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DOIS INVESTIGADORES DA UC ESTIVERAM DOIS MEWQBpWnflJfiTPft-A ANALISAR A DIETA DE DUAS ESPÉCIES DE PINGUINS, PROTODE QUEPORTUGAL PODE TER UM PAPEL IMPORTANTE NACJÊNCIA MUNDIAL
Pinguins, bases na Antártida e quaMARCO ROQUE
ANTÁRTIDA é sinónimo de gelo e neve. Mas
será que se limita a isso? "Estar lá é indescrití-vel. As cores são diferentes: o azul é mais azul
e o branco é mais branco, não consigo explicarmelhor. Todos os dias, quando abria a porta,ficava pasmado aolharparatudo,averumaluzdiferente todos os dias". Quemdescreve assim
o "continente gelado" é José Seco, estudante
do Mestrado em Ecologia, na Universidade de
Coimbra (UC), que acabou de passar dois me-
ses, de dezembro a fevereiro, a fazertrabalhode campo na ilha de Livingston, na Península
Antártica.Nesta suaprimeiraviagemaocontinente, José
Seco acompanhou o português que mais vezesfoi àAntártida. José Xavier, biólogo marinhodoInstituto do Mar da UC, esteve na região pelasétima vez. "Aprimeirafoieml999,ma isanor-te. Aminha reação é sempre de fascínio, porqueé um continente a transbordar de vida", conta
José Xavier, destacando que "não é só gelo e
neve, há grandes concentrações de animais".
Mesmo depois de tantas viagens, há semprecoisas diferentes, uma nova aventura todos
os dias. "Continuo totalmente fascinado", diz.
OS BIÓLOGOS estiveram a analisar a dietade duas espécies de pinguins, os gentoo e os
chinstrap, uma investigação do Programa Po-
lar Português PROPOLAR, intitulada Projeto
PENGUIN,que inclui colaborações comßeino
Unido, França, Espanha, Bulgária, Estados
Unidos e Brasil, além de Portugal. "Estamos a
tentarpercebercomoéqueo oceano Antárticofunciona e como é importante para oplaneta, ',
em particular, ao nível das alterações climáti-
cas", explica José Xavier. "Fomos paraumadaszonas onde as mudanças foram mais drásticas,
a Península Antártica, estudar animais quefossem elementos chave desse ecossistemae
perceber se se estão a adaptar".E é aí que entram os pinguins. "Os gentoo es-
tão distribuídos mais a norte e os chinstrapmais a sul, mas têm áreas de intersecção, como
a Península Antártica. Queremos percebercomo c que estas duas espécies, representati-vas do ecossistema marinho da região, estão a
competir por comida", explicao investigador.Aaltura do ano foi escolhida devido ao facto
dos pinguins se estarem a reproduzir, o quefaz com que os indivíduos não se desloquem
7viagens à AntárticaJosé Xavier é o português que mais vezes
foi ao continente. A viagem anteriortinhadurado nove meses
muito nahora de procuraralimento (estima-se15-30 km da colónia). Paraalém disso, as coló-
nias estavam em pontos opostos de uma baía
(South Bay), o que permitia boas condições
tro passagens de ano
para a análise.
CONTUDO, prepararumaidaàAntártida não
é fácil. "Planearuma expedição normalmentedemora dois, três anos, e exige um forte apoiofinanceiro. Esta ú ltima não foi normal, demo-
rou apenas seis meses. Neste caso, tivemos de
coordenar cornos vários países, para terespa-
"Estamos a tentar percebercomo é que o oceano Antárticofunciona e como é importantepara o planeta, o nível das alte-rações climáticas"
çpnasbascscstcano,cplancartudo para apro-veitar o tempo ao máximo", conta José Xavier.
Cria-se umplano científico tão detalhado, que
"quando se chega lá as condições atmosféricas
são aúnica incógnita".
