67
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES FACULDADE INTEGRADA AVM PÓS-GRADUACAO LATO SENSU LIBERDADE ASSISTIDA E REINSERÇÃO SOCIAL DOS ADOLESCENTES INFRATORES Por: Verónica Claudia Torre Orientador Prof. William Rocha Rio de Janeiro 2015 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

  • Upload
    vuphuc

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

FACULDADE INTEGRADA AVM

PÓS-GRADUACAO LATO SENSU

LIBERDADE ASSISTIDA E REINSERÇÃO SOCIAL DOS ADOLESCENTES INFRATORES

Por: Verónica Claudia Torre

Orientador

Prof. William Rocha

Rio de Janeiro

2015

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

Page 2: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUACAO LATO SENSU

AVM FACULDADE INTEGRADA

LIBERDADE ASSISTIDA E A REINSERÇAO SOCIAL DOS ADOLESCENTES INFRATORES

Apresentação de monografia à AVM – Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Psicologia Jurídica.

Por: Verónica Claudia Torre.

Page 3: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

3

AGRADECIMENTOS

A Leonardo, que me incentivou na continuação de meus estudos, aos professores que me deram ferramentas para questionar e repensar a atual realidade social e ao SPF que possibilitou minha formação profissional no Brasil.

Page 4: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

4

DEDICATORIA

Dedico o presente trabalho a Bárbara, Joanna, Eva, Florência, Yamila, China, e a todas as meninas que me permitiram acompanha-las em momentos tão difíceis das suas vidas e que tanto me tem ensinado.

Page 5: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

5

RESUMO

O presente trabalho é uma análise da Liberdade Assistida (L.A.),

considerada um instrumento privilegiado para o logro da reinserção social do

adolescente em conflito com a lei. Trata-se de uma via de enfrentamento das

questões que envolvem a pratica infracional de adolescentes que possibilita que o

jovem responda sem a perda da sua liberdade, visando pelo fortalecimento dos

vínculos familiares e comunitários mediante a disponibilização de maiores

oportunidades de acesso aos bens e serviços sociais.

Embora a L.A. seja considerada a medida socioeducativa que proporciona o

trato mais humano, qualificado e em total concordância com as diretrizes do

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não existem numerosos estúdios

que aprofundem na estrutura conceitual da mesma. As poucas pesquisas

dedicadas à questão, salientam as múltiplas dificuldades na execução, indicando a

existência de uma brecha significativa entre os lineamentos jurídicos que norteiam

a medida e a forma em que a L.A. tem sido executada nos diferentes setores do

pais.

Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da

problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos para a

compreensão da estrutura que sustenta a medida na atualidade. Realiza-se a

continuação a géneses da liberdade assistida perante uma revisão das primeiras

legislações sob infância e juventude que abordaram a problemática, pois se partiu

da ideia de que as significações veiculadas nas legislações passadas têm seu

efeito nas atuais concepções sobre a Liberdade Assistida e resultam fundamentais

para esclarecer o quadro de situação presente. A concepção vigente da L. A.,

segundo como é concebida dentro do atual paradigma de proteção integral, se

realizou integrando ao analise, elementos próprios do contexto sociopolítico na

qual a medida se executa. É neste contexto capitalista, em donde as

necessidades do mercado tem mais importância do que as necessidades

Page 6: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

6

humanas que é possível entender as contradições e conflitos que atravessam não

só a L.A., mas bem o sistema socioeducativo todo. O trabalho monográfico conclui

com a aproximação ao cotidiano de quatro programas municipais a cargo da

execução da L. A. nos municípios de Natal, Porto Alegre, Serra e Belo Horizonte,

analisando pontos em comum, diferencias, aspectos positivos, negativos e,

resgatando principalmente intervenções e práticas que construam novas

alternativas na vida dos adolescentes envolvidos com a pratica de atos

infracionais.

Page 7: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

7

METODOLOGIA

Para a construção da monografia se levou a cabo um trabalho bibliográfico,

de tipo exploratório que seguiu o seguinte percurso: inicialmente, se realizou uma

revisão histórica das respostas ás infrações dos adolescentes no Brasil, com o fim

de esclarecer o processo que originou as medidas socioeducativas. A

continuação, se pesquisou material bibliográfico com a finalidade de ilustrar o atual

funcionamento da medida. Para avaliar a atual aplicação dos programas de

Liberdade Assistida, se consultou bibliografia e webgrafia atual sobre a aplicação

de programas em diversas regiões do Brasil.

O método utilizado no trabalho não é apenas descritivo ou compreensivo da

problemática, pois procura-se refletir criticamente sobre os valores éticos e

políticos que subjazem à conceptualização e abordagem da problemática

planteada.

Page 8: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÂO 9

CAPITULO I - Conceitos básicos 12

1.1 Adolescência, ato infracional e reinserção social 12

1.2 Medidas socioeducativas segundo a legislação 13

1.3 O Projeto social vigente 19

CAPITULO II - Antecedentes históricos 22

2.1 O período do Brasil Colônia 23

2.2 A legislação no Brasil Império 23

2.3 A república e o surgimento da criança criminosa 24

2.4 A “situação irregular” e o nascimento da Liberdade Assistida 29

CAPITULO III – A Liberdade Assistida na legislação atual 34

3.1 O paradigma da proteção integral 34

3.2 A Liberdade Assistida no ECA 37

3.3 O plano de atendimento 41

3.4 A distância entre a lei e as práticas 43

CAPITULO IV – Os programas de execução 45

4.1 Dados nacionais 45

4.2 Programas municipais 46

4.3 Imposição da medida 47

4.4 Perfil dos jovens em cumprimento da medida 48

4.5 Proposta metodológica 49

4.6 A escassez dos recursos 50

4.7 Atividades desenvolvidas 51

CONCLUSÃO 56

BIBLIOGRAFIA 61

INDICE 64

Page 9: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

9

INTRODUÇAO

Tanto as crescentes situações de violência que envolvem adolescentes

quanto a resposta que o Estado dá ao problema, tem mobilizado a opinião pública,

a mídia e distintos sectores da sociedade brasileira. Tais atos infracionais,

provocam na população sentimentos de medo e indignação por se sentir privada

do seu direito a segurança, exigindo às vezes aumento no rigor da punição e a

redução da maioridade penal.

Outros setores da sociedade, mais afines com as premissas do

paradigma de proteção integral, interpretam-se os atos infracionais como

respostas ou indicadores da desigualdade social que caracteriza a vida dos

denominados “pivetes”.

Se os adolescentes são infratores da lei desde uma perspectiva, mas

vítimas do contexto social e familiar desde a outra, qual é a direção que deveria ter

a intervenção (judicial, assistencial, profissional)? Será a resposta aplicar penas

mais rigorosas? Considerar como vítima todo adolescente infrator, sem considerar

as particularidades em jogo em cada caso? Trata-se, pois, de uma realidade muito

complexa onde não é possível ignorar as condições de vida adversas dos jovens

que integram uma parcela da população historicamente desfavorecida.

Se bem a seguinte monografia aborda a Liberdade Assistida como

resposta adequada para o logro da reinserção social dos adolescentes infratores,

a seleção de tal temática surge de outra realidade, a pratica profissional no âmbito

carcerário, com mulheres privadas da sua liberdade por comissão de delitos. Ao

igual que as instituições destinadas aos jovens infratores, também a população

das cadeias pertence geralmente a grupos sociais altamente desfavorecidos, com

carências de necessidades básicas tales como alimentação, educação e saúde.

As estratégias de supervivência em tais contextos, implicam muitas vezes o

abandono dos lares y a comissão de infracções, integrando aos sujeitos à

categoria de excluídos, com nulos laços como o sistema social.

Page 10: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

10

Os profissionais inseridos no âmbito prisional, experimentam

cotidianamente os fortes pontos de tensão e conflito entre os ideais de reinserção

social e os fins de custodia que cumpre a instituição carcerária. O testemunhar

cotidianamente o efeito negativo do encarceramento na subjetividade, o saber

sobre a falta de efetividade do isolamento para o logro da reinserção social, dão

lugar a questionamentos éticos e técnicos sobre a função profissional: Que tipo de

responsabilidade concerne aos adolescentes? Como responsabilizar o

adolescente infrator, sem apagar o limite que separa a responsabilidade dele e a

do adulto? Como operar frente as transgressões dos adolescentes sim reproduzir

e agravar tais processos de exclusão e deterioro subjetivo? Em resposta a tais

questões, a aproximação à Liberdade Assistida realizada no presente trabalho,

tem como intuito a pesquisa sobre alternativas teóricas e práticas que resultem em

mudanças significativas nas condiciones de vida dos adolescentes em conflito

com a lei.

A seleção da Liberdade Assistida sob as outras Medidas

Socioeducativas relaciona-se com a importância assinada por a maioria dos

pesquisadores da área a essa medida, caracterizando-a como mais eficiente e da

grande aplicação no atual contexto nacional. Ao não tirar o adolescente infrator de

seu médio, a Liberdade Assistida abandona posturas excludentes e

estigmatizantes e envolve necessariamente à família, à comunidade e às

organizações da sociedade civil para a sua efetivação, o que demanda das

políticas sócias públicas a adaptação as especificidades deste público. A pesar

das vantagens que a medida apresenta, a bibliografia existente sobre os

programas de Liberdade Assistida em funcionamento no Brasil, salientam as

muitas dificuldades que acontecem na implementação deles.

No primeiro capítulo se apresentam os conceitos básicos para a

compreensão da estrutura que sustenta a medida na atualidade. Também se

abordam questões relacionados com o contexto sociopolítico da mesma,

considerado fundamental para entender o funcionamento, a eficácia e as

limitações da Liberdade Assistida.

Page 11: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

11

No segundo capítulo realiza-se a géneses da liberdade assistida

perante uma revisão das primeiras legislações sob infância e juventude que

abordaram a problemática. Se analisam os principais documentos legais em

vinculação com os acontecimentos históricos que condicionaram seu surgimento,

articulando a doutrina jurídica aos dispositivos de poder próprios de cada período

histórico.

No Capítulo seguinte, se aborda a concepção atual da Liberdade

Assistida, segundo como é concebida dentro do atual paradigma de proteção

integral e pela legislação que a norteia, a ECA.

Finalizando o trabalho monográfico aborda-se a aplicação e a eficácia

desta medida mediante o estúdio do funcionamento dos dispositivos de Liberdade

Assistida existentes em distintas regiões do pais, perante uma pesquisa

bibliográfica na web. Se selecionaram publicações que informam sobre a

instrumentação da Liberdade Assistida em Natal, Porto Alegre, Belo Horizonte e

Espírito Santo.

Page 12: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

12

CAPITULO I

CONCEITOS BASICOS

1.1 Adolescente, ato infracional e reinserção social

Neste apartado se mencionarão a modo de contextualização da

problemática estudada, os conceitos de adolescência, adolescente infrator e

reinserção social que sustentam as políticas públicas atuais sobre infância e

juventude, sem aprofundar em tais temas devido ao alcance do presente trabalho

monográfico.

O Relatório da Situação da Adolescência Brasileira (UNICEF, 2002) afirma

que “O conceito de adolescente é polêmico e aponta para peculiaridades e

diversidades de expressão dessa fase da vida nas diferentes sociedades e

culturas” (p. 9). A adolescência é uma fase específica do desenvolvimento

humano, caracterizada por uma série de mudanças e transformações

fundamentais para que o indivíduo possa atingir a maturidade e assumir o papel

de adulto na sociedade. Assim, a adolescência não pode ser resumida apenas

como uma etapa de transição, mas como uma fase com especificidades, riquezas

e potencial que devem ser atingidas (PASSAMANI, 2007).

Ainda segundo o Relatório da Situação da Adolescência Brasileira

(UNICEF, 2002), o debate conceitual sobre a adolescência no Brasil deve

considerar as grandes diversidades e desigualdades da realidade em todas as

regiões nos aspectos naturais, sociais e culturais. O conceito de adolescência

inclui em consequência não só as transformações biológicas e psicológicas, mas

também o contexto socioeconômico, cultural e histórico no qual ele está inserido.

O complexo fenômeno dos atos infracionais envolvendo adolescentes e

jovens tem sido vinculado a diversos fatores entendidos como determinantes

(violência familiar, baixa escolaridade, e determinados rasgos de personalidade),

Page 13: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

13

mas no atual paradigma, considera-se diretamente relacionado à negação de

direitos por parte do Estado. Os adolescentes em conflito com a lei não tiveram

seus direitos básicos garantidos pelas políticas públicas e, em função de sua

situação social, financeira e familiar, tem cometido ato infracional. A condição de

infratores não se considera eterna nem própria da sua personalidade, mas bem

passível de ser transformada mediante a execução das medidas socioeducativas.

O conceito de reinserção social, no atual paradigma da proteção integral

não é considerado um processo de readaptação passiva e sem críticas à

normativas impostas pelas autoridades com a finalidade de cumprir critérios

disciplinares. É concebido como um processo de socialização mediante

participação ativa e responsável em distintas atividades tendentes a melhorar a

qualidade de vida. Segundo Faleiros, trata-se de um processo de mudanças das

relações com o contexto, pelo qual o jovem se torna protagonista de seu destino,

e, portanto, passa a ter a afirmação de sua identidade enquanto cidadão. Se

procura que as intervenções possibilitem a participação dos adolescentes na vida

cotidiana, contribuindo com as soluções para os problemas que os afetam

(FALEIROS, 2004). Para refletir as mudanças nas ideias clássicas sobre os

processos de adaptação ou reinserção social, os novos referentes conceituais

privilegiam o conceito de promoção social, que será abordado no capítulo IV desta

monografia.

