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3 DROGAS: ESTRUTURA QUÍMICA E EFEITO FARMACOLÓGICO Eduarda Rosa Faculdade de Farmácia LISBOA 1. — Introdução Uma droga pode ser definida como qualquer substância que quando introduzida no organismo altera a estrutura ou a função desse organismo. Um medica- mento é o tipo específico de droga que é tomado com o fim específico de curar ou prevenir uma doença. As- sociado ao uso de drogas aparece por vezes o abuso de drogas. Este pode ser considerado como a tomada repe- tida de uma droga com o fim de obter um efeito que a droga farmacologicamente não pode cumprir. Por exemplo a tomada de anfetaminas para se ser um melhor atleta ou a tomada de alcool para melhorar as capaci- dades de relacionamento social. Uma droga pode ainda ser usada para a satisfação da curiosidade em relação aos seus efeitos, para a obtenção de prazer esporádico ou associada a ritos religiosos. Cultura do ópio na Tailândia As drogas mais correntemente usadas, com o fim de alterar o estado psíquico e/ou físico normal, são a marijuana, os halucinogénios como por exemplo o LSD, os narcóticos como os opiácios e compostos de síntese relacionados, os barbitúricos e os tranquilizantes, os estimulantes como as anfetaminas e a cocaína e ainda as bebidas alcoólicas e cafeínadas e o tabaco. Muitas destas drogas podem ser obtidas a partir de plantas, quando não são as próprias plantas a ser utili- zadas, e o seu uso é conhecido desde há milénios. Como exemplo cita-se o ópio, exudado de certas espécies de papoilas, já usado 1500 anos antes de Cristo por exemplo para sossegar bébés que choravam. Também as folhas da coca, planta cujo princípio activa é a cocaína, eram mastigadas pelos índios peruvianos, já há centenas de anos, para os ajudar a suportar o trabalho e as longas caminhadas. Desde a segunda metade do século XIX até agora, o desenvolvimento da Química permitiu o isolamento e identificação dos princípios activos dessas plantas e ainda a modificação de certas estruturas químicas para á obtenção de outros derivados activos ou a síntese de novas drogas. Estas drogas têm em comum o'facto de todas elas, em maior ou menor grau, poderem provocar depen- dência (habituação). Esta inclui três componentes dis- tintas e independentes: tolerância, dependência física e dependência psicológica. A tolerância pode ser definida como um estado de resposta diminuída ao seu efeito farmacológico, resultando de exposição prévia a essa droga ou a outra relacionada, sendo portanto uma Tomando cocaina

Drogas - Estrutura Química e Efeitos Farmacológicos

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DROGAS:ESTRUTURA QUÍMICA

E EFEITOFARMACOLÓGICO

Eduarda RosaFaculdade de FarmáciaLISBOA

1. — Introdução

Uma droga pode ser definida como qualquersubstância que quando introduzida no organismo alteraa estrutura ou a função desse organismo. Um medica-mento é o tipo específico de droga que é tomado com ofim específico de curar ou prevenir uma doença. As-sociado ao uso de drogas aparece por vezes o abuso dedrogas. Este pode ser considerado como a tomada repe-tida de uma droga com o fim de obter um efeito que adroga farmacologicamente não pode cumprir. Porexemplo a tomada de anfetaminas para se ser um melhoratleta ou a tomada de alcool para melhorar as capaci-dades de relacionamento social. Uma droga pode aindaser usada para a satisfação da curiosidade em relação aosseus efeitos, para a obtenção de prazer esporádico ouassociada a ritos religiosos.

Cultura do ópio na Tailândia

As drogas mais correntemente usadas, com o fimde alterar o estado psíquico e/ou físico normal, são amarijuana, os halucinogénios como por exemplo o LSD,

os narcóticos como os opiácios e compostos de sínteserelacionados, os barbitúricos e os tranquilizantes, osestimulantes como as anfetaminas e a cocaína e ainda asbebidas alcoólicas e cafeínadas e o tabaco.