Reconhecimentonacional depoisdo internacional
o eu rriculum de José Xavierá extre-
mamente extenso no que diz respeito à
AnLárLida. Para além de ser invesLigador
do Instituto do Mar da Universidade de
Coimbra, é doutorado pela Universida-
de de Cambngee faz parte não só do
Progama Polar Português, mas também
da ßritsh Artic Survey. Recebeu, no
ano passado, o MarthaT Ivluse, um
dos maiores galardões internacionais
para este tipo de pesquisa. Este ano vai
receber um Seedof Science. Contudo,
tem os olhos no futuro, em particular na
educação dos mais jovens. No ano Polar
Internacional, paralelamente ao Pro-
Polar, "criámos também um programaeducacional, o Latitude 60, que permite
explicar nas escolas e ao público em
geral a importância das regiões polares".
Em suma, levara ciênciaacs jovens
portugueses.
A DUPLA de investigadores saiu de Lisboa em
direçãoa Madrid e, daí, para Buenos Aires.
Depois de uma noite na capital argentina , de s-
ceram até Ushuaia, a cidade mais a sul no pla-neta Terra. Àboleia de um barco espanhol, o
LasPalmas.chegaramàilhadeLivingston.No
bloque da expedição, José Seco não escondia a
excitação. "Como será o ambiente? Como será
a base? Como será a viagem? Como será lidar
com algumas espécies que só estou habitua-do a ver na TV? Ainda não consigo respondera nenhuma destas perguntas, mas está pa-ra breve", escreveu, ainda em Ushuaia. A
chegada demonstra a complexidade de
u ma iniciativa desta envergadu ra . Dois
portugueses, num barco espanhol,
tinhamdeirpara uma base búlgara,a S. Kliment Ohridski, a casa dos
investigadores durante os meses
seguintes. Para se chegar àbase,utilizam-se lanchas, que passam
por entre mini-icebergues. Na
base búlgara, mesmo emfrente aoglaciar Pim-
pirev, foram recebidos, não só por búlgaros,mas também por investigadores do Japão e
da Mongólia. Depressa se entra no espíritofamiliar de stas bases: a alcunha do chefe da
base é"Daddy", 'papá'em português. Mas fa-miliaridade anda de braço dado com ciência.
Christo Pimpirev, o mesmo que deu nome ao
glaciar, tambcmcstcvc na base.
Alojados numa casa triangular ao estilo dos
Alpes, as refeições tinham "ementas diversifi-cadas comumpadrão: o pequeno-almoço são
torradas com manteiga c chá/café, o almoço é
salada e sopa, e o jantarcomeça uma salada,
seguido por um prato de carne com batata s
cozidas.. .e muito pão bem acabado de fazer
com manteiga".
2espécies de pinguinsNeste projeto, foi analisada a dieta de
duas espécies de pinguins: os gentooeoschinstrap
MAS É A investigação que está sempre na
mente de todos. "Recolhemos três tipos de
informação para perceber como os pinguinsestavam a competir por comida: as fezes (o
que comeram hoje) , sangue (o consumido na
última semana) e penas [o que comeram no
último ano, porque os pinguins mu-damde penas depois da
reprodução", ex-
plica José Xavier.
Não foi fácil chegar aos objetos de estudo.
"Estávamos baseados na base búlgara, queficava a 45 minutos de barco [dos pinguins] . E
tambémprecisávamosdobarcoespanhol.queestava noutra base [Juan Carlos I] a 10 minu-tos", lembra o biólogo. Uma vez por semana,
pegavam nos mantimentos e iam. Se o tempoajudasse, claro. "Logo na primeira "vez, fomos
ter com os espanhóis e começa a chover, de-
pois começa a nevar e as ondas cada vez mais
fortes . Eu a pensar 'vamos ter de abortar. Mas
não disse nada'", conta José Xavier. Felizmen-
te, "chegámos lá e ficou 501... Foi um grandedia de trabalho".
Nas colónias, passavam seis horas a recolher
sangue, que ficava congelado na base espa-nhola, penas, e fezes, analisadas durante o
resto da semana na base búlgara. O trabalho"é duro, mas tudo vale a pena quando vemos
um pinguim a sair das nossas mãos a andar
e a seguir a sua vida como se nada se tivesse
passado", escreveu José Seco. Biólogo que é
biólogo não tem medo de ser sovado por u m
pinguim.
ESTAR NUM dos sítios mais longínquos do
mundo traz problemas. "Não tens etnail. Só nabase espanhola, ao frio, quando voltávamos.
