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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Tae Young Cho Mediação e Conciliação como instrumentos de Governança na Recuperação Judicial Doutorado em Direito São Paulo 2016

Doutorado em Direito - PUC-SP Young...para o sucesso do PRJ, viabilizando, além da solução para o problema, a própria recuperação da empresa, já que são instrumentos para minimizar

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Tae Young Cho

Mediação e Conciliação como instrumentos

de Governança na Recuperação Judicial

Doutorado em Direito

São Paulo

2016

2

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Tae Young Cho

Mediação e Conciliação como instrumentos

de Governança na Recuperação Judicial

Doutorado em Direito

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Doutora em Direito

das Relações Sociais, sob a orientação do Prof. Dr.

Ricardo Hasson Sayeg.

São Paulo

2016

3

Banca Examinadora

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________________________________

4

À nossa família inquebrantável.

5

Agradecimentos

Ao meu querido orientador Prof. Dr. Ricardo Sayeg, por seus direcionamentos e comentários

cirúrgicos que trouxeram luz às minhas ideias e abrilhataram esta tese. Tenho extrema

admiração pelo Prof. Ricardo, pois, além de ser referência da vanguarda nos estudos jurídicos,

é líder de nossa advocacia paulista.

Aos meus pais e às minhas irmãs pelo amor incondicional e por sempre estarem ao meu lado,

torcendo pelo sucesso de meus projetos.

Ao meu grande amor, Leonardo Corrêa, que suportou as minhas crises existenciais durante a

elaboração desta tese e me abriu novos horizontes a serem desbravados. Parceria incondicional

e a certeza de continuarmos juntos em uma jornada muito especial.

Aos meus parceiros de escritório e de uma vida, Yun, Eduardo e Solano. Nossa jornada tem

sido incrível.

Aos queridos Rui e Rafael da secretaria da coordenação acadêmica da pós-graduação em

direito, por toda ajuda e orientação ao longo desse percurso.

6

Resumo

A presente tese é elaborada no âmbito do direito econômico dentro de uma perspectiva

microeconômica para manutenção das fontes de atividade econômica, fomentadoras do

desenvolvimento nacional em toda a sua abrangência, buscando analisar a política de

governança corporativa brasileira e o modelo jus econômico praticado para a recuperação da

empresa em crise, visando sugerir instrumentos para minimizar e solucionar os conflitos que

surgem entre os stakeholders, em razão do sistema adversarial.

O instituto da Recuperação Judicial como instrumento jurídico de recuperação da empresa em

crise é condição necessária, mas não suficiente para que se tenha um ambiente propício para

atingir as finalidades da LRE. A prática tem demonstrado que a mera negociação das dívidas

com os credores e suas diferentes classes não tem o condão de assegurar o êxito dos propósitos

legais da recuperação. O plano de recuperação não é equivalente a um mero parcelamento ou

alongamento do perfil de endividamento da empresa.

Portanto, torna-se necessária a reestruturação corporativa e administrativa da empresa em crise,

bem como o uso de instrumentos que obtenham a colaboração entre os stakeholders. Ao lado

disso, torna-se imprescindível o envolvimento dos órgãos de administração da Recuperação

Judicial, os gatekeepers, com todos os stakeholders, de modo a alinhar uma política de

governança na Recuperação Judicial para minimizar ou anular eventuais conflitos entre eles.

Palavras-chave: recuperação judicial; política de governança na recuperação judicial;

mediação e conciliação; capitalismo humanista.

7

Abstract

This thesis is prepared in the scope of law & economics in a microeconomic perspective to

maintain the sources of economic activities, fomenting the national development in its all

coverage aiming to analyze the Brazilian corporate governance policy and the jus economic

model in practice for the recovery of the company in crisis, in the sense to suggest instruments

to minimize and solve the conflicts arisen between stakeholders due to the adversarial system.

The institute of the judicial recovery as a legal instrument to recover the company under crisis

is a necessary condition, but not a sufficient one for having an appropriate environment in order

to fulfill the LRE Law endeavor. The practice had shown that the sole negotiation of debts with

creditors and its different classes do not have the divining to assure the success of the legal

purposes of judicial recovery. The recovery plan is not equivalent to a sole installment payment

or stretching the payment of the company’s debts.

Therefore, it becomes necessary to pursue a corporate and administrative restructuring of the

company under crisis as well as the use of instruments obtaining the collaboration between the

stakeholders. By the same token, it is fundamental the involvement of the management bodies

of the judicial recovery, the gatekeepers, with all the stakeholders, in order to align a governance

policy in the judicial recovery to minimize or avoid potential conflicts among them.

Keywords: judicial recovery; governance policy in judicial recovery; mediation and

conciliation; humanist capitalism.

8

Riassunto

Questa tesi è elaborata nell’ambito del diritto economico in una prospettiva microeconomica

per la manutenzione delle fonti di attività economica, stimolatrici dello sviluppo nazionale in

tutta la sua estensione, cercando di analizzare la politica di amministrazione aziendale brasiliana

e il modello di diritto economico usato per il recupero dell'azienda in crisi, cercando di suggerire

strumenti per minimizzare e risolvere i conflitti che sorgono tra gli stakeholder, a causa del

sistema contrastante.

L'Istituto di recupero giudiziale come strumento giuridico di recupero dell’azienda in crisi è

necessario, ma non sufficiente per ottenere un ambiente favorevole al raggiungimento degli

obiettivi della LRE. La pratica ha dimostrato che la normale negoziazione dei debiti con i

creditori e le loro diverse classi non ha la capacità di garantire il risultato delle finalità legali di

recupero. Il piano di recupero non è equivalente ad una normale rateizzazione o prosecuzione

del profilo di indebitamento dell’azienda.

Pertanto, si rende necessario la ristrutturazione aziendale ed amministrativa dell’azienda in

crisi, così come l'uso di strumenti per ottenere la collaborazione degli stakeholder. In aggiunta,

è indispensabile il coinvolgimento degli organi di amministrazione del recupero giudiziale, i

gatekeeper, congiuntamente agli stakeholder, in modo da allineare una politica di

amministrazione di recupero giudiziale per minimizzare od annullare eventuali conflitti tra di

loro.

Parole chiave: recupero giudiziale; politica di amministrazione di recupero giudiziale;

mediazione e conciliazione; capitalismo umanistico.

9

Sumário

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................10

CAPÍTULO 1 - RECUPERAÇÃO JUDICIAL.........................................................................................22

1.1. O problema social da crise empresarial..........................................................................................22

1.2. Natureza jurídica da Recuperação Judicial e premissas da LRE....................................................35

1.3. Papel dos Órgãos de Administração da Recuperação Judicial - gatekeepers.................................42

1.4. Stakeholders e o problema adversarial............................................................................................61

1.5. Governança na Recuperação Judicial..............................................................................................68

CAPÍTULO 2 – CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL................................93

2.1. Sistema adversarial..........................................................................................................................93

2.1.1. A ordem dos créditos e a ineficiência econômica das votações, utilização da mediação e conciliação como

forma de reduzir as assimetrias de informação............................................................................................108

2.2. Alternativa ao modelo adversarial como instrumento de governança...........................................114

2.2.1. Técnicas de persuasão e negociação para mediadores e conciliadores em uma Recuperação

Judicial...................................................................................................................................................124

2.3. Impositividade...............................................................................................................................132

CONCLUSÃO.......................................................................................................................................138

ABREVIATURAS E BIBLIOGRAFIA UTILIZADAS............................................................................142

10

INTRODUÇÃO

A Recuperação Judicial é um instituto jurídico fundado na ética da solidariedade1, o que

para os pesquisadores aderentes ao núcleo do Capitalismo Humanista, trata-se de um instituto

da categoria jurídica da fraternidade. Ao envolver um complexo feixe de interesses2, há

consenso concursal de acordo com as regras legais de maioria, com ato de renúncia de direitos

pelos credores em contrapartida a um plano de recuperação judicial (PRJ), visando solucionar

o estado de crise econômico-financeira da devedora para assegurar, mesmo que parcial e em

diferentes condições das originariamente contratadas, a satisfação dos interesses de todos

stakeholders3, dando-se continuidade ao emprego com o fomento do trabalho humano, e com

a consequente manutenção da função social da empresa4, em conformidade com as premissas

traçadas no artigo 47 da Lei n. 11.101 de 9 de fevereiro de 2005 (LRE)5.

1 Denominação adotada por Jorge Lobo ao definir o instituto da Recuperação Judicial in ABRÃO, Carlos Henrique e TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 6a edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 175. 2 “A corporate reorganization is a combination of a municipal election, a historical pageant, an anti-vice crusade, a graduate school seminar, a judicial proceeding and a series of horse trades, all rolled into one…Men work all night preparing endless documents in answer to other endless documents, which other men read to make solemn arguments” (Judge Glen Clark in re Jeppson, 66B. R. 269 at 296, in Mark S. Summers, Bankruptcy Explained, John Wiley & Sons, 1990, p. v). 3 Stakeholder é definido como “a person who has an interest or concern in a business or enterprise, though not necessarily as an owner” in Black’s Law Dictionary. MN: Thomson West, 2007, 8a. edição. Na versão 3 do Código de Melhores Práticas do IBGC, stakeholders eram todas partes interessadas, listando-se, exemplificativamente, todos os colaboradores, clientes, fornecedores ou credores. Na atual versão, o rol exemplificativo não mais constam. Oportunamente, no livro de minha autoria “Governança Corporativa – uma abordagem da experiência jurídica”, concluí que stakeholders são todas as partes que mantêm relação com e gravitam ao redor da sociedade empresária, que possuem poder de decidir ou influenciar decisões, como agente econômico que é. Para tanto, mencionei as definições de Kaplan (“indivíduos, grupos de indivíduos e instituições que definem o sucesso das organizações ou afetem a capacidade que a organização tem em atingir seus objetivos”), a Teoria dos Stakeholders (todas as pessoas que têm uma parte nas atividades de uma organização são similares a um proprietário em muitas situações, numa visão de que há uma multiplicidade de grupos afetados pela operações da empresa, e todos eles merecem consideração na tomada de decisões corporativas, definindo-se, como Freeman “qualquer indivíduo ou grupo que pode afetar ou ser afetado pelo atingimento dos objetivos da organização”). 4 Nesta tese, utilizam-se os seguintes termos com os respectivos conceitos: (i) sociedade empresária em recuperação é a pessoa jurídica resultante da união de esforços de seus sócios ou acionistas, conforme o tipo societário, que organiza e explora a atividade econômica empresarial, mas se encontra em crise econômico-financeira, e que preenchendo os requisitos da LRE (art. 48) requer o benefício do instituto da recuperação judicial; (ii) empresa é a unidade organizativa da atividade econômica empresarial. Para uma análise e relato acerca da distinção entre “sociedade” e “empresa” na doutrina e na LRE, ver: COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 2, p. 5-6 e v.3, p. 382-385; e ABRÃO, Carlos Henrique e TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 6a edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 251-254. 5 O Decreto n. 7.661/45, que regulamentava o procedimento falimentar, impossibilitava a reabilitação de empresas que se encontrassem numa situação de crise econômica-financeira, porque os institutos de liquidação e concordata não vislumbravam instrumentos adequados para preservar o valor da empresa. Em razão da obsolescência do referido Decreto, entra em vigor a Lei n. 11.101/2005, que contém vários dispositivos com o propósito de corrigir distorções nos resultados das liquidações e outros que oferecem bases para negociação de modo a aumentar o valor

11

Como se vê, o procedimento recuperacional já pressupõe o sacrifício inicial do direito de

propriedade dos credores sobre os seus créditos, na tentativa de se encontrar uma solução para

o problema da crise empresarial. Nesse sentido, o sistema da Recuperação Judicial é

adversarial, pois já se inicia com uma situação de conflitos entre a gama de interesses dos

stakeholders, cada qual com sua própria perspectiva. Diante disso, o estabelecimento de uma

política de governança com o uso dos instrumentos de mediação e conciliação é imprescindível

para o sucesso do PRJ, viabilizando, além da solução para o problema, a própria recuperação

da empresa, já que são instrumentos para minimizar os efeitos da relação adversarial, tornando

impositivo o estudo e elaboração de tese a propósito de sua necessidade legal e respectiva

sustentação jurídica.

Entre junho de 2005 e dezembro de 2014, 3.522 empresas requereram os benefícios da

LRE, sendo que destas 728 tiveram a sua falência decretada e apenas 2186 conseguiram superar

as crises econômica e financeira, preservando a sua função social no mercado econômico. Ou

seja, após 8 anos da vigência da LRE, os objetivos da referida Lei foram atingidos em apenas

6% das empresas que requereram a Recuperação Judicial.

No ano de 2015, foram requeridas 1.287 recuperações judiciais, 55% a mais do que em

2014 (828 pedidos)7, o maior número desde o início da vigência da LRE. No entanto, apenas

18% dos pedidos foram concedidos, ou seja, tiveram os seus planos de recuperações judiciais

aprovados. Entre janeiro e agosto de 2016, foram requeridos 1.235 pedidos de recuperações

judiciais e destes apenas 266 foram concedidos, o que equivale a 21%8. Até o presente

momento, não se tem notícia de que estas empresas que tiveram os seus planos de recuperação

judicial aprovados já os tenham concluído. Mas, o que se sabe, de acordo com o relatório do

Banco Mundial – Doing Business em Brasil - 2016, é que a taxa de recuperação das empresas

da empresa viável por meio da recuperação judicial ou extrajudicial. Veja comentários ao novo instituto in ABRÃO, Carlos Henrique e TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 6a edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 39-52. 6 Acesso em 31/10/2016 no site: http://www.oeconomista.com.br/podcast-recuperacao-judicial-salva-poucas-empresas-no-brasil/. 7Acesso em 11/02/2016 no site: http://www.valor.com.br/empresas/4432132/numero-de-pedidos-de-recuperacao-judicial-em-2015-e-o-maior-em-10-anos. 8 Dados informados pela SERASA no site (acesso em 31/10/2016): http://noticias.serasaexperian.com.br/pedidos-de-recuperacoes-judiciais-aumentam-612-no-acumulado-de-2016-revela-serasa-experian/.

12

em crise só no Estado de São Paulo está estimada em 15,8% e que elas levam cerca de 4 anos

para efetivamente se recuperar9.

De fato, a retração da economia brasileira nos 3 últimos anos – resultante de uma

economia calcada em crédito – gerou a crise financeira em várias sociedades empresárias, que

não tiveram outra alternativa senão o de socorrer-se do instituto da Recuperação Judicial para

salvar o máximo possível da operação da sociedade, do dinheiro dos credores e, se possível, da

reputação de seus sócios e administradores, bem como da preservação dos empregos.

No entanto, não basta o instituto da Recuperação Judicial como instrumento jurídico de

constituição de um ambiente propício à empresa em crise poder se recuperar. A prática tem

demonstrado que a mera negociação das dívidas com os credores e suas diferentes classes não

tem o condão de assegurar o êxito dos propósitos legais da recuperação.

O PRJ não é equivalente a um mero parcelamento ou alongamento do perfil de

endividamento da empresa. O Exmo. Sr. Dr. Juiz Titular da 1a Vara de Falências e de

Recuperações Judiciais de São Paulo/SP, Dr. Daniel Carnio Costa, já tem inovado no sentido

de determinar uma constatação prévia da existência e viabilidade mínima da empresa em crise

como condicionante do deferimento do processamento da Recuperação Judicial10. É

exatamente nessa mesma linha que não se nota suficiente apenas o PRJ lastreado em uma

planilha ou cronograma de pagamentos, mas sim em uma reestruturação corporativa e

administrativa da empresa em crise, com a participação dos stakeholders. Portanto, faz-se

necessário ter mecanismos que minimizem ou solucionem os problemas adversariais que vão

surgir quando da contraposição de interesses de cada um dos stakeholders.

Diante disso, como metodologia para desenvolver a tese, aderente à linha de pesquisa

Efetividade dos Direitos, adota-se o Jushumanismo Normativo, sustentada por Ricardo Sayeg,

Wagner Balera e toda uma nova Escola de pensamento jurídico que se vem firmando na PUC-

SP e, de lá, se concretizando com a aplicação em inúmeros pronunciamentos judiciais do

9 Cabe mencionar que, de acordo com o relatório do Banco Mundial - Doing Business in 2005 – Removing Obstacles to Growth, a taxa média de recuperação em 2005, enquanto estava em vigor a lei revogada era de apenas 2% (dois por cento). Analisando-se os relatórios do Grupo Banco Mundial, verifica-se que houve uma melhora no índice, no entanto, ainda abaixo da média da América Latina e Caribe, que em 2016 é estimada em 30%. Acesso em 07/11/2016 no site: http://portugues.doingbusiness.org/data/exploreeconomies/brazil/#resolving-insolvency. 10 Acesso em 22/02/2016 no site: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1056/noticias/a-intencao-era-boa.

13

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo11, com o seu auge de consagração na Proposta de

Emenda Constitucional (PEC) n. 383 de 201412. Ainda, a linha de pesquisa se irradiou até em

nível internacional, sobretudo desde a tradução para língua inglesa da obra-mestre “Capitalismo

Humanista”, em que se defende claramente a primazia da dignidade humana aliada aos

princípios constitucionais explícitos e implícitos.

Considerando que ao sistema jurídico de referência faz necessariamente parte além das

normas, os fatos sociais a que elas se referem e os valores que neles incidem para daí resultar a

prescrição normativa, propõe-se analisar, em um primeiro momento, o sistema por meio do

construtivismo lógico-semântico, já que este permite que se faça uma decomposição analítica

do fenômeno jurídico.

No entanto, ao se admitir uma pluralidade política, própria da democracia, com uma

correspondente pluralidade de soluções possíveis aos problemas jurídicos, sem com isso se

propugnar por um relativismo, em que qualquer solução seria possível, pois há limites

estabelecidos pela própria gramática ou sintaxe estabelecida na ordem jurídica objetiva, a

famosa “moldura” a que se referiu Kelsen, surge a seguinte questão: encontrar critérios para

optar entre as diversas soluções válidas para um mesmo problema jurídico. E é aqui que entra

a concepção do jushumanismo normativo, em que se defende claramente a primazia da

dignidade humana aliada aos princípios constitucionais explícitos e implícitos.

11 O primeiro pronunciamento judicial foi do então Desembargador Moura Ribeiro do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que atualmente é Ministro do Superior Tribunal de Justiça, no relatório do acórdão ao Agravo de Instrumento n. 0276104-35.2012.8.26.0000, em que é agravante JOÃO VALESE (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA), é agravado BANCO DO BRASIL S/A: “... É que o desconto no percentual de 30% (trinta por cento) dos valores constantes da aposentadoria do mutuário não implicará onerosidade excessiva para ele, além do fato de atender ao princípio da razoabilidade e de preservar as mínimas condições de dignidade da pessoa humana, sem desequilibrar o ajuste. Percentual acima de tal limite afrontaria a “Lei Universal da Fraternidade que implica, pragmaticamente, a concretização universal dos direitos humanos em todas as suas dimensões, com vistas à satisfação da dignidade da pessoa humana”, como ensinam os professores RICARDO SAYEG e WAGNER BALERA 2. ...”. 12 Pela PEC 383/2014 pretende-se que seja explicitado no art. 170 da Constituição Federal que a ordem econômica brasileira seja regida pelo Capitalismo Humanista, que basicamente compreende a garantia do direito de propriedade, assegurando a cada brasileiro ou estrangeiro o exercício de sua Liberdade econômica, a fim de que desenvolva e usufrua o máximo de suas individualidades e potencialidades econômicas sem perder de vista a dignidade geral da população, para que se garanta, também e simultaneamente, que cada um do povo tenha níveis dignos de subsistência, com seus direitos humanos fundamentais à moradia, saúde, educação, emprego, consumo e afins.

14

Em épocas passadas, a comunidade se mantinha íntegra pela referência a uma origem

comum, sacramentada por mitologias ou religiões. No presente, o predomínio do pensamento

científico e o correlato processo de “desencantamento” do mundo, ao qual se refere Max

Weber13, minam as bases sobre as quais tradicionalmente se ergueram as diversas ordens

normativas.

Caberá ao direito, num tal contexto, solidificar essa invenção ou ficção coletiva, criando

e estabelecendo valores, impondo-os mesmo, em busca de garantir as condições de manutenção

da vida em comum, a vida humana.

De acordo com Lourival Vilanova: “As relações jurídicas pertencem ao domínio do

concreto. Provêm de fatos, que são no tempo-espaço localizados. Sem a interposição do fato,

que a norma incidente qualifica como fato jurídico, não ocorre o processo eficacial da

efetivação da relação jurídica. Relações jurídicas abstratas, somente no nível internormativo

e no intranormativo, são relações lógico-formais e formais-jurídicas.”14.

A relação entre fatos jurídicos, instituídos normativamente, com aqueles integrantes da

realidade subjacente, é de natureza contingente. Na verdade, aqui poder-se-ia mesmo referir a

notória concepção luhmanniana da “dupla contingência”, pois não só é contingente a

correspondência entre os signos primários e a realidade, como também entre estes e os signos

contidos nas normas jurídicas, nesse sentido secundários, sendo que àquela primeira relação se

pode atribuir valores de verdade ou falsidade, próprios dos estudos científicos, enquanto a esta

última só se pode atribuir os valores da validade, jurídica, independentemente de se verificar

aquela outra relação, de verdade ou falsidade.

Então, dir-se-ia como Tercio Sampaio Ferraz Jr., que as normas jurídicas são válidas e

permanecem válidas de maneira contrafática, mesmo quando não são cumpridas ou

consideradas como deficientes do ponto de vista de outros valores, epistêmicos, éticos,

estéticos, religiosos etc., ou ainda, em termos luhmannianos, cabe ao direito garantir a

13 SCHLUCHTER, Wolfgang. O desencantamento do mundo: a visão do moderno em Max Weber. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013. 14 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 202.

15

generalização de expectativas normativas, sem que, ao mesmo tempo, se precise atender

expectativas cognitivas.

O construtivismo lógico-semântico permite, então, que se faça uma decomposição

analítica do fenômeno jurídico, mas não se fecha para influências de cunho cultural, ou melhor,

culturalistas, na linha defendida entre nós por Miguel Reale em sua filosofia geral e, também,

naquela especificamente jurídica, notabilizada como Teoria Tridimensional do Direito, na qual

ao aspecto semântico-normativo se agrega, de maneira dinâmica e numa dialética de

complementariedade, tanto a dimensão axiológica, inafastável do processo nomogenético,

como também aquela dimensão pragmática, fornecida pela reinserção no contexto social e

histórico dos resultados obtidos pela análise lógico-semântica e devidamente aferida em face

dos valores que se apresentam seja como invariantes culturais, seja como inovações promovidas

pelo desenvolvimento histórico, tanto nacional, como internacional.

O direito é um sistema que, em seu interior, compõe-se de relações, e no seu exterior,

funciona como sistema relacionador do sistema social em seu todo. Por isso, o Prof. Vilanova,

entende que descabe uma teoria do direito que seja tão-só normativa ou tão-só sociológica.

Diante disso, Paulo de Barros Carvalho analisa o denominado “construtivismo jurídico”,

preocupando-se com a linguagem jurídico-normativa e utilizando-se do estudo da semiótica,

sobretudo no campo da lógica-semântica do texto prescritivo15.

Como dito, ao sistema jurídico de referência faz necessariamente parte os fatos sociais a

que elas se referem e os valores que neles incidem para daí resultar a prescrição normativa. Tais

valores, se concebidos como ordenados hierarquicamente de um certo modo, correspondem ao

conceito de ideologia. Não há como escapar da ideologia no Direito, e o que se há de fazer de

melhor, em face disso, entendemos que é assumir uma ideologia ou doutrina, com o mais

potente embasamento teórico, como nos fornecem as concepções aqui referidas, de Miguel

Reale, Lourival Vilanova, Paulo de Barros Carvalho, Tércio Sampaio Ferraz Jr. e, neste ponto

específico, Willis Santiago Guerra Filho, por ser a este último que se deve a noção de que o

15 De acordo com Paulo de Barros Carvalho, no desenvolvimento de qualquer trabalho científico é essencial que o mesmo seja pautado em uma sistemática de algum filósofo. Por isso, ele menciona que “(...) estou convicto de que o discurso da Ciência será tanto mais profundo quanto mais se ativer, o autor, ao modelo filosófico por ele eleito para estimular sua investigação” in CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário (Linguagem e Método). São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 3.

16

Estado Democrático de Direito é uma “super-ideologia”16, e não por ser mais forte que outras

quaisquer, mas sim, antes pelo contrário, por não apresentar uma hierarquia de valores já

previamente estabelecida, com base na qual se obteria respostas prontas e acabadas aos

problemas jurídicos, a serem descobertas com a facilidade como se apresenta o resultado de

cálculos matemáticos resolvidos por computadores.

Como bem pontua Paulo de Barros Carvalho, os epistemologistas Rudolf Carnap, Hans

Hann e Otto Neurath proclamaram “assumir uma orientação absolutamente humanista”17. Com

efeito, ao se aplicar ao direito um episteme humanista, esse construtivismo implica que o direito

posto, enquanto norma jurídica, seja integralmente exposto por meio de seu texto, enlaçado

com seu metatexto, permeado pelos direitos humanos no intratexto, de uma forma capaz a

apontar o caminho adequado para aplicação de todas as normas compatíveis com a ordem

jurídica18.

Dessa forma, a norma jurídica é um esforço de conectividade envidado pelo legislador,

que, por meio de códigos linguísticos, modaliza a conduta do homem, passando por um

processo intra e inter-humano, com a aplicação do valor19.

Para Hessen, “o valor é sempre valor para alguém. A referência a um sujeito é da essência

do valor. De certo, há ideias abstratas de valores, essências de valor, essências valiosas. Estas

não são, porém, entes in se (isso seria ontologismo axiológico), mas algo de referencial à

realidade Espírito (geistbezogen). Não existem em si mas para um centro espiritual de atos. E

o mesmo se diga do valor-qualidade ou das qualidades valiosas dos objetos. O ser como ser, o

puro ser fático, é indiferente aos valores. O caráter valioso só surge nele quando ele entra em

relação com uma consciência valoradora. O objetivismo radical, que considera os valores como

16 GUERRA FILHO, WILLIS SANTIAGO. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 5ª. ed., São Paulo: RCS, 2007, p. 22. 17 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário (Linguagem e Método). São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 23. 18 Mas, como bem lembra Ricardo Sayeg, “Texto é linguagem. E esta é viva, dinâmica, uma expressão da cultura humana na representação mental da existência do universo. A linguagem textual é apenas a estrutura física da norma jurídica; em razão disso, a norma jurídica segue a natureza não só do texto, mas também da linguagem. Não é um objeto inanimado, e sim, por especificidade, a representação viva do dever ser do homem e de todos os homens, em permanente transformação” in SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista – Filosofia Humanista de Direito Econômico. São Paulo: Petrópolis KBR, 2011, p. 35. 19 De acordo com Newton Sucupira, o valor é sempre uma relação ligada a um sujeito; não é atividade puramente teorética, mas uma faculdade prática que nos conduz à apreensão do valor in CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário (Linguagem e Método). São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 174.

17

qualidades reais das coisas, e o psicologismo, que os considera atitude caprichosa e efêmera

dos indivíduos, desconhecem ambos isto. Se o primeiro coisifica, o segundo “euifica”

(verichlichi) os valores. Mas ambos desconhecem que tanto objetividade como eu, tanto objeto

como sujeito, tanto mundo como alma, constituem afinal, no seu conjunto indecomponível, o

característico ser dos valores.”20.

Pois bem, nas palavras de Ricardo Sayeg: “Em face disso, o sucesso na aplicação da

norma jurídica não é apriorístico, pois depende reciprocamente do atributo cultural –

correspondente à capacidade de codificação e decodificação – na expedição e recepção dos

códigos linguísticos que a compõem, no deciframento intra e inter-humano da representação

viva e dinâmica do dever ser. Por emanar de dentro do homem para o universo, a norma

jurídica, em ultima ratio, está a serviço – por parte do homem e de todos os homens – da

consciência da própria existência, compreendendo nossa essência humana que,

antropologicamente, faz com que nos percebamos como imagem e semelhança de Deus, isto é,

portadores da centelha divina. Ou, como se queira, de dignidade. Portanto, a linguagem

jurídica não pode se desviar da dignidade humana e universal”21.

Sayeg e Balera mencionam que são três as dimensões da linguagem na norma jurídica:

(i) a dimensão discursiva, que reside no texto; (ii) a real-cultural, no metatexto; e (iii) a

humanista antropofilíaca, no intratexto22.

O humanismo defendido pela doutrina do capitalismo humanístico, dito normativo, no

âmbito de uma filosofia oriunda dos estudos conjugados dos direitos humanos com o direito

econômico, irá propor a adoção do primado da fraternidade23, em que o Capitalismo, justamente

por estar pautado na propriedade e na liberdade, que são direitos humanos e, na perspectiva

deles, indissociáveis e interdependentes com os demais direitos humanos, deve ser

20 HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. Coimbra: Almedina, 2001, p. 54/55. 21 SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista – Filosofia Humanista de Direito Econômico. São Paulo: Petrópolis KBR, 2011, p. 35/36. 22 SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista – Filosofia Humanista de Direito Econômico. São Paulo: Petrópolis KBR, 2011, p. 37. 23 O novo humanismo que é o jushumanismo normativo não poderá, portanto, incorrer em equívocos típicos dos puros humanismos, ao elegerem o homem e suas capacidades como a medida com a qual se avaliaria tudo o que nos diz respeito, tanto no campo do conhecimento, da teoria, em que imperariam as ciências, como naquele da ação, da prática, em que uma moral universalista e laica haveria de pautar nossa conduta, com pouca consideração para com situações particulares, singulares, e também para com as crenças que nos constituem, mesmo que sejam crenças ateístas. Como menciona Maritain, “a infelicidade do humanismo clássico foi a de ter sido antropocêntrico e não de ter sido humanismo” in MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. São Paulo: Nacional, 1941, p. 24.

18

convergentes com a igualdade, ajustado pela fraternidade, já que é premissa de nossa República

Federativa uma sociedade capitalista fraterna24.

O direito, então, propomos que o entendamos como uma argamassa que cimenta nossas

relações uns com os outros, através da linguagem, em que ele se expressa e ajuda a fixar, sendo

que nessa composição também se faz necessário o fluido da fraternidade.

De fato, desde o “Preâmbulo” de nossa Constituição da República, desdobrando-se por

todo o seu texto, inclusive em capítulos como o da ordem econômica, sendo aquele da

fraternidade e do amor universal o que se preconiza como aquele que dará a indicação melhor

para se escolher entre diversas opções, lançando mão igualmente de princípios instrumentais

como os da proporcionalidade e razoabilidade25.

Ao aliar o positivismo, o realismo jurídico e o humanismo antropofilíaco, o

jushumanismo normativo busca estabelecer, conforme Willis Santiago Guerra Filho, “um

diálogo em posições teóricas opostas, para chegar ao acordo possível entre elas, o que decorre

de sua determinação fundamental em conciliar teoria e prática”26.

Feitas as considerações sobre a linha de pesquisa, esta tese é apresentada em 4 partes,

sendo que a primeira é justamente esta dedicada às considerações sobre a relevância do tema

para a atualidade e a linha de pesquisa.

Na segunda parte apresenta-se o primeiro capítulo, em que é feita uma análise da ordem

econômica, levando-se em consideração os princípios orientadores para o desenvolvimento das

atividades econômicas pelas empresas no mercado. É fato que as empresas, na medida em que

são detentoras da propriedade dos meios de fornecimento de bens e serviços, têm importância

social. Isto porque, no desempenho de suas atividades sociais, as empresas são capazes de

proporcionar a subsistência de pessoas com a geração de empregos, produzem bens e serviços

que serão utilizados pelos consumidores e arrecada impostos. E é isso que a nossa Constituição

Federal preconiza em seu artigo 170, ao tratar como princípio informador a função social da

24 Conclusão ao se conjugar o preâmbulo e o artigo 1o com o caput do artigo 170 de nossa Constituição Federal. 25 GUERRA FILHO, WILLIS SANTIAGO. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 5ª. ed., São Paulo: RCS, 2007, p. 77 ss. 26 GUERRA FILHO, WILLIS SANTIAGO. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 5ª. ed., São Paulo: RCS, 2007, p. 143/144.

19

propriedade. Portanto, a crise da empresa é um problema social e o Direito não poderia ficar

alheio a esse fenômeno social, motivo pelo qual, por meio da Lei n. 11.101/2005 (LRE27) busca-

se dar o tratamento legal ao problema da crise da empresa, com o objetivo de recuperá-la.

Assim, na sequência serão apresentadas e analisadas a natureza jurídica da Recuperação

Judicial e as premissas adotadas pelo legislador à época, bem como os objetivos da LRE.

No entanto, as premissas da LRE não serão implementadas sem a existência dos órgãos

de administração da Recuperação Judicial e a colaboração entre eles. O desalinhamento dos

objetivos de um órgão em relação ao outro levará ao fracasso do procedimento de recuperação

da empresa em crise. Por isso, verificar-se-á a finalidade dos órgãos da Recuperação Judicial

(Juiz; Assembleia de credores; Administrador judicial; Comitê de credores - em razão dos

objetivos que se pretende atingir com esta tese, o foco será nestes quatro órgãos), identificando-

se eventuais conflitos que possam surgir do emaranhado de relações que são estabelecidos entre

eles.

Ao lado dos órgãos de administração da Recuperação Judicial, os stakeholders têm suma

importância para o sucesso da solução da crise com a reestruturação da empresa. A crise da

empresa gera reflexos sociais e econômicos. Mas, além disso, conduz a uma mudança no

comportamento dos credores e demais stakeholders. Quando uma empresa – “atividade

econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (artigo 966

do Código Civil) – entra em crise, o comportamento dos agentes econômicos muda

drasticamente. A cooperação dá lugar para uma disputa por qualquer montante que se possa

recuperar. Tal se dá, basicamente, pela teoria econômica dos incentivos. Dessa forma,

identificaremos cada um dos stakeholders, analisando-se os interesses de cada um deles e

eventuais conflitos que possam surgir.

Na sequência, trataremos do instituto de governança corporativa no Brasil. Desde a última

década, as empresas se veem obrigadas a adotar medidas, denominadas de boas práticas, para

se manterem competitivas no mercado nacional e internacional. No entanto, surge a questão

quanto a manter a aplicação dos princípios de governança corporativa às empresas em

recuperação, sendo então necessário analisar se o modelo proposto é aplicável ou não àquela

situação. Assim, serão trazidos os conceitos de governança corporativa e de governança, para

27 Considerando que a presente tese trata da recuperação judicial da empresa, adota-se a abreviatura LRE para designar a Lei n. 11.101/2005 como a Lei de Recuperação da Empresa.

20

se determinar qual o mais apropriado a designar o conjunto de princípios que devem ser

aplicados ao procedimento de Recuperação Judicial.

Na terceira parte, será apresentado o segundo capítulo, dedicado à análise dos conflitos

que surgem entre os stakeholders.

Durante o período de bonança, os agentes econômicos – de um modo geral – tendem a se

comportar de forma colaborativa, com visão de longo prazo. Todavia, na crise, o incentivo é no

sentido de aplicar o ótimo de Pareto, no intuito de sair com algo – por pior que seja – da

derrocada. Como resolver essa questão?

A corrida desenfreada para retirar qualquer coisa de uma empresa em crise pode, ao

mesmo tempo, reduzir as chances de retorno para todos os credores e demais stakeholders.

Assim, ao invés de aplicar o ótimo de Pareto, pura e simplesmente, a forma mais racional de

enfrentar a questão seria a adoção do critério Kaldor-Hicks, permitindo que uma das partes saia

perdendo, na busca de uma possibilidade de compensação posterior.

Para solucionar questões complexas, envolvendo o pensamento estratégico, diversas

ciências vêm adotando a teoria dos jogos. De todos os jogos, o mais conhecido é o Dilema do

Prisioneiro. Hipótese que, e.g., pode ser aplicada aos credores de uma empresa em crise. Todos

pretendem maximizar o seu resultado, mas não conseguem coordenar suas escolhas com os

demais stakeholders. Tal fato decorre dos incentivos para tirar algo da empresa antes que não

sobre mais nada, bem como da falta de confiança dos credores no procedimento e no

comportamento dos demais envolvidos. Em outras palavras, o agir dos credores é conduzido

pela primeira lei da economia: a escassez.

Diante da possibilidade da quebra, os agentes econômicos buscam algo para não ficarem

sem nada. Todavia, esse comportamento acaba fazendo com que as empresas quebrem e os

credores, na melhor das hipóteses, recuperem um valor irrisório. Diante desse quadro, a

proposta é avaliar o comportamento dos credores e demais stakeholders com base na teoria dos

jogos, com o intuito de buscar uma alternativa que possa estimular a colaboração, de modo a

tentar alcançar o Equilíbrio de Nash, e, por via de consequência, aumentar as chances de salvar

a empresa em crise.

21

Nesta linha, a ideia fundamental dessa tese é propor a mediação e conciliação como

instrumento de governança na Recuperação Judicial, resultando numa solução que não seja

dominada pelo modelo adversarial, incentivando, ao revés, uma postura colaborativa. Para

tanto, em sintonia com a linha de pesquisa desta tese, propõe-se ao final um projeto de emenda

à LRE.

Por fim, a quarta e última parte será dedicada à conclusão.

22

CAPÍTULO 1 - RECUPERAÇÃO JUDICIAL

1.1. O problema social da crise empresarial

A Constituição Federal ao declarar em seu artigo 170 “caput”28 que a ordem econômica

é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, em primeiro lugar, quer

dizer que se consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista e, em segundo lugar,

embora o sistema econômico adotado seja o capitalista, os valores do trabalho humano devem

orientar a gestão do Estado na economia. Objetiva-se com isso fazer valer os valores sociais do

trabalho, que, ao lado da livre iniciativa constitui um dos fundamentos não só da ordem

econômica, mas da própria República Federativa do Brasil29.

Ainda, o referido artigo 170, “caput”, da Constituição Federal determina que a ordem

econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social, observados os princípios30 trazidos nos incisos do referido artigo.

José Afonso da Silva aponta que assegurar a todos existência digna, conforme os ditames

da justiça social não é tarefa fácil em um sistema cuja base é capitalista31.

Arthur Kaufmann ao analisar a problemática da filosofia do direito ao longo da história

passa por questões relacionadas à justiça32. “Toda ordem tem este tipo de caráter relacional.

28 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:...”. 29 SILVA, José Afonso da, “Comentário Contextual à Constituição”. 4ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 709. 30 “Art. 170…. observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”. 31 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 789. 32 KAUFMANN, Arthur. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 206.

23

As relações pessoais entre os homens são aquilo que identifica o discurso jurídico enquanto

tal, pois, no fundo, o direito só se poderá sempre legitimar na medida em que assegura a cada

um aquilo que lhe pertence enquanto pessoa: o suum iustum (sobretudo através da garantia

dos direitos fundamentais e dos direitos humanos).”.

Ricardo Sayeg ao analisar a questão da concretização dos direitos humanos de forma

conjunta com o direito econômico, propõe a adoção do primado da fraternidade, pois antes de

sermos iguais, ou livres, só somos por termos sido criados pelo amor da philia, que une-nos

como irmãos – donde a defesa de um humanismo antropofilíaco, que nem é teocêntrico, nem

antropocêntrico. Isto porque, “cabe ao direito a missão de humanizar a economia por meio da

concretização multidimensional dos direitos humanos, em prol de todos e de tudo, instituindo

o que batizamos de Capitalismo Humanista”33.

Diante dessas considerações, há que se concluir que em um regime de justiça social deve

ser garantido a cada um o direito de ter acesso a bens e serviços para viver dignamente. É nesse

sentido que a Constituição Federal ao conceber a ordem econômica, submete-a aos ditames da

justiça social com o fim de assegurar a todos existência digna34.

Nesse contexto, podemos afirmar, então, que a empresa possui importância social, na

medida em que proporciona a subsistência de pessoas com a geração de empregos, produz bens

e serviços que serão utilizados, diretamente ou indiretamente, pelos consumidores, e arrecada

impostos.

