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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A ESCOLA CENTRADA NA CRIANÇA Por: Luciene Rodrigues Rochael Galvão Orientadora Prof. Adriana Spinelli Belo Horizonte/Minas Gerais 2009 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · as fases evolutivas da Infância. Chama a atenção o fato de que, apesar de todo o avanço tecnológico existente no mundo em que

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A ESCOLA CENTRADA NA CRIANÇA

Por: Luciene Rodrigues Rochael Galvão

Orientadora

Prof. Adriana Spinelli

Belo Horizonte/Minas Gerais

2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A ESCOLA CENTRADA NA CRIANÇA

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Cândido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Educação Infantil e

Desenvolvimento.

Por: Luciene Rodrigues Rochael Galvão

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AGRADECIMENTOS

Sobretudo à Deus, pela ‘graça’ da vida,

ao meu esposo, Fernando Reis, pela

compreensão e incentivo, a minha

amiga Kênia Cunha, pelo apoio no

estágio e motivação; aos profissionais

e familiares que contribuíram para que

este trabalho se concretizasse.

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A minha mãe Angela, educadora e

pedagoga, exemplo maior de

perseverança e dedicação; a minha

filha Tarsila, inspiração e motivação em

todos os momentos; ao meu pai

Gabriel, que me ensinou desde muito

pequena, o prazer de estudar e a

busca pelo conhecimento; e a todas as

crianças que estão deixando de viver

seu tempo de ser criança e de ter

infância...

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RESUMO

As transformações que a educação infantil vem sofrendo, requerem,

cada vez mais, estudos, pois as transições históricas e sociais dos processos

pedagógicos mostram-se ainda incipientes no que se refere às complexidades

das novas tendências educacionais. Cada escola, ao desenvolver seu projeto

pedagógico, delata valores e práticas veiculadas pela sociedade.

A infância constitui-se um campo de estudos e de análise. De fato,

nunca se viu tantas mudanças e reformulações em termos educacionais como

nesta última década, o que se faz refletir se tais mudanças representam novas

formas de se compreender a infância ou se simplesmente ela está

desaparecendo.

E quando buscamos entender o lugar da criança na cultura, superada

pelo poder econômico, vê-se que a criança de hoje é diferentemente da de

ontem. Além da sua “adultização”, sua educação foi “terceirizada”. As famílias

contemporâneas revelam práticas de educação com seus filhos conforme

valores que lhes parecem adequadas ou convenientes. Afinal, o que é

específico da criança ou da infância? O que as caracterizam? Quais as suas

reais necessidades?

O objetivo do presente estudo é contribuir para essa reflexão,

repensando a infância na sua dimensão mais ampla. Sem a pretensão de

apresentar conceitos originais e soluções imediatas, ou mesmo de esgotar

cada um dos temas, o que se busca nesse estudo é dar-se conta de que entre

educação e infância surgem discursos e saberes que não só produziram, mas

que também produzem o “ser infantil” de hoje, desse momento. Sabe-se que

ser criança não significa ter infância e que, estar na educação infantil não

significa ter infância.

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METODOLOGIA

Para que um trabalho científico seja válido, e atenda à demanda do

pesquisador, deve ser estruturada, sistematizada e se faça sob a égide de uma

metodologia técnica preconizada e exigida pela ciência.

Este estudo fundamenta-se em princípios científicos e, para que

apresentasse um bom desenvolvimento de pesquisa bibliográfica, demanda

considerar as seguintes fases:

A identificação das fontes, procura de catálogos de livros e outras

publicações relacionados ao objeto de pesquisa, consulta a especialista ou

pesquisadores da área; consultas a bibliografias citadas em livros e revistas. A

localização das fontes e obtenção do material foi realizada por obtenção das

obras e empréstimos de material.

Dentre os teóricos que contribuíram de forma significativa para a

realização dessa pesquisa, destacam-se: Rudolf Steiner e Carl Rogers.

Rudolf Steiner foi filósofo, escritor, educador, cientista e fundador da

Antroposofia, (do grego "conhecimento do ser humano"), introduzida no início

do século XX, que se caracterizada como uma ciência de conhecimento da

natureza do ser humano e do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo

método científico convencional. Steiner difundiu a Antroposofia em

praticamente todas as áreas da vida humana: na Pedagogia Waldorf, na

agricultura biodinâmica, na medicina antroposófica e na Eurritimia. Tornou-se

profundo conhecedor da obra de Goethe, escrevendo inúmeras obras sobre

este, dedicando-se à explicação do pensamento do autor alemão. Ao mesmo

tempo escrevia sobre assuntos filosóficos. Entre outras obras, dedicou-se

principalmente aos campos da Organização Social, Agricultura, Arquitetura,

Medicina, e Pedagogia; também Farmacologia e no tratamento de crianças

com a Síndrome de Down, dentro da Pedagogia Curativa.

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Steiner obteve reconhecimento mundial. Em todos os continentes

surgiram centros de atividades antroposóficas como desdobramentos práticos

da Ciência Espiritual por ele desenvolvida. Ao todo, Rudolf Steiner publicou 40

livros e realizou cerca de 6.000 palestras agrupadas em 270 volumes.

Carl Rogers e a sua obra marcaram de maneira indelével não só a

psicologia, mas também a psicoterapia em geral, pela sua contribuição no

campo científico. É importante destacar que Rogers publicou mais de 250

artigos, cerca de 20 livros, sozinho ou em colaboração com outros autores, e

foram ainda realizados cerca de 12 filmes sobre o seu trabalho, deixando um

elevado número de documentos sonoros e audiovisuais que exemplificam a

sua atividade.

A sua obra e as suas idéias nos múltiplos campos do humano são

incontornáveis e parece-nos poder afirmar que não há nenhum psicólogo,

psicoterapeuta ou pedagogo de qualquer escola ou tendência, que não se

tenha já deparado, num momento ou noutro da sua formação, com algum dos

textos ou alguma referência ao trabalho desenvolvido pelo autor.

Quer se trate de "Orientação Não Diretiva" em psicoterapia, de Terapia

Centrada no Cliente, de Abordagem Centrada na Pessoa, de Pedagogia

Centrada no Aluno, ou Experiencial, de Grupos de Encontro, de Gestão de

Recursos Humanos ou de Gestão de Empresas, de Mediação de Conflitos

Sociais, Políticos ou Raciais, a sua ação ao longo deste século foi de um

contínuo empenho no caminho da liberdade e da libertação das forças que no

humano são motoras de atualização de potencialidades.

A leitura do material selecionado dividiu-se em leitura exploratória

(rápida e com objetivo de verificar o grau de interesse da obra consultada à

pesquisa), leitura seletiva (objetiva a escolha do material que realmente

interessa à pesquisa), leitura analítica (objetiva ordenar e sumariar criticamente

as informações contidas nas fontes) e leitura interpretativa (objetiva relacionar

o pensamento com o problema que a pesquisa se propõe).

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A tomada de apontamentos consistiu em realçar, com sublinhadas, por

exemplo, os pontos principais da leitura. Já a confecção de anotações foi

realizada após a leitura e tomada de apontamentos com os objetivos de

identificação das obras consultadas, registro do conteúdo das obras, registro

dos comentários acerca das obras e ordenação dos registros.

Finalmente o trabalho de redação: redação do estudo científico

explicitando os resultados da pesquisa.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I: Desvendando o Crescimento: as fases evolutivas da

infância.

1.1 A conquista do andar, falar e pensar.

1.2 O aprendizado da linguagem.

1.3 O despertar do pensar.

1.4 O nascimento do “eu”.

1.5 Dos cinco aos seis anos.

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CAPITULO II: A Infância hoje.

2. 1 A Educação Infantil na atualidade. 22

CAPITULO III: Educação Centrada na Criança.

3.1 A importância da escola no desenvolvimento psicossocial

da criança.

3.2 A Teoria da aprendizagem de Carl Rogers.

3.3 Como é a escola centrada na criança?

27

CAPÍTULO IV: A criança e o Brincar. 40

CONCLUSÃO 46

BIBLIOGRAFIA 49

ÍNDICE 52

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INTRODUÇÃO

A sociedade está envolvida num turbilhão de pressuposições culturais

sobre como criar e educar a próxima geração. No mundo atual, a principal

mensagem é que não é mais suficiente que crianças aprendam

independentemente, como ocorreu durante milênios, levados pela curiosidade

e com a ajuda de membros da família, quando surgem oportunidades de

ensino.

O tema deste estudo trata da educação infantil, uma proposta de

aprendizado centrado na criança, nas suas condições e para a formação da

pessoa. As crianças estão satisfeitas com esses espaços que lhe são

destinados cada dia menos diferenciados do ensino fundamental e mais

distantes de suas necessidades? A educação infantil que se deseja está

presente nas instituições?

A questão central deste trabalho propõe discutir a prática nas escolas de

Educação Infantil. Estaria a educação infantil estimulando e intensificando o

desenvolvimento de habilidades de competências adultas em detrimento do

desenvolvimento afetivo e emocional?

