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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NO ENSINO SUPERIOR Por: Maria das Graças Cândida de Souza Orientador: Prof. Vilson Sérgio de Carvalho Co-orientadora: Profª. Fernanda Sansão Ramos Mattos Salvador-Ba 2009 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NO ENSINO SUPERIOR

Por: Maria das Graças Cândida de Souza

Orientador: Prof. Vilson Sérgio de Carvalho

Co-orientadora: Profª. Fernanda Sansão Ramos Mattos

Salvador-Ba

2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NO ENSINO SUPERIOR

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre

– Universidade Candido Mendes como requisito parcial

para obtenção do grau de especialista em Docência do

Ensino Superior.

Por: Maria das Graças Cândida de Souza

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo dom da vida e do saber; aos colegas e amigos que me

ajudaram e me incentivaram no processo deste trabalho, quando estive ausente em

reuniões, comemorações etc. porque precisava ler para embasar o meu trabalho.

Agradeço a minha família, em especial meus filhos e a Fernanda Sansão, minha

orientadora, pela paciência e ajuda.

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DEDICATÓRIA

Aos professores e alunos que me

acompanharam durante esses 27 anos de

ensino. Sem eles, não perceberia tão

profundamente a importância da leitura nas

nossas vidas. “Sei que meu trabalho é uma

gota no oceano, mas sem ele, o oceano seria

menor”, segundo Madre Tereza de Calcutá.

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RESUMO

Este estudo objetivou explorar as relações entre compreensão em leitura e

desempenho acadêmico dos universitários. Trata-se de uma reflexão sobre a leitura

na escola e como essa atividade implica na realidade cultural brasileira.

Em seu primeiro capítulo, a pesquisa aborda o que é leitura, como ela tem sido vista

por professores e alunos, pois a relação cultura-aluno é clara e patente. No segundo

capítulo é abordado a leitura no Brasil, mostrando o despreparo do professor, a

desvantagem de se concorrer com a mensagem televisiva, o pouco investimento na

área em contrapartida com outros países, que mostram que a leitura é indispensável

e fundamental para a educação do indivíduo e analisa os vários modelos clássicos

da leitura. O terceiro capítulo versa sobre a construção de um leitor competente

sobre a construção de um leitor competente e autônomo, de forma que o aluno do

ensino superior possua competências básicas de leitura ao chegar a uma

Universidade.

Este trabalho monográfico busca refletir sobre o significado da leitura como forma de

obter aprendizagem no ensino superior e sua contribuição para a formação do

profissional.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, embasada em vários teóricos da

área de leitura que refletem sobre os aspectos metodológicos do ato de ler. Entre

eles estão Ezequiel Theodoro da Silva, Mara M. Monteiro, Regina Maria Braga,

Maria de Fátima Barros Silvestre, dentre outros, que serviram de base para essa

pesquisa.

Inicialmente, foi realizado um levantamento bibliográfico dos autores em bibliotecas

e livrarias que abordassem o tema da leitura. Logo após, foi realizada a leitura dos

livros escritos por esses autores e feita a análise e seleção do material coletado, que

serviram como embasamento para esse trabalho. Finalmente, foi feita a composição

dos capítulos dessa pesquisa.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - A Leitura 10

CAPÍTULO II - A Leitura no Brasil 14

CAPÍTULO III – A Leitura no Ensino Superior e a

Construção do Leitor 25

CONCLUSÃO 35

BIBLIOGRAFIA 36

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar a importância da leitura no ensino superior.

Não se tem a intenção de construir uma pedagogia da leitura, descobrir se ela

concorda ou não com a prática das professoras e nem observar se elas estão sendo

desenvolvidas corretamente; o objetivo maior é entender o porquê dos alunos

chegarem ao ensino superior sem o domínio da leitura, fazendo com que isso

influencie na interpretação e na produção de texto.

É compromisso do professor melhorar o trabalho pedagógico com a leitura, criando

momentos de reflexão sobre as práticas desenvolvidas, articulando as teorias que

orientam o agir e o fazer para a melhoria da leitura no âmbito educacional. Nesse

sentido, pretende-se analisar a forma de desenvolver atividades que dêem ao aluno

condições de escrever e interpretar através da prática da leitura. É preciso

questionar, pesquisar e encontrar caminhos para a superação da falta de leitura, o

que é um grande desafio.

A instituição acadêmica é de grande importância para o desenvolvimento da leitura,

pois, através dela, o ser humano pode fazer a sua leitura de mundo. A mesma tem

sido alvo de muitas pesquisas; infelizmente, ainda não se chegou a uma

metodologia ideal da leitura que possa ajudar as crianças, jovens e adultos a fim de

que esses problemas já não sejam percebidos no ensino superior.

É sabido que as principais transformações que vêm marcando o conjunto de

pesquisas pedagógicas possibilitam aos professores uma maior compreensão

teórica a respeito da natureza complexa da leitura. Assim, existe hoje uma maior

compreensão teórica sobre o processo de aquisição da leitura, o que tem ensejado o

desenvolvimento de projetos que buscam intervir nas práticas pedagógicas atuais,

tentando diminuir os problemas resultantes da falta de leitura.

Hoje, os alunos chegam às Universidades sem o domínio da leitura e o mesmo

influência, decisivamente na interpretação e na produção de textos. Neste trabalho,

inicialmente, pretende-se explicitar o que é a leitura. No decorrer do

desenvolvimento será feita uma análise geral da leitura e o mesmo será estruturado

em três partes.

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No capítulo I será abordado o que é a leitura, a sua relação com a cultura, o papel

do professor e as funções da leitura com o propósito básico da apreensão dos

significados. O capítulo II versa sobre a leitura no Brasil, suas contradições, o que se

tem feito de pesquisas nessa área, salientando os modelos clássicos de leitura e a

necessidade de uma reflexão sobre o ato de ler. No capítulo III será feita uma

abordagem da leitura no ensino superior, enfocando o ato de ler como ponto

primordial para a construção de um leitor competente e a necessidade de haver uma

mudança na pedagogia da leitura .

Como dizia Guimarães Rosa “Todo caminho da gente é resvaloso: mas também, cair

não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe, a gente volta!” Isso denota

que todo trabalho deve ser, constantemente, repensado para que haja melhoria. Não

é pretensão dessa pesquisa esgotar o estudo sobre a importância da leitura, mas

sim, uma tentativa de sistematizar algumas reflexões acerca de tão relevante

assunto.

O indivíduo privado das ferramentas da leitura e da escrita está sujeito à

marginalização – pessoal profissional e social. (Molina, 1992; Pinheiro, 1994;

Schaefer, 1996; Bianchetti, 1996).

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CAPÍTULO I

A LEITURA

A leitura é um instrumento pedagógico e cultural. Ler envolve um trajeto de

investigação cuidadoso e lento, pois exige uma série de reflexões de caráter

interdisciplinar. A leitura sempre foi um tema de preocupação para psicólogos e

educadores.

Tal presença começa no período de alfabetização quando a criança passa a

compreender o significado potencial de mensagens. Após essa fase, ela continua a

ter contato com livros e textos ao longo do ensino fundamental. Não se deve deixar

de perceber que as escolas concebem o livro- didático ou não – como um

instrumento básico, como um complemento às funções pedagógicas do professor.