Muitas destas drogas podem ser obtidas a partir deplantas, quando não são as próprias plantas a ser utili-zadas, e o seu uso é conhecido desde há milénios. Comoexemplo cita-se o ópio, exudado de certas espécies depapoilas, já usado 1500 anos antes de Cristo por exemplopara sossegar bébés que choravam. Também as folhas dacoca, planta cujo princípio activa é a cocaína, erammastigadas pelos índios peruvianos, já há centenas deanos, para os ajudar a suportar o trabalho e as longascaminhadas.

Desde a segunda metade do século XIX até agora, odesenvolvimento da Química permitiu o isolamento eidentificação dos princípios activos dessas plantas eainda a modificação de certas estruturas químicas paraá obtenção de outros derivados activos ou a síntese denovas drogas.

Estas drogas têm em comum o'facto de todas elas,em maior ou menor grau, poderem provocar depen-dência (habituação). Esta inclui três componentes dis-tintas e independentes: tolerância, dependência física edependência psicológica. A tolerância pode ser definidacomo um estado de resposta diminuída ao seu efeitofarmacológico, resultando de exposição prévia a essadroga ou a outra relacionada, sendo portanto uma

Tomando cocaina

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mudança quantitativa à sensibilidade a uma droga. Adependência física é um estado no qual a presença dadroga é necessária para o funcionamento normal doorganismo, sendo o estado patológico de ausência dadroga o sindroma de abstinência. A dependência psi-cológica está relacionada com o desejo de repetição daexperiência obtida com essa droga. Dizer que umadeterminada droga provoca dependência psicológicapode ser controverso, pois esta é altamente variável como indivíduo em questão.

As diferentes drogas em uso podem mostrar estastrês características em vários graus. Assim, por exemplo,a marijuana não provoca tolerância ou dependênciafísica, mas pode provocar dependência psicológica. Acocaína, nicotina e cafeína podem conduzir a uma levetolerância e dependência física e a uma forte dependênciafísica e a uma forte dependência psicológica. E conhe-cida a dificuldade que os fumadores de tabaco têm emdeixar de fumar. As anfetaminas e o LSD provocamtolerância e dependência psicológica embora não pro-voquem dependência física. O alcool, barbitúricos e oópio e seus derivados apresentam os três efeitos.

O presente artigo tem por fim apresentar as estru-turas químicas e um resumo das propriedades farma-cológicas destas drogas, exceptuando-se as drogas de usocomum sobre as quais não existem quaisquer restrições,como as bebidas álcoolicas e cafeínadas e o tabaco.

2. — Cânhamo indiano (marijuana, hashish)

A marijuana é constituída pelas folhas e flores secasda Cannabis Sativa, uma erva que cresce sem necessidadede cultivo especial, sobretudo em climas quentes. O has-hish é uma resina obtida a partir dela mais concentradaem princípios activos. Ambos são geralmente fumadosembora também sejam tomados oralmente. O seu usodata de 3000 anos antes de Cristo quando era usada me-dicinalmente em casos de insónia, dores, ansiedade etensão. Desde o início deste século que o seu uso medi-cinal quase desapareceu devido ao facto de os extractosterem potência variável, alterarem-se com facilidade enão serem solúveis na água.

Folha de coca

Embora existam referidos estudos químicos desde1821, só recentemente foi elucidada a estrutura do prin-cípio activo da Cannabis. Na primeira metade deste sé-culo eram aceites como responsáveis pela sua acção far-macológica uma mistura de tetrahidrocanabinóis iso-méricos. Só o desenvolvimento de novas técnicas deseparação tornou possível, nos anos sessenta oisolamento de um composto puro (Gaoni e Mechoulam,1964, 1971) que se verificou ser o princípio activo: o A'-tetrahidrocanabinol. Os outros canabinois isoladosmostraram ter pouca ou nenhuma. actividade.

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A LTHC

No homem, embora sujeito a variações com a dose,indivíduo e via de administração, o efeito da marijuana énormalmente referido como começando por taquicardia,ataxia e confusão de pensamento, seguindo-se euforia,riso incontrolado e loquacidade. Refere-se ainda umaumento da acuidade visual, auditiva, olfativa e gusta-tiva e alterações da percepção do tempo e da memóriaimediata. Efeitos secundários incluem congestão daconjuntiva e broncodilatação. O uso crónico pode pro-vocar tosse crónica, bronquite e obstrução pulmonar.interessante verificar que a resposta à marijuana dependeda experiência prévia, podendo os iniciados por vezesnão sentir os efeitos eufóricos mencionados pelos que ausam frequentemente.

