DOAÇÃO

Embed Size (px)

Citation preview

8

INTRODUO Desde o surgimento do ser humano e a partir do momento que este passa a viver com seus iguais, nasce o direito, como forma de regular tais relaes, tornando-as harmnicas. Assim sendo, com o passar do tempo, mais e mais o direito passa a adentrar na vida das pessoas, intervindo e estabelecendo regras que venha a criar, extinguir ou resguardar direitos. E tal qual ocorre em seus mais diversos ramos, assim tambm ocorre no ramo do direito particular. Ora tal a preocupao, que o direito passa a ter a preocupao de tutelar um ato simples, muitas vezes comum, que o ato da doao. O presente trabalho tem como objetivo abrir o horizonte da viso do leitor no que tange o instituto da doao, forma de contrato previsto em nosso ordenamento jurdico, embasado na doutrina ptria, abordando temas que vo desde sua gnese ate sua invalidade, de seu conceito a sua revogao. Sem a pretenso de alcanar a perfeio e exaurir todas as formas com as quais se reveste tal instituto, vem o presente traar ao menos suas linhas gerais, de modo que utilizando-se da maneira mais abrangente possvel, possa-se mostrar ao leitor os guias de tal assunto, presenteando-o com a oportunidade de se familiarizar com os aspectos e caractersticas inerentes a tal tema. A doao fornece ao profano um dos mais fceis concretos de intuir, porm apresenta dificuldades tcnicas aos doutrinadores, que tm dificuldade em delinear precisamente seus contornos como relao jurdica. O empecilho maior resida no fato de que nem todo ato gratuito seja doao. Assim, no o so os atos de disposio de ltima vontade, numerosas outras liberalidades que, por vezes, nem sequer ingressam no mundo jurdico. A lei civil, por seu lado, circunscreve-se a descrever o regime de certos atos da doao que considera relevantes. Desse modo, h muitos outros atos gratuitos regulados de forma diversa da doao. A idia de liberdade presente na doao princpio que pode tambm fazer parte de outros atos.

9

1 - ORIGEM HISTRICA

Sobre a evoluo histrica do instituto, Miguel Maria de Serpa Lopes, em obra versando sobre contratos, trs um breve relato. A idia da doao surge no direito romano, e por ele utilizada, porm utilizavase uma forma primitiva que muito se assemelhava permuta, para eles no era considerado como contrato, mas mera liberalidade unilateral, ou seja, algum dava algo de seu patrimnio a outrem, recebendo ou no outro bem em troca. O instituto passa pelo direito brbaro e tambm adotado pelo Cdigo Napolenico, ai ento j tomando formas de contrato, pois para que tivesse validade era exigida escritura pblica. Atualmente tem-se a doao a natureza jurdica de forma contratual, contemplada pela legislao civil, pois para sua realizao necessrio o acorde de vontade de duas partes. CARACTERSTICAS: No contrato de doao, destacam-se claramente dois elementos constitutivos: objetivo subjetivo. Elemento subjetivo a manifestao de vontade de efetuar liberalidade, o animus donandi. Elemento objetivo a diminuio de patrimnio do doador que se agrega ao nimo de doar. O contrato deve ser considerado formal, por fora do artigo 541 NCC, que lhe prescreve escritura pblica ou instrumento particular. O pargrafo nico do dispositivo permite a doao verbal sobre bens mveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradio, o que sendo exceo regra geral, de aplicao restrita, no a transforma em consensual. A doao a transferncia de bens ou vantagens, do patrimnio do doador para o do donatrio. Para ficar caracterizada a doao indispensvel ocorrer o enriquecimento de um o donatrio e o empobrecimento de outro o doador.

10

importante saber que gorjeta e gratificaes, presentes de aniversrios, de npcias, de natal, entre outros, so consideradas doaes de menor porte, doaes que no necessitam obedecer forma expressa (escrita), podem ser verbais. Tipificam atos jurdicos, so gentilezas mtuas, com o efeito imediato de criar ou modificar direitos, conforme o artigo 185 do Cdigo Civil Brasileiro, ato jurdico todo ato lcito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. Ofertas consistentes em esmolas e esprtulas tambm configuram doaes verbais. A doao ato jurdico bilateral, mas contrato unilateral. A bilateralidade do ato jurdico prev da oferta de doao pelo doador e pela aceitao da promessa pelo donatrio.

11

2 - ANIMUS DONANDI Muitos atos de liberalidade no constituem doao, por lhes faltar a precpua inteno de doar,o animus donandi. Nas situaes nas quais se entrega ou se recebe algo gratuitamente, mais sem a finalidade de transferir o domnio, por exemplo, no comodato, depsito, mandato gratuito, a relao jurdica ser outra. Assim tambm nos servios gratuitos, em que no se costuma pedir um preo. A doao exige gratuidade na obrigao de transferir um bem, sem recompensa patrimonial. Essa ausncia de patrimonialidade no coincide com a noo de desinteresse. A motivao do ato jurdico de doao irrelevante para o direito. Sempre haver um interesse remoto no ato de liberalidade cujo exame, na maioria das vezes, despiciendo ao plano jurdico. Dificilmente haver doao isenta de interesse social, poltico, religioso, cientfico, desportivos, efetivo,amoroso etc. Como acentua Guilherme Borda, a doao forma de satisfazer a vaidades, um instrumento para receber honrarias, alcanar prestigio. Nem mesmo a expectativa de receber benefcios indiretos suprime-lhe o carter de liberalidade. O contrrio seria valorizar o motivo, que o nosso direito no leva em considerao, como elemento do contrato, e que no se deve confundir com a causa, ou objeto (Alvim, 1972 a:9). Motivo, portanto, no se confunde com o animus donandi. A doao, por conseguinte, no necessita ter como mvel a benemerncia. Estas, por sua vez, no se identificam com o conceito de liberalidade. De outro modo, to-s a liberalidade insuficiente para caracterizar doao, pois, vimos, outros atos a possuem em seu cerne, e doao no so. Ao contrrio do negcio oneroso, a doao no se perfaz tendo por objetivo uma contraprestao patrimonial. A aposio de encargos no faz o negcio desviar-se da liberalidade. Digno de meno o julgado do Tribunal de Justia de So Paulo, que no veda a possibilidade de encargos em doao.para que ocorra, contudo, a lei exige que haja obrigao de transferir bens, em sentido amplo. Essa amplitude, porm, no ilimitada. A vantagem do donatrio deve ser de cunho patrimonial, devendo ocorrer o aumento de seu patrimnio em detrimento do doador.

12

Ordinariamente, a doutrina afasta o animus donandi nas oferendas e presentes que so feitos por ocasio de bodas, aniversrio ou datas festivas. No porque seja de pequeno valor, pois podem no s-lo, mas porque so juridicamente irrelevantes, sendo atos de cortesia e mera convivncia social cuja inteno no se insere na definio de negcio jurdico do art. 81 (novo, art. 185). Neste sentido, a opinio de Agostinho Alvim (1972 a: 18). Assim tambm se colocam as gorjetas, gratificaes e esmolas. No entanto,tal no deve ser entendida como regra inflexvel, pois situaes desse jaez ocorrero com freqncia, nas quais o nimo de doar poder fazer-se presente. No entanto, possvel divisar um negcio misto, isto , considera-lo apenas em parte gratuita. Trata-se de negotium mixtum cum donatione. Na venda e compra, por exemplo, o comprador sabe que a coisa vale 1.000, mas paga 1.500. Sua inteno estar, sem duvida, inspirada em liberalidade no valor pago, voluntria e conscientemente. A questo saber em que nvel o negcio deixa de ser oneroso para converter-se em doao. A soluo examinar a preponderncia do negcio, se onerosa ou gratuita. Da concluso decorrer exegese do contrato. Entendemos que no negcio misto, no ocorrendo negcio simulado sob a forma de negcio oneroso, haver doao na parte referente ao sobrepreo. No tocante parte onerosa, aplicam-se os prprios da compra e venda. O sujeito pode valer-se do contedo volitivo de liberalidade, para pratica a chamada doao indireta. Esse fenmeno conceitua-se por excluso. Consideramse doaes indiretas todos atos de liberalidade que no podem ser qualificados como doao direta, nos quais se observa o empobrecimento de um sujeito e o correspondente enriquecimento de outro. Na doao indireta, o doador pratica liberalidade recorrendo a um diverso meio jurdico, para obter o reflexo da gratuidade (Trabuchi, 1992:849). Exemplos tpicos so a remisso de dvida, o pagamento de dbito alheio, o contrato a favor de terceiro, entre outros. Como percebemos, no existe conceito unitrio de doao indireta, pois em sua compreenso inserem-se vrias formas de transmisso de direitos a ttulo de liberalidade. A fixao de sua natureza jurdica apresenta importncia para o exame da vaidade e eficcia do ato, bem como para sua hermenutica.

13

No se confunde a doao indireta com a doao simulada. Nesta, o negcio jurdico oneroso, mascarado por uma doao.

14

3- ACEITAO, CAPACIDADE e LEGITIMAO A aceitao, no contrato de doao, pode tomar feio peculiar. A capacidade de figurar no pacto como donatrio ampla. Embora indispensvel para perfazer o contedo contratual, a aceitao pode ser expressa ou tcita, admitindo a lei que tambm seja presumida. Essa possibilidade de presuno de manifestao de vontade donatrio refora a tese daqueles que lhe negam o carter contratual. No entanto, embora presumida, a aceitao sempre se far presente. A esse respeito o art. 1.170 do Cdigo Civil dispunha que s pessoas que no puderem contratar facultado, no obstante, aceitar doaes puras. O novo Cdigo, de forma mais tcnica, dispes no art. 543: Se o donatrio for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitao, desde que se trata de doao pura. Tratando-se de doao pura, que s benefcio trar ao incapaz, a lei dispensa qualquer formalidade na aceitao. O silncio qualificado, nessa hiptese, implica aceitao do benefcio. Essa soluo decorre do senso comum. Somente no ser vlida se ocasionar gravame ao incapaz, como na hiptese de encargos, dependente de exame do caso concreto. Na mesma linha de raciocnio, a lei permite que os pais ou representante legal aceitam doao feita ao nascituro (art. 542; antigo, art. 1.169). Nessa hiptese, a lei no restringe a liberalidade s doaes puras, admitindo que o nascituro. O nascimento com vida do beneficirio condio suspensiva dessa doao. Tambm haver aceitao presumida quando o outorgante, em doao no sujeita a encargo, fixa prazo ao donatrio, para declarar se a aceita ou no (art. 539; antigo, art. 1.166). Seu silncio presume a aceitao. Trata-se, no caso, de silncio qualificado com conseqncia jurdicas. No entanto, esse silncio somente ter relevncia jurdica, se o outorgado tem conhecimento do prazo fixado pelo doador. Essa modalidade de aceitao somente deve ser admitida nas doaes puras: se houve encargo, no se pode presumir que o outorgado o tenho admitido. Contudo, uma vez fixado prazo para a aceitao, enquanto este no decorrer, est livre o doador para revoga-la, desde que o faa de forma idnea (Monteiro, 1980, v. 120).

