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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
FACULDADE INTEGRADA AVM
PÓS-GRADUACAO LATO SENSU
LIBERDADE ASSISTIDA E REINSERÇÃO SOCIAL DOS ADOLESCENTES INFRATORES
Por: Verónica Claudia Torre
Orientador
Prof. William Rocha
Rio de Janeiro
2015
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUACAO LATO SENSU
AVM FACULDADE INTEGRADA
LIBERDADE ASSISTIDA E A REINSERÇAO SOCIAL DOS ADOLESCENTES INFRATORES
Apresentação de monografia à AVM – Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Psicologia Jurídica.
Por: Verónica Claudia Torre.
3
AGRADECIMENTOS
A Leonardo, que me incentivou na continuação de meus estudos, aos professores que me deram ferramentas para questionar e repensar a atual realidade social e ao SPF que possibilitou minha formação profissional no Brasil.
4
DEDICATORIA
Dedico o presente trabalho a Bárbara, Joanna, Eva, Florência, Yamila, China, e a todas as meninas que me permitiram acompanha-las em momentos tão difíceis das suas vidas e que tanto me tem ensinado.
5
RESUMO
O presente trabalho é uma análise da Liberdade Assistida (L.A.),
considerada um instrumento privilegiado para o logro da reinserção social do
adolescente em conflito com a lei. Trata-se de uma via de enfrentamento das
questões que envolvem a pratica infracional de adolescentes que possibilita que o
jovem responda sem a perda da sua liberdade, visando pelo fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários mediante a disponibilização de maiores
oportunidades de acesso aos bens e serviços sociais.
Embora a L.A. seja considerada a medida socioeducativa que proporciona o
trato mais humano, qualificado e em total concordância com as diretrizes do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não existem numerosos estúdios
que aprofundem na estrutura conceitual da mesma. As poucas pesquisas
dedicadas à questão, salientam as múltiplas dificuldades na execução, indicando a
existência de uma brecha significativa entre os lineamentos jurídicos que norteiam
a medida e a forma em que a L.A. tem sido executada nos diferentes setores do
pais.
Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da
problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos para a
compreensão da estrutura que sustenta a medida na atualidade. Realiza-se a
continuação a géneses da liberdade assistida perante uma revisão das primeiras
legislações sob infância e juventude que abordaram a problemática, pois se partiu
da ideia de que as significações veiculadas nas legislações passadas têm seu
efeito nas atuais concepções sobre a Liberdade Assistida e resultam fundamentais
para esclarecer o quadro de situação presente. A concepção vigente da L. A.,
segundo como é concebida dentro do atual paradigma de proteção integral, se
realizou integrando ao analise, elementos próprios do contexto sociopolítico na
qual a medida se executa. É neste contexto capitalista, em donde as
necessidades do mercado tem mais importância do que as necessidades
6
humanas que é possível entender as contradições e conflitos que atravessam não
só a L.A., mas bem o sistema socioeducativo todo. O trabalho monográfico conclui
com a aproximação ao cotidiano de quatro programas municipais a cargo da
execução da L. A. nos municípios de Natal, Porto Alegre, Serra e Belo Horizonte,
analisando pontos em comum, diferencias, aspectos positivos, negativos e,
resgatando principalmente intervenções e práticas que construam novas
alternativas na vida dos adolescentes envolvidos com a pratica de atos
infracionais.
7
METODOLOGIA
Para a construção da monografia se levou a cabo um trabalho bibliográfico,
de tipo exploratório que seguiu o seguinte percurso: inicialmente, se realizou uma
revisão histórica das respostas ás infrações dos adolescentes no Brasil, com o fim
de esclarecer o processo que originou as medidas socioeducativas. A
continuação, se pesquisou material bibliográfico com a finalidade de ilustrar o atual
funcionamento da medida. Para avaliar a atual aplicação dos programas de
Liberdade Assistida, se consultou bibliografia e webgrafia atual sobre a aplicação
de programas em diversas regiões do Brasil.
O método utilizado no trabalho não é apenas descritivo ou compreensivo da
problemática, pois procura-se refletir criticamente sobre os valores éticos e
políticos que subjazem à conceptualização e abordagem da problemática
planteada.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÂO 9
CAPITULO I - Conceitos básicos 12
1.1 Adolescência, ato infracional e reinserção social 12
1.2 Medidas socioeducativas segundo a legislação 13
1.3 O Projeto social vigente 19
CAPITULO II - Antecedentes históricos 22
2.1 O período do Brasil Colônia 23
2.2 A legislação no Brasil Império 23
2.3 A república e o surgimento da criança criminosa 24
2.4 A “situação irregular” e o nascimento da Liberdade Assistida 29
CAPITULO III – A Liberdade Assistida na legislação atual 34
3.1 O paradigma da proteção integral 34
3.2 A Liberdade Assistida no ECA 37
3.3 O plano de atendimento 41
3.4 A distância entre a lei e as práticas 43
CAPITULO IV – Os programas de execução 45
4.1 Dados nacionais 45
4.2 Programas municipais 46
4.3 Imposição da medida 47
4.4 Perfil dos jovens em cumprimento da medida 48
4.5 Proposta metodológica 49
4.6 A escassez dos recursos 50
4.7 Atividades desenvolvidas 51
CONCLUSÃO 56
BIBLIOGRAFIA 61
INDICE 64
9
INTRODUÇAO
Tanto as crescentes situações de violência que envolvem adolescentes
quanto a resposta que o Estado dá ao problema, tem mobilizado a opinião pública,
a mídia e distintos sectores da sociedade brasileira. Tais atos infracionais,
provocam na população sentimentos de medo e indignação por se sentir privada
do seu direito a segurança, exigindo às vezes aumento no rigor da punição e a
redução da maioridade penal.
Outros setores da sociedade, mais afines com as premissas do
paradigma de proteção integral, interpretam-se os atos infracionais como
respostas ou indicadores da desigualdade social que caracteriza a vida dos
denominados “pivetes”.
Se os adolescentes são infratores da lei desde uma perspectiva, mas
vítimas do contexto social e familiar desde a outra, qual é a direção que deveria ter
a intervenção (judicial, assistencial, profissional)? Será a resposta aplicar penas
mais rigorosas? Considerar como vítima todo adolescente infrator, sem considerar
as particularidades em jogo em cada caso? Trata-se, pois, de uma realidade muito
complexa onde não é possível ignorar as condições de vida adversas dos jovens
que integram uma parcela da população historicamente desfavorecida.
Se bem a seguinte monografia aborda a Liberdade Assistida como
resposta adequada para o logro da reinserção social dos adolescentes infratores,
a seleção de tal temática surge de outra realidade, a pratica profissional no âmbito
carcerário, com mulheres privadas da sua liberdade por comissão de delitos. Ao
igual que as instituições destinadas aos jovens infratores, também a população
das cadeias pertence geralmente a grupos sociais altamente desfavorecidos, com
carências de necessidades básicas tales como alimentação, educação e saúde.
As estratégias de supervivência em tais contextos, implicam muitas vezes o
abandono dos lares y a comissão de infracções, integrando aos sujeitos à
categoria de excluídos, com nulos laços como o sistema social.
10
Os profissionais inseridos no âmbito prisional, experimentam
cotidianamente os fortes pontos de tensão e conflito entre os ideais de reinserção
social e os fins de custodia que cumpre a instituição carcerária. O testemunhar
cotidianamente o efeito negativo do encarceramento na subjetividade, o saber
sobre a falta de efetividade do isolamento para o logro da reinserção social, dão
lugar a questionamentos éticos e técnicos sobre a função profissional: Que tipo de
responsabilidade concerne aos adolescentes? Como responsabilizar o
adolescente infrator, sem apagar o limite que separa a responsabilidade dele e a
do adulto? Como operar frente as transgressões dos adolescentes sim reproduzir
e agravar tais processos de exclusão e deterioro subjetivo? Em resposta a tais
questões, a aproximação à Liberdade Assistida realizada no presente trabalho,
tem como intuito a pesquisa sobre alternativas teóricas e práticas que resultem em
mudanças significativas nas condiciones de vida dos adolescentes em conflito
com a lei.
A seleção da Liberdade Assistida sob as outras Medidas
Socioeducativas relaciona-se com a importância assinada por a maioria dos
pesquisadores da área a essa medida, caracterizando-a como mais eficiente e da
grande aplicação no atual contexto nacional. Ao não tirar o adolescente infrator de
seu médio, a Liberdade Assistida abandona posturas excludentes e
estigmatizantes e envolve necessariamente à família, à comunidade e às
organizações da sociedade civil para a sua efetivação, o que demanda das
políticas sócias públicas a adaptação as especificidades deste público. A pesar
das vantagens que a medida apresenta, a bibliografia existente sobre os
programas de Liberdade Assistida em funcionamento no Brasil, salientam as
muitas dificuldades que acontecem na implementação deles.
No primeiro capítulo se apresentam os conceitos básicos para a
compreensão da estrutura que sustenta a medida na atualidade. Também se
abordam questões relacionados com o contexto sociopolítico da mesma,
considerado fundamental para entender o funcionamento, a eficácia e as
limitações da Liberdade Assistida.
11
No segundo capítulo realiza-se a géneses da liberdade assistida
perante uma revisão das primeiras legislações sob infância e juventude que
abordaram a problemática. Se analisam os principais documentos legais em
vinculação com os acontecimentos históricos que condicionaram seu surgimento,
articulando a doutrina jurídica aos dispositivos de poder próprios de cada período
histórico.
No Capítulo seguinte, se aborda a concepção atual da Liberdade
Assistida, segundo como é concebida dentro do atual paradigma de proteção
integral e pela legislação que a norteia, a ECA.
Finalizando o trabalho monográfico aborda-se a aplicação e a eficácia
desta medida mediante o estúdio do funcionamento dos dispositivos de Liberdade
Assistida existentes em distintas regiões do pais, perante uma pesquisa
bibliográfica na web. Se selecionaram publicações que informam sobre a
instrumentação da Liberdade Assistida em Natal, Porto Alegre, Belo Horizonte e
Espírito Santo.
12
CAPITULO I
CONCEITOS BASICOS
1.1 Adolescente, ato infracional e reinserção social
Neste apartado se mencionarão a modo de contextualização da
problemática estudada, os conceitos de adolescência, adolescente infrator e
reinserção social que sustentam as políticas públicas atuais sobre infância e
juventude, sem aprofundar em tais temas devido ao alcance do presente trabalho
monográfico.
O Relatório da Situação da Adolescência Brasileira (UNICEF, 2002) afirma
que “O conceito de adolescente é polêmico e aponta para peculiaridades e
diversidades de expressão dessa fase da vida nas diferentes sociedades e
culturas” (p. 9). A adolescência é uma fase específica do desenvolvimento
humano, caracterizada por uma série de mudanças e transformações
fundamentais para que o indivíduo possa atingir a maturidade e assumir o papel
de adulto na sociedade. Assim, a adolescência não pode ser resumida apenas
como uma etapa de transição, mas como uma fase com especificidades, riquezas
e potencial que devem ser atingidas (PASSAMANI, 2007).
Ainda segundo o Relatório da Situação da Adolescência Brasileira
(UNICEF, 2002), o debate conceitual sobre a adolescência no Brasil deve
considerar as grandes diversidades e desigualdades da realidade em todas as
regiões nos aspectos naturais, sociais e culturais. O conceito de adolescência
inclui em consequência não só as transformações biológicas e psicológicas, mas
também o contexto socioeconômico, cultural e histórico no qual ele está inserido.
O complexo fenômeno dos atos infracionais envolvendo adolescentes e
jovens tem sido vinculado a diversos fatores entendidos como determinantes
(violência familiar, baixa escolaridade, e determinados rasgos de personalidade),
13
mas no atual paradigma, considera-se diretamente relacionado à negação de
direitos por parte do Estado. Os adolescentes em conflito com a lei não tiveram
seus direitos básicos garantidos pelas políticas públicas e, em função de sua
situação social, financeira e familiar, tem cometido ato infracional. A condição de
infratores não se considera eterna nem própria da sua personalidade, mas bem
passível de ser transformada mediante a execução das medidas socioeducativas.
O conceito de reinserção social, no atual paradigma da proteção integral
não é considerado um processo de readaptação passiva e sem críticas à
normativas impostas pelas autoridades com a finalidade de cumprir critérios
disciplinares. É concebido como um processo de socialização mediante
participação ativa e responsável em distintas atividades tendentes a melhorar a
qualidade de vida. Segundo Faleiros, trata-se de um processo de mudanças das
relações com o contexto, pelo qual o jovem se torna protagonista de seu destino,
e, portanto, passa a ter a afirmação de sua identidade enquanto cidadão. Se
procura que as intervenções possibilitem a participação dos adolescentes na vida
cotidiana, contribuindo com as soluções para os problemas que os afetam
(FALEIROS, 2004). Para refletir as mudanças nas ideias clássicas sobre os
processos de adaptação ou reinserção social, os novos referentes conceituais
privilegiam o conceito de promoção social, que será abordado no capítulo IV desta
monografia.
