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A Escola de Cambridge e o desenvolvimento do documentrio autobiogrfico norte-americano
Gabriel Tonelo 1
1 Documentarista e pesquisador. Realiza pesquisa de Doutorado (auxlio FAPESP)
no programa de Multimeios da Universidade Estadual de Campinas.
e-mail: [email protected]
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Resumo
Buscaremos estabelecer uma breve genealogia do desenvolvimento da escrita autobiogrfica
aplicada ao cinema de no fico, principalmente no que diz respeito ao grupo sediado em Cambridge
(EUA). A partir do final dos anos 1960, um grupo de cineastas, alunos e professores que transitava
entre a Universidade de Harvard e o MIT desenvolveu uma srie de filmes que visava pensar a maneira
atravs da qual aspectos autobiogrficos poderiam ser construdos em narrativas documentrias,
envoltos pela virada epistemolgica advinda do Cinema Direto. Discutiremos mais de perto o caso do
dirio filmado de Ed Pincus, Diaries 1971-1976 (1982), e os filmes autobiogrficos de Ross McElwee,
tratando-os como dois dos principais representantes do pensamento de Cambridge em relao
autobiografia flmica.
Palavras-chave: Documentrio norte-americano; Autobiografia; Ensaio;
Cambridge.
Abstract
This article seeks to establish a brief genealogy of the development of autobiographical writing
applied to the non-fiction film, especially regarding the group based in Cambridge (USA). From the late
1960s on, a group of filmmakers, students and teachers whose activities were based at Harvard
University and MIT developed a series of films that aimed to think the way in which autobiographical
aspects could be constructed in documentary narratives, surrounded by the epistemological turn that
arose from Direct Cinema. We will discuss more closely the cases of Ed Pincus cinematographic diary,
Diaries 1971-1976 (1982), and the autobiographical films of Ross McElwee, treating them as two of the
main representatives of the Cambridge groups thoughts regarding filmic autobiography.
Keywords: North American Documentary; Autobiography; Essay; Cambridge.
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Narrativas autobiogrficas, processos de autoinscrio flmica e ensasmo so
alguns temas frequentemente abordados atualmente, no que diz respeito tanto
produo bibliogrfica acadmica quanto ao universo de exibies e mostras
dedicadas ao Cinema Documentrio. Durante duas semanas, no ms de maro e
abril de 2014, foi organizada a mostra Silncios Histricos e Pessoais2, em So
Paulo, que exibiu dezessete documentrios latino-americanos 3, produzidos a
partir da dcada de 2000. Todos apresentavam consistentes traos de escrita
autobiogrfica em suas narrativas e, de maneiras bastante diversas, lidavam com
questes histricas, sociais e polticas de um ponto de vista individualizado.
Michael Renov, autor estadunidense que dedicou muito de sua obra anlise da
escrita autobiogrfica em Cinema e Vdeo, lembra a srie de conferncias First
Person Film (RENOV, 2014, p. 30), acontecidas na Gr-Bretanha durante alguns
anos da dcada de 2000, que se dedicou exibio e teorizao acerca de
narrativas documentrias autobiogrficas.
Podemos recordar aqui algumas dessas narrativas documentrias que
apresentam traos autobiogrficos e que adquiriram maior visibilidade nas ltimas
dcadas, seja pela sua recorrncia em textos analticos ou por uma maior
recepo de pblico e crtica. Shermans March (1986), a quixotesca jornada do
diretor Ross McElwee em busca de um novo relacionamento amoroso e sua
metafrica relao com o General William Sherman, venceu o festival de
2 Organizada por Natalia Christofoletti Barrenha e Pablo Piedras, a mostra aconteceu no espao da
Caixa Cultural (So Paulo), de 26 de maro a 6 de abril de 2014. 3 Argentinos: A Garota do Sul (La Chica del Sur, Jos Luis Garca, 2012); Famlia Tpica (Familia Tipo,
Cecilia Priego, 2009); Fotografias (Fotografas, Andrs de Tella, 2007); M (Nicols Prividera, 2007); Os
Loiros (Los Rubios, Albertina Carri, 2003); Papai Ivan (Pap Ivan, Maria Ins Roqu, 2004); Um Pogrom
em Buenos Aires (Un Pogrom en Buenos Aires, Herman Swarcbart, 2007). Brasileiros: Dirio de Uma
Busca (Flavia Castro, 2010); Em Busca de Iara (Flavio Frederico, 2013); Os Dias Com Ele (Maria Clara
Escobar, 2013). Uruguaios: Diga a Mario que no volte (Decile a Mario que no Vuelva, Mario Handler,
2007); Segredos de Luta (Segredos de Lucha, Maiana Bidegain, 2007) Paraguaio: Espeto de Pau
(Cuchillo de Palo, Renate Costa, 2010). Chilenos: O Eco das Canes (El Eco de Las Canciones,
Antonia Rossi, 2010); O Prdio dos Chilenos (El Edificio de Los Chilenos, Macarena Aguil, 2010); Rua
Santa F (Calle Santa Fe, Carmen Castillo, 2007). Mexicano: Perdida (Viviana Garca Besn, 2009)
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Sundance no ano seguinte de seu lanamento e, segundo consta, seria o dcimo
documentrio de longa-metragem mais vendido de todos os tempos (HUNT,
1994). Roger e Eu (Michael Moore, 1989) teve bilheteria de mais de cinco milhes
de dlares e lanou publicamente a figura de Michael Moore. Outros filmes, como
Tongues Untied (Marlon Riggs, 1989), Nobodys Business (Alan Berliner, 1996),
Tarnation (Jonathan Caouette, 2003), Valsa com Bashir (Ari Folman, 2008) seriam
rapidamente lembrados em uma discusso que visaria exemplificar as diferentes
maneiras atravs da qual os aspectos autobiogrficos so pensados, construdos
e recepcionados no documentrio contemporneo.