15

Haver da mesma forma aceitao tcita na doao em contemplao de casamento futuro de certa pessoa, quando esse matrimnio se realizar (art. 546; antigo, art. 1.173). Nessa hiptese, o negcio no pode ser impugnado por falta de aceitao. A aceitao ser expressa, quando manifestada externamente de forma verbal, escrita ou mesmo gestual. Ser tcita, quando resultar de comportamento do donatrio no qual se admita a concordncia no recebimento da coisa doada. Aquele que, recebendo a coisa, dela passa a utilizar-se, tacitamente aceito a liberalidade. A lei, no entanto, restringe a legitimao, para figurar como donatrios os tutores ou curadores na doao relativa a bens dos tutelados ou curatelados, enquanto persistir a tutela ou curatela ou delas pender contas a prestar ou liquidar (art. 1.749; antigo, art. 428). A razo intuitivamente de ordem moral. Quanto a capacidade do doador, esta ser, como regra, a dos atos da vida civil em geral. No entanto, os menores de 16 anos no podem doar, sob pena de nulidade absoluta, pois seus representantes.legais no podem dispor gratuitamente do patrimnio, porque as liberalidade nunca se consideram como feitas no interesse do representado (Alvim, 1972a : 24). Ademais, para esses incapazes no h como reconhecer o animus donandi. Os menores de 16 a 21 anos no estatuto de 1916 (no novo Cdigo, a maioridade plena atingida aos 18 anos) podem fazer-lo, desde que regularmente assistindo por seu representante legais, uma vez que tambm possuem capacidade ativa para testar (art. 1.860; antigo, art. 1627,I) embora esta no seja opinio doutrinria unnime. Assim tambm o prdigo, desde que obtida autorizao judicial. H situaes legais, contudo, tolhem a legitimao para doar. o que sucede com o marido, bem como com a mulher, que esto proibidos de fazer doaes individualmente com bens e rendimento comuns, exceto os remuneratrios e de pequeno valor, ou as doaes ou dotes efetuados s filhas e doaes feitas aos filhos para seu respectivos casamentos, ou quando estabelecem economia autnimo (art. 1.647; antigo, arts. 236 a 242). O suprimento judicial nesta e em outras situaes de doao no pode ser dado, porque o animus donandi, por natureza,

16

insuprvel. Ningum pode ser forado a liberalidade, pois a contradio decorrer de seus prprios termos. Doao por mandato possvel, desde que o instrumento determine claramente o bem a ser doado. A pessoa do donatrio, em princpio, parece no ser essencial nesse mandato, se presente a inteno de doar. Todavia, restrio alguma existe, para que a pessoa jurdica figure como doador ou donatrio.

17

4 - ESPCIES DE DOAO 4.1 Doao Universal: O Cdigo probe a denominada doao universal, isto , de todos os bens do doador: nula a doao de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para subsistncia do doador (art.1.175;novo, art. 548). Pretende o legislador impedir que o doador seja levando penria, em detrimento de sua famlia e do prprio Estado. Tratando-se de nulidade absoluta, pode ser alegada por todos que tiver interesse, inclusivo o credor. No entanto, essa nulidade no se confunde com a fraude contra credores, com requisitos prprios e pertencente ao campo da anulabilidade. A doao universal exige que se comprove que o doador deixou de reservar renda ou bens suficiente para sua subsistncia. Bastante utilizada na prtica, em razo das vantagem que apresenta, a doao com reserva de usufruto. Transfere-se a nua propriedade ao donatrio. O usufruto deve ficar reservado ao doador ou a pessoa determinada. 4.2 Doao Pura e Simples: A forma pura de doao, referida pela doutrina como pura e simples, aquele na qual a liberalidade resplende em sua plenitude, sem condies ou encargo. No deixa de ser pura a doao qual se apem as clusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Nada impede tambm que esses gravames sejam cancelados pelo prprio doador, com acordo dos interessados. Subespcie dessa modalidade a dominada doao contemplativa, aquela na qual o doador enuncia claramente o motivo da liberalidade, mas que a lei enfatiza a permanncia do carter de pura liberalidade. Assim ser, por exemplo, quando o doador afirma que efetua a ddiva em razo de profunda amizade dedicada ao donatrio ou porque este cientista renomado. O doador no impe nenhuma restrio ou encargo ao beneficirio. Nesta modalidade uma das partes aufere somente lucro e a outra sofre uma diminuio

18

patrimonial. um ato de pura liberalidade. Destarte, o seu cumprimento no pode ser exigido judicialmente, nem sujeita o doador s conseqncias dos vcios redibitrios ou da evico, pois, no seria justo que surgissem obrigaes para quem praticou uma liberalidade. 4.3 Doao Onerosa: Aquela na qual a liberalidade vem acompanhada de incumbncia atribuda ao donatrio, em favor do doador ou de terceiro, ou no interesse geral. Ser doao onerosa, por exemplo, aquela na qual se doa prdio para instalao de escola, nela colocando-se o nome do doador; doa-se terreno Municipalidade, para construo de espao esportivo ou rea de lazer etc. Se o doador no fixar prazo para concluso do encargo, o donatrio deve ser constitudo em mora. O doador, o terceiro ou Ministrio Pblico tm legitimidade para exigir o cumprimento do encargo. Se o modo institudo em benefcio da coletividade, o Ministrio Pblico ter legitimidade para exigir sua execuo, aps a morte do doador, se este no o tiver feito. Os sucessores do doador tambm possuem ao para exigir o cumprimento do modo. No h nus, contudo, se o interesse exclusivamente do donatrio ou se o doador se limita a dar conselho, sugesto ou exortao ao donatrio. Junto com a doao, o donatrio recebe tambm uma restrio ou encargo, em geral representado pela locuo com a obrigao de no suspende a aquisio, nem o exerccio do direito. Diferentemente da condio suspensiva da doao condicional, que identificada pela partcula se, que subordina o efeito da liberalidade a um evento futuro e incerto. Enquanto este no se verificar o donatrio no adquirir o direito. O encargo pode ser imposto a benefcio do doador, de terceiro ou do interesse geral. O seu descumprimento (em caso de mora), pode ser exigido judicialmente, observado o limite do servio prestado ou nus imposto, pois o excesso considerado pura liberalidade, no podendo ser cobrado.

19

O benefcio pode ser em proveito: do doador; terceiro identificado e no interesse coletivo. Havendo morte do doador e se recusando o donatrio a cumprir o encargo tem o MP legitimidade para cobr-lo? O MP tem legitimidade somente quando se tratar do interesse pblico, p.ex., Maria doou a Pedro 150.000m2 de terreno com a obrigao de que ele cedesse 10.000m2 para se fazer uma horta comunitria. Morrendo Maria e negando-se Pedro a cumprir o encargo, poder o MP intervir para obrigar Jos a cumpri-lo, pois, neste caso o que se tem a proteo do interesse pblico. Mas, em nenhuma hiptese o MP tem legitimidade para propor a revogao da doao por inadimplemento no cumprimento do encargo. Como no pode haver cancelamento do contrato de doao o MP pode, p.ex., cobrar de Pedro uma multa diria de R$1.000,00, que ser paga at que ele cumpra o encargo determinado no contrato. Quando o encargo em favor do prprio donatrio tem carter de mero aconselhamento, no podendo o doador impor, coercitivamente, o encargo ao donatrio. 4.4 Doao Remuneratria: Tem-se quando uma dvida se encontra prescrita, no sendo mais exigvel judicialmente, uma retribuio por servios prestados. Exemplo clssico cliente que adimpli uma dvida para com seu mdico, quanto a ao de cobrana j estava prescrita, fazendo uma doao a quem lhe salvou a vida. Se o valor pago exceder o dos servios prestados, o excesso no perde o carter de liberalidade, isto , de doao pura. Mas no valor da doao referente a retribuio do servios prestados, responde o doador pela evico, pelos vcios redibitrios, podendo ser exigvel judicialmente. Entretanto, consiste naquela que se faz em recompensa a servios prestados ao doador pelo donatrio. Ainda que esses servios possam ser estimados pecuniariamente, no se consideram prestao exigvel, isto , o donatrio no se torna credor. Como essa doao conferida em retribuio, esses servios devem ser anteriores ao ato. O carter liberal do negocio, como vemos, apresenta-se mais

20

tnue nessa modalidade. Exemplo clssico a doao feita a quem tenha salvado a vida do doador. Outros exemplos podem ser figurados: reconhecimento a quem obteve emprego ou funo pblica para o doador; retribuio a quem concedeu apoio psicolgico ou religioso em momento difcil na vida do doador etc. nessas situaes, como bem anota Arnaldo Rizzardo. 4.5 Contemplao de Merecimento: Submete-se aos mesmos princpios , por aproximar-se da remuneratria, pois pressupe uma recompensa de favor ou servio prestado que no se converte em obrigao. O art. 1.172 do Cdigo de 1916 referiu-se doao sob a modalidade de subveno peridica. A doao em forma de subveno peridica ao beneficiado extingue-se, morrendo o doador, salvo se este outra coisa dispuser. O art. 545 do novo Cdigo mantm a mesma possibilidade, mas no final do artigo enfatiza que o benefcio no pode ultrapassar a vida do donatrio. Desse modo, superando dvida da doutrina, essa forma de doao extingui-se- sempre com a morte do donatrio. Normalmente em dinheiro, nada impede que estabelea contribuio peridica em outros gneros. O dispositivo demonstra a vicinitude da doao com o legado, embora a regra geral seja a extino do benefcio com a morte do outorgante. Agostinho Alvim no divisa no artigo doao causa mortis, em tese vedada pelo ordenamento, mas a obrigao dos herdeiros de dar execuo a um contrato perfeito estabelecido pelo de cujus, o que normal na vida da obrigao. Ressalta o autor, contudo, que a obrigao transfere-se aos herdeiros do doador, mas no aos herdeiros do donatrio, exceto quando o tempo estabelecido no contrato os atingir, pois tal contrariaria a regra geral do fideicomisso. Para evitar esses entraves e a confuso com direito hereditrio, o art. 545 do novo ordenamento foi expresso, vedada a continuidade do benefcio aps a morte do donatrio. O mesmo se aplica na doao pessoa jurdica, sob pena de perpetuar-se uma obrigao, o que no pode ser admitido.

21

feita em retribuio de servios prestados, cujo pagamento no pode ser mais exigvel pelo donatrio. O motivo determinante para a realizao do ato (CC 140). Para Carlos Roberto Gonalves tanto a remunerao de servios mdicos realizados aps a prescrio, como aquela que se faz a um salva-vidas que impede o afogamento da vitima so doaes remuneratrios. O professor Edgar diverge desta opinio para ele: s teramos doao remuneratria no primeiro caso, pois no caso dos salva-vidas o que se tem doao em contemplao de merecimento, pois no se pode exigir judicialmente um quantum por se ter salvado a vida de outrem. Como seria possvel equilatar o valor de uma vida? Como, obviamente, no possvel tal equilatao, no h que falar em doao remuneratria. No podendo destarte, o salva-vidas intentar ao judicial na esperana de receber da vtima alguma retribuio, mesmo que esta tenha lhe oferecido tal benesse e, por qualquer motivo, no tivesse adimplido com a promessa. J a prestao de servios mdicos, salvando a vida de uma pessoa, pode ser considerada doao remuneratria, pois a prestao do servio mdico possvel de equilatar-se. 4.6 Donatrio Nascituro: A doao feita ao nascituro indispensvel a aceitao do seu representante legal (CC 542). Neste dispositivo legal encontramos uma incoerncia, qual seja: se a doao ao absolutamente incapaz tem aceitao presumida, independente da anuncia do representante legal, a doao feita futura (e eventual) prole dos nubentes tem sua aceitao presumida com o casamento, porque a doao, pura e simples, feita ao nascituro, precisa de aceitao do representante? Incoerncia jurdica. Pois se a doao s trar benefcios ao donatrio, no h porque se impor este tipo de restrio. Ademais, caso o doador esteja mesmo decidido a fazer a doao, e os pais determinados no aceita-la, por mero capricho, poder o doador aguardar o nascimento com vida do donatrio e fazer-lhe a doao, pois, a partir do nascimento com vida passa a ser sujeito de direitos e obrigaes, no impondo mais a lei tal bice doao, ou seja, ela passa da condio de nascituro relativamente

22

incapaz,

podendo

a

doao

ser

efetivada

sem

a

anuncia

dos

pais.