1.2 Medidas socioeducativas segundo a Legislação
Para abordar o conceito de Liberdade Assistida, é preciso definir o
contexto no qual a medida se encontra inserida, o seja, o instituto das Medidas
Socioeducativas, segundo a atual legislação sobre infância e adolescência vigente
no Brasil. As Medidas Socioeducativas são sentenças judiciais impostas por Varas
especiais para adolescentes que desrespeitaram o Código Penal Brasileiro. São
as respostas que o Estado prevê para mostrar aos adolescentes que se
encontram nessa situação, que as leis adotadas pela sociedade devem ser
cumpridas, e que existem consequências no caso de seu descumprimento.
14
Crianças e adolescentes são considerados como sujeitos especiais de direitos em
estado peculiar de desenvolvimento e propõe-se a responsabilização pelo ato
cometido a partir da imposição das mencionadas medidas.
A legislação que atualmente regula a aplicação dessas medidas é o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal N” 8069 de 13-07-1990.
O ECA garante direitos e deveres a crianças e adolescentes e determina também
a responsabilidade dessa garantia aos setores que compõem a sociedade, sejam
eles a família, o Estado ou a comunidade. Os direitos tutelados pelo Estado
compreendem: direito à sobrevivência (vida, saúde e alimentação); direito ao
desenvolvimento pessoal e social (educação, cultura, lazer e profissionalização); e
o direito à integridade física, psicológica e moral (dignidade, respeito, liberdade,
convivência familiar e comunitária).
Em seus capítulos discorre sobre as políticas referentes à saúde,
educação, adoção, tutela e questões relacionadas aos adolescentes que cometem
atos infracionais. Os princípios fundamentais do ECA afirmam que crianças e
adolescentes são prioridade absoluta, sujeitos de direitos e pessoas em condição
peculiar de desenvolvimento. A prioridade absoluta compreende a primazia de
receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, a precedência do
atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, a preferência na
formulação e execução das políticas sociais públicas e a destinação privilegiada
de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude.
O reconhecimento dos adolescentes como sujeitos de direitos implica
que o ato infracional cometido pelo sujeito deve ser encarado como um fato
jurídico, permitindo o acesso tanto a medidas de proteção quanto a garantias
processuais. As mudanças mais significativas a destacar são: a) acolhida ao
dispositivo segundo o qual nenhum adolescente será privado de sua liberdade,
senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundada da
autoridade judiciaria competente; b) introdução do contraditório nos processos que
envolvem menores de 18 anos acusados de prática de ato previsto no Código
15
Penal ou na Lei das Contravenções Penais, permitindo ao adolescente o exercício
da defesa quando acusado de infligir a lei; c) exigência da comprovação da
materialidade e autoria do delito; d) a internação, medida que envolve a restrição
da liberdade, não pode em hipótese alguma exceder o prazo máximo de três anos,
e cuja aplicação está condicionada à gravidade do delito, à pratica reiterada de
atos infracionais graves ou ao descumprimento de medida judicial aplicada
(SOUZA, 2015). As garantias são previstas expressamente nos artigos 110, 111 E
207 do ECA.
A concepção do sujeito do Direito presente na legislação, determina
uma resposta para os adolescentes cujo objetivo está para além da punição,
promovendo a reinserção social, o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários, escolarização e profissionalização. Mas, como a maioria das
medidas socioeducativas, a Liberdade Assistida comporta dois aspectos na sua
composição:
• O Controle Social, pois são ações por parte da sociedade
(policia, justiça, administração) em resposta à infração por parte
do sujeito adolescente, que é considerada crime pela lei penal.
Assim como a privação da liberdade implica uma restrição
massiva de quase todos os direitos (liberdade, intimidade,
convívio familiar, etc.), também a liberdade assistida implica a
restrição de direitos na medida que o sujeito tem a
obrigatoriedade de assistir a entrevistas, se matricular na escola
e falar de temas que ele não está disposto ou não se interessa,
fazendo um esforço por refletir e problematizar a sua realidade.
• Dimensão educativa social: As respostas à infração dos jovens
devem ter conteúdo educativo, em razão de sua peculiar
condição de pessoa em desenvolvimento. Se bem a execução
das sanções impõe restrições, não são suspensas a totalidade
dos direitos, aliás o acesso à educação é um dos direitos que as
medidas promovem. Procura-se a transmissão de conteúdos
16
culturais que diminuam a exclusão (que muitas vezes o processo
judicial acrescenta) e um melhoramento das potencialidades,
autonomia, auto estima assim como também diminuam a
vulnerabilidade frente ao sistema prisional. Os eixos da
intervenção apontam ao armado de uma rede comunitária para
cada jovem inserido no programa, quem junto a sua família
poderá construir um modo de inserção diferente de aquele onde
ele foi protagonista de um ato infracional (PIGNATA, 2001).
A articulação de tais elementos requer de uma abordagem complexo,
pois significa integrar supostos em ocasiões contrapostos. As tensões que se
produz entre eles, são resolvidas em muitas ocasiões de um modo simplista,
acrescentando o caráter de controle social, impondo conteúdos culturais distantes
das próprias vivencias, funcionais aos interesses de os grupos sociais dominantes
e apagando a dimensão educativa que as medidas presumem ter.
As intervenções jurídicas possíveis, caso o adolescente transgrida as
leis sociais são descritas no Capítulo XII. Visam os infratores entre 12 anos de
idade completos até aos 18 anos incompletos, sendo estendidas até aos 21 anos
em casos específicos. As medidas podem ser de seis tipos, segundo Art. 112° do
ECA:
ü Advertência;
ü Obrigação de reparar o dano;
ü Prestação de serviços à comunidade;
ü Liberdade Assistida;
ü Inserção em regime de semiliberdade;
ü Internação em estabelecimento educacional
A medida de advertência é executada pelo juiz da infância e da
juventude. É uma medida imediata e de caráter informativo, em que o juiz, na
17
presença do adolescente e de seu responsável, o informa dos seus deveres
perante a lei, do ato cometido e das consequências de uma reincidência.
Na medida de obrigação de reparação do dano, o adolescente restitui
ao Estado o bem e/ou visa a compensação da vítima. Não exige um
acompanhamento posterior do adolescente por um responsável técnico pela
execução da medida.
A medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade
busca fazer com que o adolescente responda por seu ato infracional a partir da
realização de um trabalho de prestação de serviço que acontece na comunidade.
Visa o resgate dos valores sociais por meio do trabalho socioeducativo.
A medida de liberdade assistida visa o acompanhamento da vida
social do adolescente por um técnico durante a execução da mesma. Esse
acompanhamento busca garantir a proteção do adolescente, sua inserção na
comunidade, na escola e na formação para o trabalho. As ações também se
dirigem ao trabalho com os vínculos familiares e principalmente sua
responsabilização frente ao ato infracional cometido.
Segundo o ECA, a Liberdade Assistida deve ser adoptada sempre que
se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar
o adolescente. O acompanhamento deve ser efetuado por um educador
capacitado para isso, profissional ou voluntario, pudendo ser alguém da própria
comunidade do adolescente. Na modalidade Liberdade Assistida Comunitária
(LAC) existem profissionais técnicos e orientadores comunitários (em geral,
voluntários). Na chamada Liberdade Assistida Institucional (LAI) entende-se que
os técnicos contratados pela instituição executora é que fazem diretamente o
acompanhamento com os adolescentes, não existindo a figura do orientador
comunitário.
A medida deve ser cumprida em um período mínimo de seis meses
podendo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida sempre que o
orientador, o Ministério Público e o defensor considerarem necessário.
18
As medidas restritivas de liberdade que são a semiliberdade e a
internação, privam o adolescente do convívio social. Na semiliberdade o
adolescente mantém vínculos externos com a escola, trabalho e com frequência,
nos finais de semana, mantém o convívio com os familiares, indo para sua
residência. Pode ser determinada como sentença ou como forma de transição da
internação para as medidas de meio aberto. Outrossim, a medida de internação
priva totalmente o adolescente do convívio externo, deve ser adotada em casos
excepcionais para aqueles que cometeram atos infracionais gravíssimos, quando
não houver outra medida mais indicada para o delito cometido pelo adolescente.
Deve-se respeitar o período máximo de três anos, como avaliações semestrais
efetuadas pela equipe técnica da unidade, sendo compulsória sua extinção aos 21
anos de idade. A internação rompe com os vínculos do adolescente por um
período de no mínimo seis meses e máximo de três anos, tempo para execução
da proposta de trabalho socioeducativo com base na garantia de direitos, mas
também na responsabilização do adolescente frente ao ato cometido como uma
das condições para finalização da medida. Mas, a internação não deve privar os
adolescentes de seus outros direitos, ração pela qual as unidades devem contar
com escolas, assistência médica, psicológica e odontológica entre outras.
Como já tem sido mencionado, os estudos dos especialistas informam
que as internações, geralmente não são efetivados dentro dos parâmetros
determinados pelo ECA, de forma planejada, pedagógica e humanitária nem
unidades de atendimento são adequadas e com profissionais qualificados. E,
ainda quando essas condições são respeitadas, o isolamento do interno do
convívio social distancia-o ainda mais da sociedade e pode gerar o sentimento de
não pertencimento ao grupo extra institucional, contribuir para o fortalecimento dos
vínculos como outros internos e com suas práticas, tomando-os mais vulneráveis
às organizações do crime organizado, de seus valores e das suas referências
(PINHEIRO, 2008). As normativas internacionais e nacionais são unanimes quanto
al fato de que é preciso privilegiar as medidas de meio aberto que resgatem os
vínculos sociais, comunitários e familiares através de políticas públicas voltadas a
esse fim.
19
Outro referente importante para a compreensão das medidas é o
Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE), lei 12.594/2012. Este documento
estabelece as diretrizes para a execução das medidas socioeducativas em todo o
território nacional, por parte das instituições e profissionais que atuam nesta área.
Dispõe sobre os sistemas de atendimento socioeducativo e regulamenta a
execução das medidas destinadas ao adolescente infrator. É composto por
princípios, regras e ações jurídicas, políticas, financeiras e administrativas,
presentes no contexto do trabalho como o adolescente autor de ato infracional
desde a apuração do ato à execução das seis medidas já mencionadas. Cumpre
assim a importante função de articular os sistemas de direitos: sistema
educacional, sistema de justiça e segurança pública, sistema único de saúde
sistema único de assistência social presentes na Doutrina da Proteção Integral
sustenido pela ECA. O SINASE aperfeiçoou as diretrizes do ECA para a aplicação
e para execução das medidas sócio educativas, priorizando as medidas de médio
aberto (Prestação de Serviço à Comunidade e Liberdade Assistida) que passam, a
partir do ano 2006 a ser responsabilidade dos municípios. A municipalização criou
a possibilidade de garantir o direito à convivência familiar e comunitária do
adolescente em conflito com a lei, criando os Conselhos de Direitos e Tutelares:
Órgãos deliberativos compostos paritariamente por representantes do Estado e da
sociedade civil. A primeira instancia de atendimento está constituída por
Conselhos Tutelares. Deslocam-se assim as atribuições tutelares que pertenciam
ao Poder Judiciário para as esferas dos Executivos municipais e estaduais. A
descentralização propõe-se acompanhada da articulação entre as ações
governamentais, civis e entre cada esfera de governo.
1.3 O Projeto Social vigente
Os lineamentos que estabelece a legislação atual, resultam
insuficientes para a compreensão da realidade das medidas socioeducativas. Para
o esclarecimento da situação, resulta necessário destacar o contexto da
20
sociedade atual, capitalista em que os programas socioeducativos são
executados.
Nas últimas décadas houve um aprofundamento do modo de produção
capitalista acompanhando de um progressivo processo de pauperização da
população brasileira e da concentração de riquezas nas mãos de uma minoria
privilegiada. A partir da década de 1980, enfrentou-se uma crise provocada pela
reestruturação produtiva e a abertura para a globalização, afetando principalmente
a população mais pobre do pais. Acrescentou se assim o problema do
desemprego, mais que nada de jovens, excluindo-os do acesso aos direitos
básicos como saúde, educação, habitação, profissionalização e cultura. À
igualdade de acesso a bens e serviços sociais se contrapõem os interesses
capitalistas que exigem que o Estado se retire da economia e efetue cortes nos
gastos sócias que se destinam tanto à classe menos favorecidas. Como resultado,
a renda familiar, a sua posição social e as perspectivas de consumo que a família
apresenta são indicadores que informam sobre que tipo de direitos as crianças e
os adolescentes terão acesso.
