42
DO VIOLINO À RABECA: IMPLICAÇÕES PARA UMA CLÍNICA PSICOLÓGICA NO SUS Resumo: O artigo discute a clínica psicológica produzida no nível Primário de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Busca-se encontrar aproximações possíveis entre a atuação clínica de profissionais psicólogos e as atuais orientações para confecção da rede de Atenção Primária à Saúde (APS) às comunidades. Para isso são utilizados relatos da prática de profissionais psicólogos inseridos na rede de APS de Porto Alegre/RS. Cinco transversais são propostas, entendidas como intrínsecas e possíveis, a uma atuação comprometida destes profissionais no SUS: a Educação Permanente em Saúde (EPS) desenvolvida em núcleos de psicólogos inseridos na APS, o cuidado com/na produção dos vínculos terapêuticos, a atenção à saúde mental transversalizada nas equipes de profissionais da saúde, a efetivação da participação popular na saúde e a atenção dos psicólogos às produções intersetoriais. Orientamos os profissionais psicólogos inseridos na APS a fim de se implicarem de modo ético- político no seu fazer, comprometidos com os avanços do processo permanente de construção do SUS e respondendo com ações de saúde humanizadas e adequadas às necessidades da população. Palavras-chave: Psicólogo. Atenção Primária à Saúde. Sistema Único de Saúde.

DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

  • Upload
    vuduong

  • View
    218

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

DO VIOLINO À RABECA:

IMPLICAÇÕES PARA UMA CLÍNICA PSICOLÓGICA NO SUS

Resumo: O artigo discute a clínica psicológica produzida no nível Primário de Atenção

à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Busca-se encontrar aproximações

possíveis entre a atuação clínica de profissionais psicólogos e as atuais orientações para

confecção da rede de Atenção Primária à Saúde (APS) às comunidades. Para isso são

utilizados relatos da prática de profissionais psicólogos inseridos na rede de APS de

Porto Alegre/RS. Cinco transversais são propostas, entendidas como intrínsecas e

possíveis, a uma atuação comprometida destes profissionais no SUS: a Educação

Permanente em Saúde (EPS) desenvolvida em núcleos de psicólogos inseridos na APS,

o cuidado com/na produção dos vínculos terapêuticos, a atenção à saúde mental

transversalizada nas equipes de profissionais da saúde, a efetivação da participação

popular na saúde e a atenção dos psicólogos às produções intersetoriais. Orientamos os

profissionais psicólogos inseridos na APS a fim de se implicarem de modo ético-

político no seu fazer, comprometidos com os avanços do processo permanente de

construção do SUS e respondendo com ações de saúde humanizadas e adequadas às

necessidades da população.

Palavras-chave: Psicólogo. Atenção Primária à Saúde. Sistema Único de Saúde.

Page 2: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

DO VIOLINO À RABECA:

IMPLICAÇÕES PARA UMA CLÍNICA PSICOLÓGICA NO SUS

Autor: Luciano Bairros da Silva

Professora Orientadora: Liane Pessin

Professoras da Banca Examinadora: Vera Pasini e Liane Pessin

Page 3: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

1 INTRODUÇÃO

No final da década de 80, o Estado brasileiro já havia experimentado diversas

formas organizacionais de prestação de serviços em saúde, mas todas mantinham em

comum duas características: a) política de prestação de serviços em saúde realizados

mediante contribuição financeira de seus usuários associados; nisso a garantia de saúde

apenas a cidadãos que tivessem renda ou emprego registrado e b) política de

atendimentos, em sua grande maioria, quase que exclusivamente, realizados por

profissionais médicos e em grandes complexos de saúde ou hospitais (ALMEIDA;

CHIORO; ZIONI, 2001).

A Constituição Federal do Brasil, de 1988, estabelece um novo direcionamento

para as políticas públicas de saúde, afirmando que “saúde é direito de todos e dever do

Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco

de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços

para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). Esse ato constitucional

garante como direito dos cidadãos a ampla cobertura da atenção à saúde, o acesso

igualitário e a participação da comunidade no Sistema Único de Saúde e assegura a

prioridade às ações de promoção e prevenção não consideradas até então. Em 1990,

com a Lei n. 8.080 (BRASIL, 1990), ampliam-se as normatizações do Sistema Único de

Saúde (SUS), estabelecem-se maiores responsabilidades aos estados e municípios e são

reafirmados os princípios e diretrizes do SUS da integralidade, da universalidade, da

eqüidade e do controle social.

“A seção de saúde da Constituição Federal e as Leis n. 8.080 e 8.142 de 1990

constituem as bases jurídicas, constitucionais e infraconstitucionais, do SUS” (BRASIL,

2006a, p.26). O Estado, portanto, deve substituir políticas individualizantes vigentes na

época, enquanto serviços de recuperação da saúde e de atenção médica, por um novo

paradigma agora coletivo, integrado e que privilegie ações em saúde, sendo estas toda e

qualquer ação que garanta aos indivíduos e à coletividade condições de bem-estar físico,

mental e social (BRASIL, 1990).

Com o redirecionamento das políticas de saúde no país, os profissionais

psicólogos passam também a fazer parte desse repertório de recursos em saúde chamado

SUS. Os profissionais psicólogos – tendo como responsabilidade a promoção do

respeito à dignidade e à integridade do ser humano – são reconhecidos junto ao

Page 4: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

Conselho Nacional de Saúde (CNS) como profissionais de saúde de nível superior

(BRASIL, 1997). No que confere às atribuições profissionais do psicólogo no Brasil, o

“Psicólogo Clínico” é considerado como aquele que atua “na área específica de saúde”

(BRASIL, 2006b). Frente a esse lugar priorizado pela União Federal e entidades

representativas, nos pomos a discutir o que tem produzido essa relação entre psicologia

e SUS. Nosso artigo trata, num primeiro momento, de visitar algumas publicações

referentes à temática formação de psicologia e SUS e ainda de cartografar algumas

problemáticas da prática psi levantadas pelos autores, não deixando de apontar avanços

pertinentes nesse espaço do fazer saúde. Em seguida, contribuindo na relação entre

psicologia e SUS, de uma forma clara e mais reflexiva, discutiremos possíveis

atravessamentos que ocorrem na confecção da clínica, que se proponha comprometida,

feita por profissionais psicólogos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).

2 A PSICOLOGIA E O SUS

Temos a intenção de percorrer a rede de relações possíveis entre a psicologia e

SUS. Discutiremos o material produzido por alguns autores, dizendo dos

tensionamentos provocados no encontro dos psicólogos com as políticas públicas de

saúde. Em seguida, tomamos o curso das atuais orientações sobre a confecção dos

serviços de atenção primária à saúde e da presença de psicólogos nesse nível de atenção.

2.1 BREVES NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO, A CLÍNICA E A ATUAÇÃO

Iniciamos com a afirmativa de que os currículos acadêmicos da psicologia, em

grande maioria, não primam por uma formação generalista. Segundo Jefferson

Bernardes (2006), a formação esteve sempre marcada por uma “retórica técnico-

científica”, numa tentativa de garantir à psicologia o paralelo de identificação com as

correntes científicas positivistas. Em ressonância a essa “retórica técnico-científica” e

por tomadas de “estratégias e lógicas neoliberais”, numa adequação da interface ensino-

mercado, os currículos passam a ser organizados conforme o que conhecemos como

Page 5: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

Psicologia Aplicada, a qual colaborou fortemente na criação de distinções de áreas

(teóricas e práticas) como, por exemplo: Psicologia Clínica, Psicologia Escolar,

Psicologia Jurídica, Psicologia Organizacional e demais. A formação passa a ser

orientada nesse formato, dificultando interlocuções entre as disciplinas, essas tomadas

como área de conhecimento e atuação específicos consolidando-se o tecnicismo, as

especializações e fragmentações no percurso formativo de psicologia.

Nesse momento já podemos nos perguntar o que uma formação fragmentada,

tecnicista e individualizante pode significar na atuação de psicólogos que necessitarão

estar em contato permanente com profissionais de diversas áreas do conhecimento.

Além disso, é necessário observar que o SUS ainda não recebeu espaço, tempo e

atenção suficiente nos currículos acadêmicos de psicologia (HOENISCH, 2004; LIMA,

2005; BERNARDES, 2006).

Júlio César Hoenisch e Neila Pezzi realizaram um significativo estudo

exploratório com psicólogos que trabalhavam em Unidades Básicas de Saúde (UBS), no

Rio Grande do Sul (RS). No trabalho foi possível observar a fragilidade de

conhecimento dos profissionais sobre o projeto político-operacional do SUS e sobre os

direitos dos usuários, o que promovia o discurso comum da dificuldade, ou mesmo,

inviabilidade de implementação do SUS (HOENISCH, 2004). Ou seja, a pesquisa

demonstrou que os psicólogos desconheciam ou tinham pouco conhecimento dos

princípios e das diretrizes que norteiam o fazer no SUS, seja o fazer do gestor, o fazer

do profissional ou o fazer do controle social.

Magda Dimenstein (2001) apontou, o destaque que psicólogos em UBS

reservam para o atendimento clínico individualizado/psicoterapia. Essa tarefa, do

atendimento clínico individualizado/psicoterapia, é tomada pelos psicólogos como um

diferencial em relação aos demais colegas de trabalho e assume lugar de destaque no

seu fazer nas unidades. Enfatiza a crença da categoria profissional nas teorias e técnicas

acumuladas durante a formação, o que os faz tratar a noção de comprometimento social

como o simples cumprimento das tarefas que representam a identidade clássica do

psicólogo na saúde, a clínica individual.

Seguindo a linha do descomprometimento social, Leandro Walter (2007), em

trabalho recente, demonstrou que alguns psicólogos inseridos na Estratégia Saúde da

Família (ESF) faziam uso deste lugar para garantir o que conhecemos como fazer o pé

de meia ou, também, usar do cargo como mote de auto-promoção profissional, com o

intuito de consolidar uma clientela para própria clínica particular ou, ainda, utilizá-lo

Page 6: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

como local de aquisição de conhecimento prático após a formatura. Nos três sentidos,

com ênfase nos dois primeiros, os psicólogos entrevistados tomavam o seu cargo no

SUS como um lugar de passagem, temporário, sem o mínimo de comprometimento

assumido.