Se o cruzamento entre autobiografia e documentrio j provocava o interesse
de diretores em pases como a Frana e os EUA j no comeo dos anos 1960,
como veremos adiante, no Brasil tal preocupao estilstica e metodolgica tomou
forma a partir da dcada de 2000. Algumas incidncias particulares anteriores
seriam o dirio filmado de David Perlov (Yoman, 1973 1983), desenvolvido em
seis captulos, de 1973 a 1983, para a televiso israelense; e o curta-metragem
Seams (Karim Anouz, 1993), em que o diretor cearense (no momento ainda
radicado nos EUA seu filme narrado em ingls) nos mostra aspectos de sua
juventude, atravs de entrevistas com sua av e suas tias-avs, expondo a
amargura de um machismo endmico vivenciado na regio. na dcada seguinte,
entretanto, que alguns lanamentos colocaram em vigor o debate acerca dos
documentrios autobiogrficos no Brasil, como foi o caso de Um Passaporte
Hngaro (Sandra Kogut, 2002); 33 (Kiko Goifman, 2003) e Santiago (Joo Moreira
Salles, 2007). J nesses ltimos anos, esse tipo de preocupao na relao entre
autobiografia e documentrio encontra bastante recorrncia na produo
brasileira, tanto como exemplificado pelos filmes da mostra citada, Silncios
Histricos e Pessoais e por outros, como Elena (Petra Costa, 2012) e Mataram
Meu Irmo (Cristiano Burlan, 2013).
Talvez, portanto, no seja apressado inferir que as narrativas documentrias
que apresentam algum tipo de aspecto ou escrita autorreflexivos ocupem um
lugar de destaque naquilo que se chama de documentrio contemporneo. Uma
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vasta gama de termos hoje utilizada para que autores e crtica refiram-se a esse
tipo de documentrio. Ainda na dcada de 1990, Bill Nichols (1994) cunha o termo
Documentrio Performtico (Performative Documentary) para analisar uma srie
de filmes (e vdeos) lanados na dcada de 1980 e na dcada de 1990 em que a
escrita a respeito do Eu teria, de alguma forma, papel preponderante. Publicado
em 1999, a obra Experimental Ethnography, de Catherine Russell, tem seu
captulo final (Autoethnography, ou, Autoetnografia) dedicado anlise de obras
de cineastas como George Kuchar, Jonas Mekas e Chris Marker, tambm sob a
luz dos processos autorreflexivos existentes nos filmes. Tantos outros termos,
desde ento, como Filmes em primeira pessoa ou a teorizao mais recente a
respeito de um possvel cruzamento entre a teoria literria do Ensaio e a narrativa
cinematogrfica (Filmes Ensaio ou Ensaio Flmico) so designados para a
reflexo crtica acerca de determinados filmes. Apesar disso, o termo
Documentrio Autobiogrfico talvez seja o mais recorrente entre eles,
possivelmente pelo amplo espectro que o termo Autobiografia (e,
principalmente, sua adjetivao autobiogrfico) engloba, pressupondo uma
modalidade de escrita em que h inegvel movimento de autorrepresentao.
Esta terminologia nos remete, portanto, literatura, onde a autobiografia
encontra fortes alicerces tericos e crticos e que se consolida como um objeto de
estudo bastante definido, desenvolvido atravs dos sculos e encontrando
diversas variantes (dirios, memrias, ensaios) desde sua origem at a
modernidade. A maioria dos tericos da autobiografia literria reconhece nas
Confisses de Santo Agostinho, escritas no sculo V, o primeiro modelo de obra
autobiogrfica cristalizado no Ocidente como forma narrativa. No
necessariamente o primeiro texto em que um autor escreve a respeito de si ou de
sua prpria vida, argumenta-se que Agostinho foi o primeiro autor cuja escrita
evocou uma espcie de linguagem cara escrita autobiogrfica. Segundo o autor
Avram Fleishman (1983), os instrumentos atravs dos quais os autobigrafos
foram capazes de cristalizar suas vidas (motes, passagens, convenes,
revises) constituem a linguagem autobiogrfica que detectada recorrentemente
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nos textos autobiogrficos ocidentais. Em outras palavras, a partir de Agostinho
que reconhece-se na Autobiografia uma espcie de arte autnoma dentro do
campo da literatura, seriedade esta encontrada em outros autobigrafos que
fazem parte do corpus tradicional deste universo conceitual e de perodos to
distintos entre si, como John Henry Newman, John Stuart Mill, Jean-Jacques
Rousseau, William Butler Yeats, Malcolm X, Maya Angelou, entre outros.
Conseguiramos, entretanto, traar uma linha histrica referente ao
desenvolvimento da autobiografia no cinema documentrio? Se a autobiografia
um dos aspectos prementes do documentarismo contemporneo, como tentamos
demonstrar acima, haveria a possibilidade de detectarmos como tudo comeou?
Ao que consta, a escrita autobiogrfica aplicada ao cinema de no fico no
apresenta uma fronteira clara em relao a processos discursivos de autoinscrio
que fundamentariam obras subsequentes. Em outras palavras, no existe um filme
que seja considerado unanimemente como marco do surgimento daquilo que hoje
se convenciona como Documentrio Autobiogrfico.
Alguns autores dedicam extensos estudos referentes ao tema, atravs dos
quais podemos, ao menos, fundar alguns pontos de partida e, tambm, refletirmos
acerca de algumas questes que circundam as maneiras atravs das quais pode-
se desenvolver o cruzamento entre a autobiografia e um sistema sgnico distinto
de representao, o cinema. Um desses autores Michael Renov, j citado, que
sustenta um interesse de mais de duas dcadas pelo cruzamento entre
autobiografia e cinema. Renov entende que a autobiografia flmica existe de
muitas maneiras, sendo que os processos de autoinscrio acontecem atravs de
diferentes estilsticas e construes narrativas. Em seus textos, o autor resgata e
elabora modalidades narrativas relativas a essas possibilidades, como as do
ensaio eletrnico, a etnografia domstica, o modo epistolrio, etc. Seu livro
The Subject of Documentary (RENOV, 2004) analisa a fundo cada uma dessas
modalidades propostas pelo autor, atravessando um nmero significativo de
obras audiovisuais autobiogrficas produzidas, sobretudo, nos EUA.
Renov sugere a dcada de 1950 como um perodo importante para uma virada
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epistemolgica no campo do documentrio. Filmes de auteurs franceses como
Jean Rouch (Les Mitres Fous [1955]; Moi, un Noir [1958] e, posteriormente,
Chronique dun et [1961]) e Chris Marker (Lettre de Sibrie [1958]; Si JAvais
Quatre Dromedaires [1966] e Le Mystre Koumiko [1967]) exibiam procedimentos
narrativos que inovavam a relao entre cineasta e narrativa que at ento
figurava no cinema documentrio. Com o desenvolvimento de uma narrao em
voz over autoral (RENOV, 2004, p. xxi), o conhecimento fornecido pelos filmes
destes diretores aproximava-se de noes parciais ou situadas,
diferentemente do conhecimento onisciente e vertical implicado na utilizao da
voz over no documentarismo clssico. Da mesma forma, esses filmes
desenvolveram procedimentos de narrao em over que indicavam a aproximao
do texto identificao do cineasta, personificado na narrativa. Embora que as
narraes no apresentassem um texto autobiogrfico per se, sugeriam discursos
dotados de carga subjetiva e certamente distanciados de uma tica estritamente
educativa e expositiva em relao um tema, anunciando tempos de mudana em
questes relativas transparncia da figura do cineasta na narrativa
documentria.