Se trata de uma sociedade contraditória, que ao mesmo tempo que
produz riqueza, desenvolvimento científico e tecnológico, acrescenta a pobreza e
desigualdade social. A maioria das instituições e setores estratégicos da
sociedade civil sustentam um projeto em que predomina a cidadania capitalista, na
qual a condição de cidadão, de partícipe da sociedade, é mediatizada pelo acesso
ao mercado. Este modelo resulta inconciliável com o projeto viabilizado pela ECA,
de produção de cidadania mediante acesso a direitos.
O crescimento do sentimento de insegurança e as demandas de
proteção por parte da sociedade frente ao comportamento de jovem infrator pobre
e socialmente excluído, tem ocasionado uma maior restrição do acesso a direitos
sociais e exacerbado o uso de mecanismos de punição e controle social. Tal
controle e restrição não o faz isoladamente o Estado Penal, sino em conjunto
como os setores da sociedade que o legitimam ativa ou passivamente.
21
Outra característica a ter em conta da sociedade capitalista é a
contradição entre a constante criação de necessidades no público adolescente
através da mídia e a imensa desigualdade económica que deixa excluídos do
consumo a muitos jovens. Importante porcentagem destes jovens procura meios
ilícitos para ter acesso ao estilo de vida legitimado socialmente. o contexto social
induz os adolescentes às pressas no aceso ao consumo e à busca por visibilidade
em seu meio, desconsiderando a licitude dos caminhos a serem trilhados.
Miones Sales (2007), citada por Ortegal (2011) considera que a
visibilidade do sujeito adolescente, sobretudo o adolescente pobre, está
geralmente relacionada à transgressão da lei. A violência e a transgressão
cumprem um papel fundamental no processo de visibilidade do adolescente de
classe baixa, pois até não engrossar as estadísticas como mais um caso de morte
ou de agressão passam pela sociedade sem serem percebidos. A crescente
demanda pela redução da idade penal por vários setores da sociedade, demostra
o peso de este tipo de visibilidade social, que causa efeitos na direção contraria
aos preceitos de proteção integral da legislação.
Tal conceição ampliada do contexto social revela o conflito existente
entre a legislação que garante direitos e a aplicação de programas que priorizam à
contenção, vigilância e controle social (ORTEGAL, 2011). Longe de uma execução
neutra que ocorre de maneira vertical e unidirecional (da gestão superior ao
público alvo, por médio dos professionais) a contradição atinge ao sistema
socioeducativo todo, sendo os sujeitos envolvidos, simultaneamente ativos e
passivos no processo de conceptualização e implementação das medidas. O ECA,
enquanto política de atendimento a crianças e adolescentes representa um
considerável avanço na forma de ver, compreender e proteger as crianças e
adolescentes do Brasil. Mas sua implementação é ainda um processo em
construção, precisa no só de investimentos na área, mas também de uma
mudança de concepção que a sociedade tem da problemática dos adolescentes
infratores, ainda baixo os valores sustentados pela anterior doutrina da situação
irregular. A problematização deste modelo de produção e reprodução social das
condições de existência que resultam inconciliáveis com a proposta de proteção
22
integral da legislação atual, resulta fundamental para a compreensão da
efetividade e limites das medidas socioeducativas em geral e da Liberdade
Assistida em particular.
23
CAPITULO II
ANTECEDENTES HISTORICOS
Partindo da concepção da problemática do adolescente em conflito com
a lei como um processo histórico, cujas determinações vão além do presente e de
que a forma de compreender a realidade social é resultado de uma ótica do
mundo construída através do tempo; neste capítulo se apresentam brevemente as
principais legislações sobre Infância e Juventude; desde o período colonial até o
Código de Menores de ano 1979. Se faz menção também dos principais
acontecimentos históricos que funcionaram como determinantes das legislações
abordadas. O novo paradigma apresentado pela ECA, será abordado em capítulo
aparte, dedicado à medida de Liberdade Assistida tal como é concebida nas
normativas atuais.
E possível pesquisar antecedentes do que hoje são as medidas
socioeducativas nas primeiras legislações do Brasil. As respostas legais às
condutas criminosas de crianças e adolescentes foram mudando segundo as
condições políticas, económicas e sociais imperantes no contexto. Mas, como
destaca Rizzini (2011), existe um rasgo comum a todas as legislações voltadas à
infância: Os destinatários não são qualquer criança ou adolescente. Todos os
documentos citados abordam a situação dos sujeitos desvalidos, sem valor e sem
proteção de alguém (órfãs, abandonadas, negligenciadas, maltratadas e
delinquentes), o seja, que necessitam assistência e sobre a qual a sociedade
precisa definir o campo das responsabilidades e das ações a serem
implementadas. Segundo Hebe Gonçalves (2005), a crença que baseou as
intervenções voltadas à infância infratora durante um século foi de que a criança
teria origem na família disciplinada e seria portadora de diretos, enquanto o menor
seria aquele que a família não quis ou o Estado não pôde disciplinar. Ao menor
destinavam-se quase exclusivamente, medidas de cunho repressivo.
24
2.1 O período do Brasil Colônia
No contexto da colonização e da escravidão negra, existiam as crianças
escravas e abandonadas, mas elas não eram consideradas uma necessidade
para o sistema produtivo. O problema relevante da época colonial era outro:
Primava a necessidade de povoamento e de mão de obra para o trabalho. Em
consequência, as crianças e adolescentes não eram objeto de proteção por parte
da sociedade, mas considerados mercadoria e sua mão de obra, explorada.
No período tanto colonial como imperial, resultava uma pratica
frequente o abandono em diversos locais urbanos de crianças legítimas e
ilegítimas, como tentativa dos pais de livrarem-se do filho indesejado. Estas
crianças denominadas rejeitadas, desvalidas ou expostas, eram acolhidas pelo
sistema de Rodas e eram conduzidas ao trabalho precoce e explorado, pelo qual
ressarciam seus criadores, ou o Estado, dos gastos feitos com sua criação.
Antes da primeira lei penal do Império, o Código Criminal de 1830, as
medidas punitivas eram orientadas pelas Ordenações do Reino de Portugal. A
pesar da menoridade constituir um atenuante à pena desde as origens do direito,
crianças e adolescentes eram severamente punidos, sem maior discriminação em
relação aos delinquentes adultos.
2.2 A legislação no Brasil Império
Foi na passagem do Império para a República quando os juristas
começaram a sinalizar a necessidade de criar uma legislação especial voltada
para os menores de idade. Tal mudança relaciona-se com as importantes
transformações político sociais que ocasionaram mudanças nas ideias sob a
infância e as práticas da qual a infância era alvo. Nesta época, começou-se a
acreditar na importância das crianças para o futuro do império. (RIZZINI, 2011).
A primeira lei penal do Império; O Código Criminal de 1830 estabelecia
a responsabilidade penal para menores de quatorze anos, especificando que “se
se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem cometido crimes,
25
obraram com discernimento, deverão ser recolhidos as Casas de Correção, pelo
tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda a idade de
dezessete anos” (Lei de 16 de dezembro de 1830).
Se bem já nesse momento se considera a ideia de a necessidade de
“Casas de Correção” onde acolher crianças para sua correção em locais
separados dos outros criminosos, este tipo de instituições só surgira vinte anos
depois. A preocupação da sociedade com respeito aos menores não era a
questão penal, mas bem, a ideia era amparar a infância órfã e abandonada.
“Praticavam-se medidas de carácter essencialmente assistencial, lideradas pela
iniciativa privada de cunho religioso e caritativo...” (RIZZINI, 2011, pag. 100).
A importância outorgada a educação fez que se criaram legislações que
se ocuparam da regulamentação do ensino, tornando-o obrigatório. Incentivou-se
a criação de escolas, com o objetivo de facilitar o acesso das crianças pobres,
mais somente foi conseguido para uma parte delas. A maioria das crianças que
moravam na periferia dos centros urbanos e nos espaços rurais do Brasil não
viram transformadas suas condições de existência.
Com respeito aos atos criminosos cometidos pelas crianças e
adolescentes, se bem existiam leis com a intenção de reprimir a delinquência, esta
não parece ser uma preocupação prioritária que ultrapassasse o controle das
autoridades policiais e judiciárias.
2.3 A república e o surgimento da criança criminosa
Associado a mudança de regime e do reordenamento político e social
concomitante, surge na legislação uma crescente preocupação com a infância,
mas essa preocupação é diferente do anterior enfoque religioso e caritativo. Neste
período, o abandono de crianças e adolescentes e a situação de pauperização
das camadas populares eram severamente aprofundados no país. O processo da
abolição da escravatura foi simultâneo ao processo de formação do mercado de
trabalho livre assalariado, majoritariamente formado pela mão de obra imigrante.
26
Porém, a população de negros alforriados ficou numa situação de desamparo,
ocupando as ruas e alterando a ordem. A criança passou a ser descrita como “um
magno problema”, se tornando um ameaça à ordem pública (RIZZINI, 2011).
Figuras relevantes da sociedade, como Evaristo Moraes e Ataulfo de Paiva,
destacavam com preocupação, a crescida da criminalidade infantil e juvenil. As
propostas de intervenção eram baseadas na educação ou correção dos menores,
com a finalidade de transformá-los em indivíduos úteis e produtivos para a
república. Se bem o discurso salienta a defesa incondicional da criança desvalida,
as práticas dele derivadas evidenciam a oscilação presente entre a defesa da
criança e a defesa da sociedade (RIZZINI, 2011). As leis e projetos abarcam o
problema como um todo: Se dispensa o mesmo tratamento tanto a crianças em
situação de abandono, negligencia ou pobreza quanto a crianças e adolescentes
infratores da lei.
Surge neste período uma nova tendência na legislação sobre a infância,
cujo representante mais acabado é o Código de Menores de 1927. Se parte de
uma nova concepção sobre o papel da justiça que propõe uma humanização do
judiciário e do sistema penitenciário. Ante o aumento da criminalidade infantil, a
autoridade judicial não deve responder só castigando. A luz dos novos saberes
advindos da psicologia, sociologia, psiquiatria e antropologia criminal, procura-se o
conhecimento dos fatores que influem nos sujeitos que cometiam crime. As
intervenções ultrapassam o âmbito penal procurando proteger, reformar e educar
aos menores. A justiça fica assim vinculada à assistência, criando-se intrincadas
medidas jurídicas sociais para o cumprimento do objetivo da nova justiça juvenil.
(RIZZINI, 2011)
O término “menor” nasce baixo o domínio desse discurso jurídico, e
designa indivíduos que não tivessem atingido a maioridade penal e civil, mas
estende-se o seu uso para designar crianças dos segmentos empobrecidos e
marginalizados da sociedade (abandonadas, desvalida, delinquente, viciosa, etc.)
que povoavam as ruas das cidades. Frente ao crescer da criminalidade infantil, a
legislação regulariza o recolhimento das crianças abandonadas e delinquentes.
Todos os projetos e leis deste período tem como objetivo a internação de
27
menores, de acordo com uma cuidadosa classificação que determinasse se
correspondia segundo o caso, as medidas preventivas (escolas de prevenção para
os menores moralmente abandonados) ou as de regeneração (internação nas
escolas de reforma e colônias correcionais para os delinquentes). Perante a
classificação se levou a cabo o escrutínio e controle sob a vida, a personalidade e
a família dos menores.
No ano 1921 foi promulgada a lei 4242/21 referente à despesa geral da
República dos Estados Unidos do Brasil. A lei autorizou o Governo a organizar o
serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente. Fixou a
imputabilidade em dezoito anos e eliminou o discernimento como critério para
aferição da responsabilidade do menor. Segundo o artigo 3°, “o menor de quatorze
anos não será submetido a processo penal nenhum e o infrator de mais de
quatorze e menos de dezoito, recebe processo especial. ”
Dentro das medidas contempladas pelo processo especial mencionado,
se encontra o livramento condicional, medida penal que se assemelhava ás
primeiras propostas do que daria origem a liberdade assistida. Trata-se de um tipo
de suspenção de pena tradicionalmente imposta, vinculada a uma série de
condições. Não era considerada uma medida alternativa, mas uma espécie de
benefício, acrescido da vigilância a que era submetida o menor. Era aplicável
apenas ao adolescente que: fosse “moralmente regenerado”, estivesse “apto a
ganhar honradamente a vida” e despusesse de alguém que lhe pudesse garantir o
provimento de suas necessidades; e a pessoa ou família responsável pelo menor
fosse considerada idônea. Os menores sob livramento condicional ficavam sob a
vigilância de um patronato (FERNANDES, 1998).