I ira copy paste, a correr. I fle s criavam um emaã
para ti, mas só podias responder uma semana
depois...", conta José Xavier. José Seco lembra
que "na base búlgara só havia um telefone de
satélite, que custava cerca de seis euros porminuto". Por isso, quando a namorada de Xa-vier ligou, "eles foram logo à minha procura e
ela pagou 30 euros por quatro minutos - dois
deles só para me encontrar", lembra.
As 24 horas de sol por dia também não aju-
uTudo vale a pena quandovemos um pinguim a sair das
nossas mãos a andar e a seguira sua vida como se nada setivesse passado
daram muito. "Tínhamos de tapar as janelas,o corpo não deixava dormir", contam. E ti-nhamsemprede ligar paraabaseespanhola às
08H30. "Nos sábados à noite, o Daddy vinha e
dizia 'pessoal, amaimâpodem descansar... Só
têm de ligarás nove'", lembram.
NA BASE búlgara, os portugueses tiveram
oportunidade de participar num momentoúnico. "Ajudámos a construirá igreja, posso ir
OS ENIGMÁTICOSpinguins não têmmedo de humanos, daía enfâse dos investi-gadores em preservaro ecossistema e prote-ger os animais duran-te a investigação
ládaquiaiOanose ainda sabem quemsomos",conta José Ka vier. Secoacrescenta:"deixamos
lá o nosso nome escrito num pilar, ninguémapaga". O Natal e a Passagem de Ano foram
passados na base. Por entre a base búlgara e a
espanhola, foi uma época festiva internacio-nal. A passagem de ano foi celebrada... quatroveze s, na hora da Bulgária ,
Polónia, Portugal e
Livingston.contamnoblogue.Acontribuição
portuguesa para as festividades? Bitoqucs,DeolindaeXutos e Pontapés. "Porquê bitoque?
Porque não?", justificam-se.Os meses passamsem se dar por eles. "Não te
apercebes que vais voltar. É como nas férias
grandes, passam três meses de repente. Aquic a me sma coisa", conta José Xavier.
ASSIM, O regresso surgiu de forma rápida,já depois de parte da equipa da base (Dadd\
incluído), também ter saído. Passaram pelailha King George , por Pu nta Arena s, no Chile,
Santiago c Madrid. De regresso a Portugal,embora a grande parte das análises ainda não
esteja concluída , é possível avançar algumasconclusões. Através da análise de fezes, os in-
vestigadoresdescobriramqueasduasespéciesestão a comer exclusivamente o mesmo tipode alimento. "Estavam a alimentar-se só do
krill,docamarãodoAntártico,comomesmotamanho", revela José Xavier. Isto representa
umproblema."Umadas espécies vai começara diminuir, a ficar menos competitiva, commenor capacidade reprodutiva", o que podelevara estaspopulações de pinguins aterpro-blemas de reprodução (e se continuar afetar a
sua sobrevivência no futuro).Poragora, resta esperarpelo resto dos resulta-
dos. Contudo, este trabalho é também impor-
tante porque "estamos a aprender métodos e
técnicas, que embora estejamaserusados na
Antártica,podcmseraplieadascá".Assim,aoperceber, como "é que os pinguins lidam comesta s alterações pode ajudara perceber como é
outros animais podcmrcagir cm noutras áreas
doplaneta,incluindoemáguasportuguesas".
POR ENQUANTO, José Xavier afirma não
querer aumentar já o seu recorde de viagensà Antártida. José Seco explica: "não se pode
abusarmuito.nãosepodemacumularmuitosdados semostratar, depois ficam desatualiza-
dos, tem de se encontrar um equilíbrio entreeste trabalho de campo e as análises". Apesardisso.aprimeira resposta dojoveminvestiga-dorà questão "é para voltar?" foi bem mais
emotiva. "É já para amanhã?", conclu i
sorridente. 0
De zodiac por entreos mini-icebergues
Os investigadores estavam alojados nabase búlgara tendo de se deslocar de
lança (os zodiac) para chegaras coló-nias de pinguins, que estavam situadasnas pontas de South Bay. A viagem eradependente do estado do tempo e os
pinguins davam luta. "Apesar de teremum ar muito amistoso e de animal mui-to querido, quando se sentem agarra-dos, lutam com todas as suas forçaspara se libertarem", conta José Seco.