Assim sendo, a leitura, como um instrumento de acesso à cultura e de aquisição de

experiências, é muito bem demonstrada por Joel Martins (1976) quando diz que:

“Ao trabalhar, como membro que é de uma equipe de uma escola, o professor está interessado em que seus alunos adquiram experiências. Estas experiências podem ser adquiridas através de um livro-texto, com textos elaborados e mimeografados, através da discussão em grupos, de pesquisas bibliográficas e de campo (...). O termo experiência deve ser concebido aqui no seu sentido mais amplo” (p.44.).

A relação cultura – leitura é clara e patente. Até mesmo a atualização dos

professores fica na dependência de leituras diversas até na preparação e

reformulação de seus programas de ensino. A leitura levanta-se como uma grande

fonte de inquietação dentro do cenário educacional brasileiro; podemos dizer que é

um grande enigma e o ensino dela parece ser realizado ao acaso, fazendo com que

professores ajam através do ensaio - e - erro.

É importante lembrar que o professor quando adota um livro ou seleciona textos, ele

é um co-responsável pelo ensino e encaminhamento da leitura. A mesma é uma

“exigência” que se faz presente nas disciplinas acadêmicas e os professores são,

implícita ou explicitamente, orientadores da leitura. Infelizmente, se os alunos não

aprendem a ler e se existe uma crise da leitura na escola, a culpa não é do corpo

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docente, mas, apenas, dos professores de Língua Portuguesa, como verbalizam

alguns educadores da atualidade.

Não se pode deixar de salientar o problema do despreparo do professor, o que não

deixa de ser um paradoxo, partindo do principio de que são raras as faculdades ou

universidades brasileiras que oferecem cursos na área de Metodologia da Leitura. A

lei da causalidade parece ser que, se alfabetizado, o aluno será capaz de ler todos

os tipos de mensagens escritas. Não resta dúvida de que a alfabetização é uma

condição necessária à formação do leitor, mas isso só ocorre quando os leitores, de

forma significativa, forem capazes de formar as referências e significados indicados

através de mensagens escritas.

As faculdades de Letras, que formam professores de Comunicação e Expressão, se

esquecem da problemática da leitura e se preocupam com análises importadas e

que estão na moda e com gramáticas esotéricas na área do Português. Porém, não

se pode deixar de citar que algumas faculdades tratam a Literatura Infantojuvenil

com a devida seriedade.

As autoridades educacionais, frequentemente, colocam recomendações, como o

Conselho Federal de Educação na resolução de maio de 1975, que diz:

“Que se estimulem, por todos os meios, o gosto da leitura e o uso do dicionário, quer em aula, quer no lar do estudante, para que se transformem em hábito” (BRASIL. Conselho Federal de Educação. Resolução de maio de 1975.).

O verbo “estimular” e a palavra “hábito” parecem indicar uma abordagem

mecanicista da leitura. Ao colocá-la como uma resposta a determinados estímulos,

correm o risco de eliminar os atos de refletir e de transformar que, decididamente,

devem fazer parte da atividade de leitura. Para que o “hábito” da leitura se

desenvolvesse, seria preciso que as escolas e as famílias permitissem o acesso ao

livro.

A maioria das escolas não possui bibliotecas, e, as que possuem, são mal utilizadas,

sem renovação de acervo, os locais são inapropriados etc. Além disso, o preço dos

livros, geralmente, está muito além das possibilidades financeiras dos alunos. Como,

então, incentivar “por todos os meios”, se os próprios meios não são fornecidos às

escolas?

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As experiências conseguidas através da leitura, facilitam o posicionamento do ser do

homem e são as grandes fontes de energia para impulsionar a descoberta,

elaboração e difusão do conhecimento. É importante, também, fazer algumas

reflexões sobre as funções da leitura. Luis Carlos Lisboa (1977) diz que:

“Quando se diz que o importante nos livros, está nas entrelinhas, ou atrás das palavras impressas, o que se quer dizer é que aquilo que os livros contem não é diferente da vida. Escritos por homens, eles refletem o que é humano” (p. 82.).

Perecebe-se assim que, leitura, enquanto uma forma de participação, somente é

possível de ser realizada entre os homens. Muitas vezes, a palavra comunicação é

restrita pelo senso comum da população, é apenas o como falar e escrever; porém,

ela envolve ouvir e ler, sem o interlocutor ou leitor não há possibilidade de

comunicação.

As funções da leitura podem ser explicitadas da seguinte forma:

1- Leitura é uma atividade essencial a qualquer área do conhecimento e mais

essencial ainda para a própria vida do ser humano. A leitura pode ser uma via

de acesso à herança cultural.

2- Leitura está intimamente relacionada com o sucesso acadêmico do ser que

aprende. Modernamente falando, a escola é a principal responsável pelo

ensino de ler e escrever, pois a escola ainda parece utilizar o livro como

principal instrumento de aprendizagem nas diversas áreas do conhecimento.

3- Leitura é um dos principais instrumentos que permite ao ser humano situar-se

com os outros, de discussão e de crítica para se poder chegar à práxis.

4- A facilitação da aprendizagem da leitura é um dos principais recursos de que

o professor dispõe para combater a massificação. O livro ainda é o veículo

mais importante para a criação, transmissão e transformação da cultura.

5- A leitura parece ser o único meio de desenvolver a originalidade e a

autenticidade dos seres que aprendem, pois possibilita a aquisição de

diferentes pontos de vista e alarga as experiências.

O propósito básico da leitura é a apreensão dos significados mediatizados ou

fixados pelo discurso escrito. Não basta decodificar as representações através de

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sinais e signos; o leitor transforma o texto e se transforma. Isso é bem descrito por

Naief Safady (1968), quando afirma:

“(...) o leitor curioso e interessado é aquele que está em constante conflito com o texto, conflito representado por uma ânsia incontida de compreender, de concordar, de discordar – conflito, enfim, onde quem lê não somente capta o objeto da leitura, como transmite ao texto lido as cargas de sua experiência humana e intelectual” (p.13.).

Assim, o encontro proporcionado pela leitura deve ser entendido como a

comunicação entre o leitor e os signos lingüísticos que formam a trama-tecido do

texto.

Os três propósitos fundamentais da leitura são compreender a mensagem,

compreender-se na mensagem, e compreender-se pela mensagem. “Ler é não só

uma ponte para a tomada de consciência, mas também um modo de existir, no qual

o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a

compreender-se no mundo” como diz Ezequiel Theodoro da Silva.

Diante das funções múltiplas e do seu papel ativo na educação e vida de qualquer

indivíduo, não se deveria refletir mais sobre o ato de ler e sobre a atividade de

leitura?

Diferentemente do passado, a leitura já não é mais o principal instrumento de

aculturação à disposição do homem contemporâneo, uma vez que o livro e os

demais produtos impressos têm diante de si um público real e potencial que se nutre

de outras experiências informativas e que passou a contar com outros processos de

aculturação, entre os quais estão juntamente os meios audiovisuais de

comunicação. Trata-se de um público que está acostumado a ler mensagens em

movimento. Portanto, as novas práticas de leitura dos novos leitores não podem

deixar de sofrer as influências dos novos comportamentos culturais.

A leitura e a escrita são de suma importância para a integração do homem na

sociedade. O aluno que lê bem, compreende o que lê, é capaz de construir, e

reconstruir seus conhecimentos de forma eficaz, superar erros e ou dificuldades,

transformar realidades, sem dúvidas, ter mais chances de sucesso na vida.