O tema sugerido é de fundamental relevância, pois, sem dúvida, nossa

cultura necessita de pessoas capazes de uma efetiva mudança, num processo

contínuo. Precisamos de uma educação que tenham essas qualidades, e que

possam, por sua vez, desenvolver pessoas que tenham essas mesmas

qualidades, para estar à altura do mundo moderno. Sendo assim, como poderia

a escola preparar a criança para o futuro, se sabemos quão lentamente a

educação absorve as mudanças, o quão lentamente as incorporará, tentando

tornar-se, portanto, cada vez mais um ambiente artificial e distante do “mundo”

da criança? As escolas estariam contribuindo para a formação de um

“analfabetismo emocional”? Em que paradigmas a educação contemporânea é

baseada?

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São portanto, objetivos dessa pesquisa: refletir sobre os paradigmas que

norteiam educação contemporânea; discutir sobre as reais necessidades da

educação infantil e seu desenvolvimento integral; analisar sobre a infância atual

e a importância do “brincar” como forma de aprender.

No primeiro capítulo, será apresentado um panorama sobre o

desenvolvimento infantil à luz da Antroposofia, abordando os aspectos

biopsicofísicos.

No segundo capítulo, abordaremos sobre o conceito da infância,

construída em um contexto sóciohistórico, e manter um olhar específico sobre

a infância em nosso tempo. Explanaremos sobre ao cenário atual da educação

infantil, o quanto nas escolas tem se predominado as atividades preparatórias

para a leitura e escrita em detrimento do brincar, desde os primeiros estágios

infantis.

No terceiro capítulo, discorreremos sobre a educação infantil, propondo

uma estruturação do aprendizado para a educação infantil, cujo centro seja a

criança, estabelecendo princípios básicos que possam permitir a sua

consecução, e tendo como ponto de partida a educação humanista de Carl

Rogers e a Pedagogia Waldorf de Rudolf Steiner como referencial teórico que

daria origem à proposta curricular.

O quarto capítulo aborda o papel do brincar na educação infantil, qual a

sua importância para a aprendizagem, para o desenvolvimento da criatividade,

do psíquico e da linguagem.

O presente estudo não pretende responder a todos as questões aqui

apresentadas, mas lançar uma luz para a compreensão desses fatos, tendo em

vista os percalços, inquietudes e incertezas do tema pesquisado.

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CAPÍTULO I

DESVENDANDO O CRESCIMENTO:

as fases evolutivas da Infância.

Chama a atenção o fato de que, apesar de todo o avanço tecnológico

existente no mundo em que se vive, ainda tem-se um longo caminho a

percorrer quanto ao conhecimento sobre o desenvolvimento humano.

Conseguiu-se, com a tecnologia atual, alcançar objetivos nunca idealizados.

Todavia, ainda se caminha lentamente na compreensão dos processos

envolvidos no nosso desenvolvimento como seres humanos. Felizmente,

apesar de nosso desconhecimento, as crianças continuam nascendo,

crescendo e se desenvolvendo, tornando-se adultos.

O objetivo deste capítulo, longe de alcançar uma resposta definitiva

sobre o desenvolvimento humano, sobretudo infantil, objetiva explaná-lo em

seus diversos aspectos. Este conhecimento é importante para que se possa

entender melhor e respeitar o comportamento das crianças em cada idade,

planejar as estratégias de atuação junto às mesmas, bem como avaliar o seu

desenvolvimento no âmbito escolar.

Considerando o desenvolvimento sob a perspectiva Antroposófica,

podemos distinguir três grandes períodos: o período entre o nascimento e a

troca dos dentes; o período entre a troca de dentes e a puberdade e o período

entre a puberdade e a maioridade. Enfoquemos agora no primeiro período, o

desenvolvimento da criança de 0 a 6 anos.

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Segundo Lievegoed (2001), do ponto de vista biológico, o primeiro

período de vida da criança é dividido em três fases: a fase do latente, a da

tenra infância e da transição rumo à escolaridade. Durante essa fase evolutiva,

o recém-nascido depende por completo de seu mundo ambiente. Assim

decorrem as primeiras semanas de vida, numa alternância entre mamar e

dormir. Esse despertar nos primeiros meses de vida é acompanhado por um

outro fenômeno: no início a criança acordava praticamente só pra ser

alimentada, voltando logo depois a dormir: breves períodos do estado de vigília

se alternavam com períodos muito mais longos de sono profundo. Tornando-se

a criança mais consciente, o tempo de sono diminui e o período de vigília

aumenta. Todas as suas qualidades ainda não manifestas se concentram num

só crescer. Contudo, o segundo e os seguintes períodos de duplicação do peso

se realizam também em circunstâncias bem diferentes. As funções não se

concentram mais exclusivamente no corpo. Surgem as mais variadas

atividades na área da vida consciente.

A função mais importante da consciência do recém-nascido é a

percepção. Toda a sua atividade psíquica tem por finalidade conhecer o mundo

circundante. Perceber não é meramente um processo passivo, é um processo

ativo, sendo que a atividade reside no interesse pelo mundo exterior. Esse

interesse ativo resulta na criança o desenvolvimento da vontade, no sentido de

capacidade, esforço e impulso para desvendar o mundo.

Sua ativa entrega ao mundo tem como conseqüência o fato de a criança

pequena ser um ente que imita. É imitando que ela perfaz seu aprendizado na

primeira fase da vida. Justamente tudo o que não vem à consciência, não

sendo elaborado, produz sentimentos e formas de agir. Educacionalmente, os

adultos incluindo educadores, pais e crianças exercem influência nos primeiros

anos de vida por aquilo que somos e pela confiança que adquirimos e

manifestamos mediante os atos.

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Essa atividade interior da criança, tendo-se já manifestado por seu

interesse pelo mundo exterior, faz com que ela descubra também sua

corporalidade. Observando o que ocorre, constatamos que o próprio corpo

também é inicialmente, um mundo exterior desconhecido. E, uma vez

incorporado à parte descoberta do mundo, o corpo pode pouco a pouco ser

usado para explorar outras regiões.

1.1 A conquista do andar, falar e pensar.

Para König (1997), nos primeiros anos de sua infância, o homem adquire as

capacidades que lhe dão a possibilidade da existência humana: andar, falar e

pensar. No decorrer do primeiro ano de vida ele aprende a andar, no segundo

adquire a linguagem e no terceiro vivencia o despertar da capacidade

pensante. Ele nasce como lactente desamparado, e só depois de ter adquirido

essas propriedades torna-se um ser capaz de dominar a si próprio, de adquirir

uma livre mobilidade e, com a ajuda da linguagem, entrar em consciente

comunicação com o meio ambiente e o homem. Se não aprendêssemos a

andar, os demais passos para o desenvolvimento consciente das capacidades

especificamente humanas durante a infância não seriam possíveis. O caminho

para a escola só está realmente aberto às crianças que possam percorrê-lo

andando eretamente.

1.2 O aprendizado da linguagem.

Depois que a criança se ergueu para a posição ereta e, além disso, pode

adquirir a livre movimentação, sucede o segundo passo do ser humano: o

aprendizado da linguagem e da fala. Com o aprendizado da língua materna, na

conquista das palavras e seu relacionamento, a criança dá um dos passos

mais importantes de seu desenvolvimento humano.

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Entretanto, a linguagem aparece no homem de três formas: como

expressão daquilo que vive, como expressão da capacidade que pode

denominar todas as coisas do mundo e como expressão daquela potência que,

ao falar, procura encontrar a si mesma. Assim a linguagem se torna um

confronto consigo mesma.

Não obstante, sempre usamos a expressão: “pense antes de falar”, pois

grande parte do que falamos é como conversação que mantemos com nosso

pensar. O eu, como individualidade, atua sobre a linguagem no âmbito da

consciência desperta em que se realiza o pensar. A linguagem constrói pontes

verbais através dos quais posso alcançar o outro eu. Ela é mais ampla que o

falar, pois falar é um lado ativo da linguagem. Assim, como fala, a linguagem

também ouve a palavra falada, a manifestação, é uma entidade com dois

lados: motor (a fala) e sensorial (a audição).

Apesar de as primeiras palavras corretas não serem pronunciadas antes

11° ou 12° mês, a formação da linguagem se inicia no primeiro grito do bebê. A

criança se aproxima da linguagem de três maneiras: primeiro pelo movimento

expressivo do balbuciar, em segundo lugar pela imitação sem sentido, e, em

terceiro, reagindo com sensatez à palavra que lhe é dirigida. As primeiras

expressões reais da linguagem surgem no decorrer do 13° e do 14° mês. Neste

período a criança usa a linguagem para expressar a si mesma e suas

aspirações com sentenças de uma só palavra. No 18° mês, sobrevém uma

mudança decisiva, a criança capta aquilo que se relaciona com a denominação

das coisas. A partir desse momento, aumenta rapidamente de modo que até

aproximadamente o fim do segundo ano, são adquiridas quatrocentas a

quinhentas palavras novas. Contudo, não há uma compreensão direta da

palavra com seu significado. Neste período do 18° ao 24° mês, a criança vive

naquele âmbito da linguagem relacionado com o “denominar”. Tudo recebe o

nome, e uma grande alegria inunda a criança durante este período.

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Durante este período não só cresce o número de palavras, mas estas

também começam a diferenciar-se. Agora são adquiridos substantivos, verbos

e adjetivos, sentidos de acordo com seu valor e seu significado. A tabela

seguinte, conforme W. Stern (1928), citado por König, demonstra as parcelas

em que as três categorias de palavras se vão lentamente diferenciando no

decorrer do segundo ano de vida.