33 SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista – Filosofia Humanista de Direito Econômico. São Paulo: Petrópolis KBR, 2011, p. 137. 34 “Dignidade humana e planetária é a meta direta, explícita e concreta do capitalismo humanista, compreendendo a vida plena no ideal da fraternidade, inserido numa economia humanista de mercado sob o predomínio de relativo individualismo, condicionando a que todos tenham simultaneamente satisfeitos os respectivos direitos humanos em todas as suas dimensões, consoante a condição humana biocultural com suas liberdades individuais e acesso assegurado a níveis dignos de subsistência em um planeta digno.” in SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista – Filosofia Humanista de Direito Econômico. São Paulo: Petrópolis KBR, 2011, p. 183. Veja-se que de tal assertiva se denota uma tríade de direitos humanos que consubstancia: (i) um direito natural privado, que corresponde aos direitos individuais e à necessidade, quando for o caso, de harmonização solidária, abrangendo a primeira dimensão dos direitos humanos; (ii) um direito natural público, que corresponde às referidas liberdades positivas, isto é, aos direitos humanos de segunda dimensão; e (iii) um direito natural universal, que corresponde ao direito de proteção, preservação e evolução do gênero humano no planeta e do próprio planeta, ou seja, os direitos humanos de terceira dimensão.

24

De acordo com Fábio Konder Comparato35, a empresa fixava comportamento de outras

instituições e mesmo de grupos sociais que vivem fora do seu alcance, como escolas,

universidades, hospitais, associações artísticas e clubes desportivos. No contexto do artigo 160

da Constituição Federal de 1967, Comparato já mencionava que a utilização da propriedade

voltada ao atendimento de sua função social não teria propriamente meio para atingir o objetivo

superior de assegurar a existência digna, mas uma forma parcial pela qual se concretiza esse

objetivo. Tal norma se caracterizaria como uma norma de conduta, cujo destinatário não é

apenas o Estado, mas também e especialmente as sociedades empresárias que controlam as

empresas, na condição de principais agentes econômicos36.

Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira já defendiam que a falência de uma

grande empresa repercute não apenas sobre os sócios da sociedade empresária e credores, mas

também sobre os empregados e suas famílias, a comunidade em que vivem, os investidores,

fornecedores e a própria economia do País, destacando a tendência de exclusão dessas empresas

da falência37.

Mas, é em um dos sistemas econômicos mais liberais do mundo que surge o termo “too

big to fail”, se não nos Estados Unidos da América. O referido termo se tornou popular pelo

membro do Congresso Norte-Americano, Stewart McKinney, em 1984, em uma audiência em

que se discutia a intervenção na empresa Continental Illinois com o auxílio de fundos do

Federal Deposit Insurance Corporation. Por esta teoria, algumas empresas e instituições

financeiras eram muito grandes e interconectadas que sua falência poderia ser desastrosa para

grande parte do sistema econômico, necessitando da intervenção do governo38. E foi assim que,

mais uma vez, em 2007, quando a crise do crédito hipotecário provocou uma crise de confiança

no sistema financeiro, com ausência de liquidez bancária, o Banco Central Norte-Americano

injetou recursos financeiros no Mercado interbancário para evitar a quebra de bancos, em

cadeia, com o alastramento da crise em escala mundial39.

35 COMPARATO, Fábio Konder. “A reforma da empresa” in Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 6. 36 COMPARATO, Fábio Konder. “A reforma da empresa” in Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 7. 37 LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração e modificações. 3ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 1997, p. 189. 38 Consulta feita em 16 de setembro de 2016 no site: http://www.nytimes.com/2009/06/21/weekinreview/21dash.html?partner=rss&emc=rss&_r=0. 39 Consulta feita em 16 de setembro de 2016 no site: http://oglobo.globo.com/economia/entenda-crise-hipotecaria-americana-3832742.

25

No entanto, sob a ótica da teoria da empresa e da função social da empresa, essa tese

implica, em certa medida, em considerar que determinadas atividades empresariais estariam

livres de risco, pois são empresas “too big to fail”. Isto porque, elas teriam uma rede de proteção

com dinheiro público. Sendo assim, teriam incentivo para agir de forma irresponsável,

aumentando a possibilidade da ocorrência do risco moral. A preocupação com a crise da

empresa não pode se limitar unicamente a “empresas grandes”. A recuperação da empresa não

visa o estímulo da administração irresponsável, mas sim de solucionar a crise empresarial,

reestruturando as empresas que passam por dificuldades, desde que viáveis, em razão dos

benefícios que elas trazem para a coletividade, independentemente de seu tamanho.

O conceito de crise está relacionado a mudanças organizacionais e sociais, bem como a

processos decisórios. Na literatura administrativa, uma definição funcional de crise leva em

conta 3 (três) dimensões, na medida em que a crise organizacional (a) ameaça valores

primordiais da entidade, (b) apresenta um curto período de tempo para resposta e (c) é

inesperada ou imprevista40. No entanto, a prática nos mostra que muitas crises empresariais são

previamente anunciadas, mas a resposta que se dá a elas é, por vezes, tardia, acarretando seu

agravamento.

A lei de falência italiana (Régio Decreto n. 267/1942), em seu artigo 160, dispõe que por

“estado de crise” deve se entender também, mas não apenas, o estado de insolvência, que ocorre

com o inadimplemento ou outro fator exterior que demonstre que a devedora não mais é capaz

de cumprir suas obrigações. De acordo com Andrea Carli41, em algumas situações o estado de

crise é equiparado à insolvência empresarial, podendo, também, englobar situações de mero

desequilíbrio econômico-financeiro.

Fábio Ulhoa Coelho classifica a crise empresarial como econômica, financeira e

patrimonial.

40 HERMANN, Charles F. “Some Consequences of Criss Which Limit the Viability of Organizations” in Administrative Science Quarterly, n. 8, 1963, p. 63-64. 41 CARLI, Andrea. Accordi di ristrutturazione dei debiti ed impresa in crisi. Contratto e impresa, Milano, ano XXV, n. 2, mar./apr. 2009, p. 415-416.

26

A crise econômica adviria da retração considerável nos negócios desenvolvidos pela

sociedade empresária, podendo ser generalizada, em decorrência da economia geral, ou

segmentada de um mercado específico ou, ainda, específica da empresa42. Baird43 qualifica a

crise econômica como sendo resultante da ineficiente alocação dos ativos da empresa,

considerando que os concorrentes são capazes de produzir um produto melhor a custo menor.

Nesse sentido, os ativos da empresa em crise não conseguem gerar riquezas, que sejam

suficientes em relação aos seus custos operacionais e a eventual uso alternativo que poderiam

ter. Isto quer dizer, que a situação independe da estrutura de capital da empresa ou credores,

porque mesmo que desaparecessem, o problema persistiria.

A crise financeira, por sua vez, revela-se na ausência de caixa da sociedade empresária

para honrar com seus compromissos, denotando uma crise de liquidez. Normalmente, essa crise

se externaliza com a impontualidade44. Por outro lado, Kenneth Ayotte e David A. Skeel Jr.45

salientam que uma empresa em crise financeira pode apresentar oportunidades de investimento

para eventuais investidores, se forem empreendidas ou continuadas.

Por fim, a crise patrimonial se caracterizaria pela insolvência, ou seja, a insuficiência de

bens no ativo para satisfazer o passivo da sociedade empresária.

No entanto, estas definições são meros indicativos e relativos para a análise de mercado

em algumas situações.

Ulhoa esclarece que no fim do século XX, “com o início da difusão do comércio

eletrônico via internet, muitas empresas que realizavam ainda incipientes negócios pela rede

mundial de computadores, registravam prejuízos consideráveis e ostentavam patrimônio

líquido acentuadamente negativo foram, apesar desses indicativos clássicos de crise,

negociadas por milhões de dólares. Se confirmadas, no futuro, as estimativas de lucratividade

do comércio eletrônico que embasaram a avaliação dessas empresas, o preço terá sido

vantajoso para quem o pagou. Em geral, cabe dizer que determinada sociedade empresária

42 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 64. 43 BAIRD, Douglas G. Bankruptcy’s Uncontested Axioms. 108 Yale L. J., 1998-1999, p. 580-581. 44 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 65. 45 AYOTTE, Kenneth; SKEEL, Jr., David A. Bankruptcy or Bailouts? 35 J. Corp. L., 2009-2010, p. 473-474.

27

está em crise após a manifestação das três formas. A queda da venda acarreta falta de liquidez

e, em seguida, insolvência: este o quadro crítico que preocupa os agentes econômicos

(credores, trabalhadores, investidores etc.).”46.

A crise da empresa é, acima de tudo, um problema social. Uma vez instalada, o

empreendimento pode ir à bancarrota, produtos ou serviços terão seu fornecimento

interrompidos, marcas serão estigmatizadas, tributos deixarão de ser arrecadados, empregos

serão extintos, credores não serão pagos. Como se pode depreender, os eventos descritos não

só atingirão os sócios ou acionistas da sociedade empresária, mas seus empregados, clientes,

fornecedores, consumidores, o Estado, ou seja, toda a coletividade que é dependente ou se

beneficia das atividades econômicas até então empreendidas pela empresa. Em alguns casos,

mormente em decorrência da própria intervenção do Estado na economia, pode-se dizer que a

crise da empresa é uma “externalidade negativa”.

O Direito não poderia ficar alheio a esse fenômeno social.

A questão da recuperação da empresa em crise tem recebido respostas diferentes dos

direitos que dela se ocuparam. Na Comunidade Europeia, por enquanto, ainda não há proposta

de harmonização da disciplina jurídica sobre a matéria. No entanto, existem regras de

competência jurisdicional para os procedimentos falimentares, que entraram em vigor em 2002.

Em meados dos anos 1980, a França procurou criar mecanismos de prevenção da crise.

A lei estabelece procedimentos de alertas, dando a faculdade ou, por vezes, determinando a

certas pessoas – i.e. contadores, comitê dos empregados, sócio minoritário, presidente do

Tribunal do Comércio – que, antevendo dificuldades para uma empresa, adotem providências

tendentes a evitar a ocorrência ou agravamento da crise. Em razão desses alertas, pode-se abrir

um processo judicial de recuperação (redressement), em que a empresa ficará sob observação

durante certo período em que é levantado o balanço econômico e social, documento que

norteará a elaboração do plano de reorganização. O sistema tem sido constantemente revisado47.

46 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 65-66. 47 JACQUEMONT, André. Droit des enterprises em dificulté. Paris: Litec, 2003, p. 1-126; MARTIN, Jean-François; LIENHARD, Alain. Redressement et liquidation judiciares. Paris: Delmas, 2003, p. 9-13.

28

Na Itália, a administração extraordinária é o instituto ligado à recuperação da empresa em

crise. Naquele, a gestão e a reorganização da atividade econômica são orientadas e fiscalizadas

por um comissário nomeado pelo juiz. No entanto, trata-se de regime estreito que não tem

evitado muitas falências, conforme Angelo Bonsignori48.

Na Alemanha, a lei admite que o insolvente ou o administrador judicial apresente um

plano para a solução das obrigações, no processo de insolvência instaurado, que pode

compreender ou pressupor a reorganização da empresa. É permitido, ainda, pela lei, que o

negócio pode ser continuado pelo insolvente até que os credores apreciem o plano. As medidas

de reorganização alemã não tem natureza preventiva, pois o pressuposto é a quebra da

empresa49.

Nos Estados Unidos, o Capítulo 11 do Bankruptcy Code preocupa-se com a criação de

um cenário propício às negociações entre os interessados. O plano de reorganização, geralmente

fruto de acordo entre os envolvidos, apresenta soluções como a conversão total ou parcial de

crédito em capital da devedora, que tornam os credores sócios, por exemplo. O Poder Judiciário

costuma intervir apenas para garantir o tratamento justo e equitativo entre as diversas classes

dos credores50.

No Brasil, o artigo 170 da Constituição Federal51 fornece a base para a tutela da crise

empresarial, na medida em que consagra como um dos princípios da ordem econômica a função

social da propriedade, remetendo, nesse contexto, à propriedade dos bens de produção,

instrumento para o exercício da atividade empresarial.

A função social, quando analisada sob o prisma da utilização dos meios de produção,

constitui um poder-dever de organizar, explorar e dispor, conforme os ditames da justiça

econômica e social, objetivos esses realizados mediante atuação harmônica dos interesses

eventualmente conflitantes.

48 BONSIGNORI, Angelo. Il falimento. Padova: Cedam, 1986, p. 35-39. 49 BERGER, Dora. A insolvência no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 151-162. 50 BAIRD, Douglas G. Elements of bankruptcy. 3a. Edição. New York: Foundation Presse, 2001, p. 62-78. 51 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: ... III - função social da propriedade; ...

29

De acordo com Newton de Lucca, conceber uma função social “implica assumir a

plenitude da chamada responsabilidade social, vale dizer, a consciência de que todos nós

temos, em maior ou menor grau – como cidadãos, em geral, ou como empresários, em

particular – o indeclinável dever ético de pôr em prática as políticas sociais tendentes a

melhorar as condições e a qualidade de vida de todos os nossos semelhantes.”52.

O termo “função” para Fábio Konder Comparato significa o poder de dar ao objeto da

propriedade uma destinação determinada, vinculando-o a certo objetivo, que é o interesse

coletivo53. Nesse sentido, trata-se de um poder-dever, cujo exercício pode ocorrer

harmonicamente com o interesse individual do proprietário. Portanto, não seria a função social

da empresa limitadora dos poderes do empresário, mas sim promotora dos interesses

juridicamente relevantes, conforme os valores constitucionalmente previstos, pelo que a

propriedade empresária é utilizada em função de sua destinação econômica e social.

Ao lado disso, a função social da empresa também está fundada no conceito de eficiência

econômica, devendo ela gerar lucros para preservar-se no mercado econômico, manter

empregos e satisfazer seus credores, garantindo o bom funcionamento da economia. A

eficiência econômica é conceito complementar ao princípio da preservação da empresa, na

medida em que do interesse social na utilização dos meios de produção deriva o princípio da

preservação da empresa.

Podemos dizer que preservar uma empresa em crise compreende objetivos que estão além

da maximização do retorno aos seus credores, pois existem diversos interesses que gravitam ao

redor da empresa, pois a empresa serve: (i) aos interesses do empresário e ao mesmo tempo de

seus sócios como fonte de lucro; (ii) aos credores como garantia de venda de seus produtos e,

por consequência, também ao lucro; e (iii) à sociedade, pois gera empregos e recolhimento de

tributos, produz e distribui bens e serviços, exercendo assim sua função social, que proporciona

em sentido lato a própria tutela da dignidade da pessoa humana54.

52 LUCCA, Newton de. Da Ética Geral à Ética Empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 66. 53 COMPARATO, Fábio Konder. “Função social da propriedade dos bens de produção” in Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 32. 54 SALOMÃO FILHO, Calixto. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falências: Lei 11.101/2015 – Artigo por artigo. 2a edição. São Paulo: RT, 2007, p. 50.

30

Portanto, a empresa deve ser preservada sempre que se mostrar economicamente viável,

de acordo com elementos contidos no plano de recuperação apresentado e outros apresentados

durante a Recuperação Judicial. Isto porque, o princípio da função social da empresa não é o

único fundamento para a recuperação, mas sim elemento norteador do sistema, já que é

imprescindível que a empresa possa gerar riquezas e sobreviver. Do contrário, observaríamos

a violação do próprio princípio da função social da propriedade empresária, uma vez que a

tentativa de manter a empresa em crise a qualquer preço geraria custos sociais maiores55. De

fato, se assim o fosse, criar-se-ia um poderoso instrumento que beneficiaria apenas devedores

oportunistas56.

Cumpre mencionar que o princípio da preservação da empresa aplica-se de maneira

especial aos pequenos negócios, não só pela representatividade em termos absolutos dessas

empresas no Brasil e pela quantidade de empregos que geram57, mas também por questões de

conveniência e de ordem concorrencial.

Então, é imperativo a distinção das empresas viáveis daquelas inviáveis, cuja solução

mais adequada seria a liquidação dos ativos, com a maior celeridade possível, para que se possa

alcançar o máximo retorno aos credores.

55 PERIN JUNIOR, Ecio. A dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (lei 11.101/2005). Uma abordagem zetética in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 142, abr/jun. São Paulo: 2006, p. 174. 56 Fábio Ulhoa Coelho ao fazer breve considerações a respeito da solução de mercado e a recuperação da empresa, menciona que: “Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos – materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem.” in Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p.165. 57 Em 2015 foram criadas 1.963.952 novas empresas no Brasil, de acordo com o Indicador Serasa Experian de Nascimento de Empresas, 1.491.485 (75,9% do total) foram de Microempreendedores Individuais (MEIs), 167.767 (8,5% do total) foram de Empresas Individuais, 198.263 (10,1% do total) foram de Sociedades Limitadas e 106.767 (5,4% do total) foram de empresas de outras naturezas jurídicas. As MEIs vêm registrando aumento crescente desde o início da série histórica Indicador – em cinco anos, passaram de pouco menos da metade de novos empreendimentos (49,0% em 2010) para mais de dois terços deste total (75,9% em 2015). Acesso em 08/11/2016 ao site: http://noticias.serasaexperian.com.br/com-crise-e-desemprego-abertura-de-empresas-cresce-53-em-2015-revela-serasa-experian/.

31

Conforme Aloísio e Bruno Funchal58, a distinção das empresas economicamente

eficientes das ineficientes é difícil, já que depende de variáveis que não são observadas de

imediato. Segundo eles, as empresas economicamente eficientes são aquelas em que os ativos

terão maior retorno com a manutenção das atividades, por outro lado, as empresas

economicamente ineficientes são aquelas, cujo valor dos ativos é maior em uma atividade

diferente daquela em que são empregados. Portanto, somente as empresas economicamente

eficientes são viáveis, devendo ser preservadas.

Por sua vez, Skeel59 relaciona a questão da viabilidade com a crise financeira, sendo a

empresa, então, merecedora de uma reestruturação pela venda de ativos ou pela renegociação

de débitos. No entanto, se a empresa se encontrar em crise econômica, ela não é viável.

Compartilhando da mesma opinião, Alan Shwartz60 esclarece que o bem-estar social seria

maximizado quando empresas em crise econômica fossem liquidadas e as em crise financeira

mantivessem suas atividades. Isto porque, o mercado se encarregaria de decidir pela

continuidade ou não da empresa, por meio de sua liquidação fragmentada ou unitária,

repartindo-se o produto entre os credores, observando sua ordem de preferência.

Manoel Justino Bezerra Filho61 faz uma distinção entre crise econômica passageira e crise

econômica insolúvel, esclarecendo que, em ambos os casos, são acompanhadas pela crise

financeira. A empresa, então, somente é viável na primeira situação, pois na segunda a empresa

não teria capacidade de manter um “giro empresarial lucrativo”.

Durante os debates acerca da reforma da lei falimentar no Reino Unido, firmou-se

entendimento que é inútil preservar uma empresa que não tem nada e não produz nada, pois,

inclusive, sua preservação prejudicaria outras empresas que são obrigadas a competir com

empresas em reestruturação e com dívidas reduzidas, mas que são, na verdade, ineficientes62.

58 ARAÚJO, Aloísio e FUNCHAL, Bruno. A nova Lei de Falências brasileira e seu papel no desenvolvimento do mercado de crédito. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 36, n. 2, p. 234, ago. 2006. Rio de Janeiro. 59 SKEEL JR., David A. The past, present and future of debtor-in-possession financing. 25 Cardoso Law Review, p. 1924 (nota de rodapé), 2004. 60 SCHWARTZ, Alan. A normative theory of business bankruptcy. 91 Va. L. Rev., p. 1200-1201, Sept. 2005. 61 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência – Lei 11.101/05, comentada artigo por artigo. 7a edição. São Paulo: RT, 2011, p. 186-187. 62 MCCORMARCK, Gerard. Corporate Rescue Law in Singapore and the Appropriateness of Chapter 11 of the US Bankruptcy Code as a Model. 20 SAcLJ, p. 405-406/397-398, 2008.

32

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP)63 tem se manifestado no sentido de

afastar do mercado as empresas consideradas inviáveis, em razão de problemas da própria

atividade que exercem ou por ineficiência de sua administração. Essas manifestações estão em

consonância com o Parecer n. 534/2004 do Senador Ramez Tebet64, que adotou como um dos

princípios, na análise do projeto de lei falimentar do Brasil, a retirada do mercado de sociedades

ou empresários não recuperáveis.

Não obstante, de fato, questão reside em estabelecer critérios objetivos para se aferir a

viabilidade de uma empresa em crise. De acordo com Deborah Kirschbaum65, tal problema

pode ser atribuído a dois fatores: (i) dificuldade em estabelecer uma única metodologia de

avaliação, e (ii) choque entre o objetivo de recuperar a empresa viável e a função distributiva

que o Direito desempenha para proteger e incentivar o crédito e as relações de trabalho, o que

denota que há diversos interesses envolvidos, para os quais têm-se distintos tratamentos dados

na LRE - níveis hierárquicos de preferência no pagamento em caso de falência -, o que

inevitavelmente gera conflitos entre as classes de credores.

No que se refere à “viabilidade”, Mark J. Roe66 explica que, no contexto de recuperação

de empresa, pode-se ter pelo menos dois significados: (i) o plano é viável, uma vez que os

credores receberão o que lhes foi prometido, mesmo na hipótese em que a empresa não tenha

perspectiva em continuar com suas atividades e em funcionamento; ou (ii) a empresa é viável,

tanto quanto é possível, caso o plano surta efeitos. Estas hipóteses não são necessariamente

excludentes, podendo ocorrer de forma simultânea. No entanto, isto não quer dizer que alguns

planos viáveis tornem a empresa viável.

63 TJSP. AI 600.726-4/2-00. Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais (CEFRJ). Relator: Des. Pereira Calças. J. 5 de maio de 2009. DJ 25 de maio de 2009; TJSP. AI 512.560-4/8-00. CEFRJ. Relator: Des. Pereira Calças. J. 19 de dezembro de 2007. DJ 21 de dezembro de 2007. Ementa: “(…) O princípio da preservação da empresa deve ser aplicado em harmonia com o postulado que determina a retirada do mercado das empresas que se mostrarem economicamente inviáveis de recuperação. Inteligência do artigo 47 da Lei n. 11.101/2005. Agravo desprovido, para manter a convolação da concordata preventiva em falência, remetidos os autos à Vara Especializada da Capital paulista.”. 64 Acesso em 16/11/2016: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=580933. 65 KIRSCHBAUM, Deborah. A Recuperação Judicial no Brasil: Governança, Financiamento Extraconcursal e Votação do Plano. 2009. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 20-21. 66 ROE, Mark J.. Bankruptcy and debt: a new model for corporate reorganization. 83 Colum. L. Rev., Apr. 1983, p. 534-535.

33

Lucien Arye Bebchuk67, analisando a lei concursal norte-americana, destaca a dificuldade

em se estimar o valor da empresa recuperada, uma vez que na recuperação ocorreria uma venda

fictícia dos ativos para verificar o resultado mais eficiente: recuperação ou liquidação.

Em tese, poder-se-ia dizer que a LRE ao criar um processo de barganha entre devedores

e credores, por meio da deliberação do plano de recuperação pela assembleia geral de credores,

trouxe solução para o problema da avaliação da empresa. Como a lei norte-americana, a LRE

determina como será a divisão de classes, o procedimento de votação e o quórum exigido para

aprovação. No entanto, há críticas da doutrina estrangeira para os procedimentos de barganha,

considerando que o valor da empresa em recuperação é dissipado durante o procedimento e o

resultado final pode, de fato, não maximizar o valor dos ativos68.

A LRE determina que o plano de recuperação judicial deve demonstrar a viabilidade

econômica da empresa (artigo 53, inciso II). De acordo com Rachel Sztajn69, o termo “viável”

indica algo duradouro e que pode ser executado, requerendo, portanto, uma demonstração

matemática de que a implementação das medidas propostas no plano resultará no reerguimento

da empresa.

Fábio Ulhoa Coelho70 entende que o exame da viabilidade deve ser feito em função de

determinados vetores: (i) a importância social, em que o exame da viabilidade não pode ignorar

nem as condições econômicas a partir das quais é possível programar-se o reerguimento do

negócio, nem a relevância que a empresa tem para a economia local, regional ou nacional; (ii)

a mão de obra e tecnologia empregadas, pois a recuperação da empresa tecnologicamente

atrasada depende de modernização, que implica no fim de postos de trabalho, mas que não

substituída não se coaduna com os interesses dos empregados, já que não é possível a empresa

se reorganizar; (iii) o volume do ativo e passivo, uma vez que sua análise dá início à definição

do tipo de crise – econômica, financeira ou patrimonial – para o seu devido tratamento; (iv) o

tempo de empresa, em que os novos negócios – com pouco mais de 2 anos – não devem ser

tratados da mesma forma que os mais antigos, porque o tempo de funcionamento pode influir

67 BEBCHUK, Lucian Arye. Chapter 11. Discussion Paper No. 227, 1997, p. 3. 68 BEBCHUK, Lucian Arye. Chapter 11. Discussion Paper No. 227, 1997, p. 4-6. 69 SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falências: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2a edição. São Paulo: RT, 2007, p. 266-267. 70 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 183-184.

34

no peso a ser concedido aos demais vetores; e (v) por fim, o porte econômico da empresa a se

recuperar, porque as medidas de reorganização recomendadas para uma grande rede de

supermercados certamente não podem ser exigidas de um lojista microempresário.

Stuart Slatter e David Lovett71 mencionam algumas características que poderiam indicar

a inviabilidade da empresa, mesmo no curto prazo, de forma que, economicamente, não valeria

a pena recuperá-la: (i) declínio na atividade principal devido à concorrência com empresas mais

eficientes; (ii) existência unicamente de ativos indivisíveis que não podem ser desmembrados

para gerar caixa; (iii) elevados custos fixos desproporcionais em relação ao produto da atividade

da empresa; (iv) súbito declínio da demanda de mercado; (v) perda da habilitação para operar,

com poucas chances de imediata renovação; e (vi) perda de confiança pelos clientes.

Assim, o maior empecilho sob o ponto de vista do financiador das empresas em crise

estaria na aferição da viabilidade da recuperação. Com base na LRE, o plano não é

imediatamente apresentado e o financiador deve basear-se apenas em eventuais indícios de

viabilidade, sendo um deles a lucratividade da empresa, mensurada quantitativamente pelos

resultados financeiros apresentados periodicamente nos primeiros estágios do processo72. A

viabilidade, por vezes, pode estar condicionada à obtenção de novos créditos.

Mas, de fato, a determinação de viabilidade da empresa pode ser obstaculizada pelo

conflito de interesses entre os diversos credores, materializado principalmente nas deliberações

acerca do plano de recuperação judicial73.

Nesse sentido, quando as estruturas do sistema econômico não funcionam, como ensina

Fábio Ulhoa Coelho74, a solução de mercado não ocorre, devendo, nesse caso, o Estado intervir,

por meio do Poder Judiciário, para zelar pelos vários interesses que gravitam em torno da

empresa – empregados, consumidores, Fisco, comunidade -, pois agride o senso de justiça ver

o fim de postos de trabalho, redução de abastecimento, falência de empresas e outras satélites,

71 SLATTER, Stuart; LOVETT, David. Como recuperar uma empresa: a gestão da recuperação do valor e da performance. Organizadores: Eduardo Lemos; Tomas Felsberg. São Paulo: Atlas, 2009, p. 112-113. 72 CARAPETO, Maria. Debtor-in-possession financing: Size does matter. PhD Program, London Business School, Nov. 1998, p. 5. 73 KIRSCHBAUM, Deborah. A Recuperação Judicial no Brasil: Governança, Financiamento Extraconcursal e Votação do Plano. 2009. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 29. 74 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 165-166.

35

em decorrência da crise de uma grande empresa, quando o mercado poderia ter solucionado,

mas a idiossincrasia de um homem impediu75.

1.2. Natureza jurídica da Recuperação Judicial e premissas da LRE

Diante do que foi exposto no item anterior, o instituto da Recuperação Judicial da

empresa, em substituição à concordata, passa a ter sentido no nosso sistema capitalista para

corrigir disfunções do sistema econômico e não para substituir a iniciativa privada.

Sob esse prisma, pode-se dizer que a Recuperação Judicial é um instituto de Direito

Econômico, pois suas normas têm a finalidade de criar condições e impor medidas que

propiciem às empresas em crise solucionar o seu problema por meio da Recuperação Judicial,

em consonância com as finalidades de nossa ordem econômica.

Nesse sentido, se manifesta Jorge Lobo76: “a recuperação judicial da empresa é um

instituto de Direito Econômico, pois não se pauta pela ideia de Justiça, mas de eficácia técnica

numa zona intermediária entre o Direito Privado e o Direito Público,...”. E prossegue77: “Filio-

me à doutrina, liderada, no País, por Orlando Gomes, que sustenta (a) estar o Direito

Econômico situado numa zona intermediária entre o Direito Público e o Direito Privado, (b)

possuir uma tríplice unidade: “de espírito, de objeto e de método”, e (c) não orientar-se a regra

de direito pela ideia de justiça (princípio da igualdade), mas pela ideia de eficácia técnica

devido à especial natureza da tutela jurídica que dela emerge, em que prevalecem os interesses

gerais e coletivos, públicos e sociais, que ela colima preservar e atender prioritamente, daí o

caráter publicístico de suas normas, que se materializam através de “fato do príncipe”,

“proibições legais” e “regras excepcionais””.

Para tanto, com o intuito de justificar seu posicionamento, traz à baila os seguintes

exemplos previstos na LRE: (a) suspensão das ações e execuções contra o devedor (art. 6o,

caput); (b) a fiscalização dos negócios sociais do devedor pelo administrador judicial (art. 22,

75 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 165-166. 76 LOBO, Jorge. Comentários in ABRÃO, Carlos Henrique e TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 6a edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 176. 77 Jorge Lobo faz referência Orlando Gomes para fundamentar seu posicionamento (“O ensino do direito econômico, in Direito econômico, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 4).

36

II, a), pelo comitê de credores (art. 27, I, a), pelo Ministério Público (art. 178 do NCPC) e pelo

juízo, que preside o processo; (c) a exclusão dos adiantamentos de contrato de câmbio – ACC,

da alienação fiduciária em garantia e do leasing dos efeitos da LRE (art. 49, §§ 3o e 4o); (d) o

pagamento prioritário dos créditos trabalhistas (art. 54); (e) a novação das obrigações e dívidas

do devedor, mesmo sem a anuência e até contra a vontade dos credores (art. 59); (f) a destituição

dos administradores da empresa (art. 64); (g) as restrições aos poderes dos administradores da

empresa (art. 66); (h) o privilégio dos créditos extraconcursais (art. 84).

Por outro lado, considerando a doutrina italiana pode-se determinar que a Recuperação

Judicial é um instituto de direito público, enquandrando-o na área de Direito Processual, na

medida em que a LRE garante à devedora, uma vez preenchidos os requisitos formais do art.

51 e os requisitos materiais do art. 48, ingressão com ação de Recuperação Judicial. Nesse

sentido, afirmam que a Recuperação Judicial se efetiva e se implementa através de uma ação

processual de natureza constitutiva, na linha do que é preconizada pela doutrina italiana sobre

a “administração controlada”78, a “administração extraordinária”79 e a “liquidação coacta

administrativa”80.

Não obstante, há que se mencionar que alguns doutrinadores brasileiros entendem que a

Recuperação Judicial é um contrato entre devedor e credor, razão pela qual cabe ao juiz

homologar e, se o contrato não se consumar, decretar a falência.

Nesse sentido, temos Sérgio Campinho81: “Por isso, em nossa visão, o instituto da

recuperação judicial deve ser visto com a natureza de um contrato judicial, com feição

novativa, realizável através de um plano de recuperação, obedecidas por parte do devedor,

determinadas condições de ordens objetiva e subjetiva para sua implementação.”.

78 “Secondo l’opinione prevalente, si trata di uma procedura giudiziale civile a carattere concursale, avente natura cautelare rispetto all’eventuale fall. successivo” cf. Alberto Maffei Alberti, Commentario breve ala legge fallimentare. Milano: CEDAM, 2000, p. 745. 79 “L’amministrazione straordinaria – si osserva – è procedura esecutiva concursale, sai pure specialissima, con una originale combinazione di atti giurisdizionali e amministrativi inseriti in un’unitaria struttura procedimentale (…). Sostanzialmente conforme Pajardi, 1005, che pone l’accento sulla natura comunque giurisdizionale del procedimento. Il QUATRARO, 11, pur riconoscendo l’indubbia funzione, esecutiva, ritiene invece che l’amministrazione straordinaria sia una procedura amministrativa” cf. Piero Pajardi, Codice del fallimento, 3 ed., Milano: Giuffrè, 1997, p. 1410-1411. 80 “La l.c.a. constituisce l’espressione del potere di controllo dello Stato sull’atività di determinate categorie di imprenditori. Ha natura amministrativa e non giurisdizionale (…). Di diverso aviso è altra parte della dottrina secondo cui alla l.c.a. deve essere riconosciuta natura mista amministrativa e giurisdizionale” cf. Alberto Maffei Alberti, Commentario breve ala legge fallimentare. Milano: CEDAM, 2000, p. 774. 81 CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa, 7a edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 12-13.

37

Ainda, menciona Lídia Valério Marzagão82: “…verifica-se que, a partir da vigência desta

nova Lei, estaremos resgatando um Sistema já adotado em nosso País no século passado, e

não haverá mais dúvida quanto à natureza contratualista da Recuperação Judicial que, a

princípio, obriga a participação efetiva de todos os credores representados em assembleia

geral de credores, que terão o poder de aprovar ou não o plano de recuperação apresentado

pelo devedor.”.

Pois bem, passemos a concluir sobre a questão.

De acordo com Carvalho de Mendonça83: “Na verdade, o instituto da falência não se

restringe aos domínios do direito commercial; penetra nos do direito público, do direito civil,

do direito internacional público e privado, do direito criminal, do direito judiciário, em cada

um dos quais vai buscar regras, preceitos e ensinamentos, tendo, muitas vezes, de modificá-

los, a fim de adaptá-los ao grande meio de execução coletiva que trata de organizar. Inspira-

se ainda, na ciência econômica, cujos fenômenos não lhe devem ser estranhos, na ciência

financeira e na estatística, onde verifica a prova do resultado do seu funcionamento.”.

Na década de 70, quando subsisitia o Decreto-Lei n. 7.661/45, Fábio Konder Comparato,

em sua obra Aspectos Jurídicos da Macro-Empresa, afirmava:

“O mínimo que se pode dizer nessa matéria é que o dualism no qual se encerrou

o nosso Direito Falimentar – proteger o interesse pessoal do devedor ou o

interesse dos credores – não é de molde a propiciar soluções harmoniosas no

plano geral da economia. O legislador parece desconhecer totalmente a

realidade da empresa, como centro de múltiplos interesses – do empresário, dos

empregados, dos sócios capitalistas, dos credores, do fisco, da região, do

mercado em geral – desvinculando-se da pessoa do empresário. De nossa parte,

consideramos que uma legislação moderna da falência deveria dar lugar à

necessidade econômica da permanência da empresa. A vida econômica tem

82 MARZAGÃO, Lídia Valério Marzagão in MACHADO, Rubens Approbato (coord.). Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 93. 83 MENDONÇA, Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Volume 7. Livraria Freitas Bastos S.A., 1947, p. 60.

38

imperativos e dependências que o Direito não pode, nem deve, desconhecer. A

continuidade e a permanência das empresas são um desses imperativos, por

motivos de interesse tanto social, quanto econômico.”84.

Nessa mesma linha, os professores Rubens Requião85, Nelson Abrão86 e outros

doutrinadores, clamavam pela mudança do direito falimentar.

Assim, outros caminhos deveriam ser percorridos para a modernização da lei falimentar

e recuperacional, passando por seus fundamentos econômicos-sociais e pela organização da

sociedade, retomando o seu próprio conceito.

É nesse sentido, que se forma a LRE, ao considerar que em nossa economia brasileira, a

organização da empresa ocorre por meio de sociedades empresárias e empresários, e que isso

interessa aos seus sócios ou à própria pessoa física do empresário, aos seus empregados, aos

seus fornecedores e a todos aqueles que com àquela mantêm relações econômicas. Nessa ordem

de ideias, a concordata, como aquele favor legal à devedora, passa a dar lugar a uma nova

mentalidade sobre a insolvência.

O legislador brasileiro tratou de instituir instrumentos para o tratamento da crise

empresarial, por meio da Lei n. 11.101/2005 (LRE), que introduziu no ordenamento jurídico a

Recuperação Judicial, consagrando a função social da empresa, a proteção dos empregados e

dos interesses dos credores, bem como a preocupação com a eficiência do mercado87.

84 COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos Jurídicos da Macro-Empresa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970, p. 102. 85 REQUIÃO, Rubens. Aspectos Modernos de Direito Comercial. 2o. volume. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 130: “Muito mais que o Código Civil e do que o Código de Processo, tanto quanto, sem dúvida, o Código Penal e o Código de Processo Penal, se evidencia e se impõe a reforma da lei falimentar. A falência e a concordata, como institutos jurídicos afins, na denúncia de empresários e de juristas, se transformaram em nosso País, pela obsolescência de seus sistemas legais mais do que nunca, em instrumentos de perfídia e de fraude dos inescrupulosos. As autoridades permanecem, infelizmente, insensíveis a esse clamor, como se o País, em esplêndida explosão de sua atividade mercantile e mecanisomos legais e técnicos adequados à tutela do crédito, fator essencial para o seguro desenvolvimento econômico nacional.”. 86 ABRÃO, Nelson. Da Caracterização da Falência. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1970, p. 83: “Razões de ordem lógica e histórica nos levam a entender necessárias diversas modificações em nosso ordenamento jurídico positivo no concernente aos procedimentos concursais.”. 87 Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

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O Senador Ramez Tebet, relator na Comissão de Assuntos Econômicos do PLC n. 71 de

2003, relata que considerou 12 princípios para nortear as modificações e a redação final da Lei

de Falência e Recuperação de Empresa88.

Pelo primeiro princípio da preservação da empresa, assume-se que ela possui uma função

social e deve ser preservada sempre que possível, uma vez que gera riqueza, criando emprego

e renda para aqueles que dela dependem, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento

social do País. Assim, eventual extinção da empresa provocaria a perda do valor econômico da

empresa, representado por seus ativos denominados intangíveis como nome, ponto comercial,

marcas, clientes, fornecedores, know-how, perspectiva de lucros, dentre outros.

No segundo princípio, adota-se a separação dos conceitos de empresa e de empresário,

devendo-se tratar separadamente os referidos conceitos. A empresa é a atividade empresarial

de exploração de bens ou serviços, enquanto o empresário é aquele que a explora. Diante disso,

o que se pretendeu com o projeto de lei foi a preservação da empresa e, ainda, que haja falência,

busca-se aliená-la a outro empresário ou sociedade para que dê continuidade à sua atividade em

bases eficientes.

Com base no terceiro princípio, a recuperação das sociedades e empresários somente

será aplicável àqueles que sejam recuperáveis. Ou seja, sempre que for possível a manutenção

da estrutura organizacional ou societária, ainda que com modificações, cabe ao Estado dar

instrumentos e condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade

empresarial.

Pelo quarto princípio, deve ocorrer a retirada do mercado das sociedades e empresários

não recuperáveis. Isto quer dizer que, existindo problemas crônicos na atividade ou na

administração da empresa, de modo a inviabilizar sua recuperação, o Estado deve promover de

forma rápida e eficiente sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos

problemas e o agravamento da situação dos que negociam com pessoas ou sociedade com

dificuldades insanáveis na condução do negócio.

88 TEBET, Ramez. Relatório do Senador Ramez Tebet. In MACHADO, Rubens Approbato (Coord.). Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

40

O quinto princípio visa a proteção aos trabalhadores. Os trabalhadores têm como único

ou principal bem a sua força de trabalho. Portanto, a LRE deve ter mecanismos não só para a

precedência no recebimento de seus créditos na Recuperação Judicial, mas que preservando a

empresa também preserve seus empregos e a criação de novas oportunidades para os

empregados.