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CAPÍTULO II

A LEITURA NO BRASIL

A situação da leitura no Brasil é bastante contraditória: de um lado, a preparação

carente do professor, por outro, as recomendações irrealistas das autoridades

educacionais. A política é a do “deixa como está para ver como é que fica”, e isso

vem aumentando, vertiginosamente, o volume da crise.

Numa época em que a televisão padroniza o conteúdo das informações, barra as

possibilidades de escolha do receptor, cria obstáculos para o aparecimento de

indivíduos idiossincráticos, massificando a população, seria importante observar a

função da leitura dentro de um contexto educacional mais abrangente.

Etevaldo Siqueira (1977) diz:

“O Brasil é assim uma espécie de paraíso as televisão. Por que tem os ingredientes básicos para isso: grande massa de analfabetos e iletrados pouco exigentes, reduzidas opções de lazer, dificuldades econômicas recentes.” (p. 26)

Não se quer dizer que os veículos de comunicação não sirvam ou não se apliquem

para a circulação da cultura; o problema é que, no caso brasileiro, eles têm servido

às elites dominantes. Ao refletir sobre as vantagens do veiculo escrito sobre outros

meios de comunicação, Luis Carlos Lisboa (1977) diz que:

“O fato é que os chamados audiovisuais comunicam num tempo limitado, enquanto a letra impressa está sempre disponível. Além disso, esta dispõe de uma credibilidade de documento, podendo ser consultada, exibida e guardada. Depois, o escrito é procurado pelos que o consomem, enquanto a comunicação audiovisual no chega como uma visita. Isto implica numa participação maior no processo da comunicação (...); engenhosas telas e aparelhos eletrônicos (...) mais parecem pensar por nós do que transmitirem mensagens e informações.” (p. 41-42.)

Outro fator que é uma grande barreira para o desenvolvimento da leitura no Brasil é

o analfabetismo. É importante a alfabetização como condição necessária para a

formação do leitor crítico (Paulo Freire a vislumbrou em 1964). Ao analfabeto fica

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vedada a possibilidade de fruição dos bens culturais que compõem o patrimônio

literário da sociedade. É certo dizer que não existe tradição de leitura no Brasil. A

grande massa da população, sem condições para estudar, sempre aderiu aos meios

diretos da comunicação que não exigem educação formal para a sua recepção; por

isso, o sucesso do radio e da televisão, assim como o lazer proporcionado pela

leitura se restringiu aos que tiveram e têm acesso à escola. Assim sendo, a leitura

torna-se um bem ou um privilegio a ser desfrutado somente pelas elites.

Não resta duvida de que a questão econômica, como a inflação e o custo de vida,

servem como barreira para o desenvolvimento da leitura em relação à massa de

brasileiros. O livro é caro e faz com que se torne um objeto de luxo, pois numa

sociedade desigual faz com que a parcela pobre seja discriminada. As livrarias,

também, deixam muito a desejar, pois como diz Nelson Wernek Sodré (1978):

“(...) a comercialização do livro não acompanhou, de forma alguma, a expansão da demanda, permanecendo nos moldes rotineiros do passado. Ora, acontece que a inflação tornou praticamente inviável a montagem de livrarias nos grandes centros urbanos, pelo alto preço dos alugueis.” (p. 132-33.)

A mensagem televisiva chega unidirecionalmente e o telespectador em nada

contribui para a montagem das informações; sua percepção segue a percepção

daquilo que o produtor ou a censura achou importante; a sua participação, nesse

caso, é mera “deglutição”. Ler é participar mais crítica e ativamente da comunicação

humana. Fica, então, o questionamento de que se um país com uma enorme

incidência de analfabetos e com uma péssima política do livro, não merece uma

tematização mais incisiva quanto à problemática da leitura?

Enquanto em outros países a leitura é vista como parte indispensável e fundamental

para a educação do indivíduo, no Brasil, poucos foram aqueles que se dispuseram a

refletir sobre o problema. Nos estados Unidos foram publicadas 1.588 pesquisas na

área de leitura entre 1975 e 1977; no Brasil, nos dois levantamentos sobre pesquisa

educacional brasileira, feitos por Aparecida Joly Gouveia, constam apenas 50

pesquisas sobre leitura. Na verdade, a leitura do aluno brasileiro é um grande ponto

de interrogação.

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Pode-se dar como exemplo, o nível universitário, os quais estão presentes propostas

mais frequentes e mais diretamente relacionadas com pesquisas e discussão de

textos e, ainda, não houve nenhum inquérito sistemático e significativo que

enfocasse a natureza do aluno-leitor e/ou a natureza dos livros a ele apresentados.

Helen K. Smith, em editorial produzido para o Journal of Reading, já lembrava que:

“É essencial que saibamos mais sobre os fatores envolvidos na leitura eficiente, os interesses e preferências dos alunos-leitores numa sociedade em constante mudança, os efeitos da leitura em diferentes segmentos da população, os procedimentos apropriados para o ensino da leitura da população urbana (...) a lista poderia se estender interminavelmente (...) os estudos não precisam se originar do próprio investigador. As escolas estão frequentemente identificando os seus próprios problemas; poucas pesquisam a solução para esses problemas.” (Smith, 1977, Vol. X, XI, XII.)

As raras indicações sobre as leituras realizadas pelo aluno brasileiro, surgidas de

estudos ou levantamentos isolados, são bastante desoladoras. Nas palavras de

Fátima Miranda e Maria Stela Carrari, por exemplo,

“As crianças quase não lêem mais livros. Os adolescentes também não.” (Miranda e Carrari. Ano III nº 26, p. 31.)

Esse distanciamento é mais facilmente percebido quando o aluno adentra a

universidade. Existe uma insatisfação generalizada dos professores universitários

quanto ao nível de desempenho de leitura dos alunos. Algumas universidades, por

conta dos constantes reclamações dos professores quanto ao desempenho verbal

dos alunos, criaram cursos de recuperação em Língua portuguesa e os inseriram no

conjunto de disciplinas do currículo do curso básico. Alguns exemplos podem ser

dados como a Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, Universidade Federal

de Minas Gerais, Universidade Estadual do Ceará e uma série de faculdades de

menor porte.

Nas faculdades de Direito, onde se trabalha com a manipulação de palavras, o

problema da “incomunicação” dos alunos ganhou uma imagem tragicômica com

“Mau uso do Português pode cassar advogados”, in a Folha de São Paulo,

10/02/1978, p.6. O despreparo do aluno fez com que autoridades educacionais

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decretassem a inclusão da redação no vestibular. Após esse fato, o Caderno de

Pesquisas (Fundação Carlos Chagas) trouxe cerca de 20 pesquisas sobre redação.

Porém, o mesmo não aconteceu com a área de leitura. Tal descaso nos faz pensar

que no Brasil, aquilo que se chama “leitura”, nada mais é do que um processo

limitado de alfabetização; isto é, identifica-se o aluno-leitor com o estudante que

aprendeu a ler e só!

As pesquisas educacionais brasileiras no tocante à problemática da leitura deixam

muito a desejar quantativamente e qualitativamente falando. Assim, por falta de

dados teóricos empíricos, perde-se ou esvai-se a possibilidade de uma pedagogia

mais eficiente para a leitura realizada nas escolas. A falta de pesquisas sobre leitura

é contrabalançada pela ausência de bibliotecas escolas devidamente equipadas. O

desenvolvimento do chamado “hábito de leitura” muitas vezes fica no nível do

idealismo pela falta de livros e profissionais que atendam aos leitores. De nada

valem as pesquisas sobre os interesses da leitura se eles não serão alimentados por

obras diversificadas e de fácil acesso. Convém lembrar que a implantação de

bibliotecas escolares é regida por lei (Decreto estadual n° 32.056, de 30/04/1958).

