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  • IV Congresso Portugus de Sociologia

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    A magia do novo e a rejeio do velho. Expectativas, dinmicas e angstias no mundo do trabalho

    Maria Teresa Serdio Rosa _________________________________________________________________

    O encanto pelo novo parece ter avassalado, de forma conquistadora, as nossas conscincias. A novidade e a ausncia de fronteiras so dois apelos irresistveis para o homem moderno. Apelos que contm em si mesmo uma contradio: a do percurso individualista que conduz luta e ao desejo de se ser Sujeito, em inter-relao com outra problemtica, a da solidariedade e da comunicao com os outros.

    A novidade atrai porque lhe est subjacente a capacidade humana para se suplantar o conhecimento, logo, o domnio da natureza. A ausncia de fronteiras, porque simboliza libertao - do espao limitado, do tempo medido, das regras e normas de carcter reprodutor, dos elos dolorosos e, tambm, expanso. Expanso do conhecimento prtico e terico, do interconhecimento cientfico e humano, da reflexo sobre o mundo, da arte e das letras, entre outros.

    Mas este processo de adeso das conscincias s grandes e novas (porque dotadas de dinmica diferente) transformaes do mundo contemporneo porque estamos a passar, foi precedido de um outro, o da mundializao da economia, que deu origem1, como se ver adiante de forma pormenorizada, a novos mercados, novos actores e, tambm, as novas regras e normas e a novas polticas.

    A mudana global, como lhe chama Peter Dicken (1998; 1999; 1999) transforma a economia mundial, aps uma grave crise da acumulao capitalista, ocorrida a partir de meados dos anos 70 e que preocupou sobremaneira os povos dos pases mais industrializados.

    A chamada escola da regulao, que teve grande impacte em muitos pases europeus, entre os quais Portugal, foi uma das pioneiras na demonstrao terica da impossibilidade de, em sistema capitalista, subsistir o regime de acumulao monopolista e o compromisso social que dele emanava, assumido pela reproduo das relaes sociais fundamentais que o caracterizavam.

    O desequilbrio e a ausncia de regulao constatados entre produo e consumo de bens e servios, que originam a sua saturao e estagnao, e a dificuldade em se encontrarem vias para se ultrapassar a situao criada pela estratgia da organizao e da mecanizao do trabalho, orientada para uma produo e para um consumo em massa (modelo fordiano) com elevados e generalizados nveis de bem-estar, sem correspondncia na acumulao de capital e na dinmica dos procedimentos institucionais, constituram aquilo a que, de forma breve, se tem vindo a designar pela crise do modelo. De entre os cenrios alternativos, um dos que tem sido amplamente desenvolvido o da especializao flexvel perante as novas condies de mercado, ligadas qualidade dos produtos e s entregas rpidas que satisfaam as exigncias dos clientes (Kovcs, 1998:6).

    Nos anos 80 a palavra mgica para os economistas, os gestores e os socilogos do trabalho era a flexibilizao. Ela parecia dotada das potencialidades que viriam resolver os problemas da crise econmica e do trabalho muito repetitivo e compartimentado para o qual os jovens mais escolarizados demonstravam estar relutantes. A flexibilidade apresentava-se como uma forma de se ultrapassar a rigidez e a formalidade das regras sociais

    1 Tommos como referncia o Relatrio do Desenvolvimento Humano de 1999, publicado pelo Programa das Naes unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

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    que estavam dependentes de uma determinada noo de igualdade2 no sentido da massificao de condies de exerccio profissional e de comportamentos -, como era o caso da existncia de horrios de trabalho comuns, que provocavam grandes congestionamentos nos servios de atendimento e apoio pblicos (incluindo os transportes nas grandes cidades) e que no correspondiam j s prticas sociais diversificadas seguidas por muitos, incluindo a da instituio familiar.

    Mas a flexibilidade conotava igualmente grande agressividade para os trabalhadores. Para muitos, era sinnimo de competio individualizada com os colegas de trabalho para se conseguir penetrar no ncleo duro da relaes de emprego, o nico que facilitava o acesso progresso profissional. Significava tambm, em muitos casos, a perda das tradies profissionais muito arreigadas. Exigia que o saber prtico ficasse subalternizado perante o saber terico, que, agora, era uma imposio que no atendia s condies reais de vida dos trabalhadores, exigindo-se-lhes subservincia cega aos chefes e, tantas vezes, o esquecimento de que existe um direito natural ao descanso. As modernas (?) tcnicas de gesto, se bem que faam o apelo participao, no a propiciam, de facto. Trata-se de uma participao que implica tantas vezes sacrifcios pessoais, que acabam por ser aceites sob o signo da incerteza no emprego, mas que no produz benefcios aos trabalhadores, nem sequer pelos nveis de informao e de comunicao veiculados no sistema produtivo, j que se trate de uma informao e de comunicao somente no sentido descendente e que em pouco ultrapassa as questes elementares e imediatas.

    Mas, acima de tudo, a flexibilidade que se vivia simbolizava incerteza perante a sobrevivncia mais elementar, j que as rescises voluntrias do contrato de trabalho a que dava lugar se convertiam em desemprego, ou na retoma do mercado de trabalho em condies precrias. Flexibilidade era, numa palavra, sinnimo de rompimento da trajectria de vida e de angstia quase generalizada para uma larga maioria de trabalhadores, que sentiam ou previam a incerteza perante a sobrevivncia elementar.