Seguindo especialmente os trabalhos de Hoenisch (2004) e Dimenstein (2006),

tomamos basicamente duas tópicas problemáticas do fazer psi no SUS, ambos

originados nos paradigmas dominantes nos currículos. A primeira problemática é de um

fazer guiado pelas ciências biomédicas orientadas pelo foco no problema do sujeito, ou

seja, o foco na doença. González Rey, em 1997, apontava que a literatura psicológica

estava centrada nas produções a respeito dos problemas das doenças e desconsiderando

elaborações teóricas a respeito do conceito de saúde. O autor propunha uma guinada nas

produções, abandonando as definições que tomassem o conceito de saúde no sentido de

uma normalidade ou ausência de sintomas. Seguindo a linha do “estar saudável é estar

sem doenças”, Hoenisch (2004, p.32) refere que isso indubitavelmente ocasiona uma

psicologia clínica prescritiva, descritiva e domesticadora de subjetividades.

A segunda problemática encontra-se no fazer guiado pela matriz psicanalítica,

seja qual for a escola de orientação (Freudiana, Lacaniana, Winniccotiana e demais), ou

seja, o mesmo profissional que a Mônica Lima (2005) referiu-se, ou nomeou, como

sujeito de uma “fusão identitária psicólogo-psicanalista” (p.434). Nesse sentido, as

fragilidades são apontadas na constatação de crenças, por parte deste profissional

psicólogo-psicanalista, como a necessidade de setting específico (a título de exemplo

lembremos da representação social do divã, tomado como dispositivo fundamental para

o exercício da psicanálise), e na necessidade de realização do acompanhamento

individual, conforme Hoenisch (2004) exigências essas espelhadas na tradicional clínica

de atendimento privado. Rogério Lerner (2006), em pesquisa realizada com

profissionais Agentes de Saúde Mental, encontrou nestes um imaginário recorrente de

confinamento atribuído a prática da psicanálise. Confinamento referente ao seu arsenal

teórico, métodos de consultório e supervisão clínica distante ou dissociada de uma

prática possível dentro dos serviços de saúde. Os sujeitos sugeriam que as orientações

clínicas referidas pela teoria psicanalítica se dão de forma completa e acabada,

dissonantes com os vários possíveis de um fazer nesses locais.

Neste breve levantamento teórico colocam-se algumas problemáticas atuais da

relação psicologia e SUS, e as quais elencamos da seguinte forma: a) o

desconhecimento ou, de maneira mais radical, o desprezo por parte dos profissionais

Page 7: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

referente às políticas de orientação do SUS, na medida em que o SUS tem sido

associado a um sistema de saúde para pobres ou atenção de segunda categoria e desta

maneira o trabalhador de saúde também é um sujeito de segunda categoria; b) a

utilização de um paradigma de saúde-doença normatizante, em desconsideração às

produções atuais e orientações das leis do SUS (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990) de um

conceito ampliado de saúde; c) as práticas regidas, de modo restrito, por orientações

teóricas em descompasso com as equipes, com a rede de serviços de saúde e/ou com as

necessidades da população.

Apesar destas problemáticas persistirem na atuação de psicólogos trabalhadores,

dos mais diversos setores do SUS, também existem produções que propõem avanços no

que confere pensar a psicologia contribuindo com a política pública de atenção à saúde

no Brasil. Seguiremos na mesma problematização aberta por Regina Benevides (2005,

p.21) alertando a emergência, enquanto profissionais psicólogos, de desenvolvermos os

marcos do “que podemos, o que queremos e, principalmente, como fazemos para

contribuir” com o SUS e com a saúde em seus amplos atravessamentos.

Somam-se apostas na tentativa de adoção de novos paradigmas para clínica, para

o sujeito e para a saúde. O comum nessa nova conjuntura de forças é o exercício do

fazer psi orientado por um paradigma não mais dicotomizante. Nesse sentido, Eduardo

Passos e Regina Benevides de Barros (2000) são categóricos em produzir uma ação de

rompimento com os tradicionais paradigmas que se sustentam a partir da idéia de

unidade, por um outro paradigma, a saber, o paradigma da relação. O que eles nos

propõem e nos dizem é que “romper com as dicotomias sujeito-objeto, indivíduo-

sociedade, natureza-cultura implicaria a constituição de planos onde, ao mesmo tempo,

sujeitos-objetos adviriam. Neste caso, o que vem primeiro é a relação, esta sim

constituidora dos termos” (BENEVIDES, p.74). Assim, os sujeitos são produtos ou

resultados das suas relações com o mundo, com as pessoas, com os serviços de saúde,

com os próprios psicólogos. Esses sujeitos estão em constante movimento, sempre

ativos em sua constituição no mundo.

Nesse conjunto de sentidos encontramos mapeados psicólogos implicados e

comprometidos com o seu fazer (BENEVIDES, 2005; DIMENSTEIN, 2006), mais do

que simplesmente inscritos por uma ou outra corrente teórica. São implicados, pois

consideram os processos de produção do fazer em dois movimentos simultâneos:

sofrem influências, ou atravessamentos, ao mesmo tempo que influenciam cada

acontecimento, cada fato de realidade. E são comprometidos por sentirem-se

Page 8: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

responsáveis pelos agenciamentos que produzem no campo social. Agenciamentos do

desejo constituidores da realidade do mundo, das pessoas e, cabe sugerir aqui, da

própria realidade da clínica.

Enquanto características do profissional psi no SUS, uma aposta que se mostra

potente é da atuação enquanto agente intercessor (PASSOS; BARROS, 2000;

DIMENSTEIN, 2006). O intercessor, agente provocador de instabilidades no real, de

desterritorializações dos universos de consistência, abre brechas, hiatos de tempo para

novas maquinações do desejo, para novas produções de realidade. O intercessor psi no

SUS inaugura uma clínica que critica os limites de cada disciplina, critica os universos

de consistência, os pontos de fixação e provoca relações de perturbação, de

desestabilidade, de incertezas.

O que existe, o que ganha existência é produto, ou corporeidade, resultante de

conjunções de forças, de maquinações do desejo, de consistência de relações – sejam

essas relações humanas ou não humanas. Esse novo platô ou plano teórico que estamos

tentando constituir exige-nos uma outra ótica, uma outra conceituação e com certeza a

construção de novas ferramentas para o fazer psi. Gilles Deleuze citando uma pergunta

de Félix Guattari, publicada no jornal francês Le Monde, diz: “por que não pensar que

um novo tipo de revolução está se tornando possível”? (DELEUZE; PARNET, 1998,

p.170, grifo dos autores). E diríamos, por que não pensar que uma revolução no plano

da clínica psi está se tornando possível? Dispor-se a essa perspectiva significa exercitar

um ser em processo, um existir agenciador de saúde,1 pertencente a um palco móvel, o

SUS, sempre a ser desenvolvido e sem limiares fixos.

2.2 ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Luiz Andrade, Ivana Bueno e Roberto Bezerra (2006), em recente publicação,

demonstraram que, desde a segunda década do século passado, alguns conceitos como

Distrito Sanitário e Centro de Saúde apontavam a necessidade da criação de políticas

específicas para a atenção à saúde a nível primário. Mas é somente a partir de 1978, na

1 Um agenciamento produz sempre novas realidades, torna consciente algo que não era conhecido e abre brechas para composição de outras singularidades. “O que chamamos de agenciamento é precisamente uma multiplicidade” (DELEUZE; PARNET, 1998, p.153).

Page 9: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em Alma-Atá na antiga

União Soviética (URSS), que a atenção primária à saúde (APS) vai ganhar relevância

mundial.

Na Introdução da Declaração de Alma-Atá afirmou-se que a APS era chave

para alcançar em todo o mundo em um futuro previsível um nível aceitável

de saúde, que fizesse parte do desenvolvimento social e se inspirasse em um

espírito de justiça. [...] A APS seria igualmente válida para todos os países,

desde os mais desenvolvidos até os de menor desenvolvimento, embora

pudesse adotar diversos formatos segundo as diferenças políticas,

econômicas, sociais e culturais (ANDRADE; BUENO; BEZERRA, p.784).

A APS passa a ser uma orientação mundial de organização dos sistemas de

saúde produzindo uma inversão no modelo hegemônico da época, utilizado na maioria

dos países, de ações em saúde curativas, fragmentadas e centradas nos profissionais

médicos. O conceito de APS, considerado um dos mais completos, afirma ser uma:

Estratégia flexível, caracterizada através de um primeiro contato entre

pacientes e equipe de saúde, que garante uma atenção integral oportuna e

sistemática em um processo contínuo; sustentada por recursos humanos

cientificamente qualificados e capacitados; a um custo adequado e

sustentável, que transcende o campo sanitário e inclui outros setores;

organiza em coordenação com a comunidade e concatena com os demais

níveis da rede sanitária, para proteger, restaurar e reabilitar a saúde dos

indivíduos, das famílias, e da comunidade, em um processo conjunto de

produção social de saúde – mediante um pacto social – que inclui os aspectos

biopsicossociais e do meio ambiente; e que não discrimina a nenhum grupo

humano por sua condição econômica, sociocultural, de raça ou sexo (LAGO;

CRUZ, 2001 apud ANDRADE; BUENO; BEZERRA, 2006, p.787).

Page 10: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

No ano de 2005, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) juntamente a

Organização Mundial da Saúde (OMS) (2005) elaboraram um documento chamado de

Renovação da Atenção Primária à Saúde nas Américas,2 resultado de um grande levante

que buscava “obter ganhos de saúde sustentáveis para todos.” Finalizado próximo ao

jubileu da Declaração de Alma-Atá, esse documento apresenta diversas experiências de

sucesso da APS na melhora da saúde das populações, bem como reafirma a prioridade

da adoção da APS como política viável e atraente, como organizadora dos sistemas de

saúde e potencializadora dos mesmos.

Definimos um sistema de saúde com base na APS como uma abordagem

abrangente da organização e da operação de sistemas de saúde, a qual faz do

direito ao mais alto nível possível de saúde sua principal meta, enquanto

maximiza a eqüidade e a solidariedade. Tal sistema é guiado pelos princípios

da APS de receptividade, orientação de qualidade, responsabilização

governamental, justiça social, sustentabilidade, participação e

intersetorialidade (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005, p.5).

Garantir o direito de saúde, ao mais alto nível possível, exige de gestores e

profissionais um olhar e uma escuta atentos às necessidades das pessoas e comunidades

para projetarem ações adequadas e equânimes às realidades locais. E sendo um direito

permite aos cidadãos a reivindicação quando, a quem couber a obrigação, não cumprir

com as responsabilidades. Maximizar a eqüidade demonstra interesse em validar o

exercício de reivindicação da saúde respondendo a essas, num esforço de minimizar as

iniqüidades em saúde. Todos esses movimentos coletivos, com intuito maior do bem

comum, exigem de governantes, gestores, profissionais e usuários uma atitude de

solidariedade social.

