totalidade, não só a nível de conhecimentos aplicados nos trabalhos realizados, mas
também a nível estético, sensível, afetivo,ético e moral. Preocupa-me a evolução dos
alunos em todos os níveis, de modo a serem melhores seres humanos, e eles percebem
que as artes fazem parte desse percurso. Instrumentos que utilizo: Registos de
observação por atividade/tema que constam da avaliação formativa, que é feita durante
o processo, e visa detetar as dificuldades ou potencialidades do aluno/grupo, servindo
de base para planificar as atividades subsequentes. Registo de autoavaliação dos
alunos no final de cada tema/período letivo. Debate coletivo sobre a atividade
desenvolvida. Avalio o processo e a experiência do aluno através da avaliação
formativa ao longo das aulas. No final de cada período letivo tenho de traduzir essa
avaliação em qualificações qualitativas- avaliação sumativa- de I-Insuficiente, S-
Suficiente, B-Bom,MB-Muito Bom, sendo esta avaliação discutida/analisada com os
alunos.
5) Você já utilizou o portfólio como meio de avaliar? Se sim, como foi a experiência?
Sim, várias vezes. O portfólio permite ao aluno, professor e encarregado de educação
ter uma “visão” fundamentada do percurso escolar, das potencialidades ou
constrangimentos. Ali está o seu saber fazer, o germinar das suas ideias, as suas
“viagens” pelo mundo interior e exterior, um pouco da sua história de vida.
Anexo 03. Inquérito sobre a avaliação – Entrevistado C
1) Qual é a sua formação? Atua há quanto tempo como professor? Em que disciplina? Em
que escola?
Licenciatura em Professor do Ensino Básico, 2º Ciclo , Variante de Educação Visual e
Tecnológica. Sou professora há 15 anos. Educação Visual e Educação Tecnológica.
Escola Básica de 2º e 3º ciclo do Bairro Padre Cruz.
2) Você lembra como era avaliado quando ainda era estudante do ensino primário e
secundário? Alguma experiência de avaliação o marcou?
Sim, lembro-me que a avaliação na primária era qualitativa e partir do 5º ano a avaliação
limitava-se sempre à média aritmética dos testes e trabalhos, todos os professores
avaliavam assim até ao secundário.
131
3) Você considera importante a avaliação em artes? Considera a avaliação como um fator
motivante para a aprendizagem?
Considero que a avaliação é importante como forma de aferição quer para o professor,
quer para o aluno mas não acredito que seja um fator de motivação.
4) Como e o que você enfatiza na avaliação dos seus alunos? Quais os instrumentos de
avaliação que costuma utilizar? Avalia o processo e a experiência do aluno ou o foco é
no resultado final?
Enfatizo a capacidade do aluno em se envolver na aprendizagem. Costumo utilizar
registos que vão de encontro aos critérios de avaliação estabelecidos no grupo da
disciplina. Avalio todo o processo tendo o produto final um peso equivalente às etapas
anteriores.
5) Você já utilizou o portfólio como meio de avaliar? Se sim, como foi a experiência?
Sim. Inicialmente é necessário que o aluno entenda o que é um portfólio e que o
reconheça como o registo da sua progressão no processo de ensino-aprendizagem.
Anexo 04. Inquérito sobre a avaliação – Entrevistado D
1) Qual é a sua formação? Atua há quanto tempo como professor? Em que disciplina? Em
que escola?
Artes visuais. 1º ano. Artes. Pastor Dohms.
2) Você lembra como era avaliado quando ainda era estudante do ensino primário e
secundário? Alguma experiência de avaliação o marcou?
Sim. Por nota. Avaliação e recuperação em Física na escola SENAI Francisco
Matarazzo, em São Paulo.
3) Você considera importante a avaliação em artes? Considera a avaliação como um fator
motivante para a aprendizagem?
Considero ser importante em todas as matérias. A avaliação é um fator natural da
aprendizagem, nem mais ou menos motivador para o processo.
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4) Como e o que você enfatiza na avaliação dos seus alunos? Quais os instrumentos de
avaliação que costuma utilizar? Avalia o processo e a experiência do aluno ou o foco é
no resultado final?
Deixo bem claro no primeiro dia de aula que eles serão avaliados todos os dias na
atividade de artes. Avaliação diária – conseguiu fazer a atividade/ não conseguiu fazer a
atividade. Prova com avaliação do conteúdo trimestral.
5) Você já utilizou o portfólio como meio de avaliar? Se sim, como foi a experiência?
Avalio a construção do portfólio diariamente. No geral, eles usam o portifólio como meio
de avaliação para passar de ano. Ou seja, quem entrega o portfólio completo está
passado.
Anexo 05. Inquérito sobre a avaliação – Entrevistado E
1) Qual é a sua formação? Atua há quanto tempo como professor? Em que disciplina?
Em que escola?
Sou licenciada em artes visuais pela UFRGS. Atuo como professora de artes há três
anos na mesma escola: Marista Assunção.
2) Você lembra como era avaliado quando ainda era estudante do ensino primário e
secundário? Alguma experiência de avaliação o marcou?