    Os cientistas sociais no ficaram indiferentes ao fenmeno. E os pragmticos verificaram que a instabilidade emocional no era favorvel, quer produtividade, quer qualidade dos produtos que a influncia japonesa demonstrava ser possvel e desejada, correspondendo assim aos anseios dos consumidores, organizados em associaes defensivas. Os discursos e os textos passaram ento a distinguir a flexibilidade defensiva - aquela que no interessava nem economia, nem sociedade dos homens -, da flexibilidade ofensiva. Esta, sim, que foi a verdadeira palavra mgica que conquistou de facto inmeros adeptos, e que ainda hoje perdura como alternativa vlida, a ser considerada de forma positiva. Com ela, encontram-se associados outros conceitos: criatividade, inovao, capacidade para se competir de uma forma moderna, necessidade de se arriscar, para se vencer. Se se analisarem, nesta ptica, os documentos produzidos pelos experts da Unio Europeia, verifica-se que estas noes so transmitidas de forma quase permanente3, como se todos os homens e mulheres tivessem a capacidade e as condies para aderir a tal movimento e como se o movimento de sinal contrrio no fosse quantitativamente superior, como o , de facto.

    A aquisio permanente de conhecimentos tericos e, num mbito mais restrito, a formao profissional ao longo da vida, passam a ser requisitos indispensveis obteno de um emprego, que a tecnologia, em permanente mutao, vem incentivar. A corrida ao sistema de ensino, incluindo a o ensino 2 Noo esta que, todavia, coexiste com uma evidente dualidade nos mercados internos nas empresas, aquilo a que Piore e Doeringer chamam a segmentao dos mercados de trabalho. 3 Vejam-se, por exemplo, os livros brancos e livres verdes que por a circulam, quer ligados ao emprego, quer sociedade de inovao, quer ao ensino e aprendizagem, quer as revistas sobre a formao profissional, para s citar alguns.

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    superior, constituem-se como a ambio suprema dos jovens. S que a maior parte no consegue l chegar. As ps graduaes e os cursos de formao profissional de no importa em qu, so uma regra a seguir por todos: h que alongar os curricula, para se obter um primeiro ou um novo emprego.

    Mas... que elementos nos fornecem as estatsticas? Em 1998, na Unio Europeia4, 10% da populao activa estava

    desempregada, sendo a sua representao mais elevada para as mulheres, em 3 pontos percentuais. Permaneciam no desemprego h mais de um ano, 49% de pessoas desse grupo e 31% h mais de dois anos, o equivalente a 5 milhes e 200 mil pessoas. Isto, num momento em que se avaliava a economia como estando em fase de crescimento, dado o desenvolvimento constatado no sector de servios e gerador de empregos de alta e de baixa qualificao5. Baixa qualificao que correspondia a baixos salrios: muitas pessoas tinham remunerao inferior a 2/3 da mdia salarial. Enquanto no Reino Unido, no ano de 1998, 10% dos assalariados recebiam abaixo de 42% da mdia salarial, essa percentagem subia para 47 e 48%, em Frana e na Espanha. E 10% dos trabalhadores da EU com salrios mais baixos eram mulheres e 10% dos salrios mais altos eram de homens. Para maior ironia (se fosse caso disso), os ndices de escolaridade das mulheres so mais elevados que os dos homens!

    A discriminao prossegue tambm, relativamente idade. Os mais atingidos so os grupos de pessoas mais velhas, aquelas que tm 50 e mais anos, que foram alvo das medidas de flexibilidade defensiva - medidas que nunca deixaram de estar presentes na sociedade nestes ltimos anos, apesar da tonalidade do discurso ter mudado -, justificadas pela necessidade de se sacrificar temporariamente o social, para se recuperar a economia atravs de uma competitividade sem limites. Trata-se de pessoas que esto praticamente erradicadas da participao na actividade econmica e que se vm a braos com o ttulo (quantas vezes pronunciado de forma pejorativa) de dependentes da riqueza que outros produzem (outros, mas isso fica esquecido nesta argumentao, que foram os contribuintes anteriores do estado de bem-estar de que estes beneficiaram na infncia e na juventude).

    O desemprego dos jovens continua a apresentar-se como muito problemtico, apesar de se notarem, em 1999, algumas melhorias na situao, embora uma parte significativa do emprego a que se acede seja a tempo parcial involuntrio, sobretudo nos pases norte-europeus: 80% das mulheres que trabalham a tempo parcial o principal contingente desta forma de contrato - declaram faz-lo porque no conseguem encontrar emprego a tempo completo. E, em muitos casos, o trabalho a tempo parcial corresponde a empregos temporrios. Em Portugal, acresce ainda o facto de se adicionar uma outra caracterstica, que a de muitos empregos a tempo parcial no contriburem para a Segurana Social.