1.2 Medidas socioeducativas segundo a Legislação

Para abordar o conceito de Liberdade Assistida, é preciso definir o

contexto no qual a medida se encontra inserida, o seja, o instituto das Medidas

Socioeducativas, segundo a atual legislação sobre infância e adolescência vigente

no Brasil. As Medidas Socioeducativas são sentenças judiciais impostas por Varas

especiais para adolescentes que desrespeitaram o Código Penal Brasileiro. São

as respostas que o Estado prevê para mostrar aos adolescentes que se

encontram nessa situação, que as leis adotadas pela sociedade devem ser

cumpridas, e que existem consequências no caso de seu descumprimento.

Page 14: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

14

Crianças e adolescentes são considerados como sujeitos especiais de direitos em

estado peculiar de desenvolvimento e propõe-se a responsabilização pelo ato

cometido a partir da imposição das mencionadas medidas.

A legislação que atualmente regula a aplicação dessas medidas é o

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal N” 8069 de 13-07-1990.

O ECA garante direitos e deveres a crianças e adolescentes e determina também

a responsabilidade dessa garantia aos setores que compõem a sociedade, sejam

eles a família, o Estado ou a comunidade. Os direitos tutelados pelo Estado

compreendem: direito à sobrevivência (vida, saúde e alimentação); direito ao

desenvolvimento pessoal e social (educação, cultura, lazer e profissionalização); e

o direito à integridade física, psicológica e moral (dignidade, respeito, liberdade,

convivência familiar e comunitária).

Em seus capítulos discorre sobre as políticas referentes à saúde,

educação, adoção, tutela e questões relacionadas aos adolescentes que cometem

atos infracionais. Os princípios fundamentais do ECA afirmam que crianças e

adolescentes são prioridade absoluta, sujeitos de direitos e pessoas em condição

peculiar de desenvolvimento. A prioridade absoluta compreende a primazia de

receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, a precedência do

atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, a preferência na

formulação e execução das políticas sociais públicas e a destinação privilegiada

de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à

juventude.

O reconhecimento dos adolescentes como sujeitos de direitos implica

que o ato infracional cometido pelo sujeito deve ser encarado como um fato

jurídico, permitindo o acesso tanto a medidas de proteção quanto a garantias

processuais. As mudanças mais significativas a destacar são: a) acolhida ao

dispositivo segundo o qual nenhum adolescente será privado de sua liberdade,

senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundada da

autoridade judiciaria competente; b) introdução do contraditório nos processos que

envolvem menores de 18 anos acusados de prática de ato previsto no Código

Page 15: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

15

Penal ou na Lei das Contravenções Penais, permitindo ao adolescente o exercício

da defesa quando acusado de infligir a lei; c) exigência da comprovação da

materialidade e autoria do delito; d) a internação, medida que envolve a restrição

da liberdade, não pode em hipótese alguma exceder o prazo máximo de três anos,

e cuja aplicação está condicionada à gravidade do delito, à pratica reiterada de

atos infracionais graves ou ao descumprimento de medida judicial aplicada

(SOUZA, 2015). As garantias são previstas expressamente nos artigos 110, 111 E

207 do ECA.

A concepção do sujeito do Direito presente na legislação, determina

uma resposta para os adolescentes cujo objetivo está para além da punição,

promovendo a reinserção social, o fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários, escolarização e profissionalização. Mas, como a maioria das

medidas socioeducativas, a Liberdade Assistida comporta dois aspectos na sua

composição:

• O Controle Social, pois são ações por parte da sociedade

(policia, justiça, administração) em resposta à infração por parte

do sujeito adolescente, que é considerada crime pela lei penal.

Assim como a privação da liberdade implica uma restrição

massiva de quase todos os direitos (liberdade, intimidade,

convívio familiar, etc.), também a liberdade assistida implica a

restrição de direitos na medida que o sujeito tem a

obrigatoriedade de assistir a entrevistas, se matricular na escola

e falar de temas que ele não está disposto ou não se interessa,

fazendo um esforço por refletir e problematizar a sua realidade.

• Dimensão educativa social: As respostas à infração dos jovens

devem ter conteúdo educativo, em razão de sua peculiar

condição de pessoa em desenvolvimento. Se bem a execução

das sanções impõe restrições, não são suspensas a totalidade

dos direitos, aliás o acesso à educação é um dos direitos que as

medidas promovem. Procura-se a transmissão de conteúdos

Page 16: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

16

culturais que diminuam a exclusão (que muitas vezes o processo

judicial acrescenta) e um melhoramento das potencialidades,

autonomia, auto estima assim como também diminuam a

vulnerabilidade frente ao sistema prisional. Os eixos da

intervenção apontam ao armado de uma rede comunitária para

cada jovem inserido no programa, quem junto a sua família

poderá construir um modo de inserção diferente de aquele onde

ele foi protagonista de um ato infracional (PIGNATA, 2001).

A articulação de tais elementos requer de uma abordagem complexo,

pois significa integrar supostos em ocasiões contrapostos. As tensões que se

produz entre eles, são resolvidas em muitas ocasiões de um modo simplista,

acrescentando o caráter de controle social, impondo conteúdos culturais distantes

das próprias vivencias, funcionais aos interesses de os grupos sociais dominantes

e apagando a dimensão educativa que as medidas presumem ter.

As intervenções jurídicas possíveis, caso o adolescente transgrida as

leis sociais são descritas no Capítulo XII. Visam os infratores entre 12 anos de

idade completos até aos 18 anos incompletos, sendo estendidas até aos 21 anos

em casos específicos. As medidas podem ser de seis tipos, segundo Art. 112° do

ECA:

ü Advertência;

ü Obrigação de reparar o dano;

ü Prestação de serviços à comunidade;

ü Liberdade Assistida;

ü Inserção em regime de semiliberdade;

ü Internação em estabelecimento educacional

A medida de advertência é executada pelo juiz da infância e da

juventude. É uma medida imediata e de caráter informativo, em que o juiz, na

Page 17: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

17

presença do adolescente e de seu responsável, o informa dos seus deveres

perante a lei, do ato cometido e das consequências de uma reincidência.

Na medida de obrigação de reparação do dano, o adolescente restitui

ao Estado o bem e/ou visa a compensação da vítima. Não exige um

acompanhamento posterior do adolescente por um responsável técnico pela

execução da medida.

A medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade

busca fazer com que o adolescente responda por seu ato infracional a partir da

realização de um trabalho de prestação de serviço que acontece na comunidade.

Visa o resgate dos valores sociais por meio do trabalho socioeducativo.

A medida de liberdade assistida visa o acompanhamento da vida

social do adolescente por um técnico durante a execução da mesma. Esse

acompanhamento busca garantir a proteção do adolescente, sua inserção na

comunidade, na escola e na formação para o trabalho. As ações também se

dirigem ao trabalho com os vínculos familiares e principalmente sua

responsabilização frente ao ato infracional cometido.

Segundo o ECA, a Liberdade Assistida deve ser adoptada sempre que

se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar

o adolescente. O acompanhamento deve ser efetuado por um educador

capacitado para isso, profissional ou voluntario, pudendo ser alguém da própria

comunidade do adolescente. Na modalidade Liberdade Assistida Comunitária

(LAC) existem profissionais técnicos e orientadores comunitários (em geral,

voluntários). Na chamada Liberdade Assistida Institucional (LAI) entende-se que

os técnicos contratados pela instituição executora é que fazem diretamente o

acompanhamento com os adolescentes, não existindo a figura do orientador

comunitário.

A medida deve ser cumprida em um período mínimo de seis meses

podendo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida sempre que o

orientador, o Ministério Público e o defensor considerarem necessário.

Page 18: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

18

As medidas restritivas de liberdade que são a semiliberdade e a

internação, privam o adolescente do convívio social. Na semiliberdade o

adolescente mantém vínculos externos com a escola, trabalho e com frequência,

nos finais de semana, mantém o convívio com os familiares, indo para sua

residência. Pode ser determinada como sentença ou como forma de transição da

internação para as medidas de meio aberto. Outrossim, a medida de internação

priva totalmente o adolescente do convívio externo, deve ser adotada em casos

excepcionais para aqueles que cometeram atos infracionais gravíssimos, quando

não houver outra medida mais indicada para o delito cometido pelo adolescente.

Deve-se respeitar o período máximo de três anos, como avaliações semestrais

efetuadas pela equipe técnica da unidade, sendo compulsória sua extinção aos 21

anos de idade. A internação rompe com os vínculos do adolescente por um

período de no mínimo seis meses e máximo de três anos, tempo para execução

da proposta de trabalho socioeducativo com base na garantia de direitos, mas

também na responsabilização do adolescente frente ao ato cometido como uma

das condições para finalização da medida. Mas, a internação não deve privar os

adolescentes de seus outros direitos, ração pela qual as unidades devem contar

com escolas, assistência médica, psicológica e odontológica entre outras.

Como já tem sido mencionado, os estudos dos especialistas informam

que as internações, geralmente não são efetivados dentro dos parâmetros

determinados pelo ECA, de forma planejada, pedagógica e humanitária nem

unidades de atendimento são adequadas e com profissionais qualificados. E,

ainda quando essas condições são respeitadas, o isolamento do interno do

convívio social distancia-o ainda mais da sociedade e pode gerar o sentimento de

não pertencimento ao grupo extra institucional, contribuir para o fortalecimento dos

vínculos como outros internos e com suas práticas, tomando-os mais vulneráveis

às organizações do crime organizado, de seus valores e das suas referências

(PINHEIRO, 2008). As normativas internacionais e nacionais são unanimes quanto

al fato de que é preciso privilegiar as medidas de meio aberto que resgatem os

vínculos sociais, comunitários e familiares através de políticas públicas voltadas a

esse fim.

Page 19: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

19

Outro referente importante para a compreensão das medidas é o

Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE), lei 12.594/2012. Este documento

estabelece as diretrizes para a execução das medidas socioeducativas em todo o

território nacional, por parte das instituições e profissionais que atuam nesta área.

Dispõe sobre os sistemas de atendimento socioeducativo e regulamenta a

execução das medidas destinadas ao adolescente infrator. É composto por

princípios, regras e ações jurídicas, políticas, financeiras e administrativas,

presentes no contexto do trabalho como o adolescente autor de ato infracional

desde a apuração do ato à execução das seis medidas já mencionadas. Cumpre

assim a importante função de articular os sistemas de direitos: sistema

educacional, sistema de justiça e segurança pública, sistema único de saúde

sistema único de assistência social presentes na Doutrina da Proteção Integral

sustenido pela ECA. O SINASE aperfeiçoou as diretrizes do ECA para a aplicação

e para execução das medidas sócio educativas, priorizando as medidas de médio

aberto (Prestação de Serviço à Comunidade e Liberdade Assistida) que passam, a

partir do ano 2006 a ser responsabilidade dos municípios. A municipalização criou

a possibilidade de garantir o direito à convivência familiar e comunitária do

adolescente em conflito com a lei, criando os Conselhos de Direitos e Tutelares:

Órgãos deliberativos compostos paritariamente por representantes do Estado e da

sociedade civil. A primeira instancia de atendimento está constituída por

Conselhos Tutelares. Deslocam-se assim as atribuições tutelares que pertenciam

ao Poder Judiciário para as esferas dos Executivos municipais e estaduais. A

descentralização propõe-se acompanhada da articulação entre as ações

governamentais, civis e entre cada esfera de governo.

1.3 O Projeto Social vigente

Os lineamentos que estabelece a legislação atual, resultam

insuficientes para a compreensão da realidade das medidas socioeducativas. Para

o esclarecimento da situação, resulta necessário destacar o contexto da

Page 20: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

20

sociedade atual, capitalista em que os programas socioeducativos são

executados.

Nas últimas décadas houve um aprofundamento do modo de produção

capitalista acompanhando de um progressivo processo de pauperização da

população brasileira e da concentração de riquezas nas mãos de uma minoria

privilegiada. A partir da década de 1980, enfrentou-se uma crise provocada pela

reestruturação produtiva e a abertura para a globalização, afetando principalmente

a população mais pobre do pais. Acrescentou se assim o problema do

desemprego, mais que nada de jovens, excluindo-os do acesso aos direitos

básicos como saúde, educação, habitação, profissionalização e cultura. À

igualdade de acesso a bens e serviços sociais se contrapõem os interesses

capitalistas que exigem que o Estado se retire da economia e efetue cortes nos

gastos sócias que se destinam tanto à classe menos favorecidas. Como resultado,

a renda familiar, a sua posição social e as perspectivas de consumo que a família

apresenta são indicadores que informam sobre que tipo de direitos as crianças e

os adolescentes terão acesso.

Se trata de uma sociedade contraditória, que ao mesmo tempo que

produz riqueza, desenvolvimento científico e tecnológico, acrescenta a pobreza e

desigualdade social. A maioria das instituições e setores estratégicos da

sociedade civil sustentam um projeto em que predomina a cidadania capitalista, na

qual a condição de cidadão, de partícipe da sociedade, é mediatizada pelo acesso

ao mercado. Este modelo resulta inconciliável com o projeto viabilizado pela ECA,

de produção de cidadania mediante acesso a direitos.