Em outro texto, Renov (2014) sugere mais um avano em relao explorao
autobiogrfica, ainda num perodo prximo a este descrito acima. Trata-se de
diversas obras de artistas vinculados ao cinema avant-garde norte-americano,
como Stan Brakhage, Jonas Mekas, Jerome Hill, Hollis Frampton e James
Broughton. Todos esses diretores desenvolveram pelculas que, de maneiras
bastante distintas, exibem relatos e construes acerca de alguma passagem ou
perodo da vida do prprio artista. No caso de Brakhage, Window Water Baby
Moving (1959) e Thigh Line Lyre Triangular (1961) so alguns de seus filmes que
certamente portam uma verve autobiogrfica na medida em que Brakhage realiza
o registro do parto de seu primeiro e terceiro filho, respectivamente. So filmes
silenciosos, exibem uma montagem bastante fragmentada, ao estilo prprio do
diretor, e utilizam-se de diversos recursos que alteram as propriedades imagticas
do que foi filmado (no caso do segundo filme, inclusive, uma recorrncia bem
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maior da escrita direta sobre a pelcula). Mekas, com seu pico filme-dirio
Walden: Diaries, Notes and Sketches (1969), Jerome Hill com Film Portrait (1973),
Hollis Frampton com nostalgia (1971) e James Broughton com Testament (1974)
utilizam-se do recurso verbal a prpria fala do artista, predominantemente
atravs da narrao em over para contar-nos a respeito de suas vidas, tambm
atravs de recursos narrativos bastante diversos entre si. Todos esses filmes, em
alguma medida, veem como parte integrante do processo narrativo o uso das
mais variadas trucagens imagticas e sonoras, reconstrues dramticas,
montagens fragmentadas ou reconstrues referentes ao onrico, talvez como
parte do dilogo fluente entre esses artistas e o universo das artes plsticas. P.
Adams Sitney (2002), cujo trabalho explora minuciosa e profundamente cada um
desses trabalhos e outros inclusive ressaltando o carter autobiogrfico de
muitos deles utiliza-se de expresses para designar alguns desses filmes como
sendo autobiografias de encarnao artstica (SITNEY, 2002, p. 377) ou mesmo,
quando falando de nostalgia, autobiografia performtica. Vemos nesses
trabalhos um questionamento recorrente das possibilidades e propriedades do
filme como meio e como expresso artstica.
Sendo assim, talvez essas preocupaes no estivessem totalmente em
sintonia com a virada conceitual que o cinema documentrio sofreu no final dos
anos 1950 e nos anos 1960, com o advento do Cinema Direto. Outro grupo de
cineastas dedica-se a explorar a autobiografia flmica de uma maneira diferente e
com preocupaes tambm distintas se comparadas s dos artistas avant-garde
citados, sendo este que trataremos aqui com mais cautela. Trata-se de um grupo
que se estabeleceu dominantemente nos arredores de Boston, regio da qual a
cidade de Cambridge (e suas universidades) faz parte. O grupo - ou escola - de
Cambridge hoje reconhecido como um significativo movimento dentro do
documentarismo norte-americano, principalmente no que diz respeito ao
desenvolvimento de narrativas autobiogrficas, a partir do final da dcada de
1960. Alguns dos nomes relacionados a este momento so Ed Pincus, Alfred
Guzzetti, Jim McBride, Michel Negroponte, Robb Moss e, talvez o mais
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reconhecido entre eles, Ross McElwee. Jim Lane (2002) e Scott MacDonald (2013)
so autores que desenvolveram obras referenciais sobre o assunto. Lane sustenta
que ambos momentos que citamos aqui anteriormente o documentrio europeu
na forma de Marker, Rouch, Resnais e outros, e tambm o avant-garde norte-
americano - teriam tido influncia para o desenvolvimento desses filmes.
possvel dizer, entretanto, que estes cineastas inseriam-se em uma tradio
prpria no documentarismo americano, tanto clssico quanto moderno:
A maioria dos documentaristas autobiogrficos surgiu de uma tradio flmica
distinta: o documentrio americano. Dentre as figuras desta tradio esto inclusos
Robert Flaherty, Willard Van Dyke, Richard Leacock e Frederick Wiseman. (...) Para
os novos documentaristas, a cmera e o gravador de fita magntica eram
ferramentas que serviam para explorar e apresentar seus mundos, apoiando-se no
estatuto semitico dos meios flmicos e sonoros. (...) Assim, o documentrio
autobiogrfico era fundamentalmente diferente do avant-garde autobiogrfico em um
nvel formal. A esttica cinematogrfica era colocada mais a servio da explorao
do mundo social em vez de desafiar a tradio da arte representacional. (LANE,
2002, p. 14. Traduo Nossa.)
Enquanto Lane utiliza-se da terminologia Documentrio Autobiogrfico
(Autobiographical Documentary) para referir-se a esses filmes, MacDonald prefere
utilizar o termo Documentrio Pessoal (Personal Documentary). Porm, o corpus
analisado por ambos autores , quase que em totalidade, o mesmo. Podemos
relatar aqui um breve histrico do grupo. J na dcada de 1960 a regio de
Boston (MA) era vista como um importante centro aglutinador de cineastas-chave
para o desenvolvimento do Cinema Direto. Os irmos Albert e David Maysles e o
cineasta Frederick Wiseman nasceram na cidade e fizeram filmes na regio. Titicut
Follies, por exemplo, o filme inaugural do diretor e um de seus documentrios
mais conhecidos, foi gravado em uma instituio de sade mental em
Bridgewater, estado de Massachusetts.
J Cambridge, cidade da macrorregio de Boston e lar tanto da Universidade
de Harvard como do MIT, abrigar, por meio destas universidades, dois avanos
distintos na histria do documentrio americano. Um deles o filme etnogrfico.