    O acesso dos desempregados ao emprego faz-se, com frequncia elevada, atravs de empregos temporrios, quer pela contratao a prazo, quer pela intermediao de empresas terceiras, contratantes da mo-de-obra que vai ficar inserida numa outra empresa, com regras prprias, que abrangem quer os empregos directos, quer os indirectos.. 4 Ver o documento produzido na comunidade europeia, da responsabilidade da DGV, Empoyment in Europe 1999, Employment & Social Affairs. 5 Apesar das dificuldades de acerto estatstico entre os vrios pases, estabeleceu-se o seguinte quadro distributivo dos grupos profissionais presentes no mercado de trabalho da EU: - trabalhadores no manuais altamente qualificados (gestores, profissionais e tcnicos) 35%; - trabalhadores no manuais de qualificao mdia (empregados de escritrio e similares) - 13,5%; - trabalhadores no manuais com baixa qualificao (vendedores e trabalhadores de servios) 13,5%; - trabalhadores manuais qualificados (trabalhadores agrcolas, operrios e operadores de mquinas)

    28%; - trabalhadores manuais sem qualificao (indiferenciados) 10%

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    A crise do emprego na agricultura veio reflectir-se no declnio que se est a verificar no auto-emprego. Todavia, continua a aumentar o auto-emprego na indstria e nos servios. O que, como se sabe muito bem em Portugal, significa, para os pases do sul europeu e em tantos outros casos, trabalhar sob a forma de recibo verde, como se convencionou chamar-se-lhe entre ns, uma forma de emprego frequentemente muito precria (em termos de durao, de remunerao e de garantias sociais).

    Verifica-se, apesar dos pactos, dos acordos, das polticas que visam o crescimento econmico, que o mundo da economia est marcado por grande instabilidade e por profundas desigualdades. Desigualdades dentro dos pases e at no interior das grandes cidades, mas, sobretudo, entre os vrios pases. Isto, em coabitao com uma outra palavra mgica actual, a globalizao. Globalizao que, tal como a outra palavra mgica sobre a qual dissertmos, a flexibilidade, encanta gestores, economistas, socilogos, mas tambm filsofos, gegrafos e muitos outros. A comunicao social, com destaque para a TV, desempenha um papel importante neste processo, inclusive, quando nos permite assistir, sentados com algum conforto num sof, a uma guerra internacional e quando nos permite, atravs da transmisso por cabo, ouvir os noticirios internacionais e a divulgao de modos de vida, culturas e paisagens de todo o mundo. Os telefones celulares, o fax, o correio electrnico e a internet desenvolvem largamente as possibilidades de contacto e de conhecimento do mundo, a que algum comeou a chamar aldeia global, mas que de aldeia pouco tem, pois se est cada vez mais isolado, neste mundo que agora podemos contemplar atravs dos media e em que podemos comunicar com outros nunca antes pensados, atravs do computador.

    Mas, mais uma vez, foi pela via da economia que se iniciou este processo de globalizao. So as actividades econmica que marcam o ritmo e a intensidade do movimento de internacionalizao. Fenmeno que, agora, como dizem Adda (1996; 1997; 1998) e Dicken de (1998; 1999; 1999), no se trata de um mero movimento de expanso pela via da internacionalizao, mas sim de um outro, que implica a integrao crescente das partes que constituem o todo da economia mundial. Todo esse que fica dotado de uma dinmica prpria e que escapa cada vez mais ao controlo dos Estados, sobretudo ao nvel das questes monetrias e financeiras. Estamos, nesta acepo, perante aquilo a que os autores citados apelidam de mundializao.

    Tal como a flexibilidade, a mundializao apresenta duas facetas: a da atraco e a da repulso.

    O relatrio do desenvolvimento humano de 1999 (PNUD) chama a ateno para aquilo que realmente novo, no processo de globalizao que estamos a viver. Identifica a existncia de novos mercados, novos actores, novas regras e normativos, de novos instrumentos de comunicao, conforme se disse anteriormente.

    Relativamente aos novos mercados, apresenta-nos os mercados mundiais de servios (banca, seguros, transportes) em fase de crescimento, a interligao, a desregulao e a aco distncia e durante 24 horas por dia, dos mercados financeiros, a tremenda proliferao de fuses e de aquisies de empresas (que entre ns parecem estar na ordem do dia e que por vezes implicam a sada das empresas que antes eram nacionais) e os mercados de consumo de marcas mundiais e segundo normas tcnicas comuns.

    Quanto aos novos actores, refere as empresas multinacionais que integram produo e comercializao a nvel mundial, a organizao mundial do comrcio - capaz de impor regras aos governos nacionais -, a criao de um sistema internacional de tribunais criminais, uma rede de ONG's em expanso, formao generalizada de blocos regionais (EU, MERCOSUL, NAFTA, AFTA, etc.) e vrios agrupamentos de coordenao poltica, tais como os G-7, os G-10, a OCDE.

    As novas regras e normas dizem respeito s polticas que incentivam as privatizaes a liberalizao, a opo por regimes democrticos, a adopo cada

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    vez mais generalizada das convenes sobre os direitos humanos e sobre o ambiente, os acordos multilaterias sobre o comrcio e os servios, entre outros.

    De entre os novos instrumentos de comunicao, identificam-se a internet e a comunicao electrnica, os telefones celulares, as mquinas de fax, os transportes areos e rodo-ferrovirios, mais baratos e rpidos, e o desenho por computador, entre outros.

    um processo de globalizao que se desenvolve rapidamente, mas que evidencia uma integrao extremamente desequilibrada. Vejamos brevemente alguns elementos que o relatrio mencionado apura:

    Em 1995, 35,9 milhes de pessoas eram hospedeiras da internet. E as redes que atravs dela se constituam, tendiam a elevar em fora o seu nmero. Mas... 93,3% das parcelas dos seus utentes eram constitudas, em 1995, pelos 20% mais ricos e somente 0,2% pelos 20% mais pobres.