O crescimento do sentimento de insegurança e as demandas de

proteção por parte da sociedade frente ao comportamento de jovem infrator pobre

e socialmente excluído, tem ocasionado uma maior restrição do acesso a direitos

sociais e exacerbado o uso de mecanismos de punição e controle social. Tal

controle e restrição não o faz isoladamente o Estado Penal, sino em conjunto

como os setores da sociedade que o legitimam ativa ou passivamente.

Page 21: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

21

Outra característica a ter em conta da sociedade capitalista é a

contradição entre a constante criação de necessidades no público adolescente

através da mídia e a imensa desigualdade económica que deixa excluídos do

consumo a muitos jovens. Importante porcentagem destes jovens procura meios

ilícitos para ter acesso ao estilo de vida legitimado socialmente. o contexto social

induz os adolescentes às pressas no aceso ao consumo e à busca por visibilidade

em seu meio, desconsiderando a licitude dos caminhos a serem trilhados.

Miones Sales (2007), citada por Ortegal (2011) considera que a

visibilidade do sujeito adolescente, sobretudo o adolescente pobre, está

geralmente relacionada à transgressão da lei. A violência e a transgressão

cumprem um papel fundamental no processo de visibilidade do adolescente de

classe baixa, pois até não engrossar as estadísticas como mais um caso de morte

ou de agressão passam pela sociedade sem serem percebidos. A crescente

demanda pela redução da idade penal por vários setores da sociedade, demostra

o peso de este tipo de visibilidade social, que causa efeitos na direção contraria

aos preceitos de proteção integral da legislação.

Tal conceição ampliada do contexto social revela o conflito existente

entre a legislação que garante direitos e a aplicação de programas que priorizam à

contenção, vigilância e controle social (ORTEGAL, 2011). Longe de uma execução

neutra que ocorre de maneira vertical e unidirecional (da gestão superior ao

público alvo, por médio dos professionais) a contradição atinge ao sistema

socioeducativo todo, sendo os sujeitos envolvidos, simultaneamente ativos e

passivos no processo de conceptualização e implementação das medidas. O ECA,

enquanto política de atendimento a crianças e adolescentes representa um

considerável avanço na forma de ver, compreender e proteger as crianças e

adolescentes do Brasil. Mas sua implementação é ainda um processo em

construção, precisa no só de investimentos na área, mas também de uma

mudança de concepção que a sociedade tem da problemática dos adolescentes

infratores, ainda baixo os valores sustentados pela anterior doutrina da situação

irregular. A problematização deste modelo de produção e reprodução social das

condições de existência que resultam inconciliáveis com a proposta de proteção

Page 22: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

22

integral da legislação atual, resulta fundamental para a compreensão da

efetividade e limites das medidas socioeducativas em geral e da Liberdade

Assistida em particular.

Page 23: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

23

CAPITULO II

ANTECEDENTES HISTORICOS

Partindo da concepção da problemática do adolescente em conflito com

a lei como um processo histórico, cujas determinações vão além do presente e de

que a forma de compreender a realidade social é resultado de uma ótica do

mundo construída através do tempo; neste capítulo se apresentam brevemente as

principais legislações sobre Infância e Juventude; desde o período colonial até o

Código de Menores de ano 1979. Se faz menção também dos principais

acontecimentos históricos que funcionaram como determinantes das legislações

abordadas. O novo paradigma apresentado pela ECA, será abordado em capítulo

aparte, dedicado à medida de Liberdade Assistida tal como é concebida nas

normativas atuais.

E possível pesquisar antecedentes do que hoje são as medidas

socioeducativas nas primeiras legislações do Brasil. As respostas legais às

condutas criminosas de crianças e adolescentes foram mudando segundo as

condições políticas, económicas e sociais imperantes no contexto. Mas, como

destaca Rizzini (2011), existe um rasgo comum a todas as legislações voltadas à

infância: Os destinatários não são qualquer criança ou adolescente. Todos os

documentos citados abordam a situação dos sujeitos desvalidos, sem valor e sem

proteção de alguém (órfãs, abandonadas, negligenciadas, maltratadas e

delinquentes), o seja, que necessitam assistência e sobre a qual a sociedade

precisa definir o campo das responsabilidades e das ações a serem

implementadas. Segundo Hebe Gonçalves (2005), a crença que baseou as

intervenções voltadas à infância infratora durante um século foi de que a criança

teria origem na família disciplinada e seria portadora de diretos, enquanto o menor

seria aquele que a família não quis ou o Estado não pôde disciplinar. Ao menor

destinavam-se quase exclusivamente, medidas de cunho repressivo.

Page 24: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

24

2.1 O período do Brasil Colônia

No contexto da colonização e da escravidão negra, existiam as crianças

escravas e abandonadas, mas elas não eram consideradas uma necessidade

para o sistema produtivo. O problema relevante da época colonial era outro:

Primava a necessidade de povoamento e de mão de obra para o trabalho. Em

consequência, as crianças e adolescentes não eram objeto de proteção por parte

da sociedade, mas considerados mercadoria e sua mão de obra, explorada.

No período tanto colonial como imperial, resultava uma pratica

frequente o abandono em diversos locais urbanos de crianças legítimas e

ilegítimas, como tentativa dos pais de livrarem-se do filho indesejado. Estas

crianças denominadas rejeitadas, desvalidas ou expostas, eram acolhidas pelo

sistema de Rodas e eram conduzidas ao trabalho precoce e explorado, pelo qual

ressarciam seus criadores, ou o Estado, dos gastos feitos com sua criação.

Antes da primeira lei penal do Império, o Código Criminal de 1830, as

medidas punitivas eram orientadas pelas Ordenações do Reino de Portugal. A

pesar da menoridade constituir um atenuante à pena desde as origens do direito,

crianças e adolescentes eram severamente punidos, sem maior discriminação em

relação aos delinquentes adultos.

2.2 A legislação no Brasil Império

Foi na passagem do Império para a República quando os juristas

começaram a sinalizar a necessidade de criar uma legislação especial voltada

para os menores de idade. Tal mudança relaciona-se com as importantes

transformações político sociais que ocasionaram mudanças nas ideias sob a

infância e as práticas da qual a infância era alvo. Nesta época, começou-se a

acreditar na importância das crianças para o futuro do império. (RIZZINI, 2011).

A primeira lei penal do Império; O Código Criminal de 1830 estabelecia

a responsabilidade penal para menores de quatorze anos, especificando que “se

se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem cometido crimes,

Page 25: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

25

obraram com discernimento, deverão ser recolhidos as Casas de Correção, pelo

tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda a idade de

dezessete anos” (Lei de 16 de dezembro de 1830).

Se bem já nesse momento se considera a ideia de a necessidade de

“Casas de Correção” onde acolher crianças para sua correção em locais

separados dos outros criminosos, este tipo de instituições só surgira vinte anos

depois. A preocupação da sociedade com respeito aos menores não era a

questão penal, mas bem, a ideia era amparar a infância órfã e abandonada.

“Praticavam-se medidas de carácter essencialmente assistencial, lideradas pela

iniciativa privada de cunho religioso e caritativo...” (RIZZINI, 2011, pag. 100).

A importância outorgada a educação fez que se criaram legislações que

se ocuparam da regulamentação do ensino, tornando-o obrigatório. Incentivou-se

a criação de escolas, com o objetivo de facilitar o acesso das crianças pobres,

mais somente foi conseguido para uma parte delas. A maioria das crianças que

moravam na periferia dos centros urbanos e nos espaços rurais do Brasil não

viram transformadas suas condições de existência.

Com respeito aos atos criminosos cometidos pelas crianças e

adolescentes, se bem existiam leis com a intenção de reprimir a delinquência, esta

não parece ser uma preocupação prioritária que ultrapassasse o controle das

autoridades policiais e judiciárias.

2.3 A república e o surgimento da criança criminosa

Associado a mudança de regime e do reordenamento político e social

concomitante, surge na legislação uma crescente preocupação com a infância,

mas essa preocupação é diferente do anterior enfoque religioso e caritativo. Neste

período, o abandono de crianças e adolescentes e a situação de pauperização

das camadas populares eram severamente aprofundados no país. O processo da

abolição da escravatura foi simultâneo ao processo de formação do mercado de

trabalho livre assalariado, majoritariamente formado pela mão de obra imigrante.

Page 26: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

26

Porém, a população de negros alforriados ficou numa situação de desamparo,

ocupando as ruas e alterando a ordem. A criança passou a ser descrita como “um

magno problema”, se tornando um ameaça à ordem pública (RIZZINI, 2011).

Figuras relevantes da sociedade, como Evaristo Moraes e Ataulfo de Paiva,

destacavam com preocupação, a crescida da criminalidade infantil e juvenil. As

propostas de intervenção eram baseadas na educação ou correção dos menores,

com a finalidade de transformá-los em indivíduos úteis e produtivos para a

república. Se bem o discurso salienta a defesa incondicional da criança desvalida,

as práticas dele derivadas evidenciam a oscilação presente entre a defesa da

criança e a defesa da sociedade (RIZZINI, 2011). As leis e projetos abarcam o

problema como um todo: Se dispensa o mesmo tratamento tanto a crianças em

situação de abandono, negligencia ou pobreza quanto a crianças e adolescentes

infratores da lei.

Surge neste período uma nova tendência na legislação sobre a infância,

cujo representante mais acabado é o Código de Menores de 1927. Se parte de

uma nova concepção sobre o papel da justiça que propõe uma humanização do

judiciário e do sistema penitenciário. Ante o aumento da criminalidade infantil, a

autoridade judicial não deve responder só castigando. A luz dos novos saberes

advindos da psicologia, sociologia, psiquiatria e antropologia criminal, procura-se o

conhecimento dos fatores que influem nos sujeitos que cometiam crime. As

intervenções ultrapassam o âmbito penal procurando proteger, reformar e educar

aos menores. A justiça fica assim vinculada à assistência, criando-se intrincadas

medidas jurídicas sociais para o cumprimento do objetivo da nova justiça juvenil.

(RIZZINI, 2011)

O término “menor” nasce baixo o domínio desse discurso jurídico, e

designa indivíduos que não tivessem atingido a maioridade penal e civil, mas

estende-se o seu uso para designar crianças dos segmentos empobrecidos e

marginalizados da sociedade (abandonadas, desvalida, delinquente, viciosa, etc.)

que povoavam as ruas das cidades. Frente ao crescer da criminalidade infantil, a

legislação regulariza o recolhimento das crianças abandonadas e delinquentes.

Todos os projetos e leis deste período tem como objetivo a internação de

Page 27: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

27

menores, de acordo com uma cuidadosa classificação que determinasse se

correspondia segundo o caso, as medidas preventivas (escolas de prevenção para

os menores moralmente abandonados) ou as de regeneração (internação nas

escolas de reforma e colônias correcionais para os delinquentes). Perante a

classificação se levou a cabo o escrutínio e controle sob a vida, a personalidade e

a família dos menores.

No ano 1921 foi promulgada a lei 4242/21 referente à despesa geral da

República dos Estados Unidos do Brasil. A lei autorizou o Governo a organizar o

serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente. Fixou a

imputabilidade em dezoito anos e eliminou o discernimento como critério para

aferição da responsabilidade do menor. Segundo o artigo 3°, “o menor de quatorze

anos não será submetido a processo penal nenhum e o infrator de mais de

quatorze e menos de dezoito, recebe processo especial. ”

Dentro das medidas contempladas pelo processo especial mencionado,

se encontra o livramento condicional, medida penal que se assemelhava ás

primeiras propostas do que daria origem a liberdade assistida. Trata-se de um tipo

de suspenção de pena tradicionalmente imposta, vinculada a uma série de

condições. Não era considerada uma medida alternativa, mas uma espécie de

benefício, acrescido da vigilância a que era submetida o menor. Era aplicável

apenas ao adolescente que: fosse “moralmente regenerado”, estivesse “apto a

ganhar honradamente a vida” e despusesse de alguém que lhe pudesse garantir o

provimento de suas necessidades; e a pessoa ou família responsável pelo menor

fosse considerada idônea. Os menores sob livramento condicional ficavam sob a

vigilância de um patronato (FERNANDES, 1998).

O Decreto 16.272/1923 que aprova o Regulamento da assistência e

proteção aos menores abandonados e delinquentes, aborda a possibilidade de

cumprimento de sentença em médio aberto, mudando a denominação livramento

condicional por liberdade vigiada. Segundo a nova legislação, o

acompanhamento do menor em liberdade vigiada não fica só ao patronato, a

responsabilidade é estendida aos pais ou responsáveis. O juiz incrementa seu

Page 28: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

28

poder, pois no só pode impor regras aos menores, mas também aos seus

responsáveis, pudendo eles ter que pagar até indemnização e costas do processo,

caso ter cometido transgressões ás “regras de procedimento” fixadas pelo juiz. As

regras não se encontravam legalmente estabelecidas, mas são impostas ao

adolescente que tenha recebido a medida. Outra mudança de importância é a

estipulação do prazo máximo de um ano para a execução da medida

(FERNANDES, 1998)

No ano 1924 é criado o primeiro Juizado de Menores do Brasil, sendo

Mello Mattos o primeiro juiz de menores. Assim foi criado o Juízo, a demanda por

internações cresceu, lotando todas as vagas das instituições oficiais e

contratadas. Como dar conta e internar todos os menores enquadrados na ampla

categoria de menores abandonados e delinquentes?