O cineasta e antroplogo Robert Gardner funda o Film Study Center em 1957,
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uma unidade de produo e de pesquisa cinematogrfica vinculada ao Peabody
Museum, e l realiza filmes at 1997, dentre os quais Dead Birds (1965) e Forest of
Bliss (1985). John Marshall realiza The Hunters ainda em 1957, um dos muitos
filmes que realizou na Nambia. The Hunters, assim como grande parte de seus
filmes, foi filmado aps sucessivas viagens realizadas por ele e sua famlia - que
tinham profundo interesse pela antropologia - Nambia, pesquisas estas
financiadas pelo Peabody Museum. O filme teria sido ps-produzido juntamente
com Robert Gardner e Marshall era visto como referncia para jovens cineastas
que frequentavam a regio, como Ross McElwee4. Uma terceira figura cara ao
desenvolvimento da antropologia flmica americana Timothy Asch, que trabalhou
no Peabody Museum e acabou por ajudar a produzir muitos dos filmes de John
Marshall (MACDONALD, 2013, p. 5). Posteriormente, Asch juntar-se-ia ao
polmico antroplogo Napoleon Chagnon5. Juntos, a dupla realizou filmes como
The Ax Fight (1975), finalizada em Cambridge, em um momento em que Asch
tambm j era professor na Universidade de Harvard.
Em 1968, Richard Leacock, outra figura-chave ligada ao desenvolvimento do
Cinema Direto norte-americano, junta-se ao cineasta Ed Pincus para que
fundassem o centro de ensino, pesquisa e produo cinematogrfica do MIT, o
MIT Film Section. Pincus, assim como Leacock, alinhava-se s preocupaes
metodolgicas e representacionais do Cinema Direto. Seu filme mais recente
poca era Black Natchez (1967). Filmado com equipamento leve e som sincrnico,
um registro da tentativa da organizao e criao de uma comunidade negra de
resistncia em Natchez, cidade do Mississippi, Sul dos Estados Unidos. A dupla
foi reconhecida por desenvolver continuamente tecnologias e mtodos que
4 McElwee trabalhar como cinegrafista em N!ai The Story of a !Kung Woman (1980), outro filme
dirigido por Marshall na Nambia. 5 Chagnon, que desenvolveu trabalho de muitos anos com os ndios Ianommi, foi questionado a
respeito de seus mtodos de pesquisa e acusado de provocar uma epidemia de sarampo entre os
ndios. O cineasta Jos Padilha explora essa polmica em seu documentrio Secrets of the Tribe
(2010).
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facilitassem o registro cinematogrfico em locao, com equipes cada vez
menores. Em 1972, Pincus publica um artigo (PINCUS, 1972) em que sugere a
possibilidade de filmar e captar som sincrnico em uma equipe de uma pessoa
s. Este mtodo solo de captao de som e imagem aprimorado por Pincus foi
replicado por muitos de seus alunos que passaram pelo MIT Film Section durante
a dcada de 1970 e que cujas carreiras basearam-se, tambm, em uma relao
autossuficiente entre cineasta e a produo do filme.
O interesse de Pincus por um aparato flmico que possibilitasse a experincia
de filmar sozinho, entretanto, iria alm de uma inovao tcnica ou de questes
oramentrias. Durante cinco anos na dcada de 1970 (de 1971 a 1976) o diretor
filmou o documentrio pelo qual se tornou mais conhecido, lanado no incio da
dcada de 1980. Diaries (1971 1976) um documentrio de mais de trs horas
de durao, construdo maneira de um dirio flmico, em moldes ainda pouco
vistos no documentarismo de ento6. Nos cinco anos de filmagem, Pincus voltou
a cmera (e o gravador de som) para dentro de sua casa, tomando como
protagonistas de seu filme as pessoas mais prximas de si: sua famlia. O diretor
ocupou-se de registrar momentos cotidianos dos mais diversos, com sua esposa,
Jane, seus dois filhos, amigos prximos, colegas de trabalho e amantes. Ed e
6 importante notar que outros cineastas experimentavam narrativas autobiogrficas na dcada de
1970, como o caso dos filmes vinculados ao avant-garde americano, citados previamente. Para alm
desses, o cineasta brasileiro-israelense David Perlov desenvolve seu dirio filmado por dez anos (de
1973 a 1983), que resultou em seis captulos de uma hora de durao, veiculados na televiso
israelense. O cineasta holands Johann van der Keuken, tambm, retrata sua famlia em dois de seus
documentrios, Diary (Dagboek, 1972) e The Filmmakers Holiday (Vakantie van der Filmer, 1975).
Alfred Guzzetti, outro cineasta caro ao desenvolvimento do documentrio autobiogrfico nos EUA,
lana Family Portrait Sittings, um de seus filmes mais conhecidos, em 1975. H uma diferena
fundamental entre esses filmes e a experincia de Pincus, entretanto, que reside no empenho do
cineasta em ligar uma metodologia cara ao Cinema Direto explorao autobiogrfica. Pincus
almejava construir uma autobiografia flmica que fosse diretamente ligada ao registro do cotidiano,
colocando as questes que circundavam sua vida no momento da filmagem como subsdio primeiro
de seu filme. O dirio flmico de Perlov tambm o faz, porm a voz em over do diretor o grande elemento
responsvel pela argumentao narrativa que trava, recurso bem menos evidente no filme de Pincus.
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Jane Pincus eram um casal engajado socialmente, sendo que o diretor era
estudante de filosofia e sua esposa uma ativista feminista e escritora (Jane Pincus
foi uma das escritoras do livro Our Bodies, Ourselves, publicado em 1971 pela
organizao Boston Womens Health Book Collective). O diretor frisa a inteno
em realizar um projeto de documentrio em que a explorao de um universo
pessoal e familiar seria a matria-prima de sua narrativa. Impulsionado pelo
movimento feminista, Pincus testava as potencialidades representacionais do
cotidiano (tornando-o visvel) e da interao diria entre si e as pessoas ao seu
redor. O apreo pela tomada e pelas possibilidades narrativas do Cinema Direto
tinham um lugar fundamental neste tipo de experincia. Nas palavras de Pincus:
Alguns cineastas dessa nova gerao, direta ou indiretamente influenciados pelo
movimento feminista, comearam a achar significncia no que era chamado de
pessoal; eles comearam a evitar personalidades famosas, eventos notrios e
assuntos obviamente grandiosos... Pela primeira vez, o cotidiano tornou-se um
objeto possvel. Pessoas normais em situaes corriqueiras, no mais definidas por
um papel social que costumavam ser a porta de entrada para tornarem-se o assunto
de um filme piloto de carros de corrida, atriz, prisioneiro, pessoa pobre, poltico. A
justificativa para que tornassem-se um personagem era, frequentemente, apenas a
de que tinham uma relao com o cineasta ou que eram de alguma forma acessveis
a ele. (MACDONALD, 2013, p. 128. Traduo Nossa.)