    Em 10 anos, quintuplicou o nmero de asiticos orientais que vm televiso - passaram de menos de 50 televisores por mil habitantes, para 250 televisores. Na frica Subsaariana, o numero de televisores por mil habitantes permanece, no entanto, inferior a 50.

    Em 27 anos (de 1970 a 1997) o investimento directo estrangeiro atingiu valores 7 vezes mais elevados.

    Em 28 anos, as transaces dirias dos mercados de cmbio aumentaram cerca de 100 vezes.

    O turismo mais do que duplicou, entre 1986 e 1996. Em seis anos (de 1990 a 1996) o tempo gasto em chamadas telefnicas

    tambm duplicou. A integrao mundial trouxe prosperidade, em termos mdios: os

    rendimentos per capita mais que triplicaram, nos ltimos 50 anos, as taxas de mortalidade infantil diminuram para metade desde 1965 e as taxas de escolaridade e de alfabetizao subiram nos pases em desenvolvimento.

    Todavia, a pobreza est por toda a parte. Vejamos o que se passa com os Pases em Desenvolvimento (PED): mais de um quarto dos 4,5 milhes de pessoas continua a no poder sobreviver para alm dos 40 anos de idade, a no ter acesso ao conhecimento, nem aos servios pblicos mnimos; 1,3 milhes de pessoas no tem acesso a gua potvel; uma em cada sete crianas sai do ensino elementar, mesmo estando em idade de a permanecer; 840 milhes de pessoas esto subalimentadas. E, que se passa com a populao dos pases supostamente ricos, os industrializados? Uma em cada oito pessoas afectada por um dos seguintes problemas: desemprego de longa durao, tempo de vida inferior a 60 anos, rendimento abaixo da linha de pobreza, ou falta de escolaridade para se enfrentar a sociedade. E as dificuldades para o sexo feminino e para os mais idosos continuam a ser relevantes.

    Apesar dos indicadores que indiciam uma subida mdia da prosperidade, a insegurana passou a ser uma constante da nossa vida e traduz-se em insegurana econmica, alimentar, na sade, pessoal, ambiental, comunitria e cultural e poltica.

    E, quando a segurana humana est sob ameaa, onde quer que seja, pode afectar as pessoas por todo o lado. Fome, conflitos tnicos, desintegrao social, terrorismo, poluio e trfico de droga, j no podem ser confinados dentro de fronteiras nacionais. Alguns desafios mundiais segurana humana surgem porque as ameaas dentro dos pases rapidamente extravasam as fronteiras nacionais, tais como os gases de estufa e o comrcio de droga. Outras ameaas assumem um carcter mundial devido s disparidades entre pases disparidades que encorajam milhes de pessoas a deixar as suas casas em procura de melhor vida, quer os pases de acolhimento as queira, quer no. E as frustraes sobre a desigualdade nos rendimentos e no poder poltico frequentemente se desenvolvem em conflitos sociais entre grupos, sejam tnicos, religiosos ou sociais. (PNUD 1999: 36).

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    A partir deste quadro base que reflecte a mudana e o modo como ela se repercute pela humanidade, vai introduzir-se um outro, que se fundamenta em grande parte em algumas pesquisas feitas em Portugal e em que participei, umas vezes como coordenadora da pesquisa, outras, como interveniente directa.

    Um documento da CGTP contendo o seu programa de aco que foi aprovado no V congresso (Maio de 1986), refere o impacte das polticas de governaes anteriores que, sob o signo da ideia muito difundida de que se tornava inevitvel a aceitao de todas as medidas que evitassem o agravamento da crise econmica, tinham conduzido ampliao da situao de salrios em atraso6. Para esta central sindical criava-se deste modo um clima de instabilidade psicolgica que facilitava a adeso a propostas dos empresrios para que os trabalhadores rescindissem os seus contratos de trabalho, mediante o pagamento de uma indemnizao que premiava a antiguidade. Afirmavam mesmo que se tratava de uma flexibilidade forada que, ao contrrio daquilo que se apregoava, no tinha conduzido criao de postos de trabalho que pudessem corresponder minimamente s expectativas dos jovens que todos os anos entravam na vida activa, nem dos desempregados, com cada vez menos esperana de poderem vir a exercer um seu direito fundamental o direito ao trabalho (CGTP, 1986: 77-8).

    Na verdade, tive ocasio de verificar, atravs de uma investigao sobre as relaes sociais de trabalho no distrito de Setbal, que as prticas de salrios em atraso tinham, em alguns casos, facilitado a adeso dos trabalhadores endividados ao mecanismo de resciso do seu contrato de trabalho, sem que se tornasse necessria a violao do dispositivo que proibia os despedimentos.

    As grandes empresas de reparao e de construo naval a localizadas, que tinham tido 16.500 trabalhadores em 1976, contavam, depois de terem posto em aco prticas desse tipo, com 6.380 trabalhadores em 1991, isto , 38,5% do quantitativo anteriormente registado.

    Numa dessas empresas foi significativa a adeso rpida dos trabalhadores ao mecanismo referido (o prazo anunciado assim o exigia, para que os trabalhadores no pudessem pensar muito), depois de se ter passado por um perodo de salrios em atraso.