4.7 Donatrio Absolutamente Incapaz: A doao feita ao absolutamente incapaz tem sua aceitao presumida (decorre de lei CC 543 ) dispensando, assim, a aceitao do representante, pois, sendo a doao pura e simples s trar benefcio ao donatrio. 4.8 Subveno Peridica: uma espcie de penso, efetiva-se em perodos pr-determinados como favor pessoal ao donatrio (que pode ser o prprio doador ou terceiro por ele indicado), ou seja, em vez de entregar a este um objeto, o doador assume a obrigao de ajud-lo com um auxlio pecunirio. O pagamento termina com a morte doador, salvo se o contrrio houver estipulado o doador, ocasio em que, aps a sua morte, o monte mor do de cujus responder pelo adimplemento do subveno, respeitadas as foras da herana. No pode, contudo, a obrigao ultrapassar a vida do donatrio. Assim temos trs situaes: a) morrendo extingue-se a subveno; b) o doador pode determinar a continuao do recebimento da subveno aps a sua morte, respeitadas as foras da herana; c) a morte do donatrio extingue a subveno. 4.9 Contemplao de Casamento Futuro - propter nuptias: Constitui liberalidade realizada em considerao s npcias prximas do donatrio com certa e determinada pessoa. Encontra-se sob condio suspensiva, pois mister a realizao do casamento para a sua efetivao. Uma vez ocorrido o casamento presume-se a sua aceitao. A lei permite tal doao pelos nubentes entre si (de um nubente ao outro), de um terceiro a um dos nubentes, ou a ambos, ou aos futuros filhos do casal, neste ltimo caso so duas as condies suspensivas: o casamento se realizar e o nascimento com vida do filho. A doao propter nuptias no se resolve pela separao, nem

23

podem os bens doados para o casamento ser reivindicados pelo doador por ter o donatrio enviuvado ou divorciado e passado a novas npcias. 4.10 Doao entre Conjuges: A doao entre cnjuges no ser vlida, se subverter o regime de bens, no podendo contrariar sua ndole respectiva. Assim, no h sentido, se os sujeitos forem casados no regime de comunho universal, pois o ato no ter sentido prtico. Na separao obrigatria de bens, a doao no pode vicejar, porque os bens so particulares de cada cnjuge por imposio legal. Somente admitir-se- se essa separao for convencional. Se o regime for de separao parcial, a doao ser permitida no tocante aos bens particulares de cada consorte. No regime dotal, extinto pelo novo ordenamento, cuja referncia se faz unicamente por rigor doutrinrio, porque no utilizado em nosso meio e ausente no novo estatuto, o patrimnio do dote, em princpio, no pode ser objeto de doao.

4.11 Doao Conjuntiva: Quando a doao feita em comum a vrias pessoas, no se determinando o quinho de cada parte, entende-se distribuda entre os beneficiados por igual. Por exemplo a doao conjuntiva feita ao marido e a mulher no valor de 10.000,00. No caso de falecimento do marido, os 5.000,00 recebidos em doao conjuntiva com a esposa no faro parte do patrimnio que obedecer a vocao hereditria, pois, em face do direito de acrescer , a doao feita ao falecido, passar a fazer parte do patrimnio do cnjuge suprstite. No sendo a doao conjuntiva, ou seja, sendo ela realizada a somente um dos cnjuges, no haver, por parte do outro, direito de acrescer do cnjuge sobrevivo, mesmo que o casamento seja em comunho total de bens. Assim, conclui-se que todo o patrimnio obedecer a vocao hereditria.

24

4.12 Doao entre concubinos: O art. 550 estabelece a seguinte causa de anulao: A doao do cnjuge adultero ao seu cmplice pode ser anulado pelo outro cnjuge, ou por seus herdeiros necessrios, at dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal. Esta e outras disposies com o mesmo alcance, como as do art. 1.642. No entanto, a jurisprudncia encarregou-se situar corretamente a proibio, no admitindo a anulao do ato, se trata de concubinato slido, de companheirismo more uxrio, com o donatrio ou donatria, na hiptese de o doador encontrar-se separado de fato de h muito cnjuge. O novo direito concubinrio refora ainda mais esse entendimento. Ademais, deve ser aplicado o dispositivo em consonncia com o art. 540, que dispe no perder o carter de liberalidade a doao feita em merecimento do donatrio, no excedente ao valor dos servios prestados. Essas proibio somente alcana as pessoas casadas. No se aplica s solteiras, separadas ou divorciadas, que podem livremente doar seus bens aos companheiros, respeitado o limite de oficiosidade. o art. 550 estabelece a seguinte causa herdeiros necessrios, at dois anos conjugal; a jurisprudncia encarregou-se de situar corretamente denominado unio estvel. 4.13 Doao entre Ascendentes e Descendentes: a proibio, no admitindo a anulao do ato, quando se trata de concubinato slido, atualmente de anulao: A doao do cnjuge

adltero ao seu cmplice pode ser anulada pelo outro cnjuge, ou por seus depois de dissolvida a sociedade

25

Configura adiantamento da legtima. Assim, quando do inventrio do doador, o beneficiado com a doao ter de trazer a colao os bens recebidos como doao, pelo valor que lhes atribuir o ato de liberalidade ou a estimativa feita naquela poca, para que seja igualado os quinhes dos herdeiros necessrios, salvo se o ascendente expressamente especificou que aquela doao sair da sua metade disponvel. Caso isso no ocorra entende-se que a doao do pai ao filho nada mais que adiantamento da legtima daquilo que por morte do doador o donatrio receberia. 4.14 Doao Inoficiosa: Alm das peculiaridades do contrato de doao anteriormente elencadas, trazemos baila as disposies legais, doutrinrias e jurisprudenciais acerca da doao inoficiosa. Para incio da explanao, renova-se a importncia da leitura do artigo 549 e cita-se o artigo 1.789 do Cdigo Civil: "Art. 549. Nula tambm a doao quanto parte que exceder de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento". "Art. 1.789. Havendo herdeiros necessrios, o testador s poder dispor de metade da herana". Nos termos dos artigos supracitados, classificada como doao inoficiosa aquela que excede a 50% (cinqenta por cento) do patrimnio do doador que possui herdeiros necessrios. Sobre o tema, temos as palavras de Arnaldo Rizzardo :"Se o testador possuir herdeiros necessrios descendentes ou ascendentes - no poder dispor, em testamento, de mais de metade da herana, ou seja, da chamada poro ou quota disponvel. Em se tratando de doao, autoriza-se a liberalidade numa poro que vai at o limite da quota disponvel, calculada entre o montante dos bens poca existentes. essa doao que excede a meao disponvel se d o nome de inoficiosa, sendo absolutamente nula".

26

Complementando as palavras acima descritas, temos os escritos de Slvio de Salvo Venosa :"O art. 549 comina com nulidade a doao cuja parte exceder a que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. Trata-se da doao inoficiosa. Questo importante calcular a metade disponvel, ou seja, o montante que pode ser doado em cada oportunidade. A regra a ser seguida , portanto, avaliar o patrimnio do doador, quando do ato. Se o montante doado no atinge a metade do patrimnio, no haver nulidade".

Corroborando os entendimentos doutrinrios, temos o posicionamento do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro:"DOAO INOFICIOSA. Legitima No Vulnerada. Nulidade Inexistente. Para que se caracterize a doao inoficiosa preciso que o bem doado ultrapasse efetivamente a parte disponvel de que poderia dispor o doador no momento da liberalidade. Provada a no vulnerao da legtima, a doao deve ser tida como vlida. Desprovimento do recurso".

(Tipo da Ao: APELACAO CIVEL - Nmero do Processo: 1998.001.04162 - Data de Registro: 17/08/1998 - rgo Julgador: SEGUNDA CAMARA CIVEL - Des. SERGIO CAVALIERI FILHO - Julgado em 09/06/1998). Percebe-se, pois, que s pode ser classificada como doao inoficiosa, sendo passvel de nulidade, a parte que exceder a 50% (cinqenta por cento) do patrimnio total do doador poca da doao. O art. 549 (antigo, art. 1.176) comina com nulidade a doao cuja parte exceder o que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor por testamento. Trata-se da chamada doao inoficiosa. O dispositivo visa proteger os herdeiros necessrios, descendentes e ascendentes. Assim como a liberdade de testar restrita, quando houve herdeiros necessrios, o mesmo se aplica s doaes. Essa proteo seria contornada, se o testador pudesse doar o que no pode testar. No tendo ascendentes ou descendentes, livre o poder de disposio do doador e do testador. Questo importante calcular a metade disponvel, ou seja, o montante que pode ser doado em cada oportunidade. A avaliao do patrimnio feita no momento da liberalidade, e no quando da abertura da sucesso. Se fosse aguardado esse momento, alm estabelecer insegurana nas relaes sociais, o

27

critrio trazer injustias. A regra a ser seguida , portanto, avaliar o patrimnio do doador, quando do ato. Se o montante do que atinge o patrimnio, no haver nulidade. Outro problema que se coloca saber quando pode ser proposta a ao de nulidade. Era entendimento jurisprudencial :a prescrio da ao de anulao de venda de ascendente para descendente por interposta pessoa de quatro anos e corre a partir da data da abertura da sucesso. Diferentemente, a prescrio da ao de nulidade pela venda direta de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais de 20 anos e flui desde a data do ato de alienao. A prescrio da ao de anulao de doao inoficiosa de 20 anos, correndo o prazo da data da prtica do ato de alienao.

A doutrina e jurisprudncia mais recentes propendem pela possibilidade de ajuizamento desde logo, desde de ato, o que atende melhor dico legal, que manda apurar naquele momento o valor da doao, alm de no submeter o negcio a desnecessria incerteza por longo perodo. Desse modo, o prazo prescritivo principia no momento da doao (Rodrigues, 1983:216). O projeto de Lei n 6.960 procura aclamar qualquer dvida e sugere o acrscimo de pargrafo nico ao art. 549: A aao de nulidade pode ser intentada mesmo em vida do doador. A nulidade no inquina todo o ato, mas somente a parte que exceder o disponvel, por expressa disposio do art 549 (antigo, art. 1.176). 4.15 - Doaes em prejuzo dos credores do doador: o devedor no pode dispor gratuitamente de seu patrimnio, garantia credores, se seu passivo suplantar o ativo (art. 158). geral dos

De acordo com o art. 158, a lei presume flaudulentos os atos gratuitos de transmisso de bens,quando o devedor os pratica j insolvente, ou por eles levado insolvncia. Presumida a fraude, possibilita-se a ao pauliana aos credores, apenas comprovando o evento do dano. O devedor no pode dispor gratuitamente de seu patrimnio, garantia geral dos credores, se seu passivo suplantar o ativo.