O Decreto 16.272/1923 que aprova o Regulamento da assistência e
proteção aos menores abandonados e delinquentes, aborda a possibilidade de
cumprimento de sentença em médio aberto, mudando a denominação livramento
condicional por liberdade vigiada. Segundo a nova legislação, o
acompanhamento do menor em liberdade vigiada não fica só ao patronato, a
responsabilidade é estendida aos pais ou responsáveis. O juiz incrementa seu
28
poder, pois no só pode impor regras aos menores, mas também aos seus
responsáveis, pudendo eles ter que pagar até indemnização e costas do processo,
caso ter cometido transgressões ás “regras de procedimento” fixadas pelo juiz. As
regras não se encontravam legalmente estabelecidas, mas são impostas ao
adolescente que tenha recebido a medida. Outra mudança de importância é a
estipulação do prazo máximo de um ano para a execução da medida
(FERNANDES, 1998)
No ano 1924 é criado o primeiro Juizado de Menores do Brasil, sendo
Mello Mattos o primeiro juiz de menores. Assim foi criado o Juízo, a demanda por
internações cresceu, lotando todas as vagas das instituições oficiais e
contratadas. Como dar conta e internar todos os menores enquadrados na ampla
categoria de menores abandonados e delinquentes?
“O Juízo de Menores inauguro uma política sistemática de internação em estabelecimentos criados ou reformados para atender a população especifica dos menores material ou moralmente abandonados, e/ou delinquentes. No entanto, a estrutura organizada para receber esta clientela apresentava, desde seus primórdios, problemas, que o excesso de demanda só veio a aumentar. A demanda de internações era fomentada pelo próprio Juízo, que passou a recolher centenas de “menores das ruas”...” (RIZZINI, 2011, pág. 251)
Em 1927, o Decreto N° 17.943-A consolidou as leis de assistência e
proteção ao menor, constituindo o Código de Menores. Trata-se de um Código
minucioso, que tenta cobrir um amplo espectro de situações envolvendo a infância
e a adolescência. O Código dedica seu capitulo VI ao “Menor delinquente”,
trocando o término “penas” por “medidas”.
Dispõe um firme e amplo controle sobre os menores, perante
mecanismos de tutela, guarda, vigilância, educação, preservação e reforma. O
Estado é responsável do exercício de uma tutela oficial, tendo o Juiz do tribunal de
Menores, o papel proeminente. Definiram-se os menores com términos imprecisos
e vagos, o que originava interpretações moralistas e arbitrárias e julgamentos
acordes às interpretações. Embora a punição parece ter deixado de ser concebida
como uma sanção castigo para ser uma sanção educação, a prioridade da
29
legislação não está na proteção e assistência social das crianças, mas no
julgamento e tratamento de atos infracionais cometidos por elas.
Através do recolhimento dos menores em instituições especializadas,
procura se o objetivo de manter a ordem e o progresso da república, sem garantir
os direitos necessários a promoção da cidadania para esse segmento social. A
transgressão ou a criminalidade são concebidas como doenças individuais e o
contexto tido em conta é o familiar, restando importância aos aspectos sociais,
políticos, econômicos que determinam o fenómeno.
Com respeito a liberdade vigiada, o Código dedica-lhe o Capítulo VIII
de sua Parte Geral, incorporando com poucas alterações as legislações anteriores
de 1921 e 1923. A aplicação da liberdade vigiada é considerada uma “medida” e a
internação, visualizada como uma pena. Na medida que a Liberdade Vigiada
suspende a pena de internação, tem o caráter de um benefício, parece ter sido
considerada como prêmio ou benefício, sem levar em conta que se trata de uma
medida que restringe a liberdade, mediante as condições que são impostas ao
menor (FERNANDES, 1998).
Os procedimentos da liberdade vigiada descritos na lei, seguem
evidenciando seu carácter de controle social, pois a função da pessoa
encarregada da vigilância tem como missão somente controlar se o menor comete
ou não infrações. Perante o artigo 100, se cria a possibilidade de aplicação da
medida a situações em que não havia ocorrido infrações, com o objetivo de
promover a segurança ou moralidade do menor. A liberdade vigiada se torna
então uma medida a ser adotada tanto nos casos em que o menor infringe a lei,
quanto para casos em que seus direitos são vulnerados, segundo o subjetivismo e
arbítrio do juiz. Continua-se assim segregando os menores e culpando a suas
famílias sem questionar o contexto brasileiro e a importância da injustiça social na
produção de comportamentos antissociais (FERNANDES, 1998).
Depois do período ditatorial iniciado em 1937 com o golpe de Estado
implementado por Getúlio Vargas, se inicia na década de 40, uma clara política de
proteção e assistência ao menor e a infância, criando-se órgãos federais que se
30
especializaram no atendimento das duas categorias agora bem delimitadas
específicas: o menor e a criança. A assistência dos menores pertence à esfera
jurídico policial, sobre controle do Ministério da Justiça, em cambio a criança é
exclusividade da esfera médico-educacional, bajo o controle do Ministério de
Educacional e Sanidade.
Em 1941 se cria o Serviço de Assistência aos Menores (SAM), órgão
federal que centralizou a assistência ao menor em todo o território, tanto do setor
público quanto do privado. Tanto a criança pobre como sua família foram objeto de
inúmeras ações, como o intuito de disciplinar o trabalhador como “capital humano”
do Estado Novo, através da educação e a profissionalização. (RIZZINI, 2011).
Com a centralização do atendimento se procurava resolver os problemas
enfrentados pelo Juizados de Menores, que ficaram somente a cargo da
fiscalização do regime disciplinar e educativo dos internados.
Rizzini comenta que o menor nas ruas, fora da escola y do trabalho, era
entendido na ideologia da defesa nacional, como uma ameaça à pátria. Tratava-se
de um setor da população sem peso político nem económico e que, pelas suas
condições de menoridade e pobreza, não tinham como cobrar nem exercer
controle sobre as ações sobre ele aplicadas, produzindo-se abusos e fatos de
corrupção que deram ao SAM sua fama nefasta. (RIZZINI, 2011).
2.4 A “Situação Irregular” e o nascimento da Liberdade Assistida
No contexto da “revolução de 64”, que inicia um período de ditadura
militar no Brasil, a Lei 4513 extinguiu o SAM, sendo substituído por a Fundação
Nacional do Bem-estar do menor (FUNABEM). O novo órgão pretendia ser o
reverso do anterior, mas recebeu o legado do anterior sistema, tanto patrimonial
quanto simbólico. No seu artigo sobre as políticas de atendimento na infância e
adolescência, Arno Vogel relata:
“Como bem simbólico era portadora não só dos estereótipos negativos vigentes a seu respeito na sociedade, mas também de um todo imaginário institucional, capaz de garantir a sobrevivência
31
e a reprodução de tudo aquilo que pretendia deixar para trás”. .... “O legado do SAM não podia ser reduzido às exterioridades materiais de seu acervo. Incluía, para além delas, toda uma série de lugares comuns antigos do atendimento, dos quais a própria categoria menor não era o menos relevante. ” (VOGEL, 2011, pág. 290)
O veloz processo de urbanização que as mudanças sociais
impulsionavam deram lugar ao surgimento das “regiões metropolitanas” e a
expansão da pobreza, pois, o mercado de trabalho era incapaz de absorver a
demanda de essa mão de obra ilimitada e desqualificada. De acordo com o censo
de 1970, um terço da população infanto-juvenil podia considerar-se em estado de
marginalização, entendida como “...uma situação de baixa renda, de pouca
participação no consumo de bens materiais e culturais, de incapacidade de trazer
a si os serviços de habilitação, saúde, educação e lazer”. (FUNABEM apud.
VOGEL, 2011, pág. 291). Considerava-se o grupo como um potencial
inaproveitado, mas também uma fonte de preocupação em virtude dos problemas
sociais que era capaz de gerar. O objetivo de toda a política da Fundação era o
menor em carência do atendimento das necessidades básicas e a família,
responsável pela disfunção ou desagregação do grupo.
Durante este período é promulgada a Lei 6697/1979, que cria o Novo
Código de Menores. A lei é executada por meio da mencionada Fundação
(FUNABEM) e a nível estadual pela Fundação Estadual do Bem-estar do menor
(FEBEM). Ele representou uma referência integral sobre o direito de crianças e
adolescentes, pois a nova legislação revogou os anteriores decretos que
regulamentavam a problemática.
No documento registram-se certos avanços no que respeita à promoção
dos direitos infanto-juvenis, já que se parte da ideia de que não se consegui a
ressocialização pela simples vigilância e é preciso também amparar e proteger. A
lei requere a consideração de contexto socioeconômico, social e cultural do menor
assim como a designação de pessoa capacitada ou serviço especializado para
acompanhar o caso. Outra noção a salientar é a consideração da internação como
último recurso aplicável, ao mesmo tempo que, outros apartados da lei, ampliam
as possibilidades do regime de internação.
32
Mas, além de tais mudanças, tanto a conceptualização geral da
problemática como as medidas propostas, conservam como alvo a manutenção da
ordem e a higiene social. Na realidade, nem as ações do Estado nem a
compreensão da problemática de crianças e adolescente sofreu grandes
mudanças.
No seu primeiro artigo define como seu objeto a assistência, proteção e
vigilância a menores de até dezoito anos, em situação irregular. Também
especifica que as medidas de carácter preventivo aplicam-se a todo menor de
dezoito anos, independentemente da sua situação. O menor não é considerado
sujeito da própria lei, mas um objeto que deve ser ajustado até conseguir uma
suposta situação considerada regular.
O novo Código deixou a antiga classificação dos menores
(abandonados e delinquentes) unindo-os na expressão “menor em situação
irregular”. Definida no segundo artigo do novo Código, considera-se situação
irregular quando o menor estivesse:
1. Privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) Falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) Manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
2. Vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsável;
3. Em perigo moral, devido a:
a) Encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons
costumes;
b) Exploração em atividade contrária aos bons costumes;
4. Privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais
ou responsável;
33
5. Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária;
6. Autor de infração penal.
São dispostas seis medidas para os menores em tais situações:
advertência, entrega aos pais ou responsável, colocação em lar substituto,
imposição do regime de Liberdade Assistida, colocação em casa de
semiliberdade e internação em estabelecimento educacional, ocupacional,
psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado.
Abandona-se a expressão Liberdade Vigiada e a medida é chamada de
Liberdade Assistida, mas a vigilância segue sendo a finalidade da mesma. Ao
igual que acontece com sua antecessora, é a autoridade judiciaria quem fixa as
regras de conduta para cada menor e também quem designa a pessoa ou
instituição para acompanhar o caso. Como no caso anteriormente estudado, a
medida pode ser aplicada sem necessidade de existir ato infracional.
A imposição do regime de Liberdade Assistida se prevê para dois
casos, segundo os incisos V e VI do artigo 2°: ao menor com desvio de conduta,
em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária e ao menor autor de
infração penal. A questão fundamental é a inexistência de elementos objetivos que
caracterizem o que seria o menor com desvio de conduta ou com uma grave
inadaptação. Novamente é a autoridade judiciária quem tem o poder de apreciar
subjetivamente cada caso concreto, tanto o comportamento do menor quanto os
seus familiares e demais pessoas da comunidade (FERNANDES, 1998).
Mais uma vez, a sociedade não é convocada a responder pela situação
irregular do menor, sobretudo tendo em conta que na maioria dos casos se trata
de sujeitos que tem seus direitos básicos vulnerados desde seu nascimento; a
resposta à transgressão é muitas vezes, a primeira resposta que crianças e
adolescentes pobres conseguem do Estado. Baseada na sua experiência
profissional como Assistente Social em Varas de Menores, Fernandes destaca as
dificuldades de os menores e a suas famílias para cumprir as condições fixadas
pelo Juizado. Mas não por culpa o desinteresse, mais devido à falta de recursos
34
comunitários (FERNANDES, 1998). Fernandes reflete sobre a diferencia de uma
intervenção destinada a moldar e ajustar aos menores e a suas famílias,
responsabilizando-os pela sua marginalidade, do que instrumentar ações efetivas
de promoção e de proteção.
Se bem as propostas da fundação definiam o internamento como uma
prática de inúmeros aspetos negativos pois debilitava à família e gerava gastos à
Nação, a Fundação manteve a estrutura do SAM voltado à internação,
evidenciando a contradição entre propostas e prática.