“O Juízo de Menores inauguro uma política sistemática de internação em estabelecimentos criados ou reformados para atender a população especifica dos menores material ou moralmente abandonados, e/ou delinquentes. No entanto, a estrutura organizada para receber esta clientela apresentava, desde seus primórdios, problemas, que o excesso de demanda só veio a aumentar. A demanda de internações era fomentada pelo próprio Juízo, que passou a recolher centenas de “menores das ruas”...” (RIZZINI, 2011, pág. 251)

Em 1927, o Decreto N° 17.943-A consolidou as leis de assistência e

proteção ao menor, constituindo o Código de Menores. Trata-se de um Código

minucioso, que tenta cobrir um amplo espectro de situações envolvendo a infância

e a adolescência. O Código dedica seu capitulo VI ao “Menor delinquente”,

trocando o término “penas” por “medidas”.

Dispõe um firme e amplo controle sobre os menores, perante

mecanismos de tutela, guarda, vigilância, educação, preservação e reforma. O

Estado é responsável do exercício de uma tutela oficial, tendo o Juiz do tribunal de

Menores, o papel proeminente. Definiram-se os menores com términos imprecisos

e vagos, o que originava interpretações moralistas e arbitrárias e julgamentos

acordes às interpretações. Embora a punição parece ter deixado de ser concebida

como uma sanção castigo para ser uma sanção educação, a prioridade da

Page 29: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

29

legislação não está na proteção e assistência social das crianças, mas no

julgamento e tratamento de atos infracionais cometidos por elas.

Através do recolhimento dos menores em instituições especializadas,

procura se o objetivo de manter a ordem e o progresso da república, sem garantir

os direitos necessários a promoção da cidadania para esse segmento social. A

transgressão ou a criminalidade são concebidas como doenças individuais e o

contexto tido em conta é o familiar, restando importância aos aspectos sociais,

políticos, econômicos que determinam o fenómeno.

Com respeito a liberdade vigiada, o Código dedica-lhe o Capítulo VIII

de sua Parte Geral, incorporando com poucas alterações as legislações anteriores

de 1921 e 1923. A aplicação da liberdade vigiada é considerada uma “medida” e a

internação, visualizada como uma pena. Na medida que a Liberdade Vigiada

suspende a pena de internação, tem o caráter de um benefício, parece ter sido

considerada como prêmio ou benefício, sem levar em conta que se trata de uma

medida que restringe a liberdade, mediante as condições que são impostas ao

menor (FERNANDES, 1998).

Os procedimentos da liberdade vigiada descritos na lei, seguem

evidenciando seu carácter de controle social, pois a função da pessoa

encarregada da vigilância tem como missão somente controlar se o menor comete

ou não infrações. Perante o artigo 100, se cria a possibilidade de aplicação da

medida a situações em que não havia ocorrido infrações, com o objetivo de

promover a segurança ou moralidade do menor. A liberdade vigiada se torna

então uma medida a ser adotada tanto nos casos em que o menor infringe a lei,

quanto para casos em que seus direitos são vulnerados, segundo o subjetivismo e

arbítrio do juiz. Continua-se assim segregando os menores e culpando a suas

famílias sem questionar o contexto brasileiro e a importância da injustiça social na

produção de comportamentos antissociais (FERNANDES, 1998).

Depois do período ditatorial iniciado em 1937 com o golpe de Estado

implementado por Getúlio Vargas, se inicia na década de 40, uma clara política de

proteção e assistência ao menor e a infância, criando-se órgãos federais que se

Page 30: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

30

especializaram no atendimento das duas categorias agora bem delimitadas

específicas: o menor e a criança. A assistência dos menores pertence à esfera

jurídico policial, sobre controle do Ministério da Justiça, em cambio a criança é

exclusividade da esfera médico-educacional, bajo o controle do Ministério de

Educacional e Sanidade.

Em 1941 se cria o Serviço de Assistência aos Menores (SAM), órgão

federal que centralizou a assistência ao menor em todo o território, tanto do setor

público quanto do privado. Tanto a criança pobre como sua família foram objeto de

inúmeras ações, como o intuito de disciplinar o trabalhador como “capital humano”

do Estado Novo, através da educação e a profissionalização. (RIZZINI, 2011).

Com a centralização do atendimento se procurava resolver os problemas

enfrentados pelo Juizados de Menores, que ficaram somente a cargo da

fiscalização do regime disciplinar e educativo dos internados.

Rizzini comenta que o menor nas ruas, fora da escola y do trabalho, era

entendido na ideologia da defesa nacional, como uma ameaça à pátria. Tratava-se

de um setor da população sem peso político nem económico e que, pelas suas

condições de menoridade e pobreza, não tinham como cobrar nem exercer

controle sobre as ações sobre ele aplicadas, produzindo-se abusos e fatos de

corrupção que deram ao SAM sua fama nefasta. (RIZZINI, 2011).

2.4 A “Situação Irregular” e o nascimento da Liberdade Assistida

No contexto da “revolução de 64”, que inicia um período de ditadura

militar no Brasil, a Lei 4513 extinguiu o SAM, sendo substituído por a Fundação

Nacional do Bem-estar do menor (FUNABEM). O novo órgão pretendia ser o

reverso do anterior, mas recebeu o legado do anterior sistema, tanto patrimonial

quanto simbólico. No seu artigo sobre as políticas de atendimento na infância e

adolescência, Arno Vogel relata:

“Como bem simbólico era portadora não só dos estereótipos negativos vigentes a seu respeito na sociedade, mas também de um todo imaginário institucional, capaz de garantir a sobrevivência

Page 31: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

31

e a reprodução de tudo aquilo que pretendia deixar para trás”. .... “O legado do SAM não podia ser reduzido às exterioridades materiais de seu acervo. Incluía, para além delas, toda uma série de lugares comuns antigos do atendimento, dos quais a própria categoria menor não era o menos relevante. ” (VOGEL, 2011, pág. 290)

O veloz processo de urbanização que as mudanças sociais

impulsionavam deram lugar ao surgimento das “regiões metropolitanas” e a

expansão da pobreza, pois, o mercado de trabalho era incapaz de absorver a

demanda de essa mão de obra ilimitada e desqualificada. De acordo com o censo

de 1970, um terço da população infanto-juvenil podia considerar-se em estado de

marginalização, entendida como “...uma situação de baixa renda, de pouca

participação no consumo de bens materiais e culturais, de incapacidade de trazer

a si os serviços de habilitação, saúde, educação e lazer”. (FUNABEM apud.

VOGEL, 2011, pág. 291). Considerava-se o grupo como um potencial

inaproveitado, mas também uma fonte de preocupação em virtude dos problemas

sociais que era capaz de gerar. O objetivo de toda a política da Fundação era o

menor em carência do atendimento das necessidades básicas e a família,

responsável pela disfunção ou desagregação do grupo.

Durante este período é promulgada a Lei 6697/1979, que cria o Novo

Código de Menores. A lei é executada por meio da mencionada Fundação

(FUNABEM) e a nível estadual pela Fundação Estadual do Bem-estar do menor

(FEBEM). Ele representou uma referência integral sobre o direito de crianças e

adolescentes, pois a nova legislação revogou os anteriores decretos que

regulamentavam a problemática.

No documento registram-se certos avanços no que respeita à promoção

dos direitos infanto-juvenis, já que se parte da ideia de que não se consegui a

ressocialização pela simples vigilância e é preciso também amparar e proteger. A

lei requere a consideração de contexto socioeconômico, social e cultural do menor

assim como a designação de pessoa capacitada ou serviço especializado para

acompanhar o caso. Outra noção a salientar é a consideração da internação como

último recurso aplicável, ao mesmo tempo que, outros apartados da lei, ampliam

as possibilidades do regime de internação.

Page 32: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

32

Mas, além de tais mudanças, tanto a conceptualização geral da

problemática como as medidas propostas, conservam como alvo a manutenção da

ordem e a higiene social. Na realidade, nem as ações do Estado nem a

compreensão da problemática de crianças e adolescente sofreu grandes

mudanças.

No seu primeiro artigo define como seu objeto a assistência, proteção e

vigilância a menores de até dezoito anos, em situação irregular. Também

especifica que as medidas de carácter preventivo aplicam-se a todo menor de

dezoito anos, independentemente da sua situação. O menor não é considerado

sujeito da própria lei, mas um objeto que deve ser ajustado até conseguir uma

suposta situação considerada regular.

O novo Código deixou a antiga classificação dos menores

(abandonados e delinquentes) unindo-os na expressão “menor em situação

irregular”. Definida no segundo artigo do novo Código, considera-se situação

irregular quando o menor estivesse:

1. Privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução

obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:

a) Falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

b) Manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;

2. Vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou

responsável;

3. Em perigo moral, devido a:

a) Encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons

costumes;

b) Exploração em atividade contrária aos bons costumes;

4. Privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais

ou responsável;

Page 33: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

33

5. Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou

comunitária;

6. Autor de infração penal.

São dispostas seis medidas para os menores em tais situações:

advertência, entrega aos pais ou responsável, colocação em lar substituto,

imposição do regime de Liberdade Assistida, colocação em casa de

semiliberdade e internação em estabelecimento educacional, ocupacional,

psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado.

Abandona-se a expressão Liberdade Vigiada e a medida é chamada de

Liberdade Assistida, mas a vigilância segue sendo a finalidade da mesma. Ao

igual que acontece com sua antecessora, é a autoridade judiciaria quem fixa as

regras de conduta para cada menor e também quem designa a pessoa ou

instituição para acompanhar o caso. Como no caso anteriormente estudado, a

medida pode ser aplicada sem necessidade de existir ato infracional.

A imposição do regime de Liberdade Assistida se prevê para dois

casos, segundo os incisos V e VI do artigo 2°: ao menor com desvio de conduta,

em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária e ao menor autor de

infração penal. A questão fundamental é a inexistência de elementos objetivos que

caracterizem o que seria o menor com desvio de conduta ou com uma grave

inadaptação. Novamente é a autoridade judiciária quem tem o poder de apreciar

subjetivamente cada caso concreto, tanto o comportamento do menor quanto os

seus familiares e demais pessoas da comunidade (FERNANDES, 1998).

Mais uma vez, a sociedade não é convocada a responder pela situação

irregular do menor, sobretudo tendo em conta que na maioria dos casos se trata

de sujeitos que tem seus direitos básicos vulnerados desde seu nascimento; a

resposta à transgressão é muitas vezes, a primeira resposta que crianças e

adolescentes pobres conseguem do Estado. Baseada na sua experiência

profissional como Assistente Social em Varas de Menores, Fernandes destaca as

dificuldades de os menores e a suas famílias para cumprir as condições fixadas

pelo Juizado. Mas não por culpa o desinteresse, mais devido à falta de recursos

Page 34: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

34

comunitários (FERNANDES, 1998). Fernandes reflete sobre a diferencia de uma

intervenção destinada a moldar e ajustar aos menores e a suas famílias,

responsabilizando-os pela sua marginalidade, do que instrumentar ações efetivas

de promoção e de proteção.

Se bem as propostas da fundação definiam o internamento como uma

prática de inúmeros aspetos negativos pois debilitava à família e gerava gastos à

Nação, a Fundação manteve a estrutura do SAM voltado à internação,

evidenciando a contradição entre propostas e prática.

“A pesar da progressiva desarticulação do regime de internato para os filhos da elite, desde meados dos anos 60, para as famílias de baja renda, o colégio interno continuava a representar “um local seguro onde os filhos estudam, comem e se tornam gente” (VOGEL, 2011, pág. 299).

O modelo repressivo relatado neste capítulo se manteve vigente nas

práticas institucionais durante todo o século e mesmo assim, não conseguiu

reduzir os índices de criminalidade entre os jovens que continuo em franco

crescimento. No ano 1976 a Comissão Parlamentar de Inquérito do Menor

apresentou dados que testemunharam o aumento da marginalização associada às

práticas instauradas pela Fundação, concluindo que a mesma não possui

condições para solucionar o problema, cada vez mais agravado pelo crescimento

demográfico.

Fechando as considerações sobre os diferentes períodos históricos,

cabe salientar que, além das mudanças políticas e económicas de cada época

que tiveram influência direta sobre as políticas públicas dirigidas ao menor, a

internação em estabelecimentos fechados permaneceu como o fio condutor do

atendimento instaurado, tanto pelo Estado quanto pela iniciativa particular. O

investimento e a produção de experiências e conhecimentos em relação ás

medidas alternativas à privação da liberdade foram escassas, mais presentes nas

propostas do que nas práticas quotidianas, consideradas meramente como um

benefício ou morigeração das medidas impostas. A pesar de se começar a

esboçar medidas que não privarem aos menores da sua liberdade, tanto na

Liberdade Vigiada quanto na Liberdade Assistida o adolescente é considerado

Page 35: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

35

como um objeto da intervenção judicial, ficando baixo vigilância e cumprindo

regras impostas pelo julgador.