Diante desse quadro, percebe-se que a problemática da leitura é um enigma que

não oferece pistas e nem condições concretas para a sua resolução – o que é

paradoxal, devido a crise da leitura que atravessa o país.

Várias ciências propuseram diferentes modelos para explicar o fenômeno da leitura.

Em Comunicação fala-se de decodificação do receptor; em Lingüística, de

apreensão da estrutura profunda de frases; em Cibernética, de feedback do leitor;

em Semiótica, de compreensão de signos; em Filosofia, de hermenêutica e exegese

e na Psicologia, a leitura tem sido explicada segundo a linha seguida pelo psicólogo,

a organísmica.

Os modelos que enfocam o homem como um organismo, assumem que a leitura

pode ser explicada somente através de termos reducionistas, como algo

corporificado, como um processo.

Jack A. Holmes (1954) propõe o que ele chama de "teoria dos fatores subjacentes

da leitura". Na realidade, é uma tentativa de relacionar mecanismos de

funcionamento do cérebro ao processo de leitura. Ele tenta identificar o conjunto de

habilidades que compõem o processo de leitura.

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Donald E. P. Smith e Patrícia M. Carigan (1959) oferecem um modelo do ato de ler,

fundamentado em considerações numerológicas. Segundo eles, a leitura eficiente

depende de transmissões simpáticas (relativo a zona de contato entre dois

neurônios) adequadas.

William S. Gray (1960) apresenta um elenco de habilidades que são acionadas

durante a leitura: perceber a palavra, compreender o que é lido, reagir às idéias

apresentadas pelo autor e assimilar o texto. Ele deixava explícito que a leitura é um

ato unitário, as habilidades operam simultaneamente.

George D. Spoche (1963) propõe um modelo explicativo da compreensão em leitura.

Ele alista um conjunto de trinta habilidades de leitura. O modelo caracteriza-se como

sendo uma classificação de habilidades a serem adquiridas pelo leitor, desde o

reconhecimento de informações até o pensamento crítico.

Helen M. Robinson (1966), por sua vez, adiciona um novo elemento ou habilidade,

que é a velocidade da leitura. Ela redefine as habilidades propostas por Gray. A

mesma afirma que a velocidade da leitura é uma função da flexibilidade do leitor e

da natureza do texto.

Keneth S. Goodman (1967) define a leitura como um processo seletivo. Propõe um

modelo complicado no qual inclui três tipos de memória, pistas gráficas, imagem

perceptual, escolhas semânticas, decodificação e sentido. Ele caracteriza a leitura

como um jogo de adivinhação. Goodman tenta visualizar a mente do leitor durante o

ato de ler.

Thomas C. Barret (1968) elaborou o que ele chama de taxionomia das Dimensões

Cognitivas e Afetivas da Compreensão. Trata-se de classificação hierarquizada dos

níveis cognitivos da compreensão: reconhecimento, memória, reorganização,

compreensão inferencial, avaliação e apreciação. Segundo ele, a compreensão não

deve ser considerada uma habilidade unitária, impossível de ser controlada.

Richard L. Venezeky e Robert C. Calfee (1970) apresentam um modelo enfocando a

competência em leitura. Esta é definida por meio de dois fatores: habilidade global

de leitura e a razão W-O (correlação entre a leitura oral e silenciosa).

Outros modelos poderiam ser abordados, porém, esses já são suficientes para

mostrar a pobreza e defeitos das abordagens organísmicas e funcionalistas que

tentaram explicar o ato de ler. A leitura é sempre colocada como um evento

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desligado da esfera humana, caracterizado como fenômeno físico. O produto dos

pesquisadores americanos é pautado na crença das Ciências Sociais, o homem é

apenas um elo da escola filogenética e, portanto, pode ser controlado e medido.

Por serem mecanicistas, fica apenas valorando a preocupação em torno da leitura

como fenômeno. Acredita-se que o erro maior é terem procurado nas ciências

exatas as respostas para uma problemática que é essencialmente humana. Em

nada ajudam a desvelar o ato psicológico de ler; muito pelo contrário, ocultam o

humano que se faz presente em todo ato de ler. A proliferação de modelos segundo

padrões objetivos de mensuração somente contribui para ocultar o humano que se

faz presente em todo o ato de ler.

Luis Carlos Lisboa (1977) ressalva algumas idéias quando discute aspectos da

cultura livresca:

"(...) um computador eletrônico pode acumular toneladas de dados sobre a via e o mundo, mas isso não o transforma num sábio. Falta-lhe a centelha magnífica do conhecimento no singular – o que só é concedido ao ser humano, tenha ele uma grande cultura ou não.” (p. 82.)

Busca-se um novo paradigma para o ato de ler, relacionando-o com a área

educacional. A intenção está voltada a um embasamento teórico que permita ver o

ato de ler como parte integrante e fundamental da vida humana. As relações

intencionais homem-mundo somente são possíveis de serem efetuadas porque

existem diferentes linguagens que medeiam as situações específicas de

comunicação. George Gusdorf lembra que:

"A linguagem manifesta o ser relacional do homem (...) é através das palavras que o sentido será buscado, por sua mediação como de um material do qual precisamos aprender a nos servir.” (Gusdorf, 1977, p. 54-55)

A linguagem oral sofreu limitações de espaço e tempo, então, o homem criou outras

formas de representação a fim de assegurar maior acesso à realidade, gerar e

produzir produtos culturais e, assim, fazer história. O próprio Gusdorf afirma:

"Há uma evolução a fala através dos tempos. A aparição de técnicas novas (para registro da fala) multiplica o seu alcance, abrindo-lhe dimensões inéditas que transformam a estrutura mesma da existência. O homem deixou de ser

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somente o homem que fala e se tornou o ser que escreve e lê (...) (Idem, ibidem, p. 115)”.

Com o advento da escrita, o homem passa de ouvinte a leitor. O lado da oralidade

(falar e ouvir) surge a escrita (escrever e ler). Deve-se lembrar que a oralidade é o

universo de referência da escrita, porém não se pode pensar a escrita como sendo

uma simples transposição desse universo. A escrita não fixa a linguagem oral, mas a

transforma, ou seja, o autor, ao acabar de escrever seu texto, ele deixa de ser autor

e passa a ser leitor. Aprender a ler é ter acesso a um mundo distinto daquele em

que a oralidade se instala e se organiza.

Escrever e ler são atos complementares; um não pode existir sem o outro. O ato de

ler envolve uma direção da consciência para a expressão escrita, capaz de gerar

pensamento e doação de significado. A leitura passa a ser, então, uma via de

acesso à participação do homem nas sociedades letradas na medida em que

permite a entrada e a participação no mundo da escrita; a experiência dos produtos

culturais só é possível pela existência de leitores. Assim sendo, a escola é uma

instituição formal que objetiva facilitar a aprendizagem não só do falar e ouvir, mas,

principalmente, de escrever e ler.

O alargamento dos horizontes e a descoberta de novos horizontes culturais só são

possíveis se forem efetuados através da intencionalidade da consciência ou da

direcionalidade para o objeto. Isso significa que a consciência está sempre aberta

para o mundo e que "consciência" significa, sempre, consciência de alguma coisa.