Idade Substantivo Adjetivo Verbo

1, 3 100% - -

1,8 78% 22% -

1,11 63% 14% 23%

Depois de ultrapassar o limiar do segundo ano, lentamente as sentenças

vão sendo formadas corretamente. Para W. Stern, não é a criança quem

aprende a linguagem, mas é a própria linguagem que se desenvolve dentro do

aparelho fonador da criança. Ou seja, a criança não tem consciência desses

fatos, nela surge o impulso de relatar e, este impulso acorda a linguagem, o

que denominamos “conversar”. A linguagem expressa a criança e se

desenvolve muito rapidamente no decorrer do terceiro ano de vida. As palavras

começam a se desdobrar, flexionar e transformar. Na inspiração e expiração do

ar respirado nasce o conversar; por isso este é o elemento social da

expressão. Ele oscila entre uma pessoa e outra, entre um e outro interlocutor.

Mas o conversar é um elemento autônomo em si mesmo e vive na corrente da

respiração, fluindo para o exterior.

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1.3 O despertar para o pensar

O terceiro ano de vida é de importância fundamental para o

desenvolvimento posterior da criança, pois ela tem o domínio da palavra e dá-

se um acontecimento inteiramente novo: o pensar começa a despertar, a partir

daí, a criança se torna um ser que contempla a si mesmo e o mundo – não é

mais uma criança, mas uma pessoa que tem consciência de si. Porém, para se

chegar a pensar são necessárias muitas premissas.

Antes de tudo temos de levar em consideração o aperfeiçoamento da

linguagem, com isso a vivência do tempo e do espaço se multiplica e, a própria

compreensão das coisas se amplia de forma significativa. Além disso, a

aquisição da memória é uma base indispensável ao despertar do pensar. A

formação gradual da lembrança, desde o vago reconhecer até a produção

voluntária de recordações, pertence a este processo.

Um terceiro ponto é o brincar. A livre atividade da criança pequena em

brincadeiras constantemente renovadas, na imitação do mundo dos adultos e

na vivificação da própria fantasia, tem aqui fundamental importância. Como

uma criança poderia atingir a compreensão de si mesma, senão repetindo e

imitando tudo o que se passa ao seu redor, e portanto considerando-o um não-

eu? A razão de todo brincar é que, brincando, a criança pode distinguir-se de

sua criação. A isso se acresce principalmente a gradual aquisição de uma

noção de tempo, que inclui o futuro e mais tarde o passado; e um

desenvolvimento gradual da captação do espaço. O pensar da criança é uma

razão que se torna autocompreensiva e autoconsciente.

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Com base na linguagem, a criança encontra o acesso a uma outra

realidade do pensar, a qual, ao lado da identificação, é da maior importância: a

relação entre “se... então”, que também pode ser expressa por “porque” ou

“pois”. Agora o pensar excede a linguagem; ele a antecede, e as próprias

formulações da linguagem já estão parcialmente sob o poder dos pensamentos

próprios. Não é somente a linguagem que se expressa; a vivência mental da

criança começa a servir-se da linguagem.

Segundo Renate Keller (2001), o pequeno potencial do pensar, dos três aos

cinco anos, não se manifestam num pensar lógico ou abstrato, mas na

magnífica fantasia infantil. A criança, agora, não só brinca imitando os gestos

dos adultos ou experimentando seu corpo, mas inventa uma história

maravilhosa após a outra. Todos os objetos que ela encontra ao seu redor são

transformados conforme a sua imaginação. Desta riqueza interior, surgem

muitas perguntas sobre vida, morte, sobre Deus, anjos, sobre a natureza e

sobre ela mesma.

É esta a grande diferença existente entre o andar e falar, de um lado, e

pensar, de outro. É que o andar e o falar são apreendidos; evoluem

gradualmente, dando à criança a segurança de movimentar-se no espaço e de

comportar-se no mundo das coisas e seres; o andar possibilita o domínio do

espaço – o falar, no entanto, a posse do meio ambiente denominado. De agora

em diante a criança falará conscientemente de si como “eu”, pois sente que

esta palavra não é mais um nome. Tudo o que tem um nome tem também um

“eu” em algum lugar.

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1. 4 O “nascimento” do eu.

No fim do terceiro ano, quando andar, falar e pensar foram adquiridos

em suas estruturas básicas, encerra-se a primeira fase do desenvolvimento

infantil e algo completamente novo toma seu lugar. A sensação do eu se

intensifica, resultando no fato de defesa e recusa irromperem em forma de

teimosia. O momento da primeira recordação situa-se, na evolução normal, no

terceiro ano de vida. Antes disso, a criança já teve muitas vivências, contudo,

ela não tinha consciência do eu. Não relacionava os acontecimentos com um

conhecimento da própria pessoa enquanto elemento inalterado no fluxo do

tempo. O momento em que desperta a consciência do eu também é perceptível

exteriormente. Até então, a criança não tinha designado a si própria por seu

nome. Isso evidencia que ela ainda não fazia distinção entre si e os outros.

Depois, porém, a consciência do próprio eu despertou como algo diferente de

todas as outras coisas do mundo. Começa a realizar-se a separação entre o

mundo e eu. Justamente com o despertar dessa consciência que surge

também a tendência a dizer “não” frente ao mundo exterior. A consciência do

eu desenvolve-se se opondo a ele, é a fase da birra. Em seguida, tendo-se

firmado suficientemente, o eu se experimenta a si próprio mesmo quando não

precisa opor-se ao mundo.

Por volta dos quatro anos, a brincadeira infantil passa por uma

transformação. Antes desse momento, dirigia-se ao que encontrasse

casualmente em seu campo visual. O “sentir” estava ligado à percepção.

Contudo, surge no âmbito emocional, a fantasia criativa, a partir do interior da

criança e a brincadeira é fortemente intensificada. Agora ela é capaz de brincar

junto com os outros, percebe o que acontece ao seu redor e consegue se

interagir com o grupo. Nesse período, a criança vê o mundo conforme seu

próprio arbítrio.

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Do ponto de vista fisiológico, o tórax muda sua forma, e toda a

circulação sanguínea e a respiração tomam uma nova característica. Em

conseqüência disto, a criança sente uma afinidade ainda maior com tudo o que

é ritmo, dança e música. Esse é o segredo da incansável brincadeira infantil,

ela transcorre ritmicamente. Quando na brincadeira há algo arrítmico ou

intelectual, a criança se cansa rapidamente. Esse brincar só se transforma no

decorrer do sexto ano de vida.

1.5 Dos cinco aos seis anos.

Por volta dos cinco anos, a criança se transforma mais uma vez.

Observa-se cada vez mais sua habilidade física. A criança mostra muita

vontade de ajudar nas tarefas do dia a dia, quer ajudar nos trabalhos

domésticos, quer exercitar suas habilidades motoras. Ela adquire domínio

melhor sobre as pernas e consegue pular corda e brincar de amarelinha. O

sistema metabólico-motor está amadurecendo, ao mesmo tempo, na cabeça

surge à força do pensar, de planejar. As brincadeiras das crianças de cinco a

seis anos contêm cada vez mais esse elemento. A criança divide papéis na

brincadeira imitativa e o seu brincar estabelece uma meta que deve ser

atingida. Ela fixa uma tarefa que deseja levar até o fim, pois adquire uma

vontade intencional.

Agora, a criança se dá conta da sua incapacidade para dar existência

real ao que vislumbra em sua fantasia, e vem pedir ajuda aos adultos, quando

sua própria capacidade se lhe revela insuficiente. Essa relação com o adulto é

que faz “brotar” o respeito. O respeito nasce quando ela vivência a si própria

estando num nível diferente do adulto e dotada de capacidades diferentes da

que ele possui. Posição social, riqueza e importância não exercem qualquer

papel nesse caso. A pessoa respeitada deve ser capaz de algo. A criança julga

o adulto pelo que ele é capaz de fazer, não pelo o que ele sabe

intelectualmente.

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Nesse período evolutivo ficamos conhecendo a criança como um ser

que se insere no mundo pela força da imitação e se “des” envolve o que nele já

existia genuinamente. Esse desenvolvimento sucede, conforme demonstra o

esquema a seguir, de acordo com Lievegoed (2001, pág. 58):

0 - 2 anos Época da percepção sensorial Pensar Sentir Querer

Após 2 anos

Desenvolvimento do pensar: combinação dos conteúdos da percepção. Transição da figura do recém-nascido para a da criança pequena.

Após 4 anos

Desenvolvimento do sentir: fantasia criativa. Silhueta da criança pequena.

Após 5 anos e meio

Desenvolvimento da vontade dirigida: maturidade escolar. Primeiro estirão. Transição para a silhueta da criança escolar.

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Capítulo II: A Infância hoje

A idéia de infância como a concebemos hoje é relativamente nova para

a história da humanidade. Até o século XVII, a sociedade não dava a devida

atenção à criança, nem tampouco havia a consciência da particularidade

infantil, das características que diferem a criança do adolescente e do adulto.

Segundo Áries (1981), citado por Stefânie Loureiro, até o século XVII, a

socialização da criança e a transmissão de valores e de conhecimentos não

eram asseguradas pelas famílias. A criança se afastava cedo de seus pais e

passava a conviver com outros adultos, ajudando-os em suas tarefas. A partir

daí, não se distinguia mais desses. Nesse contexto, a criança aprendia as

coisas que eram necessárias para a vida em sociedade.