Page 36: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

36

CAPITULO III

A LIBERDADE ASSISTIDA NA LEGISLAÇAO ATUAL

3.1 O Paradigma Da Proteção Integral

Como foi exposto a fim do último capítulo, os informes apresentados pela

Comissão Parlamentar de Inquérito ao Menor (CPI) do ano 1976, mostraram sem

lugar a dúvidas o crescimento da marginalização associado às práticas

repressivas. As estadísticas sociais da época retratavam uma realidade alarmante:

A maioria da população infanto-juvenil pertencia a famílias pobres e

marginalizadas e a denominada situação irregular apresenta-se como a condição

de vida quotidiana de um numero importantíssimo de crianças e adolescentes. A

partir desse momento e em forma progressiva, foram denunciadas as duras

realidades dos internatos e iniciados estudos desde a perspectiva dos excluídos.

Uma nova situação começa a se configurar na década dos anos 1980, a

partir da ruptura com o regime militar e do processo de redemocratização do país.

Com a queda do governo militar, a concentração de praticamente todo o poder de

decisão sobre os destinos dos menores considerados irregulares nas mãos dos

juízes é fortemente questionada e as práticas arbitrárias e o desrespeito pelos

direitos dos sujeitos já no respeitadas.

Devido às possibilidades de organização e participação popular, novos

setores da sociedade civil (organizações não governamentais sobretudo)

organizam o movimento social em favor das crianças e adolescentes em situação

de pobreza e marginalidade social. A proposta apresentada por esses setores da

sociedade conseguiu-se inscrever na Constituição de 1988, através dos artigos

204, 227 e 228 que fixam os fundamentos para declarar como prioridade absoluta,

os direitos das crianças e adolescentes, sendo dever da família, a sociedade e o

Estado, protegê-las contra qualquer forma de abuso (RIZZINI, 2011). Dois anos

após do advento da Constituição, e também em conformidade com a Convenção

Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989, é promulgado o

Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069, que regulamenta de maneira

Page 37: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

37

geral sobre tudo o que está relacionado à infância e adolescência no Brasil. Mas a

desconstrução do modelo assistencial-repressivo não foi sem conflitos e de

maneira uniforme, tem ocorrido num contexto de embate de diversas forças, que

mantiveram vigente o anterior paradigma e influenciaram a aplicação do ECA

(Gonçalves, 2005).

“O novo ordenamento que surge não elimina nunca completamente as estratificações normativas que o precederam. A cultura nacional, que defende a tutela e a exclusão como formas privilegiadas de tratamento das questões que dizem respeito à infância pobre, coexiste com a lei ...” (Gonçalves, 2005, pág. 52”).

A nova legislação vigente se encontra baseada num novo paradigma

jurídico, político e administrativo que é denominado paradigma de proteção

integral que representa uma mudança quase diametral com o enfoque da

situação irregular. Na nova doutrina são incluídos todas as crianças e

adolescentes, abandonando a dicotomia criança – menor e não só são detentores

dos direitos de cidadania do qualquer sujeito, mas também conta com disposições

específicas que sustentam os privilégios devido à sua peculiar condição de

desenvolvimento. Neste modelo, a responsabilidade pelos problemas da infância e

adolescência deixa de ser somente das autoridades governamentais para ser

transferida para a sociedade civil. Planteia-se o atendimento a crianças e

adolescentes como parte integrante das políticas sociais, que deve ser

proporcionado no seio da comunidade e em consonância com esta (RIZZINI,

2011).

Alterando o encadeamento lógico dos Códigos anteriores, o Estatuto

discorre em primeiro lugar, sobre os direitos dos quais as crianças e adolescentes

são titulares, definindo a política de atendimento e as medidas de proteção para

somente depois abordar a Prática do Ato Infracional. Os direitos também são

assegurados para todas as crianças e todos os jovens que chegam à Justiça em

razão da autoria de ato infracional. Com respeito à prática do ato infracional, já se

fez menção no Capitulo I das principais mudanças que introduz o paradigma,

Page 38: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

38

retomando agora brevemente alguns aspectos das medidas socioeducativas

vinculadas com a concepção atual da Liberdade Assistida segundo o ECA.

O ECA aborda em primeiro lugar os direitos individuais e as garantias

processuais asseguradas ao adolescente a quem se atribuía prática de ato

infracional. Em contraste com as anteriores legislações, aborda em forma

diferenciada as medidas que tem como objetivo a proteção (denominadas

medidas protetivas) das que procuram a responsabilização dos adolescentes

infratores (medidas socioeducativas).

O adolescente (pessoa entre doze e dezoito anos de idade) autor de conduta contrária à lei penal, deverá responder a um procedimento para apuração de ato infracional, sendo passível, se comprovada a autoria e materialidade do ato, da aplicação de uma medida educativa. A criança (pessoa com até doze anos de idade incompletos) que praticar ato contrário à lei ficará sujeita apenas a aplicação de uma medida protetiva (SILVA, 2011, pag. 112).

Nos códigos anteriores, a lei suponha que, uma vez que o menor não era

sujeito à penalização, mas apenas à medida socioeducativa, não existia acusação

formal e o curso do processo jurídico visava à proteção, em vez de à punição. Se

prescindia então da defesa, pois não há de se defender do direito a ser protegido.

Ao incorporar o contraditório, o Estatuto exige comprovação da materialidade e da

autoria, limitando o Poder Judiciário sobre o adolescente, que ganha assim o

direito de ser considerado inocente até prova em contrário. Baixo a ótica do

paradigma da proteção integral, o desafio que enfrenta a execução de medidas

socioeducativas é considerar todas as novas premissas presentes no ECA,

mesmo no momento em que o adolescente transgredir a lei. A medida

socioeducativa é considerada uma oportunidade de reconstrução da cidadania,

realizando-se uma aposta vital aos mecanismos de controle de ressocialização,

além dos propósitos repressivos.

Se bem, o ECA se propõe por fim as ambiguidades existentes entre

proteção e punição, as medidas de proteção y as medidas socioeducativas têm

um estreito relacionamento. As medidas protetivas ocupam um lugar

Page 39: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

39

imprescindível na sustentação do paradigma de proteção integral e são

fundamentais na efetividade das medidas socioeducativas, na medida que a maior

parte da parcela de adolescentes atores que comete atos infracionais revelam

uma história de violação de seus direitos, sobretudo em razão de ação ou omissão

do Estado. Desse modo, as medidas protetivas são ou deveriam ser aplicadas

com frequência, em conjunto com as medidas socioeducativas.

Caracteriza, pois, ás medidas socioeducativas a integração de aspectos

sancionatórios e pedagógicos. Aplicam-se respostas sancionatórias a

transgressão das leis, restringindo direitos individuais, ao mesmo tempo em que

garante, e até mesmo promove direitos sociais.

3.2 A Liberdade Assistida no ECA

Sob a Liberdade Assistida, o Estatuto não traz definições objetivas acerca

de sua natureza, mas dispõe diretamente sobre aspectos pragmáticos que tem a

ver com a aplicação da medida. O artigo 118 mencionam-se as finalidades:

acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente e o artigo 119 define as

incumbências do orientador a cargo da medida socioeducativa.

Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:

I - Promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;

II -Supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;

Page 40: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

40

III - Diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;

IV - Apresentar relatório do caso.

As finalidades da medida apresentam modificações em comparação das

estipuladas com o anterior Código, procurando a ressignificação do que antes era

a vigilância e privilegiando-se o acompanhamento e a inclusão social. As ações

propostas para a medida de liberdade assistida são genéricas e de grande

amplitude, não existindo por exemplo, critérios para definir em que situações a

liberdade assistida é a medida mais adequada. No que diz com respeito à

designação da pessoa capacitada para acompanhar o caso e a recomendação por

programas ou entidades de atendimento não mais estão a cargo do juiz. Entidades

estatais ou da sociedade civil, com registros aprovados no Conselho de Direitos

da Criança e do Adolescente, é que são dotadas de autonomia para elaborar o

programa e designar os profissionais.

O prazo da medida, que nas leis anteriores era de aproximadamente um

ano, também foi reduzida pela nova legislação. O prazo mínimo de seis meses

estabelecido pelo ECA tem relação com o tempo necessário para realizar as

ações programadas, sendo apenas um parâmetro geral, pudendo a medida ser

prorrogada, substituída o mesmo revogada a qualquer tempo. Os conceitos de

“progressão” e “regressão”, mais em concordância com a finalidade de penalizar,

são deixados, utilizando-se em seu lugar, a ideia de “substituição”. A substituição,

seja por medida mais grave, seja por medida mais branda é determinada de

acordo à capacidade do adolescente para cumpri-la, reafirmado assim, a natureza

pedagógica da medida socioeducativa. (ORTEGAL, 2011). Ortegal reflete sob a

remissão da medida e a frequência com que, devido à crescente judicializacão dos

conflitos interpessoais, a Justiça encontra nos mecanismos de suspensão ou

interrupção do processo um médio de dar celeridade à resolução dos conflitos.

Promove-se assim análises e apurações superficiais afobadas, penalizando

sujeitos por algo de que não são culpados, ou inocentando sujeitos de suas

transgressões pelas quais foram intimados a responder. No contexto da liberdade

Page 41: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

41

assistida, o adolescente muitas vezes recebe a remissão de seu processo em

situações que necessitava de devida apuração da denúncia. A apuração da

denúncia resulta necessária tanto para inocentar o adolescente punido

injustamente quanto para sentenciar de maneira mais adequada o adolescente de

fato envolvido com a pratica de atos infracionais que precisa sofrer consequências

de seus atos (ORTEGAL, 2011). A revogação da medida exige a escuta conjunta

do Ministério Público, do defensor público e do orientador do adolescente,

descentralizando o poder de decisão, até então circunscrito ao juiz.

O ECA não tem fixado um prazo máximo para a duração da sentença, o

que parece ser coerente com a finalidade de acompanhamento e a promoção

social do adolescente. Mas, não delimitar um prazo máximo, mesmo que não seja

definitivo, proporciona um contexto de insegurança jurídica, uma vez que a

punição a ser cumprida pelo adolescente parece não ter fim.

Continuando com o analise do art. 119, destaca-se a figura do orientador ou

socioeducador, quem, na sua relação com o adolescente (socioeducando), é

fundamental na estrutura da medida. Do apoio e supervisão que o orientador

precisa, segundo a lei de “autoridade competente”, Ortegal considera que é algo

ainda carente de definição e de efetividade no cotidiano da execução da medida,

pois as Varas da Infância e Juventude tem uma mínima interação com os

programas de liberdade assistida, geralmente restritas ás obrigações básicas

como solicitações e envio de ofícios e relatórios com informações básicas sobre a

situação processual e de cumprimento da medida.

Dentro das incumbências do socioeducador, a promoção social do

adolescente e da sua família ilustra a mudança essencial de paradigma, já que

nas legislações anteriores tanto a família quanto a comunidade que não

oferecesse condições suficientes para a adaptação social do menor eram motivos

para a aplicação de uma medida mais grave, com privação da liberdade e da não

aplicação de medidas mais brandas. Na vigência do Estatuto, ao considerar o

adolescente como sujeito de direitos, a família e comunidades que não

Page 42: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

42

conseguissem garantir tais diretos são também sujeitos de intervenção, por meio

de medidas protetivas, que fortaleça o contexto do adolescente.

O conceito de promoção social é amplo e permite diversas compreensões,

às vezes antagônicas. Ortegal (2011) esclarece que, a promoção é entendida no

contexto do ECA como atrelada ao acesso ás políticas sociais e não ao acesso a

bens de consumo que promove a “cidadania capitalista”. Porém, o projeto do

Estatuto aparece como contra majoritário, pois a compreensão da promoção social

por parte do adolescente e a sua família tem mais a ver com o retorno financeiro e

material que traz atividades ilegais como o tráfico de drogas. Os valores

socioculturais presentes no contexto em que vive o adolescente é ás vezes o

inverso do valorizado pelo estatuto: escolarização e profissionalização se

apresentam menos desejáveis do que a comissão dos atos infracionais.

Segundo Ortegal (2011), é possível detectar a existência de certa

indefinição conceitual entre as medidas, já que, embora a garantia de direitos seja

fundamental para a compreensão das medidas socioeducativas, esta é a

ocupação central em medidas de proteção e não das medidas socioeducativas.

Não se evidencia, nos artigos relacionados à Liberdade Assistida, o carácter

sancionatório que se pressupõe em uma medida socioeducativa. Respondendo a

essa indefinição, no último inciso do artigo 112, são consideradas respostas

possíveis ao ato infraccional qualquer uma das medidas previstas com o objetivo

específico de proteção.

O segundo inciso que trata sobre o processo de escolarização, requere,

para sua efetivação de contato entre escola e unidade de liberdade assistida. Se

bem o ECA indica que compete ao socioeducador os encargos relacionados à

escolarização do adolescente, a aplicação da lei requer a articulação entre as

políticas, precisando dos profissionais da educação um papel ativo no processo de

execução da liberdade assistida.

A profissionalização e o trabalho são recursos utilizados pela ECA

particularmente dificultosos de implementação pois estão associados a uma

relação de compra e venda, identificando-a não como um direito, mas como uma

Page 43: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

43

mercadoria. A profissionalização, mistura de educação e trabalho precisa de

particularidades, pois não basta a oferta de cursos públicos e comunitários de

profissionalização, é necessário que essas iniciativas sejam dotadas da qualidade

exigida pelo mercado de trabalho, para conseguir o fim da promoção social.