Tenho pouquissimas lembranças das aulas de artes, talvez por elas não terem
despertado meu interesse, por não serem desafiadoras e interessantes na minha época.
3) Você considera importante a avaliação em artes? Considera a avaliação como um fator
motivante para a aprendizagem?
Sim. São motivadoras pois percebo quando recebem uma nota alta a satisfação deles.
4) Como e o que você enfatiza na avaliação dos seus alunos? Quais os instrumentos de
avaliação que costuma utilizar? Avalia o processo e a experiência do aluno ou o foco é
no resultado final?
Utilizo vários instrumentos diferentes. Desde o caderno de arte até produções artísticas
de colagem, pintura, desenho, modelagem, teatro, musical. Avaliações individuais e em
grupos dependendo da proposta. Todas contextualizadas com conteúdos teóricos
previamente elaborados. Provas escritas, pois trabalhamos por área do conhecimento,
133
e a prova trimestral contempla todas as disciplinas da área de linguagens. Ainda tem
mais peso a avaliação do produto final, porém os processos são bem diferenciados.
5) Você já utilizou o portfólio como meio de avaliar? Se sim, como foi a experiência?
Sim, utilizo o portfólio para todo o ensino médio, e o caderno de desenho para o
fundamental. É muito bom, pois eles podem apresentar trabalhos que produzem fora da
aula de artes e da escola, assim temos a possibilidade de conhecer melhor o gosto e o
talento dos estudantes.
Anexo 06. Inquérito sobre a avaliação – Entrevistado F
1) Qual é a sua formação? Atua há quanto tempo como professor? Em que disciplina? Em
que escola?
Licenciado em artes visuais (Instituto de Artes - UFRGS-2014). Atualmente
bacharelando em artes visuais pela mesma e mestrando em educação (Faculdade de
Educação -UFRGS). Atuo como professor de artes desde março de 2015 na Escola
Estadual de Ensino Fundamental Dr. Gustavo Armbrust.
2) Você lembra como era avaliado quando ainda era estudante do ensino primário e
secundário? Alguma experiência de avaliação o marcou?
Nenhuma experiência avaliativa me marcou, positivamente falando. Minhas
avaliações/provas sempre foram com base no decorar/gravar os conteúdos e na aula de
artes, no ensino fundamental em especifico, era basicamente desenho livre ou fazer
cópias de pinturas conhecidas.
3) Você considera importante a avaliação em artes? Considera a avaliação como um fator
motivante para a aprendizagem?
Considero a avaliação importante como parte do processo, como algo que ajuda na
construção do pensamento, do desenvolvimento das propostas realizadas. No caso da
aula de artes, considero um bom momento para se discutir, ver o que deu certo e o que
não deu, as mudanças que aconteceram e o motivo de terem acontecido. É outra etapa
do processo de criação. Como motivante, acredito que dependa do contexto, ela pode
ser sim, se colaborar para a reflexão, motivando, salientando aspectos positivos do
trabalho desenvolvido pela/o estudante ou não deixando que elas/es se desanimem por
qualquer coisa que acreditem terem feito de “errado” no trabalho.
134
4) Como e o que você enfatiza na avaliação dos seus alunos? Quais os instrumentos de
avaliação que costuma utilizar? Avalia o processo e a experiência do aluno ou o foco é
no resultado final?
O método avaliativo que uso é processual na maior parte, como trabalho basicamente
com trabalhos práticos desenvolvidos em aula (seja individual ou coletivo) tento
conversar o máximo que posso com cada estudante/grupo para poder entender o que
quer fazer, os pensamentos que o orientam, as duvidas, trabalhando numa lógica de
orientação tendo como base a proposta a ser desenvolvida. Também peço as vezes uma
produção textual sobre o trabalho, onde é colocado, os motivos de ter escolhido fazer tal
trabalho,usar determinado material e o tema. A participação é fundamental, assim como,
a responsabilidade com o material, o comprometimento com o grupo (quando é o caso,
mas procuro sempre estimular o trabalho em grupo, devido a dificuldade que é para
eles/as conciliar interesses) e a dedicação em pensar sobre o que está fazendo, isso
influencia no processo e consequentemente no “resultado final”. Assim, tenho a fala
deles/as, o texto e o trabalho visual propriamente dito desenvolvido nas aulas.
5) Você já utilizou o portfólio como meio de avaliar? Se sim, como foi a experiência?
Por parte deles elaborarem cada um, um portfólio, não. Como o sistema da escola é
trimestral, em cada trimestre de cada ano tenho um pequeno projeto, com um
tema/assunto especifico e ou material para experimentar/conhecer/explorar. Ao fim do
trimestre, muda-se o assunto, podendo estabelecer ligações com o anterior, seja da
minha parte ou da dos/as estudantes. O objetivo é provocá-los/as a pensar sobre algum
determinado tema em questão, para isso, trago pequenos textos, imagens e vídeos que
possam colaborar na discussão sobre, e durante o trimestre vamos elaborando os
trabalhos visuais, intercalados com momentos de leitura e discussão.