28

5 - EFEITOS E OBRIGAES DAS PARTES a obrigao do outorgante fazer a tocante aos mveis e pela escritura donatrio no que couber no tocante entrega da coisa doada, pela tradio no pblica, no caso de imveis, auxiliando o respectiva transcrio;

o doador no est sujeito evico (art. 552) ou aos vcios redibitrios (art. 441), salvo nas doaes remuneratrias ou modais, ou quando tiver expressamente assumido tais garantias; O doador, tanto na doao propriamente dita, como na promessa de doao, no responde pelos efeitos de direitos, salvo referncia expressa. No portanto, sujeito evico, ou aos vcios redibitrios, salvo nas doaes remuneratrias ou modais, ou quando tiver expressamente assumido tais garantias. No mesmo princpio, o doador no est sujeito a juros de mora, dada sua decantada liberalidade. A regra geral excluir as garantias dos vcios redibitrios e da evico e o nus de pagar juros de mora, porque no razovel impor esses gravames a quem pratica um liberalidade. No entanto, se demandado para entregar a coisa, responde pelos juros de mora, decorrentes da ao judicial, pois a exceo do artigo refere-se apenas ao direito material. Lembre-se tambm da regra interpretativa do art. 1.057 do antigo diploma, aplicvel doao: Nos contrato unilaterais, reponde por simples culpa o contraente, a quem o contrato aproveite, e s por dolo, aquele a quem no favorea, reformulada, mas com idntico sentido no novo art. 392. o doador responder, portanto, no caso concreto, somente por dolo, ou por culpa grave que a ele equivale. O donatrio, entretanto, no se vinculou a prestao nenhuma, pois o contrato de ndole unilateral. A aposio de encargo, como vimos, no desnatura o princpio geral. No entanto, o donatrio que no cumpre o encargo incorre em mora. Sua obrigao, uma vez aceito o benefcio, receber a coisa doada.

29

6 REVERSO POR PREMORINCIA DO DONATRIO O doador pode estipular a reverso dos bens a seu patrimnio, na hiptese de sobreviver ao donatrio. Essa clusula opera como resolutria do negocio, como efeito retroativo, anulando eventuais alienaes feitas pelo outorgado, recebendo-os o doador livres e desembaraados de quaisquer nus. A hiptese de propriedade resolvel. O donatrio, apesar da clusula, goza do poder de disposio da coisa, salvo se importa a inalienabilidade. A clusula deve constar do escrito, seja pblico, seja particular.No se adapta s doaes manuais, de pequeno valor, que dispensam a forma escrita. Discutia-se acerca da possibilidade de reverso operar-se em favor de terceiro, no sistema de 1916, e no do doador. Embora o artigo em questo no fosse expresso, no se lho probe como em direito comparado, nada impedindo no ordenamento pretrito que isso ocorresse, se for admitido o mecanismo do fideicomisso como negcio jurdico vlido inter vivos. Ver o que dissemos a respeito do instituto do fideicomisso em nossa obra Direito Civil: direito das sucesses. O novo Cdigo houve por bem vedar expressamente a clusula de reverso em favor de terceiros em posio j defendida pelo autor do Cdigo de 1916, Clvis Bevilqua.

30

7 RESOLUO E REVOGAO DAS DOAES A doao pode resolver-se por fatos comuns a todos negcios jurdicos. Todos os defeitos que infirmam os contratos podem atingi-la. Pelo que foi examinado neste estdio, verifica-se que a doao pode configurar negcio resolvel, com estabelecimento de clusula de reverso ou termo. Examinou-se tambm a possibilidade de resoluo por descumprimento do encargo nas doaes onerosas. Neste sentido, o art. 1.181, pargrafo nico: A doao onerosa poder-se revogar por inexecuo do encargo, desde que o donatrio incorrer em mora. O novo Cdigo, no art. 562,estatui: Essa revogao somente materializar-se- por deciso judicial que reconhea o descumprimento, salvo se as pernas houverem por bem distratar-se. Situao peculiar da doao, no entanto, a possibilidade de revogao por ingratido do donatrio, nos termos do art. 1.181 do antigo Cdigo. O art. 555 do novo estatuto acrescenta ainda a inexecuo do encargo como motivao para essa revogao. O desiderato da lei, na hiptese de ingratido, no somente punir o donatrio ingrato, como tambm reparar moralmente o doador. Presume-se o que donatrio, ao aceitar a doao, assume dever de abster-se de praticar atos desairosos contra quem o beneficiou. A configurao dessa ingratido, no entanto, depende da tipificao da conduta do donatrio em uma das dices legais. A conceituao de ingrato no ter, portanto, contedo vulgar ou subjetiva, porque a lei no pode tornar o negcio instvel, para no colocar em risco as relaes scias. A medida excepcional, restritiva, e como tal no admite ampliao, nem pode ficar sob o plio da vontade das partes. H modalidades de doao, no entretanto, que no admitem revogao por ingratido, a saber: as puramente remuneratrias, as oneradas com encargo, as que se fizerem sem cumprimento de obrigao natural e as feitas para determinado

31

casamento. No sento doaes puras, entendeu o legislador, nessa hiptese, no introduzir um elemento de negcio jurdico. Nas doaes em encargos, a revogao poder decorrer do no-cumprimento do encargo, no sendo possvel por ingratido. Contudo, o que paga em razo de obrigao natural, est extinguindo obrigao, razo pela qual no se amolda a possibilidade de ingratido. Nesse caso, no entanto, se doador pagou mais do que o valor da obrigao, nessa parte a doao pura e admite revogao. Tambm a lei exclui possibilidade de revogar por ingratido as doaes feitas em contemplao de determinado casamento. O motivo, sem dvida, no introduzir elemento de instabilidade no matrimnio. A proibio, evidente, no atinge as doaes em geral somente porque o donatrio casado. Vistas as excees, examina-se o numerus clausus do art. 557, que enumera as nicas hiptese de revogao por ingratido, que no permitem extenso nenhuma: IIIIIIIVAtentado contra a vida do doador ou homicdio doloso contra ele Ofensa fsica contra o doador Injria grave e calnia contra o doador Recusa de alimentos ao doador

Prazo decadencial da ao revogatria: O novo Cdigo assumiu expressamente que o prazo de decadncia para a ao revogatria na doao (art. 559). de um ano o prazo decadencial, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato autorizador da revogao. Legitimidade para a ao revogatria: a lei entende personalssimo o direito de unicamente ao doador (art. 560); os herdeiros podem prosseguir na ao iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatrio, se este falecer depois de ajuizada a lide; no caso de homicdio doloso do doador, os herdeiros tero legitimidade para a ao, segundo o atual diploma (art. 561). revogar, atribuindo legitimidade

32

8 - PROMESSA DE DOAO O ordenamento brasileiro admite plenamente doao condicional, assim entendida aquela que se sujeita ocorrncia de um evento futuro e incerto (condio suspensiva), a mesma crtica expendida contra a promessa de doao poderia tambm ser dirigidas doao condicional: exigir o cumprimento do contrato no seria forar uma doao, coagir o doador a praticar uma liberalidade? Tambm no se pode adotar a posio professada pelo Judicirio Portugus. Embora existem semelhanas entre o ordenamento aliengena e o brasileiro, essa soluo absolutamente inadequada para o caso nacional. No se pode aceitar que um contrato seja considerado vlido, mas no possa ser exigido pela via judicial. Tal concluso resultaria em flagrante desrespeito ao princpio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (Constituio Federativa do Brasil, artigo 5, XXXV), alm de representar verdadeira contradio em termos: se o contrato vlido, por que inexigvel? No se argumenta citando o fogo e a aposta, pois que, nesses casos, ou o ordenamento no reconhece a validade jurdica do pacto, considerando-a mera obrigao natural ou os reputa vlidos e eficazes para todos os efeitos. No se pode, porm, concordar com o argumento do professor jurista Monteiro, para quem o Direito Positivo Brasileiro alega de maneira explcita a promessa de doao, motivo por que se tornam inteis essa argumentao.

Demandando estudos anais acurados para uma deciso mais bem fundamentada, considera-se que o contrato de promessa de doao no ordenamento brasileiros, vlidos e eficazes, judicialmente exigveis. Isso significa emprestar, em regra, validade e eficcia a todas as promessas de doao, considerando vlido o recurso ao Poder Judicirio para forar o promitente doador a firmar, efetivar e adimplir o contrato que livre e espontnea vontade, prometeu, com animus donandi, celebrar com o promitente donatrio.

33

Os arts. 462 a 466 do Cdigo Civil tratam do contrato preliminar. Da simples leitura de tais dispositivos se percebe que o tratamento dispensado pelo CC se destina s vrias espcies de contrato, as quais poderiam ao menos em tese , todas elas, ser objeto de um pacto preliminar, obrigatrio nos limites do avenado, de maneira a vincular as partes celebrao de um posterior contrato. A grande controvrsia que buscaremos reportar trata da possibilidade, ou no, de pactuao de uma promessa de doao. A doutrina se divide sobre o tema, e a jurisprudncia, apesar de j formada, ainda no pode ser considerada firme. O intuito do presente trabalho , pois, situar os termos em que posta se encontra a controvrsia, tanto na doutrina quanto na jurisprudncia, apresentando, ao final, nosso posicionamento acerca da questo. A metodologia utilizada foi prioritariamente a analtica, de modo a subsidiar um adequado e sistemtico exame das posies doutrinrias e jurisprudenciais sobre o tema. Embora no possa o jurista descurar do mundo dos fatos, no foi essa a principal preocupao do presente estudo, deliberadamente voltado realidade normativa, que forneceu o corte metodolgico necessrio delimitao do tema. De acordo com a mais abalizada classificao doutrinria, a doao constitui contrato geralmente unilateral [01], gratuito, formal ou solene (geralmente, salvo com relao a bens mveis de pequeno valor) e principal (classificao quantos s obrigaes das partes, aos efeitos patrimoniais, formao e reciprocidade entre contratos, respectivamente). Justamente por essa caracterstica de unilateralidade e gratuidade, costuma-se indicar como elemento essencial no contrato de doao o nimo de liberalidade (animus donandi), sem o qual se pode configurar outra figura contratual, mas no a doao (PEREIRA, 2005: p. 205). No toa que o conceito legal de doao adotado pela quase unanimidade da doutrina expressamente se refere ao elemento da liberalidade: Considera-se doao o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimnio bens ou vantagens para o de outra. Assim, se a verdadeira inteno do suposto doador era remunerar servios prestados pelo donatrio, trata-se, na

34

verdade, de troca (ou permuta) ou de remunerao por prestao de servios, conforme o caso, mas no de verdadeira doao. Corroborando tal entendimento, o art. 540 do CC dispe que "A doao feita em contemplao do merecimento do donatrio no perde o carter de liberalidade, como no o perde a doao remuneratria, ou a gravada, no excedente ao valor dos servios remunerados ou ao encargo imposto". Feitas essas breves anotaes sobre o contrato de doao, passemos anlise da controvrsia sobre a promessa de doao. Persiste a polmica acerca da possibilidade da promessa de doao. Dividemse a doutrina e a jurisprudncia. Pela promessa de doar, o doador compromete-se a praticar uma liberalidade em benefcios do compromissrio donatrio ou terceiro. Admitido sua validade e eficcia, dentro dos princpios gerais dos contratos preliminares, investe-se o beneficirio no direito de exigir o cumprimento do prometido. A dvida maior reside na possibilidade de algum comprometer sua vontade para uma liberalidade. Para os que defendem sua impossibilidade, no h como se admitir uma doao coativa, porque, na impossibilidade da execuo em espcie, de acordo com a regra geral, a obrigao ser substituda por perdas e danos, o que no se amolda gratuidade inerente doao. Entre nossos doutrinadores, despontam como contrrios promessa de doar Caio Mrio da Silva Pereira e Miguel Maria de Serpa Lopes. Forte corrente jurisprudencial os secunda. No entanto, existem tambm argumentos ponderveis em sentido contrrio. Com o peso de sua autoridade, Pontes de Miranda admite que,Se houve pacto de donando, e no doao, o outorgante no doa, isto no conclui o contrato de doao, contrato unilateral, tem o outorgado a pretenso ao cumprimento. Para exerc-lo judicialmente, ou prope ao de preceito cominatrio.