O objetivo do sexto princípio é redução do custo de crédito no Brasil. É necessário

conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com preservação das garantias e normas

precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a

aplicação de recursos financeiros e custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de

estimular o crescimento econômico.

Com o sétimo princípio de celeridade e eficiência dos processos judiciais, busca-se

conscientizar que é preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de

empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao

processo, com a redução da burocracia que atravanca seu curso.

O oitavo princípio trata da segurança jurídica. Deve-se conferir às normas relativas à

falência, à recuperação judicial e à recuperação extrajudicial tanta clareza e precisão quanto

possível, para evitar que múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica

aos institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento das atividades das empresas e de seus

stakeholders.

Com o nono princípio busca-se a participação ativa dos credores. É desejável que os

credores participem ativamente dos processos de falência e de recuperação, a fim de que,

diligenciando para a defesa de seus interesses, em especial o recebimento de seu crédito,

otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de fraude ou

malversação dos resultados da empresa ou da massa falida.

Pelo décimo princípio, buca-se a maximização do valor dos ativos do falido. A lei deve

estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos

ativos do falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e

priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis. Desse modo, não

só se protegem os interesses dos credores de sociedades e empresários insolventes, que têm por

41

isso sua garantia aumentada, mas também se diminuem os riscos das transações econômicas, o

que geraria eficiência e aumento da riqueza geral.

O décimo primeiro princípio trata da desburocratização da recuperação de

microempresas e empresas de pequeno porte. A recuperação das micros e pequenas empresas

não pode ser inviabilizada pela excessiva onerosidade do procedimento. Portanto, a lei deve

prever, em paralelo às regras gerais, mecanismos mais simples e menos onerosos para ampliar

o acesso dessas empresas à recuperação.

O último e décimo segundo princípio trata do rigor na punição de crimes relacionados à

falência e à recuperação judicial. É preciso punir com severidade os crimes falimentares, com

o objetivo de coibir as falências fraudulentas, em função do prejuízo social e econômico que

causam. No que tange à Recuperação Judicial, a maior liberdade conferida à devedora para

apresentar proposta a seus credores precisa necessariamente ser contrabalançada com punição

rigorosa aos atos fraudulentos praticados para induzir os credores ou o juízo a erro.

De fato, com o advento da LRE, a Recuperação Judicial das empresas ditas viáveis passa

por inúmeras questões relativas aos métodos e instrumentos que podem ser adotados para

reestruturar a empresa e evitar a sua falência. É assim que, no caso de ocorrer a crise da empresa,

a sociedade devedora, uma vez preenchidos os requisitos do artigo 48 da LRE, poderá

apresentar pedido de Recuperação Judicial, nos termos do artigo 51 da LRE. Uma vez deferido

o processamento pelo juiz, a devedora terá prazo de 60 dias para apresentar o PRJ.

No entanto, é intuitivo que as empresas em crise carecem de recursos para manter suas

atividades de forma regular e competitiva. Ao lado da questão de como ela conseguirá recursos

para se manter, existem interesses dos stakeholders (empregados, credores, consumidores,

fornecedores, fisco) que gravitam ao redor da empresa. Então, é certo que o PRJ da empresa

apresentará termos e condições diferentes dos originariamente contratados para a satisfação dos

créditos de seus credores, que, por sua vez, cada qual tem sua própria perspectiva.

Para tanto, torna-se imprescindível a aprovação do PRJ pelos credores envolvidos para

que a devedora possa implementar as medidas. Há um concurso de interesses que devem ser

compostos. O artigo 45 da LRE implementa a regra da maioria para aprovação do PRJ. Nesse

sentido, uma vez aprovado o PRJ por maioria, os credores que a este se opuseram passam a

42

integrar juntamente com aqueles que aprovaram o PRJ, um concurso de credores. Forma-se,

então, uma relação plurilateral entre a devedora-recuperanda e os credores, bem como entre os

próprios credores, como preconizado por Túlio Ascarelli89, no capítulo “O Contrato

Plurilateral”, em que as várias partes passam a possuir direitos e obrigações nos termos do PRJ

e na LRE.

Na realidade, o instituto da Recuperação Judicial pressupõe a renúncia de interesses

meramente individuais para ceder ao interesse da coletividade em contrapartida a um PRJ,

priorizando-se a cooperação ao invés do litígio entre sócios ou acionistas, empresário, credores

e empregados, para que se possa atender aos interesses de todos, solucionando-se a crise

empresarial que se instalou, com a preservação da empresa e o cumprimento de sua função

social, proporcionando-se, portanto, um ganha-ganha a todas as partes envolvidas.

1.3. Papel dos Órgãos de Administração da Recuperação Judicial - gatekeepers

A complexidade e a multiplicidade de interesses que se estabelecem nas relações jurídicas

no processo de Recuperação Judicial requerem um procedimento, composto por uma série de

atos judiciais e administrativos, para garantir o atingimento dos objetivos e premissas para a

recuperação da empresa.

Para tanto, o procedimento demanda a atuação e intervenção de uma pluralidade de

pessoas e personagens juridicamente definidos na LRE, que são responsáveis por orientar,

dirigir e provocar inúmeras ações e operações, visando à composição dos interesses

concernentes às questões patrimoniais e pessoais.

De acordo com Renzo Provinciali90, a ideia de “órgãos” é feita em oposição à de “parte”,

já que se quer referenciar aqueles que são responsáveis para que o processo se desenvolva.

89 No contrato unilateral, apenas um dos contraentes assume deveres em face do outro. Já no contrato bilateral, geram-se obrigações para ambos os contraentes de forma simultânea e recíproca, de modo que ambos são credores e devedores uns dos outros (o contrato gera direito e deveres para todos, de forma proporcional). Túlio Ascarelli inicia sua obra, “Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado”, com uma distinção histórica entre os contratos de permuta e os contratos benéficos, com base em Grócio. Nesse estudo, ele alcança uma nova categoria de contratos, que estaria ao lado dos onerosos, gratuitos, unilaterais, bilaterais, ou seja: a dos contratos plurilaterais. (ASCARELLI, Túlio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. 1a. Edição. Campinas: Bookseller, 2001, p. 372-390). 90 PROVINCIALI, Renzo. Manuali di diritto fallimentare. 5a edição. Milão: Casa Editrice Dott. A. Giuffré Editore, 1969, p. 196.

43

Nesse contexto, cumpre-nos mencionar os órgãos de administração da Recuperação Judicial,

como os gatekeepers91 do procedimento, dentro de um cenário de governança, limitando-nos,

nesta tese, à abordagem do juiz, do administrador judicial, da assembleia geral de credores e do

comitê de credores, em razão dos objetivos que se pretende atingir com este trabalho92.

Ao juiz, cuja competência é determinada em função da localização do principal

estabelecimento da sociedade empresária devedora, é investido o poder de conceder ou não a

Recuperação Judicial, cabendo-lhe, portanto, presidir o aludido processo, dirigindo e

superintendendo os trabalhos de administração da Recuperação Judicial da empresa.

Vislumbram-se, portanto, funções judicantes e administrativas93 a cargo do magistrado.

Oportunamente Rubens Requião94 mencionou que “as primeiras, realiza quando decide,

aplicando a lei, na sua natural função jurisdicional; as segundas são realizadas quando

superintendente a atividade do síndico”95. Esclarece-se que neste trecho, síndico é a antiga

denominação legal do administrador judicial trazida na LRE.

É fato que o juiz possui um protagonismo no processo de Recuperação Judicial da

empresa, sendo requerida a sua participação ativa em conjunto com os demais gatekeepers do

processo. Isto porque, diante da exigência de se obter os resultados pretendidos pelo instituto

da Recuperação Judicial, o juiz não poderá ficar preso a um formalismo96 ou se apresentar em

91 Os guardiões para que a recuperação da empresa se processe no poder judiciário, de modo a atingir as finalidades da lei e que passam a ter papel fundamental na restauração da confiança do mercado, passando a ocupar lugar de destaque no quadro institucional da governança corporativa da empresa em recuperação. 92 Salienta Sérgio Campinho que, além dos personagens referenciados, ainda se tem como órgãos do processo de recuperação judicial o representante do Ministério Público, o gestor judicial, o escrivão, contadores, depositários, etc. in CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa, 7a edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 49-50. No entanto, para os objetivos pretendidos nesta tese, destacaremos os 4 órgãos referenciados, porque são responsáveis por implementar os procedimentos de governança na recuperação judicial para que, ao final, se alcance o objetivo de se recuperar a empresa. 93 Dentre as funções de cunho administrativo, verificam-se: (a) fixação das remunerações auxiliares do administrador judicial (§ 1o do artigo 22); (b) autorização, na falência, para que o administrador judicial possa transigir sobre obrigações e direitos da massa falida e conceder abatimento de dívidas (§ 3o do artigo 22); (c) autorização para venda antecipada de bens (artigo 113); (d) deferimento da continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial (inciso XI, do artigo 99); (e) autorização para o devedor, após a distribuição do pedido de recuperação judicial, alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente (artigo 66); (f) destituição do administrador judicial (artigo 31) e tomada de suas contas (artigo 154) etc. 94 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v I. 16a edição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 243. 95 A função administrativa do juiz também transparece quando determina a execução de medidas acautelatórias de cunho patrimonial, conforme: ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 96. 96 “O formalismo processual é apontado como um elemento central na morosidade do Judiciário. Sem adentrar no debate mais profundo das razões ou das justificativas, é fato que está se tentando reformar partes do Direito Processual com o objetivo de acelerar a prestação jurisdicional. Medidas como a antecipação de tutela (e o seu uso generalizado, a partir de 1994, pela Lei n. 8.952, de 13.12.1994, especificamente o art. 273) e a reforma da lei de

44

uma posição passiva, cabendo-lhe, por vezes, buscar alternativas para compor os interesses dos

stakeholders, de modo que interesses individuais mesquinhos não prevaleçam sobre os

coletivos, o que pode levar ao fracasso da reestruturação da empresa em crise.

Como bem lembrado por José Roberto dos Santos Bedaque97, é importante ter um

equilíbrio entre a forma e o informalismo, de modo a harmonizar os interesses conflitantes,

porque, por vezes, o culto à forma acaba por favorecer aquele que pretende se utilizar do

processo para obter resultados que, talvez, o direito material não lhe garantiria, mas, por outro

lado, o desprezo à técnica gera insegurança e eterniza os processos.

Trata-se de verdadeiro dilema que deve ser superado pelos sujeitos do processo para que

este possa atingir a sua finalidade de tutelar os interesses das pessoas envolvidas98, cujas

relações já foram estabelecidas antes da existência do processo recuperacional99. Do contrário,

de nada valeria o emprego dos instrumentos processuais contidos na LRE, se os intérpretes não

assumirem postura ativa ao interpretar as normas processuais, buscando-se a efetividade e o

atingimento da função social da empresa quando em confronto com outros valores100.

execução indicam que é necessário avançar em novos institutos para tentar atenuar a grave situação da morosidade da Justiça. Por outro lado, novos institutos jurídicos (além de novos diplomas legais) continuamente são editados e continuam a causar dúvidas e incertezas, além do natural congestionamento do Judiciário” (SADDI, Jairo. Crédito e Judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 217). Nesse sentido: Cf. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA: “Repelida a forma pela forma, forma oca e vazia, a sua persistência ocorre apenas na medida de sua utilidade ou como fator de segurança, portanto, apenas e enquanto ligada a algum conteúdo, a algum valor considerado importante” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil, 2. ed. São Paulo: Saraiva: 2003, p. 6). Cf. ainda: TARZIA, Giuseppe. Il processo di falimento e L’imparzialità del giudice. Rivista di Diritto Processuale. A. LII. Seconda Serie. Milano: CEDAM, 1997 (gennaio-marzo), p. 13-26. 97 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual, 3. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2010, p. 103. 98 Importante reconhecer que o sistema não busca a chamada tutela de direitos, mas sim a tutela de pessoas (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. 1, 2009, n. 39, p. 105). 99 De acordo com CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO: “nascem as situações subjetivas substanciais, invariavelmente, do concreto acontecimento de algum ato ou fato previsto em norma jurídica geral. (...) O devedor não o é porque o juiz o haja constituído tal, mas porque já o era antes do processo e da sentença. (...) As sentenças judiciais limitam-se a revelar essas situações criadas pela vida e regidas pelo direito material, eliminando dúvidas e valendo como palavra final a respeito (coisa julgada). Elas não criam situações jurídicas novas. Direitos e obrigações preexistem ao processo. Ex facto oritur jus”. (DINAMARCO, Cândido. Instituições de direito processual civil, 6. ed., v. 1, 2009, cit., p. 41-42). Diante disso, pode-se inferir que as sentenças que concede a recuperação judicial (LRE, art. 58) e que decreta o seu encerramento (LRE, art. 63), apenas declaram juridicamente uma situação fática preexistente à sua prolação e que foi obtida por meio dos atos materiais e processuais praticados ao longo (e até mesmo fora) do procedimento da recuperação judicial. 100 Em entrevista ao CONJUR, o Dr. Daniel Cárnio Costa, juiz de direito titular da 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, alerta que a recuperação judicial no Brasil está do avesso, porque em muitos pontos importantes do procedimento, alguns não citados pela legislação, a decisão tomada é sempre contrária à efetividade e à busca pela reerguimento da empresa em dificuldades. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-nov-20/entrevista-daniel-carnio-costa-juiz-falencia-recuperacao-judicial (consulta em 05/12/2016).

45

Em complemento ao que se mencionou acima, cumpre trazer à baila a precisa lição de

Mauro Cappelletti, em digressão sobre o ato de interpretar e construir o direito:

“Especialmente no fim do século passado e no curso do nosso, vem se formando no

mundo ocidental enorme literatura, em muitas línguas, sobre o conceito de

interpretação. O intento ou resultado principal desta amplíssima discussão foi o de

demonstrar que, com ou sem consciência do intérprete, certo grau de

discricionariedade, e pois de criatividade, mostra-se inerente a toda interpretação,

não só à interpretação do direito, mas também no concernente a todos outros

produtos da civilização humana, como a literatura, a música, as artes visuais, a

filosofia etc.. Em realidade, interpretação significa penetrar os pensamentos,

inspirações e linguagem de outras pessoas com vistas a compreendê-los e – no caso

do juiz, não menos que no do musicista, por exemplo – reproduzí-los, “aplicá-los”

e “realizá-los” em novo e diverso contexto, de tempo e lugar.”101.

Para ilustrar em mais profundidade o pensamento de Cappelletti, que, de forma alguma,

defende uma liberdade absoluta – ou, como se vem chamando, “ativismo judicial” – vale

recorrer ao seguinte trecho da mesma obra:

“Quando se afirma, como fizemos, que não existe clara oposição entre

interpretação e criação do direito, torna-se contudo necessário fazer uma

distinção, como dissemos acima, para evitar sérios equívocos. De fato, o

reconhecimento de que é intrínseco em todo ato de interpretação certo grau de

criatividade – ou, o que vem a dar no mesmo, de um elemento de discricionariedade

e assim de escolha –, não de ser confundido com a afirmação de total liberdade do

intérprete. Discricionariedade não quer dizer necessariamente arbitrariedade, e o

juiz, embora inevitavelmente criador do direito, não é necessariamente um criador

completamente livre de vínculos. Na verdade, todo o sistema jurídico civilizado

procurou estabelecer e aplicar certos limites à liberdade judicial, tanto processuais

quanto substanciais.”102.

101 CAPELLETTI, Mauro. “Juízes Legisladores?”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 21. 102 CAPELLETTI, Mauro. “Juízes Legisladores?”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 23-24.

46

Pela clareza e coerência, recorremos, mais uma vez ao texto de Cappelletti, que, sem

sombra de dúvidas, demonstra a clareza da função construtiva e pró-ativa que os julgadores

possuem:

“Conquanto verdade que nem precedentes nem normas legislativas podem vincular

totalmente o intérprete – que não podem, assim, anular de todo a que denominei a

imprescindível necessidade de ser livre, e portanto a sua criatividade e

responsabilidade –, também é verdade, contudo, que o juiz, vinculado a

precedentes ou à lei (ou a ambos), tem como dever mínimo apoiar sua própria

argumentação em tal direito judiciário ou legislativo, e não (apenas) na

“equidade” ou em análogos e vagos critérios de valoração.”103.

Finalmente, arremata a questão:

“Desnecessário acentuar que todas essas revoltas conduziram à descoberta de que,

efetivamente, o papel do juiz é muito mais difícil e complexo, e de que o juiz, moral

e politicamente, é bem mais responsável por suas decisões do que haviam sugerido

as doutrinas tradicionais. Escolha significa discricionariedade, embora não

necessariamente arbitrariedade; significa valoração e “balanceamento”; significa

que devem ser empregados não apenas argumentos da lógica abstrata, ou talvez

os decorrentes da análise linguística puramente formal, mas também e sobretudo

aqueles da história e da economia, da política e da ética, da sociologia e da

psicologia.”104.

Por isso, apesar da inquestionável relevância da sentença dentre os atos processuais, pode-

se dizer que as decisões interlocutórias destinadas a ordenar o procedimento são muito

relevantes, pois determinam as regras do jogo, com vistas à obtenção da efetiva comunhão de

interesses dos sujeitos do processo105.

103 CAPELLETTI, Mauro. “Juízes Legisladores?”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 25. 104 CAPELLETTI, Mauro. “Juízes Legisladores?”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 25. 105 Historicamente, a sentença é definida como o ato com o qual o Estado-juiz aplica a norma ao caso concreto, declarando a tutela jurídica que o direito objetivo concede a um determinado interesse. Tanto pode ser uma regra de direito material como uma regra de direito processual (ROCCO, Alfredo. La sentenza civile. Milano: Giuffrè, 1962. p. 62). No Brasil, José Frederico Marques conceituava o ato sentença como o mais típico e genuíno ato jurisdicional, porque compõe o litígio ou mostra ser inadmissível sua composição (MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, v. 1, p. 144). A dificuldade em conceituar o ato processual “sentença” era tão grande que há muito a doutrina procurava modificar seu significado no Código de Processo

47

Nesse sentido, José Roberto dos Santos Bedaque defende a adoção de instrumentos que

sejam mais flexíveis para se adequar aos problemas específicos que se apresentem ao juiz, na

qualidade de exercente do poder de direção do processo, durante o desenvolvimento da relação

jurídica processual106.

De fato, o Dr. Daniel Cárnio Costa, juiz titular da 1a Vara de Falências e de Recuperações

Judiciais de São Paulo/SP, tem aplicado a “gestão democrática”, assim denominado por ele,

que são audiências de mediação, como uma forma de se alcançar um ambiente favorável à

negociação e concessões recíprocas107. De certo, trata-se da flexibilização do procedimento para

se atingir as finalidades do instituto da Recuperação Judicial, de outro modo, ocorreria a

manutenção da situação de conflito, fazendo perdurar o procedimento recuperacional, em

detrimento da função social da empresa e dos interesses da coletividade.

No recente caso de Recuperação Judicial do grupo de empresas “Oi”108, o Dr. Fernando

Cesar Ferreira Viana, juiz titular da 7a Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ, diante da

controvérsia existente entre os acionistas acerca da possibilidade de ocorrer convocação de

assembleia geral da companhia em regime de Recuperação Judicial, tendo por objeto a

destituição de membros do Conselho de Administração, bem como para adoção de medidas de

responsabilização em face de administradores da empresa, em homenagem ao novo Código de

Civil (focando-se o seu conteúdo material). O impulso reformista venceu com a promulgação da lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, sob o argumento de que era muito imprecisa a definição de sentença como ato que põe fim ao processo, infirmando assim a anterior opção do legislador ao eleger critério pertinente ao momento processual no qual o decisum é proferido (critério topológico). Apesar de metodologicamente impreciso, certo é que ao tornar despicienda a análise do conteúdo do ato jurisdicional, facilitada é a diferenciação entre as sentenças e as decisões interlocutórias, tornando relativamente simples a tarefa de definir se o recurso cabível era o agravo de instrumento ou a apelação. Independentemente da análise do acerto ou não dessa mudança legislativa e da evidente tautologia, na medida em que o novo conceito busca a definição a partir da análise dos efeitos do ato processual, no sistema processual civil brasileiro os atos processuais do juiz passaram a ser classificados em: (I) despachos de mero expediente, que são atos destituídos de caráter decisório (CPC, art. 162, § 3o); (II) decisões interlocutórias, “ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente” (CPC, art. 162, § 2o) e (III) sentenças, que até o advento da lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, eram definidas como “ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa” (CPC, art. 162, § 1o) e que passou a traduzir “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas no arts. 267 e 269 desta Lei”. A alteração do critério distintivo teve o nítido objetivo de compatibilizar o conceito de sentença com as demais alterações introduzidas pela referida lei processual, mais especificamente com a transformação dos processos de liquidação de sentença e de execução de título judicial em fases do próprio processo onde houve a condenação (processo sincrético). 106 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual, cit., p. 109. 107 Entrevista ao CONJUR, disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-nov-20/entrevista-daniel-carnio-costa-juiz-falencia-recuperacao-judicial (consulta em 05/12/2016). 108 Decisão aos embargos de declaração no Processo eletrônico n. Processo: 0203711-65.2016.8.19.0001.

48

Processo Civil (art. 3o, § 3o)109, entendeu como uma situação propícia à realização de mediação,

determinando então a sua realização, em razão do vínculo permanente que existe entre os

envolvidos e dos prejuízos que o referido litígio societário poderia potencialmente causar à

recuperanda, a seus credores e aos consumidores dos serviços prestados pela concessionária.

Em ambas as situações, tratam-se de ações afirmativas, pontuais e excepcionais no âmbito

de questões delicadas que afetam e que não podem ser delegadas para uma assembleia geral de

credores, por exemplo. É cediço que o processo visa à pacificação social e a garantia das

liberdades. Assim, para que estes objetivos sejam alcançados, torna-se necessário que os atos

processuais sejam praticados validamente, mas, de modo que atinjam suas finalidades sem

causar maiores gravames às partes110.

Cada crise empresarial é diferente da outra, porque cada empresa é diferente da outra,

com características próprias, e as relações jurídicas que se estabelecem entre uma sociedade

devedora e os seus diferentes credores é única, inexistindo casos idênticos entre si. Portanto,

para cada caso demanda-se uma solução específica. Para tanto, também se requer uma pró-

atividade e efetiva participação dos demais gatekeepers.

Ao lado do juiz, o administrador judicial111, como o seu auxiliar, é um gatekeeper de

suma importância no procedimento recuperacional, porque além de possuir função

fiscalizatória sobre os atos da recuperanda e demais atos praticados pelos stakeholders, é o

responsável pela condução processual. A escolha do administrador judicial será feita pelo juiz

levando-se em consideração os critérios de competência e confiabilidade. A LRE, em seu artigo

21, indica de forma exemplificativa profissionais liberais que poderiam assumir a função de

109 CPC, Art. 3o, § 3o: "a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos, membros do MP, inclusive no curso do processo judicial". O art. 165, § 3o do CPC prevê que "o mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos". 110 Cf. CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 133. 111 O administrador judicial corresponde à figura de comissário da concordata. Muito embora a ideia básica da lei anterior tenha sido mantida na LRE, suas funções foram diminuídas quando a comparamos com as do comissário. Ainda, explica Ezio Carlos S. Baptista, que a antiga regra (art. 80 do Decreto-Lei n. 7.661/45) determinava como “...de preferência dos maiores credores na indicação do síndico, em que na grande maioria dos casos o magistrado nomeava um síndico dativo e os maiores credores não indicavam seu substituto e posteriormente, a solução provisória acabava sendo cristalizada.” in LUCCA, Newton de e FILHO, Adlaberto Simão. Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 153.

49

administrador judicial. No entanto, o essencial é que o administrador judicial nomeado tenha

conhecimento na administração e fiscalização de rotinas empresariais, já que lhe incumbe

acompanhar de perto a empresa em recuperação, fiscalizando-a e verificando se o plano está

sendo cumprindo como aprovado pelos credores.

Além da pessoa física, a função de administrador judicial poderá ser exercida por uma

pessoa jurídica, o que denota a profissionalização da função judiciária auxiliar, muito embora

a pessoa jurídica deva indicar o responsável, pessoa física, pela condução processual para fins

de repercussão patrimonial e penal112.

Ao administrador judicial estão incumbidas as funções dispostas no artigo 22113 da LRE,

algumas de forma exemplificativa, que se aplicam também à condução do processo falimentar,

e outras específicas ao procedimento recuperacional. O exercício daquelas funções estão

submetidas à fiscalização do próprio juiz que o nomeou, pelo Comitê de Credores e por

membros do Ministério Público como fiscais da aplicação da lei. No entanto, isso não quer

dizer que os demais stakeholders e a recuperanda não devam acompanhar os atos praticados

pelo administrador judicial, já que a correta condução do procedimento recuperacional

repercute no andamento e no sucesso do plano de recuperação judicial.

112 LRE, “Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada. Parágrafo único. Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á, no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o nome de profissional responsável pela condução do processo de falência ou de recuperação judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz.”. 113 LRE, Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe: I – na recuperação judicial e na falência: a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso III do caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta Lei, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada ao crédito; b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados; c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos; d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações; e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei; f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei; g) requerer ao juiz convocação da assembléia-geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões; h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções; i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei; II – na recuperação judicial: a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial; b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação; c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor; d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata o inciso III do caput do art. 63 desta Lei;”.

50

As funções do administrador judicial podem ser divididas em dois grupos: (i) função de

fiscalização, e (ii) função de gestão.

A função de natureza fiscalizatória varia conforme a existência ou não do Comitê de

Credores. Caso exista, uma vez instalado o Comitê de Credores, ao administrador caberá

verificar os créditos, presidir a Assembleia de Credores e fiscalizar a recuperanda,

principalmente quanto ao cumprimento ou não do PRJ. Na inexistência do Comitê de Credores,

o administrador judicial assumirá as funções legais destinadas àquele, exceto se houver

incompatibilidade.

No entanto, é possível que o juiz determine o afastamento dos diretores da recuperanda,

momento em que a função de gestão do administrador judicial se opera, passando este a ser

investido dos poderes de administrar e de representar a recuperanda, até que o gestor judicial114

seja eleito pela Assembleia de Credores.

De fato, o principal meio de fiscalização dos atos do administrador judicial pelos demais

gatekeepers e stakeholders é a revisão dos relatórios mensais sobre as atividades da recuperanda

(art. 22, II, “c” da LRE) e sobre a execução do PRJ (art. 22, II, “d” c.c. art. 63, “caput”, III da

LRE), que obrigatoriamente devem ser elaborados e disponibilizados pelo administrador

judicial. Com isso, prima-se pelo princípio da transparência, que deve nortear todo o

procedimento recuperacional.

É justamente através da transparência que se pode concretizar a reconstrução da confiança

dos stakeholders sobre a empresa em recuperação, tendo o administrador judicial, portanto,

papel de destaque nisso. E é por isso que a LRE (art. 22, I, “b” LRE) também determina que o

administrador judicial deverá fornecer, com presteza, todas as informações solicitadas pelos

credores, bem como dar acesso a documentos e outras informações da recuperanda. Por outro

lado, para que o administrador judicial possa desempenhar bem suas funções, lhe é garantido o

114 Art. 65. Quando do afastamento do devedor, nas hipóteses previstas no art. 64 desta Lei, o juiz convocará a assembleia-geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial que assumirá a administração das atividades do devedor, aplicando-se-lhe, no que couber, todas as normas sobre deveres, impedimentos e remuneração do administrador judicial. § 1o O administrador judicial exercerá as funções de gestor enquanto a assembleia-geral não deliberar sobre a escolha deste. § 2o Na hipótese de o gestor indicado pela assembleia-geral de credores recusar ou estar impedido de aceitar o encargo para gerir os negócios do devedor, o juiz convocará, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, contado da recusa ou da declaração do impedimento nos autos, nova assembleia-geral, aplicado o disposto no § 1o deste artigo.

51

direito de exigir dos credores (art. 22, I, “d”), da recuperanda e de seus administradores

quaisquer informações que julgar pertinentes para a boa condução do procedimento

recuperacional. Trata-se de obrigação de colaborar imposta àqueles que, caso não o façam,

poderão ser intimados a comparecer em juízo para serem interrogadas, apedido do

administrador judicial ao juiz. Os depoimentos prestados serão tomados por escrito e juntados

aos autos. A intimação é realizada sob pena de desobediência (art. 22, § 2o, LRE), o que serve

para assegurar o respeito à determinação judicial, possibilitando o acesso à informação

pretendida.

De fato, o Dr. Ricardo Hasson Sayeg tem inovado ao realizar diligências, visando obter

esclarecimentos junto aos diretores e sócios-dirigentes da recuperanda sobre questões

controvertidas ou obscuras, que envolvem a concessão de garantias, celebração de contratos ou

a própria existência do estabelecimento. Todas as diligências são postas em Atas de Diligências

e, após lidas pelo administrador judicial e ratificadas pelos envolvidos, são juntadas aos autos

do processo recuperacional, de modo que todos os demais stakeholders possam ter ciência dos

fatos e documentos colhidos, em homenagem ao princípio da transparência.

Para tanto, exemplifica-se o processo de Recuperação Judicial da LBR – Lácteos Brasil,

em trâmite na 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo, autos

n. 0015595.79.2013.8.26.0100.

A LBR foi constituída em dezembro de 2010, resultante da fusão LeitBom S.A. com a

Bom Gosto S.A., tornando-se à época uma das maiores empresas do setor lácteo, - mais

precisamente a terceira maior empresa do País e atrás somente da Nestlé e da Brasil Foods. Os

produtos da LBR eram comercializados, até então, sob as marcas Parmalat, Bom Gosto,

LeitBom, Líder, Boa Nata, Ibituruna, São Gabriel e Da Matta. Atualmente a LBR só

comercializa a marca Ibituruna.

Em 15 de fevereiro de 2013, o pedido de Recuperação Judicial da LBR foi aceito pelo

Juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, sendo que em 10 de maio

de 2013, a empresa protocolou um Plano de Recuperação Judicial115 que foi apreciado e

aprovado pelos credores. Em razão da crise financeira e econômica que a LBR atravessava, fez

115 Disponível em http://www.lbr-lacteosbrasil.com.br/pdf/PRJ.pdf.

52

parte do PRJ a venda, no primeiro semestre de 2014, de unidades de produção isoladas (UPI's):

São Gabriel, Garanhuns, São Luís dos Montes Belos, Leitbom, Líder, Tapejara, Fazenda Vila

Nova, Barra Mansa, Ibituruna, Cedrense, Boa Nata, Poços de Caldas, Bom Gosto e Gaurama.

No entanto, antes de seguir com a realização da Assembleia Geral de Credores, o então

administrador judicial, Dr. Ricardo Sayeg, promoveu inúmeras reuniões de diligências, visando

constatar e esclarecer as condições de alienação em que seriam estabelecidas e divulgadas em

edital de concorrência, de modo a preservar os princípios da isonomia e da transparência. Todas

as reuniões foram postas em atas de diligência. Ainda, quando as propostas vieram a ser

apresentadas, o administrador judicial procedeu à uma due diligence, por meio de

requerimentos de apresentação de documentos e reuniões de diligências com os proponentes,

com a participação dos representantes dos trabalhadores, de modo a esclarecer eventuais

questões controvertidas e de já tentar conciliar os interesses divergentes que poderiam culminar

com a conversão da Recuperação Judicial em falência.

Todas essas cautelas culminaram com a aprovação da venda das UPI’s pelos credores em

Assembleia Geral de Credores, e posteriormente pelo Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE), bem como pelo Dr. Daniel Cárnio Costa, juiz titular da 1a Vara de

Falências e de Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo.

De fato, a Recuperação Judicial da LBR poupou cerca de 2 mil empregos. À época,

Siderlei Oliveira, presidente da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas

Indústrias de Alimentação (Contact), mencionou que o resultado foi uma surpresa positiva:

"Nesse caso, a preocupação não foi só de salvar o capital, mas também de salvar os

empregos. Espero que outras recuperações judiciais tenham esse perfil".

O advogado da LBR, Dr. Walter Vieira, afirmou que, com a garantia de 2 mil

empregos, cumpriu-se "o coração da lei de recuperação judicial e falência (art. 47),

proporcionando estabilidade por um ano aos trabalhadores, e, também, possibilitou a

continuidade do fornecimento de leite por, aproximadamente, 15 mil produtores rurais".

Naquela oportunidade, o administrador judicial, Dr. Ricardo Sayeg, afirmou que a

53

administração judicial vem crescendo e se firma como um importante espaço de negociação

entre o capital e o trabalho116.

Criou-se, com isso, um ambiente propício para a recuperação da confiança dos

fornecedores que, durante o período da Recuperação Judicial, continuaram a fornecer produtos

para a LBR.

Entretanto, no caso da LBR, como se nota, foi de suma importância a participação do

administrador judicial ao lado do juiz, que conseguiram compor os interesses de todos os

stakeholders, fazendo com que os representantes e dirigentes da LBR atuassem em compliance

com os objetivos da LRE e com o PRJ, para com isso obter a colaboração de todos os credores,

pois sem eles, a venda das UPI’s não poderia ser concretizada e a LBR não teria capital de giro

e recurso financeiro necessários para manter as operações para o devido cumprimento do plano

de recuperação.

Os credores possuem uma participação decisiva, com base na LRE, no procedimento

recuperacional, por meio da Assembleia Geral dos Credores e do Comitê de Credores.

A Assembleia Geral de Credores é um órgão deliberativo, que desempenha as suas

funções pela atuação conjunta dos credores da empresa em recuperação, convocado e instalado

na forma da lei. Portanto, é um órgão colegiado, mas não obrigatório, que toma deliberações de

interesse dos credores com fundamento no princípio majoritário, exceto quanto às decisões

sobre o plano de recuperação, que segue o sistema de dupla maioria, e quanto à constituição do

Comitê de Credores, que segue critério especial do artigo 42117 da LRE.

A LRE, ao estabelecer o sistema de dupla maioria, com relação aos credores com garantia

real, quirografários, com privilégio geral, com privilégio especial e subordinados (art. 45, §

1o118), e o voto por cabeça, quanto aos credores trabalhistas e por acidentes de trabalho (art. 45,

116 Consulta feita em 11/12/2016 no site: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI222976,71043-Recuperacao+juidicial+da+LBR+poupa+2+mil+empregos. 117 LRE, Art. 42. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia-geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do inciso I do caput do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei. 118 LRE, Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta.

54

§ 2o, c/c o art. 41, § 1o), nas decisões sobre o plano de recuperação, visa estimular o

comparecimento do credor à assembleia geral, bem como sua participação. Por oportuno, Jorge

Lobo menciona que “ao votar na assembleia geral, o credor não pode perpetrar o famigerado

abuso de minoria e agir para atender, exclusivamente, ao seu próprio interesse, pois, convocado

a deliberar sobre o plano de recuperação ou as alterações a ele propostas, o credor deve ponderar

os princípios, que orientam a LRE, e os fins, por ela colimados”119.

Isto porque, à Assembleia Geral são atribuídos poderes120 para decidir quanto:

(a) à aprovação, rejeição ou modificação do PRJ (art. 35, I, “a”), cumprindo atentar que

a decisão de alterar o plano ficará na dependência de expressa concordância da

devedora e não poderá diminuir direitos exclusivamente dos credores ausentes (art.

56, § 3o);

(b) à constituição do comitê de credores, escolha de seus membros e sua substituição (art.

35, I, “b”), por qualquer classe de credores (art. 26, caput);

(c) o pedido de desistência da devedora, nos termos do § 4o do art. 52 (art. 35, I, “d”);

(d) o nome do gestor judicial, quando do afastamento da devedora (art. 35, I, “e”), nas

hipóteses do art. 64121; e

§ 1o Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes. § 2o Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. § 2o Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) 119 LOBO, Jorge in ABRÃO, Carlos Henrique e TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 6a edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 148. 120 LRE, “Art. 35. A assembleia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: I – na recuperação judicial: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor; b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; c) (VETADO) d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do art. 52 desta Lei; e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor; f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores;”. De acordo com Jorge Lobo, “A assembleia geral de credores é um órgão da ação de recuperação judicial e do processo de falência porque incumbido, por lei, de tomar as deliberações do interesse dos credores, às quais ficam subordinados os que votaram a favor, os que foram contrários à decisão da maioria, os que se abstiveram de participar do pleito e os ausentes (art. 59 da LRE).” in ABRÃO, Carlos Henrique e TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 6a edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 149. 121 LRE, Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles:

55

(e) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores (art. 35, I, “f”).

Tratam-se de decisões relevantes e de suma importância que são conferidos à Assembleia

de Credores, as quais permitirão à empresa se reestruturar ao perseguir um plano de recuperação

e em outro extremo, ao entender que a empresa falhará na execução do plano, determinar a

convolação da Recuperação Judicial em falência, quando todos os credores terão que repartir

aquilo que sobrar com a liquidação dos ativos.

Somente o juiz tem o poder de convocar a Assembleia de Credores – muito embora, possa

sê-lo a pedido do administrador judicial, Comitê de Credores ou credores que representem no

mínimo 25% do valor do total dos créditos de uma determinada classe122 -, por meio de edital,

publicado, obrigatoriamente, no Diário Oficial e em jornais de grande circulação nos locais da

sede e filiais da empresa, pelo menos uma vez, com antecedência mínima de quinze dias (LRE,

art. 36, caput), devendo as cópias do edital serem afixadas na sede e filiais (LRE, art. 36, § 1o),

I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente; II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei; III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores; IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas: a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial; b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas; c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular; d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial; V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê; VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial. Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial. 122 Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe: I – na recuperação judicial e na falência: … g) requerer ao juiz convocação da assembleia-geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões; Art. 27. O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstas nesta Lei: I – na recuperação judicial e na falência: … e) requerer ao juiz a convocação da assembleia-geral de credores; Art. 36. A assembleia-geral de credores será convocada pelo juiz por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o qual conterá: … § 2o Além dos casos expressamente previstos nesta Lei, credores que representem no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de uma determinada classe poderão requerer ao juiz a convocação de assembleia-geral.

56

cujas despesas serão arcadas pela recuperanda, salvo se convocada pelo Comitê de Credores ou

na hipótese do art. 36, § 2o (LRE, art. 36, § 3o)123.

A Assembleia de Credores será presidida pelo administrador judicial e secretariada por

pessoa selecionada dentre os credores presentes (LRE, art. 37, caput), exceto “nas deliberações

sobre o afastamento do administrador judicial ou em outras em que haja incompatibilidade

deste”, hipóteses em que a direção dos trabalhos caberá ao “credor presente que seja titular do

maior crédito” (LRE, art. 37, § 1o).

Uma vez verificada a presença de titulares de mais da metade dos créditos de cada classe,

computados pelo valor, a Assembleia Geral de Credores será instalada, em primeira convocação

(LRE, art. 37, § 3o e § 2o, respectivamente). Por outro lado, não havendo quorum, em segunda

convocação, a instalação ocorre com qualquer número, sendo que entre a primeira e a segunda

convocações, deverá haver um interregno de pelo menos cinco dias (LRE, art. 36, I).