A partir do final do século XVII, mudanças sociais importantes alteraram

o processo de aprendizagem da criança. As mais importantes foram às

reformas religiosas católicas e protestantes e a necessidade de afeto sentida

pelas famílias, tanto entre os conjugues quanto entre pais e filhos. A

aprendizagem das crianças, que antes se dava na convivência da criança com

os adultos em suas várias tarefas cotidianas, passou a dar-se na escola. O

trabalho sem fins lucrativos foi substituído pela escola, que passou a ser

responsável pelo processo de educação. As crianças foram, então, separadas

dos adultos e mantidas em escolas até estarem “prontas” para a vida em

sociedade. As crianças saíram do anonimato, passaram a ser pessoas

insubstituíveis e a família passou a se organizar em torno delas. Nesse

período, começa a existir uma preocupação em conhecer a mentalidade das

crianças a fim de adaptar métodos de educação a elas, facilitando o processo

de aprendizagem.

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Com a extensão das práticas contraceptivas no século XVIII, as famílias

passaram a limitar o número de crianças a fim de poderem cuidar melhor delas.

O índice de mortalidade infantil começa a decrescer. À doçura e à razão que

passaram a embasar o processo de educação infantil, incorpora-se um novo

elemento – a preocupação com a saúde física e com a higiene. É importante

lembrar que essas mudanças beneficiaram as crianças da nobreza e da

burguesia, das classes dominantes. As crianças pertencentes às camadas

populares continuaram a trabalhar e praticamente não tinham acesso à

educação, nessa nova concepção – a escola. Nos séculos XVIII e XIX, crianças

das camadas populares trabalhavam nas fábricas de 14 a 16 horas diárias.

Após a segunda guerra mundial, a atenção se volta, com mais ênfase

para as crianças. O grande número de crianças órfãs e a necessidade de as

mães saírem para trabalhar corroboram para o surgimento de instituições com

a finalidade de cuidar e educar as crianças. Nessa época, introduziu-se o

conceito de assistência social para as crianças pequenas, liberando as mães

para o trabalho. Várias teorias da Psicologia e da Pedagogia influenciaram a

educação escolar.

José Martins Filho (2007) em seu livro, “A Criança Terceirizada: os

descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo”, pontua que

as famílias se distanciam cada vez mais em função do trabalho e das

exigências profissionais. A criança de hoje é precocemente colocada para fora

do lar (em creches, escolas), recebe atenção eletrônica cada vez em maior

quantidade (vídeos, TV e jogos) e ainda é informatizada. Algumas escolas

exercem a função educadora, socializadora e emocional. Até onde? Segundo o

autor, o termo “terceirização” não se refere somente à classe média, com suas

babás, empregadas, creches e escolinhas. A mãe mais pobre, marginalizada,

das favelas, também terceiriza.

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Sendo assim, a infância estaria desaparecendo ou assumindo uma nova

conformação? Wilke (2006) considera que muitas vezes, pensamos em

“criança” como oposição ao adulto. Oposição estabelecida pela falta de idade

ou de imaturidade. Quando pensamos desta forma, a concebemos como um

ser inacabado e incompleto, que precisa evoluir, educar-se para se tornar

completo como o adulto. Então, o que é ser criança nos dias de hoje? Como

situar a infância no contexto atual? Hoje, encontramos o adulto organizando a

forma de ser da criança conforme sua visão, a sua maneira de ser. O que ele

acredita que vai ser bom para o seu filho é o que prevalece. Pode-se dizer que

se constrói e que se aliena a infância em função do outro.

Uma outra questão importante é a presença significativa de

responsabilidades que as crianças passaram a adquirir nos últimos tempos. Já

não têm tempo para, simplesmente, serem crianças, pois as aulas

especializadas (balé, inglês, futebol, etc), assim como a necessidade precoce

de inserção no mundo dos adultos acaba transformando essas crianças em

pequenos adultos.

Segundo Wilke (2006), a mídia, sem dúvida, é uma das responsáveis

por algumas dessas armadilhas à infância. O sistema capitalista em que se

vive também contribui, pois o consumo é o que vale e o tem valor. E é esse

mesmo sistema que se beneficia com o consumo da criança no mercado. Hoje,

vivemos dois extremos. A infância em destaque, porque nunca se falou tanto

em direitos da criança e num mercado de consumo especializado em produtos

infantis (roupas, brinquedos, produtos de higiene, jogos). Contudo vivemos

situações de descaso e violência por demais.

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Afinal, o que caracteriza a infância? Souza (1997) faz uma severa crítica

à psicologia do desenvolvimento, ao fato de que esta pensa a criança na

perspectiva de um organismo em formação, que se desenvolve por etapas,

segundo dada cronologia, e que, além disso, fragmenta a criança em áreas de

desenvolvimento. Diferentemente dessa visão, é preciso ver a criança como

um sujeito social que interage com a história de hoje, presente no tempo e no

espaço. Contudo, o perigo dessa concepção, segundo Perrotti (1986), é que a

criança passa a ser um depositário de um mundo criado pelo adulto. A cultura

passa a exercer uma função domesticadora e coercitiva, dificultando a

participação da criança na história enquanto sujeito.

2.1. A Educação Infantil na Atualidade

O espaço físico da sala de aula, a presença de brinquedos e de

materiais pedagógicos é o resultado de concepções acerca da criança e das

funções da escola. É comum encontrarmos crianças e bebês que passam de

oito a dez horas em escolinhas e creches. Seria a “homogeinização” dos

espaços uma nova forma de conformar a infância moderna? Percebe-se que

muitas vezes a instituição escolar estaria servindo como um espaço de

confinamento para as crianças cujos pais não podem ficar em casa com elas.

Percebe-se que, a ausência familiar pode contribuir para que essa esfera seja

absorvida pelos valores educativos e sociais que se estabelecem no âmbito

educacional.

Sem um trabalho pedagógico adequado, instituições de educação infantil

podem estar servindo, assim, de local de guarda, favorecendo também o

“desaparecimento” da infância, pela impossibilidade do “tempo de ser criança”.

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Para Perrotti (1986), o confinamento da criança em instituições

especializadas tende a se ampliar, pois os padrões culturais e educacionais

burgueses avançam, produzindo o fenômeno da escolarização da infância. A

perda progressiva de espaços familiares em decorrência da entrada decisiva

da mulher no mercado de trabalho e sua participação sistemática no

capitalismo termina por transferir responsabilidades e atividades das crianças

para espaços confinados e controlados por adultos.

Kishimoto (1993) citado por Wilke constata que existe um predomínio de

atividades preparatórias para a leitura e escrita em detrimento do brincar,

desde os primeiros estágios infantis. A escola não tem a criança como centro

de atenção.

Wilke aponta que um dos motivos para o ingresso precoce das crianças

é a solicitação de pais e decisões de alguns educadores que acreditam que a

educação infantil tem acelerado o desenvolvimento cognitivo das crianças.

Algumas instituições infantis realmente apostam em resultados que incentivam

e priorizam o desenvolvimento cognitivo em detrimento do desenvolvimento

psíquico e social, o que acaba acarretando outros problemas às crianças. Esse

é um dos fatores que se pode determinar como de “cumplicidade da escola

com o fim da infância”.

Parece que, no atual sistema de relações: escola/criança e

família/criança, é muito difícil estabelecer a divisão: mundo dos adultos e das

crianças. Quem sabe, é por se tentar dividi-lo que se perdeu a noção das

relações interpessoais e se passou a esperar das crianças o que é da

competência dos adultos?

Então, qual educação infantil desejamos?

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Capítulo III: Educação Centrada na Criança.

O primeiro grupo ao qual uma pessoa pertence é a família. É na família

que cada pessoa adquire os conceitos, hábitos e crenças que vão constituir o

alicerce sobre o qual ela se apóia, os conceitos fundamentais sobre o mundo,

as relações sociais, a ética, a forma como a sociedade se estrutura.

Segundo Loureiro (2005), a escola pode ser considerada de grande

relevância, pela influência que exerce na vida das crianças. Depois da família,

ela é um dos mais importantes grupos dos quais a criança participa. A escola

consolida e atualiza na criança, as bases necessárias para a participação na

vida social. É na escola que a criança vai incorporar sentimentos de adequação

para a participação na sociedade mais ampla.

De acordo com Steiner, e conforme é aplicado na Pedagogia Waldorf, no

primeiro setênio a criança é extremamente aberta ao ambiente e está

individualizando seu querer. Portanto, a educação deve basear-se no contato

com a realidade, na imitação, na fantasia imaginativa e no ritmo. A criança

espera um mundo essencialmente bom e deve ser compreendida como uma

tenra “plantinha”. A escola deve propiciar ao “brincar” e ao “aprender fazendo”,

envolvendo coordenação motora, socialização e observação do entorno sem

conceituá-lo abstratamente, tudo isso num ambiente o mais natural possível.

3.1 A importância da escola no desenvolvimento psicossocial da criança.

A escola tem, de certa forma, uma co-participação com a família, na

educação das crianças no sentido de que tem a tarefa de cooperar com a

família, de dar continuidade à preparação do indivíduo para que ele possa se

inserir na sociedade mais ampla de forma satisfatória para si mesmo e para a

sociedade na qual participa.