    Na inquirio7 que, passados trs anos, se fez a 20% dos trabalhadores que tinham rescindido o contrato, relativa aos motivos da adeso a esta prtica, as respostas dadas foram elucidativas do clima de instabilidade e de insegurana pessoal que se lhes tornara insuportvel e para o qual no viam alternativa, dada a grande rivalidade entre sindicatos do sector afectos s duas centrais sindicais. Os motivos apresentados foram os seguintes: Receio pelo futuro da empresa 20% Saturao pela situao de incerteza 19% Lutas politizadas 12,5% Salrios em atraso 10% Necessidade de dinheiro 8,5%

    Receava-se, ento, que as empresas no tivessem futuro, dadas as grandes mutaes industriais que demonstravam que o negcio deixara de ser atraente e dadas, tambm, as tentativas frustradas, em Portugal e em outros pases europeus, de reconverso de tal tipo de actividade produtiva. Mas acreditava-se ainda na capacidade do mercado de emprego para reabsorver a mo-de-obra, mercado que no se restringia a Portugal, j que o recrutamento de alguns tipos de profissionais (tais como os soldadores e os serralheiros) era ainda atraente para pases como a Austrlia, o Bahrein, ou a frica do Sul.

    6 Que, na altura, teriam atingido j 200 mil trabalhadores, cuja mdia mensal era superior aos 100 mil. 7 Investigao coordenada por Pires de Lima e subsidiada pelo IEFP e pela Jnict, relativa s relaes sociais na Indstria Naval, cujo relatrio sobre as rescises voluntrias foi redigido por M. Teresa S. Rosa e Isabel Norton Dias.

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    Passados que tinham sido trs anos, os operrios qualificados, embora com alguns incidentes de percurso, tinham conseguido ficar inseridos, se bem que de forma que 25% consideraram pior, no mesmo nvel de qualificao. As chefias intermdias tinham aproveitado a qualificao profissional anterior ascenso a chefia, para regressarem ao ofcio, de forma considerada melhor para 40%. E os tcnicos tinham melhorado consideravelmente a situao. Haviam sido os trabalhadores no qualificados e os empregados de escritrio os verdadeiros sacrificados. Metade dos trabalhadores no qualificados dizia que se encontrava numa situao mais grave, dado que se acentuara a desqualificao e a precariedade do emprego. Os empregados administrativos aproximavam-se do nvel de descontentamento anterior perante a sua situao: 22% dizia manter as condies que os tinham levado a rescindir o contrato. Passaram, nessa altura, por um processo de desqualificao contnua, apesar de o nvel de habilitaes ser relativamente mais elevado neste grupo profissional, que nos grupos operrios.

    Isto, apesar de se estar a proceder a uma operao integrada de desenvolvimento na pennsula de Setbal (OID).

    A anlise das alteraes verificadas nos nveis de qualificao no distrito de Setbal, entre 1892 e 19898 permite concluir-se que as redues foram substancialmente significativas nos seguintes grupos profissionais: Profissionais semi-qualificados Menos 36% Profissionais no qualificados Menos 30% Profissionais qualificados Menos 22%

    O relatrio de avaliao feito pela Ceso I&D (1994) conclui que o grupo etrio mais atingido foi o constitudo por trabalhadores com mais de 40 anos, no s pelo desemprego que se gerou, mas tambm pela dificuldade em se reconverterem do ponto de vista profissional e pelo baixo nvel de habilitaes e de qualificao profissional, havendo lugar a uma quebra de rendimentos de cerca de 42%.

    No pois de admirar que, perante este cenrio, a CGTP, a central mais atingida, j que eram fundamentalmente os seus filiados os mais sacrificados pelas polticas de gesto empresarial, tivesse reagido de forma intolerante.

    Como dizia um dirigente sindical da Unio de Sindicatos de Setbal no seu IV Congresso (1994), flexibilidade, para a maioria dos patres, significava ter mos livres para despedir como e quando lhe apetecesse, libertar-se do vnculo contratual com os trabalhadores e das responsabilidades inerentes (cf. descrito em Rosa, 1998:174). Mas, consciente de que as empresas teriam que se reconverter e reestruturar, o mesmo dirigente refere que, para os trabalhadores, flexibilidade a que resulta do aperfeioamento constante das funes dos trabalhadores, dos conhecimentos obtidos com a formao profissional contnua, com o melhor desempenho profissional e o mais fcil acesso a outras funes ou profisses no quadro da evoluo da carreira e remunerao (Pisco Lopes, Interveno no IV congresso da USS, reproduzido em Rosa, 1998:174).

    No primeiro caso, critica-se a flexibilidade defensiva, aquela em que a produtividade , para este dirigente sindical, referindo-se quilo que ele considera ser a prtica patronal, produzir o mesmo com menos trabalhadores, o que implica intensificar os ritmos de trabalho e a explorao, e em que modernizar se resume a desperdiar subsdios a fundo perdido na mira de reestruturaes inconsequentes, que se ficam pela reduo de efectivos e pela exteriorizao de parte das actividades empresariais, com o recurso a emprego precrio.

    No segundo caso, aceita-se a flexibilidade ofensiva, caracterizada pelos seguintes elementos: produzir melhor com os mesmos trabalhadores (logo, rejeita-se a possibilidade de rescises de contrato), produzir mais e melhor com

    8 Feita com base nos mapas fornecidos pelo Departamento de Estatstica do MESS, em funo dos dados colhidos para os Quadros de Pessoal.