A representação dos credores poderá ser por si, se pessoa física, por mandatário ou por

representante legal. A prova de mandato ou representação deverá ser feita em até vinte e quatro

horas antes da realização da Assembleia: (i) se por procuração, o instrumento de mandato,

particular ou público, deve estar com firma reconhecida, apresentar poderes especiais e

expressos para votar, podendo concordar ou discordar, firmar compromissos, renunciar direitos

e privilégios ou quaisquer outros atos que exorbitem da administração ordinária; (ii) se

representante legal, apresentar documento hábil que prove sua qualidade e a extensão de seus

poderes; ou (iii) indicar a folha dos autos do processo de Recuperação Judicial em que se

encontra a prova de sua qualidade de mandatário ou representante (LRE, art. 37, § 4o). Quanto

aos trabalhadores, se não comparecerem pessoalmente ou não se fizerem representar, poderão

123 LRE, Art. 36. A assembleia-geral de credores será convocada pelo juiz por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o qual conterá: I – local, data e hora da assembleia em 1a (primeira) e em 2a (segunda) convocação, não podendo esta ser realizada menos de 5 (cinco) dias depois da 1a (primeira); II – a ordem do dia; III – local onde os credores poderão, se for o caso, obter cópia do plano de recuperação judicial a ser submetido à deliberação da assembleia. § 1o Cópia do aviso de convocação da assembleia deverá ser afixada de forma ostensiva na sede e filiais do devedor. § 2o Além dos casos expressamente previstos nesta Lei, credores que representem no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de uma determinada classe poderão requerer ao juiz a convocação de assembleia-geral. § 3o As despesas com a convocação e a realização da assembleia-geral correm por conta do devedor ou da massa falida, salvo se convocada em virtude de requerimento do Comitê de Credores ou na hipótese do § 2o deste artigo.

57

ser representados por seus sindicatos (LRE, art. 37, § 5o), devendo estes apresentar ao

administrador judicial, em até dez dias antes da Assembleia, a relação dos associados que

pretendem representar.

Abertos os trabalhos da Assembleia Geral de Credores, o presidente fará a leitura da

ordem do dia e informará o número de credores presentes, o valor total dos créditos presentes,

o quorum de deliberação de cada classe de credores, a forma de votação, e o quorum de

deliberação para apuração do resultado final. Encerrados os debates, o presidente colocará em

votação os itens da ordem do dia. Ao final dos trabalhos, o secretário lavrará a ata da

Assembleia Geral dos Credores, que será lida e ratificada pelos presentes.

É importante lembrar que o credor terá direito de voto proporcional ao valor de seu crédito

para deliberar sobre as matérias especificadas no art. 35, I, “b”, “d” a “f”, e II, “b” a “d” (LRE,

art. 38, caput, primeira parte). De outro modo, os titulares de créditos trabalhistas ou derivados

de acidentes do trabalho (LRE, art. 41, I) terão os votos contados por cabeça.

O juiz e o Ministério Público têm a prerrogativa de comparecer e assistir aos trabalhos da

Assembleia Geral dos Credores, mas, em princípio, não podem interferir ou influenciar nos

debates e na votação124. A este respeito, serão tecidas considerações no capítulo 2 a seguir. Se

a recuperanda e seus administradores forem convidados pelos credores ou convocados pelo

juiz, deverão estar presentes na Assembleia para prestar esclarecimentos.

Como se vê, a Assembleia Geral de Credores somente se reúne em determinadas ocasiões,

até em razão de suas funções e finalidade legais.

Assim, cabe ao Comitê de Credores acompanhar mais de perto as atividades da empresa

em recuperação. Para tanto, em consagração ao princípio da isonomia, o Comitê é composto

por um representante de cada uma das classes de credores, quais sejam: trabalhistas, titulares

de créditos com direito real de garantia ou privilégio especial, quirografários ou com privilégio

geral, microempresas e de pequeno porte125.

124 Cf. LOBO, Jorge in ABRÃO, Carlos Henrique e TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 6a edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 162. 125 Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer das classes de credores na assembleia-geral e terá a seguinte composição: I – 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes;

58

No entanto, observa-se que, por um lapso legislativo, a composição das classes de

credores na Assembleia Geral, com base no artigo 41 da LRE, é diversa da do Comitê de

Credores. Os credores com garantia real são integrantes exclusivos de uma classe, enquanto

que com base no art. 26, II, eles compartilham a representação com os credores com privilégio

especial.

Sugere Paulo F. C. Salles de Toledo que “o comitê será formado por um representante e

dois suplentes de cada classe, como estas se encontram definidas no dispositivo específico

sobre a matéria (art. 41 da LRE).”126.

Muito embora a instalação do Comitê de Credores seja facultativa, necessitando da

manifestação de vontade das classes de credores, uma vez indicados representantes por uma ou

mais classes de credores, o seu funcionamento poderá ocorrer em um número inferior ao

estabelecido no caput do artigo 26 da LRE. Isto porque, deve prevalecer a finalidade legal e

fundamental de sua existência como disposto no artigo 27 da LRE.

O Comitê de Credores representa os interesses daqueles titulares de créditos em face da

empresa em recuperação, encarregado de fiscalizar e acompanhar de perto o desenvolvimento

das atividades da recuperanda.

Para tanto, são funções do Comitê de Credores:

(i) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador: é claro que os

credores têm o direito de fiscalizar as contas do administrador, mas para o Comitê

tal consiste em dever, funcionando, então, como um longa manus dos credores.

(ii) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei: o Comitê ao

propugnar pela observância da Lei, age na defesa dos interesse dos credores, ou seja,

II – 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes; III – 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes. IV - 1 (um) representante indicado pela classe de credores representantes de microempresas e empresas de pequeno porte, com 2 (dois) suplentes. (incluído pela Lei Complementar n. 147/2014) 126 TOLEDO, Paulo F. C. Salles de in ABRÃO, Carlos Henrique e TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 6a edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 129.

59

da coletividade, garantindo que ocorra o compliance127, obrigando que a

recuperanda obedeça aos ditames legais.

(iii) comunicar atos ilícitos ou prejudiciais aos credores: na defesa dos interesses dos

credores, deve o Comitê comunicar o juiz acerca de violações de direitos ou atos

que causem prejuízos àqueles, provocando, assim, a atuação jurisdicional.

(iv) receber reclamações de interessados: o Comitê funciona como um ouvidor dos

interessados, recebendo as suas reclamações e apurando-as, de modo a verificar sua

procedência e, se for o caso, adotar as medidas cabíveis para comunicar os fatos nos

autos para ciência do juiz e do administrador judicial.

(v) convocar assembleia geral: o Comitê poderá pleitear ao juiz a convocação da

assembleia geral de credores, se considerar como necessária.

(vi) se manifestar no processo recuperacional: o Comitê será ouvido nos momentos em

que a LRE assim o determina e sempre que sua intervenção for útil para o bom

desenvolvimento do procedimento recuperacional.

(vii) fiscalizar as atividades da recuperanda e do relatório mensal: a atenção do Comitê

deve ficar centrada na atuação dos administradores da empresa em crise e na medida

em que é seu dever fiscalizar as atividades dos referidos administradores, se estes

ou a sociedade devedora incidirem em uma das condutas enumeradas nos incisos do

art. 64128 da LRE, caberá ao Comitê requerer ao juiz que sejam destituídos.

(viii) fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial: é, sem dúvida, a principal

atribuição do Comitê, pois interessa a todos os credores que o plano seja cumprido,

127 Significa “obedience to a rule, agreement, or demand” in LONGMAN DICTIONARY OF CONTEMPORARY ENGLISH: Longman Group Ltd, 1995, 3ª edição, p. 271. 128 LRE, Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles: I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente; II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei; III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores; IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas: a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial; b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas; c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular; d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial; V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê; VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial. Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial.

60

uma vez que o descumprimento de qualquer obrigação assumida129 pela sociedade

devedora no plano é motivo para convolar o procedimento recuperacional em

falimentar.

(ix) requerer providências úteis, em caso de afastamento da devedora: quando ocorrer a

destituição dos administradores da sociedade devedora130 antes da aprovação do

plano, caberá ao Comitê requerer ao juiz uma série de providências que sejam úteis

para se atingir a recuperação da empresa, como por exemplo a alineação de bens do

ativo permanente, constituição de ônus reais e outras garantias, atos de

endividamento necessários para a continuação das atividades.

No cenário da recuperação de empresa, mas sempre considerando os princípios do devido

processo legal, do contraditório, da transparência, torna-se importante o maior envolvimento

do juiz com a causa e do administrador judicial com o procedimento, um maior contato com as

partes envolvidas, com os interesses em conflito, esclarecendo-se as questões controvertidas e

delineando as providências necessárias para a melhor condução e solução do conflito de

interesses, para, assim, se garantir o atingimento das finalidades da LRE.

No entanto, o sucesso do procedimento de recuperação da empresa também depende da

pró-atividade dos demais gatekeepers, Assembleia Geral de Credores e do Comitê de Credores.

O ambiente almejado e criado pela LRE, com o sistema duplo de maioria, é do efetivo

comparecimento dos credores à Assembleia para que participem das decisões que selarão o

destino da recuperanda, expressando opiniões e apresentando soluções alternativas para a

contraposição de interesses individuais com os coletivos.

Nesse sentido, considerando que o referido órgão somente se instala em situações

específicas, a LRE concedeu soberania à Assembleia de Credores para determinar a instalação

do Comitê de Credores, cabendo, então, a seus membros o dever de fiscalizar e acompanhar as

atividades do administrador judicial e da recuperanda, fazendo com que o juiz se envolva, caso

detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores.

129 LRE, Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial: .... IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1o do art. 61 desta Lei. 130 Pelos motivos elencados no art. 64 da LRE.

61

Para tanto, acredita-se que a participação ativa deve estar amparada em um procedimento

de efetivo diálogo entre as partes envolvidas no processo de Recuperação Judicial, com o uso

de técnicas de governança, principalmente o instrumento da mediação e conciliação, para

prevalecer a cooperação entre todas as partes e com a firme direção dada pelo princípio da

função social da empresa e da dignidade da pessoa humana, como será apresentado no capítulo

2 desta tese.

1.4. Stakeholders e o problema adversarial

Stakeholder é definido como “a person who has an interest or concern in a business or

enterprise, though not necessarily as an owner”131.

Ante essa definição, no processo de Recuperação Judicial, considerando que o objetivo é

solucionar o problema da crise da empresa e, assim, alcançar sua recuperação com a

consequente preservação, os stakeholders são a própria devedora, os credores concursais

(divididos nas classes definidas no artigo 41132 da LRE), os investidores e os credores pós-

concursais, na medida em que estes últimos terão relacionamento econômico com a empresa

durante o processo recuperacional.

Tratam-se os stakeholders de partes interessadas que compartilham do interesse comum

de solucionar o problema da crise empresarial, mas que, em razão de suas próprias posições,

têm interesses divergentes, cada qual com sua perspectiva.

De acordo com Eduardo Munhoz, a expressão “devedor” aplica-se: (i) no caso do

empresário individual, à pessoa natural que exerce o negócio; (ii) no caso das sociedades de

responsabilidade ilimitada personificadas, à própria sociedade e aos sócios ilimitadamente

responsáveis; (iii) no caso das sociedades de responsabilidade limitada personificadas, à própria

131 Black´s Law Dictionary. MN: Thomson West, 2007, 8ª edição, p. 1440. 132 LRE, Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores: I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; II – titulares de créditos com garantia real; III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados. IV - titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte.

62

sociedade, e não aos seus sócios133. Assim, a devedora tem interesse em preservar e maximizar

o seu patrimônio consubstanciado no interesse de recuperar a empresa.

A Recuperação Judicial, como vimos, pressupõe a crise. É o meio pelo qual a devedora

faz uma declaração formal do problema e que, portanto, ela está impossibilitada de cumprir as

obrigações no modo e no tempo que foram originariamente contratados. Logo, é até intuitivo

que os credores, de um modo geral, deveriam ter interesse na solução do problema, participando

da reestruturação da empresa, de modo que a devedora possa superar a crise e garantir a

satisfação de seus créditos.

No entanto, até em razão da divisão em classes dos credores, é natural que os interesses

sejam divergentes e conflitos surjam de sua coexistência. Os empregados têm interesse na

satisfação de seus créditos, mas também na manutenção de seus empregos e remunerações. Os

credores com garantia real têm interesse na manutenção das garantias, porque é o bem que

poderá garantir a satisfação de seu crédito. Os credores quirografários têm interesse na

maximização do patrimônio, pois sabem que o saldo dos ativos poderá ser destinado para a

satisfação de seus créditos, de forma proporcional. Já as microempresas (ME) e as empresas de

pequeno porte (EPP) têm mais interesse na preservação da empresa, pois suas empresas são

satélites e dependentes da primeira. Além destes, temos o próprio Estado que, muito embora

não seja um credor concursal pela LRE, tem interesse na recuperação da empresa para garantir

o recebimento de tributos.

Os investidores, nacionais e estrangeiros, vislumbram oportunidades de maximizar seus

ganhos e enxergam na empresa em crise uma oportunidade para estimular a atividade

econômica e atingir seu objetivo. Para tanto, investem na reestruturação da empresa, exigindo

e aplicando boas práticas de governança corporativa, que se tornam catalizadores nas decisões

de seus investimentos134.

133 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Comentários in SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falências: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2a edição. São Paulo: RT, 2007. 134 “Alguns fundos de participação, conhecidos como fundos de private equity, também abraçaram com sucesso essa política de investimentos. Esses fundos, com sua cultura mais participativa na administração da empresa, podem representar um investimento com características mais benignas para a companhia em processo de recuperação, as quais acreditamos que deva ser incentivada até mesmo pelos órgãos reguladores. No Brasil, os fundos de investimentos em participações foram recentemente regulados pela Comissão de Valores Mobiliários, abrindo-se a oportunidade para a criação de fundos com características semelhantes àquelas aqui referidas. A Instrução CVM n. 391, de 16 de julho de 2003, em seu art. 2o, define apropriadamente o fundo de investimento em participações como uma comunhão de recursos destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição

63

Os interesses dos stakeholders precisam de alguma forma ser coordenados de modo a

atingir os objetivos do art. 47 da LRE, que é viabilizar a superação da situação de crise

econômico-financeira da devedora, protegendo os interesses de todas as partes afetadas e

preservando a empresa.

De certo, não se pode dizer que a Recuperação Judicial, por si só, é um instrumento que

torna viável uma empresa inviável sob o ponto de vista econômico-financeiro. Só haverá

viabilidade da empresa quando os seus fundamentos econômicos tornam possível a geração

futura de resultados positivos.

Portanto, a Recuperação Judicial somente se justifica caso seja possível demonstrar que

a devedora é economicamente viável durante o processo recuperacional, em que se tentará

manter a empresa em atividade (going concern) para maximizar o valor dos ativos da empresa,

evitando sua dissipação durante o procedimento e, ao final, realocando-os ao seu maior valor

de utilização, excedendo os resultados que poderiam ser obtidos com a liquidação de ativos

numa eventual falência, sendo, então, seus ativos aproveitados sob estruturas ótimas de capital

e de governança135.

ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas, participando do processo decisório da companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, notadamente mediante a indicação de membros do Conselho de Administração. A instrução confere ao fundo grande flexibilidade na forma pela qual essa participação no processo decisório da companhia investida pode ocorrer: pela detenção de ações de acordo de acionistas ou, ainda, pela celebração de ajuste de natureza diversa ou adoção de procedimento que assegure ao fundo efetiva influência na definição da política estratégica e na gestão da companhia. Além disso, no caso da companhia ser fechada (uma novidade na aludida regulação), a instrução estabelece uma série de práticas de governança corporativa que ela deve seguir. Os fundos de investimento em participações dessa maneira constituem-se no novo arcabouço regulatório, um perfeito veículo para a criação de fundos especializados em empresas em fase de recuperação judicial. A criação desses novos fundos cumprirá o duplo objetivo de, por um lado, aumentar a liquidez e a boa formação de preços no mercado de valores mobiliários e, por outro lado, criar no país uma inédita e salutar parceria entre investidores e gestores empresariais na fase complexa, desafiadora, mas rica em oportunidades, da recuperação judicial de uma companhia. Tendo em vista tal perspectiva, a Instrução 391 estabelece que, decidindo o fundo aplicar recursos em companhias que estejam, ou possam estar, envolvidas em processo de recuperação e reestruturação, será admitida a integralização de cotas em bens ou direitos, incluindo-se créditos, desde que tais bens e direitos estejam vinculados ao processo e recuperação da sociedade investida e desse que o valor deles esteja respaldado em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada.” cf. CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Fundos de Investimento em empresas em recuperação. In OLIVEIRA, Fátima de Bayma (Org.). Recuperação de Empresas: uma múltipla visão da nova lei: Lei n. 11.101/05 de 09/02/2005. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. 135 ARAÚJO, Aloísio e FUNCHAL, Bruno. A nova Lei de Falências brasileira e seu papel no desenvolvimento do mercado de crédito. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 36, n. 2, ago. 2006, Rio de Janeiro, p. 233.

64

Diante disso, cabe lembrar que Thomas H. Jackson136 identifica o chamado “dilema do

prisioneiro” - conceito da Teoria dos Jogos que será melhor explicado adiante - entre credores

de uma empresa, cujo valor em atividade é maior do que a liquidação fragmentada e individual

de seus ativos.

No entanto, é sabido que uma empresa entrando em Recuperação Judicial implica que

nem todas as obrigações serão satisfeitas em sua integralidade ou que certamente não o serão

no prazo e nas condições originalmente pactuadas. Mesmo a simples prorrogação de prazo para

pagamento altera o valor intrínseco do crédito. Por isso, a partir do momento em que a

insolvência de uma empresa é juridicamente caracterizada, há descrença quanto ao valor real

dos créditos registrados em seu passivo, procedendo-se a partir daí, à reconstrução das crenças

com base no valor dos ativos. Assim, o valor do passivo deve ser ajustado para representar a

realidade da capacidade de geração de receita do ativo.

Dessa forma, o valor do ativo137 da empresa é o limitador máximo para negociar a troca

com o credor de seu crédito original por um novo contra a sociedade. No entanto, a

determinação do valor dos ativos, considerando o contexto da Recuperação Judicial, é ainda

mais problemática, porque depende da percepção de cada um dos credores quanto ao potencial

de receita gerada pelo emprego dos ativos da empresa em crise e a necessidade de

convencimento dos credores de que o plano apresentado pela empresa atingirá o potencial

almejado.

Descobrir, então, a lógica que será empregada pelo credor quanto à proposta de novação

de seu crédito torna-se o núcleo da questão. Ao avaliar a proposta, o credor pode ponderar se

ela representa algo superior àquilo que seria pago no caso de liquidação da empresa. A posição

de cada credor, conforme sua classe de crédito estipulada pelo art. 83 da LRE, torna a sua

percepção quanto ao valor da empresa diferente de credores pertencentes a outras classes. E, de

136 JACKSON, Thomas H. Bankruptcy, Non-Bankruptcy Entitlements, and the Creditors’ Bargain. 91 Yale L.J., 1981-1982, p. 860-868, 137 Entre as técnicas usualmente empregadas para a determinação do valor de ativos, citam-se: (i) avaliação com base em negócios similares ao contemplado; (ii) avaliação com base nos preços de negociação de ativos similares; (iii) avaliação baseada no valor de liquidação dos ativos; (iv) avaliação com base no custo de reposição do ativo; e (v) avaliação baseada no valor presente do fluxo de caixa esperado da empresa pela utilização do método do fluxo de caixa descontado, sendo a taxa de desconto estabelecida pelo emprego: (vi) do Modelo de Precificação de Ativos Financeiros (CAPM); (vii) teoria de precificação por arbitragem; ou (viii) Custo Médio Ponderado do Capital (WACC). Cf. ROSS, Stephen A.; WESTERFIELD, Randolph W.; JORDAN, Bradford D. Essentials of Corporate Finance, 6 ed, New York: McGraw-Hill, 2007, p. 346-348.

65

fato, isso poderá afetar a maior ou menor inclinação para cooperação daqueles credores, entre

eles e com a devedora ou com eventuais investidores. Trata-se de uma lógica, em que os

credores terão a tendência de cooperar apenas e se “alargarem o bolo”, não tendo que abrir mão

do valor que acreditam fazer jus.

Em razão das diferentes percepções quanto ao valor dos ativos subjacentes, cada um dos

credores, com base em suas perspectivas, pode atribuir um valor diferente para um mesmo

crédito. Diante disso, ao invés de cooperarem entre si para maximizar o valor, é possível que

um ou vários credores atuem de forma oportuna e definam seus respectivos preços sem que

haja uma relação com o que melhor reflete o valor da empresa. Assim, o objetivo de maximizar

o valor da empresa pode ceder lugar à manipulação dos preços de reserva de cada credor, ou

seja, o valor que o credor tem de percepção como limite de concessão.

Ainda, é sabido que procedimentos recuperacionais morosos e complexos prolongam o

período necessário para que os credores recebam os valores que lhes são devidos e diminuem

as chances de isso acontecer, o que inevitavelmente encarece o crédito e reduz sua oferta.

Na realidade, estas são preocupações que acabam por impactar também o comportamento

dos stakeholders, antes do início do procedimento recuperacional, uma vez que influenciam o

custo e o volume do crédito disponível, bem como o fornecimento de mercadorias e serviços

para manutenção das atividades da empresa.

Os altos níveis de proteção à disposição da devedora podem gerar situações de moral

hazard, que incentivam o inadimplemento e a tomada de risco excessivo138. Por outro lado, não

se pode estabelecer proteção excessiva ao credor, uma vez que isso pode causar aversão da

devedora à tomada de crédito ou o estímulo à sua concessão de forma irresponsável, sem a

adequada avaliação da capacidade de pagamento e a viabilidade do projeto financiado139.

138 HART, Oliver. Different Approaches to Bankruptcy. NBER Working Paper n. 7921, Cambridge, MA, EUA, Sept. 2000, p. 4. Disponível em: http://www.nber.org/papers/w7921.pdf. Acesso em 21/10/2016. 139 MUNHOZ, Euardo Secchi. Cessão fiduciária de direitos de crédito e recuperação judicial de empresa. Revista do Advogado, São Paulo, ano XXIX, n. 105, set. 2009, p. 35-36.

66

Diante disso, o objetivo que deve ser alcançado é a redução dos custos de transação, por

meio da criação de procedimentos padronizados que possam resolver a inadimplência e o

problema da atuação coletiva que surge entre os credores, visando harmonizá-los140.

Não obstante, os objetivos não podem ser resumidos à uma análise meramente

econômica, mas deve-se ter a preocupação com a maneira pela qual o custo da crise empresarial

será também dividido e suportado pelos stakeholders. Para tanto, é necessário analisar

determinados critérios como, por exemplo, a capacidade para suportar os custos do

inadimplemento e as semelhanças entre os credores141.

De acordo com Lynn M. LoPucky142, o valor de continuidade do negócio não está em

ativos específicos, mas nas relações entre pessoas, ativos ou ambos. Esclarece que grandes

empresas geram milhares de empregos para as pessoas que, por sua vez, mantêm milhões de

relações com outras pessoas, incluindo credores, fornecedores, órgãos reguladores e assim por

diante. Todas essas relações tiveram um custo para serem constituídas e somente com o tempo

aglutinam-se para o bom funcionamento da empresa. Essa harmonia configuraria o going

concern value que a Recuperação Judicial busca preservar. Se a empresa for desmontada e outra

construída em seu lugar, muitos desses custos deverão ser incorridos novamente.

Em apoio a essa posição, o Fundo Monetário Internacional143 entende que, no cenário

atual da economia moderna e mundial, o grau de maximização do valor dos ativos na liquidação

de uma empresa é reduzido, porque existem circunstâncias em que o valor da empresa está

muito mais baseado no know-how dos empregados e na sua capacidade de produzir riquezas

(goodwill) do que no valor de seus bens materiais. Portanto, preservar os recursos humanos da

empresa e suas relações com os clientes da empresa torna-se essencial para os credores que

pretendam maximizar o retorno de seus créditos.

140 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 223. 141 WARREN, Elizabeth. Bankruptcy Policymaking in an Imperfect World. 92 Mich. L. Rev., 1993-1994, p. 356. Por outro lado, sustenta Douglas G. Baird e Robert K. Rasmussen141 que a lei falimentar deveria, em primeiro lugar, determinar o valor de se manter certos ativos dentro de uma empresa ou se eles deveriam ser vendidos no mercado, para aproveitamento total ou parcial por outro empresário. Todavia, entendem que os ativos que podem ser utilizados exclusivamente pela empresa em crise são raros e a grande parte deles pode ser reaproveitada em atividade. Logo, pune-se o empresário ineficiente e não a empresa em seu sentido objetivo. 142 LOPUCKI, Lynn M. The Nature of The Bankrupt Firm: A Response to Baird and Rasmussen’s the End of Bankruptcy. 56 Stan. L. Rev., p. 645-671, 2003-2004. 143 INTERNATIONAL MONETARY FUND. Legal Department. Ordely & Effective Insolvency Procedures: Key Issues. 1999. Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/orderly/index.htm. Acesso feito em 21/10/2016.

67

Baird e Rasmussen144 entendem que pequenas empresas em crise possuem pouco valor

em funcionamento. Neste caso, de forma a preservar a riqueza existente, a melhor opção para

eles é a venda dos ativos para utilização por outro empresário, pois a tradicional via negocial

do processo de recuperação de empresas não atingiria a finalidade do processo recuperacional,

podendo, então, os credores optar pela venda de ativos da empresa. Isto porque, a venda de

ativos preservaria o valor de continuidade do negócio pois seria uma forma de preservar a

empresa em funcionamento, porém, nas mãos de outra pessoa145. A questão que reside nessa

solução, é na hipótese em que há uma recessão no mercado em geral, e os concorrentes do

mercado não estão aptos a participar da aquisição dos ativos.

Enfrentamos essa situação na crise do setor aéreo nos anos 2000, em que a crise financeira

e econômica se alastrou na Varig e não existia uma solução do próprio mercado para que um

concorrente à época fosse capaz de assumir suas atividades, fazendo com que o Governo

Federal juntamente com a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC atuassem na sobrevida

da Varig, até que em 2006 ocorreu sua quebra. Após a segregação das atividades da Varig, com

base no tipo de serviço (logística, transporte), que gerou a velha Varig, com dívidas bilionárias,

e a nova Varig, detentora de linhas aéreas e livre de passivo, a Gol veio a adquirir a nova Varig

em outubro de 2010146.

Leonardo Dias questiona se “a preservação dos empregos, bem como os demais objetivos

das leis concursais, deveriam ser metas independentes da recuperação da empresa em crise ou

meros benefícios incidentais advindos do procedimento recuperacional e da preservação do

negócio. Enquanto alguns defendem que a lei falimentar deve ser elaborada com vistas à

salvação de empregos e empresas para o benefício de todos os interessados – e não apenas dos

credores – outros advogam que somente os interesses legalmente exigíveis deveriam ser objeto

de preocupação do legislador, pautando-se por um sistema de barganhas entre os

credores.”147.

144 BAIRD, Douglas G.; RAMUSSEN, Robert K. Chapter 11 at Twilight. 56 Stan. L. Rev., 2003-2004, p. 688. 145 BAIRD, Douglas G.; RAMUSSEN, Robert K. Chapter 11 at Twilight. 56 Stan. L. Rev., 2003-2004, p. 691-692. 146 http://exame.abril.com.br/negocios/gol-compra-varig-por-us-275-milhoes-m0125597/ 147 DIAS, Leonardo Adriano Ribeiro. Financiamento na Recuperação Judicial e a Falência. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 53-54.

68

Lorenzo Stanghellini148 esclarece que, muitas vezes, há um falso problema relativo ao

interesse a ser tutelado nas situações em que a empresa possui um valore di avvia, ou seja, o

going concern value, de forma que todos os interesses envolvidos seriam satisfeitos pela

manutenção da atividade. Em outro cenário, quando os diversos interesses envolvidos não

puderem ser simultaneamente perseguidos, de modo que algum ou alguns deles sejam

sacrificados em prol da preservação da empresa, a questão sobre a qual o interesse a ser tutelado

ou sacrificado assume um caráter político e, por isso, deve, a princípio, ser objeto de lei e não

de decisão judicial149.

O FMI já reconheceu que a eficiência não é o único objetivo a ser perseguido pela lei

falimentar. O legislador de cada país deve levar em consideração outros fatores na elaboração

de um sistema falimentar, como a proteção aos trabalhadores das empresas em crise,

promovendo a conciliação dos interesses políticos, econômicos e sociais que circundam a

empresa.

Como já mencionamos, os objetivos traçados pela LRE visam à proteção das diversas

partes afetadas, ou seja, os stakeholders – terminologia utilizada nesta tese - e, sobretudo, a

solução da crise empresarial consubstanciada no reerguimento e preservação da empresa, tal

como insculpido em seu art. 47.

1.5. Governança na Recuperação Judicial

Com o objetivo de fundamentar a Governança na Recuperação Judicial, é importante

delinearmos alguns pontos referentes ao instituto da Governança Corporativa, já que é origem

para a propositura de um modelo de Governança no processo recuperacional.

148 STANGHELLINI, Lorenzo. Le crisi di impresa fra diritto ed economia – Le procedure di insolvenza. Bologna: il Mulino, 2007, p. 69-113. 149 Já para Alan Shwartz, a lei concursal não pode objetivar diretamente a preservação de empregos ou ajudar comunidades locais. No caso da quebra da empresa, os empregados podem ser reempregados em outro lugar ou redistribuídos de duas maneiras: (a) pela cobrança de impostos ex ante das empresas, destinados a programas que facilitam a transição de empregos; e (b) pela melhoria dos programas sociais de seguro-desemprego e apresentação de oportunidades de trabalho, mediante a promoção de treinamento para reciclagem profissional do trabalhador. Quanto às comunidades locais, em economias descentralizadas, é comum que empresas fechem ou transfiram suas plantas para outros lugares (SCHWARTZ, Alan. A normative theory of business bankruptcy. 91 Va. L. Rev., Sept. 2005, p. 1263-1265.).

69

Na atualidade, o termo “governança corporativa” ocupa destaque em matérias em

veículos de comunicação e é frequentemente relacionado à empresa como uma qualidade

positiva para atingir os seus objetivos sociais e ao bom relacionamento entre suas estruturas de

gestão.

O termo “governança corporativa” utilizado no Brasil vem da tradução literal do uso

combinado das palavras norte-americanas “corporate” e “governance”.

A difusão nos Estados Unidos da América do termo “corporate governance” ocorreu com

a sua utilização pela Securities and Exchange Commission (SEC) em dois textos: “SEC

Influence on Corporate Ethics and Governance”, escrito por John R. Evans, e “SEC’s Concern

with Corporate Governance”, escrito por Philip A. Loomis Jr., em que afirmam150: “Questions

about governance of corporations, the accountability of management, the role and function of

the board of directors, and the rights of shareholders are very much alive today. Because little

was said about corporate governance in the 1940s or 1950s, there is a tendency, particularly

in corporate circles, to regard this concern as something new”151.

A palavra “corporate”152 é um adjetivo que vem do substantivo “corporation”, que

significa “an entity having authority under law to act as a single person distinct from the

shareholders who own it and having rights to issue stock and exist indefinitely; a group or

succession of persons established in accordance with legal rules into a legal or juristic person

that has legal personality distinct from the natural persons who make it up, exists indefinitely

apart from them, and has the legal powers that its constitution gives it.”153. Nos países anglo-

saxões, o termo “corporation” é utilizado para designar um tipo societário específico, cuja

característica principal é a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor do capital. Dada

essa característica e a forma em que se estrutura, pode-se dizer que a “corporation” se

assemelha à sociedade anônima brasileira.

150 Informação constante datada respectivamente de 9 de junho de 1978 e 20 de novembro de 1978 in Corporate Governance in Historical Perspective, Hofstra Law Review nº 8, pp. 141-181. 151 O caso CTS Corp. vs. Dynamics Corporation of America é um dos primeiros precedentes da Corte Suprema Americana na utilização do termo “corporate governance”. Nesse caso, foi dado aos respectivos Estados o direito de incluir disposições em suas leis societárias que restringissem, em caso de tomada de controle hostil (hostile takeover151), os direitos de voto do bloco de ações adquiridos pelo emitente da oferta de tomada de controle para suspender a aquisição, até que os acionistas da companhia decidissem em assembleia especialmente convocada para esse fim, na qual o lançador das referidas ações não poderia votar. Disponível em: http://supreme.justia.com/us/481/69 (acesso em 02/10/2016). 152 Black´s Law Dictionary. MN: Thomson West, 2007, 8ª edição, p. 364. 153 Black´s Law Dictionary. MN: Thomson West, 2007, 8ª edição, p. 365.

70

Já a palavra “governance” vem de “gubernare” que significa “the activity or manner of

governing”154. O termo “governing”, por sua vez, significa “having the power to control an

organization”155. A tradução para o português do referido termo é “governo” ou “forma de

governo”.

Assim, o uso combinado de ambas as palavras denota o sistema de governo da companhia.

São inúmeras as definições existentes sobre governança corporativa156. Isto porque, o instituto

acaba por englobar aspectos multidisciplinares relacionados à administração, economia,

contabilidade, gestão de recursos humanos, direito, dentre outros, sendo que recentemente a

responsabilidade social tornou-se também um tópico do instituto.

Os conceitos com enfoque financeiro refletem a preocupação de se regular as relações de

poder internas da sociedade, servindo, então a governança corporativa como mecanismo para

evitar eventuais conflitos de interesse157 entre administradores e os acionistas ou investidores,

de modo a garantir a estes dois últimos o retorno financeiro desejado.

O que se observa em alguns conceitos é uma certa confusão de corporate governance

com corporate control. O conceito de corporate control é anterior e foi difundido com o

trabalho de Berle e Means158, “The Modern Corporation and the Private Property”. Nesse

estudo, constatava-se a dissociação entre a propriedade e o controle das empresas, que nas

154 Oxford Advanced Learner’s Dictionary of Current English. Oxford: Oxford Press University, 2005. 155 Longman Dictionary of Contemporary English. England: Longman Group Ltd, 1995, 3ª edição, p. 617. 156 Para Rafael La Porta, Florencio Lopez-de-Silanes, Andrei Shleifer e Robert Vishny: “Corporate governance deals with the ways in which suppliers of finance to corporations assure themselves of getting a return on their investment”. Já para Luiz Leonardo Cantidiano: “Governança se refere às maneiras pelas quais os investidores – quando decidem fornecer capital para a empresa – protegem os seus interesses, garantindo assim algum retorno para seus investimentos. Como, sob certo ângulo, após a cessão dos fundos, os investidores (acionistas minoritários e credores) são desnecessários para o funcionamento da empresa, os administradores da companhia (os seus acionistas controladores ou administradores profissionais) podem manipular os seus resultados de modo a reduzir a remuneração devida a tais investidores, que são expropriados.” in CANTIDIANO, Luiz Leonardo. “Reforma da Lei das S/A comentada”. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 65. 157 De acordo com Antonio Gledson de Carvalho: “governança corporativa (ou governança empresarial) pode ser descrita como os mecanismos ou princípios que governam o processo decisório dentro de uma empresa. Governança corporativa é um conjunto de regras que visam minimizar os problemas de agência.” in “Governança corporativa no Brasil em perspectiva”. Revista de Administração, São Paulo, v.37, n.3, p.19-32, jul./set. 2002. Nesse sentido, menciona Luciana de Pontes Saraiva que: “Governança corporativa representa um movimento surgido na década de 1990, cujas origens remontam ao Reino Unido e aos Estados Unidos, albergando um conjunto de práticas negociais que visam superar os chamados ‘conflitos de agência’, decorrentes da cisão entre propriedade dos acionistas e garantia dos credores, de um lado, e os respectivos controladores da companhia, de outro.” (Governança corporativa e auditores independentes: uma visão do Sarbanes-Oxley Act e da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários in “Governança corporativa: empresas transparentes na sociedade de capitais”. São Paulo: Lazuli Editora, 2005. Org. Luiz Leonardo Cantidiano e Rodrigo Corrêa, p. 129). 158 ANAND, Sanjay. “Essentials of Corporate Governance”. New Jersey: John Wiley & Sons, Inc., 2008, p. 83.

71

grandes companhias norte-americanas se mostrava de forma pulverizada. A partir de 1960, os

acadêmicos passaram a dedicar-se ao que se denominou de “market for corporate control”, ou

seja, mercado de compra e venda do controle de empresas.

Como ensina Fábio Konder Comparato, a palavra “controle” evolui em dois sentidos,

sofrendo dupla influência do idioma francês e inglês, “de tal sorte que a palavra controle

passou a significar, correntemente, não só vigilância, fiscalização, como ato ou poder de

dominar, regular, guiar ou restringir. (...) Não é, portanto, absurdo falar-se atualmente, em

português, de ‘controle do controle’, problema aliás fundamental de toda organização social,

o que sublinha fortemente a ambiguidade do termo”159.

Assim, quando o termo “controle” é utilizado no sentido de verificação e fiscalização, tal

acaba se aproximando do significado de “governance”. Por isso, é frequente verificar que o

termo “governança corporativa” venha associado ao controle da companhia e à forma como a

mesma é administrada. Talvez a definição mais concisa nesse sentido, até pelo fato de ter sido

uma das primeiras a ser elaborada, seja do Cadbury Report160: “corporate governance is the

system by which businesses are directed and controlled”.

Nesse sentido, a governança corporativa é o sistema pelo qual os negócios são dirigidos

e controlados, em que “sistema” é um “corpo de normas ou regras, entrelaçadas numa

concatenação lógica, e, pelo menos, verossímil, formando um todo harmônico”161.

Ainda, há definições que partem de conceitos mais restritos de governança corporativa,

identificando-a como uma forma de proteção dos acionistas minoritários162, outras a identificam

159 COMPARATO, Fábio Konder, “O Poder de Controle na Sociedade Anônima”. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 11-12. 160 Liderada por Sir Adrian Cadbury, a comissão formada por representantes da Bolsa de Valores de Londres, entidade de Contadores da Inglaterra e do Conselho de Relatórios Financeiros, divulgou em dezembro de 1992 o primeiro Código de Melhores Práticas. 161 Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 162 Para Norma Parente, “Os abusos dos controladores geraram um movimento, quase que uma forma de ativismo político, com a finalidade de obrigar as companhias a aprimorar o tratamento dado às minorias. A principal conquista dos minoritários nesse sentido tem sido obter dos acionistas controladores o compromisso de implantação de governança corporativa nas empresas, ou seja, estes concordam em introduzir sistemas de controle da administração da sociedade.” (“Principais Inovações Introduzidas pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, à Lei de Sociedades por Ações” in “Reforma da Lei das Sociedades Anônimas”. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. Coord. Jorge Lobo, p. 12).

72

como um mecanismo de proteção de todos acionistas e não somente daqueles163. Também,

temos outras definições que aliam o conceito de governança corporativa ao relacionamento dos

diversos órgãos e agentes societários entre si e em relação aos acionistas, enquanto um conjunto

de direitos e sistemas de relações, bem como valores e padrões de comportamento164. Ou ainda,

alguns que prefiram enfocar a governança corporativa sob o prisma das estruturas internas da

empresa e as relações de controle recíproco entre as mesmas165.

Existem na atualidade vários fundos e aplicações financeiras especialmente estruturados

com pressupostos de natureza ética. O primeiro desse tipo foi o “Fundo Ethical”, lançado em

2001 pelo Banco ABN AMRO Real S.A., cuja carteira é composta por ações de empresas

consideradas “socialmente responsáveis”. Enquadram-se nesse conceito, empresas que tenham

um equilíbrio entre expectativas financeiras com melhores práticas sociais e ambientais, bem

como boas práticas de governança corporativa. Seguindo essa linha, Wilson Koslowski

conceitua a governança como o conjunto de regras de melhores práticas no convívio social,

reconhecendo que os grupos externos à sociedade possuem interesses nela. Veja: “Diante dos

diversos choques de confiança que assolaram o mercado mobiliário nos últimos tempos, cresce

a importância de estudos voltados para a definição de regras de conduta aplicáveis ao convívio

social, buscando o melhor equilíbrio de forças e o resgate da credibilidade. Estas regras os

juristas e os economistas passaram a chamar de Boa Governança Corporativa, na tradução

163 De acordo com Valdir Lameira, a governança corporativa é “o conjunto de mecanismos econômicos e legais que são alterados por processos políticos, objetivando melhorar a proteção dos direitos dos acionistas e credores (investidores de uma forma geral) em uma sociedade” (“Governança Corporativa”. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 2). 164 Para João Bosco Lodi, a governança corporativa é “o sistema que assegura aos sócios proprietários o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da diretoria executiva. A relação entre propriedade e gestão se dá através do Conselho de Administração, a auditoria independente e o conselho fiscal, instrumentos fundamentais para o exercício do controle. A boa Governança assegura aos sócios equidade, transparência, responsabilidade pelos resultados (accountability) e obediência às leis do país (compliance)” (“Governança corporativa: o governo da empresa e o conselho de administração”. Rio de Janeiro: Campus, 2001, p. 24). Trata-se de reprodução do conceito adotado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC – em seu Código de Melhores Práticas de 2001, 2a edição. 165 Nesse sentido, temos o conceito de Calixto Salomão Filho: “se tornou comum afirmar que em matéria de estruturação societária (ou governança corporativa) os sistemas tendem a unificar-se em torno de uma estrutura eficiente, caracterizada pela preocupação exclusiva com os acionistas e pela dispersão acionária.” (“O Novo Direito Societário”. 3ª edição, ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 64). Sob outro prisma, caberia ao instituto da governança corporativa harmonizar as relações de poder internas de uma sociedade, bem como as relações com grupos de poder externos à sociedade: “Corporate governance can be defined as the way the management of a firm is influenced by many stakeholders, including owners/shareholders, creditors, managers, employees, suppliers, customers, local residents, and the government. Different economies have systems of corporate governance that differ in the relative strength of influence exercised by stakeholders and how they influence the management.”, de acordo com HOSHI, Takeo. “Japanese corporate governance as a system” in “Comparative corporate governance – the state of the art and emerging research”. Oxford/New York: Oxford University Press, 1998, org. Klaus J. Hopt, Hideki Kanda, Mark J. Roe, p. 848.