Alfred Schutz afirma:

“O caráter básico de nossas cogitações é o fato de serem “consciência de” alguma coisa. O fenômeno que aparece na reflexão é o objetivo intencional da intenção, sobre o qual penso, o qual eu tenho medo, etc.... Toda experiência é assim caracterizada não só pelo de que é uma consciência, mas também simultaneamente determinada pelo objeto da intenção da qual é uma consciência.” (Schutz, 1979, p. 58)

A escola, através da alfabetização, deveria ensinar uma nova forma de ler os

horizontes da cultura; é preciso compreender o discurso escrito em suas diferentes

formas. Se antes comunicava através da audição e da fala, após a fase da

alfabetização passaria a ler e a escrever. Assim, a leitura aumentaria as

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possibilidades de conhecer o outro e de se auto-conhecer, alongando as alternativas

de ver o mundo e, assim, permitiria a entrada e participação no mundo da escrita.

Qualquer discurso sobre a leitura, segundo a hermenêutica, visa o desvelamento de

sua natureza. Segundo Paul Ricouer,

“Hermenêutica é a teoria das operações da compreensão em sua relação com a interpretação de textos. (Ricouer, 1977, p. 17).”

Ler é, antes de tudo, compreender. A leitura é, antes de mais nada, compreensão.

Martin Heidegger (1962), na analise que faz da existência humana, assim a

caracteriza:

“Compreensão é o Ser existencial da potencialidade para Ser da própria existência humana; e é assim de tal modo que este Ser descobri em si o de que seu Ser é capaz.” (p. 182.)

A leitura torna-se uma fonte de inquietação e abre-se como uma possibilidade de ser

para o homem. A compreensão do mundo e de si podem ser enriquecidas através

da leitura. Para Emerich Coreth,

“(...) nosso mundo, a saber, o todo do nosso horizonte de compreensão, pelo qual se torna possível a compreensão de cada uma das coisas, é sempre um determinado “mundo lingüístico”, ou seja, um mundo aberto pela linguagem, linguisticamente interpretado, linguisticamente mediado e isso numa língua sempre determinada, historicamente recebida por tradição, língua em que crescemos, em que vivemos e pensamos e na qual se realiza a nossa compreensão.” (Coreth, 1973, p. 43.)

Esta referência nos leva a crer que a existência humana se manifesta, se concretiza

através da linguagem. Ao escrever e ler, o homem comunica-se com expressões

referenciais do mundo (documentos), inscritas por outro numa determinada obra. Ler

é o modo de manifestar a referência mediatizada através de uma obra ou, ainda,

encontrar uma nova possibilidade de existir. Compreender é enriquecer-se com

novas proposições de mundo; ler é detectar ou apreender as possibilidades de ser-

ao-mundo apresentadas pelos documentos que fazem parte do mundo da escrita.

Ricouer (1978) define interpretação como:

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“(...) é o trabalho de pensamento que consiste em decifrar o sentido oculto no sentido aparente, em desdobrar os níveis de significação implicados na significação implicados na significação literal.” (p. 15.)

A tarefa interpretativa inerente à leitura pode ser ainda melhor explicitada por

Ricouer (1977) em:

“(...) o texto deve poder, tanto do ponto de vista sociológico quanto do psicológico, descontextualizar-se de maneira a deixar-se recontextualizar numa nova situação: é o que justamente faz o ato de ler.” (p. 53.)

O trabalho interpretativo, portanto, revela-se como o desvelamento, elaboração e

explicitação das possibilidades de significação do documento, projetadas pela

compreensão. Ou seja, a interpretação descobre aquilo que a compreensão projeta.

A análise do ato de ler deve ser inserida no contexto do dialogo existencial, em suas

diversas formas. A existência humana se realiza através da dialética homem-mundo.

Educação é o resultado dessa dialética; o homem apreende os significados que

estão em circulação no interior do seu mundo histórico e cultural. Esta apreensão é

dialética porque o homem somente existe enquanto dialoga. A dialética é, enfim, a

lei fundamental do Ser. Fica, então, claro que a educação é a transformação do

homem e do mundo.

Realmente, se a educação for tomada como projeto, a importância das mensagens

escritas e do ato de ler torna-se bastante evidente. Uma mensagem escrita deixa de

ser mero conteúdo informativo para se transformar no pretexto (condição) para a

formação da consciência crítica.

Há varias exigências para o ato de ler. A primeira diz respeito ao seu criador

(emissor): o texto deve ser expressivo no diálogo existencial entre o seu criador e o

mundo. A segunda diz respeito ao contexto no qual o documento escrito se insere. A

terceira é que a mensagem deve voltar-se ao aluno-leitor; é preciso que ele se

constitua numa tentativa de comunicação com o outro, pois o texto só se manifesta à

medida que é lido. A quarta exigência diz respeito à linguagem, código por

excelência, através da qual vincula-se a mensagem escrita. Ela deve ser criativa

para o emissor e simbólica para o leitor. A ultima exigência diz respeito à própria

participação ou presença da mensagem escrita no diálogo educacional. Como toda

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questão existe para ser respondida, a resposta à mensuração escrita é o próprio ato

de ler, o exercício do leitor no diálogo educacional.

A criticidade faz com que o leitor não só compreenda as idéias veiculadas por um

autor, mas leva-o também a posicionar-se diante delas, dando início ao cotejo de

idéias projetadas na constatação. A leitura crítica sempre leva à produção ou

construção de um outro texto: o texto do próprio leitor. A leitura crítica deve ser

caracterizada como um Projeto, pois concretiza-se numa proposta pensada pelo ser

– no - mundo, dirigido ao outro. Segundo Maurice Merleau – Ponty (1962):

“Nunca há (...) pensamento que seja completamente pensamento e não peça palavras o meio de aparecer a si mesmo. Pensamento e palavras descontam-se reciprocamente. Substituem-se continuamente um ao outro (...). Todo pensamento vem das palavras e para elas regressa. Toda palavra nasceu em pensamentos e neles termina.” (p. 28-29.)

O ato de ler inicia-se quando um sujeito, através da sua percepção, toma

consciência de documentos escritos existentes no mundo. Ao buscar a

internacionalidade, o sujeito abre-se para possibilidades de significação, para as

proposições de mundo que os signos do documento evocam ou sugerem. Ao buscar

a compreensão do texto, o sujeito executa as atividades de constatação, cotejo e

transformação. Na primeira, o sujeito situa-se nos horizontes da mensagem,

destacando e enumerando possibilidades de significação; na última, o sujeito

interpreta os significados atribuídos; na transformação, o sujeito responde aos

horizontes evidenciados, re-elaborando-os em termos de novas possibilidades.

A leitura se manifesta, então, como a experiência resultante do trajeto seguido pela

consciência resultante do trajeto seguido pela consciência do sujeito em seu projeto

de desenvolvimento do texto. É essa mesma experiência que vai permitir a

emergência do ser leitor. Por sua vez, os novos significados apreendidos na

experiência do leitor fazem com que este se posicione em relação ao documento

lido, o que pode gerar possibilidades de modificação do texto evidenciado através do

documento.

A leitura, se compreendida segundo esses parâmetros, facilita o surgimento da

reflexão e da tomada de posição. “Reflexão” significa a apropriação do nosso ato de

existir, através de uma crítica aplicada às obras escritas. “Tomada de posição”

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significa o confronto dos significados desvelados e a participação na busca da

verdade. Por isso mesmo, a leitura deve ser colocada como um instrumento de

participação e renovação cultural.