2 Esse documento cumpre uma resolução do 44º Conselho Diretor da OPAS realizado em 2003 e é o resultado do material produzido por um Grupo de Trabalho em APS – numa parceria OPAS/OMS – que tinha a função de “criar uma visão revigorada da estratégia de APS” condizente com os desafios e as Metas do Novo Milênio, em 2004. A OPAS fez a revisão preliminar da redação, após os Países-Membros e, finalmente, a conclusão final durante a “Consulta Regional sobre a Renovação da APS nas Américas” realizada em julho de 2005, no Uruguai (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005).

Page 11: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

Um sistema de saúde com base na APS é composto por um conjunto central

de elementos funcionais e estruturais que garantem a cobertura e o acesso

universal a serviços aceitáveis à população que aumentam a eqüidade.

Oferece cuidados abrangentes, integrados e apropriados com o tempo,

enfatiza a prevenção e a promoção e assegura o cuidado no primeiro

atendimento. As famílias e as comunidades são sua base de planejamento e

ação. Um sistema de saúde com base na APS requer uma sólida fundação

legal, institucional e organizacional, bem como recursos humanos,

financeiros e tecnológicos adequados e sustentáveis. Adota práticas de

gerenciamento otimizado em todos os níveis para alcançar qualidade,

eficiência e eficácia, e desenvolve mecanismos ativos para maximizar a

participação individual e coletiva em saúde. Um sistema de saúde com base

na APS desenvolve ações intersetoriais para abordar outros determinantes de

saúde e eqüidade (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005, p.5).

No Brasil, o conjunto de ações em APS é definido pelo Ministério da Saúde

(MS) como rede de Atenção Básica de Saúde: “Constitui o primeiro nível de atenção à

saúde, de acordo com o modelo adotado pelo SUS. [...] A responsabilidade pela oferta

de serviços de atenção básica à saúde é da gestão municipal, sendo o financiamento para

as ações básicas à saúde de responsabilidade das três esferas de governo” (BRASIL,

2004).

2.3 PROFISSIONAIS PSICÓLOGOS NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE

O Ministério da Saúde atualmente vem fortalecendo práticas na Atenção Básica

de Saúde que incluam a atenção à subjetividade dos usuários e priorizem os agravos

mais freqüentes em saúde mental. As diretrizes do MS, quanto ao trabalho no primeiro

nível de atenção, seguem “obedecendo ao modelo de redes de cuidado de base territorial

e buscando o estabelecimento de vínculos e acolhimento” (BRASIL, 2005).

Conforme as últimas orientações internacionais em APS, os recursos humanos

de saúde devem ser pensados de acordo com as necessidades locais, com garantia a

Page 12: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

constituição de equipes multiprofissionais. Substitui-se a noção de “tipos específicos de

pessoal de saúde, considerando que as equipes que trabalham em APS devem ser

definidas em conformidade com os recursos disponíveis, as preferências culturais e as

evidências” em saúde (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005, p.5).

Em estudo recente e inédito no país sobre a inserção de psicólogos em serviços

de saúde vinculados ao SUS, Mary Jane Paris Spink et al (2007) encontraram dados

indicando o maior número de profissionais psicólogos atuando em Centros de

Saúde/Unidades Básicas de Saúde (UBS) em relação a outros estabelecimentos de saúde

do Sistema, se comparado: o percentual de estabelecimentos com psicólogos por tipo de

serviço (39%); e o percentual de psicólogos por tipo de estabelecimento de saúde (30%)

(p.61-63). Os achados também indicavam a porcentagem maior de psicólogos em

Centros de Saúde/UBS concentrados na região Sul do país (40%), acima da média

nacional (30%).

Com a informação de que os profissionais psicólogos atuando no SUS

concentram-se em sua grande maioria em Centros de Saúde/UBS, desenvolvemos uma

tabela com dados também referentes a estes profissionais, porém explorando números

apenas nas capitais do país (Tabela 1). As capitais com maior número de profissionais

atuando em Centros de Saúde/UBS são: São Paulo/SP (216), Rio e Janeiro/RJ (138),

Belo Horizonte/MS (92), Porto Alegre/RS (70) e Natal/RN (53). As capitais da região

sudeste despontam com o maior número de psicólogos contratados (475).

Tabela 1 – Capitais do Brasil, número de Centro de Saúde/UBS, número de Psicólogos em Centro de Saúde/UBS, coeficiente de Psicólogos em Centro de Saúde/UBS,* julho/2007.**

Capitais Centro de Saúde/UBS

Psicólogos em Centro de Saúde/UBS Coeficiente

N Porto Velho 33 5 1,29 Rio Branco 74 9 2,79 Manaus 235 25 1,44 Boa Vista 76 6 2,33 Belém 72 22 1,52 Macapá 18 1 0,26 Palmas 37 3 1,28 NE

Page 13: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

São Luís 57 11 1,08 Teresina 75 2 0,25 Fortaleza 90 3 0,12 Natal 73 53 6,61 João Pessoa 208 31 4,54 Recife 147 12 0,78 Maceió 58 28 2,97 Aracaju 51 13 2,54 Salvador 121 37 1,34 SE Belo Horizonte 145 92 3,79 Vitória 29 29 9,04 Rio de Janeiro 150 138 2,23 São Paulo 417 216 1,95 S Curitiba 115 33 1,81 Florianópolis 48 23 5,53 Porto Alegre 163 70 4,82 CO Campo Grande 55 15 1,92 Cuiabá 78 8 1,45 Goiânia 96 34 2,74 Brasília 131 30 1,23 * Por 100 mil habitantes. ** Período escolhido para acompanhar a projeção populacional do IBGE que confere ao dia 1º de julho de cada ano. Fonte: DATASUS/MS

Page 14: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

Comparando o número de profissionais psicólogos nas capitais do país, atuando

em Centros de Saúde/UBS com a população destas cidades, encontramos os maiores

coeficientes em: Vitória/ES (9,04), Natal/RN (6,61), Florianópolis/SC (5,53), Porto

Alegre/RS (4,82) e João Pessoa/PB (4,54). A capital Fortaleza/CE (0,12) expressa o

menor coeficiente.

Observa-se a maior concentração de psicólogos trabalhando no SUS no nível de

atenção primária, se comparado aos outros níveis de atenção (média e alta

complexidade), mas comparados ao número de usuários, às populações locais, podemos

sugerir que são ainda exíguos. Assim como, são insuficientes os trabalhos científicos

que ensaiam novas produções de conhecimento neste nível de atenção.

A pouca produção voltada para a atenção primária nos indica que a

contribuição da Psicologia para esse campo tem sido frágil, talvez por ser o

nível de atenção no SUS onde coloca mais claramente a necessidade de

revisarmos nossas estratégias de intervenção e modelos teóricos, e questione

mais diretamente atuação e clínica psicológica (DIMENSTEIN; MACEDO,

2007, p.224, grifo dos autores).

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a Associação Brasileira de Ensino de

Psicologia (ABEP) têm buscado fomentar discussões e incentivar a produção de

diálogos entre psicologia e SUS,3 mas isso não tem sido suficiente. Novas produções

devem ser propostas acompanhando a psicologia e o SUS nos processos de formação,

atuação e clínica.

3 O Sistema Conselhos de Psicologia escolheu 2006 como o “Ano da Saúde” tendo sido planejados fóruns em cada Conselho Regional durante o mesmo ano e que culminavam no “I Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública: contribuições técnicas e políticas para avançar o SUS” realizado em Brasília nos dias 20, 21 e 22 de outubro de 2006. Para o mesmo Fórum foi preparado um caderno com textos que “emolduram a compreensão acerca das dificuldades e desafios colocados para a transformação das práticas profissionais no seu interior” (Disponível em: <http://www.pol.org.br/saudepublica/?op=cartilha>. Acesso em: 16 jun. 2008). Outra publicação recente na temática Psicologia e SUS é resultado de uma pesquisa realizada para ABEP em Acordo de Cooperação entre esta, o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde (SPINK; BERNARDES; MENEGON, 2006).

Page 15: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

3 BUSCANDO A SONORIDADE DA RABECA

Retomando o propósito deste artigo que é pensar as aproximações entre a

psicologia, como área de conhecimento, e o SUS sugerimos uma metáfora para contar

dos processos que pretendemos falar e visualizar ao leitor. Para dizermos disso

utilizaremos de dois instrumentos musicais: o violino e a rabeca. O violino é um

instrumento de cordas, que quando tocado produz uma sonoridade que envolve de modo

intenso nosso ouvido. Esse instrumento é freqüentemente utilizado em apresentações ao

público, acompanhado de orquestras e em espaços reservados. Rabeca, ou rebeca, como

também é chamada, tem o timbre sonoro mais baixo que o do violino, mas que lhe é

característico, facilmente reconhecido. Enquanto o violino é restrito via de regra a um

público reservado, seleto e com apresentações em ambientes de mesmas características,

a rabeca, por sua vez, é administrada como instrumento da cultura popular local.

Atualmente, é utilizada com freqüência por músicos e amadores nas manifestações

populares no centro-oeste, no norte e é típica da musicalidade da cultura nordestina,

presente nas apresentações em praça pública e produzindo uma sonoridade identificada

com as culturas locais, no Brasil. Ao contrário do violino, a rabeca se despoja de

qualquer personalidade prévia para recompor-se junto a localidade, a cultura e a

população que esteja investida naquele momento.

Buscamos sonoridades menores que possam contar sobre a tarefa do exercício de

psicólogos em UBS. Primamos pelo encontro de instrumentos para a clínica psi que

sejam congruentes com a política nacional de saúde pública. Em outras palavras,

instigamos o encontro das implicações transversais à construção de uma clínica

psicológica, uma atuação de profissionais psicólogos comprometida com o SUS e

adequada às necessidades da população. Como a rabeca que, a cada novo território,

dialoga com a cultura regional, nosso interesse é encontrar instrumentos que permitam

aos psicólogos potencializar sua atuação na UBS que ele esteja inserido e na produção

de vida dos usuários e dos profissionais de saúde.

A fim de alcançarmos nosso objetivo, relataremos a experiência compartilhada

por psicólogos (contratados, residentes e graduandos) atuantes em 12 Unidades Básicas

de Saúde,4 pertencentes à rede de APS do município de Porto Alegre/RS – capital. É a

4 Cotidianamente os profissionais referem-se aos serviços chamando-os de Unidades de Atenção Primária à Saúde ou simplesmente de Unidades de Saúde. Superando a perspectiva teórica-ideológica e

Page 16: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

cidade com maior população no Estado, estimada em 1.453.076 habitantes (Fonte:

IBGE, 2007). O município é composto oficialmente por 78 bairros compreendidos em

sua área territorial total de 476,30Km². As 12 unidades referidas localizam-se no lado

norte da cidade e estão espalhadas em três Distritos Sanitários: a)Norte/EixoBaltazar;

b)Noroeste/Humaitá/Ilhas; e c)Leste/Nordeste.5 De modo organizacional, as unidades

estão submetidas a uma gerência maior de uma empresa constituída sob a forma de

Sociedade Anônima, em que a União Federal possui a maior parte das ações. Todo e

qualquer atendimento é realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em comparação

às demais UBS do município, podemos dizer que estas dispõem de uma melhor infra-

estrutura para o trabalho (imóvel, mobília, informática – hard/software – etc.).