73

do termo inglês corporate governance, denotando as raízes históricas do ideário. É de registrar

que os objetivos acima traçados não esgotam o escopo da governança, uma vez que outros

interesses, que não os meramente intrassocietários (relações sócio-sociedade), são abarcados.

Dentre estes se destacam os dos trabalhadores, dos consumidores, dos concorrentes, da

comunidade e do Estado.”166.

No entanto, nas proposições dos diferentes conceitos de governança corporativa, observa-

se que tais se prendem à sua forma como instituto ou discorrem sobre seu conteúdo. Nesse

sentido, quando a governança corporativa é conceituada como o conjunto de regras da

sociedade, está se consagrando a forma com que ela deve ser estruturada e administrada, não

interessando qualquer juízo de valor que se possa fazer sobre uma regra ou outra. Por outro

lado, a conceituação como conteúdo se foca na determinação das regras de governança

corporativa, que variam conforme princípios e práticas específicos influenciados por questões

culturais, econômicas, legais, mercadológicas, políticas, estrutura de controle e poder das

sociedades.

Assim, com o fim de desenvolver a governança como conteúdo para que fosse dada forma

à estrutura do instituto nas sociedades, os governos de alguns países e organismos

internacionais desenvolveram um conjunto de boas práticas de governança corporativa, que foi

materializado em Códigos de Boas Práticas de Governança Corporativa, aplicáveis a cada um

deles, conforme a sua realidade e necessidade.

No entanto, ao analisar os conceitos, nota-se a influência dos modelos de governança

corporativa conhecidos e já consolidados: modelo anglo-saxão (shareholder oriented model) e

modelo nipo-germânico (stakeholder oriented model)167.

No final dos anos 1990, o modelo de governança corporativa anglo-saxão adotado nos

Estados Unidos da América passou por questionamentos. A Enron estava no seu auge e era a

maior e mais inovadora empresa de gás dos Estados Unidos da América, com um invejável

166 KOZLOWSKI, Wilson. “Breves notas de governança corporativa acerca do conflito de interesses na sociedade anônima”. Revista Jurídica, Porto Alegre, v.51, n.313, p.19, nov. 2003. 167 O shareholder oriented model foi adotado pelos Estados Unidos da América e pela Inglaterra. Nele, as regras de governança corporativa visam proteger os interesses dos acionistas. Já o stakeholder oriented model foi adotado pela Alemanha e pelo Japão, sendo que o objetivo das regras de governança é a proteção das relações da sociedade além dos acionistas, chegando a todos que se relacionam com ela, incluindo, mas não se limitando a, empregados, credores e fornecedores.

74

portfólio de investimentos conexos na área de energia elétrica e telecomunicações. Até então,

a Enron era corriqueiramente apontada como um modelo de boa gestão, lugar para se trabalhar,

de boas práticas de governança corporativa (existência de comitês especializados de

fiscalização e auditoria, administradores independentes, código de conduta, investidores

institucionais no quadro de acionistas).

Em dezembro de 2001, a Enron entrou com Chapter 11 (lei de falências norte-americana)

e com isso vieram à tona as fraudes ocorridas na empresa, até então sem precedentes na história

dos Estados Unidos da América. Descobriu-se que os administradores haviam firmado acordo

com partes relacionadas em transações com conflitos de interesse, os auditores independentes

(Arthur Andersen, que se extinguiu após o escândalo), em conluio com os administradores,

forjaram os balanços e demonstrações financeiras. Diante desse cenário, os investidores

institucionais mantiveram-se omissos, as agências de rating conferiam notas máximas à Enron,

e o mercado de ações, que deveria refletir esse cenário, continuava a operar com as ações da

Enron em alta.

A descoberta do caso Enron veio acompanhada de outras similares, como a WorldCom168,

Tyco169 e Adelphia170. Em reação a isso, o governo norte-americano editou em 2002 a

168 A WorldCom era a segunda maior operadora de longa distância dos Estados Unidos e estava presente, via controle societário direto ou indireto de empresas, em 65 países. Os executivos da WorldCom admitiram ter inflado em cerca de US$ 4 bilhões seus lucros entre janeiro de 2001 e março de 2002. À época, a referida companhia já estava envolvida em outro escândalo envolvendo o seu fundador e ex- -presidente, Bernie Ebbers, que renunciou ao cargo depois de obter empréstimo da empresa no valor de US$ 360 milhões para comprar ações da própria WorldCom. Em julho de 2002, a empresa entrou com “Chapter 11”, procedimento similar à falência no Brasil. Estas informações foram obtidas em http://www.icmrindia.org/casestudies/catalogue/Finance/FINC022.htm. 169 A Tyco International tinha operações em mais de 100 países e era o maior fornecedor mundial de componentes elétricos e eletrônicos; o maior produtor de sistemas de telecomunicações submarinos e de sistemas de proteção de incêndio e serviços de segurança eletrônicos. Em 1999, o SEC começou uma investigação depois de uma análise reportando práticas de contabilidade questionáveis. Esta investigação durou de 1999 a 2000 e foi centrada em práticas contábeis para muitas aquisições da empresa, incluindo práticas conhecidas como “carregamento da primavera”. No “carregamento da primavera”, os lucros pré- -adquiridos de uma aquisição da empresa não eram relatados, dando à consolidação da empresa a aparência de lucros aumentados mais tarde. A investigação terminou com o SEC decidindo por não tomar qualquer ação. No entanto, o SEC ordenou que os executivos envolvidos devolvessem os fundos que tomaram da Tyco em forma de empréstimos em sigilo e compensações. As informações foram obtidas em http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A59558-2004Apr7.html. 170 A Adelphia era a sexta maior operadora de cabo nos Estados Unidos. Os executivos, interessados em aumentar os seus bônus, admitiram que por dois anos consecutivos os números no balanço foram modificados para refletir uma receita muito maior do que a efetiva. Os principais executivos foram condenados por conspiração, fraude a bancos, fraude ao mercado de capitais, por saques indevidos do caixa da empresa e por lesar os acionistas da companhia. As informações foram obtidas em http://www.msnbc.msn.com/id/539406.

75

Sarbanes-Oxley Act (SOX), cujos 700 artigos são reputados como a maior intervenção

regulatória da história daquele governo.

Na Inglaterra, entre os anos 1980 e 1990, surgiram escândalos relacionados a falhas nas

informações financeiras e fraudes em empresas, que poderiam ter sido evitados com melhores

mecanismos de controle interno. O Bank of Credit and Commerce International S.A. (BCCI)

foi fundado em 1972171 e tinha atuação mundial, com presença em 70 países. A sua estrutura

societária era composta por diversas empresas localizadas em países diferentes, mas sempre de

forma que o controle acionário fosse detido por uma holding company172 localizada em

Luxemburgo. Sendo assim, o referido banco não estava sujeito a algumas disposições das leis

inglesas. Quando, em 1991, o banco veio a falir, verificou-se que este estava com problemas

financeiros, no importe de US$ 10 bilhões, devido a atos fraudulentos de gestão, incluindo

crimes de lavagem de dinheiro.

Em outro caso, envolvendo o banco de investimentos Barings, um dos mais antigos e

conceituados bancos ingleses, pode-se verificar que a sua falência, em 1995, decorreu de ato

praticado por um operador situado em um escritório em Cingapura. A queda das bolsas de

Osaka e Cingapura gerou a falência do Barings porque o operador montou posições muito altas

em derivativos naquelas localidades. Consecutivas quedas na Bolsa de Valores de Tóquio,

acentuadas pelo terremoto em Kobe em janeiro de 1994, fizeram com que o banco perdesse

uma fortuna no importe equivalente a US$ 1,5 bilhão. Isso demonstrou a existência de falhas

de controles internos e confiança demasiada no operador173.

Diante desses escândalos, o Conselho de Relatórios Financeiros (Finantial Reporting

Council), a Bolsa de Valores de Londres e profissionais de contabilidade formaram uma

comissão, liderada por Adrian Cadbury, para discutir padrões de relatórios financeiros,

responsabilidades dos acionistas e administradores, os papéis do conselho de administração da

companhia e dos auditores. O resultado desse trabalho foi a emissão do Relatório Cadbury ou

Código Cadbury (1992), que foi o primeiro Código de Governança Corporativa.

171 As informações foram obtidas em http://www.erisk.com/Learning/CaseStudies/BCCI.pdf. 172 “A company formed to control other companies, usu. Confining its role to owning stock and supervising management” in Black´s Law Dictionary. MN: Thomson West, 2007, 8ª edição. 173 As informações foram obtidas em http://www.estadao.com.br/noticias/economia,fraude-no-societe-relembra-o-caso-barings,114587,0.htm.

76

Em 1992, ocorreu uma mudança importante no fluxo de capitais internacionais, que

resultou em seu direcionamento para o Brasil. A recessão que atingiu as economias dos países

integrantes do G7174 fez com que os seus Bancos Centrais se unissem à OCDE175 e, liderados

pelo Federal Reserve Bank norte-americano, reduzissem as taxas de juros. Com isso, os

investidores institucionais passaram a procurar alternativas de investimentos fora de seu país

de origem com retornos financeiros mais atraentes. Dessa forma, os países das chamadas

“economias emergentes” receberam grandes aportes de capital entre 1992 e 1993176.

Os investidores institucionais, preocupados com a destinação do volume de capitais

investidos, passaram a ser mais atuantes na administração das empresas investidas, na medida

em que perceberam que o direito de voto bem exercido representava um valor econômico177, se

não um retorno do investimento. Diante disso, os investidores institucionais passaram a

promover ações para que fossem adotadas determinadas normas e regras de transparência nos

demonstrativos financeiros, bem como no estímulo à disseminação da cultura institucional em

termos de controle corporativo, de maneira a ter regras uniformes em todos os países. Com isso,

passariam os investidores institucionais a ter mais controle, podendo acompanhar mais de perto

a gestão das empresas e com isso, obviamente, maximizar o retorno de seus investimentos.

A globalização deu à governança corporativa o tratamento de um assunto padronizado e

internacional, mas muito motivado de certa forma pela atuação das instituições internacionais.

O Fundo Monetário Nacional (FMI), o Banco Mundial, como é conhecido o Banco

Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), e a Organização Mundial do

Comércio (OMC) foram criados no período do pós-guerra com a finalidade inicial de assegurar

a estabilidade econômica mundial, evitando a ocorrência de uma nova depressão mundial;

harmonizar o sistema financeiro mundial, reconstruindo-lhes as bases; e controlar as relações

comerciais internacionais.

174 Grupo formado por sete países: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Canadá, Itália, França e Reino Unido. Eles se reúnem periodicamente para desenvolver uma maior coordenação de suas políticas macroeconômicas e assim potencializar uma maior estabilidade econômica e política em nível internacional. Nota de rodapé em STIGLITZ, Joseph E. “A Globalização e seus malefícios”. 3ª reimpressão. São Paulo: Futura, 2002, p. 41. 175 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. 176 COUTINHO, Luciano e REBELO, Flávio Marcílio. Brazil: Keeping it in the Family. In Corporate Governance in Development – The Experience of Brazil, Chile, India and South Africa, p. 40. 177 GILLAN, Stuart e STARKS, Laura T. Corporate Governance, Corporate Ownership, and the Role of Institutional Investors: A Global Perspective, p. 18.

77

As primeiras iniciativas de dar um tratamento internacional ao tema ocorreram em 1996,

ano em que a OCDE, a pedido de seus Ministros e Conselheiros, encomendou um estudo

preliminar a um grupo de profissionais e representantes da comunidade empresarial

internacional, especialistas em governança corporativa. Nesse mesmo ano formava-se o

Business Sector Advisory Group on Corporate Governance, grupo integrado por Michel Albert,

Sir Adrian Cadbury, Robert E. Denham, Dieter Feddersen, Nobuo Tateisi e Ira Millstein.

Em 1998, o grupo divulgou um documento detalhando os princípios comuns de

governança corporativa. Tal documento foi intitulado de “Corporate Governance – Improving

Competitiveness and Acess to Capital in Global Markets – A Report to the OECD by the

Business Sector Advisory Group on Corporate Governance”, mais conhecido como “Millstein

Report”, em homenagem ao presidente do grupo, Ira Millstein, advogado norte-americano

reputado como grande conhecedor de governança corporativa178.

O objetivo do documento era identificar “what is necessary by way of governance to

attract capital”. Assim, são apontados os seguintes parâmetros como fundamentais para a

governança corporativa: “(i) increasingly, it is accepted that the corporate governance

objective is maximizing shareholder value, which not only requires superior competitive

performance but also generally requires responsiveness to the demands and expectations of

other stakeholders; (ii) increased transparency and independent oversight of management by

board of directors are the central elements of improved corporate governance; (iii) board

practice should be subject to voluntary adaptation and evolution, in an environment of globally

understood minimum standards; (iv) there are certain areas in which the adoption of universal

rules is preferable (such as accounting)” 179.

O grupo considerou como sendo os princípios fundamentais para se alcançar elevados

padrões de governança corporativa: (i) Equidade (fairness), a ser obtida com o fortalecimento

dos direitos dos acionistas, incluindo os minoritários e estrangeiros, e pela melhoria dos

mecanismos de execução (enforceability) dos contratos privados; (ii) Transparência

(transparency), a ser alcançada por meio de exigências de divulgação adequada e tempestiva

de informações claras e comparáveis a respeito do desempenho financeiro da companhia, de

178 Informação obtida no site http://www.oecd.org/document/30/0,3343,en_2649_34813_34724190_1_1 _1_1,00.html. 179 Anexo I do relatório Corporate Governance – Improving Acess to Capital in Global Markets, app.2.

78

sua governança corporativa e de sua estrutura de propriedade; (iii) Responsabilidade pelos

resultados (accountability), que envolveria os esclarecimentos a respeito dos papéis e

responsabilidades fundamentais das estruturas de governança e dos órgãos de administração

das empresas e apoiando as iniciativas voluntárias de promover o alinhamento de interesses

entre a gestão executiva e os acionistas e preservadas as funções de fiscalização do conselho de

administração; e (iv) Responsabilidade (responsibility), a ser alcançada por intermédio de

mecanismos que assegurem o cumprimento, pela companhia, das leis e regulamentos que

reflitam os valores de cada sociedade.

Com base no Millstein Report, a OCDE, com apoio do G-7, organizou o Ad-Hoc Task

Force on Corporate Governance, cujo objetivo era discutir os princípios apontados pelo

Business Sector Advisory Group on Corporate Governance. Em abril de 1999, a OCDE

publicou os “Princípios de Governança da OCDE”:

(a) Equidade (fairness): a estrutura de governança corporativa deve promover o

fortalecimento dos direitos dos sócios (Princípio I), assegurando o tratamento equitativo

de todos (incluindo minoritários e estrangeiros). A todos os sócios deve ser dada a

oportunidade de serem efetivamente ouvidos e atendidos em relação a reclamações de

violação de seus direitos (Princípio II). Reconhece-se, em resumo, que os sócios são os

proprietários da empresa, em razão de sua titularidade de títulos representativos de uma

parte de seu capital. Dessa forma, têm o direito de se fazerem ouvir e de manifestarem

sua opinião de forma a contribuir para a formação da vontade social, bem como de

contar com proteção adequada em caso de violação de seus direitos.

(b) Transparência (transparency): a estrutura de governança corporativa deve garantir que

as informações adequadas, completas e relevantes às atividades da empresa, sua

condição financeira, estrutura de propriedade e governança corporativa cheguem,

pontual e simultaneamente, a todos os agentes de mercado (Princípio IV). O princípio

reconhece que a informação é um dado fundamental para que acionistas, potenciais

investidores e o mercado exerçam adequada supervisão e mensuração da performance

da empresa, bem como avaliem os riscos de seus investimentos.

(c) Responsabilidade pelos resultados (accountability): a estrutura de governança

corporativa da empresa deve assegurar a direção estratégica da empresa, a efetiva

79

supervisão de sua gestão pelo Conselho de Administração e o comprometimento deste

órgão para com todos os acionistas (Princípio V).

(d) Responsabilidade (responsibility): a governança corporativa deve reconhecer e respeitar

os direitos estabelecidos pela lei dos stakeholders e estimular a cooperação ativa entre

estes e a empresa como forma de gerar riqueza, empregos e uma instituição

financeiramente sólida e autossustentável (Princípio III). Além de cumprir o que a lei

dispuser a respeito dos direitos dos stakeholders, o princípio também estimula a

“cidadania corporativa” (corporate citizenship) que se concretiza autônoma e

voluntariamente, de acordo com o que cada empresa decidir.

Em junho de 1999, a OCDE e o Banco Mundial celebraram um “Memorandum of

Understanding” (MOU)180 para estabelecer uma parceria denominada “Global Corporate

Governance Forum” (GCGF), patrocinada pelo Banco Mundial e constituída por bancos de

desenvolvimento regionais e outras organizações e agrupamentos internacionais.

O objetivo do GCGF era elaborar uma estrutura que viabilizasse a cooperação

internacional e a criação de sinergia entre os países em relação à governança corporativa. Nos

termos da cláusula 2.3 do MOU, são funções do GCGF: “(i) build a consensus in favor of

appropriate policy, regulatory and institutional reforms; (ii) coordinate and disseminate

corporate governance activities; (iii) provide support for regulatory and private voluntary

action; (iv) promote institutional development and human capacity building in the associated

fields of corporate governance; (v) train the various professions and the other agents which

are essential to bring about a culture of compliance”.

Assim, o GCGF promove regularmente encontros nacionais e regionais com os principais

agentes privados com o objetivo de revisar questões relevantes de governança corporativa. A

primeira reunião na América Latina ocorreu em 2000, em São Paulo/SP/Brasil, sob o título

“Latin American Roundtable”181, cujo pano de fundo foi a discussão dos princípios de

governança corporativa estabelecidos pela OCDE.

180 Disponível para consulta no site: www.gcgf.org. 181 Prefácio de “White Paper on Corporate Governance in Latin America” editado pela OCDE: “The White Paper on Corporate Governance in Latin America was developed by the Latin American Roundtable on Corporate Governance, a forum that brings together policy markets, regulators, business leaders, investors and experts from the region, as well as counterparts from OECD countries. Using the OECD Principles of Corporate Governance

80

Com base no “White Paper on Corporate Governance” relativo à América Latina, os

objetivos consagrados são: “a) give policy makers and private sector leaders, including

international institutional investors, experts and multilateral institutions, an overview of the

main issues and developments in the Latin America region, providing benchmarks for

measuring progress; b) provide a set of recommendations for reform to improve corporate

governance in the region, for implementation by governmental authorities, multilaterals and

private sector institutions; and c) constitute input to the current assessment of the OECD

Principles of Corporate Governance to be completed in 2004”.

O GCGF, em 1999, custeou pesquisa realizada pela Consultoria McKinsey, com o fim de

medir o impacto de uma boa prática de política de governança corporativa no valor de uma

empresa. O “Global Investors’ Opinion Survey” conduzido por referida consultoria apurou

entre os investidores institucionais que, em 90% dos casos, eles estavam dispostos a pagar um

prêmio maior entre 18% a 28% por uma empresa que adotasse boas práticas de governança

corporativa182. Em uma outra pesquisa conduzida em 2002, apurou-se que o prêmio pela adoção

de boas práticas de governança corporativa no caso do Brasil seria de 24%.

Pode-se dizer que é a partir desse ponto que a governança corporativa passa a ser

associada à produção de bons resultados.

O instituto da governança corporativa é entendido como instrumento macroeconômico,

voltado a aspectos de estabilidade financeira de países e mercados e, como instrumento

microeconômico, que melhora o desempenho das empresas com a geração de valor para os seus

acionistas, ferramenta de gestão e promoção da longevidade da empresa, em favor dos seus

stakeholders.

as a conceptual framework for analysis and discussion, the White Paper examines the importance of good corporate governance for the region, discusses trends and characteristics particular to region, and sets out the roundtable’s recommendations and priorities for reform. Launched in 2000, the Roundtable developed this White Paper over the course of four meetings held in Brazil (2000), Argentina (2001), Mexico (2002) and Chile (2003), as well as through ongoing contacts between meetings”. 182 Informação obtida no site da International Finance Corporation (IFC), organização membro do Banco Mundial, mas com personalidade própria e independência financeira. O site é: http://www.ifc.org/ifcext/cgf.nsf/AttachmentsByTitle/Survey_McKinsey_Investor_Oprion_Survey_2002/$FILE/Global+Investor+Opinion+Survey+2002.pdf.

81

Dois documentos destacam-se em matéria de representatividade para o mercado

brasileiro quanto à instituição da Governança Corporativa: (i) os Princípios de Governança da

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por sua influência em

todos os demais códigos de governança corporativa; e (ii) o Código de Melhores Práticas de

Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)183.

O IBGC lançou, em 2015, a sua 5a edição do Código de Melhores Práticas184.

Apresenta o seguinte conceito: “Governança corporativa é o sistema pelo qual as

empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os

relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e

controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem

princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de

preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso

a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem

comum.”.

Na sequência, destaca como princípios da Governança Corporativa:

183 O IBGC foi fundado em 27 de novembro de 1995. É uma entidade cultural de âmbito nacional sem fins lucrativos, cujo objetivo principal é a disseminação do conceito de governança corporativa no Brasil. Para tanto, o IBGC promove regularmente conferências, publicações, treinamentos e networking entre profissionais. Com isso, o IBGC pretende semear a transparência na gestão das empresas, a equidade entre os sócios, a prestação de contas e a responsabilidade corporativa (Informações obtidas no site http://www.ibgc.org.br/index.php/ibgc/o-ibgc/historico, acesso feito em 14/12/2016). 184 De acordo com o próprio IBGC, em sua primeira versão, datada de 1999, o Código centrou-se principalmente no funcionamento, composição e atribuições do conselho de administração, refletindo claramente a tendência dominante na época. Dois anos depois, a segunda versão incluiu recomendações para os demais agentes da Governança: conselho de administração, conselho fiscal, gestores, auditoria independente, além de abordar o princípio da prestação de contas (accountability). Já a terceira versão, de março de 2004, destacou-se por centrar nas questões ‘pós-Eron’ e na inclusão do princípio de responsabilidade corporativa. A intenção era atentar para a perenidade das organizações, contribuindo com valores e orientações de estratégia empresarial. A quarta versão do Código apresenta três principais modificações: (i) acréscimo de questões que se tornaram mais relevantes nos últimos cinco anos, como voto por procuração e poison pills; (ii) inserção de temas importantes e/ou complexos, como eficácia dos conselhos de administração, transparência de atas e acesso às assembleias; e (iii) revisão e/ou a supressão de conceitos incorporados nas edições anteriores, considerando o amadurecimento do mercado de capitais. Então, o conceito de governança corporativa foi ajustado para: “Governança Corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de Governança Corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para sua longevidade.”.

82

(a) Transparência: Consiste no desejo de disponibilizar para as partes interessadas as

informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições

de leis ou regulamentos. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro,

contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação

gerencial e que conduzem à preservação e à otimização do valor da organização.

(b) Equidade: Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais

partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres,

necessidades, interesses e expectativas.

(c) Prestação de Contas (accountability):Os agentes de governança185 devem prestar

contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo

integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e

responsabilidade no âmbito dos seus papéis.

(d) Responsabilidade Corporativa: Os agentes de governança devem zelar pela viabilidade

econômico-financeira das organizações, reduzir as externalidades186 negativas de seus

negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu

modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual,

humano, social, ambiental, reputacional etc.) no curto, médio e longo prazos.

Com a exposição feita até aqui quanto aos fatores que levaram ao desenvolvimento da

governança corporativa, aliada à atuação do Estado com outros agentes econômicos − como a

BM&FBOVESPA, a CVM e os investidores institucionais −, para sua implementação no

Brasil, pode-se afirmar que, dependendo do prisma em que se analisa a questão, a opção

nacional ora se aproxima do shareholder oriented model ora do stakeholder oriented model.

Ao analisar o perfil das empresas brasileiras, é possível verificar que elas são marcadas

por terem um controle de propriedade concentrado. Dessa forma, mesmo em empresas cuja

185 As práticas deste Código se aplicam aos agentes de governança, ou seja, indivíduos e órgãos envolvidos no sistema de governança, tais como: sócios, administradores, conselheiros fiscais, auditores, conselho de administração, conselho fiscal etc. 186 Efeitos de uma transação que incidem sobre terceiros que não consentiram ou dela não participaram não completamente refletidos nos preços. Podem ser positivas ou negativas.

83

administração é profissional, o direcionamento da gestão é determinado pelos acionistas

controladores.

Nesse sentido, visando reduzir os custos relacionados aos conflitos entre acionistas

controladores com os demais (expropriation cost), como já mencionado, o Estado buscou

conferir em lei direitos aos acionistas minoritários.

Na mesma linha, cabe mencionar a iniciativa da BOVESPA (antiga BM&FBOVESPA)

que, com o lançamento do Novo Mercado, obrigou as empresas a aderirem a regras especiais

de governança corporativa para conferir direitos aos acionistas como (i) emissão

de/transformação em ações ordinárias, introduzindo o conceito de uma ação, um voto; e (ii)

direito de tag along de 100% do preço pago por ação do bloco de controle.

Isto nos leva a crer que o modelo de governança corporativa adotado pelo Brasil seja mais

semelhante ao modelo do stakeholder oriented model.

Por outro lado, se analisarmos as medidas tomadas pela CVM para o fortalecimento do

mercado de capitais brasileiro e as alterações introduzidas na Lei pelo Estado, observamos uma

grande preocupação em tornar clara a definição de atividades a serem exercidas pelos

administradores, Conselho de Administração e Conselho Fiscal. A CVM adota o modelo

“pratique ou explique”, o que demanda um maior comprometimento da administração da

empresa. Essas medidas visam evitar eventuais conflitos de interesse entre os administradores

e os acionistas, não importando que sejam controladores ou não.

Nesse mesmo sentido, o IBGC recomenda em seu Código das Melhores Práticas de

Governança Corporativa o exercício de uma administração transparente, incentivando a

prestação de contas aos acionistas.

Sob este prisma, podemos concluir, também, que o modelo de governança corporativa

adotado no Brasil se aproxime do modelo shareholder oriented model.

84

Em estudo específico procedido a respeito do instituto da Governança Corporativa187,

concluiu-se que não há que se falar que o modelo de governança corporativa brasileiro seja

resultante da convergência dos modelos anglo-saxão e nipo-germânico. Pode-se dizer que tais

modelos serviram de inspiração, como em outros países.

Na verdade, em vista da realidade socioeconômica brasileira, houve a adoção de um

modelo próprio de governança corporativa, cujos objetivos são: (i) o fortalecimento do mercado

de capitais; e (ii) a redução dos conflitos de interesses entre os diversos participantes da

empresa: entre os acionistas controladores e minoritários, entre os acionistas e os

administradores, entre os administradores com os funcionários.

Com o advento da abertura comercial, houve mudança no perfil de gestão familiar de

empresas, cujo controle era compartilhado, para uma gestão mais profissional. Os investidores

estrangeiros passaram, ainda, a exigir maior transparência na administração, respeito aos

minoritários e, em geral, às chamadas boas práticas de governança corporativa. Diante desse

cenário, adveio alteração da Lei das Sociedades Anônimas com a edição da Lei nº 10.303/01,

para garantir maiores direitos aos acionistas minoritários188.

No caso do Brasil, não obstante o movimento inicial tenha sido direcionado para

desenvolver o mercado de capitais brasileiro, o instituto da governança corporativa é visto como

algo que melhora o desempenho das empresas, com a geração de valor para os seus acionistas,

e que evita as situações de conflitos de interesses internos e externos.

Assim, as formas jurídicas pelas quais as empresas brasileiras exercem as suas atividades

sociais não podem ser fator determinante para aplicar ou não as regras de governança

corporativa. Antes, deve-se levar em consideração o fenômeno socioeconômico da empresa

brasileira. Nesse sentido, afirma-se que a governança corporativa, como instituto, é cabível e

deve ser observado também por sociedades anônimas de capital fechado.

187 CHO, Tae Young. Governança Corporativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. 188 Dentre eles: (a) redução da proporção entre ações preferenciais e ordinárias (passou a ser de 50%); (b) volta do direito de recesso em caso de cisão da sociedade; (c) mudança das regras para eleição dos membros do conselho de administração; (d) regras de atuação do conselho fiscal; (e) melhoria no processo de divulgação de informações para assembleias, bem como o alargamento do seu prazo de convocação; (f) obrigatoriedade de realizar oferta pública em caso de alienação de controle e garantia do preço a ser pago pelo comprador aos minoritários de no mínimo 80% do preço a ser pago por cada ação do bloco de controle; (g) fechamento do capital da companhia mediante oferta pública formulada pelo controlador ou pela própria companhia com vistas a adquirir a totalidade das ações em circulação; (h) possibilidade de inclusão, no Estatuto Social, da solução via arbitragem.

85

Ainda, muito embora vínculo entre os sócios na sociedade limitada ser sempre

contratual189, haja vista a maleabilidade nesse tipo societário de mesclar atributos das

sociedades de pessoas e de sociedades de capitais, a sociedade empresária limitada pode ser

classificada como híbrida190. Dada essa flexibilidade da sociedade empresária limitada, o que

se observou no Brasil foi o uso desse tipo societário para acomodar estruturas econômicas mais

complexas, com grande poder econômico191. Diante disso, como decorrência natural da

dimensão econômica de certas sociedades limitadas, é desejável que estas divulguem

periodicamente balanços e demonstrações financeiras, no mínimo sob os mesmos moldes

exigidos para as sociedades anônimas, para conhecimento das partes interessadas, como

credores, fornecedores e consumidores, ou seja, que sejam seguidos os princípios de

governança corporativa.

Feitas essas considerações sobre as origens, desenvolvimento e conceito de governança,

que aplicáveis às sociedades brasileiras, que inseridas no termo “corporativa”, passemos às

considerações quanto à aplicação dos princípios de governança ao instituto da Recuperação

Judicial.

189 “Se as alterações do contrato social não estão sujeitas (através de cláusulas específicas inseridas nesse instrumento e em acordo de quotistas) à vontade unânime dos sócios, o majoritário com mais de ¾ do capital social pode, conforme já assinalado (item 2), modificá-lo por ato de sua exclusiva vontade. Desse modo, se a sociedade foi contratada com o perfil personalístico, com o objetivo de assegurar às partes que ninguém poderia alienar sua participação societária sem a anuência do outro, mas não se estabeleceu nenhum mecanismo que impedisse a alteração do contrato social pela vontade da maioria qualificada, a limitação à cessão das quotas vigorará, em última instância, apenas em desfavor do minoritário que detiver menos de ¼ do capital social. Quer dizer, se o sócio majoritário com mais de ¾ do capital social quer vender sua participação na sociedade a terceiro estranho, mas não deseja submeter seu negócio à aprovação dos demais, ele pode fazê-lo, promovendo, antes, a alteração do contrato, para dotar a sociedade de perfil capitalista.” in COELHO, Fábio Ulhoa. “Curso de direito comercial: direito de empresa”. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2, p. 375. 190 De acordo com Rachel Sztajn: “A análise tipológica está a demonstrar que, no modelo da sociedade por quotas, predominam os elementos caracterizadores das sociedades de pessoas, com as modificações necessárias para acolher a regra da limitação da responsabilidade dos sócios e não o inverso. Se a sociedade por quotas não estivesse descrita em lei, constituindo modelo legal, afirmar-se-ia ser uma sociedade de pessoas atípica e não uma sociedade de capitais. Falta-lhe a estrutura organizacional própria das anônimas, a imperatividade das regras voltadas para a tutela de terceiros, como a publicidade, normas para a apresentação de demonstrativos contábeis e outras que não se lhe aplicam obrigatoriamente como seria desejável a uma sociedade de capitais. (...) Claro que a fixação dos contornos tipológicos mais frouxa dá às partes, no regular de seus interesses, a faculdade de acentuar um ou outro elemento, dando ao tipo uma ou outra nuança. Tal como as anônimas constituídas em base personalista, também as sociedades por quotas podem ser constituídas em base capitalista, corporativa, podendo ser criados Conselhos de Administração, Fiscal, Consultivo, ou outros, compostos por quotistas, ou não, e com funções idênticas às exercidas por esses órgãos nas sociedades anônimas.”. In SZTAJN, Rachel. Contrato de sociedade e formas societárias. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 102-103. 191 É fácil constatar que grupos mundiais de envergadura atuam no Brasil como sociedades empresárias limitadas. Como exemplos, citam-se: Apple, Motorola, HP, Sony, Samsung, Google, General Electric, dentre outros.

86

Como já mencionado, a Recuperação Judicial, com base na LRE, possui fundamento na

ética da solidariedade192, requerendo a cooperação de todos os stakeholders, principalmente da

devedora-recuperanda.

De fato, o fortalecimento da participação dos stakeholders no processo recuperacional é

considerando como um dos pontos mais importantes na mudança da lei recuperacional. Mas,

como bem mencionou, à época, Jairo Saddi, “o grande desafio da Nova Lei de Falências, diante

da descrença generalizada de qualquer processo de execução concursal ou da recuperação

apresentada, é mudar essa concepção negativa sobre a participação dos credores e estimular a

governança corporativa nos processos falimentares.”193.

Como já mencionamos, os credores juntamente com o Comitê de Credores desempenham

um papel fundamental no sistema recuperacional, em face de sua participação ativa esperada

para que as finalidades e objetivos da LRE possam ser atingidos. Enquanto os credores integram

os stakeholders, tendo o auge de sua atuação por meio da Assembleia de Credores, esta última

juntamente com o Comitê de Credores, o Administrador Judicial e o Juiz são os gatekeepers do

sistema recuperacional, compondo, portanto, as estruturas de Governança da Recuperação

Judicial.

Ao estimular a Governança na LRE, o legislador tratou de aspectos estruturais e

processuais de forma transparente e responsável, buscando incentivar a participação ativa e

responsável de todos os envolvidos no sistema recuperacional.

A transparência, de fato, é elemento essencial ao desenvolvimento do processo de

Recuperação Judicial e para o reerguimento da empresa. Para tanto, é necessário que a devedora

e os gatekeepers estejam abertos ao fornecimento de informações e atuem com transparência,

desde o início do procedimento recuperacional da empresa e no decorrer do cumprimento do

plano. Muito embora, o principal dever dos gatekeepers seja o de zelar pelo compliance da LRE

para que seus objetivos sejam atingidos, verificamos nos itens anteriores desta tese que eles

desempenham papel relevante na organização e gestão do procedimento recuperacional.

192 LOBO, Jorge. In ABRÃO, Carlos Henrique e TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 6a edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 179. 193 SADDI, Jairo. Suspensão e invalidação da Assembleia de credores na nova lei de falências. In CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coord.). Direito societário e a nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 26-54.

87

Assim, a atuação dos gatekeepers importa na subida de degrau de confiança dos demais

stakeholders de que o processo recuperacional não fracassará. Somente com a transparência,

haverá chance de que os demais stakeholders concedam, então, o voto de confiança e estejam

propícios para a harmonização de seus interesses, necessários para a resolução da crise, com a

recuperação da empresa.

No entanto, a necessidade de transparência vem acompanhada da prestação de contas. O

Banco Mundial em seus Principles and Guidelines194 aduz que padrões mínimos de

transparência e de governança devem ser estabelecidos para se estimular a comunicação e a

cooperação entre a devedora e os demais stakeholders (partes interessadas). Ao lado disso, é

importante que sejam adotados padrões de contabilidade e de auditoria, que estejam em

consonância com as melhores práticas internacionais, com a melhor regulação dos

comportamentos dos sócios/acionistas da devedora.

Diante disso, é necessário que se promova a divulgação de informações básicas, como as

demonstrações financeiras, estatísticas operacionais e fluxo de caixa, que servirão de base para

a avaliação com maior certeza dos graus de riscos envolvidos na recuperação da empresa.

Portanto, a transparência existe quando as informações são reunidas e prontamente

disponibilizadas para as partes interessadas. Isso conjugado com os bons comportamentos de

Governança Corporativa da devedora criam um ambiente de comunicação e informação, que

favorecem a maior cooperação entre todos.

Por sua vez, a Comissão Europeia, em seu relatório final do estudo de melhores práticas

de reestruturação195, falência e recomeço, concluiu que para aumentar a confiança dos credores,

recomenda-se que as informações da devedora, num procedimento de Recuperação Judicial,

devem ser divulgadas por um terceiro, que seja neutro e com experiência, indicado pelo juiz

e/ou aprovado pelos credores.

194 THE WORLD BANK. Principles and Guidelines for Effective Insolvency and Creditor Rights Systems. Apr. 2001. Disponível em: http: http://documents.worldbank.org/curated/en/123531468159317507/Banco-Mundial-principios-y-lineas-rectoras-para-sistemas-eficientes-de-insolvencia-y-de-derechos-de-los-acreedores (acesso em 17/12/2016). 195 EUROPEAN COMISSION. Best Project on Restructuring, Bankruptcy and a Fresh Start: Final Report of the Expert Group. Brussels, 2003.

88

Para Gustavo Milaré Almeida196, é indispensável para a realização da função social da

empresa, dentro de um procedimento recuperacional, o que ele denomina “princípio da

transparência qualificada”. Por este, a devedora tem de apresentar aos credores a situação real

da crise econômica-financeira na renegociação de suas dívidas, o que não significa uma ampla

abertura acerca de segredos comerciais, estratégias organizacionais, carteiras de clientes e

fornecedores. Nesse sentido, as informações a serem prestadas devem ser vinculadas ao “ponto

de estrangulamento” que gerou a crise e relacionadas ao plano de recuperação da empresa.

No entanto, em uma situação em que se busca um investidor para auxiliar financeiramente

com o fim de reestruturar a empresa, Jairo Saddi197 explica que existem informações que são

fundamentais para a avaliação correta do crédito. Em primeiro lugar, deve-se dar acesso às

informações positivas, como empréstimos em aberto e histórico de pagamentos e ativos, bem

como sobre as informações negativas, que consistem no nível de inadimplência ou fraudes de

pagamento. Ainda, ao potencial investidor deve ser dado acesso às informações gerenciais,

históricos de compras e de crédito em um período razoável. Essas informações necessitam ser

periodicamente atualizadas ou complementadas, de modo que transmita segurança e

confiabilidade quanto ao seu teor.

Com relação ao momento de prestação das informações, Alexandre Lazzarini198 entende

que o princípio da transparência deve ser respeitado em dois momentos: na apresentação do

pedido de Recuperação Judicial e na apresentação do PRJ.