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    mais trabalhadores, trabalhadores que estejam motivados, sejam respeitados e dotados de criatividade, e em que modernizar implica melhorar e diversificar a capacidade produtiva instalada.

    So tambm interesses similares que movem os dirigentes sindicais da UGT quando intensificam os seus esforos para que se negoceie um contrato social para a modernizao. No n 2 da revista da UGT Novos Desafios (1988: 37-51), apresentam-se perspectivas como as que iremos sintetizar: necessidade de haver mudanas qualitativas no padro de especializao produtiva, no mbito internacional, e de se desenvolverem programas de modernizao em que a regulao social seja assumida de forma negociada, com a participao activa dos trabalhadores - no para se flexibilizar indiscriminadamente a legislao laboral e o consequente reforo do poder patronal e a falta de democracia nas relaes com os trabalhadores, mas para se defender um emprego com qualidade, para que haja mais emprego, meios para a qualificao permanente dos recursos humanos e qualidade de vida para os que saram, ou esto prestes a sair, do mercado de emprego.

    nesta revista que, no mesmo nmero, se insere um artigo de Maria Joo Rodrigues em que se defende a existncia possvel de uma margem de manobra para se compatibilizar quantidade e qualidade no emprego, desde que se mudem significativamente as formas de se produzir e de se consumir, que decorre e possibilita igualmente a reestruturao do sistema produtivo e a melhoria do padro de especializao que proporciona um sistema mais rico em emprego (que no est, todavia, isento de riscos, como seja a travagem dos salrios reais, uma certa quebra na competitividade, a intensificao da dualidade social), resultante daquilo a que chama uma estratgia baseada numa relao de assimilao.

    Anos 80, dcada de crise econmica, mas tambm de recuperao, a meio da qual Portugal assina um tratado de adeso Comunidade Econmica Europeia. Dcada em que flexibilizar parece dominar a controvrsia poltico-sindical e as relaes entre empresrios e trabalhadores e em que as partes envolvidas parecem convergir na centralidade da problemtica. Uns, sob forma de conflito permanente, mas nem sempre agudo, outras, de forma mais condescendente, na perspectiva da negociao e na base de uma certa assimilao das teorias econmicas e sociais que indo surgindo, sob o impulso da chamada escola da regulao, embora conscientes das dificuldades, risco, problemas e incertezas que da poderiam advir. As divergncias brotavam sobretudo em relao aplicao a que se estava a proceder da flexibilidade, isto , se a perspectiva era a da exclusividade da flexibilidade defensiva, ou se, ao mesmo tempo, existiam projectos credveis para a viabilizao da flexibilidade ofensiva.

    Vejamos quem ter razo, ou a que estdio nos levaram essas controvrsias, fazendo um pequeno exerccio analtico relativo a alguns resultados econmicos e sociais, tomando por base elementos contidos no relatrio da conjuntura de responsabilidade do MESS, para o ano de 1991:

    Tendncia para o agravamento da situao econmica sem efeitos recessivos imediatos no emprego;

    Tendncia para a reduo mdia semanal do trabalho e para o crescimento do emprego a tempo parcial;

    Crescimento do emprego global, resultante do desenvolvimento do sector de servios;

    Desenvolvimento de formas atpicas de emprego, como o tempo parcial involuntrio, o emprego por conta prpria sem trabalhadores ao servio, bem como programas de ocupao temporria e de emprego/formao destinados a grupos vulnerveis;

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    Melhorias ainda ao nvel das habilitaes, a par com uma relativa rigidez na estrutura das qualificaes;

    Tendncia crescente para disperso e para as desigualdades salariais. neste quadro que se estabelece um acordo econmico-social, pelo qual

    se flexibiliza a legislao do trabalho em matria de negociao, de reduo e organizao do tempo de trabalho, do trabalho a domiclio, do trabalho de menores e do regime de pr-reforma e que permitiu tambm a negociao do salrio mnimo e das prestaes, da resultando melhoria da posio relativa do sector agrcola e dos servios domsticos.

    No referido relatrio conclui-se ter havido um amadurecimento do nosso sistema de relaes profissionais.

    Em sntese, verifica-se que numa situao que economicamente no parecia ser demasiado favorvel ao crescimento e acumulao de riqueza, se gerou no entanto capacidade de compreenso reveladora de uma parcial aceitao de medidas que contrariavam e/ou favoreciam, em aspectos diversificados, as partes envolvidas na negociao tripartida.

    Afinal, a dcada da flexibilidade no parecia ter trazido saldos francamente negativos para o entendimento social colectivo, embora, em alguns (muitos) casos (silenciados?) ela tivesse constitudo um verdadeiro drama, o drama do desemprego de longa durao e da excluso definitiva do emprego, bem como o do curto-circuito das expectativas de trajectria ascensional que se tinham comeado a delinear a partir das dcadas de 60-70.

    Mas novos dados anunciam que a crise vai recrudescer. Em 1994 a confiana dos consumidores revela a presena de um pessimismo acentuado. E a taxa de desemprego est dois pontos percentuais acima da de 1990 (6,8), sendo as mulheres e os jovens os mais atingidos.

    No emprego, sobem as taxas do contrato a tempo parcial e do trabalho por conta prpria sem pessoas ao servio. E a evoluo dos ganhos mdios foi inferior produtividade do trabalho.