35

9 - PROMESSA DE DOAO COMO CONTRATO O Cdigo Civil , como se sabe, bastante amplo e abrangente ao tratar da figura do contrato preliminar. Tanto assim que tal instituto vem tratado no Ttulo V do Livro I da Parte Especial do Cdigo (Dos Contratos em Geral), e no especificamente com relao a cada tipo contratual. Com base nisso, confirmou-se a construo doutrinria que admite, em princpio, a possibilidade de se pactuar preliminarmente a feitura de qualquer futuro contrato (ao menos em princpio). Trata-se, em verdade, de corolrio do princpio da legalidade (CF, art. 5, II) e da liberdade contratual consagrada no art. 421 do CC (embora, agora, exercida nos limites da funo social do contrato). Seguindo esse entendimento, seria perfeitamente possvel a confeco de um contrato preliminar de doao a promessa de doao. Ao menos em tese, a questo parece pacfica. Os maiores problemas surgem quando se perquire sobre a exigibilidade de tal pacto. A principal funo do contrato preliminar vincular as partes celebrao do contrato principal e futuro, nos termos que venham a pactuar. A grande questo a ser levantada, ento, a seguinte: exigir o cumprimento da promessa de doao no seria desnaturar o prprio contrato principal, uma vez que o cumprimento forado eliminaria qualquer nimo de liberalidade. Diversas so as respostas, e diversas s podem ser, tambm, as conseqncias jurdicas. Podemos enxergar, ao menos num primeiro momento, quatro possveis respostas pergunta sobre a possibilidade de existncia da promessa de doao. Para uma primeira corrente, simplesmente impossvel a existncia de tal figura, de modo que se trata de pacto gerador, apenas, de obrigao natural, moral, e no jurdica. a posio da doutrina clssica, como DE PAGE, SERPA LOPES e CUNHA GONALVES (apud RIZZARDO, 2006: p. 451-452) e Caio Mrio da Silva

36

PEREIRA (2006: p. 257-258). Este ltimo, com percucincia, expe os argumentos contrrios promessa de doao. Acontece que se no pode deixar de encarar o problema sob o aspecto ontolgico, e, assim considerado, a soluo negativa impe-se. da prpria essncia da promessa de contratar a criao de compromisso dotado de exigibilidade. O promitente obriga-se. O promissrio adquire a faculdade de reclamar-lhe a execuo. Sendo assim, o mecanismo natural dos efeitos do prcontrato levaria a esta concluso: se o promitente-doador recusasse a prestao, o promitente-donatrio teria ao para exigi-la, e, ento, ter-se-ia uma doao coativa, doao por determinao da Justia, liberalidade por imposio do juiz e ao arrepio da vontade do doador. No caso da prestao em espcie j no ser possvel haveria a sua converso em perdas e danos, e o beneficirio lograria reparao judicial, por no ter o benfeitor querido efetivar o benefcio. Nada disto se coaduna com a essncia da doao, e, conseguintemente, a doao pura no pode ser objeto de contrato preliminar. Ressalte-se, porm, que para Caio Mrio da Silva Pereira somente a doao pura no pode ser objeto de promessa, considerando o autor perfeitamente possvel a promessa de doao com encargo (2006: p. 258). Tal a posio adotada, tambm, pelo Superior Tribunal de Justia, que aceita a promessa de doao apenas em casos especficos, como na situao de separao dos cnjuges, em que se tem como vlida a promessa de doao em favor da prole: "RECURSO ESPECIAL - AO DE COBRANA - PROMESSA DE DOAO- ATO DE LIBERALIDADE - INEXIGIBILIDADE - PROVIDO O RECURSO DO RU PREJUDICADO O RECURSO DA AUTORA. (...) Invivel juridicamente a promessa de doao ante a impossibilidade de se harmonizar a exigibilidade contratual e a espontaneidade, caracterstica do animus donandi. Admitir a promessa de doao equivale a concluir pela possibilidade de uma doao coativa, incompatvel, por definio, com um ato de liberalidade.(...) Considerando que a presente demanda deriva de promessa de doao pura e que esta inexigvel judicialmente, revele-se patente a carncia do direito de ao, especificamente, em razo da impossibilidade

37

jurdica do pedido. Recurso especial do ru conhecido e provido. Prejudicado o exame do recurso especial da autora.". "DOAO. Promessa de doao. Dissoluo da sociedade conjugal. Eficcia. Exigibilidade. Ao cominatria. O acordo celebrado quando do desquite amigvel, homologado por sentena, que contm promessa de doao de bens do casal aos filhos, exigvel em ao cominatria. Embargos de divergncia rejeitados.". "CIVIL. DESQUITE. PROMESSA DE QUE OS BENS DO CASAL SERIAM DOADOS AOS FILHOS. A promessa de doao obriga, se no foi feita por liberalidade, mas como condio do desquite. Recurso especial conhecido e provido." . De acordo com uma segunda corrente, ao revs, plenamente possvel e juridicamente exigvel a promessa de doao, tal como ocorre com a promessa de compra e venda, por exemplo. Se posicionam autores de relevo, como Karl LARENZ (1959: pp. 179-180), ENNECCERUS, KIPP e WOLFF (apud PEREIRA, 2006: p. 259), Pontes de MIRANDA (1964, v. 46: pp. 261/262) e Arnaldo RIZZARDO (2006: pp. 452-453). Este ltimo autor resume boa parte dos argumentos favorveis ao instituto: O argumento de que a doao perderia a natureza de liberalidade, transformando-se numa doao coativa, se obrigando o promitente-doador a dar cumprimento ao contrato preliminar, no prevalece, eis que a liberalidade, como elemento essencial da doao, se consuma justamente quando o proprietrio promete doar livremente. Este o momento em que se forma o consenso quanto ao nimo de liberalidade, ou o nimo de doar pelo promitente doador, e de aceitar, pelo promitente-donatrio. (2006: p. 452) Washington de Barros MONTEIRO (2001, p. 123) tambm perfilha tal entendimento, noticiando a aceitao do instituto no Direito Positivo Alemo (BGB, art. 2.031) e aduzindo, ainda: Ela no contraria qualquer princpio de ordem pblica e dispositivo algum a probe. (...) De resto, nosso direito positivo, sem destoar dessa doutrina, contempla casos especficos de promessa de doao: a) a Lei n 2.378, de 24 de dezembro de 1954, art. 1, dispe que famlia do expedicionrio falecido o Governo far doao de casa residencial; b) o antigo Cdigo de Caa (Dec.Lei n 5.894, de 20-10-1943, art. 18, revogado pela Lei n 5.197, de 3-1-1967, art. 38) preceituava que as sociedades

38

de tiro poderiam abater pombos domsticos em qualquer poca do ano, desde que se obrigassem a doar s casas de caridade parte das aves abatidas. A esto casos expressivos, em que se encerram promessas de doao. H, por fim, um quarto entendimento considera a promessa de doao vlida mas inexigvel: o pacto juridicamente vlido, mas no pode ser exigido em juzo seu cumprimento forado, sob pena de se desnaturar o negcio jurdico principal. o que se colhe da jurisprudncia do Supremo Tribunal de Justia de Portugal: "I - vlida a promessa de doao. Mas uma coisa a validade da doao e outra a de saber se a mesma passvel de execuo especfica, como determina o art. 830. do CC. II - A natureza da obrigao assumida pelo promitente ope-se pela sua natureza execuo especfica. III - Nos termos do n. 2 do art. 452. do CC, a lei probe a reserva de nomeao, entre outros, nos casos em que indispensvel a identificao dos contraentes. IV - Na doao, quer a pessoa do doador quer a pessoa do donatrio tm que estar determinadas. V - No caso em apreo, da promessa de doao no consta o nome do donatrio, atribuindo-se a uma terceira pessoa a possibilidade de o vir a indicar, pelo que, a promessa de doao tem que se considerar nula e de nenhum efeito."

39

10 - ARGUMENTOS PR E CONTRA A PROMESSA DE DOAO Consideramos vlido o contrato de promessa de doao. Na verdade, como adverte MONTEIRO, apoiado nas lies de MESSINEO: Duas so as razes, uma de ordem histrica, outra de ordem dogmtica, justificativas de semelhante impossibilidade: sempre se entendeu, em todos os tempos, que no podem ser objeto de doao bens futuros; alm disso, deve esta primar pela espontaneidade, operando-se nullo jure cogente, o que se no compadece com o carter vinculatrio inerente obrigao de fazer, contida numa promessa de doao. Nenhum desses argumentos se nos afigura aceitvel. Primeiramente, o fato de no ser admitida a doao de bens futuros em nada influencia a validade ou no da promessa de doao: neste, promete-se doar um bem atual, que j existe, e no um bem futuro. Por outro lado, continua existindo o animus donandi na promessa de doao. Na irrespondvel rplica de RIZZARDO, j reportada, a liberalidade existe no momento de firmar a promessa, irrelevante o fato de ela vir a desaparecer quando da efetivao do contrato (principal) de doao. A esse argumento, acrescentamos dois exemplos. amplamente reconhecida a liberdade de contratar (CC, art. 421), mas se admite plenamente a promessa de compra e venda, tanto que o prprio Cdigo prev, como direito real, o direito do promitente comprador (art. 1.225, VII, e 1.417/1.418). Ora, se se aplicasse promessa de compra e venda o mesmo raciocnio utilizado para impugnar a validade da promessa de doao, ambas deveriam ser consideradas invlidas. Com efeito, se ningum obrigado a contratar, no se poderia aceitar que, por meio de uma promessa, tal evento futuro gerasse um liame obrigacional. A falha dessa argumentao (a liberdade j foi exercida de maneira irretratvel quando da promessa de compra e venda) tambm se apresenta na alegada nulidade da promessa de compra e venda (a liberalidade j existiu na poca da promessa). Por outro lado, o ordenamento brasileiro admite plenamente a doao condicional, assim entendida aquela que se sujeita ocorrncia de um

40

evento futuro e incerto (condio suspensiva). Ora, as mesmas crticas expendidas contra a promessa de doao poderiam tambm ser dirigidas doao condicional: exigir o cumprimento do contrato no seria forar uma doao, coagir o doador a praticar uma liberalidade? Ademais, tambm no se pode adotar a posio professada pelo Judicirio Portugus. Embora existam semelhanas entre o ordenamento aliengena e o brasileiro, aquela soluo absolutamente inadequada para o caso nacional. No se pode aceitar que um contrato seja considerado vlido, mas no possa ser exigido pela via judicial. Tal concluso resultaria em flagrante desrespeito ao princpio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5, XXXV), alm de representar verdadeira contradio em termos: se o contrato vlido, por que inexigvel? No se argumente citando o jogo e a aposta, pois que, nesses casos, ou o ordenamento no reconhece a validade jurdica do pacto, considerando-o mera obrigao natural, ou os reputa vlidos e eficazes para todos os efeitos. No podemos, porm, concordar com o argumento de MONTEIRO, para quem o Direito Positivo brasileiro alberga de maneira explcita a promessa de doao. Os exemplos fornecidos pelo autor e por ns j referidos no passam de obrigaes ex vi legis, no de verdadeiros contratos, motivo por que se tornam inteis nossa argumentao.