Outras das dificuldades enfrentadas se relacionam com a escassa oferta de

profissionalização oficial, a falta de vagas, o nível de escolarização exigido realizar

o curso, preconceitos e discriminação frequentes quando se trata de jovens que

cumprem medidas socioeducativas.

Se bem o ingresso ao mercado de trabalho é considerado uma das vias

mais eficazes para não reiteração de atos infracionais, a questão merece um

analise cuidadoso. A maioria dos jovens em cumprimento da medida já possuem

inserção no mercado laboral, mas em trabalhos temporários, que exigem intenso

esforço físico e baixa remuneração e valoração social. Para atingir os objetivos

desejados é importante outro tipo de inserção, na verdade, muito dificultado pela

baixa escolaridade e capacitação da maioria dos adolescentes em cumprimento

da medida.

A apresentação de relatórios é o último item mencionado dentro das

funções do orientador, mas de relevância na execução da medida. O relatório tem

sido o principal instrumento de avaliação da situação do adolescente e é

geralmente realizado pela unidade de liberdade assistida e enviado à Vara da

Infância e Juventude, que toma assim conhecimento da situação de cada

adolescente em cumprimento da medida. Cabe salientar que, ao igual que todas

as práticas, este instrumento pode ser orientado pelo novo paradigma quanto pela

anterior concepção menorista, ainda vigente. Segundo a nova perspectiva, o

relatório não deve ser elaborado em uma visão somente avaliativa, deve valorizar

à família e reconhecer sua realidade socioeconômica, atendendo as condições de

direitos violados e de vulnerabilidade social dos adolescentes. Além dos aspectos

específicos do ato infracional, é um instrumento pelo qual surge uma possibilidade

de conhecer o sujeito, para uma mais ajustada resposta por parte da sociedade

corresponsável na problemática dos jovens infratores.

Page 44: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

44

3.3 O plano de atendimento

De acordo com os lineamentos do SINASE, a operacionalização precisa da

elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA), instrumento de previsão,

registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas como o adolescente. A

elaboração do plano individual deve, conforme orientações do SINASE, prever a

participação do adolescente - e dos pais ou responsável- na definição dos

objetivos a serem alcançados. As atividades previstas pelo plano individual podem

ser alteradas segundo as necessidades do adolescente com aprovação da equipe

técnica do programa. Para a construção do plano, a equipe deverá realizar uma

avaliação interdisciplinar, podendo acessar informações relativas à apuração dos

fatos, históricos e pareceres escolares e dados sobre o cumprimento de outras

medidas socioeducativas. Esses dados brindam informação sobre as

necessidades específicas de cada adolescente.

Uma vez elaborado, o plano individual é encaminhado à autoridade

judiciaria que, por sua vez, encaminhará a proposta de atendimento ao promotor

de justiça e ao defensor. Após avaliação, o plano individual poderá ser

homologado -se julgado adequado- ou impugnado.

Se bem o PIA deve ser elaborado para cada adolescente em cumprimento

de medida socioeducativa, para liberdade assistida o plano adquire especial

importância, pois pelo fato de o adolescente encontrar-se em liberdade a principal

função do socioeducador é estabelecer em conjunto com o adolescente de que

forma essa liberdade deve ser utilizada a partir do momento em que teve início o

cumprimento da medida. Na sua pesquisa sobre a execução da Liberdade

Assistida em Porto Alegre, Oliveira (2007) considera que o plano tem um caráter

social (não somente individual) do plano. Se o intuito da medida é promover

socialmente o adolescente e a sua família, tentando romper o processo de

exclusão e com as situações que contribuíram para o cometimento do ato

infracional, introduzindo novos elementos na vida dos adolescentes (novas

relações, novas aprendizagem, novas condições de vida), o trabalho

Page 45: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

45

socioeducativo não se limita ás modificações individuais por parte do adolescente,

sino que exige a articulação de uma rede de apoio que viabilize a realização das

atividades previstas e o alcance dos objetivos propostos nos planos de

atendimento. A labor sócio-educativa é nesse sentido, um articulador e mediador

da experiência do adolescente com a sociedade (OLIVEIRA, 2007).

Para Rodriguez (2011) o PIA tem o carácter de um acordo entre o

adolescente e o socioeducador. Considera que deve possuir um carácter

coercitivo ou sancionatório, na medida que certos pontos não são objeto de

negociação. Uma vez estabelecido o não cumprimento do Plano caracteriza o

descumprimento da medida.

3.4 A distância entre lei e as práticas

Além da letra da lei, os dados indicam pouco avanço na garantia de direitos

desde 1990 e, segundo H. Signorini, os índices de avaliação de atendimento a

alguns direitos de cidadania recuaram desde então, reforçando em alguns setores

a crença arraigada de que a repressão e a exclusão são as estratégias básicas de

intervenção sobre a infância e juventude (SIGNORINI, 2005). A autora argumenta

que é preciso refletir sob a interação entre as normas, as instituições e as práticas

sociais delas derivadas. Como é que a lei ingressa nos fatos sociais? As

diferentes forças em jogo definem a tradução dos princípios legais em políticas e

práticas concretas dispensadas aos adolescentes. “A disciplina que nasce com o

Estatuto não é a que ele proclama na letra escrita da lei, mas a que dele resulta na

concretude dos fatos e dos sujeitos. ” (SIGNORINI, 2005, pág. 39).

O Estatuto estabelece uma rede de direitos e deveres sociais que

representa um importante dispositivo de disciplinarização e formação de

subjetividades, estabelecendo vias de acesso aos bens e limites para a conduta

dos sujeitos. Mediante as associações entre Estado e sociedade civil, através dos

Conselhos de Direitos, tem se construído um dispositivo de controle social que

penetra em todos os municípios brasileiros, com grande poder diagnóstico e

Page 46: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

46

político sobre a situação social de infância e adolescência. Mas a mesma estrutura

que responde ao modelo da proteção integral, pode ser colocada ao serviço da

disciplinarização, mas que da efetivação de direitos. Sobre a ainda sobrevivência

do modelo da situação irregular, essa aliança entre setores públicos e privados

pode chegar a desobrigar o Estado dos compromissos com a ação política e cria

possibilidades de reverter o investimento no bem-estar para investimento no

controle social. Para cumprir com os preceitos do novo paradigma é preciso

atender tanto às exigências de deveres quanto ao atendimento aos direitos de

crianças e adolescentes e não cumprir com qualquer desses aspectos gera

severas consequências tais com o recrudescimento da violência urbana e o

retorno da política anterior, repressiva e excludente.

Page 47: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

47

CAPITULO IV

OS PROGRAMAS DE EXECUÇÃO

4.1 Dados nacionais

O presente capítulo tem como intuito o conhecimento sobre o atendimento

efetivo prestado aos adolescentes autores de ato infracional. Tal abordagem

ilustra as transformações e a distância existente entre os direitos garantidos pela

legislação e o modo em que os mesmos são efetivados pelos programas e ações

concretas.

De acordo com as estadísticas de Secretaria de Direitos Humanos da

Presidência da República (SDH/PR), divulgados no “Levantamento Nacional sobre

o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” do ano

2011, o atendimento socioeducativo em médio aberto apresenta um crescimento

como resultado do co-financiamento federal aos municípios passando de 40 mil

para 69 mil adolescentes atendidos no ano de 2011 e fazendo repercutir na

melhora na proporção de entre adolescente em meio aberto e meio fechado,

assim a média vai de 1 adolescente interno para 2 em meio aberto; para 1

adolescente interno para cada 3 em programas em meio aberto. Contudo, não é

possível uma afirmação precisa acerca destes dados, pois não todos os estados

repassam seus quantitativos para a pesquisa, o que torna o conhecimento sobre o

sistema socioeducativo brasileiro em uma situação de imprecisão e

desatualização.

A pesquisa mostra que, embora seja a liberdade assistida a medida

socioeducativa responsável perla grande maioria dos adolescentes, não recebe

atenção proporcional a sua importância, pois se calcula a grosso modo, que

responde por três quartos dos adolescentes inseridos no sistema socioeducativo,

enquanto recebe um quarto do montante de recursos financeiros.

A priorização das medidas em médio aberto, em detrimento das medidas de

meio fechado só ocorre no discurso jurídico atual. A realidade da execução ilustra

que, tanto do ponto de vista estrutural (devido as carências de estruturas físicas,

Page 48: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

48

materiais e de pessoal) quanto do ponto de vista político, (pois é a internação a

medida que mais pesquisas e estudos tem motivado) a Liberdade Assistida não é

uma prioridade na gestão do sistema socioeducativo.

Do levantamento mencionado e de um levantamento recente, realizado pela

Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente/SEDH

baseado em informações fornecidas pelos estados - janeiro/2004 surge também

que os dispositivos de aplicação desta medida estão centralizados nas capitais e

nas cidades maiores de regiões, enquanto as medidas não privativas de liberdade

são pouco utilizadas no resto do país. Muito frequentemente, os programas são

executados por ONG’s em parceria com o poder público. Quando não há

programas por parte do executivo ou da sociedade civil, alguns juizados acabam

realizando o acompanhamento dos adolescentes, de forma equivocada já que não

dispõem de profissionais e estrutura de atendimento para um mínimo

acompanhamento requerido.

4.2 Programas municipais

Com a finalidade de dar conta das diferenças socioculturais de Brasil, a

través de pesquisa na web, selecionaram-se programas de diferentes estados:

ü Se estudou a aplicação da Liberdade Assistida em Natal, a través

dos resultados da pesquisa Programa Liberdade Assistida –

Adolescentes em conflito com a lei e a violação de direitos

(PINHEIRO,2008) realizada de agosto de 2007 a setembro de 2008

no município de Natal, Rio Grande do Norte. A pesquisa tomou as

três unidades de atendimento que se ocupam do cumprimento da

medida.

ü Se aborda o programa “Casa do Sol Nascente”, do Município de

Serra, Espírito Santo baseado na pesquisa realizada por Maria

Emília Passamani no período que compreende outubro de 2004 a

maio de 2005 (PASSAMANI, 2006)

Page 49: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

49

ü Os programas instrumentados em Porto Alegre, Rio Grande do Sul

foram abordados a través da pesquisa de Magda Martins de Oliveira,

quem a sua vez tomo como fonte, os documentos do Programa

Municipal de Execução das Medidas Sócio-educativas em Meio

Aberto de Porto Alegre (PEMSE) (OLIVEIRA, 2007).

ü A realidade da medida em Belo Horizonte foi feita mediante o artigo

“O Programa Liberdade Assistida em Belo Horizonte”, de Vargas e

Marinho (2008) e o informe da pesquisa realizada por Silva (2010) no

ano 2007. Neste município a execução da medida é feita em parceria

com a Pastoral do Menor, em articulação com o Juizado da Infância

e da Juventude.

Procurou-se nas diversas pesquisas, informações sobre os critérios

seguidos pelos juízes para a aplicação da medida; dados sobre o perfil dos

adolescentes em cumprimento da medida de Liberdade Assistida, a proposta

metodológica que sustenta os programas, atividades propostas e principais

aspetos relacionados com o êxito da média e as principais dificuldades das

unidades da execução e a eficácia dos programas.

4. 3 Imposição da medida

Em todos os casos, a aplicação da medida acontece por determinação

judicial e pode ser a primeira medida ou ser aplicada por progressão. Considera-

se progressão da medida quando o adolescente passa de uma medida de médio

fechado a uma de médio aberto. Regressão é quando o adolescente passa de

uma medida mais leve (que pode ser em médio aberto ou fechado) a outra

considerada mais severa. Segundo o artigo 118, a Liberdade Assistida é aplicada

com a finalidade de acompanhar, auxiliar e orientar o jovem, devendo, ainda, ser

levada em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade

da infração. Tal como foi comentado no capítulo anterior, a amplitude da norma

admite por parte dos diferentes executores da medida, discricionariedades de todo

tipo. Os juízes de Natal destacam critérios tanto objetivos quanto subjetivos para

Page 50: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

50

a aplicação. Os critérios objetivos fixam a liberdade assistida para aqueles casos

em que o ato infracional é efetuado contra o patrimônio, sem grande repercussão

social, de pequeno potencial ofensivo. Os critérios subjetivos utilizados estão

vinculados à personalidade do adolescente, à existência ou não de uma família,

que se conceba como estruturada, e o envolvimento do adolescente como

substancias entorpecentes. Se bem à medida cabe explicitamente a promoção do

adolescente e a sua família, muitas vezes os lineamentos seguidos são os do

anterior paradigma, pois a medida aparece como um benefício ou uma

oportunidade que precede ou sucede a internação, que parece seguir funcionando

como eixo do sistema socioeducativo.

Outro vestígio ainda existente é a imposição, por parte das autoridades

judiciais, de normas e restrições a serem seguidas enquanto pré-requisitos do

cumprimento da medida. A pesar de estar em franca contradição com a legislação

vigente, os adolescentes de Natal precisam cumprir normas tais como não mais se

envolver em atos infracionais, não andar em más companhias, não portar armas

de fogo, cumprir com as citas com seu orientador, recolher-se cedo a sua

habitação ou em horários estabelecidos, não ausentar-se da cidade durante o

cumprimento da medida e outras condições muito similares às disposta pelo

Código Penal para a concessão de livramento condicional aos adultos.