“A pesar da progressiva desarticulação do regime de internato para os filhos da elite, desde meados dos anos 60, para as famílias de baja renda, o colégio interno continuava a representar “um local seguro onde os filhos estudam, comem e se tornam gente” (VOGEL, 2011, pág. 299).
O modelo repressivo relatado neste capítulo se manteve vigente nas
práticas institucionais durante todo o século e mesmo assim, não conseguiu
reduzir os índices de criminalidade entre os jovens que continuo em franco
crescimento. No ano 1976 a Comissão Parlamentar de Inquérito do Menor
apresentou dados que testemunharam o aumento da marginalização associada às
práticas instauradas pela Fundação, concluindo que a mesma não possui
condições para solucionar o problema, cada vez mais agravado pelo crescimento
demográfico.
Fechando as considerações sobre os diferentes períodos históricos,
cabe salientar que, além das mudanças políticas e económicas de cada época
que tiveram influência direta sobre as políticas públicas dirigidas ao menor, a
internação em estabelecimentos fechados permaneceu como o fio condutor do
atendimento instaurado, tanto pelo Estado quanto pela iniciativa particular. O
investimento e a produção de experiências e conhecimentos em relação ás
medidas alternativas à privação da liberdade foram escassas, mais presentes nas
propostas do que nas práticas quotidianas, consideradas meramente como um
benefício ou morigeração das medidas impostas. A pesar de se começar a
esboçar medidas que não privarem aos menores da sua liberdade, tanto na
Liberdade Vigiada quanto na Liberdade Assistida o adolescente é considerado
35
como um objeto da intervenção judicial, ficando baixo vigilância e cumprindo
regras impostas pelo julgador.
36
CAPITULO III
A LIBERDADE ASSISTIDA NA LEGISLAÇAO ATUAL
3.1 O Paradigma Da Proteção Integral
Como foi exposto a fim do último capítulo, os informes apresentados pela
Comissão Parlamentar de Inquérito ao Menor (CPI) do ano 1976, mostraram sem
lugar a dúvidas o crescimento da marginalização associado às práticas
repressivas. As estadísticas sociais da época retratavam uma realidade alarmante:
A maioria da população infanto-juvenil pertencia a famílias pobres e
marginalizadas e a denominada situação irregular apresenta-se como a condição
de vida quotidiana de um numero importantíssimo de crianças e adolescentes. A
partir desse momento e em forma progressiva, foram denunciadas as duras
realidades dos internatos e iniciados estudos desde a perspectiva dos excluídos.
Uma nova situação começa a se configurar na década dos anos 1980, a
partir da ruptura com o regime militar e do processo de redemocratização do país.
Com a queda do governo militar, a concentração de praticamente todo o poder de
decisão sobre os destinos dos menores considerados irregulares nas mãos dos
juízes é fortemente questionada e as práticas arbitrárias e o desrespeito pelos
direitos dos sujeitos já no respeitadas.
Devido às possibilidades de organização e participação popular, novos
setores da sociedade civil (organizações não governamentais sobretudo)
organizam o movimento social em favor das crianças e adolescentes em situação
de pobreza e marginalidade social. A proposta apresentada por esses setores da
sociedade conseguiu-se inscrever na Constituição de 1988, através dos artigos
204, 227 e 228 que fixam os fundamentos para declarar como prioridade absoluta,
os direitos das crianças e adolescentes, sendo dever da família, a sociedade e o
Estado, protegê-las contra qualquer forma de abuso (RIZZINI, 2011). Dois anos
após do advento da Constituição, e também em conformidade com a Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989, é promulgado o
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069, que regulamenta de maneira
37
geral sobre tudo o que está relacionado à infância e adolescência no Brasil. Mas a
desconstrução do modelo assistencial-repressivo não foi sem conflitos e de
maneira uniforme, tem ocorrido num contexto de embate de diversas forças, que
mantiveram vigente o anterior paradigma e influenciaram a aplicação do ECA
(Gonçalves, 2005).
“O novo ordenamento que surge não elimina nunca completamente as estratificações normativas que o precederam. A cultura nacional, que defende a tutela e a exclusão como formas privilegiadas de tratamento das questões que dizem respeito à infância pobre, coexiste com a lei ...” (Gonçalves, 2005, pág. 52”).
A nova legislação vigente se encontra baseada num novo paradigma
jurídico, político e administrativo que é denominado paradigma de proteção
integral que representa uma mudança quase diametral com o enfoque da
situação irregular. Na nova doutrina são incluídos todas as crianças e
adolescentes, abandonando a dicotomia criança – menor e não só são detentores
dos direitos de cidadania do qualquer sujeito, mas também conta com disposições
específicas que sustentam os privilégios devido à sua peculiar condição de
desenvolvimento. Neste modelo, a responsabilidade pelos problemas da infância e
adolescência deixa de ser somente das autoridades governamentais para ser
transferida para a sociedade civil. Planteia-se o atendimento a crianças e
adolescentes como parte integrante das políticas sociais, que deve ser
proporcionado no seio da comunidade e em consonância com esta (RIZZINI,
2011).
Alterando o encadeamento lógico dos Códigos anteriores, o Estatuto
discorre em primeiro lugar, sobre os direitos dos quais as crianças e adolescentes
são titulares, definindo a política de atendimento e as medidas de proteção para
somente depois abordar a Prática do Ato Infracional. Os direitos também são
assegurados para todas as crianças e todos os jovens que chegam à Justiça em
razão da autoria de ato infracional. Com respeito à prática do ato infracional, já se
fez menção no Capitulo I das principais mudanças que introduz o paradigma,
38
retomando agora brevemente alguns aspectos das medidas socioeducativas
vinculadas com a concepção atual da Liberdade Assistida segundo o ECA.
O ECA aborda em primeiro lugar os direitos individuais e as garantias
processuais asseguradas ao adolescente a quem se atribuía prática de ato
infracional. Em contraste com as anteriores legislações, aborda em forma
diferenciada as medidas que tem como objetivo a proteção (denominadas
medidas protetivas) das que procuram a responsabilização dos adolescentes
infratores (medidas socioeducativas).
O adolescente (pessoa entre doze e dezoito anos de idade) autor de conduta contrária à lei penal, deverá responder a um procedimento para apuração de ato infracional, sendo passível, se comprovada a autoria e materialidade do ato, da aplicação de uma medida educativa. A criança (pessoa com até doze anos de idade incompletos) que praticar ato contrário à lei ficará sujeita apenas a aplicação de uma medida protetiva (SILVA, 2011, pag. 112).
Nos códigos anteriores, a lei suponha que, uma vez que o menor não era
sujeito à penalização, mas apenas à medida socioeducativa, não existia acusação
formal e o curso do processo jurídico visava à proteção, em vez de à punição. Se
prescindia então da defesa, pois não há de se defender do direito a ser protegido.
Ao incorporar o contraditório, o Estatuto exige comprovação da materialidade e da
autoria, limitando o Poder Judiciário sobre o adolescente, que ganha assim o
direito de ser considerado inocente até prova em contrário. Baixo a ótica do
paradigma da proteção integral, o desafio que enfrenta a execução de medidas
socioeducativas é considerar todas as novas premissas presentes no ECA,
mesmo no momento em que o adolescente transgredir a lei. A medida
socioeducativa é considerada uma oportunidade de reconstrução da cidadania,
realizando-se uma aposta vital aos mecanismos de controle de ressocialização,
além dos propósitos repressivos.
Se bem, o ECA se propõe por fim as ambiguidades existentes entre
proteção e punição, as medidas de proteção y as medidas socioeducativas têm
um estreito relacionamento. As medidas protetivas ocupam um lugar
39
imprescindível na sustentação do paradigma de proteção integral e são
fundamentais na efetividade das medidas socioeducativas, na medida que a maior
parte da parcela de adolescentes atores que comete atos infracionais revelam
uma história de violação de seus direitos, sobretudo em razão de ação ou omissão
do Estado. Desse modo, as medidas protetivas são ou deveriam ser aplicadas
com frequência, em conjunto com as medidas socioeducativas.
Caracteriza, pois, ás medidas socioeducativas a integração de aspectos
sancionatórios e pedagógicos. Aplicam-se respostas sancionatórias a
transgressão das leis, restringindo direitos individuais, ao mesmo tempo em que
garante, e até mesmo promove direitos sociais.
3.2 A Liberdade Assistida no ECA
Sob a Liberdade Assistida, o Estatuto não traz definições objetivas acerca
de sua natureza, mas dispõe diretamente sobre aspectos pragmáticos que tem a
ver com a aplicação da medida. O artigo 118 mencionam-se as finalidades:
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente e o artigo 119 define as
incumbências do orientador a cargo da medida socioeducativa.
Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.
§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.
Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:
I - Promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;
II -Supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;
40
III - Diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;
IV - Apresentar relatório do caso.
As finalidades da medida apresentam modificações em comparação das
estipuladas com o anterior Código, procurando a ressignificação do que antes era
a vigilância e privilegiando-se o acompanhamento e a inclusão social. As ações
propostas para a medida de liberdade assistida são genéricas e de grande
amplitude, não existindo por exemplo, critérios para definir em que situações a
liberdade assistida é a medida mais adequada. No que diz com respeito à
designação da pessoa capacitada para acompanhar o caso e a recomendação por
programas ou entidades de atendimento não mais estão a cargo do juiz. Entidades
estatais ou da sociedade civil, com registros aprovados no Conselho de Direitos
da Criança e do Adolescente, é que são dotadas de autonomia para elaborar o
programa e designar os profissionais.
O prazo da medida, que nas leis anteriores era de aproximadamente um
ano, também foi reduzida pela nova legislação. O prazo mínimo de seis meses
estabelecido pelo ECA tem relação com o tempo necessário para realizar as
ações programadas, sendo apenas um parâmetro geral, pudendo a medida ser
prorrogada, substituída o mesmo revogada a qualquer tempo. Os conceitos de
“progressão” e “regressão”, mais em concordância com a finalidade de penalizar,
são deixados, utilizando-se em seu lugar, a ideia de “substituição”. A substituição,
seja por medida mais grave, seja por medida mais branda é determinada de
acordo à capacidade do adolescente para cumpri-la, reafirmado assim, a natureza
pedagógica da medida socioeducativa. (ORTEGAL, 2011). Ortegal reflete sob a
remissão da medida e a frequência com que, devido à crescente judicializacão dos
conflitos interpessoais, a Justiça encontra nos mecanismos de suspensão ou
interrupção do processo um médio de dar celeridade à resolução dos conflitos.
Promove-se assim análises e apurações superficiais afobadas, penalizando
sujeitos por algo de que não são culpados, ou inocentando sujeitos de suas
transgressões pelas quais foram intimados a responder. No contexto da liberdade
41
assistida, o adolescente muitas vezes recebe a remissão de seu processo em
situações que necessitava de devida apuração da denúncia. A apuração da
denúncia resulta necessária tanto para inocentar o adolescente punido
injustamente quanto para sentenciar de maneira mais adequada o adolescente de
fato envolvido com a pratica de atos infracionais que precisa sofrer consequências
de seus atos (ORTEGAL, 2011). A revogação da medida exige a escuta conjunta
do Ministério Público, do defensor público e do orientador do adolescente,
descentralizando o poder de decisão, até então circunscrito ao juiz.
O ECA não tem fixado um prazo máximo para a duração da sentença, o
que parece ser coerente com a finalidade de acompanhamento e a promoção
social do adolescente. Mas, não delimitar um prazo máximo, mesmo que não seja
definitivo, proporciona um contexto de insegurança jurídica, uma vez que a
punição a ser cumprida pelo adolescente parece não ter fim.
Continuando com o analise do art. 119, destaca-se a figura do orientador ou
socioeducador, quem, na sua relação com o adolescente (socioeducando), é
fundamental na estrutura da medida. Do apoio e supervisão que o orientador
precisa, segundo a lei de “autoridade competente”, Ortegal considera que é algo
ainda carente de definição e de efetividade no cotidiano da execução da medida,
pois as Varas da Infância e Juventude tem uma mínima interação com os
programas de liberdade assistida, geralmente restritas ás obrigações básicas
como solicitações e envio de ofícios e relatórios com informações básicas sobre a
situação processual e de cumprimento da medida.
Dentro das incumbências do socioeducador, a promoção social do
adolescente e da sua família ilustra a mudança essencial de paradigma, já que
nas legislações anteriores tanto a família quanto a comunidade que não
oferecesse condições suficientes para a adaptação social do menor eram motivos
para a aplicação de uma medida mais grave, com privação da liberdade e da não
aplicação de medidas mais brandas. Na vigência do Estatuto, ao considerar o
adolescente como sujeito de direitos, a família e comunidades que não
42
conseguissem garantir tais diretos são também sujeitos de intervenção, por meio
de medidas protetivas, que fortaleça o contexto do adolescente.