    Em 1997 a situao melhora: cresce o PIB, aumenta o ritmo da criao de emprego, eleva-se a procura interna e externa (ministrio do Equipamento, 1998), criando-se um clima que favorece o investimento. Mas a produtividade alcanada (37% da mdia europeia) e s produtividade no so suficientes para se enfrentarem os desafios da modernidade, perante a intensificao da concorrncia internacional.

    No podemos esquecer que a nova palavra mgica mobilizadora a globalizao: anlises, relatrios, discursos, livros e revistas cientficas comeam em geral por situar Portugal na teia das relaes mundiais. Quo longe se est da prtica, em que precisamente nesta era o mercado das exportaes parece ter afunilado e a atraco do investimento estrangeiro muito exgua! O nosso horizonte parece ter ficado confinado Unio Europeia, extravasando pouco a Pennsula Ibrica! Alm do mais, 80% dos produtos que se exportam so pouco intensivos em tecnologia, ao contrrio do que acontece com os que tm a veleidade de possuir economias bem inseridas num mercado perspectivado escala global, quer em termos comerciais, quer produtivos.

    Ser que a dinmica da dcada de 90 para a internacionalizao expansiva da produo e da comercializao, tem algum equivalente com a flexibilidade que conduziu reduo de emprego na dcada de 80?

    Ser que o movimento para a criao de postos foi um movimento positivo, capaz de reabsorver a mo-de-obra que aparecia pela primeira vez no mercado, sem ter que se empurrar a mo-de-obra com idades que ainda esto longe da possibilidade de alcanar a reforma?

    Ser que a mo-de-obra que sai do mercado deixa melhores empregos (no sentido da reduo das incertezas e da qualificao) mo-de-obra que entra?

    Dados recentes do INE a que tive acesso por causa de uma investigao que coordeno, relativa a trabalho precrio, mostram que o contrato de trabalho no permanente aumentou 6,5% entre 1993 e 1998, passando, neste ltimo

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    ano, a significar 17,5% do emprego assalariado. Constatei tambm que, ao comparar a representao dos grupos profissionais entre 93 e 98, a pesar do nmero total de empregados ter subido ligeiramente, (passou de 3290,2 para 3383,3) diminuiu no entanto o nmero de empregados permanentes no grupo dos quadros superiores, em 9.6 milhares; mas que aumenta a sua representao no interior do contrato no permanente - de 1.7 milhares em 93, passa para 4,1 milhares, em 98. Diminuem igualmente o nmero de empregados permanentes no grupo dos tcnicos e profissionais de nvel intermdio (menos 174,6 milhares), no grupo de empregados de escritrio e similares (menos 48,6 mil), no grupo do pessoal dos servios e vendedores (menos 24,7 mil pessoas) e no grupo de agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e pescas (menos 31,3 milhares). Em contrapartida, aumenta o nmero de pessoas nos grupos dos grupos de operrios e similares (com uma representao de 22% no interior contratao no permanente e 27,5% na permanente), dos operadores e montadores (com 9% de representao no interior da contratao no permanente e 12% na permanente) e operrios no qualificados (com 22% de representao no interior da contratao no permanente e 13% na permanente). Isto , aumenta a representao dos grupos profissionais de operrios, operadores e no qualificados, diminuindo a dos tcnicos e profissionais de nvel intermdio, quadros superiores, empregados de escritrio e trabalhadores dos servios e vendedores (este grupo, alis, j com forte propenso para o contrato no permanente, em 1993).

    Porqu esta situao de contrato no permanente? Cerca de 61% dos entrevistados pelo INE em 1998 diz encontrar-se nesta

    situao por no ter conseguido obter contrato permanente. Outros esto em formao, ou experincia, ou tm um trabalho temporrio / sazonal, ou esto experincia e, ainda, outros casos.

    Tais dados parecem confirmar que se est longe ainda de nos encaminharmos para uma procura de empregados qualificados, quer a sua qualificao seja obtida atravs do sistema escolar integrado com a formao profissional, quer se trate de um ensino livresco.

    De acordo com o World Competitiveness Yearbook de 1988, Portugal ocupa a 29 posio de entre um grupo de 46 pases analisados. E esta posio particularmente desfavorvel ao nvel da gesto, da cincia e da tecnologia e dos recursos humanos (Ministrio do Equipamento, 1998: IV-51).

    Falta, essencialmente uma cultura empresarial orientada para o cliente e para o marketing, uma gesto eficiente que vena os obstculos internacionalizao, cooperao tecnolgica, recursos humanos afectos a I&D e escolarizados, de que resultam carncias importantes em matria de trabalho qualificado.

    Regressando anlise contida no Plano Nacional de Desenvolvimento do Ministrio do Equipamento citado (1998: IV-51 e 52), existe, em Portugal, um dficit de profissionalismo ao nvel da gesto, uma ausncia de sintonia entre a fase produtiva e as restantes etapas da cadeia de valor, baixa produtividade para se investir nas reas dos factores complexos da competitividade, insuficiente articulao das grandes empresas com as PMEs, bem como das empresas do sector produtivo com o sector dos servios.

    E, se em termos de competitividade Portugal ocupava o 29 lugar, o mesmo se passava em termos de atraco dos investimentos em capital estrangeiro. Isto, apesar de existirem condies materiais para a atraco referida, pela crescente liberdade conferida aos investidores e das aberturas de mercado a que se tinha procedido.