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Ela representa para a criança a sua pré-estréia em um grupo mais

amplo, como sujeito capaz de construir junto com os outros, de criar e, pela sua

atuação, de se realizar em uma importante dimensão da vida humana. Se a

escola prepara a criança para sua participação efetiva na estrutura social, esta

não pode estar em oposição à primeira – a família – instituição que

fundamentou os valores, crenças e conhecimentos. Se nessa dinâmica, ocorre

uma ruptura no processo de socialização e de construção de si e do mundo, a

criança não se sente segura, sua concepção de mundo fica fragmentada,

dividida entre dois grupos, e ela pode desenvolver sentimentos ambivalentes,

pode sentir-se inadequada para a participação na vida social.

É imprescindível que o processo ensino-aprendizagem parta do

conhecimento que a criança traz ao chegar à escola. Sua concepção de mundo

não deve, sob nenhum pretexto, ser negada, pois menosprezá-la é negá-la

como pessoa, apta a participar ativamente da vida escolar. É abalar os

alicerces sob os quais ela se apóia e sob os quais se desenvolveu. A criança

precisa sentir que é aceito e que pode participar de forma construtiva no

contexto escolar. Por meio de um diálogo autêntico, em um processo de

aprendizagem que facilite o pensar crítico, a criança pode transformar a

curiosidade ingênua em curiosidade epistemológica. Nesta etapa, o que está

em jogo é um dos processos cruciais no desenvolvimento psicossocial da

criança; é o desenvolvimento e a manutenção de uma identificação positiva

com aqueles que personificam o conhecimento, aqueles que sabem as coisas

e como fazê-las.

Rogers (1972), faz uma distinção entre o significado das palavras

“ensinar” e “educar”. Para ele “ensinar” está relacionado apenas à transmissão

de conhecimentos, um processo no qual o educando apenas decora os

conteúdos que lhe são transmitidos. “Educar” é uma prática na qual o educador

preocupa-se em facilitar o processo de aprendizagem que tenha significado

para o aluno, que envolva várias dimensões do ser, facilitando, também o

processo de crescimento, de auto-realização.

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A esse respeito, Rogers escreve:

O único homem que se educa é aquele que aprendeu como aprender, que aprendeu como se adaptar e mudar; que se capacitou de que nenhum conhecimento é seguro, que nenhum processo de buscar conhecimento oferece base de segurança. Mutabilidade, dependência de um processo, antes que de um conhecimento estático, eis a única coisa que tem certo sentido como objetivo da educação, no mundo moderno. (ROGERS, 1972, p. 105)

A Educação Humanista, libertadora, tem como objetivo, através do

diálogo, fazer o homem um ser da transformação do mundo, o coloca no centro

das suas preocupações, a fim de prepará-lo para caminhar ao encontro dos

outros, do mundo e a si mesmo. Desse encontro, retornar aos outros, do

mundo e de si mesmo, sabendo-se transformado e transformando e que,

portanto, viver como pessoa é saber-se sempre nesse processo. Ou seja,

propõe-se a fazer do homem uma Pessoa, cujo conceito de Pessoa é saber-se

devir, inacabado, incompleto e construtor de si mesmo e de seu futuro.

Contudo, o modelo de homem para a sociedade atual, cuja característica

básica é, a mudança cada vez mais acelerada, é que este seja criativo e

inovador no campo do conhecimento e não repetidor, da ciência do passado.

Sem dúvida, nossa cultura necessita de indivíduos capazes de efetiva

mudança. Mas como poderia a escola preparar a criança para tal exigência se

sabemos, o quão devagar a educação as incorporará, tentando tornar-se,

portanto, cada vez, mais um ambiente artificial e distante do mundo da criança?

Precisamos de uma educação que proporcione oportunidades e lhes permita

escolher vias próprias e direção pessoal de aprendizagem. Para tanto, tem-se

uma proposta de aprendizagem centrada na criança, na sua formação, nas

suas reais necessidades.

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3.2 A teoria da aprendizagem de Carl Rogers

Segundo Queluz (1984), a teoria da aprendizagem escolar de Rogers se

encontra implícita na teoria da psicoterapia. Rogers, descobriu na sua

experiência de terapeuta o mecanismo de toda aprendizagem, seja terapêutica,

seja escolar, confirmando essa descoberta na sua experiência como professor.

As implicações dessa teoria no campo educacional referem-se principalmente à

criação de um clima propício à aprendizagem, que significa uma nova visão de

educação e escola, de educador e alunos.

As principais características desse movimento foram às preocupações

com a educação integral, isto é, desenvolvimento harmonioso da personalidade

no seu aspecto físico, mental e moral, ou seja, a visão de educação como

aspecto da vida, guiando-se pelas leis biopsicológicas e organizando-se como

centro de valor vital, e com a sua integração na vida e sociedade.

Rogers (1972), em sua teoria da aprendizagem, afirma que quando se

pensa em proporcionar oportunidades para que a criança se desenvolva como

pessoa, tendo como base os pressupostos básicos da teoria da psicoterapia

centrada no cliente, deparamos com a necessidade da criação de um clima

propício à realização desse ideal. A escola seria então estruturada de forma a

permitir o acesso ao conhecimento e à formação da pessoa, teria para tanto no

centro da sua organização curricular a Pessoa (a criança e Educador), em

torno da qual girariam todo os outros componentes curriculares.

O educador e demais elementos da escola encarariam a criança como

um ser em processo de desenvolvimento, vivenciando novas situações,

incorporando o que está experienciando. Preocupados com esse

desenvolvimento, tentariam descobrir o “mundo interior da criança”. Para esse

“acesso” seria necessário que a criança sentisse que poderia confiar no educar

e a partir daí interagisse com este medo e desconfiança.

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A atitude do educador seria dirigida por demonstrações de afeto, de

encorajamento, de aceitação da criança, tal qual ela é, ou seja, de forma

incondicional e irrestrita, de confiança, através da empatia, para que a criança

assim perceba o educador e estabeleça com este um clima de permissividade

e autenticidade.

Trata-se de um processo de abertura, em que o educador deixa de lado

a sua imagem daquele que conhece e transmite o conhecimento, para,

descobrindo-se como pessoa, deixar vir à tona sua força interior, o self,

tornando um facilitador da aprendizagem, aquele que estabelece com a criança

um clima de ajuda, de cooperação para que este apreenda os conhecimentos

vivenciando um processo cujo centro é o encontro de pessoas de gerações

diferentes com o objetivo primordial de crescerem juntas.

Uma das dificuldades para a criação de um clima propício à

aprendizagem encontra-se no modelo curricular adotado pelo sistema

educacional, pois o que tivemos, sempre foram modelos centrados no

conteúdo. Toda a formação dos professores é realizada em termos de ensinar

bem determinado conteúdo. O aspecto cognitivo é trabalhado em relação à

ênfase dada ao aspecto afetivo. Na medida em que se propõe um currículo

centrado na criança, há necessidade que igual ênfase seja dada aos dois

aspectos: cognitivo e afetivo, de forma que um aspecto complemente o outro.

A autenticidade do professor, a ausência de situações ameaçadoras e a

confiança poderão transformar a sala de aula num ambiente saudável para a

aprendizagem. Axline (1972) citado por Loureiro, aponta que não é suficiente

recitar lições e manter a ordem dentro da sala de aula. Cabe ao educador

desenvolver compreensão e interesse no ser humano que surge à sua frente.

Isso não quer dizer que ocorra uma perda dos padrões educacionais, apenas

que, para ser verdadeiramente educado, o indivíduo deve ser considerado uma

pessoa digna de respeito.

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A dificuldade maior para a utilização desses princípios em nossa

realidade educacional repousa sobre o modelo curricular que, por ser centrado

no conteúdo, dirige a ação do professor distanciando-o do aluno, que deveria

ser o centro do processo.

Na educação, o objetivo é uma maior independência e integração do

indivíduo para realizar e dirigir a sua aprendizagem. O foco é a criança, o aluno

e não o conteúdo programático. O objetivo não é somente ensinar o conteúdo,

mas auxiliar o indivíduo a crescer de modo que possa ir descobrindo os

mecanismos que facilitem a sua aprendizagem, que sejam significativos e que

sirvam de alicerce para aprendizagens futuras.

Segundo Queluz (1984), a questão da educação humanista, que busca a

aprendizagem significativa, é levar para o self do “aluno” os elementos

localizados, tanto no seu campo fenomenal, quanto no conjunto de temas ainda

isentos de significação. Na aprendizagem, essa relação de ajuda seria

realizada pelo educador, na medida em que este se coloca como facilitador da

aprendizagem, e tivesse como objetivo criar um ambiente favorável à mesma.

Ao facilitador, caberia descobrir com a criança seus interesses, necessidades,

oferecer meios para estas vivências, temas de interesse, criando condições

propícias à ocorrência da aprendizagem significativa. Para que a criança se

desenvolva é preciso que se reduza ao máximo as aprendizagens

ameaçadoras, ou seja, aquelas aprendizagens que utilizam castigos,

humilhações, que levam a criança a se sentir ameaçada e incompreendida.