No entanto, cabe mencionar que, além desses momentos, a adequada prestação de

informações deve ser ampla, periódica e permanente, como se assim se exige das companhias

abertas, que devem atender a elevados padrões de Governança Corporativa. Nesse sentido, a

ocorrência de qualquer fato relevante199, que implique na alteração das premissas anteriormente

196 ALMEIDA, Gustavo Milaré. Anotações sobre o princípio da função social da empresa na doutrina e na jurisprudência brasileira. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 153/154, jan./jul. 2010, p. 248-249. 197 SADDI, Jairo. Crédito e Judiciário no Brasil: uma análise de Direito & Economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 83. 198 LAZZARINI, Alexandre Alves. A recuperação judicial de empresas: alguns problemas na sua execução. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 36, abr./jun. 2007, p. 99. 199 Ainda, através da Instrução CVM nº. 358/02, foram determinadas regras para a divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas, estabelecendo vedações e condições para a negociação de ações de companhia aberta na pendência de fato relevante não divulgado ao mercado. Instrução CVM nº. 358/02, “Art. 2o: Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou

89

consideradas para reestruturar a empresa em crise, na revisão do plano de recuperação judicial,

etc., deve ser imediatamente comunicada aos stakeholders e aos gatekeepers pelos

administradores da recuperanda. Além disso, a forma de apresentação das informações deve ser

de fácil compreensão e objetiva, devendo ser considerada insuficiente a apresentação de

demonstrativos mensais contábeis pela devedora200, pois muitas vezes são extemporâneas,

imprecisas ou incompletas.

O artigo 51 da LRE apresenta a lista dos documentos considerados como essenciais para

a instrução da petição inicial, sendo que a falta de qualquer um ensejará o indeferimento do

pedido de processamento. Isto porque, é justamente nesse momento que a devedora exporá aos

credores, na medida do possível, a sua real situação. Ainda, se considera que os documentos ali

listados são o mínimo necessário para que os credores possam avaliar tecnicamente as

informações apresentadas, conhecer o mercado de atuação da devedora e dar início à análise

quanto a um possível plano de recuperação judicial a ser apresentado pela devedora.

qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável: I - na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados; II - na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; III - na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados. Parágrafo único. Observada a definição do caput, são exemplos de ato ou fato potencialmente relevante, dentre outros, os seguintes: I - assinatura de acordo ou contrato de transferência do controle acionário da companhia, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva; II - mudança no controle da companhia, inclusive através de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas; III - celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas em que a companhia seja parte ou interveniente, ou que tenha sido averbado no livro próprio da companhia; IV - ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a companhia, contrato ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa; V - autorização para negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro; VI - decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta; VII - incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligadas; VIII - transformação ou dissolução da companhia; IX - mudança na composição do patrimônio da companhia; X - mudança de critérios contábeis; XI - renegociação de dívidas; XII - aprovação de plano de outorga de opção de compra de ações; XIII - alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia; XIV - desdobramento ou grupamento de ações ou atribuição de bonificação; XV - aquisição de ações da companhia para permanência em tesouraria ou cancelamento, e alienação de ações assim adquiridas; XVI - lucro ou prejuízo da companhia e a atribuição de proventos em dinheiro; XVII - celebração ou extinção de contrato, ou o insucesso na sua realização, quando a expectativa de concretização for de conhecimento público; XVIII - aprovação, alteração ou desistência de projeto ou atraso em sua implantação; XIX - início, retomada ou paralisação da fabricação ou comercialização de produto ou da prestação de serviço; XX - descoberta, mudança ou desenvolvimento de tecnologia ou de recursos da companhia; XXI - modificação de projeções divulgadas pela companhia; XXII - impetração de concordata, requerimento ou confissão de falência ou propositura de ação judicial que possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia.”. 200 LRE, “Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: … IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;”.

90

Em certa medida, referida disposição em conjunto com o artigo 53, incisos II e III da

LRE, podem minimizar a tensão existente entre a capacidade de satisfação dos credores, mesmo

que parcialmente, e a viabilidade da devedora, na medida em que se impõe um filtro de seleção

pelo próprio critério de viabilidade econômica. Isto porque, como demonstrado anteriormente,

o instituto da Recuperação Judicial só deve ser utilizado para aquelas empresas

economicamente viáveis, exigindo-se, portanto, uma responsabilidade corporativa dos

stakeholders e dos gatekeepers. A permanência de empresas inviáveis poderá gerar

externalidades negativas, o que é contrário aos objetivos da própria LRE.

De acordo com Deborah Kirschbaum201, a despeito das lacunas legais, a melhor

interpretação para conciliar essas duas dimensões consistiria na permissão para os credores

objetarem o plano apresentado e na imposição de que a devedora demonstre que o pagamento

aos credores, nos termos do plano, é mais vantajoso do que o resultado que seria obtido na

falência.

Assim, a LRE determina que a devedora apresente, além das causas de sua situação

patrimonial e das razões de sua crise econômica-financeira, as demonstrações contábeis dos

últimos três exercícios sociais e as especialmente levantadas para instruir o pedido. A análise

comparativa desses documentos permite acompanhar os índices de liquidez, da relação entre

dívida e ativo, obrigações de curto, médio ou longo prazos, e níveis de endividamento. Todos

esses pontos financeiros servirão de base para a conclusão de viabilidade econômica ou não.

Referencia-se pesquisa realizada pelo Comitê de Soluções Financeiras do TMA Brasil,

na qual a questão da abertura de informações e da confiabilidade foi apontada como um dos

entraves ao financiamento das empresas, principalmente para as empresas de pequeno e médio

portes, já que nestas a transparência é menos recorrente202.

201 KIRSCHBAUM, Deborah. A Recuperação Judicial no Brasil: Governança, Financiamento Extraconcursal e Votação do Plano. 2009. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, 139-140. 202 TURNAROUND MANAGEMENT ASSOCIATION DO BRASIL – TMA BRASIL. Comitê de Soluções Financeiras. Financiamento de Empresas em Recuperação Judicial: Importância, Dificuldades e Estímulos. Mar. 2010. Disponível em: http://www.tmabrasil.org/sites/default/files/imce/materias/papers/paper_financiamento_da_recuperacao.pdf (acesso em 17/12/2016).

91

No processo de Recuperação Judicial, o administrador judicial, como gatekeeper, é

dotado de atividade fiscalizadora, que além de exigir o cumprimento do plano de recuperação

judicial pela recuperanda, também deve fornecer “com presteza” todas as informações

solicitadas pelos credores interessados, exigindo todas e quaisquer informações da recuperanda

ou de seus sócios e administradores. Para tanto, o administrador judicial deve apresentar

relatório mensal das atividades da recuperanda203.

O Comitê de Credores, como o gatekeeper responsável pela função de fiscalizar as

atividades da recuperanda e do cumprimento do plano204, juntamente com os credores podem

servir como um efetivo freio nas atividades da administração da empresa ou do administrador

judicial, de acordo com o Banco Mundial205. Leonardo Dias aponta que, para tanto, “devem ter

a oportunidade de obter informações relevantes, precisas e atuais, especialmente sobre as

atividades operacionais e financeiras, o que demanda uma abertura e transparência pela

administração da empresa, inclusive com a publicação de acontecimentos importantes em jornal

de grande circulação, para fornecer notícias adicionais aos credores como um todo”206. No

entanto, a questão do custo de publicação poderia se tornar um dificultador para sua

concretização como regra geral, uma vez que a empresa já se encontra em crise, principalmente

nas empresas de médio e pequeno portes.

Não obstante, cumpre mencionar que a LRE requer que se dê ampla publicidade à

existência do processo de Recuperação Judicial, obrigando a devedora a acrescer a expressão

“em Recuperação Judicial” em sua denominação social, de modo que em todos os atos que

praticar constarão tal expressão. Ainda, há que se considerar que a LRE não confere sigilo ao

processo recuperacional, permitindo que qualquer interessado possa ter acesso aos autos.

A publicidade do procedimento recuperacional auxilia na construção confiança do

público em geral no sistema. Mecanismos que asseguram o pronto acesso aos documentos e

informações constantes nos autos do processo recuperacional, de modo que a transparência e a

prestação de contas estejam presentes em todos os estágios do processo asseguram a

203 LRE, art. 22, inc. I, alíneas “b” e “d”, e inciso II, alínea “c”. 204 LRE, art. 27, inc. II, alíneas “a” e “b”. 205 THE WORLD BANK. Principles and Guidelines for Effective Insolvency and Creditor Rights Systems. Apr. 2001, p. 34. 206 DIAS, Leonardo Adriano Ribeiro. Financiamento na Recuperação Judicial e a Falência. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 223.

92

credibilidade do sistema. Por óbvio que a tecnologia colabora na ampliação do acesso à

informação, aprimorando a transparência. No Brasil, algumas iniciativas dessa natureza são

espontaneamente adotadas pelas recuperandas ou pelos administradores judiciais, que publicam

em seus sites as principais informações sobre o processo.

A CVM, por meio da Instrução Normativa n. 480/09, determinou certas regras de

divulgação de informações por empresas emissoras de valores mobiliários, mas em

Recuperação Judicial, em recuperação extrajudicial e falidos, pautadas pela celeridade na

divulgação ao mercado das principais informações e documentos do respectivo processo, que

devem ser disponibilizadas via internet na data de sua ciência. De acordo com Paulo Fernando

Campos Salles de Toledo207, no sistema americano, os emissores em crise apresentam à SEC,

em até quinze dias, os relatórios mensais que são apresentados no processo concursal, devendo,

ainda, reportar as principais ocorrências processuais.

A aplicação dos princípios de governança contribui na recuperação das empresas, pois

ajuda a minimizar eventuais conflitos de interesses entre os stakeholders e entre estes com os

gatekeepers. No entanto, a efetivação desses princípios necessita, em determinadas situações,

da instituição de instrumentos que viabilizem a superação de conflitos que se estabelecem entre

as partes interessadas, incentivando-se o diálogo entre elas para que estas, com o auxílio de um

terceiro independente, encontrem uma solução satisfatória para ambas as partes.

207 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. A Instrução CVM – 480/2009 e as Empresas em Crise. In ADAMEK, Marcelo Vieira (coord.). Direito Recuperacional: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 703-704.

93

CAPÍTULO 2 – CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

2.1. Sistema adversarial na Recuperação Judicial

Antes de adentrar à questão do modelo adversarial na Recuperação Judicial, salientamos

que a análise da questão jurídica impõe, como pressuposto conceitual, o conhecimento de

alguns princípios de economia.

A noção de economia, entre os juristas – de um modo geral –, costuma ser atrelada a

complicadíssimas fórmulas matemáticas. No entanto, é um equívoco pensar assim. A Ciência

Econômica – assim como a psicologia – explica o comportamento racional dos indivíduos.

Essa racionalidade, contudo, não implica apenas na maximização monetária de bem-estar

individual. É absolutamente racional, por exemplo, a escolha de um indivíduo por menos

recompensa financeira em troca de mais tempo livre208.

Ressalte-se, por oportuno, que a Análise Econômica do Direito (AED) é um elemento

importantíssimo para auxiliar o intérprete na concretização do Direito. Nesse sentido, confira-

se a lição de Bruno Meyerhof Salama209:

“O Direito e Economia é tido por muitos como o movimento de maior impacto

na literatura jurídica da segunda metade do século passado210. Tendo surgido

nos Estados Unidos, nas Universidades Chicago e Yale, o movimento se

espalhou primeiro pelos Estados Unidos,211 depois pelo mundo. Desde os anos

208 “Many lawyers think that economics is the forbiddingly mathematized study of inflation, unemployment, business cycles, and other macroeconomic phenomena remote from day-to-day concerns of the legal system. Actually the domain of economics is much broader. As conceived in this book, economics is the science of rational choice in a world – our world – in which resources are limited in relation to human wants. The task of economics, so defined, is to explore the implications of assuming that man is a rational maximize of his ends in life, his satisfactions – what we shall call his ‘self-interest’. Rational maximization must not be confused with conscious calculation, however. Economics is not a theory about consciousness. Behavior is rational when it conforms to the model of rational choice, whatever the state of mind of the chooser” in POSNER, Richard A.. Economic Analysis of Law. 8a edição. Wolters Kluwer: 2011., p. 3-4). 209 Disponível em: https://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/16/ (acesso feito em 01/12/2016). 210 Nas palavras de Ron Harris, trata-se do “mais influente movimento de pensamento jurídico no período pós-Segunda Guerra Mundial” (HARRIS, Ron. “The Uses of History in Law and Economics” in Theoretical Inquiries in Law, 4 Theoretical Inq. L. 659, 2003). Para Bruce Ackerman, estaríamos diante do “mais importante desenvolvimento na academia jurídica no século XX” (ACKERMAN, Bruce A.. Law, Economics, and the Problem of Legal Culture. Duke Law Journal, v. 1986, n. 6, 1986, pp. 929-34). 211 Nos Estados Unidos, a disciplina já vem sendo lecionada em todas as boas faculdades de Direito desde os anos 1970/80. Para se ter uma ideia de sua influência naquele país, basta mencionar que, já em meados da década de 1980, pelo menos três notórios membros da Suprema Corte Americana declaravam-se “adeptos” da disciplina de Direito e Economia (a saber, Antonin

94

1980, a disciplina vem ganhando cada vez mais visibilidade nos países da

tradição de Direito Continental, inclusive no Brasil.212 Já há um bom tempo

existem na Europa diversos centros onde a pesquisa em Direito e Economia está

em estágio avançado, e já existe considerável acervo bibliográfico em Direito e

Economia produzido por acadêmicos de países da tradição do Direito

Continental.213

Pode-se conceituar a disciplina de Direito e Economia como um corpo teórico

fundado na aplicação da Economia às normas e instituições jurídico-

políticas.214 Na síntese de Richard Posner, o Direito e Economia compreende

“a aplicação das teorias e métodos empíricos da economia para as instituições

centrais do sistema jurídico”.215 Para Nicholas Mercuro e Steven Medema,

trata-se da “aplicação da teoria econômica (principalmente microeconomia e

conceitos básicos da economia do bem-estar) para examinar a formação,

estrutura, processos e impacto econômico da legislação e dos institutos

legais.”216

É comum destacar duas dimensões, ou dois níveis epistemológicos, da disciplina

de Direito e Economia: a dimensão positiva (ou descritiva) e a dimensão

normativa (ou prescritiva). À primeira dá-se o nome de Direito e Economia

Scalia, Robert Bork e Douglas Ginsburg). Conforme DONOHUE III, John J. Law and Economics: The Road Not Taken in Law & Society Review, v. 22, N. 5, 1988, p. 904). 212 Algumas boas obras brasileiras incluem PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005; ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel (eds.) Direito & Economia – Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005; GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Cartel - Teoria Unificada da Colusão. Há diversos artigos sendo publicados em revistas jurídicas pelo país, e há também artigos interessantes disponíveis nos websites da X e da XI Conferência de Direito e Economia da Associação Latino Americana e do Caribe de Direito e Economia – ALACDE (www.alacdebrasil.org). Há, ainda, diversos artigos importantes sendo traduzidos no contexto das atividades do ILACDE-FGV (o Instituto Latino Americano e do Caribe de Direito e Economia), alguns dos quais estão publicados e disponíveis online no Jornal Latino Americano e do Caribe de Direito e Economia (http://services.bepress.com/lacjls). 213 Referências europeias incluem DEFFAINS, Bruno e KIRAT, Thierry (eds.) Law and economics in civil law countries. Amsterdã e Nova Iorque: JAI, 2001; e SCHÄFER, Hans-Bernd e OTT, Claus. The Economic Analysis of Civil Law. Northampton, MA: Edward Elgar Publishing, Inc., 2004. Sobre a evolução da disciplina na academia europeia, vide VAN DEN BERGH, Roger. “The growth of law and economics in Europe”. European Economic Review, V. 40, n. 3, 1996 , pp. 969-977. 214 Aqui toma-se o termo “instituição” no sentido empregado por Douglass North segundo o qual as instituições “são as regras do jogo em uma sociedade, ou, mais precisamente, são as restrições que moldam as interações humanas... [sendo] perfeitamente análogas às regras do jogo em uma competição esportiva” (NORTH, Douglass C.. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge University Press, 1990, pp. 3-4). Isso quer dizer que as instituições compreendem tanto as regras formais (Constituição, leis ordinárias, etc.) quanto as regras informais (normas de comportamento, códigos de conduta, convenções, valores, crenças, costumes, religiões, etc.) que pautam a atuação dos diversos indivíduos e entes sociais (inclusive empresas, consumidores, sindicatos, órgãos de imprensa, ONGs, igrejas, escolas, congressistas, juízes, partidos políticos, funcionários públicos, etc.). 215 POSNER, Richard A.. The Economic Approach to Law in Texas Law Review, v. 53, n. 4, 1975. 216 MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven G. Economics and the Law – From Posner to Post-Modernism. Princeton: Princeton University Press, 1999, p. 3.

95

Positivo, e à segunda de Direito e Economia Normativo. São duas dimensões

distintas e independentes. O Direito e Economia Positivo se ocupa das

repercussões do Direito sobre o mundo real dos fatos; o Direito e Economia

Normativo se ocupa de estudar se, e como, noções de justiça se comunicam com

os conceitos de eficiência econômica, maximização da riqueza e maximização

de bem-estar.”217.

Feito esse esclarecimento inicial, passemos aos dez princípios de economia que são

reconhecidos como standards na ciência. De modo a facilitar, utilizaremos a enumeração

formulada por N. Gregory Mankiw, Professor de Economia da Harvard University, em sua obra

“Introdução à Economia”218.

(1) Primeiro princípio: as pessoas enfrentam “tradeoffs”219. Isso significa que, ao

escolher alguma coisa, o indivíduo se vê obrigado a abrir mão de outras.

(2) Segundo princípio: o custo de algo é aquilo que se abriu mão para obter. Este princípio

é um desdobramento do primeiro. Se os indivíduos enfrentam “tradeoffs”,

obviamente eles desistiram de algo em troca de outra coisa. Esta troca, resulta em uma

análise de custos e benefícios, conduzindo a pessoa a valorar o que quis no mesmo

patamar do que abriu mão para obter.

(3) Terceiro princípio: pessoas racionais pensam na margem. A economia pressupõe que

os indivíduos avaliam as questões racionalmente, buscando atender aos seus

objetivos, mas não se tratam de escolhas absolutas, sendo necessário avaliar custos e

benefícios de forma que sejam possíveis ajustes marginais – pequenas alterações no

plano de ação realizadas diante das mudanças no cenário.

(4) Quarto princípio: as pessoas reagem a incentivos. Incentivos constituem,

basicamente, em algo que direciona determinado comportamento. Esse princípio é

facilmente compreendido quando se tem em mente as ideias de punição e recompensa.

217 https://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/16/ 218 MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 6ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2013, págs. 3 a 19. 219 Escolhas conflitantes.

96

A esse respeito, inclusive, Gary Becker, Nobel de Economia, desenvolveu uma tese

demonstrando que há uma necessidade de avaliação das punições, de modo a coibir

os comportamentos contrários à lei. Em poucas palavras, o ilustre economista

demonstra que o simples aumento da pena não é uma boa medida de escolha

legislativa para reduzir a criminalidade e os comportamentos ilegais em geral220. Ao

seu turno, Oliver Hart’s e Bengt Holmström, vencedores do Nobel de Economia em

2016, defendem a tese de que incentivos são mais eficientes do que punições no que

se refere ao cumprimento dos contratos221.

(5) Quinto princípio: o comércio pode ser bom para todos. A livre atividade comercial e

empresarial é positiva para todos, uma vez que a competição beneficia a sociedade de

forma geral. Empregados, consumidores e empresários colhem os frutos da liberdade.

Empregados tem um amplo mercado de opções para exercer sua atividade profissional

em troca da remuneração. Consumidores encontram um leque enorme de opções para

as suas necessidades. Empresários, ao seu turno, vislumbram as mais variadas opções

de negócios com uma infinidade de opções para a sua estruturação, desde onde buscar

matérias primas até as melhores formas de financiamento de sua atividade.

(6) Sexto princípio: mercados, em regra são uma maneira eficiente de organizar a

atividade econômica. Por muito tempo, houve uma intensa disputa – na economia

– entre os mercados livres e a planificação. Esse debate, todavia, ficou apenas nos

rodapés da história. Não há mais dúvidas da eficiência dos mercados livres. Ora, é

mais eficiente e democrático que diversas pessoas, individualmente, tomem decisões

que resultam nas motrizes do mercado. Qualquer planificador, por óbvio, não teria a

capacidade cognitiva para lidar com o número estrondoso de variáveis envolvidas na

economia. Por isso, no final das contas, é senso comum – mesmo nos países mais

intervencionistas – que há necessidade de manutenção de liberdade para os agentes

econômicos222.

220 BECKER, Gary Stanley. Crime and Punishment: An Economic Aproach in “The Essence of Becker”, Hoover Institution Press: 1995, p. 464-517. 221 https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/2016/advanced-economicsciences2016.pdf (Acesso em 11/12/2016). 222 MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 6ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2013, p. 11. “À primeira vista, o sucesso das economias de mercado é enigmático. Em uma economia de mercado, ninguém cuida do bem-estar econômico de toda a sociedade. Os mercados livres contêm muitos compradores e vendedores de diversos bens e serviços, e todos estão interessados, antes de tudo, no seu próprio bem-estar. Ainda assim, apesar

97

(7) Sétimo princípio: em alguns momentos os governos podem melhorar os resultados

dos mercados. Dentre as diversas questões relevantes dos governos – primordialmente

– a garantia do direito de propriedade, há questões relacionadas aos que os

economistas chamam de falha de mercado. Esta expressão é utilizada para questões

nas quais o mercado, por si só, não produz uma alocação adequada de recursos. Umas

das razões dessas falhas consiste nas externalidades, que são consequências das

atividades de interação entre os indivíduos. As externalidades possuem duas

naturezas: positivas e negativas. Como exemplo, a poluição é uma externalidade

negativa da atividade industrial. O mercado pode resolvê-la? Não. Sendo assim,

cumpre aos governos (ou Estados) regular a matéria para que o benefício de uns não

resulte em prejuízos para todos os demais. Veremos, também, essa questão no tocante

à Recuperação Judicial.

(8) Oitavo Princípio: o padrão de vida de uma nação está diretamente relacionado à sua

capacidade de produzir bens e serviços. Nas palavras de Gregory Mankiw: “Quase

todas as variações de padrão de vida podem ser atribuídas a diferenças de

produtividade entre países, ou seja, a quantidade de bens e serviços produzidos por

unidade de insumo de mão de obra.”223. Tal questão se aplica, também, aos agentes

de mercado em um mesmo país. É intuitivo compreender, diante da explicação do

ilustre economista, que a produtividade – nos termos postos acima – será um

demonstrativo do sucesso ou fracasso das empresas localmente.

(9) Nono princípio: os preços dos bens sobem quando governos emitem moeda em

demasia. A moeda não está livre do princípio de oferta e demanda. Quanto maior a

sua quantidade, menor o seu valor (ou poder de compra), gerando, por via de

consequência, a nefasta inflação. O mesmo ocorre, também, com a excessiva

concessão de crédito que funciona como um “anabolizante monetário”, inflando

artificialmente a quantidade de moeda disponível e trazendo, a reboque,

consequências perniciosas para o poder de compra dos cidadãos no longo prazo.

da tomada descentralizada de decisões e de tomadores de decisões movidos pelo interesse particular, as economias de mercado têm se mostrado muito bem-sucedidas na organização da atividade econômica.”. 223 MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 6ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2013, p. 13.

98

(10) Décimo princípio: o eterno dilema (tradeoff) entre desemprego e inflação.

Nesse décimo e último princípio, atrelado a outros anteriormente citados, vamos recorrer

ao texto de Gregory Mankiw:

“Embora o nível mais alto de preços seja, no longo prazo, o primeiro efeito do

aumento da quantidade de moeda, no curto prazo a situação é mais complexa e

mais controversa. Muitos economistas descrevem os efeitos de curto prazo da

injeção monetária como:

• O aumento da quantidade de moeda na economia estimula o nível geral

de consumo e, portanto, a demanda por bens e serviços.

• O aumento da demanda pode, com o tempo, levar as empresas a elevar os

preços, porém, nesse ínterim, esse aumento também incentiva as empresas a

contratar mais mão de obra e a aumentar a quantidade de bens e serviços

produzidos.

• Maior contratação significa menor desemprego.

Essa linha de raciocínio leva a um amplo tradeoff final na economia: um

tradeoff de curto prazo entre a inflação e o desemprego.

Embora alguns economistas ainda questionem essas ideias, a maioria aceita

que a sociedade enfrenta um tradeoff de curto prazo entre inflação e

desemprego. Isso significa que, em um período de um ou dois anos, muitas

políticas econômicas empurram a inflação e o desemprego em direções

opostas.”224.

Todos os princípios enumerados acima têm aplicação na análise jurídica, para a

interpretação das leis pelos magistrados, bem como na formulação de políticas legislativas.

Percebe-se, da leitura desse tópico, que várias questões devem ser avaliadas para a interpretação

e criação normativa, de modo a conceber leis, institutos e jurisprudência que se atentem à

realidade. Evitando, assim, que boas intenções se revertam em externalidades negativas com

consequências desastrosas para a sociedade.

224 MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 6ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2013, p. 15.

99

Esclarecidos os princípios econômicos, passaremos à análise da crise da empresa sob a

ótica da LRE. Pois bem. O processo pelo qual as partes interagem em uma Recuperação Judicial

é eminentemente adversarial. É uma lide, que segundo Carnellutti constitui “um conflito de

interesses, qualificado por uma pretensão resistida”225. De um lado, estão os credores e de

outro a recuperanda e as demais partes interessadas. Os primeiros têm interesse em preservar e

satisfazer seus créditos, e a segunda busca solucionar a crise para manter a sua atividade

empresarial. A razão para tanto, contudo, não reside exclusivamente na metodologia jurídica,

no modelo legal, ou, ainda, na estruturação da legislação. Há fatores econômicos e psicológicos

que desencadeiam a conduta das partes.

Uma empresa em crise tem, invariavelmente, duas saídas mais óbvias: (i) a recuperação

– que, tal qual demonstrado, possui uma taxa de sucesso baixíssima –; ou, (ii) a falência,

infelizmente o resultado mais comum e trágico no cenário brasileiro. Diante destas premissas,

a Recuperação Judicial acaba levando credores a um raciocínio bem básico e instintivo, calcado

quase que exclusivamente na lei primordial da economia: a lei da escassez.

Toda a ciência econômica e os princípios aludidos acima são calcados na lei da escassez.

Na precisa lição de Gregory Mankiw: “A gestão dos recursos da sociedade é importante porque

estes são escassos. Escassez significa que a sociedade tem recursos limitados e, portanto, não

pode produzir todos os bens e serviços que as pessoas desejam ter. Assim como cada membro

de uma família não pode ter tudo o que deseja, cada indivíduo de uma sociedade não pode ter

um padrão de tão alto quanto ao qual aspire.”226. Em outras palavras, por essa razão, a

Economia é a ciência que estuda a alocação de recursos escassos, sendo chamada, por alguns,

de “Dismal Science” (ciência lúgubre)227.

225 BERMUDES, Sergio. Introdução ao Processo Civil. 2a edição. Rio de Janeiro: Forense, 1996, pág. 10. 226 MANKIW, N. Gregory. Princípios de Microeconomia. 6ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2014, p. 4. 227 Thomas Carlyle (1795-1881) teria descrito a economia como a Ciência Lúgubre (“The Dismal Science”), tal expressão teria sido assumida, como sua, pelo economista britânico Thomas Malthus. Ou, se se preferir, vale recorrer a explicação de Rubem Novaes: “A Economia é chamada por alguns de “Dismal Science” (ciência lúgubre) por lidar com a escassez, ou seja, com a confrontação de desejos ilimitados, de um lado, e recursos finitos, de outro. A insatisfação, a frustração de desejos, é a regra. Por outros, é chamada de “Rainha das Ciências Sociais”, pelo privilégio de se assentar em “leis”, construídas logicamente, e que formam um corpo interligado e compreensivo, sujeito à formatação matemática e ao teste empírico.” (“Zonas de Comércio, Zonas Monetárias e o caso da Grécia: lições da teoria econômica”: http://www.institutomillenium.org.br/editora/zonas-de-comrcio-zonas-monetrias-caso-da-grcia/, acessado em 15/12/2016.

100

Nesse diapasão, é importante mencionar que a escassez possui um poder imenso no

comportamento das pessoas, e, obviamente, dos agentes econômicos. Qual a razão disso?

Psicologicamente os indivíduos estão mais preocupados – em princípio – com a possibilidade

de perder algo, do que com as chances de ganhos futuros. Por isso, o comportamento automático

diante da probabilidade de perda é lutar, ferrenhamente, contra isso.

Na obra “Influence: The Psychology of Persuasion”, Robert B. Cialdini navega por

diversos princípios de persuasão, que consistem nas ferramentas de influência capazes de fazer

com que alguém concorde com determinada solicitação; ou, se comporte de certa forma. Em

uma sociedade que demanda decisões cada vez mais rápidas e instantâneas, as pessoas – de um

modo geral – optam por “atalhos” no processo de tomada de decisões, que passam a ser

meramente mecânicas. Dentre os elementos mais poderosos de persuasão, encontra-se – não

por acaso – a escassez tratada pela economia. Cialdini esclarece:

“The idea of potential loss plays a large role in human decision making. In fact,

people seem to be more motivated by the thought of losing something then by the

thought of gaining something of equal value”228.

A grande maioria dos agentes econômicos, portanto, diante da possibilidade de perda, se

volta para tentar recuperar o que perdeu (ou que poderá perder). Essa questão demonstra que a

racionalidade pura não é eficaz para a compreensão do comportamento humano. Nesse sentido,

no início de sua palestra, “The Economic Way of Looking at Behavior”, proferida em

Estocolmo, em 1992, quando foi Laureado com o Prêmio Nobel de Economia, Gary Becker

esclareceu:

“Unlike Marxian analysis, the economic approach I refer to does not assume

that individuals are motivated solely by selfishness or gain. It is a method of

analysis, not an assumption about particular motivations. Along with others, I

have tried to pry economists away from narrow assumptions about self-interest.

Behavior is driven by a much richer set of values and preferences.

The analysis assumes that individuals maximize welfare as they conceive it,

whether they be selfish, altruistic, loyal, spiteful, or masochistic. Their behavior

228 CIALDINI, Robert B.. Influence: The Pstchology of Persuasion. HarperCollins e-books, 2009, p. 3822/3823.

101

is forward-looking, and it is also consistent over time. In particular, they try as

best they can to anticipate the uncertain consequences of their actions. Forward

looking behavior, however, may still be rooted in the past, for the past can exert

a long shadow on attitudes and values.

Actions are constrained by income, time, imperfect memory and calculating

capacities, and other limited resources, and also by the available opportunities

in the economy and elsewhere. These opportunities are largely determined by

the private and collective actions of other individuals and organizations.”229.

O comportamento humano e organizacional, portanto, é complexo, multifacetário e

multidisciplinar. Assim como a psicologia-social, a economia comportamental é extremamente

relevante para entendermos as ações tomadas pelos agentes econômicos no tocante à

Recuperação Judicial.

Ao invés de buscar a solução da crise para a recuperação da empresa, de modo a

vislumbrar a possibilidade de ganhos futuros, diante do cenário em que vivemos – com a

prevalência da improvável recuperação230 –, os agentes se comportam de modo a tentar alcançar

algum resultado financeiro qualquer, por menor que seja231. Nem que esse resulte em mera

rubrica contábil, lançando os créditos relacionados à uma empresa em Recuperação Judicial na

conta de prejuízos.

Essa distinção é muito importante para a presente tese. Sem contar os aspectos objetivos,

tais como, e.g., a viabilidade do PRJ, o modus operandi dos credores é afetado, sobremaneira,

pela sua possibilidade de perda e pela baixa probabilidade de recuperação da empresa em crise.

229 http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/1992/becker-lecture.pdf 230 “Another example is the case where a business is on the edge of bankruptcy and sells its accounts receivable to an outsider called a factor. This sale is made at a very substantial discount because once a manufacturer begins to go under, even his best customers begin refusing payment for merchandise, claiming defects in quality, failure to meet specifications, tardy delivery, or what-have-you. The great enforcer of morality in commerce is the continuing relationship, the belief that one will have to do business again with this customer, or this supplier, and when a failing company loses this automatic enforcer, not even a strong-arm factor is likely to find a substitute. (Mayer, 1974, p. 280)” (The Emergence of Cooperation págs. 59/60) 231 “The fact that people do not always make rational choices does not invalidate rational-choice theory; random deviations from rational behavior will cancel out. But cognitive psychologists, economists, and economic analysts of law have presented evidence that human behavior exhibits systematic departures from rationality. They have shown, for example, that most of us have difficulty dealing rationally with low-probability events, probably because, in the “ancestral environment” (the term is used by evolutionary biologists to describe the period of human prehistory in which the human brain reached its present state) the ability to cope with such events had little survival value; survival required full-time attention to high-probability opportunities and threats”. (POSNER, Richard, “Economic Analysis of Law”, 8a Edição, 2011, Wolters Kluwer, pág. 22)

102

Trata-se, assim, de comportamento instintivo, que leva a uma tomada de decisão baseada na

perda imediata e na falta de esperança, não na chance de recuperação para ganhos futuros. Outra

explicação para esse comportamento é o Ótimo de Pareto, resumido, basicamente, da seguinte

forma:

“In short, an allocation is Pareto Superior if it leaves at least one person better

off and no one is made worse off. It is Pareto optimal if any movement from

allocation would make at least one person worse off”232.

Descarta-se, nesse caso, a hipótese de Pareto Kaldor-Hicks, na qual a eficiência de uma

ação pode estar relacionada aos potenciais ganhos futuros233. Seria o caso em que há uma

expectativa de interações posteriores que teriam o condão de compensar prejuízos ou perdas

imediatas. Veja-se, por oportuno, a advertência do Embaixador José Oswaldo de Meira Pena,

citando Frank Knight, um dos grandes expoentes da Universidade de Chicago234:

“Reparou Frank Knight, certa vez, que o homem se está tornando mais

‘razoavelmente racional’ em seu modo de pensar e no comportamento coletivo.

Knight é de um enorme bom senso e ironia, e sempre reconhece a importância

daquelas outras atividades de sentido não-econômico em que se compraz a

humanidade. Mas quando o interesse e desejo de sucesso são vistos a curto

prazo e em âmbito estreito, com prejuízo do interesse geral a longo prazo,

estamos diante de uma visão oportunista e de uma estrutura patrimonialista e

corporativista como a que, atualmente, compromete nosso desenvolvimento.”235.

232 Cotter, Thomas F.; Harrison, Jeffrey L.. Law and Economics – Positive, Normative and Behavioral Perspectives. U.S.:West, 2007, p. 46. 233 Cotter, Thomas F.; Harrison, Jeffrey L.. Law and Economics – Positive, Normative and Behavioral Perspectives. U.S.:West, 2007, p. 51/52. 234 “Knight certamente foi um dos founding fathers da Escola de Chicago. Deixou sua marca principalmente na influência que exerceu sobre outros grandes expoentes da profissão. Ainda em seus tempos de faculdade, estudou filosofia, teologia, ciências sociais, história, literatura e química. Somente quando de seus estudos para o doutorado em Cornell passou a interessar-se por Economia, que viria a ser sua disciplina principal por toda a vida. Sua formação multidisciplinar, entretanto, certamente teve influência em sua convicção de que economistas, principalmente economistas matemáticos e econometristas, estavam indo longe demais em sua tentativa de descrever o fenômeno social.”. In NOVAES, Rubem F.. A Escola de Chicago Através de seus Expoentes, disponível em: http://ordemlivre.org/posts/a-escola-de-chicago-atraves-de-seus-expoentes (acesso em 07/12/2016). 235 PENA, José Oswaldo de Meira. Da Moral em Economia. Rio de Janeiro: Ed. Universidade, 2002, p. 69.

103

Uma empresa sadia não está isenta de lidar com relação a escassez; de outro modo,

provavelmente, acabará em crise. Todavia, a sociedade empresária que chegou à situação de

ingressar com um pedido de Recuperação Judicial está sofrendo com a escassez de forma

intensa e brutal. Há escassez de recursos financeiros, capital humano, liquidez, insumos,

clientela e praticamente todos os itens que compõe a atividade empresarial exercida.

Todo esse quadro, aliado ao baixo sucesso do modelo da Recuperação Judicial no Brasil,

leva à conclusão de que nosso sistema não está atingindo os objetivos do instituto. Mas, como

solucionar essa questão? É impossível tentar qualquer esforço sem enfrentar a realidade. Ou

seja, é crucial encarar o problema dos comportamentos resultantes da escassez e da baixa

probabilidade de sucesso.

Empresas entram em crise por uma miríade de razões. A primeira, mais intuitiva, é a má

gestão. No entanto, não se pode deixar de considerar outras questões de suma relevância.

Principalmente o fato de que a economia se distanciou do modelo liberal clássico, e,

gradativamente, foi tomada pela intervenção estatal (seja do legislativo, do executivo, ou, ainda,

do judiciário). Sob essa perspectiva, incentivos são mais importantes que os objetivos236.

Caso, por exemplo, por política governamental resolva-se estimular – artificialmente – o

desenvolvimento de certa atividade econômica, por certo diversos empresários e investidores

optarão por seguir o caminho. Assim como o princípio da escassez, que move o comportamento

humano e dos agentes econômicos, os incentivos237 são poderosos criadores de ações e

decisões. Uma empresa, portanto, que seguiu as orientações de uma diretriz estatal, pode,

futuramente, enfrentar uma situação de crise, que, ao cabo, diante de nosso modelo adversarial,

acabará por afundá-la em situação econômica de recuperação impossível por seus próprios

esforços.

236 SOWEL, Thomas. Basic Economics. 4a Edição, New York: Basic Books, 2011, p. 3: “Economics is more than just a way to see patterns or to unravel puzzling anomalies. Its fundamental concerns is with the material standard of living of society as a whole and how that is affected by particular decisions made by individuals and institutions. One of the ways of doing this is to look at economic policies and economic systems in terms of the incentives they create, rather than simply goals they pursue”. 237 MANKIW, N. Gregory. Princípios de Microeconomia. 6ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2014, p. 7: “Um incentivo é algo que induz uma pessoa a agir, tal como a perspectiva de uma punição ou recompensa. Como as pessoas racionais tomam decisões comparando custo e benefício, elas respondem a incentivos. Você verá que os incentivos desempenham um papel importante no estudo da economia. Certo economista sugeriu que todo o conhecimento econômico poderia ser simplesmente resumido com a seguinte frase: ‘Pessoas reagem a incentivos. O resto são comentários”.

104

A raiz da crise das sociedades empresárias, nos tempos modernos, encontra fundamento

em nossa atual era das incertezas. Discorrendo sobre as dificuldades contratuais – instrumentos

que materializam as mais diversas atividades das empresas com os demais participantes do

mercado –, no cenário atual, Arnoldo Wald adverte:

“Num mundo em que nada mais é absoluto, o contrato, para subsistir, aderiu

ao relativismo, que se tornou condição sine qua non da sua sobrevivência no

tempo, em virtude da incerteza generalizada, da globalização da economia da

imprevisão institucionalizada. A indeterminação das prestações contratuais,

que era inconcebível no passado, também está vinculada à inflação, à oscilação

do câmbio e às rápidas mudanças tecnológicas, fazendo com que as partes

adotem determinados critérios para definir os seus direitos, aceitando

prestações indeterminadas no momento da celebração do contrato, mas que só

se tornarão determináveis no momento de sua execução. Ou até prestações

inicialmente determinadas mas suscetíveis de serem revistas ou modificadas

quanto a qualidade ou a quantidade do bem a ser entregue ou ao valor a ser

pago.”238.

Vislumbram-se, desta feita, novamente, dois princípios – ou leis – poderosíssimos da

economia (e da própria psicologia). São eles a escassez e os incentivos. Daí surge

questionamento importante: qual a forma de solucionar a crise das empresas? Será, meramente,

pela forma adversarial, que se assemelha ao “estouro de uma boiada”; ou, se preferir outro

exemplo calcado no mundo animal – no qual os instintos são infinitamente maiores do que a

razão –, na luta feroz de um grupo de chacais por um naco de carne após a caçada?