E, ainda:
Existe uma estranha experincia existencial a respeito de ver-se a si prprio no filme,
ver-se da maneira que as pessoas te veem... Que experincia humilhante e
degradante, aparecer da mesma forma que outros. Qual a natureza de todas
nossas vidas e nossas relaes com os outros; nossas pequenas mentiras e
fingimentos? ... Um novo tipo de cineasta emergiu, que lida com essas questes.
Eles acham seu material diretamente ao seu redor. Eles relacionam-se com as
antigas tradies do Cinema-Vrit Americano na maneira em que tm um respeito
profundo pelo mundo, da maneira que este existe independentemente da presena
da cmera. E, apesar de que eles frequentemente participam de diferentes maneiras
no filme, eles, em geral, no manipulam aes para a cmera. (MACDONALD, 2013,
p. 138 Traduo Nossa)
A atmosfera domstica vivida por Ed Pincus e Jane, a interao do casal com
seus filhos, com amigos prximos e colegas de trabalho acaba por desenhar um
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retrato da vida matrimonial de um casal que vive um momento ps-1968,
engajando uma poro de valores ligados contracultura tematizados na dcada
anterior. Reconhecemos em diversos dos eventos vividos e retratados por Pincus
durante o filme algumas particularidades do espao / tempo em que estavam
inseridos. Um dos motes temticos do filme a proposta feita por Jane e Ed em
tentarem viver um relacionamento amoroso aberto para casos extraconjugais e o
desenrolar das consequncias desta experincia; outros pontos neste sentido
seriam a questo pr-aborto, solidificada na escolha de Jane em no ter o filho
que estava gestando, fruto de seu relacionamento fora do casamento (Pincus a
acompanha clnica de aborto e registra a situao); a experimentao de drogas
alucingenas comuns na poca (o diretor filma a si prprio durante uma viagem de
mescalina); a busca de um balanceamento na diviso de trabalho entre o casal
dentro e fora de casa, entre outras situaes.
Metodologicamente e narrativamente, importante frisar que a maioria dessas
passagens so apresentadas para ns, espectadores, ao mesmo momento em
que o diretor / protagonista as vive. Trata-se, portanto, de um projeto conceitual
que Pincus travava em relao autobiografia flmica. O diretor via nas
possibilidades tecnolgicas ainda recentes (cmeras leves, som sincrnico e
porttil) uma maneira atravs da qual um discurso autobiogrfico poderia ser
escrito no momento da tomada (LANE, 2002, p. 53) e, portanto, no tempo
presente. Envolto pelo fresco leque de alternativas aberto pela metodologia e
pela estilstica do Cinema Direto, o que impulsionava Pincus era a possibilidade de
fazer uma autobiografia que fosse condizente com a particularidade do cinema em
cristalizar indicialmente (atravs do registro de imagem e som) um momento
vivido e sendo, portanto, uma alternativa autobiografia literria. O processo de
construo do texto autobiogrfico, em qualquer uma de suas alternativas
(memrias, dirios, ensaios) sugere, dominantemente, que seu autor esteja de
alguma forma frente a frente com o passado para a subsequente transcriao
escrita. A experincia de Pincus, segundo sugere Lane (2002, p. 53), enfatiza a
importncia de um cotidiano visvel como uma maneira de explorar a natureza da
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subjetividade e das interaes humanas, que a cmera tem a capacidade nica de
retratar e sendo, ainda, uma extenso da fenomenologia. O autor define algumas
das preocupaes do cineasta/autobigrafo no que diz respeito sua colocao
no mundo e sua relao com o momento da tomada cinematogrfica:
O autobigrafo do cinema / vdeo emprega a linguagem do meio para interpretar os
eventos proflmicos, isto , a coisa em si. A autoinscrio cinematogrfica, assim
como a autoinscrio literria, implica o relato, mas este relatar no exclui
necessariamente o autobigrafo da coisa em si. Na realidade, o documentrio
autobiogrfico revela as opinies, as memrias e os pensamentos do autobigrafo
em seu embate com os eventos histricos. Este embate a prpria dinmica do ato
autobiogrfico, que revela uma tenso entre a apresentao e a interpretao de
eventos da vida pessoal. Para os documentaristas autobigrafos, a coisa em si so
os eventos documentados existentes em um registro audiovisual que interpretado e
revelado no relato. Tratam-se das palavras pronunciadas, os gestos feitos, os
silncios e o mundo concreto dos objetos que adquirem relevncia e significado na
narrativa. Tais significantes tambm implicam uma viso do documentarista,
aparecendo ele na tela ou no. Sendo assim, essas narrativas cinematogrficas so
consubstanciais s vrias maneiras atravs das quais a realidade fsica e
performativa apresenta-se cmera e ao gravador de som e tambm a como, mais
tarde, os documentaristas autobigrafos e os espectadores vm a entender e criar
significado em narrativas autobiogrficas. (LANE, 2002, p. 50. Traduo Nossa.)
O engajamento com o presente e a dicotomia entre viver e filmar condensa-se
em uma modalidade de documentrio autobiogrfico classificada por Lane como
sendo de Entradas de Dirio (Journal-Entry Approach), que talvez a experincia
de Pincus tenha sido uma das primeiras representantes. Trata-se de um tipo de
documentrio que envolve o registro de atividades cotidianas por um perodo de
tempo e a subsequente montagem desses eventos em uma narrativa
autobiogrfica cronolgica. Nesses filmes, frequente que, como espectadores,
assistamos aos eventos registrados como se eles estivessem ocorrendo pela
primeira vez e no tempo presente (LANE, 2002, p. 33).7 Da mesma forma, o autor
sustenta que esses eventos mostram as pessoas, incluindo-se a o
7 Um Passaporte Hngaro, dirigido por Sandra Kogut e lanado em 2003, um documentrio
vinculado produo nacional que se aproxima bastante desta classificao cunhada por Jim Lane.
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documentarista (geralmente por detrs da cmera), interagindo uns com os outros
em um movimento de escrita autobiogrfica certamente distinta de uma
padronizao de entrevistas onde, geralmente, fala-se mais a respeito de eventos
transcorridos no passado.