No momento em que, por uma característica da sociedade, as crianças

vem cada vez mais cedo para a escola e ali permanecem por um tempo cada

vez maior, reduzindo assim o seu tempo de contato com a família, e tendo

como conseqüência menor aprendizado de modelos de vida de seus familiares,

fica para a escola de educação infantil a responsabilidade de permitir-lhes

vivências enriquecedoras no sentido de abrir-lhes o diálogo com o mundo e

consigo mesma.

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É importante ter sempre em mente que a criança é, antes de tudo,

possibilidade e precisa de afeto, confiança, amor, aceitação, para poder

caminhar pela vida de maneira sadia, como pessoa. Ela precisa ser vista pelo

adulto, não como uma simples carga hereditária que lhe determinará um lugar

no mundo, mas como um potencial a ser desenvolvido. A educação é um

processo da vida, não uma preparação para a vida. A vida social da criança é o

ponto de concentração e o ponto de correlação em todo o seu crescimento e

desenvolvimento.

Ao ingressar na escola, a criança defronta com outro mundo diferente,

ela precisa se adaptar ao grupo, ao ritmo da escola, às atividades. Ela recebe

as noções morais mais elementares e correntes. Aos poucos, a criança

aprende a distinguir o que se considera positivo e negativo. O grupo infantil

participa e reage coletivamente no sentido do adulto e a aprovação ou rejeição

passa a ser uma reação de todos. As mensagens que recebe do adulto lhe

fornecerão informações acerca de si mesmo e do mundo em que está inserida.

Sendo rotulada e aceitando esse rótulo como uma verdade a seu respeito,

poderá caminhar pela vida agindo de acordo com as motivações oriundas

desse rótulo.

3. 3 E como é a escola centrada na criança?

A escola precisa ser um ambiente propício ao desenvolvimento desta.

Se de fato estiver centrado na criança, terá que levar em consideração suas

características e uma organização física adequada. O próprio material

responderá a determinadas dúvidas e curiosidades da criança, ao mesmo

tempo em que suscitará outras, criando nela uma necessidade cada vez maior

de enriquecimento. O aspecto mais importante é poder perceber que tem

capacidade de descobrir, aprender e partir para experiências, e que podem

compartilhar com os outros suas idéias e sentimentos.

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O cerne da teoria rogeriana está na forma como encaramos o homem,

porque tudo o que fazemos no ensino depende de como julgamos serem as

pessoas. Rogers justifica a sua posição através da idéia de que os objetivos

educacionais mudam à medida que mudamos nossos conceitos sobre a

natureza do homem e suas potencialidades. Assim sendo, uma educação que

vise à promoção de homens que, vivendo nessa sociedade em acelerada

mudança social tecnológica, científica e de valores, possam ser mais criativos,

terá de criar condições para essas manifestações.

Segundo Queluz (1984), o currículo centrado na criança surgiu em 1952,

e seus pressupostos foram sistematizados na forma de doze princípios:

1 Centrar o currículo na criança, devendo esta ser entendida como pessoa,

na fase inicial de seu crescimento físico e do seu desenvolvimento

psicológico e social; ou seja, dirigir todos os recursos humanos e materiais

com o objetivo de dar condições à criança para perceber-se como pessoa

aberta, com percepção ampla e livre de todos os estímulos vivenciando-os

sem se sentir ameaçada, sem distorcê-los.

2 Enfatizar a importância da relação educador/aluno (pessoa/pessoa), para

realização da criança como uma pessoa em pleno desenvolvimento. É

importante que o educador se relacione com a criança através de atitudes

de aceitação, amor, respeito e permissividade. O educador é alguém

despojado do papel de dono do conhecimento e da verdade, ele é uma

Pessoa. Para que ele estabeleça essa relação com a criança, é preciso que

ele a tenha vivenciado. Por isso, é importante que a escola crie condições

para o educador. À medida que o educador se vê e se aceita como

inacabado, incompleto e que caminha para a consciência deste fato, terá

facilidade em abrir mão de seu papel de transmissor de conhecimento.

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3 Enfatizar a importância da integração do eu real (eu percebido) com o papel

do eu para a formação da pessoa. A criança precisa de oportunidades para

trazer à tona seus reais sentimentos, poder expressá-los. Isso facilita a

consciência de si mesma, pois percebe o seu eu real. Porém, ela só pode

agir assim, se os seus sentimentos forem aceitos como naturais e não

constituírem pretexto para atribuição de rótulos.

4 Enfatiza a importância da criatividade. Como já dito anteriormente, à

educação caberia dar condições para a formação de pessoas construtoras

do mundo e não meros copiadores do saber. Criatividade, para Rogers, é

autorrealização, motivada pela premência do indivíduo em realizar-se. Para

criar, é preciso que se seja livre, aberto à experiência, ávido para encontrar

sua maneira de ser. Cabe ao educador manter-se atento a isso e evitar a

colocação de modelos aos quais a criança deva se ajustar, em qualquer

área de conhecimento ou da esfera pessoal.

5 Enfatizar a importância da aceitação. Não é possível pensar-se na

formação da pessoa sem se pensar em aceitação e confiança. Ao educador

cabe evitar toda e qualquer espécie de ameaça verbal e/ou não verbal.

6 Enfatizar a necessidade de Amor, para a formação da Pessoa. A criança,

para se desenvolver ao mesmo tempo ver-se como pessoa, precisa de

diálogo, de espaço, de tempo, de emoção, de ser ouvida, que só acontece

na vivência de amor.

7 Respeitar na Pessoa a força do seu impulso de crescer, de autoatualizar e

da busca da sua própria identidade. Ao educador fica a tarefa de dar

condições para a criança crescer, de ajudá-la, que é diferente de ter que

fazê-la crescer, e isso só será possível quando ela puder optar livremente

e, sem muita interferência, puder escolher o que é melhor para o seu

desenvolvimento.

8 Enfatizar a importância da educação para facilitar à criança experienciar

bem seu mundo interior e seu mundo exterior. O importante é que a criança

se enriqueça cada vez mais em sua relação com ambos os mundos, para

que haja um equilíbrio.

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9 Enfatizar a importância da formação do autoconceito positivo da criança. É

extremamente importante que a criança construa uma imagem de si mesma

como pessoa capaz, amada, segura, criativa e, isso vai depender da

maneira como é tratada pelas pessoas.

10 Enfatizar a importância maior dada à aprendizagem significativa em relação

ao conteúdo programático. A aprendizagem, para Rogers, só ocorre

quando é experiencial, isto é, quando acontece de modo significativo e que

por isso fará parte da sua vida.

11 Enfatizar a importância do desenvolvimento de uma comunicação baseada

no diálogo, isto é, na linguagem de aceitação, em que cada pessoa

envolvida cede um tempo e um espaço seu para o outro poder ser. Cabe ao

educador estabelecer com a criança, uma relação de ajuda efetiva, para

que a criança caminhe com seu próprio ritmo, respeitando o que seria o

momento do apreender da criança.

12 A avaliação é autoavaliação e observação. No momento em que se adota

essa postura, em relação à avaliação, fica claro que provas e testes

acabam perdendo o seu significado de classificação e seu lugar é tomado

pela autoavaliação. Entretanto, ao tratarmos de educação infantil,

esbarramos em dificuldades para que esta seja realizada, dadas as

limitações das crianças em termos de emitir juízos de valor, de estabelecer

comparações em relação a si mesmas. Cabe ao educador fazer a criança

despertar para isso, e essa tarefa será construída tendo como base as

condições para que essa criança perceba o que realizou num determinado

espaço de tempo, e se gostou ou não do que fez.

Juntamente com a criança, o educador, num trabalho de acompanhamento,

não realizado de forma isolada e neutra, mas dialogando com ela, tenta dela

extrair respostas que possam lhe mostrar como esta estruturou sua

experiência, o porquê de suas ações, a explicação que dá aos resultados. Ao

agir assim, o educador estará colaborando para que a criança se acostume a

autoavaliar-se, adquirindo uma visão cada vez maior e mais nítida de si

mesma, de independência e autonomia.

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Numa escola, cujo currículo esteja centrado na criança, o conteúdo e os

materiais devem estar à sua disposição, fornecendo-lhes condições para o seu

desenvolvimento e recursos que facilitem a sua aprendizagem, a fim de

permitir: a enfrentar a sociedade; compreender a si própria; não se sentir nem

incapaz nem impotente; identificar-se com a sociedade que vai viver;

compreender a natureza da mudança; incorporar o que aprendeu em sala e

seus ambientes imediatos; transferir o que aprendeu na sala para

responsabilidades futuras. Sua própria organização física é motivadora e

desperta curiosidade da criança.

Para Rogers, o ensino puramente repetitivo, baseado apenas na

transmissão do saber, é inadequado ao crescimento humano. A aprendizagem,

desconectada da realidade da criança, trabalha apenas o cérebro. Não

abrange os sentimentos ou significados pessoais, os interesses, gostos e

experiências de vida. Não tem nenhuma relação para a pessoa com o mundo.

Todavia, a aprendizagem significativa é plena de sentido e tem como

elementos constitutivos:

- a qualidade de um envolvimento pessoal: a pessoa como um todo, tanto sob

o aspecto sensível, quanto sob o aspecto cognitivo inclui-se no fato da

aprendizagem;

- é autoiniciada: mesmo quando o primeiro impulso ou estímulo vem de fora, o

senso da descoberta, do captar e do compreender vem de dentro;

- é penetrante: suscita modificação no comportamento, nas atitudes.