41

11 - DA DOAO COMO ATO DE LIBERALIDADE Como j salientamos alhures, o contrato de doao, tal como caracterizado pelo artigo 538 do novo Cdigo Civil, pressupe nimo de generosidade do doador, no sentido de fazer uma liberalidade, transferindo bens do patrimnio do doador para o do donatrio, que se enriquece em detrimento daquele, que empobrece, sem qualquer contrapartida. Trata-se de contrato benfico, em que o doador visa a contemplar o donatrio com uma liberalidade. A doao, consoante dispe o artigo 541 do novo Cdigo Civil, idntico ao artigo 1.168 do Cdigo, de 1.916, com a redao determinada pelo Decreto-lei n 3.725, de 1.919, pode ser feita por escritura pblica ou por instrumento particular. A escritura pblica essencial validade dos negcios jurdicos que visem constituio, transferncia, modificao ou renncia de direitos reais sobre imveis de valor superior a trinta vezes o maior salrio mnimo vigente no Pas (artigo 108). Logo, a doao de bens imveis de valor superior a esse tem de ser feita por escritura pblica. O documento particular pode ser usado na doao de bens mveis. Embora no haja no artigo 541 do novo Cdigo remisso ao artigo 108, como fazia o artigo 1.168 do Cdigo, de 1.916, ao seu artigo 134, o certo que para a doao de imveis de grande valor insta a escritura pblica, nos termos dos artigos 541 e 108 do novo estatuto civil. A doao verbal, conforme dispe o pargrafo nico do artigo 541, ser vlida se versando sobre bens mveis de pequeno valor, se lhe seguir incontinente a tradio. Entretanto, a doao de mveis de grande valor exige documento escrito, ainda que seja instrumento particular. Assim, podem as doaes, no sistema do novo Cdigo Civil, celebrar-se por trs formas: a) por escritura pblica quando tiver por objeto bens imveis de valor superior trinta vezes o maior salrio mnimo do Pas, transferindo propriedade pela inscrio do respectivo ttulo no Registro de Imveis (artigos 108, 541, caput e 1.245, 1);

42

b) por instrumento particular (artigos 221 e 541, caput) em s tratando de bens mveis de grande valor; c) verbalmente com a imediata tradio, constituindo as chamadas doaes manuais dos bens de pequeno valor (artigo 541, pargrafo nico).

43

12 - DO ADIANTAMENTO DOAO EFETIVADA POR ASCENDENTES A DESCENDENTES. Conforme os ditames do artigo 544 do Cdigo Civil brasileiro, a doao feita por ascendentes a descendentes tem o efeito de adiantamento de herana. Citamos, pois, os ditames do artigo 544 do Cdigo Civil: "Art. 544. A doao de ascendentes a descendentes, ou de um cnjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herana". Elucidando o tema e seus procedimentos, temos os ensinamentos da professora Maria Helena Diniz : "O pai poder fazer doao a seus filhos, que importar em adiantamento de legtima, devendo ser por isso conferida no inventrio do doador, por meio de colao". Nesses termos, o descendente que recebe bens de seu ascendente direto, a ttulo gratuito, dever colacion-los no inventrio do doador, para que tal patrimnio recebido seja descontado da parte cabvel no monte hereditrio. Ressalta-se, por oportuno, que a determinao legal para efeitos de adiantamento de herana limita-se linha direta de descendncia, sendo aplicada exclusivamente entre pais e filhos. Elucidando o tema, temos as palavras de Silvio de Salvo Venosa :"Toda doao feita em vida pelo autor da herana a um de seus filhos presume-se como um adiantamento de herana. Nossa lei impe aos descendentes sucessveis o dever de colacionar. Esto livres dessa obrigao os demais herdeiros necessrios, ao contrrio de outras legislaes. Os netos devem colacionar, quando representarem seus pais, na herana do av, o mesmo que seus pais teriam de conferir. Contudo, no est o neto obrigado a colacionar o que recebeu de seu av, sendo herdeiro seu pai, e no havendo representao".

Na mesma esteira do professor acima, temos o entendimento do j citado mestre Arnaldo Rizzardo :

44

"Presume-se adiantamento de legtima a doao levada a efeito de pai a filho". Assim sendo, a doao efetivada por avs a netos no importa efetivamente em adiantamento de herana. A hiptese de adiantamento s ocorre nos casos em que a doao celebrada em favor de algum dos filhos do doador, em detrimento dos demais, oportunidade em que o patrimnio objeto da doao descontado do quinho hereditrio devido ao donatrio (colao). Maiores informaes sobre o procedimento de colao sero repassadas no decorrer do presente estudo.

45

13 -DA DESNECESSIDADE DE CINCIA DOS HERDEIROS NO BENEFICIADOS NO TOCANTE DOAO EFETIVADA. Diferentemente do que ocorre em outros institutos jurdicos, a validade do contrato de doao entre ascendentes e descendentes (pais/filhos - avs/netos) no depende da anuncia dos herdeiros no beneficiados pela transferncia de propriedade. Tal necessidade de anuncia ocorre apenas nos contratos de compra e venda e troca, conforme ditames dos artigos 496 e 533 do Cdigo Civil brasileiro. "Art. 496. anulvel a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cnjuge do alienante expressamente houverem consentido". "Art. 533. Aplicam-se troca as disposies referentes compra e venda, com as seguintes modificaes: II anulvel a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem o consentimento dos outros descendentes e do cnjuge do alienante". Esmiuando o tema, temos os ensinamentos do professor Arnaldo Rizzardo : "Na compra e venda e na permuta, indispensvel o consentimento dos herdeiros no contemplados. Tratando-se de doao, tal acordo desnecessrio".

46

14 - DA COLAO Colao sinnimo jurdico de conferncia de bens no processo de inventrio. O termo deriva do latim collatio, de largo uso no instituto da collatio bonorum, que obrigava apresentao de bens recebidos em vida por certos herdeiros, quando da transmisso hereditria dos bens do antigo titular. Sua acepo jurdica extrada do artigo 2.002 do Cdigo Civil: "Art. 2002. Os descendentes que concorrerem sucesso do ascendente comum so obrigados, para igualar as legtimas, a conferir o valor das doaes que dele em vida receberam, sob pena de sonegao. Pargrafo nico. Para clculo da legtima, o valor dos bens conferidos ser computado na parte indisponvel dos bens, sem aumentar a parte disponvel". A finalidade da colao obter a igualdade das legtimas, em face do sistema jurdico sucessrio de proteo a essa parte da herana que compete aos herdeiros necessrios. No obstante a determinao legal supracitada, o dever de colacionar bens admite excees, notadamente nos termos dos artigos 2.005 e 2.010 do Cdigo Civil. Primordial para o estudo em tela, faz-se necessria a citao do artigo 2.005 e de seu pargrafo nico: "Art. 2.005. So dispensadas da colao as doaes que o doador determinar saiam da parte disponvel, contanto que no a excedam, computado o seu valor ao tempo da doao". "Pargrafo nico. Presume-se imputada na parte disponvel a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, no seria chamado sucesso na qualidade de herdeiro necessrio".

47

Nos termos do pargrafo nico supracitado, imputada na parte disponvel a doao feita a descendente que, ao tempo do ato, no seria chamado sucesso na qualidade de herdeiro necessrio. Em tal hiptese torna-se desnecessria a colao, tendo em vista que o herdeiro em 2 linha (neto) classificado simplesmente como sujeito passivo do contrato de doao, no sendo enquadrado nas determinaes legais referentes aos herdeiros necessrios. Constata-se, pois, que a doao feita a netos, alm de no caracterizar adiantamento de herana (conforme item 2 desse estudo), no pode ser colacionada nos autos do inventrio do doador, visando a prestao de contas aos demais herdeiros.

48

15 - DA DISPENSA DE COLAO Como j mencionamos, o novo Cdigo Civil estabelece, no artigo 2.005, que "so dispensados da colao, as doaes que o doador determinar saiam da parte disponvel, contanto que no a excedam, computando-se o seu valor ao tempo da doao." Consoante o disposto no artigo 2.006 do novo Cdigo Civil, "a dispensa de colao pode ser outorgada pelo doador em testamento ou no prprio ttulo de liberalidade." Relativamente ao artigo 1.789 do Cdigo Civil, de 1.916, que, estabelecia, de modo semelhante, Joo Luiz Alves, no seu esclio, sintetizava que o texto s admitia a dispensa da colao no prprio ttulo da liberalidade ou em testamento posterior, nas formas admitidas pelo cdigo (Cd. Civil anotado, vol. 5, pg. 457). Clovis Bevilaqua, salientava que "a dispensa da colao devia ser expressa e constar do prprio ttulo da liberalidade ou do testamento. Do prprio ttulo, porque a dispensa importa incluso da liberalidade na parte disponvel, apreciada no momento; do testamento, porque ao testador era lcito deixar a sua metade a quem escolhesse, e pelo modo que preferisse" (Cd. Civi1 Com., vol. 6, pg. 1.018): Carlos Maximiliano doutrinava que "a dispensa da colao haveria de ficar exarada no prprio ato, em que se consignou a liberalidade, ou em testamento. Inserida em escritura posterior, ou declarada oralmente, embora a respeito de alguns dons manuais, nada vale. A dispensa posterior s em ato de ltima vontade apareceria com eficincia, pois seria mera disposio causa mortis, e doao causa mortis, no mais se pode fazer (Direito das Sucesses, vol. III, n 1.586, pg. 442). Washington de Barros Monteiro explcito no sentido de que "Todo descendente que, em vida do ascendente, haja sido por ele beneficiado, se obriga a conferir o que recebeu, quando falecer o autor da liberalidade. Mas pode este dispensar a conferncia, desde que determine, em termos claros, e explcitos, saiam de sua metade disponvel as doaes. Podia ele, realmente, deixar-lhe a poro disponvel por testamento. Nada impede, portanto, que beneficie o herdeiro, dispensando-o da colao. Essa dispensa, porem, h de ser outorgada no prprio ttulo constitutivo da