Caracterizam-se ainda por serem serviços-escolas com profissionais cursando residência

em saúde – Residência Integrada em Saúde (RIS) e Residência Médica (RM), com foco

em Saúde da Família e Comunidade – e graduandos compondo as equipes.

Todas as unidades são compostas por equipe multidisciplinar, com profissionais

das áreas de enfermagem, medicina, psicologia, serviço social, técnicos administrativos

e algumas dispõem também de odontólogos e agentes comunitários de saúde no serviço.

Em cada uma das unidades há um profissional psicólogo compondo a equipe, mas

algumas não têm psicólogos em formação na RIS, como também não há graduandos

estagiários em todas elas.

3.1 FERRAMENTAS: TOADAS DO NÚCLEO DE PSICOLOGIA

A equipe de profissionais de psicologia (contratados, residentes e graduandos)

das 12 UBS encontram-se semanalmente na chamada reunião de núcleo da psicologia,6

durante duas horas, para estudo teórico e troca de experiências. No momento de

para fins de adequação com a regulamentação atual do Ministério da Saúde neste trabalho estarei utilizando, para referir-me as 12 unidades de serviço de atenção primária à saúde, a nomenclatura oficial vigente para o âmbito nacional de Unidades Básicas de Saúde (UBS). 5 A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre é composta por oito Gerências Distritais: a) Norte/ Eixo Baltazar; b) Noroeste/ Humaitá/ Ilhas; c) Leste/ Nordeste; d) Partenon/ Lomba Pinheiro; e) Centro; f) Glória/ Cruzeiro/ Cristal; g) Sul/ Centro Sul; h) Restinga/ Extremo Sul. 6 “O núcleo demarcaria a identidade de uma área de saber e de prática profissional; e o campo, um espaço de limites imprecisos onde cada disciplina e profissão buscariam em outras apoio para cumprir suas tarefas teóricas e práticas” (CAMPOS, 2000 apud CAMPOS, 2000).

Page 17: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

construção desse relato de experiência o núcleo de psicologia estava composto por: 12

profissionais contratados, 7 profissionais residentes e 8 estagiários.

As reuniões de núcleo têm intuito formativo, buscando estar sempre em sintonia

com o programa da RIS desenvolvido pelo serviço. As reuniões seguem um

planejamento anual (dias, temáticas, coordenador ou painelista, material teórico de

referência ou a ser produzido, avaliação dos processos), mas aberto a reordenações e

adequações conforme, no percurso, o grupo avalie a necessidade.

Foi exatamente uma reordenação das intensidades do grupo que possibilitou uma

brecha no cronograma, para exposição de relatos e discussão sobre o que cada

profissional vinha fazendo enquanto prática psi – acesso, acolhimento, atendimentos,

matriciamento etc. – em sua unidade, equipe e território de trabalho. Ocorreram dois

encontros consecutivos, onde cada psicólogo teve tempo para apresentar o trabalho que

realizava e podendo, junto aos demais presentes, explorar mais conhecimento, crítica e

comparações quanto às atuações de cada profissional.

Ainda que todas as 12 unidades estivessem circunscritas à mesma cidade,

organização e gerência, nestas duas oportunidades se pôde visualizar as peculiaridades

que existiam na construção do fluxo dos atendimentos psicológicos dos usuários em

cada serviço. Na consolidação dos fluxos, prevaleciam como determinantes as

características de cada população, do território, do nível de integração da equipe

multiprofissional e seu interesse com a temática saúde mental e, em especial, o modo de

comprometimento assumido por cada psicólogo na sua unidade.

Do material apresentado e discutido, três Unidades Básicas de Saúde ganharam

aqui destaque especial. A escolha se deu a partir do encontro de três sentidos que elas se

encontravam referenciadas. Primeiramente, foram escolhidas por apresentarem formas

diferentes de pensar e produzir fluxo, demanda, integralidade e clínica psicológica

demonstrando o diferencial existente no fazer de cada profissional psicólogo nas UBS.

Em segundo lugar, por serem três unidades onde inovações na tecnologia do cuidado

das comunidades eram desenvolvidas em acordo com um conceito amplo de saúde

pensado enquanto processo. E finalmente, por cada uma destas unidades terem em sua

equipe um profissional psicólogo comprometido com a participação da comunidade

investida, com as relações na equipe de trabalho e com o processo contínuo de ensino-

aprendizagem nas ações cotidianas nas unidades. Estes sentidos nos parecem de

fundamental valor na construção de uma clínica psicológica implicada com a proposta

política do SUS.

Page 18: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

Antes da última redação, este trabalho foi disponibilizado para os participantes

do núcleo de psicologia, por considerá-los agentes fundamentais na inauguração do

registro, com o intuito de poderem ler, refletir e avaliar a produção escrita. Um

momento presencial foi planejado para que os interessados pudessem discutir e

argumentar com os autores, bem como se possibilitou que enviassem respostas

virtualmente, aos que assim preferissem. Todo esse material foi tomado na construção

final do presente relato de experiência.

4 RELATOS DE EXPERIÊNCIA (OU O CORPO SONORO)

Escolhidas as três UBS, preparamos pequenos textos, a partir dos relatos

colhidos nas reuniões de núcleo, contemplando as principais características que foram

apresentadas e discutidas sobre cada uma delas. Antes, é importante frisar que a

situação da atenção em saúde mental no município encontrava-se desestruturada. O

Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS (CMS) tem constituída uma

Comissão de Saúde Mental (CSM), com a atribuição de monitorar o funcionamento, a

efetividade e os resultados alcançados pela Rede de Serviços de Saúde Mental em Porto

Alegre. A CSM, durante o ano de 2007 e os primeiros meses de 2008, tem apresentado

insistentemente à população dados que demonstram a fragilidade que constitui a rede de

serviços de Saúde Mental de Porto Alegre e o atraso em políticas que priorizam a

criação e estruturação de uma rede efetiva de serviços substitutivos. 7 Uma mostra

significativa das fraturas na composição da rede de serviços em saúde mental foi

apresentada em reunião-plenária no CMS dia 17 de julho de 2007. A Tabela 2 foi

desenvolvida pela CSM com intuito de mostrar os serviços substitutivos existentes, até a

referida data, que compõem a rede de serviços de saúde mental, conforme

7 Urgências na gestão da política local de saúde foram levadas a público pelo CMS em Carta Aberta, amplamente divulgada e convidando a população para uma Audiência Pública sobre as Políticas Públicas de Atenção à Saúde Mental em Porto Alegre, realizada em maio de 2008. Na época, o Conselho apontava o descaso e o autoritarismo com que o gestor municipal lidava com a situação. “Por quatro vezes consecutivas o Conselho Municipal de Saúde reprovou os Relatórios Trimestrais de Gestão, por entender que os rumos da saúde em Porto Alegre precisam urgentemente de um redirecionamento” (Fonte: CMS/POA, 2008). Na ocasião, diversos problemas no gerenciamento público da saúde no município avolumavam-se: o fechamento por falta de condições de funcionamento durante 23 dias consecutivos da única referência em emergência psiquiátrica do município; recentemente o Programa de Saúde da Família havia sofrido demissão em massa de 600 profissionais quando houve o cancelamento de uma concessão do serviço, substituída por uma nova contratação de uma empresa de outro estado e sem tradição na área de saúde; o sucateamento de alguns hospitais do município; desmonte de políticas prioritárias como Saúde Mental; recursos do Fundo Municipal de Saúde que não estavam sendo investidos, acumulando dívidas; dentre outros problemas.

Page 19: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

pertencimento nos oito Distritos Sanitários do município. As células vazias na Tabela 2

indicam a não cobertura do serviço indicado na Linha, no Distrito Sanitário

correspondente na Coluna.

Freqüentemente, as UBS encontram dificuldades para realizar encaminhamentos

a serviços especializados ou internações, visto o número exíguo de serviços se

comparado ao número de habitantes. Os profissionais psicólogos, trabalhadores do nível

primário de atenção à saúde de Porto Alegre, muitas vezes têm de serem inventivos para

acolherem minimamente demandas que exigiriam atenção de outros níveis.

Tabela 2 – Serviços substitutivos da rede de atenção à saúde mental, Distritos Sanitários, julho/2007, Porto Alegre/RS.

Norte/ Eixo

Baltazar

Noroeste/ Humaitá/

Ilhas Leste/

Nordeste

Partenon/ Lomba Pinheiro Centro

Glória/ Cruzeiro/ Cristal

Sul/ Centro Sul

Restinga/ Extremo

Sul

População 183.750 179.610 147.441 176.613 266.896 145.278 477.572 83.430 Equipe Interconsulta

1 1 1 1 1

Equipe SM* (Adulto)

1 1 2 1 1 1 1

Equipe SM* (Inf./Adol.)

2

CAPS i 2 CAPS II 1 2 1 CAPS ad 1** CAPS III Moradias 6*** Oficinas de Trabalho

1

Pronto Atendimento

1

* SM lê-se Saúde Mental. ** CAPS AD atende a três (3) Distritos Sanitários. *** Existem 6 casas. Fonte: Comissão de Saúde Mental do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS

4.1 PRIMEIRA SONORA

Page 20: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

A primeira UBS a relatarmos tem como porta de entrada dos usuários o

acolhimento, realizado por técnicos em enfermagem, disponível durante todo o

expediente do serviço. Avaliando a necessidade, os técnicos de enfermagem fazem o

encaminhamento do usuário ou requisitam outro profissional para melhor compreensão

da situação.

Nesta unidade, a equipe de profissionais de saúde realiza encontros semanais

com objetivo específico de discutir os casos de saúde mental. Nesses encontros, os

profissionais do serviço que tenham dúvidas quanto aos casos que acompanham,

referentes aos cuidados em saúde mental, apresentam o material para discussão em

equipe. Assim, toda a equipe é investida a participar do processo de produção dos

planos terapêuticos em cada um dos casos clínicos. Qualquer encaminhamento que seja

feito de usuários, para atendimento pelos psicólogos desta unidade, passa antes,

obrigatoriamente, por esta discussão em equipe.