Na mesma toada, vale mencionar a obra de Rudolf Von Ihering, em seu livro “A luta pelo

Direito”, na qual menciona, em sua análise do “Mercador de Veneza” de Shakespeare: “É o

espírito de vingança e o ódio que impelem Shylock a pedir ao tribunal a autorização de cortar

a sua libra de carne nas entranhas de Antonio; mas as palavras que o poeta põe em seus lábios

são tão verdadeiras como quaisquer outros. É a linguagem que o sentimento do direito lesado

falara sempre.”239.

238 WALD, Arnoldo. O Novo Código Civil e a Evolução do Regime Jurídico dos Contratos. In Revista de Direito Mercantil, n. 130, p. 30. 239 IHERING, Rudolf Von. A Luta Pelo Direito. Ed. Pillares, 2009, e-book, localização 788.

105

Mas, esse espírito de ódio e vingança são eficientes para a sociedade? Nos parece que

não. Aliás, considerando os pressupostos da economia e da teoria dos jogos, é mais eficiente e

produtivo permitir o cumprimento futuro de uma obrigação pecuniária do que, simplesmente,

destruir o produtor de riquezas, eliminando, por completo, a possibilidade de ganhos futuros.

A proposta de solução para o impasse entre o direito do credor e a preservação da empresa

deve, obviamente, passar pelos princípios econômicos anteriormente citados. Basicamente, ao

invés da Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”), a ideia consistiria em utilizar

incentivos que – de alguma forma – levem os agentes econômicos a mudarem o seu

comportamento automático de tentar “abocanhar alguma migalha” ou destruir – primados pela

Lei da Escassez, que conduz aos tradeoffs –, para, com isso, tentar alcançar um comportamento

colaborativo no intuito de resolver o problema da crise da recuperanda.

Não há dúvidas, no entanto, que a alteração de um comportamento instintivo é

extremamente difícil. Todavia, é inegável o efeito positivo da colaboração mencionada por Jean

Jacques Rousseau, em seu famoso Discurso: “Qual é a Origem da Desigualdade entre os

Homens, e se é Autorizada pela Lei natural”, perante a academia de Dijon e publicado em 1754:

“Instruído pela experiência de que o amor do bem-estar é o único móvel das

ações humanas, achou-se em estado de distinguir as raras ocasiões em que o

interesse comum lhe devia fazer contar com a assistência dos seus semelhantes,

e as mais raras ainda em que a concorrência lhe devia fazer desconfiar deles.

No primeiro caso, unia-se a eles em rebanho, ou quando muito por uma espécie

de associação livre que não obrigava a ninguém e que só durava enquanto havia

a necessidade passageira que a havia formado. No segundo, cada qual

procurava tirar suas vantagens, ou pela força aberta, se acreditava poder, ou

pela astúcia e sutileza, se se sentia mais fraco.

Eis como os homens puderam, insensivelmente, adquirir uma ideia grosseira

dos compromissos mútuos e da vantagem de os cumprir, mas somente na medida

em que podia exigi-lo o interesse presente e sensível; porque a previdência nada

era para eles; e, longe de se ocuparem com um porvir afastado, nem mesmo

pensavam no dia seguinte. Se se tratava de pegar um veado, cada qual sentia

bem que, para isso, devia ficar no seu posto; mas, se uma lebre passava ao

106

alcance de algum, é preciso não duvidar de que a perseguia sem escrúpulos e,

uma vez alcançada a sua presa, não lhe importava que faltasse a dos

companheiros.”240.

Neste trecho, como se vê, a ideia de colaboração é apresentada. Mas, séculos depois, a

tese foi matematicamente comprovada por John Forbes Nash Jr. O ilustre matemático da

Universidade de Princeton, conhecido mundialmente pelo filme “Uma Mente Brilhante”, veio

a ser laureado com o Prêmio Nobel de Economia, em 1994, justamente por seu trabalho sobre

equilíbrio (colaboração) em jogos não cooperativos (ou, Equilíbrio de Nash), o qual vem sendo

usado como base para o desenvolvimento de diversos ramos do conhecimento humano.

Em um brevíssimo resumo, John Nash demonstrou que a colaboração poderia ser mais

eficiente do que as estratégias individuais em jogos com diversos participantes. Noutros termos,

se os indivíduos buscassem, apenas, maximizar o seu próprio bem estar, eles perderiam

oportunidades de obter resultados melhores, para si e para a sociedade como um todo241.

O Equilíbrio de Nash lançou luzes sobre a Teoria dos Jogos, que, atualmente, é o

fundamento para estudos relacionados a negociação, direito concorrencial, direito contratual,

direito societário, direito falimentar e outros tantos ramos da ciência jurídica. Curiosamente,

contudo, a utilização da Teoria dos Jogos para a análise de questões afetas a ciência do direito

no Brasil tem sido – para dizer o mínimo, com o perdão do trocadilho – extremamente tímida.

Todavia, parece que o terreno da Recuperação Judicial é solo fértil para se plantar esta semente.

Nesse sentido, a Teoria dos Jogos pode auxiliar sobremaneira na fundamentação para a

formatação de uma alternativa ao modelo adversarial.

Antes de apresentar um novo modelo, no entanto, cumpre fazer uma breve síntese da

Teoria dos Jogos, no intuito de facilitar a demonstração dos fundamentos para a tese.

240 http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000053.pdf. Acesso em 16/11/ 2016. 241 TADELIS, Steven. Game Theory – An Introduction. United Kingdom: Princeton University Press, 2013, p. 83.

107

A Teoria dos Jogos constitui um grupo de ferramentas e uma linguagem destinadas a

prever e descrever os comportamentos estratégicos242. De acordo com Randal C. Picker,

“strategic settings are situations in which one person would like to take into account how a

second person will behave in making a decision, and the second person would like to do

likewise. Strategic settings typically involve two or more decision makers, and the possibility

of linking one decision to a second decision, and vice versa”243. Alguns jogos clássicos são: (i)

o Dilema do Prisioneiro; (ii) a Caça ao Cervo (stag hunt); e, (iii) o Jogo do Covarde (Chicken

Game).

O primeiro jogo clássico consiste no “dilema do prisioneiro”, que é jogo estático de

informação completa. Tal modelo foi concebido em 1950 pela Rand Corporation, responsável

por grande parte da estratégia militar na guerra fria (estratégia esta, em boa parte, modelada

pela teoria dos jogos). O dilema ilustra uma interação não cooperativa. Em um exemplo, dois

acusados são presos como cúmplices de um crime. Ambos ficam isolados, sem possibilidade

de se comunicarem.

Na hipótese, caso eles colaborem, ficando calados, a possibilidade de condenação é

menor. Todavia, diante da impossibilidade de comunicação, um não tem certeza quanto ao

comportamento do outro. Sendo assim, parece mais racional confessar o crime em troca de uma

redução na pena.

O segundo exemplo de jogo clássico é a “caça ao cervo” (stag hunt). Em um singelo

exemplo, dois caçadores se encontram em uma floresta para caçar. Se optarem por seguir

sozinhos, sem qualquer colaboração, provavelmente conseguirão, no máximo, caçar lebres.

Mas, se colaborarem, podem conseguir um cervo que possui muito mais carne.

242 PICKER, Randal C.. An Introduction to Game Theory and the Law. In Coase-Sandor Institute for Law & Economics Working Paper No. 22, 1994. Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1049&context=law_and_economics (acesso feito em 10/12/2016). 243 PICKER, Randal C.. An Introduction to Game Theory and the Law. In Coase-Sandor Institute for Law & Economics Working Paper No. 22, 1994. Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1049&context=law_and_economics (acesso feito em 10/12/2016).

108

Tudo se resume na confiança. Os caçadores sabem que ao cooperar existe a possibilidade

de se conseguir uma recompensa maior, porém se optarem por agir individualmente, o máximo

que deverão obter é uma lebre.

A colaboração, neste caso, é possível e mais eficiente. Todavia, permanece, como na

hipótese anterior, a dúvida quanto a efetiva colaboração, isso porque um dos caçadores pode,

simplesmente, “pegar carona” no esforço do outro, aproveitando-se, no final, indevidamente e

sem contribuição, dos ganhos maiores.

O terceiro jogo clássico é o do “covarde”. Neste caso, há o enfrentamento de dois

jogadores, e, caso cheguem às últimas consequências, o resultado será desastroso para ambos e

para toda a sociedade. É o caso, e.g., dos fundos de investimento que compram títulos podres e

jogam pesado na especulação, apenas para tentar – lotericamente – obter lucros astronômicos.

Todas as situações acima descritas, como se vê, podem se aplicar aos credores em uma

Recuperação Judicial. Conquanto seja possível um acordo entre eles, não existe um elo de

confiança – nem tampouco uma ferramenta viabilizadora desse elo – que seja capaz de

estimular um comportamento uniforme e colaborativo. Há sempre a dúvida se alguém irá

romper o que havia sido previamente acordado, ou, ainda, se algum especulador entrou no

processo com o único objetivo de obter lucros estratosféricos.

Qual seria, então, a solução para esse impasse? Como é possível facilitar a convergência

dos credores para viabilizar um comportamento colaborativo? A empresa está em crise, e, por

certo, seu ativo “credibilidade” também foi profundamente afetado.

2.1.1. A ordem dos créditos e a ineficiência econômica das votações, utilização da

mediação e conciliação como forma de reduzir as assimetrias de informação

Como visto linhas acima, a Recuperação Judicial ocorre em um grave momento de crise

da empresa. Trata-se de situação na qual a sociedade empresária não consegue produzir fluxo

de caixa para arcar com suas obrigações, nem se utilizar financiamentos ou alavancagem

(“leverage”).

109

Diante deste cenário, credores – lato sensu –, ou todos os que têm créditos ou obrigações

em face da empresa em crise enfrentam um dilema inicial: os ativos da companhia são

suficientes para o pagamento dos créditos ou obrigações não pagas244; ou, o PRJ permitirá a

construção de fluxo de caixa capaz de honrar os compromissos da recuperanda.

Tal dilema está intimamente relacionado à situação dos credores, diante da classificação

legal dos créditos. A LRE classifica os créditos da seguinte forma:

“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-

mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;

II – créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;

III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição,

excetuadas as multas tributárias;

IV – créditos com privilégio especial, a saber:

a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;

d) aqueles em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de

pequeno porte de que trata a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.

V – créditos com privilégio geral, a saber:

a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;

c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

VI – créditos quirografários, a saber:

a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;

b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu

pagamento;

244 Há sérias críticas com relação à avaliação dos ativos e de sua real capacidade de arcar com as obrigações não pagas: “Critics of Chapter 11 have assumed that a substantive right to enjoy absolute priority should lead to outcomes that also reflect absolute priority. This is a mistake. Those participating in the modern debate over corporate reorganizations took the wrong path because they have insisted on seeing something – an absolute priority outcome – that should not be there in the first place. Ironically, while the academy has neglected the way in which valuation uncertainty affects the dynamics of bargaining in Chapter 11, practitioners have long identified it as the principal challenge to resolving corporate reorganizations.” in Douglas G. Baird and Donald S. Bernstein. Absolute Priority, Valuation Uncertainty, and the Reorganization Bargain. 2005. p. 8. Disponível em http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1023&context=law_and_economics (acesso em 20/12/2016).

110

c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite

estabelecido no inciso I do caput deste artigo;

VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou

administrativas, inclusive as multas tributárias;

VIII – créditos subordinados, a saber:

a) os assim previstos em lei ou em contrato;

b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.

§ 1o Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do bem objeto

de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de

alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado.

§ 2o Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de

sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.

§ 3o As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles

estipuladas se vencerem em virtude da falência.

§ 4o Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.”.

Da leitura do dispositivo acima transcrito, percebe-se que os credores são tratados

isonomicamente dentro de diferentes classes, ou seja, de forma desigual. Há uma ordem de

pagamento, portanto, que deve ser utilizada na hipótese de liquidação das obrigações. Tal fator,

portanto, é extremamente importante na tomada de decisão e resposta às indagações formuladas

acima. Para uma visão de Law & Economics da questão, vale recorrer ao artigo dos Professores

Douglas G. Baird e Donald S. Bernstein245, “Absolute Priority, Valuation Uncertainty, and the

Reorganization Bargain”:

“A single engine drives law-and-economics accounts of corporate

reorganization. The reorganization of an insolvent enterprise is the equivalent

of a going concern sale of the business to its creditors in exchange for their

claims. The business has an uncertain future. It is like a lottery ticket before a

drawing. While there is a chance that it may do well, there is also a chance that

it will do poorly. At the time this “lottery ticket” is “sold,” it must be valued for

purposes of allocating interests in it among its new owners (the creditors). This

valuation necessarily collapses all future possibilities to a present value, and,

absent agreement of the requisite majorities of each impaired class of creditors,

245 Douglas G. Baird e Donald S. Bernstein. Absolute Priority, Valuation Uncertainty, and the Reorganization Bargain. 2005. p. 9. http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1023&context=law_and_economics

111

the valuation dictates how interests in the reorganized enterprise must be

allocated to satisfy the absolute priority rule.”.

Os credores que estiverem em vantagem no concurso geral, em caso de liquidação

tenderão a pensar de forma mais imediatista, buscando, apenas e tão somente, a satisfação de

seu crédito, sem, em princípio, vislumbrar possibilidades de ganhos futuros. Noutros termos,

seu raciocínio econômico, a priori, será calcado no Ótimo de Pareto, não na hipótese Kaldor-

Hicks apresentada no correr da presente tese.

Tal fato gera um grande desafio a um mediador ou conciliador. Como gerar colaboração

quando o racional preponderante é calcado na satisfação imediata do crédito? O questionamento

é complexo e demanda uma análise que perpassa um fator determinante relacionado à

assimetria de informações. Gregory Mankiw246 explica essa questão:

“‘Eu sei algo que você não sabe’. Essa provocação é comum entre crianças,

mas também traduz uma verdade profunda sobre como as pessoas interagem

umas com as outras em algumas situações. Em muitas situações da vida, uma

pessoa sabe mais que a outra sobre o que está acontecendo. Uma diferença de

acesso a conhecimento relevante é chamada informação assimétrica.”.

A assimetria de informações possui implicações nas mais variadas questões, dentre elas,

nos processos eleitorais, que, de certo modo, podem ser transpostos para as votações em

assembleia, nas recuperações judiciais. Analisando a hipótese de eleições democráticas, sob a

ótica da economia política, encontramos dois aspectos relevantes: (i) o Paradoxo Eleitoral de

Condorcet247; e, (ii) o Teorema da Impossibilidade de Arrow.

Na precisa explicação de Gregory Mankiw248: “[o] paradoxo de Condorcet nos ensina

duas lições. Uma, mais limitada, é de que, quando há mais de duas opções, a agenda (ou seja,

246 MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 6ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2013, p. 442. 247 “A maioria das sociedades avançadas usa princípios democráticos para estabelecer políticas governamentais. Quando uma cidade está decidindo entre dois locais para a construção de um novo parque, por exemplo, há uma maneira simples de escolher: vence a maioria. Mas, para a maioria das questões políticas, o número de resultados possíveis é bem maior do que dois. Um novo parque, por exemplo, poderia ser construído em muitos locais diferentes. Nesse caso, como observou o marquês de Condorcet, teórico político francês do século XVIII, a democracia pode ter algumas dificuldades para escolher o melhor resultado.” MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 6ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2013, p. 447. 248 MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 6ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2013, p. 448.

112

a ordem em que os itens são votados) pode ter forte influência sobre o resultado de uma eleição

democrática. A segunda, mais ampla, é de que o voto da maioria, por si só, não nos diz o

resultado que uma sociedade deseja.”.

Essa questão põe dúvidas sobre a eficiência das votações democráticas em diversos

campos da atividade humana, seja nas deliberações de assembleias de acionistas – em uma

empresa de capital aberto –; ou, ainda, nas assembleias de credoras das empresas em

Recuperação Judicial. Mas, não obstante o paradoxo de Condorcet, cumpre verificar, também,

o Teorema da Impossibilidade de Arrow. Voltemos ao que nos diz Gregory Mankiw:

“Há algum sistema eleitoral perfeito? O economista Kenneth Arrow abordou

essa questão em seu livro de 1951, Escolha social e valores individuais. Arrow

partiu da definição do que poderia ser um sistema eleitoral perfeito. Ele assume

que os indivíduos da sociedade têm preferências entre os diversos resultados

possíveis A, B, C e assim por diante. Então, faz a suposição de que a sociedade

deseja um sistema eleitoral para escolher, entre esses resultados, aquele que

satisfaça diversas condições:

• Unanimidade: se todos preferem A a B, então A deverá superar B.

• Transitividade: se A supera B e B supera C, então A deve superar C.

• Independência de alternativas irrelevantes: a classificação de dois

resultados quaisquer A e B não deve depender de um terceiro resultado C que

também seja disponível.

• Ausência de ditadores: não existe nenhuma pessoa que sempre vença,

independentemente das preferências de todas as demais.

Todas essas propriedades parecem ser as que um sistema eleitoral deva ter. Mas

Arrow provou, matemática e irrefutavelmente, que nenhum sistema eleitoral é

capaz de satisfazer todas essas propriedades. Esse resultado surpreendente é

chamado teorema da impossibilidade de Arrow.

(...)

O teorema da impossibilidade de Arrow é um resultado profundo e perturbador.

Não nos diz que devemos abandonar a democracia como forma de governo. Mas

diz, isso sim, que, independentemente do sistema eleitoral adotado por uma

113

sociedade para agregar as preferências individuais de seus membros, de algum

modo ele será falho como mecanismo de escolha social.”.

Mesmo tratando de eleições – ou votações – sob o aspecto político, as questões levantadas

acima também têm repercussão nas votações atinentes à Recuperação Judicial. Já se disse, com

base na legislação, que há uma preferência dos credores no caso de liquidação da empresa,

conduzindo-os na escolha entre aprovação ou não do PRJ. Tal se dará, para os credores com

preferência, sob a ótica da viabilidade de liquidação de seus créditos diante dos ativos da

empresa.

Esse, portanto, será o dilema a ser endereçado com mais atenção pelo mediador ou

conciliador. Mas, para tanto, eles terão de auxiliar as partes na redução da assimetria de

informações, de modo que – se for o caso – os credores preferenciais vislumbrem possibilidades

de receber os seus créditos em razão do fluxo de caixa da empresa em recuperação.

Todavia, não se pode olvidar que é extremamente difícil a avaliação de uma empresa em

crise com base nos modelos existentes como, por exemplo, o fluxo de caixa descontado. De

acordo com esse modelo, o valor de uma empresa consiste em seus fluxos de caixa, trazidos a

valor presente e descontados de uma taxa de risco. Pois bem, em uma empresa sadia, essa

metodologia já não é absoluta, permitindo equívocos na avaliação. Quando se trata de uma

empresa em crise, então, o modelo é mais passível de falhas. Isto porque, os fluxos de caixa

têm maiores variações e a taxa de risco é mais difícil de ser estabelecida.

É, portanto, diante desse cenário, que mediadores ou conciliadores precisam estimular

um comportamento transparente por parte da recuperanda. Pois, somente isso poderia reduzir a

assimetria de informações e a dificuldade de valorização da empresa, de modo a buscar um

comportamento mais colaborativo por parte de todos os credores. Em suma: é crucial que os

credores vislumbrem a possibilidade clara de receber seus créditos a partir do fluxo de caixa, o

que, sem dúvidas, é difícil. Nesse cenário é que mediadores ou conciliadores podem ter um

papel relevante.

Mas, se não for esse o caso – ou seja, se a empresa se mostrar inviável –, é necessário

trabalhar em outras frentes para a liquidação mais eficiente dos ativos, e, com isso, aumentar

as chances de recebimento dos créditos para a maioria dos stakeholders. Outra atividade que

114

pode ser exercida por mediadores e conciliadores, no intuito de maximizar os valores dos ativos,

ou, quiçá, da venda de unidades de negócio ou da empresa como um todo249.

2.2. Alternativa ao modelo adversarial como instrumento de governança

Diante do cenário até aqui apresentado, entendemos, então, que um mediador ou

conciliador poderia facilitar a comunicação entre a recuperanda e seus credores, e, além disso,

de modo criativo, buscar soluções para a crise da empresa, fazendo com que todos ganhem mais

com a colaboração do que na batalha ferrenha pelo “último grampeador” disponível. Trata-se,

assim, de uma forma de resolução de conflitos não adversarial que busca uma solução calcada

na tentativa de viabilizar um acordo entre todos.

Há diversos métodos alternativos para solução de disputas. Fala-se muito em arbitragem,

que, na realidade, pode ser resumida como um procedimento adversarial (contencioso), privado,

para dirimir conflitos de interesses. Ao invés de recorrer ao judiciário, as partes submetem sua

disputa para o julgamento de um ou mais árbitros, que, de acordo com o texto legal, funcionam

como “juízes” de fato e de direito para o caso específico que foram chamados a decidir250. Nos

últimos tempos, outras formas têm ganhado repercussão e chamado a atenção dos agentes de

mercado e da comunidade jurídica.

Nesse leque, não adversarial, podem-se destacar a negociação, a conciliação e a

mediação. Mas, qual é a diferença?

A negociação é um meio voluntário no qual as partes, livremente, buscam solucionar suas

disputas. Trata-se, em certa medida, de uma arte que vem sendo estudada e desenvolvida há

249 “Sometimes a prompt bankruptcy auction will yield a greater value for the business than any other alternative in the foreseeable future. Chapter 11 may, for example, create the possibility of a sale to a buyer willing to pay a control premium for the distressed enterprise that would not have been available outside of bankruptcy”. Douglas G. Baird e Donald S. Bernstein. Absolute Priority, Valuation Uncertainty, and the Reorganization Bargain. 2005. p. 19. http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1023&context=law_and_economics 250 Nos exatos termos do artigo 18 da Lei n. 9.307/1996: “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”.

115

muitos anos251, tendo sido incrementada com elementos da psicologia social e da teoria dos

jogos, ambas citadas no item anterior. Como salientou Leonardo Corrêa252:

“Isso não quer dizer, por outro lado, que o papel do advogado seja

desaconselhar a disputa com frases do tipo "mais vale um mau acordo do que

uma boa demanda". Muito pelo contrário, a função do advogado é sempre

encarar e mergulhar na disputa, nos seus fatos e nas suas causas, só assim ele

poderá avaliar corretamente a situação. O que mudará, na realidade, serão a

sua postura e perspectiva voltadas para a solução do conflito.

Essa mudança não é difícil, bastando manter sempre em mente a seguinte ideia:

raramente uma disputa comercial será um "jogo de matar ou morrer". Além

disso, por mais paradoxal que possa parecer, mesmo em uma disputa é preciso

tentar manter certo otimismo em relação à outra parte, pois, de outra forma,

uma solução negocial se torna praticamente impossível.

Torna-se fundamental, assim, entender as razões da disputa e as possibilidades

de lado a lado, para, com isso, buscar alternativas que possibilitem um ganho

para ambas as partes, ou, pelo menos, um mínimo de satisfação com a solução

do conflito.

Esse será o papel do advogado brasileiro especialista em disputas nos próximos

anos. Teremos de reinventar a nossa forma de trabalhar, eliminar vícios e fugir

do "matar ou morrer". Teremos de apreender sobre negócios e ser mais curiosos

sobre os fatos que permearam toda a relação comercial desde a contratação.

Teremos, enfim, que tentar gerar valor ao invés de vitórias.”.

É uma mudança conceitual bem ousada. Pois bem. A conciliação, ao seu turno, tem uma

formatação diversa, e, invariavelmente, ocorre após as partes apresentarem suas pretensões em

um ambiente litigioso. O conciliador tem um papel ativo, tentando apresentar as consequências

e riscos da disputa aos litigantes. A mediação, contudo, é substancialmente diferente.

251 A bibliografia sobre a matéria é vastíssima, valendo citar, apenas a título de exemplificação, as obras: “Consiga o que você quer” (Stuart Diamond); “Barganing for advantage: Negotiation Strategies for Reasonable People” (Richard Shell); “The Art of Woo: Using Strategic Persuasion to Sell Your Ideas” (Richard Shell e Mario Moussa); “Getting to Yes: Negotiating Agreement Without Giving In” (Roger Fisher, William L. Ury, Bruce Patton): “Pre-Suasion: A Revolutionary Way to Influence and Persuade” (Robert B. Cialdini); entre outros. 252 CORRÊA, Leonardo A.. Gerar valor ao invés de vitórias. Artigo publicado em 23/02/2010 no site Migalhas. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI102324,71043-Gerar+valor+ao+inves+de+vitorias (acesso em 18/12/2016).

116

Mediação é um método de solução de disputas, consensual, no qual um terceiro – o

mediador – facilita o processo de negociação entre as partes, de modo auxiliar na busca de uma

solução para a disputa253. Nas palavras de Francisco José Cahali:

“A mediação é um dos instrumentos de natureza autocompositiva e voluntária,

no qual um terceiro, imparcial, atua de forma ativa ou passiva, como facilitador

do processo de retomada do diálogo entre as partes, antes ou depois de

instaurado o conflito”254.

O instituto é tão importante, que Mauro Cappelletti255 salientou “a ‘terceira onda’ vai

muito mais além dessas formas de simplificação dos procedimentos e dos órgãos de justiça.

Muito importante é a substituição da justiça contenciosa por aquela que denominei de justiça

coexistencial, isto é, baseada em formas conciliatórias.”.

A função da mediação, basicamente, é facilitar a solução da controvérsia. Para tanto, há

dois métodos: (i) a rights-based; e, (ii) a interest-based256. No primeiro, o foco consiste na

avaliação das consequências e possibilidades jurídicas caso a disputa seja levada à adjudicação

(judicial ou extrajudicial). No segundo, a característica marcante é um viés negocial baseado

nos interesses das partes. Cabe salientar, contudo, que no direito brasileiro a distinção fica

ligeiramente diferente: “Mediação e conciliação são processos que podem levar as partes a um

acordo, distinguindo-se, fundamentalmente, porque, na mediação, o mediador deve levar as

253 De acordo com o Uniform Mediation Act, aplicável nos Estados Unidos da América: “Mediation is a consensual process in which the disputing parties decide the resolution of their dispute themselves with the help of a mediator, rather than having a ruling imposed upon them. The parties’ participation in mediation, often accompanied by counsel, allows them to reach results that are tailored to their interests and needs, and leads to their greater satisfaction in the process and results. Moreover, disputing parties often reach settlement earlier through mediation, because of the expression of emotions and exchanges of information that occur as part of the mediation process.” http://www.uniformlaws.org/shared/docs/mediation/uma_final_03.pdf (acessado em 12/12/2016). Por sua vez, o artigo 3o da Diretiva n. 52/2008 do Conselho da União Europeia define mediação como: “um processo estruturado, independentemente da sua designação ou do modo como lhe é feita referência, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre a resolução do seu litígio com a assistência de um mediador. Este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou ordenado por um tribunal, ou imposto pelo direito de um Estado-Membro.” (http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32008L0052&from=PT). 254 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 5a Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 85. 255 CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de Reforma do Processo nas Sociedades Contemporâneas. Rio de Janeiro: Revista Forense, n. 318, p. 123-124. 256 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A Mediação e a Necessidade de sua Sistematização no Processo Civil Brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, volume V, p. 72.

117

partes, elas próprias, a construir o caminho para o acordo, concebendo os seus termos. Na

conciliação, permite-se que o conciliador faça sugestões de possíveis formas de acordo.”257.

Em ambos os casos, contudo, de acordo com a experiência acumulada nos países que

utilizam essa forma alternativa de solução de disputas, mediadores devem ouvir as partes,

filtrando os excessos emocionais, de modo a viabilizar proposições eficientes que auxiliem a

composição. Nas interest-based mediations, mediadores podem, inclusive, propor soluções que

maximizem os resultados para ambos os lados.

O olhar do mediador, nessa modalidade, não é para a disputa em si. Sua função é reduzir

o calor, permitir o diálogo e auxiliar as partes na solução de conflitos. É um procedimento

espontâneo, não adversarial, sem a função de alertar as partes sobre riscos e consequências.

Saliente-se, outrossim, que é possível adotar duas formas procedimentais para a

mediação: (i) uma, com todas as partes e o mediador; e, (ii) outra, na qual o mediador interage

com as partes separadamente, chamada de “caucus”. Não existe um procedimento certo. A

escolha pela interação em conjunto ou separada costuma ser feita pelo mediador, diante do grau

de beligerância das partes. Como explica Humberto Dalla Bernardina de Pinho258:

“João Roberto da Silva alerta serem as informações obtidas em caucus

confidenciais, sendo que, a seu ver, diversas vantagens podem resultar daí.

Permite-se ao mediador descobrir as motivações ocultas das partes. É

razoavelmente seguro supor que as razões expressas pelas partes em disputa

como estando na base da sua atitude não sejam as únicas.

Deste modo, uma das tarefas do mediador será descobrir o que mais está a

influenciar as suas posições respectivas, isto é, descobrir as motivações ocultas.

As razões por que são mantidas ocultas podem facultar ao mediador a

necessária informação para impulsionar as partes a ultrapassarem o que quer

que seja e que esteja a bloquear as negociações diretas.

257 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: RT, 2016, p. 65. 258 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A Mediação e a Necessidade de sua Sistematização no Processo Civil Brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, volume V, p. 79.

118

Durante as reuniões, sejam elas em conjunto ou separadamente, caberá ao

mediador a condução dos trabalhos; ele deve estar sempre à frente e no controle

do processo, estimulando o debate entre as partes, sem nunca perder o foco e o

objetivo de todo o trabalho.”.

A matriz da mediação, contudo, não deixa de ser a própria negociação. Consistindo em

um método de solução de disputas consensual, a mediação demanda a utilização de técnicas de

negociação para auxiliar as partes na resolução de seu conflito de interesses. Sendo assim, o

mediador acaba tendo uma função relevante na persuasão das partes, como ressaltado por

James H. Stark e Douglas N. Frenkel, no artigo: “Changing Minds: The Work of Mediators and

Empirical Studies of Persuasion”259.

Feita essa brevíssima explicação, como e porquê a mediação e a conciliação podem e

devem ser usadas em Recuperações Judiciais? O mediador ou o conciliador pode reduzir a

tensão entre as partes, e, dentre outras questões, diminuir os problemas de confiança que

acabam resultando em posturas estratégicas calcadas na Teoria dos Jogos. Pode, também,

minimizar a postura de pensamento automático baseada no princípio da escassez. Por fim, eles

poderiam auxiliar as partes na criação de soluções alternativas, maximizando o resultado de

todos.

Mencionamos os princípios de economia bem como questões afeitas à Análise

Econômica do Direito. Pois bem. Como é possível justificar a mediação sob esses aspectos?

O primeiro princípio de economia, como visto, consiste na necessidade de enfrentar

tradeoffs. Nas Recuperações Judiciais, a escolha do credor é – em princípio – entre receber

menos do que o que lhe era devido, ou, alternativamente, não receber absolutamente nada. É

nesse tipo de questão, e.g., que o mediador ou o conciliador poderia fazer toda a diferença,

reduzindo a tensão e tentando levar as partes para uma solução que se aproxime do Equilíbrio

de Nash ou a Pareto Kaldor-Hicks.

259https://poseidon01.ssrn.com/delivery.php?ID=860065085009091097092111100005109073058016039023044067109086007111072006078007081025025031037030005038045120025006092104020005114023070069004113126116030069031125038087030106026084096001083117069075070102021088097075029119066101068064077010075083064&EXT=pdf.

119

O segundo princípio de economia, intimamente relacionado ao primeiro, consiste na

certeza de que o custo de alguma coisa é o que se abriu mão para obtê-la. Noutros termos, o

mediador ou o conciliador precisará trabalhar com a hipótese, por exemplo, dos fornecedores

de matéria prima que, desconfiando da capacidade de pagamento da recuperanda, optam por

não fornecer, inviabilizando a solução da crise da empresa. Neste caso, o mediador ou o

conciliador pode auxiliar os credores e a recuperanda em criar mecanismos que restabeleçam a

confiança, contribuindo para a operacionalização da empresa em crise.

O terceiro princípio de economia dispõe que as pessoas racionais pensam na margem. Ou

seja, o mediador ou o conciliador deverá atuar – facilitando a negociação – por meio de

estruturas maleáveis, capazes de se ajustarem no correr do processo. Ele precisa mostrar que

não se está lidando com absolutos, mas, sim com benefícios marginais e custos marginais.

O quarto princípio de economia enuncia que as pessoas reagem a incentivos. O mediador

ou conciliador, neste caso, deverá trabalhar com os incentivos capazes de motivar as partes.

Para tanto, precisará da habilidade para observar o que motiva cada um dos envolvidos no

processo de recuperação da sociedade em crise.

O quinto princípio de economia salienta que o comércio pode ser bom para todos. Nesse

ponto, o mediador ou o conciliador deverá auxiliar – com base em argumentos sustentáveis – a

convencer os credores de que vale a pena prosseguir nos negócios com a recuperanda. A chave

para tanto será a credibilidade. Aliás, é possível afirmar que um dos papeis fundamentais dos

mediadores e conciliadores em recuperações judiciais consistirá no restabelecimento da

credibilidade.

O sexto princípio de economia aduz que os mercados se organizam de modo eficiente.

Esse princípio é assaz importante para a postura do mediador ou do conciliador. Ele estará

lidando com diversos agentes econômicos, que, por certo, acreditam na capacidade de soluções

negociais. Sendo assim, a imposição e/ou ameaças não funcionarão. É preciso buscar soluções

livremente acordadas.

120

O sétimo princípio de economia enuncia que, às vezes, governos podem melhorar os

resultados do mercado260. Aqui surge uma questão relevantíssima para a presente tese. A LRE

é uma forma estatal de solução para crise das empresas. Todavia, como mencionado acima, o

modelo do instituto de Recuperação Judicial que até aqui se desenvolveu é eminentemente

adversarial. Ainda que se considere o princípio democrático da lei, no tocante às assembleias

de credores, fato é que cada um vota sob a ótica de seus próprios interesses, utilizando,

basicamente – como dito acima – as ferramentas encontradas na Teoria dos Jogos para tomada

de decisões estratégicas.

Nessa questão, como será proposto no próximo item 2.3, é possível que o Estado incentive

a utilização da mediação e da conciliação na recuperação de empresas. O procedimento de

mediação ou de conciliação pode ser impositivo, considerando que, do ponto de vista

econômico, ele é mais eficiente do que o modelo adversarial atualmente em vigor.

O oitavo princípio de economia demonstra que o padrão de vida (ou sucesso no caso de

uma empresa) está diretamente relacionado à capacidade de produzir bens e/ou serviços. Desta

feita, uma das primeiras questões que devem ser avaliadas pelo mediador ou pelo conciliador,

de modo a auxiliá-lo na tarefa de restabelecimento da confiança dos credores na recuperanda é

a capacidade de produzir bens ou serviços. Sem a capacidade de produzir, a empresa se torna

inviável per se, e, portanto, não justifica a recuperação judicial.

O nono princípio de economia indica que os preços sobem quando os governos emitem

moeda demais. Isso é um alerta para que o mediador e o conciliador sejam capazes de ter uma

visão global da economia, de modo a ser eficiente na busca de alternativas para a empresa em

crise. Não é possível reerguer uma empresa com um olhar restrito, é preciso ter uma perspectiva

ampla que avalie a situação macroeconômica e microeconômica do país no qual a empresa está

situada. Por vezes, entretanto, diante da economia globalizada, o mediador e o conciliador

necessitarão, também, de uma visão econômica global. Tal se daria, por exemplo, se a

recuperanda fosse uma empresa focada na exportação.

260 De acordo com Erick Vidigal: “E é diante da necessidade de regulamentação e implementação dos direitos decorrentes das leis da natureza e do Deus da natureza que se dá, para Locke, o processo de passagem da sociedade natural econômica para a sociedade política.” In VIDIGAL, Erick. O capitalism humanista à luz da ordem constitucional dos EUA: fundamentos para um Estado suficiente e eficiente. Brasília: Penélope Editora, 2016, p. 125.

121

O décimo princípio de economia diz respeito ao tradeoff entre inflação e desemprego.

Analogicamente, há que se pensar na hipótese de quebra e desemprego. Assim, será prudente

que a mediação ou a conciliação na recuperação de empresas seja um instrumento para

preservação de empregos, mas, não um instrumento de garantia de empregos, sob pena de

inviabilizar a atividade empresarial, resultando na quebra da empresa. Há um tradeoff entre as

demissões e a preservação de, ao menos, alguns empregos que deve, necessariamente, ser

ponderada e sustentada pelo ordenamento jurídico.

Na celebrada obra, “Acesso à Justiça”, Mauro Cappelletti e Bryant Garth enunciam: “Tal

como foi enfatizado pelos modernos sociólogos, as partes que tendem a se envolver em

determinado tipo de litígio também devem ser levadas em consideração. Elas podem ter um

relacionamento prolongado e complexo, ou apenas contatos eventuais. Já foi sugerido que a

mediação ou outros mecanismos de interferência apaziguadora são métodos mais apropriados

para preservar os relacionamentos.”261. Ou, no caso da presente tese, preservar empresas.

A explicação acima menciona duas questões de suma importância: (i) relacionamento

prolongado, e, (ii) complexidade. Esses aspectos são intimamente ligados às empresas,

principalmente quando em suas crises. Preservar relacionamentos é extremamente relevante,

pois está intimamente ligado ao conceito de confiança. Ora, uma empresa em crise, obviamente,

lida com grave prejuízo para a confiança. E, ao mesmo tempo, precisa desesperadamente dela

para buscar a sua recuperação.

Diante desse cenário, percebe-se uma reunião de elementos em prol da utilização da

mediação – nas Recuperações Judiciais – como instrumento de restauração da confiança.

Todavia, não fosse só isso, a mediação ou a conciliação, pelo seu caráter colaborativo, pode ser

mais eficiente para a solução da crise na empresa, diante da complexidade das questões

envolvidas.

Há diversos momentos para que se use a mediação ou a conciliação no âmbito de uma

Recuperação Judicial. Ela pode ser feita assim que instaurado o procedimento, possibilitando

261 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2015. Trad. Ellen Gracie Northfleet, p. 72.

122

uma melhor compreensão dos interesses, anseios e pontos de tensão dos stakeholders. O

conhecimento desses fatores, em um modelo não conflitivo, deve ser considerado no PRJ.

Mas, não existe uma regra absoluta. Sendo assim, também seria perfeitamente viável

realizar a mediação durante a Assembleia Geral – considerando, obviamente, a opção pela

quebra se a empresa for irrecuperável –; ou, inclusive, durante qualquer fase do procedimento,

de modo a, e.g., facilitar a solução de problemas com os fornecedores, como o que ocorreu,

recentemente, numa negociação da LBR – em Recuperação Judicial - com sua fornecedora,

TetraPak, com a intervenção do administrador judicial e do Juiz da 1a Vara de Falências e de

Recuperações Judiciais. O sucesso da mediação permitiu o prosseguimento das atividades da

LBR.

Outro ponto relevante consiste em determinar quem poderia funcionar como mediador.

Vamos considerar alguns dos participantes do procedimento judicial. O primeiro deles seria o

Juiz. Pois bem. Seria o magistrado a pessoa mais indicada para funcionar como mediador? Nos

parece que a resposta deva ser negativa.

Em sua essência, a mediação demanda a confidencialidade, de modo – dentre outras

questões – a estimular e facilitar a comunicação. Todavia, caso a mediação não surta efeitos,

por consequência direta, o juiz será chamado a decidir. Desta feita, nos parece que os

magistrados não seriam os mais indicados para atuar como mediadores.