O conceito de promoção social é amplo e permite diversas compreensões,
às vezes antagônicas. Ortegal (2011) esclarece que, a promoção é entendida no
contexto do ECA como atrelada ao acesso ás políticas sociais e não ao acesso a
bens de consumo que promove a “cidadania capitalista”. Porém, o projeto do
Estatuto aparece como contra majoritário, pois a compreensão da promoção social
por parte do adolescente e a sua família tem mais a ver com o retorno financeiro e
material que traz atividades ilegais como o tráfico de drogas. Os valores
socioculturais presentes no contexto em que vive o adolescente é ás vezes o
inverso do valorizado pelo estatuto: escolarização e profissionalização se
apresentam menos desejáveis do que a comissão dos atos infracionais.
Segundo Ortegal (2011), é possível detectar a existência de certa
indefinição conceitual entre as medidas, já que, embora a garantia de direitos seja
fundamental para a compreensão das medidas socioeducativas, esta é a
ocupação central em medidas de proteção e não das medidas socioeducativas.
Não se evidencia, nos artigos relacionados à Liberdade Assistida, o carácter
sancionatório que se pressupõe em uma medida socioeducativa. Respondendo a
essa indefinição, no último inciso do artigo 112, são consideradas respostas
possíveis ao ato infraccional qualquer uma das medidas previstas com o objetivo
específico de proteção.
O segundo inciso que trata sobre o processo de escolarização, requere,
para sua efetivação de contato entre escola e unidade de liberdade assistida. Se
bem o ECA indica que compete ao socioeducador os encargos relacionados à
escolarização do adolescente, a aplicação da lei requer a articulação entre as
políticas, precisando dos profissionais da educação um papel ativo no processo de
execução da liberdade assistida.
A profissionalização e o trabalho são recursos utilizados pela ECA
particularmente dificultosos de implementação pois estão associados a uma
relação de compra e venda, identificando-a não como um direito, mas como uma
43
mercadoria. A profissionalização, mistura de educação e trabalho precisa de
particularidades, pois não basta a oferta de cursos públicos e comunitários de
profissionalização, é necessário que essas iniciativas sejam dotadas da qualidade
exigida pelo mercado de trabalho, para conseguir o fim da promoção social.
Outras das dificuldades enfrentadas se relacionam com a escassa oferta de
profissionalização oficial, a falta de vagas, o nível de escolarização exigido realizar
o curso, preconceitos e discriminação frequentes quando se trata de jovens que
cumprem medidas socioeducativas.
Se bem o ingresso ao mercado de trabalho é considerado uma das vias
mais eficazes para não reiteração de atos infracionais, a questão merece um
analise cuidadoso. A maioria dos jovens em cumprimento da medida já possuem
inserção no mercado laboral, mas em trabalhos temporários, que exigem intenso
esforço físico e baixa remuneração e valoração social. Para atingir os objetivos
desejados é importante outro tipo de inserção, na verdade, muito dificultado pela
baixa escolaridade e capacitação da maioria dos adolescentes em cumprimento
da medida.
A apresentação de relatórios é o último item mencionado dentro das
funções do orientador, mas de relevância na execução da medida. O relatório tem
sido o principal instrumento de avaliação da situação do adolescente e é
geralmente realizado pela unidade de liberdade assistida e enviado à Vara da
Infância e Juventude, que toma assim conhecimento da situação de cada
adolescente em cumprimento da medida. Cabe salientar que, ao igual que todas
as práticas, este instrumento pode ser orientado pelo novo paradigma quanto pela
anterior concepção menorista, ainda vigente. Segundo a nova perspectiva, o
relatório não deve ser elaborado em uma visão somente avaliativa, deve valorizar
à família e reconhecer sua realidade socioeconômica, atendendo as condições de
direitos violados e de vulnerabilidade social dos adolescentes. Além dos aspectos
específicos do ato infracional, é um instrumento pelo qual surge uma possibilidade
de conhecer o sujeito, para uma mais ajustada resposta por parte da sociedade
corresponsável na problemática dos jovens infratores.
44
3.3 O plano de atendimento
De acordo com os lineamentos do SINASE, a operacionalização precisa da
elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA), instrumento de previsão,
registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas como o adolescente. A
elaboração do plano individual deve, conforme orientações do SINASE, prever a
participação do adolescente - e dos pais ou responsável- na definição dos
objetivos a serem alcançados. As atividades previstas pelo plano individual podem
ser alteradas segundo as necessidades do adolescente com aprovação da equipe
técnica do programa. Para a construção do plano, a equipe deverá realizar uma
avaliação interdisciplinar, podendo acessar informações relativas à apuração dos
fatos, históricos e pareceres escolares e dados sobre o cumprimento de outras
medidas socioeducativas. Esses dados brindam informação sobre as
necessidades específicas de cada adolescente.
Uma vez elaborado, o plano individual é encaminhado à autoridade
judiciaria que, por sua vez, encaminhará a proposta de atendimento ao promotor
de justiça e ao defensor. Após avaliação, o plano individual poderá ser
homologado -se julgado adequado- ou impugnado.
Se bem o PIA deve ser elaborado para cada adolescente em cumprimento
de medida socioeducativa, para liberdade assistida o plano adquire especial
importância, pois pelo fato de o adolescente encontrar-se em liberdade a principal
função do socioeducador é estabelecer em conjunto com o adolescente de que
forma essa liberdade deve ser utilizada a partir do momento em que teve início o
cumprimento da medida. Na sua pesquisa sobre a execução da Liberdade
Assistida em Porto Alegre, Oliveira (2007) considera que o plano tem um caráter
social (não somente individual) do plano. Se o intuito da medida é promover
socialmente o adolescente e a sua família, tentando romper o processo de
exclusão e com as situações que contribuíram para o cometimento do ato
infracional, introduzindo novos elementos na vida dos adolescentes (novas
relações, novas aprendizagem, novas condições de vida), o trabalho
45
socioeducativo não se limita ás modificações individuais por parte do adolescente,
sino que exige a articulação de uma rede de apoio que viabilize a realização das
atividades previstas e o alcance dos objetivos propostos nos planos de
atendimento. A labor sócio-educativa é nesse sentido, um articulador e mediador
da experiência do adolescente com a sociedade (OLIVEIRA, 2007).
Para Rodriguez (2011) o PIA tem o carácter de um acordo entre o
adolescente e o socioeducador. Considera que deve possuir um carácter
coercitivo ou sancionatório, na medida que certos pontos não são objeto de
negociação. Uma vez estabelecido o não cumprimento do Plano caracteriza o
descumprimento da medida.
3.4 A distância entre lei e as práticas
Além da letra da lei, os dados indicam pouco avanço na garantia de direitos
desde 1990 e, segundo H. Signorini, os índices de avaliação de atendimento a
alguns direitos de cidadania recuaram desde então, reforçando em alguns setores
a crença arraigada de que a repressão e a exclusão são as estratégias básicas de
intervenção sobre a infância e juventude (SIGNORINI, 2005). A autora argumenta
que é preciso refletir sob a interação entre as normas, as instituições e as práticas
sociais delas derivadas. Como é que a lei ingressa nos fatos sociais? As
diferentes forças em jogo definem a tradução dos princípios legais em políticas e
práticas concretas dispensadas aos adolescentes. “A disciplina que nasce com o
Estatuto não é a que ele proclama na letra escrita da lei, mas a que dele resulta na
concretude dos fatos e dos sujeitos. ” (SIGNORINI, 2005, pág. 39).
O Estatuto estabelece uma rede de direitos e deveres sociais que
representa um importante dispositivo de disciplinarização e formação de
subjetividades, estabelecendo vias de acesso aos bens e limites para a conduta
dos sujeitos. Mediante as associações entre Estado e sociedade civil, através dos
Conselhos de Direitos, tem se construído um dispositivo de controle social que
penetra em todos os municípios brasileiros, com grande poder diagnóstico e
46
político sobre a situação social de infância e adolescência. Mas a mesma estrutura
que responde ao modelo da proteção integral, pode ser colocada ao serviço da
disciplinarização, mas que da efetivação de direitos. Sobre a ainda sobrevivência
do modelo da situação irregular, essa aliança entre setores públicos e privados
pode chegar a desobrigar o Estado dos compromissos com a ação política e cria
possibilidades de reverter o investimento no bem-estar para investimento no
controle social. Para cumprir com os preceitos do novo paradigma é preciso
atender tanto às exigências de deveres quanto ao atendimento aos direitos de
crianças e adolescentes e não cumprir com qualquer desses aspectos gera
severas consequências tais com o recrudescimento da violência urbana e o
retorno da política anterior, repressiva e excludente.
47
CAPITULO IV
OS PROGRAMAS DE EXECUÇÃO
4.1 Dados nacionais
O presente capítulo tem como intuito o conhecimento sobre o atendimento
efetivo prestado aos adolescentes autores de ato infracional. Tal abordagem
ilustra as transformações e a distância existente entre os direitos garantidos pela
legislação e o modo em que os mesmos são efetivados pelos programas e ações
concretas.
De acordo com as estadísticas de Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH/PR), divulgados no “Levantamento Nacional sobre
o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” do ano
2011, o atendimento socioeducativo em médio aberto apresenta um crescimento
como resultado do co-financiamento federal aos municípios passando de 40 mil
para 69 mil adolescentes atendidos no ano de 2011 e fazendo repercutir na
melhora na proporção de entre adolescente em meio aberto e meio fechado,
assim a média vai de 1 adolescente interno para 2 em meio aberto; para 1
adolescente interno para cada 3 em programas em meio aberto. Contudo, não é
possível uma afirmação precisa acerca destes dados, pois não todos os estados
repassam seus quantitativos para a pesquisa, o que torna o conhecimento sobre o
sistema socioeducativo brasileiro em uma situação de imprecisão e
desatualização.
A pesquisa mostra que, embora seja a liberdade assistida a medida
socioeducativa responsável perla grande maioria dos adolescentes, não recebe
atenção proporcional a sua importância, pois se calcula a grosso modo, que
responde por três quartos dos adolescentes inseridos no sistema socioeducativo,
enquanto recebe um quarto do montante de recursos financeiros.
A priorização das medidas em médio aberto, em detrimento das medidas de
meio fechado só ocorre no discurso jurídico atual. A realidade da execução ilustra
que, tanto do ponto de vista estrutural (devido as carências de estruturas físicas,
48
materiais e de pessoal) quanto do ponto de vista político, (pois é a internação a
medida que mais pesquisas e estudos tem motivado) a Liberdade Assistida não é
uma prioridade na gestão do sistema socioeducativo.
Do levantamento mencionado e de um levantamento recente, realizado pela
Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente/SEDH
baseado em informações fornecidas pelos estados - janeiro/2004 surge também
que os dispositivos de aplicação desta medida estão centralizados nas capitais e
nas cidades maiores de regiões, enquanto as medidas não privativas de liberdade
são pouco utilizadas no resto do país. Muito frequentemente, os programas são
executados por ONG’s em parceria com o poder público. Quando não há
programas por parte do executivo ou da sociedade civil, alguns juizados acabam
realizando o acompanhamento dos adolescentes, de forma equivocada já que não
dispõem de profissionais e estrutura de atendimento para um mínimo
acompanhamento requerido.
4.2 Programas municipais
Com a finalidade de dar conta das diferenças socioculturais de Brasil, a
través de pesquisa na web, selecionaram-se programas de diferentes estados:
ü Se estudou a aplicação da Liberdade Assistida em Natal, a través
dos resultados da pesquisa Programa Liberdade Assistida –
Adolescentes em conflito com a lei e a violação de direitos
(PINHEIRO,2008) realizada de agosto de 2007 a setembro de 2008
no município de Natal, Rio Grande do Norte. A pesquisa tomou as
três unidades de atendimento que se ocupam do cumprimento da
medida.
ü Se aborda o programa “Casa do Sol Nascente”, do Município de
Serra, Espírito Santo baseado na pesquisa realizada por Maria
Emília Passamani no período que compreende outubro de 2004 a
maio de 2005 (PASSAMANI, 2006)
49
ü Os programas instrumentados em Porto Alegre, Rio Grande do Sul
foram abordados a través da pesquisa de Magda Martins de Oliveira,
quem a sua vez tomo como fonte, os documentos do Programa
Municipal de Execução das Medidas Sócio-educativas em Meio
Aberto de Porto Alegre (PEMSE) (OLIVEIRA, 2007).