A consolidação de um fluxo como esse de atenção à saúde mental exige uma

sensibilização da equipe de profissionais de saúde no que refere a temática e, ainda

mais, uma flexibilização da prática clínica de cada profissional, inclusive dos psi em

maior grau, para essa tomada de decisão coletiva nos projetos terapêuticos, a uma

permeabilidade a interferência de outras disciplinas no processo clínico.

As vantagens na adoção de um fluxo semelhante a esse são muitas, já que

autoriza todos os profissionais da equipe a pensar e valorizar a saúde mental, tomando

ela como inerente a todas as áreas da saúde; garante uma escuta integral à saúde dos

usuários, evitando o simples encaminhamento a um novo profissional, fragmentando o

processo de cuidado do usuário; preserva os vínculos estabelecidos entre o usuário e seu

profissional de referência na unidade; desconstrói a lógica da demanda enquanto

queixa-procedimento.

4.2 SEGUNDA SONORA

A segunda UBS a ser apresentada tem como uma forte característica zelar pelo

cuidado no acolhimento da população. No final do ano de 2005, o dispositivo

acolhimento em grupo foi implantado no serviço. A unidade organiza uma escala e um

revezamento da equipe onde dois profissionais, de categorias diferentes, a cada turno do

Page 21: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

dia, realizam o acolhimento da população que busca o serviço. O acolhimento é

considerado pelos profissionais um espaço de escuta das demandas e também de

marcação para consultas ou para grupos que funcionam na UBS. Em 2007 os

profissionais, sentindo a necessidade de estudar, avaliar e planejar o que vinham

realizando como acolhimento dos usuários, desenvolveram um grupo de Educação

Permanente na temática, com encontros semanais.8

O Conselho Local de Saúde (CLS) desta região tem um trabalho afinado com a

unidade. Um exemplo é a consolidação de uma Ouvidoria Local, onde um conselheiro

da comunidade e um conselheiro da equipe na UBS, semanalmente, ficam disponíveis

para ouvir a comunidade. Outras atividades também são planejadas junto à comunidade,

a qual tem lideranças significativas atuantes de modo participativo e efetivo.

O fluxo atual da psicologia no serviço foi desenvolvido não só pela profissional

psicóloga, mas por um grupo de trabalho constituído para pensar o planejamento da

unidade. Então, no momento, para os usuários que desejam atendimento com a

psicologia é necessário, como qualquer outra demanda, passar previamente pelo

acolhimento da unidade. É neste momento que são agendadas as escutas com a

profissional de psicologia. Esse agendamento segue duas possibilidades: um

atendimento em grupo, também chamado de acolhimento, ao qual é dada maior

prioridade pela psicóloga, tendo esse um maior número de vagas e acesso mais rápido –

máximo 14 dias de espera –, ou o atendimento individual. O grupo de acolhimento da

psicologia tem freqüência quinzenal, com uma hora e meia de duração, e é sempre

coordenado pela psicóloga e por mais outro profissional de categoria diferente. Esses

grupos são organizados conforme a fase de vida do usuário, ou seja, tem o acolhimento

de adultos, o acolhimento de adolescentes e o acolhimento de crianças. Os

coordenadores e demais integrantes da equipe desenvolvem um plano para cada usuário,

mas se este se sentir acolhido no grupo ele pode continuar participando do grupo de

acolhimento, isso fazendo parte do seu acompanhamento.

8 “Os princípios da Política de Educação Permanente para o SUS são: articulação entre educação e trabalho no SUS, produção de processos e práticas de desenvolvimento nos locais de serviço; mudança nas práticas de formação e de saúde, tendo em vista a integralidade e humanização; articulação entre ensino, gestão, atenção e participação popular e controle social em Saúde e produção de conhecimento para o desenvolvimento da capacidade pedagógica dos serviços e do sistema de saúde. [...] O foco da Educação Permanente em Saúde são os processos de trabalho e as equipes (atenção, gestão, participação e controle social), possibilitando a construção de um novo estilo de gestão, no qual os pactos para reorganizar o trabalho sejam construídos coletivamente e os diferentes profissionais passam a ser sujeitos da produção de alternativas para a superação de problemas” (BRASIL, 2004).

Page 22: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

4.3 TERCEIRA SONORA

Iniciamos nossa terceira incursão. O que mais chama atenção nessa unidade é

volume populacional do território destoante e acima de qualquer regulamentação sobre

número de pessoas/famílias por UBS de referência: em maio de 2008, o número

aproximado é de 30 mil usuários residindo no território. No decorrer dos anos, na

tentativa de acompanhar o crescimento populacional aumentou-se o número de

profissionais de saúde trabalhadores na equipe. A unidade encontra-se em seu limite na

capacidade de adesão de novos trabalhadores à equipe, mas está longe de uma

adequação entre o número de profissionais e o número da população referenciada. Esse

não é o único motivo relevante, mas hoje é fator decisivo no que refere ao modelo de

assistência prestado à comunidade pela unidade.

O serviço não conseguiu organizar um acolhimento adequado da demanda.

Mensalmente são abertas as agendas dos profissionais para marcações de consultas

programadas, mas essas não dão conta dos pedidos, ocasionando diariamente filas para

marcação de consultas do dia, estas que deveriam ser apenas para urgências. Isso fez

com que outra porta para acesso fosse aberta: durante todo o dia dois profissionais da

equipe de enfermagem realizam avaliação de pessoas adoecidas que não conseguiram

agendar consultas.

Nesse emaranhado complexo de brechas para acessar o serviço, a psicologia

desenvolve um trabalho de acolhimento semelhante como descrito na Segunda Sonora.

O acolhimento da psicologia é realizado em grupos, de periodicidade quinzenal, com

uma hora de duração, tendo no máximo seis participantes e respeitando sempre a fase da

vida do usuário demandante – adulto ou criança e seus responsáveis. Adolescentes

recebem sempre acolhimento psicológico individual, mas não são fatia representativa

dos pedidos. O diferencial nesta unidade está na forma como é feita a marcação dos

acolhimentos. Sempre que há um pedido ou encaminhamento à psicologia, algum

profissional psi entra em contato com o usuário e lhe explica o processo do que é o

acolhimento e, após, é questionado se o mesmo aceita essa forma de atendimento.

Firmado esse momento então é marcado o acolhimento.

A vantagem que esse processo tem garantido é não ocasionar longas listas de

espera no serviço para atendimentos em psicologia. Essa sistemática tem evitado que os

Page 23: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

usuários enfrentem períodos demasiados de espera por atenção, respeitando o momento

que o sujeito vivencia o sofrimento. Realizar o primeiro contato já no momento do

pedido ou do encaminhamento, e explicitando a dinâmica do acolhimento ao usuário,

tem garantido uma maior freqüência dos mesmos aos acolhimentos agendados.

5 RESSONÂNCIAS: POR UMA EXISTÊNCIA PERTINENTE

Esse trabalho segue no encontro de transversais maiores que organizam o fazer

de profissionais psicólogos atuantes em UBS. Profissionais psicólogos que necessitam

investir de forma comprometida no seu fazer, promovendo o respeito à dignidade e à

integridade das equipes e das comunidades. Uma tarefa que, como já apontamos, deve

compor de modo consoante com os princípios, diretrizes e políticas atuais do SUS.

Inevitável dizer que as práticas de psicólogos em UBS devem ser produzidas junto e

conforme o planejamento da equipe e as necessidades da população do território.

Importante esclarecer que essa tentativa de categorização das transversais não

tem intenção de criar marcações práticas no plano da atenção pública à saúde, o que

achamos que seria de nossa parte conduzir a produção de conhecimento a atitudes

restritivas na confecção do fazer de psicólogos. Sugerimos essas transversais a seguir,

entendendo-as como atravessamentos que irão fraturar as corporeidades clínicas e dar

passagens a tomada de atitudes pertinentes pelos profissionais psicólogos nas UBS.

Sugestões i-materiais9 que irão compor com as realidades produzidas no serviço, na

equipe de trabalho, no território de abrangência, na comunidade investida, nas instâncias

do controle social, nos três níveis da rede de saúde e nos mais diversos interventores no

plano da saúde. As transversais são propostas enquanto agenciadores de multiplicidades

na confecção da defesa da vida no SUS.

5.1 EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE NO NÍVEL DE ATENÇÃO QUE O

PROFISSIONAL COLOCA-SE EM ATO

9 Propomos a cisão do radical na grafia da palavra “i-materiais” provocando uma dubiedade de sentido, mas revelando, de outro modo, que as transversais potencializam e são potencializadas no enlace entre produção de subjetividade e produção da realidade, entre produção de vida e produção de mundo.

Page 24: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

No relato das três sonoras temos formas diferenciadas de acesso dos usuários ao

atendimento com a equipe de psicologia. Como vimos, na primeira UBS todos os casos

que envolvem agravos em saúde mental passam antes por uma decisão em equipe para,

só então, serem encaminhados a profissional psicóloga; na segunda a profissional

psicóloga recebe os encaminhamentos após o usuário ter passado pelo acolhimento da

unidade; e na terceira abre acolhimentos em psicologia a todos os pedidos,

encaminhados por outros profissionais/serviços ou não. Todos esses modelos de

assistência sugeriam alguma vantagem, tanto na forma de funcionamento como para a

população.

Por este caminho, podemos observar que na práxis de profissionais psicólogos

na APS não há um modo único e/ou restrito de produzir dispositivos de atenção à saúde

da população. A apresentação de três mobilidades do fazer dos psicólogos nas unidades

– as três sonoras – propõe a diversidade que caracteriza a prática destes profissionais.

Essas características, como podemos notar, resultam sempre de uma composição de

possíveis, e nesse caso em particular falamos das possibilidades do profissional, da

população circunscrita, do território a que se destina, da equipe de profissionais

investida, do controle social dentre outras variáveis.

Pudemos apresentar neste artigo uma experiência de trabalho consolidada. O

relato de experiência conta de uma equipe que reserva no seu expediente de trabalho

tempo-espaço destinado à Educação Permanente em Saúde (EPS), dispostos em

encontros semanais. Nas reuniões desse núcleo a equipe de psicologia repara seu lugar

de atuação pensando, trocando, avaliando a própria prática e, sendo também esse, um

momento disparador de novos planejamentos e criações do seu fazer psi. Como relata

uma profissional psicóloga: “A gente ter o espaço do núcleo de psicologia, de estar

pensando o nosso trabalho, é um privilégio.” Os participantes dos encontros em núcleos

de psicólogos da APS, usado como espaço de EPS, consideram essa uma proposta

potente para o trabalho de orientação destes profissionais que se encontram investidos

neste lugar de trabalho.

