DOSSIÊ GRUPOS INTERMÉDIOS NOS DOMÍNIOS · PDF fileUniversidade de Évora (CIDEHUS) Évora - Portugal ... [email protected]. 16 ... o da multidão dos “agentes” da eco

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    rev. hist. (So Paulo), n. 175, p. 15-22, jul.dez., 2016http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2016.124066

    Tiago C. P. dos Reis Miranda & Bruno FeitlerApresentao - Hierarquias e mobilidade social no Antigo Regime: os grupos intermdios no mundo portugus

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    Pgina anterior:Planta da cidade de Lisboa e de Belm : publicada em Londres e copiada em Lisboa em 1837. Lisboa: Imprensa de Candido Antonio da Silva Carvalho, 1837. Biblioteca Nacional de Portugal.

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    Tiago C. P. dos Reis Miranda & Bruno FeitlerApresentao - Hierarquias e mobilidade social no Antigo Regime: os grupos intermdios no mundo portugus

    APRESENTAO - HIERARQUIAS E MOBILIDADE SOCIAL NO ANTIGO REGIME: OS GRUPOS INTERMDIOS NO MUNDO PORTUGUS

    Tiago C. P. dos Reis Miranda*Universidade de vora (CIDEHUS)vora - Portugal

    Bruno Feitler**Universidade Federal de So PauloGuarulhos - So Paulo - Brasil

    A identificao de grupos sociais na poca Moderna representa um ve-lho e duradouro problema historiogrfico. Em fins da dcada de 1970, ten-tando resumir o estado da questo, Fernand Braudel comeou por lembrar a dificuldade que sente o historiador em reconhecer na palavra sociedade a desejvel invocao de todos os seus componentes vivos e variveis. Por isso

    * Investigador integrado do Centro Interdisciplinar de Histria, Culturas e Sociedades.** Doutor em Histria pela cole des Hautes tudes en Sciences Sociales. Professor adjunto de

    Histria Moderna da Escola de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Unifesp e bolsista de produtividade em pesquisa CNPq 2.

    ContatosTiago C. P. dos Reis Miranda

    Palcio do VimiosoLargo do Marqus de Marialva, 8

    Apartado 94 - 7000-809 vora - Portugal

    [email protected] Feitler

    Estrada do Caminho Velho, 33307252-312 - Guarulhos - So Paulo

    [email protected]

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    mesmo, e com o intuito de valorizar partida a pluralidade que se escon-de por trs de um conceito intencionalmente globalizante, Braudel props encarar a sociedade lato sensu e em especial a sociedade moderna como um conjunto constitudo por outros conjuntos lensemble des ensembles que ilu-diam lgicas de constituio ou manuteno estritamente jurdicas, polticas ou de consumo: setores, grupos ou segmentos que interagiam num quadro de relaes hierrquicas com notveis aspectos de fluidez, embora tambm constrangidos por princpios gerais de gnese muito complexa.1

    O primeiro grande nvel de divises hierrquicas na sociedade da Idade Moderna seria constitudo por trs grandes grupos: a pequena minoria dos privilegiados, que tudo governava e administrava, concentrando o usufruto praticamente exclusivo das mais-valias; o da multido dos agentes da eco-nomia, trabalhadores de todos os tipos, que formavam a grande massa dos governados, e, por fim, o enorme universo dos sans-travail.2

    Na economia-mundo, caracterizada por Immanuel Wallerstein, os pri-vilegiados manter-se-iam relativamente pouco receptivos ao ingresso de indivduos de grupos inferiores, apesar de com eles se relacionarem. Os gru-pos de agentes em ascenso, comumente ditos classes mdias, tenderiam a ser particularmente prejudicados em conjunturas econmicas de depresso, do mesmo modo que seriam tambm beneficiados, frente de outros, em conjunturas mais favorveis. A longo prazo, os integrantes dos seus estratos superiores conheceriam, inclusive, a oportunidade de participar na renova-o das elites que o fechamento esclerosara, e seriam tambm convocados a ajudar em tarefas de governao cada vez mais exigentes, tanto a nvel local (nas provncias e nas cidades), como no seio das cortes. Tudo isso se proces-saria quase sempre em termos desiguais, segundo as dinmicas dos vrios espaos do sistema-mundo, e, na maior parte dos casos, com uma grande lentido. O exguo territrio do cume da pirmide social, de ocupao res-trita aos privilegiados, no se chegava nunca a alargar, proporcionalmente, de forma substantiva.3

    Descontando talvez alguns traos do breve retrato dos grupos de po-bres e despossudos, que quase s oscilariam entre uma perfeita submisso ordem estabelecida e raros rompantes coletivos de dissonncia revoltas,

    1 BRAUDEL, Fernand. Civilisation matrielle, conomie et capitalisme XVe-XVIIIe sicle, vol. 2 (Les jeux de lchange). Paris: Armand Colin, 1979, p. 547-551.