49

liberalidade, ou ento por testamento. S nesses casos taxativos vale a dispensa, no podendo esta manifestar-se de outro modo, ainda que autntico".(Curso de Direito Civil, pg. 300). Pontes de Miranda, tocando de leve no assunto, assinala que "a dispensa coloca a liberalidade na poro disponvel, de modo que no se h de procurar a inteno do de cujo quando doou a descendentes, herdeiros necessrios. O que se exige que as liberalidades, ao descendente, ou aos descendentes, ou a ele, ou eles, e a estranhos caibam na poro disponvel, ao tempo das liberalidades. A dispensa pode ser total, ou parcial, condicional ou incondicional. A insero pode ser no prprio ttulo de liberalidade, ou em testamento. A lei fala de prprio ttulo da liberalidade e de testamento" (Tratado de Dir. Privado, vol. 60, 6.019, 2, pg. 340). Orlando Gomes, sobre a matria, lecionava que "so pressupostos da colao: a) a ocorrncia de doao de ascendente a descendente; b) a participao do donatrio na sucesso do doador; c) o concurso entre o donatrio e outros descendentes do doador, do mesmo grau. A obrigao de conferir inexigvel, entretanto, se dispensada pelo prprio doador. A dispensa pode ser feita em testamento, ou na prpria escritura de doao. negcio jurdico autnomo,conquanto instrumentalmente unido a um dos dois atos pelos quais deve, necessariamente, expressar-se" (Sucesses, n 230, pg. 292 e seg.). Slvio Rodrigues, j examinando o artigo 2.006 do novo Cdigo Civil, do mesmo modo que os comentadores citados ao focalizarem o artigo 1.789 do cdigo anterior, de semelhante redao, deixa claro o seguinte: "A dispensa da colao ato formal que s ganha eficcia se efetuada por testamento, ou no prprio ttulo de liberalidade (CC, artigo 2.006). Esta ltima hiptese prefervel. Na escritura de doao, o doador declara que a liberalidade no precisa ser conferida, pois a deseja includa em sua quota disponvel. Contudo, isso nem sempre possvel, ou por tratar-se de doao de bens mveis, que dispensam a formalidade da escritura, ou porque possvel que a deliberao do doador, de dispensar a colao, seja posterior doao. Neste caso, a dispensa deve ser ultimada por testamento.

50

Qualquer outra maneira de efetuar a dispensa ineficaz" (Dir. Civil, Direito das Sucesses, vol. 7, n 182, pg. 313). V-se, pois, que tanto sob a incidncia do artigo 1.789 do Cdigo Civil, de 1.916, como, atualmente, sob a invocao do artigo 2.006 do novo Cdigo Civil, a dispensa da colao s pode ser outorgada pelo doador mediante insero expressa: a) no prprio ttulo de liberalidade; b) ou em testamento. Sendo ato formal, que por expressa exigncia do artigo 2.006 do novo Cdigo Civil, subordinada forma do ato de liberalidade do doador ou do testamento se naquela no houve insero expressa de dispensa, somente desse modo produz efeitos jurdicos a dispensa de colao.

51

16 - DOAO, ANTECIPAO E PARTILHA EM VIDA Freqentemente, confundem-se, na prtica, os institutos da doao, da antecipao de legtima e da partilha em vida, o que dificulta a atividade do operador do Direito. Por isso, esses institutos merecem anlise detida. De incio, cumpre abordar o conceito de doao e as limitaes impostas por lei. O art. 1.165 do Cdigo Civil conceitua o instituto nos seguintes termos: "considerase doao o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimnio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita". O novo Cdigo Civil brasileiro reproduz, praticamente, a redao do Cdigo atual. Eis o teor do art. 538 do projeto: "considera-se doao o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimnio bens ou vantagens para o de outra". Portanto, o projeto suprimiu, apenas, pequeno trecho da norma em vigor, qual seja: "que os aceita". Embora o novo Cdigo Civil brasileiro tenha eliminado do conceito de doao a necessria concordncia do donatrio, o art. 539 do projeto possui regra, anloga do art. 1.166 do Cdigo Civil em vigor, segundo a qual o doador pode fixar prazo ao donatrio, para declarar se aceita, ou no, a liberalidade. Resta claro, portanto, que, apesar de no constar do texto do art. 538 daquele projeto, indispensvel continuar sendo a aceitao da liberalidade. No direito comparado, encontram-se conceitos semelhantes do instituto da doao, como, por exemplo, no direito portugus: "doao o contrato pelo qual uma pessoa, por esprito de liberalidade e custa do seu patrimnio, dispe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigao, em benefcio do outro contraente" (art. 940). O art. 1.171 do Cdigo Civil prescreve que "a doao dos pais aos filhos importa adiantamento de legtima". A legtima a parte do patrimnio que constitui a herana forada dos herdeiros necessrios, isto , dos descendentes e, na falta deles, dos ascendentes, por fora do disposto no art. 1.721 do Cdigo Civil: "o testador que tiver descendente ou ascendente sucessvel no poder dispor de mais da metade de seus bens; a outra pertencer de pleno direito ao descendente e, em sua falta, ao

52

ascendente, dos quais constitui a legtima, segundo o disposto neste Cdigo (arts. 1.603 a 1.619 e 1.723)". O novo Cdigo Civil, no art. 1.846, assegura, tambm, o direito legtima: "pertence aos herdeiros necessrios, de pleno direito, a metade dos bens da herana, constituindo a legtima". O art. 544 do projeto possui o seguinte teor: "a doao de ascendentes a descendentes, ou de um cnjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herana". A referncia aos cnjuges decorre do fato de que, no regime a ser adotado, eles sero herdeiros necessrios um do outro, conforme a redao do art. 1.645 do projeto: "so herdeiros necessrios os descendentes, os ascendentes e o cnjuges". A legtima corresponde metade dos bens que o inventariado possuir ao falecer, acrescida das doaes feitas aos descendentes, nos termos do art. 1.722, pargrafo nico, do Cdigo Civil vigente. O instituto da colao visa igualar, no processo de inventrio, as legtimas dos herdeiros. Ou seja, aquele herdeiro necessrio que recebeu por ato de liberalidade e em vida algum bem deve consider-lo (ou o valor correspondente) no processo de inventrio, a fim de que no receba nada alm do que for destinado aos demais. Registre-se que a doao, como antecipao de legtima, constitui contrato inter vivos, produzindo, desde logo, seus efeitos, conforme lio de MRIO ROBERTO CARVALHO DE FARIA1 . O posterior falecimento do doador no altera tal situao. Os frutos do bem, objeto da colao, pertencem, exclusivamente, ao donatrio, segundo CAIO MRIO DA SILVA PEREIRA , WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO3, CLVIS BEVILAQUA e CARVALHO SANTOS5. Por isso, acrescento que o esplio no possui qualquer direito ao uso e/ou fruio do bem doado em vida. Uma vez que a pessoa pode dispor, livremente, sobre a metade do seu patrimnio (disponvel), ainda que possua herdeiros necessrios, a lei autoriza a dispensa da colao, conforme o art. 1.788 do Cdigo Civil em vigor: "so dispensados da colao os dotes ou as doaes que o doador determinar que saiam de sua metade, contanto que no a excedam, computando o seu valor ao tempo da

53

doao". O art. 2.005 do novo Cdigo Civil possui a seguinte redao: "so dispensadas da colao as doaes que o doador determinar saiam da parte disponvel, contanto que no a excedam, computado o seu valor ao tempo da doao". Por sua vez, o art. 1.176 do Cdigo Civil atual versa acerca da doao inoficiosa, ou seja, aquela que excede a metade disponvel: "nula tambm a doao quanto parte, que exceder a de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento". O art. 549 do novo Cdigo Civil reproduz, textualmente, a norma inserta no art. 1.176. CARVALHO SANTOS esclarece que, realizadas inmeras doaes, deve-se reduzir, primeiro, a mais recente, no todo ou em parte, e assim sucessivamente, at que se assegure a legtima. O doador no pode jamais dispor sobre mais do que a metade do seu patrimnio, caso tenha herdeiros necessrios. Tal doao revelar-se- inoficiosa, na parte que ultrapassar a metade disponvel. Quando o donatrio for filho do doador, a doao importa antecipao de legtima. Dever, nessa hiptese, o herdeiro, no processo de inventrio, trazer colao o bem (ou a importncia respectiva), para igualar as legtimas. Pouco importa se a doao ao filho excedeu (ou no) a metade disponvel. Tal questo ser deduzida, sempre, no processo de inventrio. Se o beneficirio do ato de liberalidade no for herdeiro necessrio, cabvel ser a ao de reduo, para afastar o excesso. A legitimidade ativa compete aos herdeiros necessrios. Discute-se se a reduo da doao, por ser inoficiosa (exceder a metade do patrimnio do doador), pode ser pleiteada antes do falecimento deste. Por bvio, a questo acerca do marco inicial para se demandar a ineficcia da doao acarretar conseqncias importantes, principalmente no que diz respeito ao prazo

54

prescricional. Para o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA, o prazo de 20 (vinte) anos. Boa parte da doutrina admite a propositura dessa demanda judicial (ao de reduo) ainda em vida do doador, atribuindo legitimidade ativa quelas pessoas que seriam herdeiras, no momento da liberalidade, "como se o doador j houvesse falecido", nas palavras de SERPA LOPE. ARNOLDO WALD sustenta que a maioria dos doutrinadores defende a tese da possibilidade da propositura da demanda antes do bito do doador, relacionando: CLVIS BEVILAQUA, HERMENEGILDO DE BARROS e CARVALHO SANTOS. Da mesma forma, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA reconhece o direito do futuro herdeiro pleitear, desde logo, a reduo da doao inoficiosa. SLVIO RODRIGUES aborda as 2 (duas) correntes doutrinrias, concluindo que, entre os interesses do herdeiro, para quem seria melhor propor a ao de reduo aps o falecimento do doador (temor reverencial; risco de retaliao e etc.), e o da sociedade, que no pode aguardar vrios anos, para que se encerre a questo acerca da possibilidade ou no de reduo da liberalidade (segurana jurdica das relaes), se deve proteger os interesses da sociedade. Embora a lei proteja os direitos dos futuros herdeiros, vedando atos de liberalidade, que possam vir a prejudicar a legtima, no se pode negar que, ao distribuir a ao de reduo antes do bito do doador, se pretenda herana de pessoa viva, o que ofende a lei e o senso comum. Por isso, CARLOS MAXIMILIANO afirma, categoricamente, a impossibilidade de se propor, antes da abertura da sucesso, a demanda judicial, visando a reduo do ato inoficioso, referindo-se, inclusive, a antigo brocardo jurdico: nulla viventis haereditas ("no h herana de pessoa viva"). Em seu apoio, CARLOS MAXIMILIANO cita farta doutrina estrangeira: PLANIOL & RIPERT, TROPOLONG, DEMOLOMBE, LAURENT, ALAS ARGUELLES e POLLACCO, dentre outros. Neste passo, cumpre-me fazer pequena digresso a respeito da possibilidade de se propor, ainda em vida do doador, a ao de reduo, visto que, apesar dos

55

entendimentos doutrinrios e jurisprudenciais em sentido contrrio, creio ser descabida a propositura desta demanda judicial antes da morte do doador. Admitida a propositura da demanda judicial, para a reduo da liberalidade ainda em vida do doador, o excedente retornar ao patrimnio do prprio doador, em caso de vitria. Proposta aps o falecimento dele o que sobejar ser partilhado entre os herdeiros necessrios, tudo conforme ensinamento de CLVIS BEVILAQUA. Esclarea-se que os credores do esplio, nesta ltima hiptese, no tero qualquer direito sobre os bens transferidos em excesso. Nesse contexto, no seria demais dizer que, sendo proposta a demanda antes do bito do doador, o "virtual" herdeiro estaria pleiteando em nome prprio direito alheio. Ora, a procedncia do pedido importa num benefcio direto para o doador. E o bem s ser destinado (partilhado ou adjudicado) ao autor da demanda judicial, pretenso herdeiro, quando da abertura da sucesso, caso ele (o bem) ainda pertena ao doador (benefcio indireto e eventual). Salvo engano, inexiste norma jurdica que permita essa substituio processual (art. 6 do CPC). At porque, se houvesse, incua seria a discusso acerca do momento adequado para se deduzir, em juzo, tal pleito. A lei prescreve, apenas, a ineficcia da parte excessiva do ato de liberalidade, nada dispondo acerca do momento da propositura da demanda judicial. Acrescento, assim, o argumento da ilegitimidade do "eventual" herdeiro, para, em vida do doador, buscar a reduo do ato de liberalidade, visto que o beneficirio direto e, talvez, nico ser o prprio doador. O mais provvel que, at mesmo por retaliao, o "pretenso" herdeiro no desfrute das vantagens da demanda judicial, por ele proposta. Lembrando que o futuro herdeiro no pode intervir, como assistente, nas demandas em que, por exemplo, se reivindica bem do patrimnio do pai. Jurisprudncia e doutrina no divergem neste ponto. Ora, se ele pode pleitear a reduo ainda em vida do doador, a fim de salvaguardar a legtima, por que no lhe autorizam figurar como mero assistente naquela outra demanda judicial?