A primeira linha transversal que vamos aqui valorizar é a criação de dispositivos

de Educação Permanente em Saúde no nível de atenção que o profissional se coloca em

ato. Isso se faz necessário visto às características da formação acadêmica, em

psicologia, não ser generalista e pela temática políticas públicas, incluindo o SUS, não

Page 25: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

ocupar tempo e espaço significativos nos currículos. Os dispositivos de formação de

EPS, ainda que informais, são essenciais para construção de práxis adequadas pelos

psicólogos na APS. A psicóloga da UBS da Terceira Sonora pontua a necessidade de

reflexão que cada profissional deve fazer sobre a própria prática: “[...] acho que a gente

teria que sempre, cada vez mais, fazer a crítica do que se faz.”

Além do núcleo da psicologia, outro exemplo, também citado, são os

profissionais de saúde da Segunda Sonora, que resolveram desenvolver um grupo de

EPS, para trabalharem com as problemáticas cotidianas do acolhimento. Estes espaços

de Educação Permanente em Saúde podem ser multiplicados por toda a rede de saúde e

serem excelentes dispositivos de reflexão e crítica para os trabalhadores e os usuários.

5.2 O VÍNCULO NAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS-USUÁRIOS E NA

CONFECÇÃO DE PROJETOS TERAPÊUTICOS SINGULARES

Tendo em vista a existência de tantas peculiaridades que interferem, produzem e

reordenam a práxis dos psicólogos no SUS, fica ainda mais instigante a interrogação: o

que podemos considerar como ordenador de uma prática comprometida destes

trabalhadores?

Para tentar ensaiar uma resposta a esta questão remeto o leitor aos sentidos de

Referência em Saúde. Referência pode ser explicitada, basicamente, a partir de três

conjuntos de sentidos: a) um primeiro sentido dá visibilidade à população ou ao

território do qual um serviço de saúde é a referência, como é o caso das UBS e equipes

de Saúde da Família; b) um segundo sentido diz de um profissional de saúde que possa

referenciar sua prática com outros profissionais ou disciplinas como, por exemplo, as

equipes de matriciamento no SUS; c) um terceiro sentido diz respeito a um profissional

que se torna referência nos cuidados à saúde dum usuário ou duma família. Entendam

que essa divisão em conjuntos de sentidos é meramente didática. Em verdade, estes

conjuntos de sentidos coabitam o real, entrelaçam-se, complementam-se em

Page 26: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

determinados momentos e se chocam em outros, mas não podemos perder de vista que

são sempre produzidos (ou anti-produzidos) nas relações.10

Imaginamos que para a APS o último sentido, de um profissional de saúde que

se torna referência nos cuidados à saúde de um usuário ou de uma família, seja valioso

para pensarmos o estabelecimento de adequadas relações terapêuticas. Como expresso

por um profissional da saúde: “Não adianta a dona Miguelina vir consultar comigo, se

ela é paciente de outro profissional. Ainda que eu leia o prontuário, eu não sei nada da

história dela, não sou eu que atendo ela há 20 anos.” O que devemos nos interrogar

enquanto psicólogos é: o que implica, em termos de relações humanas, ao profissional

de saúde ser referência para usuários e famílias? Implica o vínculo.

Segundo as orientações do Ministério da Saúde, as ações de saúde mental na

atenção básica devem obedecer ao modelo de redes de cuidado, de base territorial e

atuação transversal com outras políticas específicas, e que busquem o estabelecimento

de vínculos e acolhimento.

O MS também propõe um conceito para o que considera como vínculo.

Na rede psicossocial [...], compartilhamos experiências e estabelecemos

relações mediadas por instâncias. No caso da instância instituição de saúde, a

aproximação entre usuário e trabalhador de saúde promove um encontro: este

ficar em frente um do outro, um e outro sendo seres humanos, com suas

intenções, interpretações, necessidades, razões e sentimentos, mas em

situação de desequilíbrio, de habilidades e expectativas diferentes, onde um –

o usuário – busca assistência, em estado físico e emocional fragilizado, junto

ao outro – um profissional supostamente capacitado para atender e cuidar da

causa de sua fragilidade. Deste modo, cria-se um vínculo, isto é, processo que

ata ou liga, gerando uma ligação afetiva e moral entre ambos, numa

convivência de ajuda e respeito mútuos (BRASIL, 2008, grifo do autor).

Márcia Gomes e Roseni Pinheiro (2004) defendem que reordenações nos

serviços, priorizando o acolhimento e o vínculo, tem favorecido a operacionalização e a

10 Conforme Deleuze e Guattari todos os fazeres, os acontecimentos, as políticas etc. são produções, produção de produção, produção de registro, produção de consumo e, podendo ser, produção de anti-produção (DELEUZE; GUATTARI, 1966).

Page 27: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

materialização dos princípios e diretrizes do SUS na atenção pública à saúde. A criação,

a preservação e a manutenção de vínculos nas relações é uma garantia de que as

intervenções objetivando o cuidado em saúde realizem-se de forma satisfatória e

humanizada à população. O vínculo utilizado pelos profissionais de saúde em sua

prática como um dispositivo de cuidado, significa uma aproximação com os princípios

de integralidade e longitudinalidade do cuidado. A integralidade investida na prática da

atenção à saúde é “defender antes de tudo que as práticas em saúde no SUS sejam

sempre intersubjetivas, nas quais profissionais de saúde se relacionem com sujeitos, e

não com objetos. Práticas intersubjetivas envolvem necessariamente uma dimensão

dialógica” (MATTOS, 2004, p.1414). Vista a peculiaridade na APS, dos profissionais

de saúde realizarem o acompanhamento longitudinal (atenção continuada do cuidado)

dos usuários, o vínculo é uma tecnologia leve (MERHY, 2002), quase inevitável nesses

processos, que compromete os profissionais no cuidado do sofrimento dos usuários em

um sentido amplo. De outra forma, um vínculo entre profissional e usuário propicia

neste uma confiança maior no profissional e uma melhor abertura na explicitação do

sofrimento. Entendemos que os princípios exclusivos da APS de receptividade

(primeiro contato com o Sistema), longitudinalidade, integralidade e a responsabilidade

da coordenação do cuidado do usuário (TAKEDA, 2004; BRASIL, 2007a) têm a sua

resolutividade efetivada (ou não) nos vínculos fortalecidos que se estabelecem entre

equipe e usuários.

Os currículos acadêmicos em saúde estão recheados, predominantemente, pelo

conhecimento biomédico, baseado no vetor diagnóstico-procedimento. Pouca atenção é

dedicada ao fator relacional humano. O profissional psicólogo atuando junto a outros

profissionais enquanto (mais um) agente intercessor, irá questionar o sentido deste vetor

dado como realidade única dos atos de saúde, propondo a equipe a pensar o vínculo

como realidade a ser produzida e processo de saúde a ser construído na relação. O

intuito é de que a equipe reserve importância ao fenômeno vínculo nas relações

profissional-usuário e nos projetos terapêuticos. Como sugere L’Abbate (2003, p.270)

“sem transformar as práticas cotidianas dos profissionais dos serviços de saúde, não

haverá mudanças na forma desses serviços funcionarem, no sentido de garantir o acesso,

a qualidade e a resolutividade, no atendimento de saúde à população.” Os psicólogos em

UBS fomentando a compreensão das relações vinculares e incentivando os profissionais

Page 28: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

a utilizarem deste instrumento em suas práticas irão agenciar a produção de cuidados

humanizados.11

Bergson afirmava que um problema bem colocado é um problema resolvido,

mas podemos também pensar o seu inverso: uma solução quando inaugurada traz

consigo um novo problema (BERGSON apud DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.106).

À medida que os profissionais experimentam e tornam conscientes as relações

vinculares que efetivam no cotidiano inevitavelmente surgem desterritorializações no

plano da clínica, dos sujeitos, da saúde. Como diz a psicóloga da Primeira Sonora:

[...] eu vejo que alguns profissionais conseguem algum vínculo, no sentido

dos usuários reconhecê-los como alguém que os acolhe, os escuta [...].

Quando esse profissional consegue criar um vínculo ela acaba criando um

vínculo de dependência. Ele acolhe e tal, quando ele consegue acolher, mas

depois ele não sabe o que fazer com isso, que é estar ajudando o outro a

perceber seus próprios recursos.

Provavelmente muitas dúvidas surgirão na equipe quando atentarem para as

relações vinculares ocasionadas no encontro profissional-usuário. Os psicólogos podem

acompanhar e auxiliar nesses processos que ocorrerão ad nausea no cotidiano da

equipe.

Consideramos a radicalidade do vínculo, da garantia da referência em saúde para

usuários, a transversal de maior intensidade na composição de qualquer projeto

terapêutico. Transversalidade que deve ser assumida, respeitada e mantida por todos os

profissionais investidos no SUS. Tarefa essa que, em parte, deve compreender em muito

a função de um profissional psicólogo: fazer do vínculo um fenômeno valorizado pelos

diversos profissionais na produção dos projetos terapêuticos e, na seqüência, garantir

que estes dêem continuidade aos vínculos firmados numa relação de constante cuidado

com o mesmo.

11 Tomamos Humanização no sentido de estratégias ou processos de produção de saúde e produção de subjetividade autônomas e protagonistas que se engajam na transformação da realidade e de si. Sua efetivação se dá, em uma dupla inscrição teórico-prática, na sintonia de um conceito de ser humano em processo de construção permanente e de uma atitude transformadora da realidade (BENEVIDES; PASSOS, 2005a; BENEVIDES; PASSOS, 2005b).

Page 29: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

5.3 A SAÚDE MENTAL TRANSVERSALIZADA NOS ATOS DE CUIDADO DE

CADA PROFISSIONAL DE SAÚDE

Essas (nem tão) novas transversais, sobre a atuação dos psicólogos em UBS,

superam a representação social, de “ato nobre” e exclusivo, que ao psicólogo cabe os

cuidados com a saúde mental dos sujeitos e, de preferência, que o mesmo seja atendido

por esse profissional para a resolutividade dos problemas. A interrogação que fazemos

agora é a quem compete o cuidado das demandas em saúde mental?

O marceneiro aspira à madeira, mas se choca com o guarda-florestal, com o

lenhador, com o carpinteiro, que dizem: sou eu, sou eu o amigo da madeira.

Se se trata de cuidar dos homens, há muitos pretendentes que se apresentam

como o amigo do homem: o camponês que o alimenta, o tecelão que o veste,

o médico que dele cuida, o guerreiro que o protege (PLATÃO apud

DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.18).