Pode-se resumir o ato de ler através das seguintes estruturas:

(Silva, 2005, p. 92.)

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CAPÍTULO III

A LEITURA NO ENSINO SUPERIOR E A CONSTRUÇÃO DO LEITOR

Nas universidades de hoje, nos deparamos com estudantes que não têm o hábito de

ler e demonstram as dificuldades em interpretar e produzir textos. Percebe-se que o

estudante universitário da atualidade não sabe fazer pesquisas, usam a internet de

forma equivocada (recorte/cola), tem dificuldades em relacionar assuntos e não são

estimulados a ler. Normalmente, os universitários lêem os textos evidenciando os

parágrafos e, assim, não têm o entendimento da sua totalidade e fazem a leitura fora

do contexto.

Sabe-se que este estudante não foi treinado no trabalho com texto, o faz na

superficialidade e não aprende a buscar e construir o seu próprio conhecimento, fato

que vem dificultando a sua produção acadêmica. Pela lógica, os estudantes

universitários deveriam ter um preparo maior, mas o que se vê é que eles

demonstram a mesma dificuldade que os alunos do ensino médio têm. Tudo isso

ocorre pela falta de hábito da leitura. Se não lêem, não acumulam conhecimento

amplo e as palavras ficam restritas, prejudicando a fala e a escrita.

É notório que o aluno ao ingressar no mundo universitário, ele precisará ler,

pesquisar, e, para isso, ele necessitará de habilidades e competência que deveriam

ser adquiridas na sua vida estudantil. Ele, na universidade, será mais exigido e, se o

mesmo não consegue ir adiante, as dificuldades aparecerão e o levarão ao

desestímulo. Muitos universitários não têm facilidade em resumir os textos e isso

ocorre porque ele não entendem o que lêem, não consegue extrapolar; talvez,

porque durante a sua vida acadêmica isso não foi trabalhado o suficiente para que,

ao chegar á universidade, eles logrem sucesso.

Não se pode culpar a Escola Fundamental ou o Ensino Médio. O que as

Universidades têm feito e oferecido para sanar este problema? É importante que o

professor universitário conheça a fundamentação teórica sobre o ensino da leitura a

fim de que possa fundamentar sua ação pedagógica. Os alunos ingressam no curso

superior, apresentando grandes dificuldades em relação à leitura e isso ocorre

devido à ausência de tradição no ensino do país de práticas docentes que

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conduzam à formação de um leitor competente. A dificuldade existe e não adianta

colocar a culpa em outros segmentos ou ignorar o fato; é preciso oferecer condições

para que os alunos sanem suas deficiências e isso não ocorrerá por acaso, é

necessário um trabalho concreto do professor universitário.

A ação docente deve ser referendada pelos quatro pilares da educação superior

contemporânea. O relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre a

Educação para o século XXI mostra que é preciso aprender a conhecer, aprender a

fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Rios (1999) afirma que:

(...) o saber fazer bem tem dimensão técnica a do saber e o do saber fazer, isto é, do domínio dos conteúdos de que o sujeito necessita para desempenhar o seu papel, aquilo que se requer dele socialmente, articulado com o domínio das técnicas, das estratégias que permitam que ele, digamos, “dê conta de seu recado” em seu trabalho. (p.47).

Não resta dúvida de que é necessário desenvolver a autonomia nos alunos, eles

devem aprender a aprender. É preciso dar-lhes condição de refletir, analisar e tomar

consciência do que sabe e tentar mudar os conceitos e adquirir novos

conhecimentos. Conforme Saviani (1992):

(...) a compreensão da natureza da educação, enquanto um trabalho não material, cujo produto não se separa do ato de produção, nos permite situar a especificidade da educação como referida aos conhecimentos, idéias, conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto dos elementos necessários à formação da humanidade em cada indivíduo singular, na forma de uma segunda natureza, que se produz, deliberada e intencionalmente, através de relações pedagógicas historicamente determinadas que se travam entre os homens (p.29).

Percebe-se, assim, que a leitura é essencial para o aprendizado do aluno

universitário, implica na sua formação acadêmica e no seu desempenho como futuro

profissional. Os pesquisadores têm alertado para o ensino da leitura e de que é

preciso ir além dos conhecimentos específicos, se faz necessário ter fundamentação

teórica sobre o ensino da leitura e trabalhá-la em sala de aula.

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A importância da leitura no ensino superior contribuirá para a correspondência das

necessidades emergentes do ensino atual, ou seja, conduzirá o aluno à produção de

novos conhecimentos, sem deixar de lado o conhecimento já elaborado. O aluno só

se posicionará criticamente diante de um texto, quando ele compreender as ideias

apresentadas no mesmo. As práticas empregadas levam o aluno à reprodução e à

memorização, porém, não ocorre a aprendizagem significativa. O professor

universitário, nesse contexto, deve criar oportunidades em sala de aula se ele

percebe que o aluno ainda não desenvolveu as habilidades necessárias para a

compreensão de textos. Freire (1999) afirma:

(...) A compreensão do texto a ser alcançada pela leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto (p.11).

Faz-se necessário, na leitura de um texto, além da compreensão do seu conteúdo,

ter postura constante de busca e uma relação dialógica com seu autor. Até que o

aluno adquira autonomia, o professor universitário deve elaborar atividades, visando

a ensinar o aluno, através de um modelo, a ler com objetivos pré-determinados. O

aluno deve ser preparado para conhecer as “marcas linguísticas” do texto e alertado

para o fato de que elas estão inseridas na própria gramática da língua. O estudante

universitário deve perceber que é preciso recriar o texto a partir do conhecimento e

da visão de um mundo de cada um; em cada nova leitura poder-se-á descobrir

novas significações.

São objetivos e finalidades do ensino superior, a importância do domínio do ato de

ler como posição de destaque, pois estabelece uma relação direta com a

aprendizagem. Ter o domínio da leitura é condição para se efetivar a aprendizagem.

O aluno que aprende a aprender é aquele que é leitor. Ele domina uma técnica de

leitura e tem, em relação ao texto, uma posição de aprendizagem, de busca e uma

postura crítica. Dominar a leitura conduz o aluno universitário a uma atividade ativa,

dinâmica e crítica em relação ao conhecimento.

Severino (1998) se refere à Universidade “como lugar de construção de

conhecimento cientifico, filosófico e artístico.” Professor e aluno são desafiados a

buscar o conhecimento novo de forma crítica, reflexiva e criativa. Faz-se necessário

definir a clientela, considerar os conhecimentos já existentes dos alunos e as suas

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dificuldades. É preciso realizar um trabalho que desenvolva no aluno a capacidade

de aprender a aprender. É necessário criar e inovar sempre.

Não se pode esquecer de que, se é cobrado do universitário reflexão para entrar em

uma universidade, não é correto que, ao longo do curso universitário, ele não seja

capaz de refletir e escrever de forma crítica sobre vários pontos fornecidos, em

diferentes áreas do conhecimento. Escreve mal aquele que não tem o que dizer

porque não aprendeu a organizar seu pensamento. Para Harold Bloom (1996), o

sujeito que pretende desenvolver a capacidade de formar opiniões críticas e chegar

a avaliações pessoais necessita ler por iniciativa própria. Não ler apenas por

conveniência. Não ler apenas livros técnicos, referentes ao seu curso, ou ler por

indicação de outra pessoa; é, acima de tudo, ler por prazer, por desejo próprio de

conhecer algo.