Existe um grande número de estudos sobre os efeitosda marijuana. Estes apresentam muitas vezes resultadoscontraditórios. Não parece, no entanto, haver evidênciade comportamento psiquiátrico anormal, lesões cere-brais, tolerância ou dependência física associados ao usoda marijuana.

3. — Halucinogéneos

3.a — LSD

O LSD, dietilamida do ácido lisérgico, foi sinteti-zado pelo químico suíço A. Hoffman em 1938, a partirdo ácido lisérgico que é um alcalóide extraído do fungoClaviceps Purpurea (ergot), uma doença do centeio(cravagem do centeio). O efeito psíquico do LSD foidescoberto acidentalmente por Hoffman, quando pre-parava a dietilamida do ácido lisérgico para efeitos depurificação, o que não é surpreendente considerando quedoses de 100 a 150 microgramas de LSD são suficientespara alterar drásticamente a percepção do real.

O efeito psíquico do LSD é extremamente complexoe variável, sendo algumas das características mais notá-veis a alteração da percepção do tempo e a intensifica-ção da percepção visual podendo incluir ilusões e halu-cinações. Outros dos aspectos apontados incluem ideias

N H

Dimetiltriptamina

N (CH3) 2

5

desorganizadas, ansiedade, depressão ou ecstasia, risoou lágrimas incontroláveis, discurso confuso, desper-sonalização, passividade.

LSD

O LSD provoca muito rapidamente o desenvolvi-mento de tolerância, perdendo-se o efeito depois deadministrações sucessivas durante poucos dias. Noentanto não se conhecem casos de morte relacionadoscom doses excessivas de LSD. O LSD pode conduzir emcertos casos a más experiências. Pessoas de persona-lidade incerta são susceptíveis a efeitos depressivos for-tes. Outro perigo possível é a recorrência do efeito apóster passado o efeito inicial da droga em intervalos va-riáveis e por períodos variáveis.

3.b — Outros halucinogénios

Incluem-se neste grupo drogas de estrutura varia-da mas que têm efeitos semelhantes ao LSD, e quepodem provocar tolerância cruzada com este. A inten-sidade dos efeitos provocados é no entanto variável. Doisdos halucinogénios mais conhecidos incluídos nestegrupo são a mescalina e a psilocibina.

A mescalina é um dos alcalóides do peiote (I phomo-ra Williamsii) que é um cacto ainda hoje usado por índiosnorte-americanos em cerimónias religiosas. Para a pro-dução de efeitos semelhantes aos do LSD são necessáriasdoses de 400 a 800 miligramas de mescalina, sendo por-tanto muito menos activa.

CH2

CH2

NH2

CH3

0

Mescalina

A psilocibina foi isolada por Hoffman em 1958 apartir da Psilocybe Mexicana, um pequeno cogumelo.Este cogumelo também tem sido usado desde há sécu-los em ritos religiosos. Os Aztecas usavam-no comoum sacramento e para produzir visões.

interessante notar que esta droga possui um nú-cleo indólico como o LSD, estrutura que parece ser fre-quente em drogas halçucinogénias. Outros exemplosincluem as triptaminas e os alcalóides da PeganumHarmala que é uma planta típica do Médio Oriente.

I NCH

30

H CH3

Harmina

4. — Opiácios e compostos de síntese relacionados

Este grupo de drogas compreende os alcalóidesnaturais do ópio, os compostos semisintéticos obtidospor alteração da estrutura dos alcalóides do ópio e com-postos de síntese com propriedades semelhantes.