Mas, além disso, encontramos a resposta definitiva na própria de Lei de Mediação (Lei

n. 13.140/2015). Em seu artigo 4o, o diploma legal dispõe que: “[o] mediador será designado

pelo tribunal ou escolhido pelas partes.”. E, logo em seguida, mais especificamente no artigo

7o, assevera que “[o] mediador não poderá atuar como árbitro nem funcionar como

testemunha em processos judiciais ou arbitrais pertinentes a conflito em que tenha atuado

como mediador”262. A leitura dos dispositivos demonstra, claramente, que o juiz não poderia

262 Por sua vez, o § 2o, do artigo 166, do Novo CPC, estabelece na mesma toada, o seguinte: “[e]m razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.” Em obra comentando esse artigo, esclarece-se o seguinte: “O princípio da confidencialidade impõe o sigilo acerca do conflito e de todas as informações produzidas no curso do procedimento, de maneira que as partes se sintam protegidas em suas manifestações, agindo sem inibição nos diálogos e na exposição dos fatos, pois seguras de que o que disserem não será, em outra oportunidade, usado contra si. A obrigação de guardar sigilo envolve tanto as partes (e seus advogados) quanto aos mediadores e conciliadores. Em razão da confidencialidade, é recomendável que a atuação do juiz, na tentativa de promover a conciliação entre as partes, se limite àquele dever que lhe é

123

funcionar como mediador. Ora, se a escolha cabe ao tribunal ou às partes, não nos parece

razoável que o magistrado se indique. Mais ainda, se o mediador não pode funcionar como

testemunha, com mais razão não poderá ser juiz ou árbitro.

E quanto ao Administrador Judicial? Ora, ele tem o dever de gerir o procedimento de

recuperação, e, assim como o juiz, não terá, em princípio, a confiança das partes para um livre

e aberto diálogo, permitindo a autocomposição.

Sendo assim, é nosso entendimento que o ideal seria uma pessoa isenta, totalmente

desatrelada do procedimento, para conduzir a mediação, indicada pelo próprio juízo ou pelos

credores. Nesse sentido, caso os credores estejam de acordo em que o procedimento de

mediação seja realizado pelo Administrador Judicial, ele poderá atuar como mediador, desde

que ele não esteja incumbido das funções de gestor judicial.

Surge, no entanto, um problema para essa questão. Quem arcaria com os custos do

mediador? Em princípio, a própria recuperanda deveria arcar com os referidos. Veja-se o caso

da “Oi”, em que o conflito entre seus acionistas foi submetido à mediação por determinação do

juízo da Recuperação Judicial, às expensas da recuperanda, uma vez que tais conflitos poderiam

inviabilizar o prosseguimento da própria Recuperação Judicial. No entanto, existem situações,

principalmente das empresas de médio e pequeno portes, em que a devedora não terá condições

financeiras para arcar com os referidos custos.

Diante disso, apresenta-se uma alternativa para essa questão. O Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, em seu website, esclarece: “Em situações de

crise, o Banco também tem fundamental atuação anticíclica e auxilia na formulação das

soluções para a retomada do crescimento da economia. O BNDES está presente para apoiar o

crescimento do País onde é necessário.”263.

tradicionalmente atribuído (art. 139, V), mas que não envolve nem estar à testa e nem mesmo participar de sessões dirigidas por mediadores e conciliadores treinados para isso. É que as partes, certamente, dirão coisas que o juiz não poderá levar em conta para decidir e que, portanto, não deve saber.” TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, MARIA LÚCIA LINS CONCEIÇÃO, LEONARDO FERRES DA SILVA RIBEIRO e ROGERIO LICASTRO TORRES DE MELLO. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: RT, 2016. P. 255 263 http://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/quem-somos/

124

Além disso, o estatuto do banco, Decreto nº 4.418, de 11 de outubro de 2002, estabelece

o seguinte em seu artigo 3º: “[o] BNDES é o principal instrumento de execução da política de

investimento do Governo Federal e tem por objetivo primordial apoiar programas, projetos,

obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento econômico e social do País”;

prosseguindo, o artigo 4º dispõe que: “[o] BNDES exercitará suas atividades, visando a

estimular a iniciativa privada, sem prejuízo de apoio a empreendimentos de interesse nacional

a cargo do setor público”.

Conjugando o objetivo do Banco com os dispositivos legais acima indicados, pode-se

concluir que o BNDES poderia, perfeitamente, funcionar como financiador do processo de

Recuperação Judicial custeando os honorários do mediador. Veja-se bem, não se está propondo

que o BNDES seja usado como financiador de empresas em crise. Mas, apenas e tão somente,

que financie um método não beligerante de solução de disputas, estimulando uma sociedade

mais justa, fraterna e menos beligerante. Tal solução, inclusive, seria um custo baixo com a

contrapartida de auxiliar a composição de um conflito que tem o condão de preservar empresas

e empregos.

2.2.1. Técnicas de persuasão e negociação para mediadores e conciliadores em uma

Recuperação Judicial

A negociação é a primeira forma não adversarial – na acepção processual do termo – de

solução mais adequada dos conflitos. As técnicas desenvolvidas para ela se aplicam, também,

para a mediação e para a conciliação. Stuart Diamond, Professor de Negociação de Wharton,

esclarece que: “[a] negociação está presente nas relações humanas. Toda vez que as pessoas

interagem ocorre uma negociação: verbal ou não verbal, consciente ou inconsciente.”264. Em

um breve resumo, trataremos de algumas dessas técnicas. Mas, antes disso, é importante

principiar por conceitos de persuasão que devem ser adotados em qualquer solução de conflitos.

Os estudos de negociação ganharam muito após a inclusão de análises que partiam de

conhecimentos da psicologia-social. Não há duvidas que a teoria dos jogos também tem um

papel relevantíssimo. Todavia, pessoas agem de forma emocional e automática, e, desta forma,

264 DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro: Sextante, 2012, p.13.

125

é necessário considerar essa questão nas técnicas de negociação. Na obra “Influence the

Phsychology of Perssuassion”, um dos maiores bestsellers sobre a matéria, Robert B.

Cialdini265, enumera as principais ferramentas de persuasão:

(a) Contraste

A comparação de duas alternativas é um poderoso instrumento de persuasão. Em

persuasão, a ordem das proposições pode alterar o resultado. Indivíduos e agentes econômicos

são influenciados pela ordem que as questões lhes são apresentadas. Em um exemplo simples,

se colocarmos a mão em um balde com água gelada, e, posteriormente, colocamos a

mesmíssima mão em um balde no qual a água encontra-se em temperatura ambiente, tendemos

a acreditar que a água estará quente. Na hipótese reversa, usando uma outra mão,

provavelmente, acharíamos que a água estará mais gelada do que antes.

Em uma Recuperação Judicial, o mediador ou conciliador têm de lidar com esse fator. A

ordem que ele apresentar as proposições das partes, ou, ainda, a ordem em que ele apresente as

questões a serem debatidas poderá mudar todo o rumo do procedimento.

(b) Reciprocidade

Quando alguém nos faz um favor, nos sentimos obrigados – ou compelidos – a retribuir.

Durante o processo de qualquer negociação, esse item é extremamente relevante. Quando uma

parte, por exemplo, faz uma concessão – seja de prazo ou de desconto – em uma Recuperação

Judicial, espera-se um comportamento similar da outra parte. Como há quebra de confiança,

esse elemento se torna crucial para, pouco a pouco, buscar o seu reestabelecimento.

(c) Comprometimento e consistência

Quando nos comprometemos com alguém é mais difícil voltar atrás. Na linha da

ferramenta anterior, o comprometimento e a consistência, são elementos importantes a serem

buscados pelo mediador ou conciliador, como forma de reestabelecer a confiança. Lembre-se,

265 CIALDINI, Robert B.. Influence: The Psychology of Persuasion. HarperCollins e-books, 2009, p. 340/435.

126

como dito acima, que a confiança é o principal ativo de uma empresa, e, portanto, é um dos

principais pilares do trabalho a ser desenvolvido por mediadores e conciliadores.

(d) Aprovação Social

Quando o grupo social em que estamos inseridos costuma seguir determinada orientação,

tendemos a agir da mesma forma. Quando estamos em dúvida, olhamos ao redor para definir o

nosso comportamento. Essa ferramenta é de suma importância em uma Recuperação Judicial.

Mediadores ou conciliadores precisarão buscar um consenso entre os stakeholders e

gatekeepers de modo a tentar achar uma solução para a crise na empresa. Sem o consenso,

qualquer um desgarrado pode colocar todo o restante em situação de dúvida impedindo, assim,

o sucesso nas soluções para o problema.

(e) Autoridade

Quando alguma autoridade nos indicou uma solução ou orientação, costumamos seguir.

Conquanto mediadores – diferentemente dos conciliadores – não tenham um papel ativo na

criação de soluções, é importante que eles tenham o respeito de todos. Os melhores

conciliadores ou mediadores, serão aqueles indivíduos ou instituições que tiverem mais

respeitabilidade e confiança dos participantes do mercado.

(f) Apreciação

Quando gostamos de alguém, é mais fácil que essa pessoa nos convença de algo. Sendo

assim, mediadores e conciliadores – de um modo geral e especialmente nas Recuperações

Judiciais – devem construir um Rapport no trato com todos os stakeholders e gatekeepers. De

outra forma, sua atuação será – no mínimo – pouco efetiva.

(g) Escassez

Diante da possibilidade de escassez ou perda, um item se torna mais procurado e valioso.

Esse ponto já havia sido tratado acima. Contudo, ele não deixa de ser relevante nas interações

entre mediadores, conciliadores, a recuperanda, seus stakeholders e gatekeepers. Como

127

salientado, em uma Recuperação Judicial, a escassez é um dos problemas mais graves, e, sendo

assim, ele deve ser tratado com muito cuidado e estratégia.

Essas ferramentas, como se vê, são cruciais para facilitar a comunicação, entender as

necessidades e construir a melhor forma de agir na solução do problema gerado pela crise na

empresa. No entanto, além delas, é fundamental que mediadores e conciliadores conheçam as

técnicas de negociação.

Richard Shell conceitua negociação como: “um processo de comunicação interativo que

pode ocorrer quando queremos algo de outra pessoa ou quando outra pessoa quer algo de

nós.”266.

Para tanto, o autor desenvolveu diversas técnicas que se iniciam com algumas

verificações básicas: (i) Seu Próprio Estilo e o dos Outros; (ii) Metas e Expectativas dos que

participam do processo de negociação; (iii) Padrões e Normas dominantes (os “standards” das

partes); (iv) Os Relacionamentos em jogo; (v) Os Interesses das Partes; e, (vi) Poder da

Influência (“leverage”). A sequência deste item será baseada nos ensinamentos do Richard

Shell e de Stuart Diamond, com os ajustes necessários para a mediação ou conciliação em uma

Recuperação Judicial.

Seu Próprio Estilo e dos outros: mediadores e conciliadores precisam trabalhar com o

que eles têm, não é possível se transmudar em outra pessoa, pois o estilo de cada um deve ser

natural267. Há alguns tipos tradicionais que: (a) Evita conflitos – não quer negociar, pois detesta

conflitos interpessoais; (b) é Transigente – são pessoas justas que estão interessadas em manter

relações produtivas com outras pessoas; (c) é Prestativo – gosta de resolver conflitos

interpessoais, solucionando o problemas das outras pessoas; (d) é Competidor – gosta de

ganhar, está disposto a correr riscos para ganhar mais dinheiro do que qualquer outra pessoa

que esteja jogando; (e) é Solucionador de problemas – busca resolver o problema básico por

266 SHELL, Richard G. Barganing for advantage: Negotiation Strategies for Reasonable People. Segunda Edição. Penguin Books, 2006. Tradução livre do original: “A negotiation is a interactive communication process that may take place whenever we want something from someone else or another person wants something from us”. 267 “Seja transparente e construtivo, nunca manipulador. Esta é uma das maiores diferenças entre as ideias defendidas neste livro e o pensamento convencional. Não engane as pessoas – elas acabarão descobrindo e o benefício a longo prazo será pequeno. Seja você mesmo. Pare de tentar ser mais durão, mais simpático ou algo que você não é. É fácil detectar os impostores. Ser verdadeiro é altamente convincente e a credibilidade é o seu maior trunfo.” in DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro. Sextante, 2012, p.17.

128

meio da franca exposição de interesses, encontra a solução mais adequada, apresentando várias

opções e soluciona difíceis questões, usando padrões justos.

O mediador ou conciliador deve reconhecer o seu próprio estilo e identificar os estilos

dos demais: recuperanda, seus stakeholders e gatekeepers.

Após mapear o estilo dos envolvidos, é necessário trabalhar com Metas e

Expectativas268, considerando os seguintes aspectos: (i) pensar cuidadosamente a respeito do

que realmente se deseja; (ii) estabeleça metas otimistas, em um plano de recuperação, mas

justificáveis; (iii) ser específico; criar um modelo escrito do plano de recuperação, bem

concatenado; e, (iv) conhecer profundamente o plano e as suas justificativas.

Além disso, é crucial conhecer os Padrões e Normas dominantes (os “standards”) das

partes269. Para tanto, deve-se: (i) pesquisar os padrões e normas aplicáveis; (ii) identifique

aqueles que as outras partes considerem legítimos; (iii) preparar uma base de dados e

argumentos; (iv) prever os argumentos que a outra parte usará; (v) preparar um tema de

posicionamento e antever o dos demais; e, (vi) se necessário, considerar a possibilidade de

expor seus argumentos perante aliados.

É preciso uma atenção especial aos Relacionamentos, vislumbrando como se comportar

nos diferentes cenários, negociando com conhecidos ou desconhecidos. Criar Rapport270.

Utilizar pessoas em comum para auxiliar o processo de busca de uma solução para o problema

268 “As metas são fundamentais. As metas são o objetivo que você busca conseguir no fim da negociação. Obviamente, você deve negociar para alcança-las. Muitas pessoas agem contrariamente aos seus objetivos porque estão concentradas em outra coisa. Elas ficam com raiva e atacam as pessoas erradas. Numa negociação, você não deve buscar relacionamentos, interesses, ganho mútuo ou qualquer outra coisa só porque acha que tem uma ferramenta eficaz nas mãos. Tudo o que fizer em uma negociação deve explicitamente aproximá-lo de suas metas para essa negociação específica. De outra forma, será irrelevante ou prejudicial para você” in DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro. Sextante, 2012, p.13. 269 “Descubra os padrões dos outros. Quais são as regras, as exceções às regras, os precedentes, as declarações passadas e as formas de tomar decisões da outra parte?” in DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro: Sextante, 2012 p.13 270 “Faça pagamentos emocionais. O mundo é irracional. E quanto maior a importância de uma negociação para um indivíduo, mais irracional ele costuma se tornar: quer se trate da paz mundial, de um contrato de 1 bilhão de dólares ou do seu filho querendo um sorvete. Quando as pessoas são irracionais, elas são emocionais. Quando são emocionais, não conseguem ouvir. Nesse estado, não podem ser persuadidas. Portanto, as palavras que você diz são inúteis, especialmente aqueles argumentos destinados a pessoas racionais e sensatas. Você precisa atingir a psique emocional delas com empatia, pedindo desculpas se necessário, valorizando-as ou oferecendo outras coisas que as façam pensar com mais clareza”. DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro: Sextante, 2012, p.16

129

da empresa em crise. Como transpor essa questão para uma mediação ou conciliação em

Recuperação Judicial?

Algumas questões essenciais: (i) deve-se buscar acesso e credibilidade, por meio de sua

própria conceituação junto ao Mercado; (ii) estabelecer relacionamentos de trabalho à mesa de

negociação, com pequenas atitudes, tais como revelações ou concessões271; (iii) evitar as

armadilhas de reciprocidade e de relacionamento, não confiando rápido demais, não permitindo

que os outros o manipulem pela culpa e não misturando grandes negócios com quaisquer

amizades (no final, se está prestando um serviço); (iv) seguir sempre a “Norma da

Reciprocidade”: (a) seja confiável e íntegro; (b) seja justo com aqueles que são justos com você;

e, (c) quando alguém o tratar com injustiça, faça-o saber disso.

Os Interesses das Outras Partes272: como desvendar os interesses da outra parte, de

modo a incrementar as trocas durante a negociação para conseguir um resultado melhor para

ambas as partes? Só há uma forma: perguntas, perguntas e mais perguntas sobre interesses,

questões e percepções. O mediador e o conciliador precisam estar atento para essas questões,

e, para tanto, precisam: (i) identificar as pessoas com poder de decisão; (ii) como os interesses

da outra parte poderiam ajudá-lo a buscar uma solução para a disputa(?); (iii) o que levaria as

outras partes a dizerem “não”(?); e, (iv) como as opções de baixo custo podem eliminar as

objeções das partes(?).

271 “Muitos negociadores costumam fracassar porque exigem demais de uma só vez. Eles dão passos maiores que as pernas. Isso assusta os outros, faz a negociação parecer mais arriscada e amplia as diferenças. (...) Caso haja pouca confiança, é ainda mais importante ser gradual. Teste cada etapa. Se houver grandes divergências entre as partes, avance lentamente em direção ao outro, reduzindo a lacuna aos poucos.” DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro: Sextante, 2012, p.16/17. 272 “Seu foco deve estar nos outros. Você não será capaz de persuadir as pessoas a menos que tenha noção do que se passa na cabeça delas: suas percepções, sensibilidades, necessidades, como assumem compromissos, se são confiáveis.” in DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro: Sextante, 2012, p.15.

130

Poder da Influência (“leverage”), como encarar o balanço da influência em uma

negociação? Poder de influência não se resume em “tamanho”, “Poder Político” ou “Poder

Financeiro”273 274, é preciso olhar com a mente aberta e formular algumas indagações:

• Qual das partes perderá mais, caso um acordo não seja realizado?

• Para quem o tempo se torna um fator?

• É possível aumentar as alternativas ou limitar as das partes conflitantes?

• É possível ter alguma influência sobre algo que as partes desejem?

Após toda essa avaliação preliminar, é necessário: (i) preparar a estratégia para a solução

da disputa; (ii) trocar informações; (iii) vislumbrar as possíveis propostas e concessões; (iv)

fechar acordos e verificar a possibilidade de se realizarem concessões; e, (v) agir com ética em

todo o processo. Na sequência, é necessário criar algumas etapas. Vamos, então, a cada uma

delas.

1) Primeira etapa - Objetivos & Pessoas com Poder de Decisão:

• Qual é o problema275?

• Quais são os objetivos específicos de todos os envolvidos?

• Quem tem o poder de decidir?

• Devemos negociar, de modo a buscar uma solução para a crise? Há possibilidade de

solucionar os problemas da empresa em crise?

• Qual o tempo disponível? Como se preparar diante desse tempo?

• Quais as alternativas para não se concluir o negócio? Venda de ativos?

273 “Cada situação é diferente. Nas negociações, não há um modelo único a ser seguido, que sirva para todos os casos. Ainda que com as mesmas pessoas, em dias diferentes da mesma negociação, muitas coisas possam mudar. É preciso analisar cada situação em si. Médias, tendências, estatísticas ou problemas do passado não importam muito se você quer obter mais hoje e amanhã das pessoas à sua frente. Regras universais sobre como negociar com japoneses ou mulçumanos, ou que afirmam que você nunca deve fazer a primeira oferta, não são confiáveis. Existem muitas diferenças entre as pessoas e as situações para você pensar de maneira tão rígida.” in DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro: Sextante, 2012, p.16. 274 “Cada pessoa valoriza as coisas de uma forma. Descubra aquilo com que cada parte se importa ou a que é indiferente, em pequena ou grande escala, dentro ou fora do acordo. Depois negocie itens que uma parte valoriza mas a outra não.” in DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro: Sextante, 2012 p.17. 275 “Poucas pessoas descobrem ou resolvem o problema real subjacente às negociações. Pergunte-se: “O que está realmente me impedindo de alcançar minhas metas?” Para encontrar o problema real, você precisa saber por que a outra parte está agindo de determinada maneira. Pode não ser óbvio de início e haver uma necessidade de sondar até descobrir.” in DIAMOND, Stuart. Consiga o que Você Quer (no original: “Getting More”). Rio de Janeiro: Sextante, 2012, p.13.

131

2) Segunda etapa - Análise da situação:

• Quais são os reais interesses das partes? (inversão de papéis)

• Por que “não”? e Por que “sim”?

• Quais são os padrões de comportamento das partes? Quais são as suas normas? Quais

são os seus valores?

• Quais as personalidades dos envolvidos na negociação? Existem relacionamentos em

comum?

• Questões relacionadas à forma e ao conteúdo das comunicações entre as partes e a

percepção das reações.

• Reavaliação dos objetivos após essa análise.

3) Terceira etapa - Opções e posicionamentos:

• Brainstorm das opções.

• Estabelecer as prioridades das questões envolvidas.

• Elaboração de um plano de recuperação de forma persuasiva.

• Identificar se terceiros podem ser capazes de influenciar/persuadir a decisão das partes.

• Desenvolver e aprimorar alternativas para a não conclusão do plano de recuperação.

4) Quarta etapa – Ações:

• Seleção o melhor plano de recuperação que seja viável para todos os envolvidos.

• Como apresentá-lo?

• Obter comprometimentos das partes, inclusive e principalmente da recuperanda, dos

stakeholders e gatekeepers.

• Escolher/definir prazos factíveis diante da crise na empresa e dos interesses de todos

os envolvidos.

• Monitorar os comportamentos das partes.

• Criar um plano com ações específicas para os envolvidos.

132

Essas ferramentas de persuasão e técnicas de negociação devem nortear toda a atividade

de mediadores ou conciliadores, com especial atenção: às metas, às necessidades dos

envolvidos; às soluções possíveis; dentre outros itens que foram destacados no presente tópico.

2.3. Impositividade

Defendemos, ao longo dessa tese, que a mediação pode e deve ser usada no procedimento

de Recuperação Judicial, como forma adequada e não adversarial para buscar solução para a

crise na empresa, de modo a obter a colaboração de todos os stakeholders juntamente com os

gatekeepers.

Todavia, entendemos que seria importante – quiçá fundamental – a existência de

regramento jurídico, específico para tanto. Nos termos do § 3o, do Artigo 3o, do Novo Código

de Processo Civil: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de

conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do

Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”.

Na sequência, a Lei Processual apresenta 38 menções à palavra mediação, disciplinando

a figura do mediador e do conciliador, bem como o procedimento. Mas, não existe referência

específica à mediação ou à conciliação nos casos de Recuperação Judicial. Obviamente, diante

do artigo acima transcrito, pode parecer, à primeira vista, que bastaria ao juiz aplicar os

dispositivos do Novo Código de Processo Civil.

Além disso, por força do artigo 190 do NCPC, “versando o processo sobre direitos que

admitam autocomposição, é licito às partes plenamente capazes estipular mudanças no

procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus,

poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.”. Trata-se de negócio

jurídico processual, em que as partes capazes podem livremente dispor acerca de questões

patrimoniais disponíveis.

Nesse sentido, poderiam as partes livremente estabelecer que eventuais controvérsias

poderão ser submetidas à mediação ou à conciliação, para se buscar uma solução amigável. E

caso a solução não seja alcançada, ficam as partes livres para recorrer à arbitragem ou ao poder

judiciário. Neste modelo, não há vedação ou empecilho para o acesso ao poder judiciário.

133

Diante disso, defende-se que, eventualmente, poder-se-ia prever disposição de resolução

de eventuais controvérsias pelo procedimento de mediação e conciliação no plano de

Recuperação Judicial, que uma vez aprovada pela Assembleia de Credores e homologada pelo

juiz, os demais stakeholders se obrigam à observância daquela disposição, em todas as questões

que envolverem a execução e cumprimento do plano de Recuperação Judicial.

Isso está em linha com o atual cenário da desjudicialização. Vale mencionar o sucesso do

projeto “Empresa Amiga da Justiça”276 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

encabeçada no ano de 2015, pelos então Presidente do TJ/SP, Des. Dr. Renato Nalini, e pelo

então Coordenador-Geral do NUPEMEC, Des. Dr. José Roberto Neves Amorim, que promoveu

o engajamento das empresas, em sua maioria grandes litigantes, para que adotassem soluções

alternativas para evitar o ajuizamento de casos novos e a diminuição dos casos existentes. Uma

das formas, foi o incentivo, por meio do NUPEMEC, da adoção de mediação e conciliação com

o cadastramento de mediadores e conciliadores judiciais, bem como o credenciamento de

Câmaras Privadas de Mediação e Conciliação277.

A solução pelo procedimento de mediação e de conciliação, conquanto perfeitamente

viável e factível, dada a natureza, também, processual da LRE, requer a sua imposição. Em

primeiro lugar, porque ficaria a cargo de cada juiz, por si ou por recomendação do administrador

judicial, determinar procedimento de mediação ou de conciliação em um caso específico de

Recuperação Judicial. Como bem lembram Daniel Carnio Costa e Marcelo Sacramone, a

ausência de Varas especializadas em Falências e, nesse caso, Recuperações Judiciais, dificulta

a efetividade das medidas e dos objetivos da LRE278. Em segundo lugar, um dispositivo

específico na LRE concederia mais segurança jurídica e, portanto, mais unidade na aplicação

do método alternativo. Em terceiro lugar, é inegável, ante tudo que foi exposto, a previsão do

procedimento de mediação e de conciliação na Recuperação Judicial resolveria questões

relativas ao fato de haver diversas partes envolvidas, e isso não pode ser desprezado.

276 http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82400-programa-selo-empresa-amiga-da-justica-do-tjsp-ganha-premio-do-cnj. 277 A primeira Câmara de Mediação e Conciliação cadastrada pelo TJ/SP foi a JUSPRO. Lista das Câmaras cadastradas até 18/12/2016: http://www.tjsp.jus.br/Conciliacao/Nucleo/CamarasPrivadas. 278 Entrevista de Daniel Carnio Costa para o CONJUR: http://www.conjur.com.br/2016-nov-20/entrevista-daniel-carnio-costa-juiz-falencia-recuperacao-judicial. E artigo de Marcelo Sacramone em: http://profsacramone.blogspot.com.br/2016/11/por-que-demora-tanto-um-processo-de_12.html#more.

134

É sabido que um procedimento coletivo bem conduzido pode preservar o valor do negócio

e, por consequência, aumentar o retorno para todos os credores, além de eliminar custos

estratégicos e reduzir as incertezas do valor a ser recuperado. Não há dúvidas, que além da

condução ativa do processo recuperacional pelo juiz e pelo administrador judicial, o

instrumento que possibilitaria a instituição de um diálogo efetivo entre os stakeholders é a

mediação ou a conciliação, por meio do qual dar-se-ia a composição dos litígios, com a

diminuição dos prazos para a solução de conflitos, com o grande estímulo à participação ativa

de todos e com a promoção da pacificação dos conflitos.

Assim, apresenta-se a seguir projeto de alteração da LRE.

Projeto de Lei para instituir a Mediação e Conciliação

na Recuperação Judicial de Empresas

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

O presente Projeto de Lei prevê a instituição da mediação e da conciliação como

instrumentos de governança na Recuperação Judicial.

1. A Recuperação Judicial é um instituto fundado na ética da solidariedade, que em um

ambiente do Capitalismo Humanista, trata-se de um instituto da categoria jurídica da

fraternidade, na medida em que, ao envolver um complexo feixe de interesses, há consenso

concursal de acordo com as regras legais de maioria, com ato de renúncia de direitos pelos

credores em contrapartida a um plano de recuperação judicial para solucionar a crise

econômico-financeira da sociedade devedora, mantendo sua função social e fomentando o

trabalho humano para assegurar a dignidade humana daqueles que dependem da empresa.

2. No entanto, em razão de o instituto da Recuperação Judicial envolver uma gama de interesses

de credores, empregados, da própria devedora, de seus sócios e administradores, o

estabelecimento de uma política de governança com o uso dos instrumentos de mediação e

conciliação é imprescindível para minimizar ou solucionar os conflitos que se estabelecem no

processo de Recuperação Judicial, contribuindo para superar a crise e com a consequente

preservação da empresa.

135

3. O avanço dos mecanismos extrajudiciais de prevenção e solução de controvérsias é

inegável no Brasil. Em um primeiro momento, o legislador sensível ao clamor social

procurou, de um lado, fortalecer a vertente extrajudicial de solução de controvérsias, o que

se concretizou com a edição da Lei 9.307/96, que revitalizou a arbitragem; e de outra parte,

na vertente judicial, reforçou os poderes conciliatórios do juiz, estimulando essa atividade

no curso do processo, como se viu com a edição da Lei 8.952/94 que alterou, entre outros,

os artigos 125 e 331 do Código de Processo Civil.

4. Em um momento posterior, verificou-se na prática forense, que as partes sem maiores

incentivos transformaram a tentativa de conciliação prevista no art. 331 do antigo Código de

Processo Civil em uma mera formalidade.

5. Assim, visando a composição e pacificação dos conflitos, o legislador promulgou a Lei n.

13.105/2015 (“Novo CPC”), que entrou em vigor no dia 18/03/2016, e a Lei n. 13.140/2015

(“nova lei da mediação”). Pelo Novo CPC, “art. 3o. Não se excluirá da apreciação

jurisdicional ameaça ou lesão a direito. (...) § 2o O Estado promoverá, sempre que possível,

a solução consensual dos conflitos. § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de

solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores

públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”. Ainda,

torna-se obrigatória a audiência preliminar de mediação e conciliação, nos termos do artigo

334, salvo se ambas as partes se manifestarem quanto à ausência de interesse na mediação

ou conciliação. A mediação e a conciliação devem seguir os princípios dispostos na nova lei

de mediação.

6. Consolidou-se entendimento que a obrigatoriedade de mediação incidental não fere o

disposto no art. 5o, inciso XXXV, da Constituição Federal, que dispõe a respeito da

inafastabilidade do acesso aos tribunais porque, diversamente do que ocorre com diplomas

legislativos de outros países, ela ocorrerá após o ajuizamento da demanda, com o que se

puderam conferir à distribuição desta e à intimação dos litigantes efeitos que, pelo Código

de Processo Civil, são próprios da citação (arts. 7o e 9o, §1o); e ainda porque a parte

interessada poderá solicitar a retomada do processo judicial, decorrido o prazo de 90

(noventa dias) da data do início do procedimento de mediação (art. 10, §3o).

136

7. Diante disso, considerando que o ativismo do juiz não pode se limitar à condução da causa

em direção à decisão adjudicada, devendo ele exercer seus poderes por inteiro na gestão

democrática do processo, abrangendo a iniciativa para impulsionar outras formas de solução

do conflito, utilizando-se de instrumentos de governança de mediação e de conciliação, com

vistas à pacificação das partes, propõe-se alterar a redação da Lei n.11.101/2005:

CAPÍTULO III

DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Seção III

Do Plano de Recuperação Judicial

Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável

de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação

judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art.

50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por

profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

§ 1o O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do

plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado

o art. 55 desta Lei.

§ 2o A mediação e a conciliação devem ser estimulados e fomentados pelos juízes,

administradores judiciais e pelas partes interessadas, como métodos alternativos para a

solução consensual de conflitos e instrumentos de governança, tanto para aprovar o plano de

recuperação judicial quanto durante o cumprimento do plano de recuperação judicial

aprovado, na forma do art. 42 desta lei, observando-se o quanto segue:

I - Aplicam-se à mediação e conciliação aqui prevista, os princípios dispostos na Lei n.

13.140/2015;

II - Caberão às partes envolvidas no conflito, de comum acordo, escolher o mediador ou o

conciliador ou a Câmara Privada de Mediação e Conciliação;

137

III - Se o conflito envolver a pluralidade de credores, a escolha do mediador ou do conciliador

ou da Câmara Privada de Mediação e Conciliação deverá ser feita na forma do artigo 42 desta

lei;

IV - Não havendo consenso na escolha do mediador ou do conciliador ou da Câmara Privada

de Mediação e Conciliação pelas partes em conflito, caberá ao juiz a indicação daqueles.

V - No caso de ser escolhida uma Câmara Privada de Mediação e Conciliação, tanto o

procedimento de escolha do mediador ou do conciliador quanto ao procedimento da mediação

ou conciliação, observarão o regulamento da referida Câmara, salvo se as partes acordarem

expressamente de forma diversa.

CAPÍTULO V

DA FALÊNCIA

Seção II

Da Classificação dos Créditos

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os

mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:

I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, aos mediadores e

conciliadores, bem como às Câmaras Privadas de Mediação e Conciliação, e créditos

derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços

prestados após a decretação da falência;

II – quantias fornecidas à massa pelos credores;

III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu

produto, bem como custas do processo de falência;

IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;

V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial,

nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos

geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83

desta Lei.

138

CONCLUSÃO

Conforme demonstrado, por meio da análise da ordem econômica, levou-se em

consideração os princípios orientadores para o desenvolvimento das atividades econômicas

pelas empresas no mercado. As empresas, detentoras da propriedade dos meios de fornecimento

de bens e serviços, têm, como visto, importância social.

Verificou-se que elas, no desempenho de suas atividades sociais, são capazes de

proporcionar a subsistência de pessoas com a geração de empregos, produzem bens e serviços

que serão utilizados pelos consumidores e arrecada impostos, exercendo a sua função social,

nos termos da Constituição Federal em seu artigo 170. Justamente por isso, restou evidente que

a crise da empresa é um problema social. A Lei n. 11.101/2005 (LRE) buscou dar o tratamento

legal à crise da empresa, com o intuito de recuperá-la.

A Recuperação Judicial é um instituto fundado na ética da solidariedade, que em um

ambiente do Capitalismo Humanista, trata-se de um instituto da categoria jurídica da

fraternidade, na medida em que, ao envolver um complexo feixe de interesses, há consenso

concursal de acordo com as regras legais de maioria, com ato de renúncia de direitos pelos

credores em contrapartida a um plano de recuperação judicial para solucionar a crise

econômico-financeira da sociedade devedora, mantendo sua função social e fomentando o

trabalho humano para assegurar a dignidade humana daqueles que dependem da empresa.

No entanto, restou evidenciado, com a presente tese, que as premissas da LRE não serão

implementadas sem a existência dos órgãos de administração, os gatekeepers, da recuperação

judicial e a colaboração entre eles. O desalinhamento dos objetivos de um órgão em relação ao

outro leva ao fracasso do procedimento de recuperação da empresa em crise.

Assim como os órgãos de administração da recuperação judicial, os stakeholders são

fundamentais para o sucesso da reestruturação da empresa para superar a crise. A crise da

sociedade empresária gera reflexos sociais e econômicos. Mas, além disso, conduz a uma

mudança no comportamento dos credores e demais stakeholders. Quando uma empresa entra

em crise, o comportamento dos agentes econômicos muda drasticamente. A cooperação dá

139

lugar para uma disputa por qualquer montante que se possa recuperar. Tal se dá, como

comprovado, pela teoria econômica dos incentivos.

Nada seria possível, contudo, sem considerar o instituto de governança corporativa no

Brasil. Desde a última década, as empresas se veem obrigadas a adotar medidas, denominadas

de boas práticas, para se manter competitivas no mercado nacional e internacional. Foram

apresentados os conceitos de governança corporativa e política de governança, para se chegar

à conclusão que os princípios de governança corporativa devem ser observados pelas

sociedades, independentemente de seu tipo societário, já que são entendidos como instrumentos

que minimizam os conflitos que surgem entre os órgãos de administração da sociedade, os seus

membros e com os sócios/acionistas.

Portanto, retirando-se o termo “corporativo”, que aplicável somente à sociedade no

sentido de “corporação”, temos que a governança, como política de governo da sociedade e do

relacionamento desta com os demais stakeholders, na medida em que consistem em boas

práticas, deve ser aplicada no instituto da recuperação judicial da empresa.

Para tanto, verificam-se que os princípios do modelo de governança corporativa brasileiro

encontram correspondência na LRE, quais sejam: (i) obrigação de tratamento com equidade

aos credores de uma mesma classe, (ii) dever de transparência no pronto fornecimento de

informações e documentos pela devedora-recuperanda e demais gatekeepers em favor dos

stakeholders, (iii) obrigação de prestação de contas com regularidade, de forma clara e

objetiva, e (iv) responsabilidade da devedora-recuperanda e dos gatekeepers para reconhecer

e cumprir os direitos dos stakeholders, estimulando a cooperação ativa.

Na realidade, o último item da política de governança deve ser melhor trabalhado. Ao

analisar os conflitos que surgem entre os stakeholders, verificamos que durante o período de

bonança, os agentes econômicos – de um modo geral – tendem a se comportar de forma

colaborativa, com visão de longo prazo. Todavia, na crise, o incentivo é no sentido de aplicar

o ótimo de Pareto, no intuito de sair com algo – por pior que seja – da derrocada.

A corrida desenfreada para retirar qualquer coisa de uma empresa em crise reduz as

chances de retorno para todos os credores e stakeholders. Assim, ao invés de aplicar o ótimo

de Pareto, pura e simplesmente, a forma mais racional de enfrentar a questão seria a adoção do

140

critério Kaldor-Hicks, permitindo que uma das partes saia perdendo, na busca de uma

possibilidade de compensação posterior.

Para solucionar questões complexas, envolvendo o pensamento estratégico, diversas

ciências vêm adotando a teoria dos jogos. De todos os jogos, o mais conhecido é o Dilema do

Prisioneiro. Hipótese que, e.g., pode ser aplicada aos credores de uma empresa em crise. Todos

pretendem maximizar o seu resultado, mas não conseguem coordenar suas escolhas com os

demais. Tal fato decorre dos incentivos para tirar algo da empresa antes que não sobre mais

nada, bem como da falta de confiança dos credores no procedimento e no comportamento dos

demais envolvidos. Em outras palavras, o agir dos credores é conduzido pela primeira lei da

economia: a escassez.

Diante da possibilidade da quebra, os agentes econômicos buscam algo para não ficarem

sem nada. Todavia, esse comportamento acaba fazendo com que as empresas quebrem e os

credores, na melhor das hipóteses, recuperem um valor irrisório. Nesta perspectiva, o

comportamento de credores e demais stakeholders foi avaliado com base na teoria dos jogos,

com o intuito de buscar uma alternativa que possa estimular a colaboração, de modo a tentar

alcançar o Equilíbrio de Nash, e, por via de consequência, tentar encontrar soluções para o

problema, e, além disso, aumentar as chances de salvar a empresa em crise.

A utilização da mediação ou conciliação tem a vantagem de reduzir as graves tensões

provocadas pela crise da empresa. Não fosse só isso, com o olhar externo, mediadores e

conciliadores podem enxergar alternativas que os agentes participantes do processo não são

capazes de vislumbrar. Reduzir o calor do embate – marcado, desde o início, pela supressão

dos direitos dos credores em exercer seu crédito –, é crucial para que todas as partes vejam o

problema de forma objetiva, sem as influências do embate.

Essa forma, diferente e relativamente distante de enxergar o problema, pode auxiliar, mais

adequadamente, à composição dos interesses variados de todos os envolvidos na crise da

empresa. Como foi elagorado no correr da presente tese, um dos maiores problemas de uma

empresa em crise é a quebra da confiança. O mediador ou o conciliador pode reduzir a tensão

entre as partes, e, dentre outras questões, diminuir os problemas de confiança que acabam

resultando em posturas estratégicas calcadas na Teoria dos Jogos. Pode, também, minimizar a

141

postura de pensamento automático baseada no princípio da escassez. Por fim, eles podem

auxiliar as partes na criação de soluções alternativas, maximizando o resultado de todos.

Nesta linha, a conclusão dessa tese é a utilização da mediação e conciliação como

instrumento de política de governança na Recuperação Judicial, resultando numa solução que

não seja dominada pelo modelo adversarial, incentivando, ao revés, uma postura colaborativa.

Para tanto, em sintonia com a linha de pesquisa desta tese, propõe-se um projeto de emenda à

LRE.

142

ABREVIATURAS

AED: Análise Econômica do Direito

ALACDE: Associação Latino Americana e do Caribe de Direito e Economia

BIRD: Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

BM&FBOVESPA: Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros

BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CNJ: Conselho Nacional de Justiça

CVM: Comissão de Valores Mobiliários

FMI: Fundo Monetário Internacional

GCGF: Global Corporate Governance Forum

IBGC: Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

IFC: International Finance Corporation

LRE: Lei de Recuperação de Empresas, Lei de Falências e de Recuperação

Judicial, Lei n. 11.101/2005

MOU: Memorandum of Understanding

NUPEMEC: Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos

OCDE: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OMC: Organização Mundial do Comércio

143

PRJ: Plano de recuperação judicial

TMA: TURNAROUND MANAGEMENT ASSOCIATION DO BRASIL – TMA

BRASIL

TJ/SP: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

144

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