ü A realidade da medida em Belo Horizonte foi feita mediante o artigo
“O Programa Liberdade Assistida em Belo Horizonte”, de Vargas e
Marinho (2008) e o informe da pesquisa realizada por Silva (2010) no
ano 2007. Neste município a execução da medida é feita em parceria
com a Pastoral do Menor, em articulação com o Juizado da Infância
e da Juventude.
Procurou-se nas diversas pesquisas, informações sobre os critérios
seguidos pelos juízes para a aplicação da medida; dados sobre o perfil dos
adolescentes em cumprimento da medida de Liberdade Assistida, a proposta
metodológica que sustenta os programas, atividades propostas e principais
aspetos relacionados com o êxito da média e as principais dificuldades das
unidades da execução e a eficácia dos programas.
4. 3 Imposição da medida
Em todos os casos, a aplicação da medida acontece por determinação
judicial e pode ser a primeira medida ou ser aplicada por progressão. Considera-
se progressão da medida quando o adolescente passa de uma medida de médio
fechado a uma de médio aberto. Regressão é quando o adolescente passa de
uma medida mais leve (que pode ser em médio aberto ou fechado) a outra
considerada mais severa. Segundo o artigo 118, a Liberdade Assistida é aplicada
com a finalidade de acompanhar, auxiliar e orientar o jovem, devendo, ainda, ser
levada em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade
da infração. Tal como foi comentado no capítulo anterior, a amplitude da norma
admite por parte dos diferentes executores da medida, discricionariedades de todo
tipo. Os juízes de Natal destacam critérios tanto objetivos quanto subjetivos para
50
a aplicação. Os critérios objetivos fixam a liberdade assistida para aqueles casos
em que o ato infracional é efetuado contra o patrimônio, sem grande repercussão
social, de pequeno potencial ofensivo. Os critérios subjetivos utilizados estão
vinculados à personalidade do adolescente, à existência ou não de uma família,
que se conceba como estruturada, e o envolvimento do adolescente como
substancias entorpecentes. Se bem à medida cabe explicitamente a promoção do
adolescente e a sua família, muitas vezes os lineamentos seguidos são os do
anterior paradigma, pois a medida aparece como um benefício ou uma
oportunidade que precede ou sucede a internação, que parece seguir funcionando
como eixo do sistema socioeducativo.
Outro vestígio ainda existente é a imposição, por parte das autoridades
judiciais, de normas e restrições a serem seguidas enquanto pré-requisitos do
cumprimento da medida. A pesar de estar em franca contradição com a legislação
vigente, os adolescentes de Natal precisam cumprir normas tais como não mais se
envolver em atos infracionais, não andar em más companhias, não portar armas
de fogo, cumprir com as citas com seu orientador, recolher-se cedo a sua
habitação ou em horários estabelecidos, não ausentar-se da cidade durante o
cumprimento da medida e outras condições muito similares às disposta pelo
Código Penal para a concessão de livramento condicional aos adultos.
4. 4 Perfil dos jovens em cumprimento de Liberdade Assistida
As pesquisas realizadas nos distintos municípios identificaram um perfil
predominante entre os jovens que receberam a medida socioeducativa Liberdade
Assistida:
ü A maioria pertence ao género masculino, tem entre 14 e 18 anos e só uma
minoria são de raça branca.
ü Mais da metade não concluíram o ensino fundamental e não estavam
frequentando a escola quando cometeram o ato infracional.
ü Tem uma inserção precoce no mundo do trabalho, em trabalhos
temporários de baixa renda.
51
ü Realidade precária de seus familiares, umas proporções significativas dos
adolescentes vivem em família monoparentais.
ü São oriundos de comunidades marcadas por desvantagens sociais onde há
alta percepção de ocorrência de eventos violentos.
ü A maioria dos jovens usam o usaram drogas.
ü A maioria dos crimes cometidos são contra o patrimônio (furto, roubo e
assalto).
4.5 Proposta metodológica
As pesquisas realizadas em Belo Horizonte (SILVA, 2010) (VARGAS &
MARIN, 2008) e em Serra (PASSAMANI, 2006), todas realizadas em parceria com
a Pastoral do Menor, destacam a proposta metodológica dos programas como
positiva, tanto desde a percepção dos operadores da medida, quanto da
percepção dos adolescentes assistidos e suas famílias, já que o atendimento em
médio aberto preserva a garantia explícita de conviver com a família e na
comunidade. O conceito de “adolescente” dos profissionais é respeitoso da
legislação atual, pois é concebido como sujeito de diretos e deveres em processo
de desenvolvimento. O ato infracional é entendido como um aspecto da vida do
adolescente que ocorreu devido a um conjunto de fatores multideterminados.
O convívio personalizado junto aos adolescentes autores de atos
infracionais e suas famílias é considerado fundamental para entender a história,
valores e cultura do adolescente. O trabalho pedagógico na perspectiva dos
operadores da medida, é baseado no diálogo, na presença e na escuta do que o
adolescente tem a dizer sobre a orientação. O perfil do profissional comprometido
com a proposta de trabalho e com o adolescente foi destacado como fundamental
para o êxito do Programa.
Já desde uma perspectiva mas critica, as pesquisas desenvolvidas em
Porto Alegre (OLIVEIRA, 2007) e Natal (PINHEIRO, 2008), salientam que, embora
a proposta do programa traz significativos avanços no que se refere ao
adolescente em conflito com a lei, sendo a principal a possibilidade de
acompanhar ao adolescente em seu cotidiano sem afastá-lo da sua família e da
52
sua comunidade, os programas ainda precisam ser executados e aperfeiçoados
conforme as diretrizes do ECA. Em muitos casos, as medidas são concebidas
pelos operadores exclusivamente como uma punição, considerando o adolescente
só como um infrator com a total responsabilidade pelo ato infracional cometido.
Baixo esta perspectiva, as recomendações feitas não consideram as suas
condições nem tampouco a rede de relações implicadas nas providencias
sugeridas. Pelo contrário, os autores das últimas pesquisas citadas consideram
que a falta de condições básicas e o não atendimento das necessidades mais
urgentes do adolescente estão, a maioria das vezes, nas raízes de seu
envolvimento com o ato infracional e o programa da medida socioeducativa tem a
função de acionar a rede de atendimento e de prever ações que possibilitem ao
adolescente condições mínimas para sua organização.
A pesquisa realizada em Natal enfatiza que, quando os encaminhamentos e
orientações feitas pelos operadores não são acompanhadas por a efetivação dos
direitos, não se observam as melhoras das condições de vida, de aceso à saúde,
à educação e à profissionalização, o adolescente e sua família ficam sozinhos na
procura de superação das suas adversidades. As entrevistas realizadas com os
adolescentes e a suas famílias demostra que eles não conseguem apreender o
que significa uma medida socioeducativa, nem também não o programa. Os que
tinham alguma ideia relacionaram o programa com uma dívida com a sociedade
que eles tinham que pagar ou uma maneira de ocupar o tempo, ligado à terapia
ocupacional.
Avalia-se que o programa neste município funciona à base de
aconselhamentos, sem que sejam oferecidas oportunidades objetivas que
possibilitem uma mudança nas condições de existência dos adolescentes e de
suas famílias (PINHEIRO, 2008). Enquanto os profissionais acreditam que o êxito
do programa depende da ajuda e interesse da família, as famílias depositavam
nos profissionais a esperança de êxito, principalmente na figura do orientador,
visto como apoio maior, com a obrigação de educar o filho, de impor os limites que
a família não conseguia. Por enquanto, o Estado se desresponsabiliza da
problemática pois falha o aparato institucional que garante os direitos
fundamentais da pessoa humana.
53
4.6 A Escassez Dos Recursos
Todos as pesquisas consultadas referem o contexto de carências em que
transcorre a aplicação da medida, pois tanto profissionais quanto usuários
compartilham uma realidade de mutuas privações. Os espaços físicos são
considerados inadequados e faltam os equipamentos necessários para a
realização das atividades com os adolescentes tais como veículos para realização
de visitas ás instituições e aos domicílios.
Não se cumpre com o número de técnicos e profissionais requeridos para
realizar para realizar um trabalho de qualidade e a qualificação profissional
sistemática dos operadores da medida é outra das demandas compartilhadas por
todos os programas. O aperfeiçoamento profissional nem sempre é possível pelo
custo desses eventos e pela grande demanda de trabalho que as equipes
(pequenas demais) enfrentam diariamente.
As articulações das redes de serviço se avaliam como frágeis dificultando
os encaminhamentos aos Serviços de Saúde, Educação e Assistência Social.
Faltam recursos específicos para o atendimento de adolescentes usuários de
drogas e para portadores de sofrimento mental, além da pouca articulação entre
as instituições. Com respeito à área de Educação, destaca-se como muito
significativo o repudio das escolas em matricular adolescentes infratores, a falta de
vagas nas escolas e cursos profissionalizantes que exigem escolaridade mínima,
ficando em consequência fora do alcance da maioria dos adolescentes assistidos.
As limitações institucionais quanto aos recursos humanos qualificados e em
quantidade suficiente para a efetivação do programa e a precariedade de
investimento financeiro do Poder Público no Programa, são os principais
determinantes das deficiências nas implementações dos programas, carências
que se apresentam como ponto em comum em todas as realidades
socioeconómicas abordadas para o presente trabalho.
4.7 Atividades desenvolvidas
54
O Programa executado no município de Serra, Espírito Santo refere
desenvolver atividades que acontecem no interior da sua casa central e outras
atividades externas consideradas imprescindível para efetivar o programa, que
tem como objetivo a sensibilização da comunidade, a articulação de rede de
serviços e o estabelecimento de parcerias visando a garantir o atendimento dos
diretos dos adolescentes (PASSAMANI,2006). As principais atividades são:
ü Atendimento individual realizado pelo técnico responsável.
ü Atendimento em grupo.
ü Atendimento a familiares.
ü Visita domiciliar.
ü Encaminhamentos realizados a partir das necessidades apresentadas em
cada caso.
ü Atividades artísticas, culturais e esportivas.
ü Seleção e formação dos orientadores sociais.
ü Envolvimento comunitário através de cursos, palestras, debates.
ü Participação nos Conselhos e Fóruns.
No programa desenvolvido em Belo Horizonte, a metodologia de atendimento
indicada como fundamentais são:
ü Atendimento individual ao adolescente.
ü Atendimento a familiares.
ü Reuniões semanais da equipe técnica.
ü Encaminhamentos para reinserção do jovem na escola, cursos de
profissionalização e para o atendimento da saúde.
ü Atividades com o intuito de organizar e consolidar a rede de atendimento
com o Juizado de Infância e juventude, com instituições que ofereçam
cursos, estágios e atendimento de saúde para o adolescente e a sua família
Os planos de atendimento das medidas executadas em Porto Alegre, segundo o
pesquisado por Vargas e Marino (2008) destacam como atividades realizadas:
ü Atendimento ao adolescente.
ü Atendimento a familiares.
55
ü Contatos com as instituições que compõem a rede de atendimento.
ü Propostas de encaminhamentos para escola, emprego, curso
profissionalizante, tratamento clínico, tratamento contra consumo de
sustâncias psicotrópicas, tratamento psicológico/psiquiátrico e realização de
documentação.
A pesquisa que aborda a execução da medida em Natal (PINHEIRO, 2008)
destaca como ações realizadas pelo programa:
ü Atendimento individual al adolescente
ü Atendimento familiares.
ü Atividades culturais e recreativas para jovens e suas famílias.
ü Realização de encaminhamentos às áreas de saúde, educação,
profissionalização e inserção laboral.
Além das similitudes entre as atividades desenvolvidas pelos programas,
resulta de interesse destacar as diferentes avaliações que os autores das
pesquisas fazem da aplicação da medida, baseados em realidades muito
similares.
Com respeito ao atendimento dos adolescentes e suas famílias
considerados como espaços de acompanhamento e reflexão, as quatro
pesquisas o consideram o aspecto mais desenvolvido nos programas. Tanto a
pesquisa realizada em Serra quanto a baseada nos programas de Belo Horizonte
consideram esses atendimentos como um aspecto fundamental no bom sucesso
do programa. A criação de um vínculo de confiança entre a equipe e os jovens é o
que permite a execução da medida. Os atendimentos baseados no diálogo e na
escuta do que adolescente tem a dizer como ferramentas para desenvolver a
capacidade de reflexão; são considerados bases da proposta pedagógica e claves
para a reinserção social procurada. Ambas pesquisas consideram que os
programas implementados têm conseguido um impacto positivo nas vidas dos
adolescentes, diminuindo os índices de reincidência e tendo bom potencial para
mobilizar agencias da rede pública e organizações não governamentais a partir de
encaminhamentos para saúde, educação, cultura e inserção laboral.