Quando o psicólogo toma a tarefa de valorizar os vínculos já firmados pelos

demais profissionais – de considerar o vínculo firmado pelo assistente social, pelo

dentista, pelo enfermeiro, pelo médico –, potente o bastante para dar passagem às

questões subjetivas, ele pode encontrar outros modos de realizar os tratamentos e a

clínica. Não necessariamente na forma de atendimento individual-grupal/psicoterapia,

mas em composição com estes outros profissionais, não os descomprometendo dos

cuidados com o sofrimento psíquico que tomam passagem. Nessa situação, o psicólogo

outorga poder-saber aos demais colegas e parafraseando Platão: todos os profissionais

de saúde são tomados enquanto amigos da saúde mental dos usuários e das

comunidades. Nesse sentido, o psicólogo é mola propulsora que envolve os demais

profissionais no cuidado também da saúde mental. Os psicólogos podem (para não dizer

devem) valorizar e orientar os demais profissionais a lidarem com as questões

relacionadas à saúde mental dos usuários ou da população. A saúde mental, deste modo,

também é transversalizada e tomada enquanto tarefa comum de todos os profissionais.

Urge a necessidade de mobilizações para uma descentralização da escuta em saúde

Page 30: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

mental, não pensada enquanto um acontecimento em si, exigindo dos psicólogos uma

clínica composta na confecção da convergência de ações.

Isso também abre passagem para outra tarefa: os profissionais de saúde das

diversas categorias, tomando como demanda a saúde mental, muitas vezes necessitarão

de diretrizes na condução desse trabalho, dessa ampliação da escuta em saúde. Um

exemplo, mas não o único, de organizar essa tarefa é a confecção do matriciamento dos

profissionais de saúde, onde o profissional psicólogo pode tomar parte de modo

significativo na construção de uma fluidez disciplinar – dentro da própria UBS, numa

equipe dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF) ou mesmo estado dentro de

uma equipe nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

5.4 A PARTICIPAÇÃO POPULAR: ATITUDES PROTAGONISTAS DE SAÚDE E

O CONTROLE SOCIAL

Dando continuidade à discussão que propusemos neste trabalho, interessa

tomarmos atenção às seguintes palavras de Alcindo Ferla (2004):

[...] algumas idéias mostram a necessidade de combinar, pela interação

interdisciplinar e pelo contato sensível com os saberes dos usuários, as

melhores composições de conhecimento: é preciso a capacidade de

combinação lateral de conhecimentos e práticas; há uma horizontalidade

entre os diversos planos de saberes e de fazeres que estão associados no

momento do exercício da clínica e é uma combinação de conhecimentos e

práticas o mais próximo possível desse plano de horizontalidade

(horizontalidade entre os conhecimentos das várias profissões, mas também o

protagonismo informado do usuário e de seus familiares) que potencializa a

clínica. Ou seja, o traço mais forte da mestiçagem relativa à visão

metodológica diz respeito a uma certa sensibilidade/abertura ao outro

(profissional e usuário). Ou [...] de um compromisso estético, capaz de

expressar-se em novos arranjos para a clínica no contato com as diferenças

com que se depara a cada atendimento (p.101, grifos do autor).

Page 31: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

Esse compartilhar o saber nas tomadas de decisão, nos atos de cuidado à vida,

nos oferece mais uma transversal a ser considerada: a participação popular. Essa aqui

entendida no enlace de três diretrizes do SUS: a “participação da comunidade”

(BRASIL, 1988; BRASIL, 1990), a “preservação da autonomia das pessoas na defesa

de sua integridade física e moral” e o “direito à informação, às pessoas assistidas, sobre

sua saúde” (BRASIL, 1990). Entendemos que participação popular tem dois conjuntos

de sentidos no sistema de saúde: a) o primeiro diz que os usuários devem tomar parte no

que diz respeito à própria saúde, sendo também protagonista junto aos profissionais de

saúde nas decisões sobre sua vida; b) o segundo diz da participação de usuários no

controle e na construção da gestão do sistema de saúde. Assim entendido, a transversal

participação popular ganha passagem desde o plano da consulta individual atravessando

até o plano da mais alta instância do controle social, o Conselho Nacional de Saúde.

Os psicólogos não podem exaurir-se desse diálogo, dada a sua importância na

constituição de vidas e do sistema de saúde, podendo tomá-lo pelas mais diversas

entradas. Como o exemplo citado na Segunda Sonora, a Ouvidoria Local desenvolvida

na parceria entre a equipe da UBS e os usuários no Conselho Local de Saúde foi mais

uma instância criada pelo e para o protagonismo da população. Pode-se respeitar,

fomentar, realizar e intensificar a participação popular nos atendimentos clínicos, no

matriciamento de profissionais/equipes, nos movimentos sociais, nas entidades de

classe, nas instâncias do Controle Social e nos mais diversos meios onde a interferência

popular tome tenacidade.

Page 32: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

5.5 ATRAVESSAMENTOS INTERSETORIAIS NA PRODUÇÃO DE VIDA DAS

COMUNIDADES

Falamos então de uma flexibilização dos limites da produção de saúde em

direção aos mais diversos espaços. Garantindo ainda o foco na saúde, mas permeando

outras instâncias que compõem as políticas públicas. Os profissionais psicólogos em

UBS devem acompanhar as orientações de que a APS “transcende o campo sanitário e

inclui outros setores” (LAGO; CRUZ, 2001 apud ANDRADE; BUENO; BEZERRA,

2006, p.787) e “desenvolve ações intersetoriais para abordar outros determinantes de

saúde e eqüidade” (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005, p.5).

Entendemos que estes trabalhadores freqüentemente confrontam-se com

ressonâncias produzidas nas relações intersetoriais. Por exemplo, os encaminhamentos

feitos pelas escolas de crianças em idade escolar ditas problema para atendimento

psicológico nas unidades, os pedidos realizados pelo judiciário de parecer e/ou laudo

psicológico dos usuários atendidos ou de seus familiares e os locais em que o tráfico de

drogas, a polícia e/ou a violência interferem significativamente na (anti)produção de

vida dos moradores da comunidade, são apenas algumas situações que exigem atenção à

tomada de ações plurais e pactuadas no enlace dos setores competentes. Não só a tarefa

de fomentar a intersetorialidade das ações de políticas públicas, mas pôr-se atento às

produções no cotidiano dos usuários e da comunidade ocasionadas nos processos

intersetoriais.

Uma revolução do movimento antimanicomial foi redirecionar a tutela dos

pacientes e a clínica do tratamento medicamentoso para um outro clinicar: a clínica da

confecção de projetos de autonomia e cidadania dos usuários. No relato da psicóloga

trabalhadora da UBS, citada na Primeira Sonora, fica clara a necessidade dos

profissionais desenvolverem ações que produzam autonomia nos sujeitos para o

exercício cotidiano da cidadania.

Eu trabalho com a área de risco. Esse ano a gente tentou uma proposta que

era uma coisa de tentar, [ou melhor,] era um diagnóstico que a gente tinha

feito do quanto aquela comunidade da área de risco tem dificuldade de se

Page 33: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

mobilizar para conseguir coisas. Eles não tem nem a regularização fundiária,

mas eles não conseguem se mobilizar. Então a gente poderia desenvolver

ações que ajudassem eles a começar essa mobilização. Já foram feitas

tentativas, mas fica sempre uma relação de dependência.

Auxiliar, orientar, conduzir e potencializar os usuários no trânsito complexo da

rede de serviços intersetoriais, na exigência e efetivação de seus direitos, também passa

pela confecção de projetos de saúde. São projetos que implicam na “produção de

sujeitos autônomos, protagonistas, co-partícipes e co-responsáveis por suas vidas. Aqui,

a interface da Psicologia com o SUS se dá pela certeza de que o processo de inventar-se

é imediatamente invenção de mundo e vice-versa” (BENEVIDES, 2005, p.23). Quando

uma rede de serviços é acessada pelo usuário ou profissional outra realidade é

construída para eles.

6 PRODUZINDO UMA RABECA

Movimentos sociais como a Conferência de Alma-Atá (1978) e a VIII

Conferencia Nacional de Saúde (1986) foram imprescindíveis para consolidação de uma

nova proposta de política de saúde consistente e inovadora. Essas inovações técnico-

políticas potencializaram ações instituintes na elaboração de leis que garantissem a

todos os cidadãos brasileiros o direito à saúde. Nesse momento histórico o SUS é

instituído no Brasil, cabendo ao Estado o dever da formulação e execução de políticas

econômicas e sociais que assegurem o direito à saúde a toda a população. A Reforma

Psiquiátrica, outro movimento social imbricado na renovação dos modos de fazer saúde,

revelou-se audaz e resolutivo e fundou bases legais no Brasil (RIO GRANDE DO SUL,

Lei n.9.716, de 7 de agosto de 1992; BRASIL, Lei n.10.216, de 6 de abril de 2001), que

vieram a consolidar o que hoje conhecemos como a rede substitutiva de serviços de

saúde mental. O que surgiu como um Projeto de Saúde da Família, na tentativa de

aumentar a cobertura de saúde das populações locais, configurou-se como uma

estratégia política nacional: Estratégia Saúde da Família. O SUS é um registro de uma

produção histórica, social e subjetiva, mas que não está concluído. Ao contrário, o SUS

é um corpo vivo em processo permanente.

Page 34: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

Passados hoje 20 anos da criação legal do SUS, vivemos realidades

diferenciadas de saúde em todo o país. Diferenças que constituem-se regionalmente pela

cultura local, pelo investimento econômico da administração, pelas estratégias de

gestão, pelo comprometimento dos profissionais, pela participação da população etc.

Um emaranhado de forças e intencionalidades que, por vezes, o efetiva, potencializa e

faz avançar e, por outras, o descompassa, desmorona e desfaz.

Podemos perguntar onde a psicologia gruda nessa maquinaria política de saúde,

no SUS. Segundo Regina Benevides (2005), o erro está numa tradição ideológica que

pensa política e produção subjetiva de modo autônomo e distanciado. Os psicólogos em

UBS, não só esses, compõem o emaranhado de forças e intencionalidades que investem

no Sistema. Esses profissionais precisam de uma proposição reflexiva cotidiana para

conhecerem de que emaranho estão emergindo e com qual estão se aliando. Quais

potencialidades para a prática? Quais processos de descaracterização do SUS? Qual

ética de cuidado? Qual produção de vínculos? Quais posicionamentos e articulações

frente a participação popular? etc. O psicólogo em UBS, como todo cidadão, interfere

nesse processo permanente de construção do SUS.