- é avaliada pelo educando: a criança está indo ao encontro de suas

necessidades, em direção ao que quer saber.

- o significado é a sua essência: quando se verifica a aprendizagem, o

elemento da significação desenvolve-se para a criança dentro da sua

experiência como um todo.

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A seleção e a apresentação dos conteúdos devem ter como base o

significado que eles podem ter para a criança, considerando a fase de seu

desenvolvimento, o seu meio histórico, social, político e econômico. Para

Rogers, a aquisição do conhecimento se dá quando a pessoa pode perceber

que ela experimenta; ao experimentar, ela existe; no existir, ela em um

determinado sentido conhece, tem uma sensação de certeza. O conhecimento

científico é uma imensa pirâmide invertida cuja minúscula base é subjetiva e

pessoal.

É preciso que a educação infantil esteja em sintonia com o mundo

interior e exterior da criança, para que se possa criar condições a

experienciação destes mundos de modo a permitir a descoberta dos

significados dos mesmos e, a partir de cada aprendizagem vivenciada, fazê-la

sentir-se ser do mundo, sendo transformada por este e o transformando.

Na nossa realidade, o que encontramos são escolas e educadores que

tiveram uma formação centrada na abordagem do conteúdo e na cognição.

Preparados para transmitir os conteúdos programáticos, muitas vezes nem

sequer tiveram oportunidade de pensar numa maior abrangência de sua

função. Recebem dos órgãos superiores as diretrizes gerais e usando, os guias

curriculares como um plano de trabalho, restringindo-se a eles, permanecem

numa postura de meros transmissores de conhecimento. O educador, não

preparado para trabalhar com a pessoa inteira, sente-se perdido ao lidar com

crianças que não sabem verbalizar, que não repetem, lêem, contam ou

escrevem.

Acostumado a ter como suporte da aprendizagem o conteúdo

programático, perde o centro de referência e sua atenção se fixa na preparação

da criança para ser aluno. Surge dessa necessidade de apoiar-se na cognição

o trabalho centrado em treinamento de normas disciplinares.

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Para que o educador seja transformado num facilitador é preciso que, a

priori, ele reflita acerca de seu papel em relação ao desenvolvimento das

crianças; que consiga ver a si mesmo como elemento que pode vir a

transformar-se para poder transformar outrem. O professor só será um

facilitador quando sentir que ele só pode permitir o ser do outro quando se

permitir ser. O educador precisará compreender a importância da sua atuação

na formação da criança, saber comunicar-se com ela na forma que é

característica da sua idade e ajudá-la a perceber-se como um mundo dentro de

outro mundo. Essa proposta é um desafio para educadores, mas acredita-se

que, ao tentar realizá-la, trariam resultados positivos para as crianças e para si

mesmos, pois ao tentar ajudá-las a tornarem-se Pessoas, estariam

transformando-se também e sendo cada vez mais Pessoas em pleno

funcionamento.

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Capítulo IV: A criança e o Brincar.

É difícil definir o brincar. Moyles (2007) constata que “tentar definir os

conceitos de brincar é como tentar agarrar bolhas, visto que toda vez parece

haver algo em que podemos nos agarrar, sua natureza efêmera não nos

permite isso.” Contudo, sabe-se que em todas as idades, o brincar é realizado

por puro prazer e diversão e cria uma atitude alegre em relação à vida e à

aprendizagem. A estimulação, a variedade, o interesse, a concentração e a

motivação são igualmente proporcionados pela situação lúdica. O brincar

também ajuda os participantes a desenvolver confiança em si mesmos e em

suas capacidades e, em situações sociais, ajuda-os a julgar as variáveis

presentes nas interações sociais e a ser empático com os outros. Ele leva as

crianças e adultos a desenvolver percepções sobre outras pessoas e a

compreender as exigências de expectativa e tolerância. Em um nível mais

básico, o brincar oferece situações em que as habilidades podem ser

praticadas, tanto as físicas quanto as mentais.

Entretanto, segundo Eyer (2006) o brincar envolve quatro elementos. Em

primeiro lugar, o brincar tem que ser prazeroso e divertido. Em segundo lugar,

o brincar não pode ter objetivos extrínsecos, pois não se começa a brincar

pensando “agora vou brincar para desenvolver as capacidades...”.Brincar-se

pelo prazer da brincadeira. O brincar não tem uma função; não é utilitário. Em

terceiro lugar, o brincar é espontâneo e voluntário, é uma escolha livre de quem

brinca. Não se pode determinar que se brinque. De fato, quando uma

educadora determina que seus alunos façam determinada brincadeira, as

crianças entendem como tarefa a ser cumprida. Em quarto lugar, o brincar

envolve a participação ativa de quem brinca. A criança tem que querer brincar.

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Segundo Debortoli (2003), na experiência da brincadeira aprendemos e

ensinamos muito mais do que regras, movimentos e comportamentos. É

preciso pensar que elementos estão presentes nas relações que estão sendo

estabelecidas, que valores, conceitos, preconceitos, significados se está

partilhando com as crianças. Ele ressalta a importância do envolvimento com

as crianças. Esta é a única forma que se tem de conhecê-las. Não basta

enxergar importâncias “pedagógicas” para a brincadeira. É preciso também ser

um educador que tem a brincadeira em sua vida, que não a acha tola, que não

a trata como coisa de criança.

Dizer que as crianças precisam brincar livremente não significa que o

educador não deva interferir na brincadeira. Quando o adulto envolve no

brincar das crianças, partilhando a construção das regras, ensinando novas

coisas, deixando que as crianças lhe ensinem outras, este tem a oportunidade

de ajudá-las a organizar suas experiências. Ao buscar incluir o brincar e a

brincadeira no projeto pedagógico, é preciso ter cuidado para não repetir

formas tradicionais que apenas desvalorizam o brincar. É preciso pensar no

tempo e espaços que disponibilizamos às brincadeiras; saber se as

valorizamos como conhecimento e cultura da criança ou as utilizamos apenas

para alcançar outros objetivos; ter a compreensão de que, quando a criança

brinca, ela está construindo significados, se está sendo capaz de compreender

o mundo e se compreender no mundo.

Compreender as crianças e a brincadeira não traz o desejo de explicá-

las e dominá-las, mas a possibilidade de compreensão de quem se é, como

educador e ser humano. Procura-se também ser um ser humano que brinca,

pois só se pode partilhar algo com alguém se for um conhecimento que

verdadeiramente se trás, se este nos faz sentido.

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A criança produz cultura, tem conhecimentos, tem competências. No

brincar e nas brincadeiras, a criança participa da construção do mundo.

Progressivamente, vai experimentando o mundo. Brinca com as cores, com os

sons, com o calor do colo da mãe, do pai, do professor, da professora, inventa

histórias, fantasia, aprende tradições e revive memórias distantes. Desde os

primeiros momentos da infância, a criança brinca intensamente e que o brinca

pode ser entendido como uma rica possibilidade de construção da identidade,

um diálogo entre eu e os outros. No brincar os sujeitos se expressam

plenamente, em um processo rico de interações sujeito-sujeito e sujeito-objeto.

Busca-se pensar o brincar como aquilo que acontece quando

construímos uma relação: combinamos regras, estabelecemos uma dinâmica e

entramos em movimento, fantasiamos, imaginamos... No brinquedo e na

brincadeira, se propõe uma coisa, as crianças apropriam do jeito delas,

constroem novos significados. É por isso, que quando se fala de brincadeira,

também se fala em ludicidade. A ludicidade, como dimensão humana, é essa

humana capacidade de brincar com a realidade: atribuir-se significado às

coisas.

Ao se pensar a brincadeira na educação infantil, precisa-se ter em mente

que essa deve ser vivenciada em sua totalidade cultural e humana. Entretanto,

possibilitar que o brincar aconteça em sua plenitude de relações e significados,

compreendendo a criança como autora e sujeito de seu brincar, não significa

que nós, adultos não devamos interferir. Ao contrário, a intervenção do adulto é

fundamental e é responsabilidade nossa. Quando o adulto envolve no brincar

com a criança, ele tem a oportunidade de favorecer a organização da sua

vivência e reelaborar valores.

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O adulto, na educação da criança, é uma referência, mas não é a única,

nem talvez a mais qualificada. As próprias crianças também são referências

para elas mesmas. A relação criança/criança, nas suas várias possibilidades de

diálogo com os espaços, os diferentes materiais, os brinquedos, nas suas

fantasias, materializa uma riqueza educativa que talvez nenhuma outra relação

ou escola possibilite.

Outro ponto a ser ressaltado é que o brincar é expressão humana, é

linguagem. É um processo através do qual, nós seres humanos, coletivamente

significamos o mundo. Significado que pode ser expresso, partilhado,

dialogado, discordado, reconstruído, reformulado. Significados que podem se

manifestar por nossas palavras, no sentido mais ampliado que pudermos

atingir. Linguagem, palavra, voz que se torna experiência humana, que se torna

corpo.

Colello (2004) aponta que toda criança, ao ingressar na escola, dispõe

não apenas da fala, mas de comportamentos motores que, independente da

sua dimensão funcional e prática, representa também a face da própria

linguagem. Isso porque o corpo, tal como a palavra, transmite formas de ser e

de pensar, modos de fazer presente no mundo e interagir com os demais.