4. 4 Perfil dos jovens em cumprimento de Liberdade Assistida

As pesquisas realizadas nos distintos municípios identificaram um perfil

predominante entre os jovens que receberam a medida socioeducativa Liberdade

Assistida:

ü A maioria pertence ao género masculino, tem entre 14 e 18 anos e só uma

minoria são de raça branca.

ü Mais da metade não concluíram o ensino fundamental e não estavam

frequentando a escola quando cometeram o ato infracional.

ü Tem uma inserção precoce no mundo do trabalho, em trabalhos

temporários de baixa renda.

Page 51: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

51

ü Realidade precária de seus familiares, umas proporções significativas dos

adolescentes vivem em família monoparentais.

ü São oriundos de comunidades marcadas por desvantagens sociais onde há

alta percepção de ocorrência de eventos violentos.

ü A maioria dos jovens usam o usaram drogas.

ü A maioria dos crimes cometidos são contra o patrimônio (furto, roubo e

assalto).

4.5 Proposta metodológica

As pesquisas realizadas em Belo Horizonte (SILVA, 2010) (VARGAS &

MARIN, 2008) e em Serra (PASSAMANI, 2006), todas realizadas em parceria com

a Pastoral do Menor, destacam a proposta metodológica dos programas como

positiva, tanto desde a percepção dos operadores da medida, quanto da

percepção dos adolescentes assistidos e suas famílias, já que o atendimento em

médio aberto preserva a garantia explícita de conviver com a família e na

comunidade. O conceito de “adolescente” dos profissionais é respeitoso da

legislação atual, pois é concebido como sujeito de diretos e deveres em processo

de desenvolvimento. O ato infracional é entendido como um aspecto da vida do

adolescente que ocorreu devido a um conjunto de fatores multideterminados.

O convívio personalizado junto aos adolescentes autores de atos

infracionais e suas famílias é considerado fundamental para entender a história,

valores e cultura do adolescente. O trabalho pedagógico na perspectiva dos

operadores da medida, é baseado no diálogo, na presença e na escuta do que o

adolescente tem a dizer sobre a orientação. O perfil do profissional comprometido

com a proposta de trabalho e com o adolescente foi destacado como fundamental

para o êxito do Programa.

Já desde uma perspectiva mas critica, as pesquisas desenvolvidas em

Porto Alegre (OLIVEIRA, 2007) e Natal (PINHEIRO, 2008), salientam que, embora

a proposta do programa traz significativos avanços no que se refere ao

adolescente em conflito com a lei, sendo a principal a possibilidade de

acompanhar ao adolescente em seu cotidiano sem afastá-lo da sua família e da

Page 52: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

52

sua comunidade, os programas ainda precisam ser executados e aperfeiçoados

conforme as diretrizes do ECA. Em muitos casos, as medidas são concebidas

pelos operadores exclusivamente como uma punição, considerando o adolescente

só como um infrator com a total responsabilidade pelo ato infracional cometido.

Baixo esta perspectiva, as recomendações feitas não consideram as suas

condições nem tampouco a rede de relações implicadas nas providencias

sugeridas. Pelo contrário, os autores das últimas pesquisas citadas consideram

que a falta de condições básicas e o não atendimento das necessidades mais

urgentes do adolescente estão, a maioria das vezes, nas raízes de seu

envolvimento com o ato infracional e o programa da medida socioeducativa tem a

função de acionar a rede de atendimento e de prever ações que possibilitem ao

adolescente condições mínimas para sua organização.

A pesquisa realizada em Natal enfatiza que, quando os encaminhamentos e

orientações feitas pelos operadores não são acompanhadas por a efetivação dos

direitos, não se observam as melhoras das condições de vida, de aceso à saúde,

à educação e à profissionalização, o adolescente e sua família ficam sozinhos na

procura de superação das suas adversidades. As entrevistas realizadas com os

adolescentes e a suas famílias demostra que eles não conseguem apreender o

que significa uma medida socioeducativa, nem também não o programa. Os que

tinham alguma ideia relacionaram o programa com uma dívida com a sociedade

que eles tinham que pagar ou uma maneira de ocupar o tempo, ligado à terapia

ocupacional.

Avalia-se que o programa neste município funciona à base de

aconselhamentos, sem que sejam oferecidas oportunidades objetivas que

possibilitem uma mudança nas condições de existência dos adolescentes e de

suas famílias (PINHEIRO, 2008). Enquanto os profissionais acreditam que o êxito

do programa depende da ajuda e interesse da família, as famílias depositavam

nos profissionais a esperança de êxito, principalmente na figura do orientador,

visto como apoio maior, com a obrigação de educar o filho, de impor os limites que

a família não conseguia. Por enquanto, o Estado se desresponsabiliza da

problemática pois falha o aparato institucional que garante os direitos

fundamentais da pessoa humana.

Page 53: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

53

4.6 A Escassez Dos Recursos

Todos as pesquisas consultadas referem o contexto de carências em que

transcorre a aplicação da medida, pois tanto profissionais quanto usuários

compartilham uma realidade de mutuas privações. Os espaços físicos são

considerados inadequados e faltam os equipamentos necessários para a

realização das atividades com os adolescentes tais como veículos para realização

de visitas ás instituições e aos domicílios.

Não se cumpre com o número de técnicos e profissionais requeridos para

realizar para realizar um trabalho de qualidade e a qualificação profissional

sistemática dos operadores da medida é outra das demandas compartilhadas por

todos os programas. O aperfeiçoamento profissional nem sempre é possível pelo

custo desses eventos e pela grande demanda de trabalho que as equipes

(pequenas demais) enfrentam diariamente.

As articulações das redes de serviço se avaliam como frágeis dificultando

os encaminhamentos aos Serviços de Saúde, Educação e Assistência Social.

Faltam recursos específicos para o atendimento de adolescentes usuários de

drogas e para portadores de sofrimento mental, além da pouca articulação entre

as instituições. Com respeito à área de Educação, destaca-se como muito

significativo o repudio das escolas em matricular adolescentes infratores, a falta de

vagas nas escolas e cursos profissionalizantes que exigem escolaridade mínima,

ficando em consequência fora do alcance da maioria dos adolescentes assistidos.

As limitações institucionais quanto aos recursos humanos qualificados e em

quantidade suficiente para a efetivação do programa e a precariedade de

investimento financeiro do Poder Público no Programa, são os principais

determinantes das deficiências nas implementações dos programas, carências

que se apresentam como ponto em comum em todas as realidades

socioeconómicas abordadas para o presente trabalho.

4.7 Atividades desenvolvidas

Page 54: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

54

O Programa executado no município de Serra, Espírito Santo refere

desenvolver atividades que acontecem no interior da sua casa central e outras

atividades externas consideradas imprescindível para efetivar o programa, que

tem como objetivo a sensibilização da comunidade, a articulação de rede de

serviços e o estabelecimento de parcerias visando a garantir o atendimento dos

diretos dos adolescentes (PASSAMANI,2006). As principais atividades são:

ü Atendimento individual realizado pelo técnico responsável.

ü Atendimento em grupo.

ü Atendimento a familiares.

ü Visita domiciliar.

ü Encaminhamentos realizados a partir das necessidades apresentadas em

cada caso.

ü Atividades artísticas, culturais e esportivas.

ü Seleção e formação dos orientadores sociais.

ü Envolvimento comunitário através de cursos, palestras, debates.

ü Participação nos Conselhos e Fóruns.

No programa desenvolvido em Belo Horizonte, a metodologia de atendimento

indicada como fundamentais são:

ü Atendimento individual ao adolescente.

ü Atendimento a familiares.

ü Reuniões semanais da equipe técnica.

ü Encaminhamentos para reinserção do jovem na escola, cursos de

profissionalização e para o atendimento da saúde.

ü Atividades com o intuito de organizar e consolidar a rede de atendimento

com o Juizado de Infância e juventude, com instituições que ofereçam

cursos, estágios e atendimento de saúde para o adolescente e a sua família

Os planos de atendimento das medidas executadas em Porto Alegre, segundo o

pesquisado por Vargas e Marino (2008) destacam como atividades realizadas:

ü Atendimento ao adolescente.

ü Atendimento a familiares.

Page 55: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

55

ü Contatos com as instituições que compõem a rede de atendimento.

ü Propostas de encaminhamentos para escola, emprego, curso

profissionalizante, tratamento clínico, tratamento contra consumo de

sustâncias psicotrópicas, tratamento psicológico/psiquiátrico e realização de

documentação.

A pesquisa que aborda a execução da medida em Natal (PINHEIRO, 2008)

destaca como ações realizadas pelo programa:

ü Atendimento individual al adolescente

ü Atendimento familiares.

ü Atividades culturais e recreativas para jovens e suas famílias.

ü Realização de encaminhamentos às áreas de saúde, educação,

profissionalização e inserção laboral.

Além das similitudes entre as atividades desenvolvidas pelos programas,

resulta de interesse destacar as diferentes avaliações que os autores das

pesquisas fazem da aplicação da medida, baseados em realidades muito

similares.

Com respeito ao atendimento dos adolescentes e suas famílias

considerados como espaços de acompanhamento e reflexão, as quatro

pesquisas o consideram o aspecto mais desenvolvido nos programas. Tanto a

pesquisa realizada em Serra quanto a baseada nos programas de Belo Horizonte

consideram esses atendimentos como um aspecto fundamental no bom sucesso

do programa. A criação de um vínculo de confiança entre a equipe e os jovens é o

que permite a execução da medida. Os atendimentos baseados no diálogo e na

escuta do que adolescente tem a dizer como ferramentas para desenvolver a

capacidade de reflexão; são considerados bases da proposta pedagógica e claves

para a reinserção social procurada. Ambas pesquisas consideram que os

programas implementados têm conseguido um impacto positivo nas vidas dos

adolescentes, diminuindo os índices de reincidência e tendo bom potencial para

mobilizar agencias da rede pública e organizações não governamentais a partir de

encaminhamentos para saúde, educação, cultura e inserção laboral.

Page 56: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

56

A pesquisa sobre os programas implementados em Porto Alegre, também

salienta como fator fundamental para a realização da proposta pedagógica

(embora não seria suficiente para garantir um bom acompanhamento dos

adolescentes) a escuta dos adolescentes, procurando conhece-los integralmente

nas relações consigo mesmo e com outros. Mas, segundo a pesquisa realizada

por Oliveira (2007) os atendimentos individuais aos jovens estariam na sua

maioria caracterizados por o desencontro entre orientadores, técnicos e os

adolescentes. Os adultos responsáveis pela execução da medida não têm ouvido

aos adolescentes, por considerar que eles têm pouco a dizer ou porque acredita-

se que o adulto sabe tudo e, portanto, sabe o que é bom para os adolescentes,

sim reconhecê-los como sujeitos de direitos (OLIVEIRA, 2007).

A pesquisa desenvolvida em Natal conclui que os atendimentos baseados

em conversas com orientadores seriam comparáveis a terapia de autoajuda,

aconselhamentos, que não operam melhorias nas condições de vida dos

adolescentes nem de suas famílias.

Como já se fez menção, todos os programas consideram frágeis as

articulações das redes de serviço e das parcerias, fundamentais para garantir

os encaminhamentos dos adolescentes.

A pesar das dificuldades e carências, a equipe do programa de Serra

considerou a rede de serviços como uno dos pontos de muita importância no

suporte e êxito do programa, ao igual que a aceitação e a acolhida da comunidade

local.

A pesquisa realizada em Belo Horizonte resgata o potencial que o

Programa tem para mobilizar agências da rede pública e organizações não

governamentais, mas se conclui que ainda não conseguiram aplicar de maneira

satisfatória as possibilidades que oferecem a nova organização estabelecida pelo

ECA, como também foram pouco instrumentadas as iniciativas de integração

comunitária.

A pesquisa realizada em Porto Alegre avalia que a pouca efetividade nas

estratégias de intervenção e a não complementariedade das ações, são produto

da inexistência a ineficiência das políticas públicas de atendimento e medidas de

proteção e levam à falha do programa de execução das medidas.

Page 57: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

57

Sobre a execução da medida em Natal, os estudos consultados referem

que os encaminhamentos à escola são feitos com dificuldades, os cursos

profissionalizantes quase não são disponibilizados e, quando são, não condizem

com a realidade escolar dos adolescentes atendidos na unidade. Não há

disponibilização de espaços hospitalares para o tratamento dos dependentes

químicos, entre outras dificuldades.

Page 58: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

58

CONCLUSÃO

Foi a busca por novas respostas à problemática dos jovens envolvidos com

a prática infracional a motivação que impulsou a construção da presente

monografia. Partindo de uma concepção que considera a complexidade e

multiplicidade de fatores que envolvem o adolescente e o ato infracional e a

necessidade de desenvolver ações de responsabilização jurídica e subjetiva mais

humanizados, desenvolve-se o trabalho bibliográfico, de tipo exploratório que

procura uma aproximação às teorias e práticas que pretendem superar o enfoque

correcional-repressivo.