Esse tipo de autobiografia flmica, obtida atravs de um trabalho vigoroso de
filmagem sucessiva por um perodo contnuo e uma subsequente meditao
acerca do material filmado, acaba por apresentar evidncia de que os eventos
aconteceram frente aos olhos (ou lente) do documentarista, colocando-o como
uma testemunha ocular do momento filmado (LANE, 2002, p. 91). Segundo o
autor, a impresso de realidade percebida nesse tipo de narrativa bastante
poderosa se comparada autobiografia literria. Relatos escritos pessoais
(memrias, dirios) trabalham com um sistema sgnico distinto do cinema, pois
no existe a possibilidade de uma motivao existencial (indicial) mas, sim, uma
representao simblica (as palavras). Philippe Lejeune, terico francs que
dedicou muito de sua carreira teoria da autobiografia, sustenta que os textos
autobiogrficos evocam a necessidade de um contrato entre leitor e autor, o que
chamou de Pacto Autobiogrfico. Segundo ele, para que haja autobiografia
necessrio que o leitor estabelea uma relao de identidade entre autor, narrador
e personagem (LEJEUNE, 2008, p. 15), ou seja, que esses trs elementos sejam
cridos como sendo a mesma pessoa. No caso de um filme como Diaries existe
menor necessidade do firmamento de um contrato entre espectador e diretor, pelo
fato de que a carne do documentarista (atravs de seu corpo e de sua voz), e uma
relao direta entre ele e as pessoas ao seu redor no momento da tomada sugere,
como frisamos, uma autenticidade indicial inexistente no texto escrito.
O filme de Pincus foi decisivo para muitos alunos que passaram pelo MIT Film
Section na dcada de 1970. Como mencionado, a montagem definitiva do filme
data do incio da dcada de 1980, mas sua filmagem terminou ainda em 1976.
Segundo consta no relato de Ross McElwee (2012), Pincus utilizava-se de trechos
e excertos do filme para que fossem mostrados em sala de aula. Havia, portanto,
uma ebulio conceitual em Cambridge no que dizia respeito s possibilidades da
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escrita autobiogrfica aplicada ao cinema documentrio. Muitos desses alunos-
cineastas desenvolveram narrativas autobiogrficas em que o mtodo
desenvolvido por Pincus mostra-se premente. O cineasta Ross McElwee tornou-
se o mais reconhecido dentre os alunos de Pincus e Leacock, chegando a levar
um documentrio autobiogrfico ao mainstream, como foi o caso de Shermans
March, lanado em 19868. O diretor revela a importncia que Diaries (1971 1976)
teve para o desenvolvimento de sua carreira:
(O filme) luminoso em sua caracterizao da intrincada trama do cotidiano.
Almoos so preparados, uma criana levada ao mdico, um filhote de cachorro
comprado, o pai de Jane faz uma visita, Ed vai a um casamento, o filhote torna-se
um cachorro adulto. O mundano torna-se transcendente. Esse fluxo sem fim de
atividades com amigos e famlia o pano de fundo evanescente para o desejo de Ed
e Jane de redefinir o que significa algum estar casado, criar uma famlia e, tambm,
o que significa expor esse experimento catico e amvel para a cmera. (...) Ed
descreveu seu trabalho como uma tentativa de reconciliar o trivial com o profundo e
provar a fragilidade e o herosmo da vida cotidiana. Diaries continua a inspirar
diversos documentaristas, incluindo eu mesmo, a perseguir essas mesmas
reconciliaes e revelaes. Mas, mais importante, com pathos e humor abundantes,
Diaries revela a qualquer espectador as fascinantes ressonncias e ritmos dos
incontveis momentos mundanos que fazem a vida de uma pessoa e isso constitui
o viver. (McELWEE, 2012. Traduo nossa.)
Ross McElwee nasceu em 1947 em Charlotte, capital da Carolina do Norte.
Algumas instituies americanas, como o MoMA (Museum of Modern Art), o Art
Institute of Chicago e o American Museum of the Moving Image promoveram
retrospectivas de seus filmes, que tambm aconteceram em pases como
Espanha e Portugal. Em 2007, o Full Frame Documentary Film Festival, festival
sediado em Durham, Carolina do Norte, concedeu o prmio tributo pela carreira
8 Shermans March recebeu o grande prmio do Jri, na categoria de Documentrio, no Festival de
Sundance de 1987. Teve grande ateno de crtica e pblico e, na dcada de 2000, passou a integrar
o National Film Registry (Biblioteca do Congresso) norte-americano. A autora Catherine Russell (1999)
classifica Shermans March, juntamente com Roger e Eu (1989), de Michael Moore, como sendo
documentrios mainstream, de grande projeo em meio ao pblico. (RUSSELL, 1999, p. 290)
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do diretor, prmio recebido em edies anteriores por cineastas-chave da histria
do documentrio nos Estados Unidos, como D.A. Pennebaker, Albert Maysles,
Barbara Kopple e Richard Leacock. Cabe um olhar mais aprofundado sobre o
caso particular de Ross McElwee, no que diz respeito a alguns avanos e
desdobramentos da escrita autobiogrfica em seus filmes.
McElwee comea a filmar nos anos 1970, enquanto ainda era aluno do curso
de Cinema do MIT. Seu primeiro filme, realizado como trabalho de concluso de
curso, foi Charleen (1977). Embora no propriamente autobiogrfico, McElwee
retrata uma amiga prxima, a professora de literatura Charleen Swansea, que
reaparecer em muitos de seus filmes a partir de Shermans March. Aps
Charleen, o diretor lana dois filmes, seu primeiro longa-metragem, Space Coast
(1979), e o curta Resident Exile (1981), ambos co-dirigidos por Michel Negroponte,
mais ligados metodologicamente tradio representada pela tutela de Leacock:
uma cmera recuada e que presta-se observao e um desenrolar de um objeto
temtico externo.
em Backyard, mdia-metragem filmado no final dos anos 1970 e lanado
apenas em 1984, que McElwee d incio ao seu projeto flmico de carter
autobiogrfico. Nos sete longas-metragens que o diretor lanou desde ento
(Shermans March [1986], Something to do with the Wall [1991], Time Indefinite
[1993], Six OClock News [1996], Bright Leaves [2003], In Paraguay [2008] e
Photographic Memory [2011]) existe um forte aspecto temtico de escrita
autobiogrfica, sendo que o universo privado do diretor (reflexes acerca de seu
trabalho, sua famlia, seus amigos prximos, o local onde nasceu e foi criado) tem
importncia narrativa preponderante. Ademais, todos so, maneira de Ed Pincus
e de Diaries (1971 1976), filmados e editados majoritariamente pelo prprio
McElwee, trabalhando solo.