Para João Batista Freire (1989) citado por Colello, quando a totalidade

do organismo é bipartida em corpo e mente, não há como evitar a

supervalorização das atividades intelectuais em detrimento das físicas. A

conseqüência de tal postura é o desprezo daquilo que o mundo infantil tem de

mais evidente: a atividade, a necessidade de movimento e de vivência corporal.

Para o autor, a criança é especialista do brincar. O bloqueio do seu espaço de

ação é a própria negação da cultura infantil. Ao situar o enfoque na criança,

estamos tratando de um universo em que os atos motores são indispensáveis,

não só na relação com o mundo, mas também na compreensão das relações.

Por um lado, temos a atividade simbólica; por outro temos o mundo concreto,

real. Ligando-os está a atividade corporal.

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A partir dessas considerações, uma questão parece relevante, sobretudo

na análise de como a escola concebe as relações entre o corpo e a

alfabetização: na busca de seus objetivos, como a escola tem considerado a

atividade corporal da criança?

Segundo Colello (2004), tradicionalmente, a escola tem desconsiderado

a natureza da atividade motora das crianças, estas sofrem, desde os primeiros

dias de aula, uma restrição no seu modo de agir. O brinquedo, enquanto forma

de construção do real, parece não fazer parte das estratégias pedagógicas

para as quais o silêncio, a disciplina e a imobilidade são fundamentais. O

espaço da atividade infantil fica circunscrito à visão estreita em que o

movimento é considerado unilateralmente, isto é, destacado de qualquer outra

esfera do desenvolvimento humano.

Paralelamente, as educadoras trabalham a motricidade infantil, visando

apenas a uma mecânica padronizada de comportamento. Quando a escrita é

considerada um ato prioritariamente motor, a maior preocupação dos

alfabetizadores recai no treinamento das habilidades responsáveis pelos

aspectos figurativos da escrita (coordenação motora, discriminação visual e

organização visual). Os repetitivos exercícios de coordenação e os traçados

gráficos copiados a partir de um modelo são a tônica do “trabalho de

prontidão”, que tem por objetivo educar a mão para o desenho da escrita na

busca da boa caligrafia. Colello (2004) constata:

Quando o movimento é compreendido na sua real complexidade, torna-se impossível separar o “poder fazer” (dimensão psicomotora),“ o saber fazer” (dimensão cognitiva) e o “querer fazer” (dimensão sócio-afetiva). Tal constatação justifica o esforço para integrar o movimento às esferas educativas, numa dimensão simultaneamente revolucionária e significativa. (COLELLO, 2004, pág.19.)

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No que diz respeito à alfabetização, entende-se que os benefícios

conquistados pela “educação do corpo inteiro” interferem positivamente nesse

processo, não apenas no que tange à dimensão figurativa da escrita (caligrafia,

posição das letras e disposição do traçado no papel), mas também no que se

refere ao significado e compreensão do ato de escrever.

Aquele que escreve põe no papel mais do que sinais gráficos

convencionais, porque a escrita só existe quando o sujeito se torna capaz de

registrar a sua visão de mundo e o seu modo de ser. A alfabetização é uma

entre tantas realizações a serem conquistadas pela criança. Sem desmerecer o

valor da escrita, cumpre situá-la num rol mais amplo das possibilidades

interativas do homem.

Tudo isso nos faz pensar sobre que tipo de brincadeira tem-se

possibilitado às nossas crianças, que tipo de valores, de relações e de

aprendizagens. O brincar é conhecimento, conhecimento que se instaura e

inscreve-se como linguagem, a linguagem significa o mundo e instaura nossos

princípios éticos e estéticos. Tem-se na educação uma possibilidade de se

efetivar uns aos outros como sujeitos sociais, cidadãos, sujeitos humanos.

Educação como tempo e espaço de solidariedade e sensibilidade. Esse é o

grande desafio!

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CONCLUSÃO

Toda discussão sobre a educação escolar só terá sentido se for

previamente esclarecida a seguinte premissa: qual é a meta da educação

humana? É neste contexto que se deve pensar a educação infantil: dentro de

uma realidade concreta e palpável e não em termos de uma sociedade ideal.

Baseada numa proposta curricular que leva em consideração a vida da criança

na sociedade e tem como objetivo encontrar formas de não negar à criança o

seu direito de descobrir, explorar, ser livre e criativa.

A civilização atual é científica, materialista e dominada pela técnica.

Aliás, toda a civilização atual existe para satisfazer “necessidades” humanas,

sendo que estas são principalmente necessidades materiais ou semelhantes.

Contudo, Steiner entende que a organização social deve primar a meta

primordial, ou seja, garantir ao ser humano a sua autorrealização de acordo

com a sua realização intrínseca.

Aprender é, para a Pedagogia Waldorf e a Educação Humanista, um

processo global e complexo que se realiza em muitos níveis psicomentais.

Limitá-lo ao aspecto ‘informação’ ou conhecimento significa ignorar totalmente

o que aprender realmente é. Acelerar, se isso é possível, o desenvolvimento

cognitivo sem o desenvolvimento paralelo de todas as suas outras capacidades

implica numa quebra irreparável da personalidade total. Todavia, essa é a

conseqüência de um ensino programado, em que os conteúdos são

fragmentados, sem ligação entre si, levando a atomização do pensar.

Uma educação centrada na criança pode apresentar áreas-tema

(comunicação, música, artes, teatro, educação ambiental, sociedade), que são

pontos de partida para a facilitação da aprendizagem, pois a criança movida

pela sua curiosidade e seus interesses traçará o caminho da sua

aprendizagem, que deverá ser autodirigida e significativa.

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O ensino de abstrações, a aceleração como antecipação espontânea ou

induzida, de um processo de amadurecimento que se realiza normalmente em

época posterior, contraria a natureza da criança, perturbando seu

desenvolvimento. De qualquer forma, as antecipações, como: a alfabetização

precoce, o aumento das impressões sensoriais, o processo de urbanização, a

informatização precoce e o consumismo exacerbado implicam num rompimento

de equilíbrio, já que o desenvolvimento corpóreo, anímico e espiritual forma um

todo. Qualquer aceleração de uma capacidade tem seus reflexos sobre os

demais. O ser humano caracteriza-se por uma longa juventude, esta lhe

garante o tempo de aprendizado natural, necessário para o pleno

amadurecimento de sua personalidade global. Toda fixação em épocas

anteriores traz uma perda de mobilidade e abertura.

Só se pode falar em aprendizado autêntico quando este é realizado de

acordo com a disposição interior, produzida pelo amadurecimento, e quando se

integra na personalidade total como enriquecimento. Fora disso, o aprendizado

não tem sentido nem finalidade pedagógica: reduz-se a um simples

adestramento. Por isso, além do ‘o quê’, o ‘como’ e o ‘quando’ são de suma

importância no ensino.

A instituição de educação infantil deve conceber as crianças como

crianças. Ora, isso é óbvio! Contudo, se não há preocupação com a infância,

no sentido de continuar (re) inventando-a com o olhar da criança e não do

futuro adulto, corre-se o risco de levá-la ao desaparecimento.

É possível pensar que existe, sim, uma nova forma de ser criança,

construída em um contexto sóciohistórico, que assim é formador do ser

humano, é por ele constituído. Novas formas de ver a infância ficam claras

tanto no que diz respeito às concepções próprias das famílias e profissionais

da educação, quanto às políticas pedagógicas que encontramos atualmente.

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Narodowski (1996) citado por Wilke alerta que a infância pode significar

o ponto de partida e o ponto de chegada da pedagogia. Da mesma forma, a

instituição infantil pode representar o ponto de partida e o ponto de chegada da

infância. Em que medida a própria criança é levada em conta nestas

instituições? O que se faz de fato, pensando na criança, em sua realidade,

interesses e necessidades?

Educar significa promover o pleno desenvolvimento das capacidades

latentes em cada ser humano, fazendo da criança uma pessoa apta a integrar-

se no mundo com autoconfiança, consciência e criatividade. Para isso, mais do

que meramente informar e treinar para eventuais futuras disputas vestibulares

ou profissionais, ao educador, de uma forma geral, cabe assumir uma tarefa

verdadeiramente formativa e incentivadora das reais aptidões de seus alunos,

ajudando-os a superar possíveis obstáculos na descoberta de seus próprios

caminhos de vida. Para isso, se faz necessário uma compreensão da infância

por ela mesma, na sua realidade própria, e em respeito ao “tempo de ser

criança”.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 9

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I:

Desvendando o Crescimento: as fases evolutivas da infância 12

1. 1 A conquista do andar, falar e pensar. 14

1.2 O aprendizado da linguagem. 14

1.3 O despertar do pensar. 17

1.4 O nascimento do “eu”. 19

1.5 Dos cinco aos seis anos. 20

CAPÍTULO II:

A infância hoje. 22

2.1 A educação infantil na atualidade 25

CAPÍTULO III:

Educação Centrada na Criança. 27

3.1 A importância da escola no desenvolvimento

psicossocial da criança. 27

3.2 A Teoria de aprendizagem de Carl Rogers. 30

3.3 Como é a escola centrada na criança? 33

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CAPÍTULO IV

A Criança e o Brincar. 40

CONCLUSÃO 46

BIBLIOGRAFIA CITADA 49

ÍNDICE 52