Del conjunto das medidas socioeducativas, foi escolhida a Liberdade

Assistida por diversos motivos:

ü Por refletirem seus princípios políticas de respeito pela

infância e juventude em conformidade com a legislação nacional e

internacional,

ü Por ser uma das medidas de maior aplicação no Brasil,

ü Por desenvolver o sentido de responsabilidade coletiva frente

à produção social do adolescente infrator, incluindo nos seus programas

não somente o adolescente e a sua família, mas todos os demais

segmentos responsáveis pela garantia dos direitos de crianças e

adolescentes. Articula o poder judiciário, o poder público municipal,

organizações não governamentais e a comunidades.

Os lineamentos dos instrumentos legais nacionais (ECA, SINASE) e

internacionais priorizam as medidas de meio aberto por sobre as que implicam

privação da liberdade, considerando a liberdade assistida o tratamento mais

humano, qualificado, socioeducativo para o adolescente em conflito com a lei e

sua família, com vistas a fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários por

médio da disponibilização de maiores oportunidades de acesso aos bens e

serviços socialmente construídos. Mais as prerrogativas legais mencionadas

Page 59: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

59

somente indicam o “ideal” ou “dever ser” da medida que se distingue do “real” da

execução da mesma.

Uma primeira aproximação aos dados estadísticos demostra que, o

privilegio das medidas de meio aberto por sobre as privativas de liberdade fica

somente na letra da lei, pois embora seja a Liberdade Assistida uma medida muito

utilizada, não é destinatárias de orçamentos públicos necessários para sua plena

execução.

A atual organização social capitalista, as desigualdades sociais e os

conflitos de interesses dão um caráter contraditório à efetivação da Liberdade

Assistida. A pesar de reconhecer a validez conceitual e o grande potencial

socializador da Medida, os estudos e artigos consultados sobre o tema não

deixam de salientar e refletir sobre as dificuldades e pouca eficácia dos projetos

implementados até agora.

Todas as pesquisas concordam em ressaltar as dificuldades

experimentadas para efetuar um trabalho Inter setorial com as demais políticas de

atendimento à população adolescente. As dificuldades vinculam-se a várias

situações: ao pequeno número de técnicos existentes nas unidades para atender

uma grande demanda, ao limitado número de profissionais qualificados, á quase

inexistente disponibilização de materiais e equipamentos necessários para levar a

cabo o trabalho e o pobre orçamento destinado para a manutenção dos projetos

sócio educativos. Verificam-se dificuldades no encaminhamento dos adolescentes

aos serviços de Saúde, de Educação e de Assistência Social e na disponibilização

de atendimentos técnicos em psicologia e assistência social.

Além do contexto de carências já referenciado, os analises realizados por

diferentes pesquisadores demostram que as equipes técnicas ainda não têm

consolidado um “novo fazer” e muitas vezes as práticas são instrumentadas de

modo pouco progressista. Práticas tão diversas como atendimento médico,

psicológico odontológico escolarização e oficinas profissionalizantes são

executadas como meras atividades da rutina institucional, ficando assim perdida a

essência do projeto pedagógico. A autora da pesquisa realizada em Porto Alegre

Magda Martins de Oliveira, salienta que, quando a medida é interpretada somente

desde seu aspecto punitivo e o adolescente com um infrator que deve cumprir as

Page 60: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

60

recomendações do programa, as mesmas tornam-se simplificações da realidade,

que não consideram as condições nem as redes de relações implicadas nas

providencias sugeridas. Refere-se que, oficinas e cursos, por exemplo, ao invés

de constituir uma via de acesso à cidadania, são manipulados enquanto prêmios

destinados a uns poucos, seguindo um critério disciplinar que nada tem a ver com

a proposta da ECA.

Aprofundado sobre as características e dificuldades da medida realizou-se

um rastreio histórico nas legislações nacionais sobre crianças e adolescentes e o

percurso efetuado comprovou que, embora tenha havido mudanças do ponto de

vista legal, a efetiva transformação da natureza desta medida não tem sido total. O

modelo assistencial-repressivo inscrito com força na cultura nacional e

reivindicado pelos setores mais conservadores da sociedade, coexiste com o atual

modelo da proteção integral e em consequência a Liberdade Assistida atual possui

tanto em sua teoria quanto em sua pratica, características remanescentes de suas

versões predecessoras. Continuam vigentes conceições científicas e morais

vinculadas ao assistencialismo e as posturas higienistas. Tais concepções

defendem a tutela e a exclusão como formas privilegiadas de tratamento das

questões que dizem respeito à infância e continuam resistindo a mudança teórico

legal proposta pelo ECA. Passando ao plano prático, cabe destacar que os velhos

referenciais não foram substituídos de modo de construir novas práticas que visem

pela promoção social dos adolescentes.

Tal superposição de modelos e as finalidades gerais demais que o Estatuto

lhe confere (acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente) cria espaço para as

mais diversas interpretações e torna possível que a Liberdade Assistida possa

continuar servindo como forma de vigilância e controle dos adolescentes pobres

de um modo muito similar à Liberdade Condicional e à Liberdade Vigiada dos

anteriores Códigos de Menores. Pinheiro (2008), considera que a separação entre

o que deve ser a medida e o que na realidade é, reforça o caráter punitivo da

Liberdade Assistida no Natal, levada como mais um meio de controle social da

classe subalterna e não como maneira de inclusão social. Segundo o autor, tal

estado de situação suscita a necessidade de mudança do modo com que a

Page 61: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

61

sociedade e o Estado, por médio dos seus entres federados e instituições, se

relaciona com o adolescente.

Embora se reconheça o contexto atual e as limitações que o mesmo

imprime na medida de Liberdade Assistida, é preciso salientar a existência de

experiências bem-sucedidas no contexto socioeducativo. As pesquisas realizadas

nos municípios de Serra e Belo Horizonte sugerem um potencial de superação das

dificuldades do sistema socioeducativo no cumprimento de sua proposta. Os

resultados das pesquisas apresentam resultados positivos na abordagem dos

adolescentes e a sua proposta se caracteriza por a construção de experiências

transformadoras, de novas relações e novos recursos de enfrentamento da

realidade que prescindem da prática de atos infracionais.

Um fator fundamental nos programas mencionados é a relação construída

entre a equipe e os jovens atendidas, baseada no extenso período de

acompanhamento, que gera um vínculo de identificação, confiança e

compartilhamento entre trabalhadores e usuários. É através de esse tipo de

vínculo e do diálogo que ele sustenta que os jovens podem começar a refletir e

falar, passando do estado de vítimas para o de responsáveis por seus atos e

palavras.

Outro aspecto fundamental ao sucesso do programa é a constituição da

equipe técnica responsável pela execução da medida. Os bons equipes de

trabalho contam tanto com o compromisso ético político com a proposta

pedagógica quanto com competência profissional para atuar com adolescentes em

conflito com a lei. A responsabilidade profissional não se circunscreve à tarefa de

adequar o sujeito a regras alheias a ele, mas bem se trata de que o sujeito tenha

possibilidades de mudar sua própria realidade e se assumir enquanto sujeito

histórico capaz de avaliar e decidir o melhor caminho a trilhar na vida.

Sem negar os motivos existentes para a desistência e a desesperança, é

fundamental a toda proposta pedagógica a crença de que mudanças são

possíveis a partir de novas experiências. A despeito das posturas que naturalizam

e planteiam como insuperáveis as injustiças e desigualdades enfrentadas pela

sociedade, as propostas consideradas bem-sucedidas acreditam que, oferecendo

Page 62: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

62

oportunidades e afetividade é possível fazer que esses adolescentes se tornem

pessoas autónomas, capazes de lutar e progredir juntamente como os outros.

É preciso o resgate de aporte das pessoas que integram as equipes

técnicas, exercendo os saberes próprios e mantendo o compromisso ético com os

destinatários da sua pratica.

Por último resulta relevante destacar que toda prática profissional presente

na execução da medida é uma poderosa ferramenta que pode responder ao

modelo repressivo- tutelar e a mecanismos de poder que tem como objetivo a

normalização da vida. A mudança de paradigma proposto pela nova legislação só

terá lugar na medida que cada quem possa refletir sobre os modos, as vezes

muito sutis, em que as próprias práticas profissionais seguem reproduzindo o

modelo tutelar.

Page 63: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

63

BIBLIOGRAFIA

• BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:

Senado Federal, 1988.

• BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei Federal nº. 8.069, de 13 de julho de 1990.

• BRASIL. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos- CONANDA- Brasília, 2006.

• FALEIROS, V.P. Impunidade e imputabilidade. In Revista Serviço Social e Sociedade. Rio de Janeiro, 2004. P. 78;97

• FERNANDES, V. M. M. O adolescente infrator e a Liberdade Assistida. Um fenómeno sócio-jurídico. Rio de Janeiro: CBCISS, 1998.

• GONÇALVES, H. Medidas socioeducativas: avanços e retrocessos no trato do adolescente autor de ato infracional. In ZAMORA, M. H. (org.) Para além das grades. Elementos para a transformação do sistema socioeducativo. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005.

• PIGNATA, D. Situación en Argentina- Medidas Alternativas. In Dirección de Políticas Públicas e Investigación. Dirección General de Políticas y Programas. Consejo de los Derechos del Niño, Niñas y Adolescentes. Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires. Experiencias de Trabajo con Adolescentes en conflicto con la Ley Penal. Informe Técnico Año 2008.

• RIZZINI, I. Crianças e menores: do pátrio poder ao pátrio dever. Um histórico da legislação para a infância no Brasil. In RIZZINI, I.; PILOTTI, F., (Org.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Cortez, 2011.

• SANTOS, E.P.S. Desconstruindo a menoridade: A psicologia e a produção da categoria Menor. In. GONCALVEZ e BRANDÃO (org.) Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau, 2104. P. 43-72.

Page 64: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

64

• UNICEF. Relatório da Situação da Adolescência Brasileira. Brasília, 2002

• VOGEL, A. Do Estado ao Estatuto. Propostas e vicissitudes da política de atendimento à infância e adolescência no Brasil contemporâneo. In RIZZINI, I.; PILOTTI, F., (org.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Cortez, 2011.

WEBBGRAFIA

• OLIVEIRA, M. M. de Liberdade Assistida: um estudo sobre a execução da medida como adolescentes em Porto Alegre. <URL: http://hdl.handle.net/10183/13260> Data de acesso: 19/03/2015.

• ORTEGAL, L.R. de O. A Medida socioeducativa de Liberdade Assistida. Fundamentos e contexto atual. <URL: http://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/5634/4682> Data de acesso: 04/02/2015.

• PASSAMANI, M. E. & EDINETE, M.R. Conhecendo um Programa de

Liberdade Assistida pela Percepção de seus Operadores. <URL: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-98932009000200010&script=sci_arttext> Data de acesso: 19/03/2015.

• PASSAMANI, M. E. A Experiência de Liberdade Assistida Comunitária na Percepção de seus Operadores. <URL: http://web3.ufes.br/ppgps/sites/web3.ufes.br.ppgps/files/Maria%20E%20Passamani.pdf> Data de acesso: 19/03/2015.

• PINHEIRO, A.K.M.T. Programa Liberdade Assistida em Natal/RN:

Adolescentes em conflito com a lei e a violação de direitos. <URL: http://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/17872> Data de acesso: 02/09/2015

• SILVA, G. de M. A liberdade assistida de adolescentes em conflito com

a lei. <URL: http://www.uniesp.edu.br/revista/revista10/pdf/artigos/11.pdf> Data de acesso: 06/12/2014.

• SOUZA JR., L. L. de. Garantias processuais do adolescente em conflito

com a lei. <URL: http://www.lfg.com.br> Data de acesso: 11/09/2015

Page 65: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

65

• VARGAS, J.D. & MARINHO F. C. O Programa Liberdade Assistida em

Belo Horizonte. <URL: http://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/7069> Data de acesso: 23/01/2015.

Page 66: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

66

INDICE

FOLHA DO ROSTRO 2

AGRADECIMENTOS 3

DEDICATORIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 7

SUMARIO 8

INTRODUÇÂO 9

CAPITULO I - Conceitos básicos 12

1.1 Adolescência, ato infraccional e reinserção social 12

1.2 Medidas socioeducativas segundo a legislação 13

1.3 O Projeto social vigente 19

CAPITULO II - Antecedentes históricos 22

2.1 O período do Brasil Colônia 23

2.2 A legislação no Brasil Império 23

2.3 A república e o surgimento da criança criminosa 24

2.4 A “situação irregular” e o nascimento da Liberdade Assistida 29

CAPITULO III – A Liberdade Assistida na legislação atual 34

3.1 O paradigma da proteção integral 34

3.2 A Liberdade Assistida no ECA 37

3.3 O plano de atendimento 41

3.4 A distância entre a lei e as práticas 43

CAPITULO IV – Os programas de execução 45

4.1 Dados nacionais 45

4.2 Programas municipais 46

4.3 Imposição da medida 47

4.4 Perfil dos jovens em cumprimento da medida 48

Page 67: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Com a finalidade de conseguir um conhecimento mais profundo da problemática, se analisa em primeiro lugar os conceitos básicos

67

4.5 Proposta metodológica 49

4.6 A escassez dos recursos 50

4.7 Atividades desenvolvidas 51

CONCLUSÃO 56

BIBLIOGRAFIA 61

INDICE 64