Um dos pontos pelos quais Ross McElwee pode ser considerado uma figura
proeminente no debate acerca dos documentrios autobiogrficos o afinco com
o qual o cineasta debruou-se na representao de si prprio e de seu universo
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domstico ao longo das dcadas9. O que faz McElwee um documentarista-
autobigrafo particular a maneira atravs da qual estabelece um processo
autobiogrfico continuado, onde existe relao narrativa entre cada filme por ele
lanado. Em outras palavras, a relao de conflito temtico construda pelo diretor
em cada filme, no que diz respeito sua esfera privada como indivduo,
retomada em seus filmes subsequentes. Se considerarmos que Backyard foi
filmado ainda no final da dcada de 1970, j passam-se mais de trs dcadas que
o diretor registra momentos (eventos, como sugeriu Lane) de sua vida privada e
das pessoas ao seu redor. No apenas com a finalidade de servir como um
registro de uma memria familiar (como no sentido mais estrito da expresso
home movie), seu tte--tte cotidiano com as pessoas de quem mais prximo
torna-se subsdio fundamental para a construo narrativa de cada um de seus
filmes, como tambm de uma possibilidade de meditao sobre o passado.
No um evento isolado, portanto, assistirmos ao casamento do diretor e ao
nascimento de seu filho, Adrian, em Time Indefinite (1993) se considerarmos (e
lembrarmos de) sua busca fracassada por um relacionamento amoroso em
Shermans March (1986). Da mesma forma, um espectador que acompanha os
lanamentos do diretor certamente reagiria de uma maneira diferente ao ver o
mesmo Adrian como um pr-adolescente em Bright Leaves (2003). Ou, mais
ainda, em Photographic Memory (2011), em que Adrian j um adulto e sua
relao com o pai revela-se completamente desgastada. Neste ltimo filme, o
prprio diretor acaba por representar-se como uma figura paterna distante,
bastante parecida com o lugar que seu pai ocupava vinte e sete anos antes,
quando do lanamento de Backyard. Em Photographic Memory, a inevitvel
9 Como exemplo de outros cineastas que trabalham com um processo de escrita autobiogrfico
continuado, poderamos pensar nos americanos Alan Berliner (de Family Album [1988] a First Cousin
Once Removed [2012] ou Jonathan Caouette (Walk Away Renee [2011] como uma sequncia de
Tarnation [2003]). Tambm de maneiras bem distintas se comparadas a Ross McElwee, ambos
cineastas utilizam-se de aspectos autobiogrficos em filmes anteriores para construir uma relao de
causa e consequncia.
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passagem do tempo sentida na figura do prprio diretor. Em uma sequncia em
que nos mostra um autorretrato, filmando em close seu prprio rosto e
examinando-o, McElwee comenta em sua voz over: Como pude ficar to velho?.
interessante notar que esse aspecto de continuidade entre um filme e outro.
A sequncia (sequel), que no um fenmeno dominante no universo do
documentrio, uma ferramenta utilizada conscientemente por Ross McElwee,
apresentada em diversos nveis. Para alm da reexposio de seu ambiente
domstico (famlia), h a recorrente tematizao do Sul dos Estados Unidos em
diferentes aspectos (histricos, econmicos, culturais) ou a utilizao de Charleen
Swansea, sua amiga prxima, como uma espcie de mentora em vrios de seus
filmes. Mais pulsante, entretanto, o fato do diretor reutilizar-se de planos e
sequencias de filmes anteriores em cada lanamento como subsdio para
lembrana e reavaliao de uma vida vivida que, importante frisar, cristalizada
atravs dos filmes. Como sustenta Fleishman em relao autobiografia literria,
o livro transforma o autobigrafo em um novo ser: no a pessoa que viveu os
eventos, mas aquela que os escreveu. Os eventos, por sua vez, tambm so
inevitavelmente modificados: daquilo que eram (a coisa em si, lembrando Lane)
passam a ser aquilo que foi expresso nas palavras (FLEISHMAN, 1983, p. 6).
Como exemplo, h uma sequncia revelada primeiramente em Backyard,
primeiro filme do ciclo autobiogrfico de McElwee, em que o pai do diretor fita a
lente da cmera e diz que apenas ficar satisfeito quando o olho grande (a lente)
for embora. Na ocasio, esse evento frisa um dos argumentos principais
sustentados pelo diretor no filme: o de que existe uma grande barreira entre ele e
seu pai, pelo fato de ter escolhido seguir uma carreira na rea artstica enquanto
que muitos dos membros de sua famlia (av, pai, irmo) so mdicos. O diretor
reutiliza essa mesma sequncia em diversos de seus filmes subsequentes. Em
Time Indefinite, dez anos depois, a sequncia aparece j como uma espcie de
memria cinematogrfica, sendo que McElwee d sinais de que a relao entre
ambos est apaziguada, com a consolidao do diretor como documentarista e
sua maturidade, na forma de um casamento e do desejo de constituir famlia.
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Posteriormente no filme, o diretor retrata a morte sbita de seu pai. Finalmente, no
caso de Photographic Memory, j em 2011, esta sequncia exibida novamente.
Neste ltimo caso, como descrito anteriormente, o diretor se v frente ao mesmo
impasse que teve em relao a seu pai na dcada de 1970, porm, agora, em
relao a seu filho, Adrian. Ao reexibir as imagens que filmou na juventude e que
compunham alguns de seus primeiros filmes, McElwee tenta colocar-se na
posio do filho, meditando sobre os motivos pelos quais sua prpria relao com
o pai tornou-se bastante delicada.
Outro interessante exemplo do interesse do diretor por um aspecto sequencial
em sua obra reside em um dos momentos finais de Time Indefinite. O penltimo
plano do filme mostra a imagem de um per na praia, local onde o diretor passou
momentos de sua infncia. Sua narrao em over comenta sobre os primeiros
meses da vida de seu filho, nascido durante a feitura do filme. Ao final da fala, o
diretor diz: Talvez eu faa, eventualmente, um filme sobre ele (Adrian)
crescendo.. A imagem cortada para um plano, j utilizado pelo diretor no filme,
de Adrian em seu bero, com uma semana de vida. O diretor comenta, no ltimo
momento do filme, que o prximo filme que ele far poderia comear com este
plano que vemos na tela. No por acaso, portanto, que o filme lanado por
McElwee trs anos depois, Six OClock News (1996), inicia-se justamente com o
mesmo plano de Adrian no bero, que fecha o filme anterior.