Caso o universitário não crie o hábito de escrever em sala de aula, será impossível

minimizar as dificuldades existentes na hora de escrever em casa. Ele deve

enxergar na escrita o meio por que suas ideias serão organizadas e divulgadas a

outras pessoas. Tratando-se de um profissional, vale ressaltar que está em jogo

uma carreira que pode desmoronar, pelo simples fato de um profissional escrever

um relatório cheio de erros, eles devem ser sanados, se não o foram no Ensino

fundamental e no Médio, será na Universidade a partir de um exercício constante de

leitura e escrita. É imprescindível repensar o papel do ato de ler e escrever na

universidade, epicentro do saber, espaço de reflexão, debate, leitura e de muita

escrita. Deve-se criar maneiras para que a leitura e a escrita façam parte do

cotidiano estudantil.

A universidade tem o dever de proporcionar ao estudante uma formação que lhe

propicie condições de desenvolver uma leitura eficaz, principalmente no que tange à

leitura técnico - científica, que é primordial ao futuro desempenho profissional desse

estudante. (WITTER, 1996).

Centofante, Ferreira e Del Tedesco (1997) consideram que as universidades

deveriam dar maior importância à leitura e tornarem o professor universitário co-

responsável pela tarefa de orientar seus alunos no aperfeiçoamento dessa

habilidade. Hoje, tem-se claro que a apropriação efetiva da linguagem verbal não

pode recair apenas na mão dos professores de Língua Portuguesa.

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O que tem ocorrido com os professores das diversas áreas do conhecimento é a

falta de noção dessa responsabilidade e também a falta de informação sobre

algumas questões fundamentais que envolvem a aprendizagem da leitura, conforme

PCN.

“Para formar cidadãos capazes de compreender os diferentes textos com os quais se defrontam, é preciso organizar um trabalho educativo de modo a permitir que experimentem e aprendam isso na escola, principalmente se os alunos não têm um contato sistemático com bons leitores. Quando não participam de práticas em que ler é indispensável, essa pode ser a única oportunidade desses alunos interagirem com textos cuja finalidade não seja apenas a resolução de problemas do cotidiano.” (PCN, 1999).

Segundo Joseline Giasson (1993),

“a maior parte de nossas estratégias pedagógicas de leitura baseia-se na experiência e no senso comum. Contudo, chegamos a um ponto em que já não basta confiarmos na intuição e na experiência” (p.14).

Madalena Contente (1995) afirma:

“A leitura perde, por vezes, o seu estatuto de objeto de ensino para se tornar uma atividade a serviço de outras aprendizagens. Por isso, acontece que normalmente não se considera a organização estratégica da leitura como um conjunto de competências que deve ser parte do objeto de uma aprendizagem” (p.14).

Para formar um leitor e um produtor de textos competente e autônomo, capaz de

compreender e interpretar aquilo que lê, construir significados e transformá-los em

palavras, exige-se do professor a intervenção adequada, continua e explícita durante

toda a vida escolar do aluno. Essa intervenção precisa ocorrer de forma consciente

e sistemática antes, durante e depois das atividades de leitura.

Quando se trata de leitura e de escrita, a grande maioria dos alunos é crucificada

por não ler e por escrever mal. Não se pode esquecer, no entanto, que ler e

escrever precisam ser ensinados continuamente para serem aprendidos e, só então,

cobrados. Não se pode exigir que o aluno desenvolva autonomia de forma

autônoma.

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“Para tornar os alunos bons leitores, a escola terá de mobilizá-los internamente, pois aprender a ler exige esforço. É preciso torná-los confiantes, para aceitar desafios mais complexos e aprender fazendo.” (PCN, 1999).

O ato de ler implica ler o mundo, mesmo antes, e até depois, de termos acesso ao

código escrito; portanto, entra em jogo toda a experiência existencial do leitor e que,

ler é um processo ativo, depende da interação texto – leitor.

Paulo Freire (1988), no seu artigo “A importância do ato de ler” diz:

“Me parece indispensável, ao procurar falar de tal importância, dizer algo do momento em que me preparava para aqui estar hoje; dizer algo do processo em que me inseri enquanto ia escrevendo este texto que agora leio, processo que envolvia uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade prendem-se dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado – e até gostosamente – a ´reler´ momentos fundamentais de minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica do ato de ler se veio dentro de mim constituído.” (p.72)

É preciso levar em conta na atividade de leitura a condição prévia do aluno. Assim, o

professor, no momento em que pretender colocar nas mãos do aluno um texto, um

livro, tem necessariamente que mobilizar seu conhecimento: a sua leitura de mundo,

além de seus conhecimentos sobre a língua - fonológicos, sintáticos, semânticos.

Jocelyne Giasson (1993) confirma:

“A compreensão na leitura não pode dar-se, se não houver nada com que o leitor possa relacionar a nova informação fornecida pelo texto. Para compreender, o leitor deve estabelecer relações entre o novo (o texto) e o conhecido (os seus conhecimentos anteriores).” (p.18).

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E Jean Foucambert (1994) define:

“Tanto para um leitor iniciante como para um leitor efetivo, ler é mobilizar tudo quanto se conhece.” (p.18)

Quanto mais o aluno lê, com orientação e mediação do professor, mais adquire

autonomia para processar outros textos e perceber a importância da produção

escrita como registro da herança cultural. A respeito dessa importância da produção

escrita, diz Sonia Kramer:

“Linguagem escrita é sobretudo linguagem, assim a compreendo. Enquanto linguagem, ela guarda a possibilidade de recuperar a história, de imprimir marcas, de conferir sentidos e fazer sentido das coisas. Quer dizer, toda escrita é uma reescrita e, como tal, a escrita é confronto, encontro, e desencontro, diálogo. Uma escrita se relaciona com a vida, com as suas contradições, diferenças, tantas vozes nela presentes quantas são as possibilidades do entendimento. A escrita apresenta o vivido, e não apenas o representa; mas ela também anuncia o novo, e não somente retrata o velho. E mais: ela pode denunciar o velho e não apenas sugerir o novo. “Velhonovo, novovelho num processo que rasga e tece as palavras, que rasga e tece a história.” (KRAMER apud BRAGA, 2009, p.19).

A produção escrita que chega à mão do aluno não é um produto isolado, não ocorre

no vazio, mas é consequência da integração de um complexo mundo

socioeconômico. Se a compreensão emerge da relação texto – leitor, quanto mais

ele souber sobre o que será lido, mais possibilidade terá de interagir, de criar uma

rede de relações, de minimizar as dificuldades e de construir significados.

Segundo Josette Jolibert (1994):

“o escrito não começa com uma folha de papel escrito mimeografada ou fotocopiada pelo professor e colocada, desta forma, à vista das crianças. O Escrito é um mundo econômico, industrial, comercial, cujo próprio funcionamento determina a natureza, a apresentação e o conteúdo dos escritos produzidos. [...] Escritos complexos, padronizados, característicos de uma sociedade e de uma época determinadas e em geral constituídos por muitos textos diferentes: jornais, revistas, livros, catálogos, dicionários, disquetes de informática etc.” (p.20).