56
A pesquisa sobre os programas implementados em Porto Alegre, também
salienta como fator fundamental para a realização da proposta pedagógica
(embora não seria suficiente para garantir um bom acompanhamento dos
adolescentes) a escuta dos adolescentes, procurando conhece-los integralmente
nas relações consigo mesmo e com outros. Mas, segundo a pesquisa realizada
por Oliveira (2007) os atendimentos individuais aos jovens estariam na sua
maioria caracterizados por o desencontro entre orientadores, técnicos e os
adolescentes. Os adultos responsáveis pela execução da medida não têm ouvido
aos adolescentes, por considerar que eles têm pouco a dizer ou porque acredita-
se que o adulto sabe tudo e, portanto, sabe o que é bom para os adolescentes,
sim reconhecê-los como sujeitos de direitos (OLIVEIRA, 2007).
A pesquisa desenvolvida em Natal conclui que os atendimentos baseados
em conversas com orientadores seriam comparáveis a terapia de autoajuda,
aconselhamentos, que não operam melhorias nas condições de vida dos
adolescentes nem de suas famílias.
Como já se fez menção, todos os programas consideram frágeis as
articulações das redes de serviço e das parcerias, fundamentais para garantir
os encaminhamentos dos adolescentes.
A pesar das dificuldades e carências, a equipe do programa de Serra
considerou a rede de serviços como uno dos pontos de muita importância no
suporte e êxito do programa, ao igual que a aceitação e a acolhida da comunidade
local.
A pesquisa realizada em Belo Horizonte resgata o potencial que o
Programa tem para mobilizar agências da rede pública e organizações não
governamentais, mas se conclui que ainda não conseguiram aplicar de maneira
satisfatória as possibilidades que oferecem a nova organização estabelecida pelo
ECA, como também foram pouco instrumentadas as iniciativas de integração
comunitária.
A pesquisa realizada em Porto Alegre avalia que a pouca efetividade nas
estratégias de intervenção e a não complementariedade das ações, são produto
da inexistência a ineficiência das políticas públicas de atendimento e medidas de
proteção e levam à falha do programa de execução das medidas.
57
Sobre a execução da medida em Natal, os estudos consultados referem
que os encaminhamentos à escola são feitos com dificuldades, os cursos
profissionalizantes quase não são disponibilizados e, quando são, não condizem
com a realidade escolar dos adolescentes atendidos na unidade. Não há
disponibilização de espaços hospitalares para o tratamento dos dependentes
químicos, entre outras dificuldades.
58
CONCLUSÃO
Foi a busca por novas respostas à problemática dos jovens envolvidos com
a prática infracional a motivação que impulsou a construção da presente
monografia. Partindo de uma concepção que considera a complexidade e
multiplicidade de fatores que envolvem o adolescente e o ato infracional e a
necessidade de desenvolver ações de responsabilização jurídica e subjetiva mais
humanizados, desenvolve-se o trabalho bibliográfico, de tipo exploratório que
procura uma aproximação às teorias e práticas que pretendem superar o enfoque
correcional-repressivo.
Del conjunto das medidas socioeducativas, foi escolhida a Liberdade
Assistida por diversos motivos:
ü Por refletirem seus princípios políticas de respeito pela
infância e juventude em conformidade com a legislação nacional e
internacional,
ü Por ser uma das medidas de maior aplicação no Brasil,
ü Por desenvolver o sentido de responsabilidade coletiva frente
à produção social do adolescente infrator, incluindo nos seus programas
não somente o adolescente e a sua família, mas todos os demais
segmentos responsáveis pela garantia dos direitos de crianças e
adolescentes. Articula o poder judiciário, o poder público municipal,
organizações não governamentais e a comunidades.
Os lineamentos dos instrumentos legais nacionais (ECA, SINASE) e
internacionais priorizam as medidas de meio aberto por sobre as que implicam
privação da liberdade, considerando a liberdade assistida o tratamento mais
humano, qualificado, socioeducativo para o adolescente em conflito com a lei e
sua família, com vistas a fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários por
médio da disponibilização de maiores oportunidades de acesso aos bens e
serviços socialmente construídos. Mais as prerrogativas legais mencionadas
59
somente indicam o “ideal” ou “dever ser” da medida que se distingue do “real” da
execução da mesma.
Uma primeira aproximação aos dados estadísticos demostra que, o
privilegio das medidas de meio aberto por sobre as privativas de liberdade fica
somente na letra da lei, pois embora seja a Liberdade Assistida uma medida muito
utilizada, não é destinatárias de orçamentos públicos necessários para sua plena
execução.
A atual organização social capitalista, as desigualdades sociais e os
conflitos de interesses dão um caráter contraditório à efetivação da Liberdade
Assistida. A pesar de reconhecer a validez conceitual e o grande potencial
socializador da Medida, os estudos e artigos consultados sobre o tema não
deixam de salientar e refletir sobre as dificuldades e pouca eficácia dos projetos
implementados até agora.
Todas as pesquisas concordam em ressaltar as dificuldades
experimentadas para efetuar um trabalho Inter setorial com as demais políticas de
atendimento à população adolescente. As dificuldades vinculam-se a várias
situações: ao pequeno número de técnicos existentes nas unidades para atender
uma grande demanda, ao limitado número de profissionais qualificados, á quase
inexistente disponibilização de materiais e equipamentos necessários para levar a
cabo o trabalho e o pobre orçamento destinado para a manutenção dos projetos
sócio educativos. Verificam-se dificuldades no encaminhamento dos adolescentes
aos serviços de Saúde, de Educação e de Assistência Social e na disponibilização
de atendimentos técnicos em psicologia e assistência social.
Além do contexto de carências já referenciado, os analises realizados por
diferentes pesquisadores demostram que as equipes técnicas ainda não têm
consolidado um “novo fazer” e muitas vezes as práticas são instrumentadas de
modo pouco progressista. Práticas tão diversas como atendimento médico,
psicológico odontológico escolarização e oficinas profissionalizantes são
executadas como meras atividades da rutina institucional, ficando assim perdida a
essência do projeto pedagógico. A autora da pesquisa realizada em Porto Alegre
Magda Martins de Oliveira, salienta que, quando a medida é interpretada somente
desde seu aspecto punitivo e o adolescente com um infrator que deve cumprir as
60
recomendações do programa, as mesmas tornam-se simplificações da realidade,
que não consideram as condições nem as redes de relações implicadas nas
providencias sugeridas. Refere-se que, oficinas e cursos, por exemplo, ao invés
de constituir uma via de acesso à cidadania, são manipulados enquanto prêmios
destinados a uns poucos, seguindo um critério disciplinar que nada tem a ver com
a proposta da ECA.
Aprofundado sobre as características e dificuldades da medida realizou-se
um rastreio histórico nas legislações nacionais sobre crianças e adolescentes e o
percurso efetuado comprovou que, embora tenha havido mudanças do ponto de
vista legal, a efetiva transformação da natureza desta medida não tem sido total. O
modelo assistencial-repressivo inscrito com força na cultura nacional e
reivindicado pelos setores mais conservadores da sociedade, coexiste com o atual
modelo da proteção integral e em consequência a Liberdade Assistida atual possui
tanto em sua teoria quanto em sua pratica, características remanescentes de suas
versões predecessoras. Continuam vigentes conceições científicas e morais
vinculadas ao assistencialismo e as posturas higienistas. Tais concepções
defendem a tutela e a exclusão como formas privilegiadas de tratamento das
questões que dizem respeito à infância e continuam resistindo a mudança teórico
legal proposta pelo ECA. Passando ao plano prático, cabe destacar que os velhos
referenciais não foram substituídos de modo de construir novas práticas que visem
pela promoção social dos adolescentes.
Tal superposição de modelos e as finalidades gerais demais que o Estatuto
lhe confere (acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente) cria espaço para as
mais diversas interpretações e torna possível que a Liberdade Assistida possa
continuar servindo como forma de vigilância e controle dos adolescentes pobres
de um modo muito similar à Liberdade Condicional e à Liberdade Vigiada dos
anteriores Códigos de Menores. Pinheiro (2008), considera que a separação entre
o que deve ser a medida e o que na realidade é, reforça o caráter punitivo da
Liberdade Assistida no Natal, levada como mais um meio de controle social da
classe subalterna e não como maneira de inclusão social. Segundo o autor, tal
estado de situação suscita a necessidade de mudança do modo com que a
61
sociedade e o Estado, por médio dos seus entres federados e instituições, se
relaciona com o adolescente.
Embora se reconheça o contexto atual e as limitações que o mesmo
imprime na medida de Liberdade Assistida, é preciso salientar a existência de
experiências bem-sucedidas no contexto socioeducativo. As pesquisas realizadas
nos municípios de Serra e Belo Horizonte sugerem um potencial de superação das
dificuldades do sistema socioeducativo no cumprimento de sua proposta. Os
resultados das pesquisas apresentam resultados positivos na abordagem dos
adolescentes e a sua proposta se caracteriza por a construção de experiências
transformadoras, de novas relações e novos recursos de enfrentamento da
realidade que prescindem da prática de atos infracionais.
Um fator fundamental nos programas mencionados é a relação construída
entre a equipe e os jovens atendidas, baseada no extenso período de
acompanhamento, que gera um vínculo de identificação, confiança e
compartilhamento entre trabalhadores e usuários. É através de esse tipo de
vínculo e do diálogo que ele sustenta que os jovens podem começar a refletir e
falar, passando do estado de vítimas para o de responsáveis por seus atos e
palavras.
Outro aspecto fundamental ao sucesso do programa é a constituição da
equipe técnica responsável pela execução da medida. Os bons equipes de
trabalho contam tanto com o compromisso ético político com a proposta
pedagógica quanto com competência profissional para atuar com adolescentes em
conflito com a lei. A responsabilidade profissional não se circunscreve à tarefa de
adequar o sujeito a regras alheias a ele, mas bem se trata de que o sujeito tenha
possibilidades de mudar sua própria realidade e se assumir enquanto sujeito
histórico capaz de avaliar e decidir o melhor caminho a trilhar na vida.
Sem negar os motivos existentes para a desistência e a desesperança, é
fundamental a toda proposta pedagógica a crença de que mudanças são
possíveis a partir de novas experiências. A despeito das posturas que naturalizam
e planteiam como insuperáveis as injustiças e desigualdades enfrentadas pela
sociedade, as propostas consideradas bem-sucedidas acreditam que, oferecendo
62
oportunidades e afetividade é possível fazer que esses adolescentes se tornem
pessoas autónomas, capazes de lutar e progredir juntamente como os outros.
É preciso o resgate de aporte das pessoas que integram as equipes
técnicas, exercendo os saberes próprios e mantendo o compromisso ético com os
destinatários da sua pratica.
Por último resulta relevante destacar que toda prática profissional presente
na execução da medida é uma poderosa ferramenta que pode responder ao
modelo repressivo- tutelar e a mecanismos de poder que tem como objetivo a
normalização da vida. A mudança de paradigma proposto pela nova legislação só
terá lugar na medida que cada quem possa refletir sobre os modos, as vezes
muito sutis, em que as próprias práticas profissionais seguem reproduzindo o
modelo tutelar.
63
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66
INDICE
FOLHA DO ROSTRO 2
AGRADECIMENTOS 3
DEDICATORIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 7
SUMARIO 8
INTRODUÇÂO 9
CAPITULO I - Conceitos básicos 12
1.1 Adolescência, ato infraccional e reinserção social 12
1.2 Medidas socioeducativas segundo a legislação 13
1.3 O Projeto social vigente 19
CAPITULO II - Antecedentes históricos 22
2.1 O período do Brasil Colônia 23
2.2 A legislação no Brasil Império 23
2.3 A república e o surgimento da criança criminosa 24
2.4 A “situação irregular” e o nascimento da Liberdade Assistida 29
CAPITULO III – A Liberdade Assistida na legislação atual 34
3.1 O paradigma da proteção integral 34
3.2 A Liberdade Assistida no ECA 37
3.3 O plano de atendimento 41
3.4 A distância entre a lei e as práticas 43
CAPITULO IV – Os programas de execução 45
4.1 Dados nacionais 45
4.2 Programas municipais 46
4.3 Imposição da medida 47
4.4 Perfil dos jovens em cumprimento da medida 48
67
4.5 Proposta metodológica 49
4.6 A escassez dos recursos 50
4.7 Atividades desenvolvidas 51
CONCLUSÃO 56
BIBLIOGRAFIA 61
INDICE 64