    Mas as anlises que devem ser feitas no devem ter como base exclusiva o econmico. que, do meu ponto de vista, em Portugal falta tambm e fundamentalmente, uma cultura de participao e de partilha, que mobilize a sociedade civil para o grande salto que Portugal ter que dar quiser dar o passo para uma nova civilizao que est a surgir. Nova civilizao que no s flexvel

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    e global, mas em que os sujeitos, ainda e cada vez mais isolados, sentem necessidade de intervir, quer a nvel individual, quer colectivo, por fora das identidades que se vo consolidando. Consolidao que, de acordo com Castells (1997) pode ter origens diferentes, mas em que fao sobressair aquela que ele designa como projecto de identidade, em que os actores pretendem a transformao da estrutura social com base na cultura a que tm acesso e na posio que conseguem alcanar na sociedade. , como diz Castells !997: 9-10), por referncia a Touraine, a identidade que produz sujeitos, que transforma os indivduos em sujeitos pela combinao de duas afirmaes: a de que os indivduos esto contra as comunidades e contra o mercado e que s se tornam actores sociais colectivos quando atingem o significado holstico atravs da significao da experincia vivida. Inclui-se neste projecto, como diz Castells, uma vida diferente, quem sabe se na base de uma identidade oprimida, mas que se expande no sentido da transformao da sociedade e no prolongamento do projecto de identidade.

    Retomando o fio ao discurso anterior, dir-se- que estamos, pois, em presena de alguns dilemas, no que se refere ao emprego:

    - o desemprego diminui, muitas vezes custa do emprego precrio9, mas mantm-se elevada a representao, no interior do desemprego, do desemprego de longa durao10.

    Poder-se-ia talvez concluir, como o faz Xavier Greffe (1989:5) que o desemprego no considerado um problema, mas como uma soluo [refere-se soluo para a crise econmica], a mais triste das solues. Tanto triste como aquele que se refere no relatrio referido: Ah, o desemprego muito triste. Eu era uma pessoa que tinha a minha independncia, que no precisava da ajuda de ningum (...) . to triste termos o nosso ordenado e depois, termos que andar a pedir!....

    - a qualificao do trabalho ainda muito baixa (por causa, entre outros factores, da ineficincia da gesto e de uma gesto que no compreendeu, em grande parte, o que participao e democracia no trabalho-, da baixa preparao de largos contingentes da mo-de-obra que resistem s mudanas sem projecto alternativo, ou que nem sequer tm condies bsicas de formao que lhes permitam aprender mais e melhor).

    - alm do mais, existem insuficincias institucionais (se no mesmo uma certa arrogncia institucional perante os desempregados) e em infraestruturas de comunicao, o que dificulta o conhecimento mtuo entre oferta e procura de emprego e a mobilidade geogrfica entre residncia e local de trabalho (como se constatou nas investigaes mencionadas sobre o desemprego).

    - empresrios e trabalhadores acusam-se mutuamente de serem o principal obstculo ao desenvolvimento da economia e do emprego, bem como do emprego qualificado, tal como ficou demonstrado nas sesses colectivas que empreendemos localmente para discutir alternativas ao desemprego. Os trabalhadores acusam os empresrios de no terem estratgia e de quererem um lucro fcil, de que resulta a intensificao da explorao. Os empresrios acusam os trabalhadores de produzirem pouco e com baixa qualidade e de no se empenharem no desenvolvimento empresarial. As instituies parecem um pouco perdidas neste confronto, procurando corresponder s expectativas da discriminao positiva, dirigidas s populaes mais desfavorecidas, que tem vindo a dominar as polticas europeias para o desemprego, aps o Tratado de Amesterdo. E a sociedade civil, em regra, no toma qualquer iniciativa global e local, limitando-se, s vezes com grande sacrifcio, a dar acolhimento aos 9 Foi precisamente esta uma das concluses que se tirei na investigao que empreendi na Azambuja, relativa ao desemprego, em cooperao com a Paula Ferreira e a Fortunata Gonalves. 10 No Seixal (vide relatrio sobre a investigao sobre o desemprego de longa durao a empreendida, em cooperao com a Paula Ferreira e a Fortunata Gonalves, em 1998, enquanto o nvel de desemprego baixara de 11,8 % em 1996, para 6,8% em 1998, o DLD representava, em 1996, 52,7% e, em 1998, 46,6%.

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    membros da famlia que se encontram numa situao de desemprego desprotegido.

    Para alm das insuficincias cientfico tecnolgicas, da ausncia de estratgias para a complementaridade entre empresas portuguesas para a internacionalizao (no esquecer que se est num terreno dominado quantitativamente por pequenas e mdias empresas, com fracos investimentos), bem como da reduzida qualificao da mo-de-obra portuguesa (no sei se excessiva qualificao, perante a procura registada da pequena qualificao, atrs apresentada), no parece existir uma dinmica que vise a coeso social, indispensvel emergncia de um novo padro de relaes sociais que seja mais favorvel, no mundo do trabalho, rejeio do velho e a um certo encantamento pelo novo, tal como acontece em tantos outros aspectos da nossa vida, se apresenta j com uma certa magia envolvente.

    Ser que a rejeio dos cidados, que ainda impera no mundo do trabalho e das instituies, que contraria as condies de desenvolvimento do cidado moderno, poder algum dia sofrer uma transformao qualitativa?

    Eis uma questo para a qual no tenho resposta. T-la-o, os que esto a acompanhar esta reflexo?

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