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Toda leitura sempre tem uma intenção. Se nós, leitores experientes, observamos a

nossa própria relação com a leitura, muito poderemos aprender sobre o

comportamento do aluno diante dela. O que temos observado a respeito da leitura é

que o professor centra sua atenção na escolha do objeto – o texto, o livro – e

esquece o sujeito – o aluno – o leitor. Muitas vezes, não há nenhum procedimento

pedagógico, ficando a leitura por conta, exclusivamente, do aluno. A leitura não é

algo passivo, depende da interação, texto – leitor, momento também em que o leitor

e autor se aproximam por meio do texto. Eliana Vianna Brito diz:

“Portanto, é a partir dos objetivos da leitura e do constante confronto entre o conhecimento prévio do leitor e os dados do texto que se constrói o sentido, que se processa a compreensão. Sendo assim, ao realizar uma leitura com fins específicos e ao procurar adotar os diferentes níveis de leitura, o individuo estará a caminho não só de uma melhor compreensão de um texto, como também estará desenvolvendo sua capacidade de produção textual, na medida em que as atividades de leitura e de escrita são processos de construção de significado.” (BRITO, 1991, p.23).

Para que o aluno chegue a ser um leitor, todo um caminho de aprendizagem da

leitura precisa ter sido percorrido. É preciso que haja etapas, como a pré – leitura,

leitura – descoberta e a pós – leitura. A pré – leitura é o momento em que se ativa o

conhecimento prévio do aluno – leitor, mediante habilidades de investigação:

adivinhar, formular hipóteses, fazer previsões, buscar alternativas, selecionar

possibilidades, imaginar. Segundo Angélica Sátiro e Irene de Püig:

“invetigação´, esta palavra vem do latim investigatio, investigationis [...] significa ´seguir os sinais´. Isso supõe que antes de iniciar um processo de investigação, é necessário existir algo que sinalize, para que se possa seguir as pistas desse algo. [...] As habilidades de investigação são contínuas ao longo das faixas etárias. Da infância à terceira idade, as diferenças que existem são de grau e não de espécie. Isso é o mesmo que dizer que essas habilidades vão se aprofundando e ampliando ao longo dos anos, realizando um movimento em espiral. Com as habilidades de investigação, o aluno trabalha a sua memória, a sua capacidade de previsão, associando suas experiências atuais com as passadas e com aquilo que espera que aconteça. [...] A prática investigativa possibilita a aprendizagem de associação entre coisas passadas, expectativas futuras e acontecimentos atuais. Quando investiga, o aluno aprende a seguir os vestígios deixados pelo mundo.

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As habilidades de investigação não se dirigem somente ao mundo da ciência. Elas abrangem também a condição de especuladores que têm os filósofos e os ´curiosos´ intelectuais”.( SÁTIRO; PÜIG, 2000. p.27)

É importante que as atividades desenvolvidas nessa etapa de pré – leitura sejam

registradas por escrito. A leitura – descoberta é a fase do reconhecimento do código,

da projeção dos conhecimentos do leitor sobre o texto, da verificação de hipóteses,

da construção de sentidos. A leitura não é feita de uma só vez, indiscriminadamente,

mas, sim, de modo seletivo. Frank Smith (1989) esclarece:

“O cérebro não tem tempo para atentar para todas as informações impressas, e pode ser facilmente inundado pela informação visual. Nem a memória é capaz de lidar com todas as informações que poderiam estar disponíveis em uma pagina. O segredo para a leitura eficiente é não ler indiscriminadamente, mas fazer uma amostragem do texto. O cérebro deve ser parcimonioso, fazendo um uso máximo daquilo que já sabe e analisando o mínimo de informação visual necessária para a verificação ou modificação do que já pode ser previsto quanto ao texto. [...] A seletividade para a coleta e analise de amostragens da informação visual disponível no texto vem com a experiência da leitura. [...] O cérebro é capaz de direcionar corretamente os olhos, na leitura e em outros aspectos da visão, desde que compreenda o que deve procurar.” (p.29).

Na pós – leitura o aluno – leitor poderá utilizar criticamente o sentido construído,

refletir sobre as informações recebidas e, assim, construir conhecimento. Essa é

uma outra importante etapa da leitura, pois consiste na fase de ampliação,

confirmação ou transformação da visão de mundo do leitor, na fase do confronto do

sentido construído com seu próprio sistema de valores. As atividades de leitura

devem ter compromisso com a formação de leitores críticos, capazes de refletir

sobre os discursos e também de produzir outros. Os PCN sinalizam, por exemplo,

que:

“toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência lingüística e proficiência discursiva. [...] Deve reconhecer que são os textos que favorecem a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas os mais vitais

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para a plena participação numa sociedade letrada”. (PCN, 1999)

Quando o aluno passa por esses três processos, ele descobre novos sentidos no ato

de ler e se torna um leitor apaixonado e autônomo.

Percebe-se que é preciso abrir caminho para a formulação de uma nova Pedagogia

da Leitura, a ser pensada por todos aqueles que estão envolvidos com a educação

brasileira. Os elementos dessa nova Pedagogia devem ser trabalhados em função

de uma Psicologia da Leitura que fale do Homem na sua manifestação como leitor.

O discurso sobre a leitura tem de continuar. Deve-se pensar na reconstituição da

fecundidade da leitura.

É preciso tratar a leitura não de forma idealizadora, mas com responsabilidade.

Desde o momento que a criança aprende a ler até o nível universitário deve-se

colocar a leitura de forma sistemática, constante; assim sendo, não teremos alunos

com dificuldades para interpretar textos e eles escreverão melhor. Faz-se necessário

investir no educador, oferecendo preparo na área de Metodologia da Leitura, pois a

leitura é um processo de construção de conhecimento.

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CONCLUSÃO

A leitura e a escrita são elementos de fundamental importância para a inserção do

homem na sociedade, por isso deve ser iniciada desde os primeiros anos escolares,

servindo de base para sua vida escolar e social. No entanto, essa preparação passa

por diversos caminhos, dentre eles, a implantação de projetos e programas

elaborados pelo sistema de ensino. Mas, para que eles possam alcançar seus

objetivos, todos os envolvidos devem de antemão conhecê-los e fundamentar-se

teoricamente para dar suporte à prática docente.

Foram esses desencontros iniciais que desencadearam as dificuldades na aquisição

da leitura e escrita dos alunos no ensino superior. É no espaço da sala de aula que

os projetos educacionais se concretizam. O professor é o responsável pela

execução, sendo a aprendizagem do aluno o resultado final. Assim sendo, é

indispensável que todo projeto seja assessorado por medidas pedagógicas.

As Universidades devem ter empenho administrativo e dos profissionais em

educação superior como forma de superar as dificuldades detectadas. O ensino

superior tem que ter uma nova estrutura, contar com profissionais capacitados,

seguros da função que desempenham, comprometidos com a oferta de uma

educação de qualidade voltada para a construção da cidadania.

Vale ressaltar que o enfoque dessa pesquisa foi mostrar a importância da leitura. É

preciso que lei, administração e docência possam trabalhar juntos para fazer do

Brasil um país de leitores. As Universidades precisam inserir no seu currículo a

disciplina “Pedagogia da leitura” como forma de minorar o problema. Espera-se que

essa monografia seja suporte de reflexão para os profissionais em educação que se

preocupam e se comprometem em fazer da leitura e da escrita o caminho para a

construção de uma sociedade politizada e ciente de que as portas do mundo se

abrem através da oferta de uma educação de qualidade.

Este não é um trabalho que termina, mas uma caminhada que recomeça com outro

jeito de olhar e, com certeza, de que “ninguém caminha sem aprender a caminhar,

sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o

sonho por causa do qual a gente se pôs a caminhar.” (Freire, 1992, p.55).

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