56

Por fim, proposta a demanda antes da abertura da sucesso, a procedncia do pedido de reduo importar, como se viu, num benefcio para o doador, consistente na restituio ao patrimnio dele da parcela excessiva. Ocorre que, numa ao de reduo, o doador dever, necessariamente (litisconsrcio passivo necessrio), figurar no plo passivo. Isto , o ru ser o nico beneficiado apesar da sentena lhe ser desfavorvel. Nada mais incongruente! Por essas razes, no concordo com a doutrina e a jurisprudncia dominantes, no sentido de que se possa propor, ainda em vida do doador, a ao de reduo. De qualquer forma, distribuda a ao de reduo, antes ou depois do bito do doador, calcula-se a disponvel na data da doao (e no do falecimento), conforme o art. 1.176 do Cdigo Civil, dispositivo copiado, textualmente, no projeto de Cdigo Civil (art. 549). Por outro lado, os bens doados, sem dispensa de colao (como antecipao de legtima), devem ser conferidos no processo de inventrio, para igualar os quinhes dos herdeiros necessrios. O art. 1.792 do Cdigo Civil em vigor determina que "os bens doados, ou dotados, imveis, ou mveis, sero conferidos pelo valor certo, ou pela estimao que deles houver sido feita na data da doao". De acordo com este dispositivo, na verificao do valor do bem trazido colao, deve-se levar em conta o momento da liberalidade. Entretanto, o pargrafo nico do art. 1.014 do Cdigo de Processo Civil, que versa sobre a colao, assevera que "os bens que devem ser conferidos na partilha, assim como as acesses e benfeitorias que o donatrio fez, calcular-se-o pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucesso". A norma processual posterior alterou a sistemtica do Cdigo Civil, determinando que se apure o valor do bem, para efeito de colao, ao tempo do falecimento, afastando a regra, positivada no Cdigo Civil, que determinava a data da doao.

57

As 2 (duas) regras possuem a mesma hierarquia e versam sobre a mesma hiptese. Assim, a norma posterior derrogou a anterior, segundo lio de ARNOLDO WALD. No se pode, no entanto, concordar com a aplicao dessa nova norma (valor na data do bito) para a hiptese de reduo do ato de liberalidade por exceder a disponvel, como parece sugerir CAIO MRIO DA SILVA PEREIRA. O art. 1.176 do Cdigo Civil no foi derrogado pelo pargrafo nico do art. 1.014 do CPC, pois tratam de hipteses distintas (um doao inoficiosa e o outro colao). A norma processual (art. 1.014, pargrafo nico, do CPC) derrogou, apenas, o art. 1.792 do Cdigo Civil. Por fim, analisa-se o instituto da partilha em vida, positivado, no Cdigo Civil atual, no art. 1.776: " vlida a partilha feita pelo pai, por ato entre vivos ou de ltima vontade, contanto que no prejudique a legtima dos herdeiros necessrios". O art. 2.018 do novo Cdigo Civil substitui, to somente, a palavra "pai" por "ascendente", mais genrica. No resto, o texto idntico ao em vigor. Relembre-se, apenas, que, como j exposto, no novo regime, os cnjuges sero, tambm, herdeiros necessrios, segundo o art. 1.645 do projeto. Nesse caso, o ascendente distribui, por ato entre vivos, todos os seus bens. Os herdeiros necessrios recebem, antes do bito dele, a legtima, calculada no momento da partilha em vida (e no do posterior bito). Tal instituto no se confunde com a doao. O ascendente no pratica, em essncia, um ato de liberalidade, mas sim cumpre as disposies legais acerca da distribuio dos bens entre os herdeiros, como se falecido fosse. No h posterior processo de inventrio, salvo se o ascendente adquirir mais algum bem aps a partilha em vida; nem se confere os bens em colao, pois no se trata de antecipao de legtima. Prope-se, se for o caso, demanda judicial, visando a reduo, a anulao ou a nulidade da partilha em vida, quando ilegal ou errnea. Importa mais a vontade do ascendente (distribuir seus bens entre os herdeiros) do que o nome que se atribui aos atos de disposio, nos termos do art. 85 do

58

Cdigo Civil (o art. 112 do novo Cdigo Civil possui norma semelhante), conforme, tambm, a jurisprudncia do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA. Da mesma forma, o ascendente pode, respeitada a legtima, dispor, como quiser, da metade disponvel. Necessria, por outro lado, a concordncia dos herdeiros, seja no prprio instrumento de transmisso dos bens seja em instrumento posterior, quando se tratar de partilha em vida. Na hiptese de mera doao, dispensvel tal concordncia de todos os herdeiros. A doutrina admite que o ascendente reserve, para si, bens, visando o prprio sustento. Insista-se que os bens, partilhados em vida, no sero arrolados em posterior processo de inventrio, apenas aqueles reservados e os adquiridos aps a partilha em vida. A falta aos herdeiros interesse na propositura da ao de reduo, quando o beneficirio do ato de liberalidade for outro herdeiro necessrio, visto que, pelo instituto da colao, as legtimas sero igualadas no processo de inventrio. A ao de reduo dever ser proposta somente na hiptese em que o donatrio for terceiro, conforme ensinamento de PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO. Por fim, promovida a partilha em vida, no se realiza, sequer, o processo de inventrio, salvo se o autor da herana adquirir, posteriormente, outros bens ou tiver reservado para si algum bem. A discusso acerca da legalidade da partilha em vida, seja por ofensa legtima, seja por qualquer outro motivo, travar-se- numa ao de reduo, anulao ou nulidade, conforme o caso. Nunca no processo de inventrio. Este, muitas vezes, nem ser aberto pela ausncia de bens a partilhar (o patrimnio foi transferido em vida).

59

17 - DA OBRIGAO DE CONFERIR AS DOAES RECEBIDAS Consoante j expusemos, alhures, pelo que dispe o artigo 2.002 do novo Cdigo Civil, ao ocorrer a abertura da sucesso do ascendente, os descendentes que a ela vierem concorrer so obrigados, para igualar as legtimas, a conferir o valor das doaes que daquele em vida receberam. O valor dos bens conferidos computado na parte indisponvel sem aumentar a parte disponvel. No prazo estabelecido pelo artigo 1.000 do CPC, o descendente obrigado colao conferir por termo nos autos o valor dos bens que recebeu, por ato de liberalidade de seu ascendente. A colao visa a igualar, na proporo estabelecida no recente Cdigo Civil, as legtimas dos descendentes e do cnjuge sobrevivente (artigo 2.003). Por esse motivo, os donatrios que, ao tempo do falecimento do ascendente, que fez a doao, j no mais possurem os bens doados, tambm ficam obrigados colao pelo valor das doaes. Pelo que se depreende do artigo 2.004 do novo Cdigo, "o valor da colao dos bens doados ser aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade". Se do ato no constar o valor certo nem estimativo, sero os bens conferidos na partilha pelo valor que ento se calcular valessem ao tempo da liberalidade. O valor das benfeitorias no entram (pargrafo nico do artigo 2.004).

60

18 - DA REDUO DAS DOAES No artigo 2.007, o novo Cdigo estabelece que so sujeitas reduo as doaes em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade. Desse modo, tendo sido feitas doaes a descendentes ou ao cnjuge, esto elas sujeitas colao, para igualar as legtimas (artigos 544 e 2.002 do novo Cdigo Civil). No caso de ter sido feita doao a herdeiros ou estranhos, no poderia ultrapassar o que poderia o doador dispor em testamento (artigo 549 e 2.007), devendo ser reduzidas ao limite legal o que exceder a parte disponvel do testador (artigo 1.967). O excesso ser apurado com base no valor que os bens doados tinham no momento da liberalidade ( 1 do artigo 2.007), em relao doao inoficiosa, que vulnera a legtima. No pargrafo 2 do artigo 2.007 est expresso que "a reduo da liberalidade far-se- pela restituio ao monte do excesso assim apurado; a restituio ser em espcie, ou, se no mais existir o bem em poder do donatrio, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucesso, observadas, no que for aplicveis, as regras deste Cdigo sobre a reduo das disposies testamentrias." Nos termos do 3 desse artigo 2.007, sujeita-se a reduo, consoante dispe o 2 desse artigo, a parte da doao feita a herdeiros necessrios que exceder a legtima e a parte disponvel. Sendo vrias as doaes a herdeiros necessrios, feitas em diferentes datas, sero elas reduzidas a partir da ltima, at a eliminao do excesso. o que determina o 4 do artigo 2.007.

61

19- DOAO DIREITO PENAL A viglia pelo controle da interveno penal limitativa dos excessos nas interrelaes sociais, mediante intransigente defesa do princpio da legalidade, cuja perspectiva obviamente neutra, a necessidade de fazer uma clara opo em defesa de outros caracteres prprio do Estado Social e Democrtico de Direito, cuja perspectiva marcada pela poltica, para alm da correta aplicao da lei, o Ministrio Pblico passa a representar uma instncia com direcionamento ideolgico em favor de uma igualdade material que requisito bsico dos nveis de liberdade exigidos por regime democrtico. Isso significa a adoo de uma perspectiva igualitria, transcendente mera dogmtica, que admite criminologia e poltica criminal como filtros interpretativos do Promotor de Justia no Processo Penal. Torna-se indispensvel adoo de referentes como uma postura de mnima interveno, de considerao de fatores como uma postura de mnima interveno, de considerao de fatores sociais como interpretativos? Ampliao da perspectiva de defesa individual frente ao interesse coletivo, com um desenvolvimento de uma poltica institucional que alcance as dimenses propostas, convm volver os olhos s perspectivas de atuao que oferece o Direito Penal Moderno, situando os pontos em que a dogmtica expressa pela legislao e jurisprudncia ptrias devem ser abandonadas em prol de um redimensionamento do fenmeno do controle penal. Atualmente, as exigncias sociais levaram o Direito Penal Moderno a um ponto de quase saturao ao perder sua caracterstica de instrumento de interveno, seu perfil de formalizao certeza que se convertendo em um instrumento meram