    2 Ibidem, p. 557-558.3 Ibidem, p. 557-568, e vol. 3 (Le temps du monde), p. 62-67.

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    levantamentos ou revolues , e no obstante nas ltimas dcadas se deba-terem novas e instigantes hipteses sobre a ascenso dos grupos de agentes como, por exemplo, uma acrescida e sustentada laboriosidade, principal-mente a partir do sculo XVIII4 , boa parte dos ensinamentos do maior dos discpulos de Lucien Febvre, na sua espantosa fecundidade, continua a ser til para amparar a reflexo sobre a sociedade do perodo moderno. Cabe aqui destacar a lembrana da conjugao de parmetros de sistemas poltico-eco-nmicos de diferentes origens e em combinaes extremamente variveis.5

    O caso portugus distingue-se no contexto europeu pelo convvio de fortes princpios senhoriais com uma Igreja de grande relevncia social e desmedida projeo fundiria; um oficialato rgio escassamente desenvolvi-do, pelo menos at ao incio da segunda metade do sculo XVII; question-veis razes feudais; cidades com privilgios e tradies expressivas, mas de-sigualmente representadas no corpo do reino e muito distantes da dimenso de Lisboa, para alm de um enorme conjunto de domnios e interpostos ul-tramarinos que, mesmo em perodo de franca expanso, conhecem profun-das razes de instabilidade e de perigo de ruptura. Em suas linhas gerais, j o sabiam os arbitristas do sculo XVII e os grandes nomes da diplomacia do tempo das Luzes. A historiografia posterior tem-nos vindo a circunstanciar.6

    Nesse quadro, no chega a ser surpreendente que entre o Minho e o Algarve se verifique a existncia de grupos intermdios muito ligados administrao das casas das grandes famlias terratenentes e ao quotidiano dos episcopados, ordens e congregaes: agencia-se para a nobreza e para a Igreja. Os homens de negcios de maior expresso concentram-se nos

    4 DE VRIES, Jan. The industrial revolution and the industrious revolution. The Journal of Economic History, vol. 54, n. 2. Cambridge, 1994, (Papers Presented at the Fifty-Third Annual Meeting of the Economic History Association), p. 249-270; GRENIER, Jean-Yves. Travailler plus pour consommer plus: Dsir de consommer et essor du capitalisme, du XVIIe sicle nos jours. Annales. Histoire, Sciences Sociales, n. 3. Paris, 2010, 65e Anne (Histoire du travail), p. 787-798.

    5 BRAUDEL, Fernand. op. cit., vol 2., p. 554-557 e 592-597.6 Ver, por todos, SRGIO, Antnio. Antologia dos economistas portugueses. Lisboa: Livraria S da Costa

    Editora, 1974; GODINHO, Vitorino Magalhes. A estrutura da antiga sociedade portuguesa. Lisboa: Arcdia, 1971; COELHO, Maria Helena da Cruz & MAGALHES, Joaquim Romero. O poder con-celhio das origens s cortes constituintes. [1 edio, 1986] 2 edio. Coimbra: Centro de Estudos de Formao Autrquica, 2008; HESPANHA, Antnio Manuel. As vsperas do Leviathan. Instituies e poder poltico. Portugal sc. XVII. [1 edio espanhola, 1989] Coimbra: Livraria Almedina, 1994; MATTOSO, Jos (dir.). Histria de Portugal. Lisboa: Crculo de Leitores, 1992-1993, 8 vol.; BETHEN-COURT, Francisco & CHAUDHURI, Kirti, dir. Histria da expanso portuguesa. Lisboa: Crculo de Leitores, 1998-1999, 5 vol.; RAMOS, Rui, SOUSA; Bernardo Vasconcelos, MONTEIRO; Nuno Gonalo. Histria de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009.

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    portos martimos com vocao transatlntica. Sua ascenso enfrenta, porm, resistncias diversas, religiosas, culturais e polticas, muito embora o capital dos fidalgos, dos mosteiros ou da Coroa se junte ao financiamento de deter-minadas empresas comerciais. Paralelamente, nota-se um acentuado proces-so de dignificao social pelo exerccio das letras e, em particular, dos ofcios de escrita. J no sculo XVIII, estimula-se o reconhecimento do interesse da atividade dos negociantes de grosso trato. Processo legalmente consolidado com o rei d. Jos, que ainda fomenta o incremento das manufaturas. Todo um conjunto de indivduos de extrao mediana conquista, assim, o direito a um lugar efetivo entre os privilegiados, e carrega consigo, em movimento ascensional, uma srie de outros agentes inferiores.7

    A estruturas de produo bastante diversas, com expectativas e cons-trangimentos tambm difere