O ópio é constituído pelo latex seco obtido porincisão das cápsulas ainda verdes de diversas variedadesda Papaver Somniferum. O seu princípio activo é amorfina, acompanhada por outros alcalóides como porexemplo a narcotina, a codeína e a papaverina. O seu usoem medicina data de 3500 anos antes de Cristo, quandoera usado pelos sumérios no tratamento da desinteria.'Posteriormente o seu uso estendeu-se ao Egipto, Persia,Índia e China e mais recentemente aos países da Europa eá América. O abuso do ópio em larga escala parece tercomeçado na Índia durante o século XVII, quando o usodo álcool foi proibido e em sua substituição o ópiocomeçou a ser fumado. Este hábito estendeu-se á Chinaque em 1790 importava 400 toneladas de ópio por ano. Àmedida que se tomou consciência nos perigos envolvidosno uso do ópio, restrições foram sucessivamente impos-tas pelos vários países, sendo hoje apenas usado legal-mente em medicina.

O estudo da química destes alcalóides começou nosprincípios do século XIX com o seu isolamento, emboraas suas estruturas só fossem determinadas neste século.A síntese total da morfina foi conseguida em 1952 (Ga-tes) e representou um problema de difícil resoluçãodados os seus vários centros assimétricos e diferentesgrupos funcionais.

o(C

2H

5)

2N-C

0p03

R,

-OH

-OCH,

-02CCH,

R2

-OH

-OH

-0,CCH,

N (CH3) 2

H3

Morfina

Codeína

HeroínaPsilocibina

OCH3 Narcotina

metadona meperidina

CH3

CH 2 00C'

CH3

CH2

COCCH2 CHN (CH3

) 2

CH 3

Nss-CH

3

Papaverina

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5. — Barbitúricos

Estes compostos, derivados 5,5-disubstituídos doácido barbitúrico, são usados em medicina desde o prin-cípio do século. Em pequenas doses reduzem a tensão e aansiedade e em doses moderadas induzem o sono. Sãoainda usados como anticonvulsivantes.

R

HN

NH

Estas drogas são sedativas e narcóticas e exercem oseu efeito por depressão do sistema nervoso central. Estaacção depressora induz o alívio da dor e em dosesgrandes produz o sono. Doses excessivas causam a mortepor paralização do centro respiratório. Paralelamenteacção analgésica verifica-se um efeito eufórico e de bemestar que justifica o seu uso não médico. Estas drogascausam ainda obstipação, constrição pupilar, hipotensãoortostática, supressão da libido, libertação de histaminae vómitos.

A heroína é um derivado semisintético da morfinaobtido por acetilação desta. Em consequência de sermelhor e mais rapidamente absorvido pelo organismo éactiva em menores quantidades do que a morfina. Tantoa heroína como a morfina são eliminadas pelo rim sob aforma de morfina.

Estas drogas causam fenómenos de tolerância edependência física particularmente intensos. Depois dealgumas semanas de uso continuo podem ser necessáriasdoses 20 a 40 vezes maiores para obter o mesmo efeitoque a dose normal (8-16 mg de morfina, 300-600 mg deópio). O sindroma de abstinência é também intenso ecomeça por nervosismo e forte desejo da droga, seguin-do-se rinorreia, lacrimação, perspiração, arrepios, febre,vómitos, perda do apetite, insónia, hipertensão, dores eperda de peso. As pupilas dilatam e há sinais associadosde hiperactividade do sistema nervoso simpático.

Em consequência da grande utilidade dos efeitosanalgésicos destas drogas fizeram-se esforços para obtercompostos que possuíssem apenas essa acção e não ti-vessem os efeitos secundários de tolerância e depen-dência física. Tal objectivo não foi conseguido. Emboratenham aparecido muitos compostos de síntese hojeusados em terapêutica, como por exemplo a metadona ea meperidina, todos eles apresentam ambos os tipos depropriedades.

R

R'

ácido barbitúrico H

veronal

C2H5

luminal

C2H5

amital C2H3

Os barbitúricos actuam causando a depressão dosistema nervoso central. Não há evidência para umaacção selectiva e é possível que o efeito que provocamseja apenas devido a uma acção depressora geral dometabolismo e actividade do cérebro.

Embora o uso dos barbitúricos tenha decrescidocom o aparecimento dos tranquilizantes nos anos cin-quenta, são drogas ainda prescritas com frequência e sãoas responsVeis por um grande número de suícidios emortes acidentais. Parece haver uma pequena margem desegurança entre a dose normal e a dose letal. E a doseletal é ainda reduzida quando há ingestão simultânea deálcool, que também é um depressor. Na verdade os bar-bitúricos causam uma intoxicação semelhante à causadapelo álcool, com a alteração da coordenação motora quetorna perigoso o uso de máquinas complicadas como porexemplo o automóvel.