Neste momento não poderíamos deixar de falar novamente na rabeca e sua

produção de sonoridades regionais. O que enfim podemos considerar como o

instrumento de psicólogos para produções clínicas consoantes com o SUS e com as

necessidades da população? Entendemos que profissionais psicólogos devem implicar-

se de modo ético-político (a rabeca psicológica) na sua atuação nas UBS. É necessário

ter a clareza que suas ações não se restringem no ato, mas serão sempre tomadas de

ação que implicam em algum movimento, que interferem em algum processo, que

subjetivam coletivos. Precisa ser uma tomada ética de ação para pautarem-se em defesa

da vida, dando passagem ao devir de cada usuário e garantindo escuta ao desejo da

população. Implica-se politicamente, consciente de que o corpo vivo do SUS é

alimentado pelas ações cotidianas de cada profissional, pela participação da população,

pelas conquistas intersetoriais, pelos interesses das categorias, dos gestores, de empresas

privadas – haja vista, a interferência das indústrias farmacêuticas – etc. A integralidade,

a eqüidade, a universalidade e a participação popular são princípios éticos, mas são

também diretrizes políticas que orientam práticas de cuidado com a vida, de construção

da rede de saúde, de gestão, de ensino e de pesquisa no SUS. O direito dos usuários ao

mais alto nível de saúde (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;

Page 35: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005) necessita de imbricações políticas e

de uma responsabilidade ética que o efetive.

Page 36: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

As UBS têm uma melhor afinidade e um maior diálogo com os usuários de seu

território por estarem muito próximas das populações, em contato cotidiano e por

períodos contínuos. Confeccionar uma rabeca é superar velhos tabus da clínica

psicológica, ampliá-la com a diversidade de instrumentos disponíveis e em constante

renovação no SUS. Essa nova rabeca psicológica irá compor com os recursos de saúde

administrados na UBS e com as necessidades da comunidade local. Insistimos em

afirmar que estas composições da rabeca produzirão sonoridades regionalizadas, ou

seja, ações de saúde humanizadas e adequadas às demandas do território.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Eurivaldo S. de; CHIORO, Arthur; ZIONI, Fabiola. Políticas públicas e

organização do sistema de saúde: antecedentes, reforma sanitária e o SUS. Estado,

políticas públicas e saúde: a história dos serviços de saúde no Brasil e o sentido político

do SUS. In: WESCPHAI, Márcia F.; ALMEIDA, Eurivaldo S. de (Org.). Gestão de

serviços de saúde: descentralização e municipalização do SUS. São Paulo:

Universidade de São Paulo, 2001.

ANDRADE, Luiz O.M.de; BUENO, Ivana Cristina de Holanda Cunha; BEZERRA,

Roberto Cláudio. Atenção primária à saúde e Estratégia Saúde da Família. In:

CAMPOS, Gastão W. de S. et al (Org.). Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec;

Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2006. p.783-836. (Saúde em Debate; v.170)

BENEVIDES, Regina; PASSOS, Eduardo. Humanização na saúde: um novo modismo?.

Interface, Botucatu, v.9, n.17, p.389-394, ago. 2005a.

BENEVIDES, Regina; PASSOS, Eduardo. A humanização como dimensão pública das

políticas de saúde. Ciência & saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.10, n.3, p.561-571, set.

2005b.

Page 37: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

BERNARDES, Jefferson. Formação generalista em psicologia e Sistema Único de

Saúde. In: FÓRUM NACIONAL DE PSICOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA:

CONTRIBUIÇÕES TÉCNICAS E POLÍTICAS PARA AVANÇAR O SUS, 1, 2006,

Brasília. [Cartilha]. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2006. p.17-40. Disponível

em: <http://www.pol.org.br/saudepublica/?op=cartilha>. Acesso em: 16 jun. 2008.

BERNARDES, Jefferson de Souza. A psicologia no SUS 2006: alguns desafios na

formação. In: SPINK, Mary Jane Paris (Org.). A psicologia em diálogo com o SUS:

prática profissional e produção acadêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. p.105-

127.

BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção primária e promoção da

saúde. Brasília: CONASS, 2007a. Disponível em:

<http://portal.saude.sp.gov.br/resources/gestor/destaques/colecao_progestores/livro8.pdf

>. Acesso em: 16 jun. 2008.

______. ______. SUS: avanços e desafios. Brasília: CONASS, 2006a.

______. Constituição. Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo II – Da Saúde (seção

II). Brasília: Gráfica do Senado Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/>. Acesso em: 16 jun. 2008.

______. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde.

O SUS de A a Z. Brasília: 2004. Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/>.

Acesso em: 16 jun. 2008.

Page 38: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

______. ______. Descentralização. Brasília: 2008. Disponível em:

<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=28380>. Acesso em:

16 jun. 2008.

______. ______. Secretaria de Atenção à Saúde/DAPE. Coordenação Geral de Saúde

Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. In: CONFERÊNCIA

REGIONAL DE REFORMA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL: 15 ANOS

DEPOIS DE CARACAS, 1, 2005, Brasília. Documento apresentado à OPAS. Brasília:

Ministério da Saúde, 2005.

______. Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação brasileira de ocupações.

Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2006b. Disponível em:

<http://www.mtecbo.gov.br>. Acesso em: 16 jun. 2008.

______. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para

promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos

serviços correspondentes e dá outras providências. In: Diário Oficial da União, n.182,

Brasília, 20 set. 1990. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8080.htm>. Acesso em: 16 jun. 2008.

______. Resolução n. 218, de 6 de março de 1997. Reconhece como profissionais de

saúde de nível superior as seguintes categorias: assistentes sociais, biólogos,

profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas,

fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas, psicólogos e terapeutas

ocupacionais. In: Diário Oficial da União, n.83, Brasília, 5 maio 1997. Disponível em:

<http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm>. Acesso em : 16 jun. 2008.

CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de

saberes e práticas. Ciência & saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.5, n.2, p.219-230, 2000.

Page 39: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

PORTO ALEGRE. Conselho Municipal de Saúde. Saúde em crise: carta aberta à

população de Porto Alegre. Porto alegre: Conselho Municipal de Saúde, 2008.

DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Tradução de Eloísa Araújo Ribeiro. São

Paulo: Escuta, 1998.

______; GUATTARI, Félix. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de

Joana Moraes Varela e Manuel Carrilho. Lisboa: Assírio & Alvim, 1966.

______; ______. O que é a filosofia?. Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso

Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. (Coleção Trans)

DIMENSTEIN, Magda; MACEDO, João Paulo. Desafios para o fortalecimento da

psicologia no SUS: a produção referente à formação e inserção profissional. In: SPINK,

Mary Jane Paris (Org.). A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e

produção acadêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. p.207-234.

______. A prática dos psicólogos no Sistema Único de Saúde/SUS. In: FÓRUM

NACIONAL DE PSICOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA: CONTRIBUIÇÕES

TÉCNICAS E POLÍTICAS PARA AVANÇAR O SUS, 1, 2006, Brasília. [Cartilha].

Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2006. p.8-16. Disponível em:

<http://www.pol.org.br/saudepublica/?op=cartilha>. Acesso em: 16 jun. 2008.

______. O psicólogo e o compromisso social no contexto da saúde coletiva. Psicologia

em Estudo, Maringá, v.6, n.2, p.57-63, jul./dez. 2001.

Page 40: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

FERLA, Alcindo Antônio. Participação da população: do controle sobre os recursos a

uma produção estética da clínica e da gestão em saúde. Physis: Revista de Saúde

Coletiva, Rio de Janeiro, v.14, n.1, p.85-108, 2004.

GOMES, Márcia Constância Pinto Aderne; PINHEIRO, Roseni. Acolhimento e

vínculo: práticas de integralidade na gestão do cuidado em saúde em grandes centros

urbanos. Interface, Botucatu, v.9, n.17, p.287-301, ago. 2005.

GONZÁLEZ REY, Fernando. Psicologia e saúde: desafios atuais. Psicologia: Reflexão

Crítica, Porto Alegre, v.10, n.2, p.275-288, 1997.

HOENISCH, Júlio César Diniz. Representações do SUS para psicólogos em unidades

de saúde: indagações e possibilidades. In: NASCIMENTO, Célia A. Trevisi do et al

(Org). Psicologia e políticas públicas: experiências em saúde pública. Porto Alegre:

CRP-07, 2004.

L’ABBATE, Solange. A análise institucional e a saúde coletiva. Ciência & Saúde

Coletiva, Rio de Janeiro, v.8, n.1, p.265-274, 2003.

LERNER, Rogério. A psicanálise no discurso dos agentes de saúde mental. São Paulo:

Casa do Psicólogo, 2006.

LIMA, Mônica. Atuação psicológica coletiva: uma trajetória profissional em Unidade

Básica de Saúde. Psicologia em Estudo, Maringá, v.10, n.3, p.431-440, set./dez. 2005.

MERHY, Emerson Elias. Saúde: cartografia do trabalho vivo em ato. São Paulo:

Hucitec, 2002.

Page 41: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

MATTOS, Ruben Araújo de. A integralidade na prática (ou sobre a prática da

integralidade). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.20, n.5, p.1411-1416, out.

2004.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE (OPAS); ORGANIZAÇÃO

MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Renovação da Atenção Básica em Saúde nas

Américas. In: ______. Renovação da atenção primária à saúde nas Américas:

orientação estratégica e programática para a Organização Pan-Americana de Saúde.

Washington: OPAS/OMS, 2005. Disponível em:

<www.paho.org/portuguese/gov/cd/cd46-13-p.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2008.

PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides de. A construção do plano da clínica e

o conceito de transdisciplinaridade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v.16, n.1,

p.71-79, jan./abr. 2000.

SPINK, Mary Jane Paris; BERNARDES, Jefferson de Souza.; MENEGON, Vera Sonia

Mincoff. A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção

acadêmica. 2006. (Relatório de Pesquisa). Disponível em: <www.bvs-

psi.org.br/PsicologiaemDialogoSUS2006.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2008.

______ et al. A inserção de psicólogos em serviços de saúde vinculados ao SUS:

subsídios para entender os dilemas da prática e os desafios da formação profissional. In:

______ (Org.). A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção

acadêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. p.53-79.

TAKEDA, Silvia. A organização dos serviços em atenção primária à saúde. In:

DUNCAN, Bruce et al. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseada

em evidências. Porto Alegre: Artmed, 2004. p.76-87.

Page 42: DO VIOLINO À RABECA - abepsi.org.brabepsi.org.br/premiosilvialane/vencedores-3-edicao/LUCIANOBAIRROS... · ... tendo como responsabilidade a promoção do respeito à dignidade e

WALTER, Leandro Inácio. Perspectivas da psicologia em âmbito da Estratégia Saúde

da Família. 2007. 58 f. Trabalho de Conclusão (Curso de Psicologia) – Centro de

Ciências da Saúde, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, [2007].