Aponta-se frequentemente nos filmes de Ross McElwee uma verve de
argumentao ensastica desenvolvida pelo diretor. Diversos autores que lidam
com as possibilidades da aproximao do Ensaio literrio ao cinema de no fico
utilizam-se de um ou mais documentrios do diretor como subsdio para a
reflexo. Cristalizado no sculo XVI atravs da publicao das trs edies dos
Ensaios de Michel de Montaigne, o Ensaio como forma literria , portanto, muito
mais recente do que a autobiografia stricto sensu, porm existe inegvel relao
entre ambos. Convenciona-se que h uma inevitvel parcela de expresso de
subjetividade no texto, construdo atravs de uma busca do autor pela descoberta
do que ele pensa sobre determinado assunto. A abertura para o processo uma
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parte importante do jogo ensastico, como sustenta G.K. Chesterton, famoso
ensasta britnico do incio do sculo XX: O Ensaio a nica forma literria que
confessa, no seu prprio nome, que o ato temerrio conhecido como escrever
realmente um salto no escuro (CHESTERTON, 2010, p. 11). Adorno, em O
Ensaio como Forma (2003), sustenta o mtodo antissistemtico, subjetivo e no
metdico como a premissa radical dos textos. Da mesma forma, o ensaio
comporta-se como um contnuo questionamento, no necessariamente
encontrando solues, mas incorporando a busca pela verdade como elemento
construtivo principal (LOPATE, 1996), ou, segundo Lukcs (2008), O ensaio um
julgamento, mas o essencial nele no (como no sistema) o veredito e a distino
de valores, e sim o processo de julgar..
So numerosas as publicaes atuais que buscam entender a maneira atravs
da qual existe uma relao entre o jogo ensastico e o cinema documentrio. Os
filmes de Ross McElwee frequentemente so citados em textos crticos a respeito
do tema. McElwee apresenta, para alguns desses autores (LOPATE 1996, 2003;
GARCA, 2008; CORRIGAN, 2011), um tom Montaigneano desenvolvido nos
diversos nveis de sua autoinscrio flmica (dominantemente sua voz over). Em
um nvel narrativo, McElwee desenvolve um paralelismo temtico desenvolvido
entre seu universo privado (domstico, familiar) e temas sociais ou histricos mais
amplos: em todos seus filmes premente uma argumentao pessoalizada que
parte de sua prpria individualidade, expressa em seu discurso - em que o diretor
reflete e medita sobre um objeto ou assunto relativo ao mundo nossa volta.
Se a narratividade desempenhada por McElwee em seus filmes relaciona-se
com o teste da subjetividade proposta por Montaigne nos Ensaios, h, ainda,
outro ponto de contato entre seu projeto autobiogrfico e a obra dogmtica do
sculo XVI. Enxerga-se nos Ensaios uma obra a respeito de uma vida vivida,
apresentando um carter aberto at a morte do autor em 1592. A obra de
Montaigne foi publicada em trs edies diferentes (1580, 1588 e, postumamente,
1595) sendo que em cada uma delas o autor publicava adendos a muitos de seus
ensaios anteriores, modificando-os de acordo com o que de fato a passagem do
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tempo provocou em sua percepo interior. Trata-se, portanto, de entender o
passar dos anos como um elemento pertinente para o jogo ensastico e
autobiogrfico.
Como sustentamos anteriormente, a obra de Ross McElwee apresenta uma
preocupao semelhante com a temporalidade e com o aspecto de escrita
autobiogrfica que retomado em cada um de seus filmes. como se, para alm
dos pontos de desenvolvimento temtico prprio de cada filme (A guerra civil em
Shermans March, a produo de tabaco na Carolina do Norte em Bright Leaves, a
queda do muro de Berlim em Something to do With the Wall), McElwee estivesse
realizando sempre o mesmo filme ou, um nico filme que de tempos em
tempos atualizado de acordo com seu envelhecimento e com o das pessoas
sua volta. Este fenmeno autoconsciente torna-se explcito pelo diretor, atravs
da reutilizao de trechos de seus filmes anteriores e de sua subsequente
reavaliao de eventos transcorridos em sua vida no passado.
A este movimento incessante de avaliao e reavaliao de uma vida vivida (e
cristalizada cinematograficamente), to singular da obra de McElwee, cabe um
olhar mais aprofundado. Estas consideraes sobre o cinema de Ross McElwee
tm a funo de colocar os filmes do diretor no debate acerca das diversas
questes que envolvem a construo autobiogrfica no campo do documentrio,
em voga na produo acadmica brasileira e mundial. Tratamos aqui o diretor
como um dos representantes mais reconhecidos do grupo de cineastas de
Cambridge que, a partir da dcada de 1960, teorizou e produziu narrativas que
visavam experimentar novas formas de construir narrativas documentrias
autobiogrficas, envoltos pela virada epistemolgica do Cinema Direto. A cidade
de Cambridge abriga at hoje, por meio das Universidades, uma ponte entre a
teoria e a prtica do documentrio autobiogrfico. O prprio Ross McElwee
leciona na Universidade de Harvard, desde a dcada de 1980, um curso voltado
prtica cinematogrfica. O diretor integrante do departamento de estudos
flmicos VES (Visual and Environmental Studies), juntamente com outros diretores /
professores que possuem lugar na histria do cinema autobiogrfico norte-
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americano, como Robb Moss e Alfred Guzzetti. Instigamo-nos aqui, ainda, por um
estudo futuro que procure refletir a respeito da relao entre a academia (no s
nos EUA) e o desenvolvimento da autobiografia flmica, cuja incidncia
recorrente10 quando olha-se mais profundamente a respeito da(s) histria(s) desse
tipo de preocupao metodolgica e narrativa no universo do Cinema
Documentrio.
10 David Perlov, professor universitrio em Tel Aviv poca da feitura de seu dirio flmico; Tom Joslin,
diretor e protagonista de Silverlake Life: The View from Here (1993), professor da University of Southern
California; Marco Williams, diretor de In Search of Our Fathers (1992), professor da Tisch School of Arts
(NYU), so alguns dos exemplos que vm mente.
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Submetido em 23 de abril de 2014 | Aceito em 17 de outubro de 2014