Além dos perigos acima mencionados associados aouso dos barbitúricos há ainda a considerar o facto de oseu uso poder provocar tolerância, dependência física epsicológica, e um sindroma de abstinência que pode seracompanhado de convulsões perigosas.

O exemplo dos barbitúricos não impediu que novasdrogas com acção deste tipo fossem introduzidas nomercado sem as suas propriedades de dependênciaestarem convenientemente estudadas. Um outro caso foio meprobamato, droga usada como tranquilizante e

H

C2H5

C6H5

(CH3)2CHCH2CH2

CH CHNH2 2

CH 3

Anfetamina

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relaxante muscular, que só foi declarada aditiva depoisde já ser largamente usada. Na verdade causa um sin-droma de abstinência intenso semelhante ao dos barbi-túricos.

CH2OCONH2I

CH3CH 2CH2CC H3

CH2OCONH,

meprobamato

6. — Tranquilizantes

Apenas os tranquilizantes menores parecem estarassociados a abuso. E dentro destes, aqueles cujo usoestá mais difundido, são as benzodiazepinas. O con-sumo destas aumentou drasticamente desde a sua intro-dução no mercado. Nos Estados Unidos da América, em1968, escreveram-se 40 milhões de receitas médicas paraa sua aquisição e em 1976 esse número tinha aumentadopara 90 milhões.

O seu efeito farmacológico, além de aliviar a ten-são e ansiedade sem provocar o sono, provoca um efeitopsico-estimulante melhorando o comportamento social.Tem ainda um efeito anticonvulsivante.

As drogas mais usadas hoje são o clorodiazepóxido(Librium), diazepam (Valium) e oxazepam (Serax).

H

Cl

NHCH3

Cl

Librium Valium

Cl

OH

Serax

As benzodiazepinas têm uma margem de segurançaentre a dose normal e a dose letal muito maior do que ados barbitúricos. Contrariamente ao que a princípio sesupunha, estes compostos produzem dependência física epsicológica com um sério sindroma de abstinência.

7. — Estimulantes: anfetaminas e cocaina

A anfetamina foi sintetizada em 1972 por G. A.Alies e rapidamente introduzida no mercado, sendolargamente prescrita para casos de depressão menor,narcolepsia, na supressão do apetite e para impedir osono em pessoas com necessidade de estar acordadas porlongos períodos de tempo. Contudo verificou-se que oseu uso causava fenómenos de dependência e tolerância,o que causou uma mudança de atitude médica, pondo--se mesmo hoje em dia em dúvida a sua eficácia nos casosem que era usada, como a depressão e a obesidade.

N-metilanfetamina(metanfetamina, «speed»)

Os efeitos farmacológicos das anfetaminas são osefeitos típicos de um sistema simpático activado, no-meadamente constrição dos vasos sanguíneos, aumentodas pulsações e da pressão sanguínea, dilatação dosbrônquios, relaxação do musculo intestinal e midríase.Estas reacções combinam-se produzindo um estado dealerta, atenção, euforia, redução do apetite, loquaci-dade, hiperactividade e um sentimento de aumento dascapacidades físicas e intelectuais. Se este estado hipe-rativo é prolongado por muitas horas, a actividade tor-na-se compulsiva e desorganizada, podendo-se geraragressividade e reacções psicóticas agudas. O abusodestas drogas encontra-se relacionado sobretudo comproblemas de controlo de peso e para aumentar acapacidade física de atletas.

A cocaína é um estimulante poderoso obtido dasfolhas da coca, Erythroxylon Coca, planta originária daAmérica do Sul. Como já foi referido, o seu uso é muitoantigo. Os Incas usavam-na em cerimónias religiosas. Osíndios americanos mastigavam as suas folhas para su-portar a fadiga e os esforços. A coca foi introduzida naEuropa no século XVI, mas passou despercebida ate aofim do século XIX quando os seus efeitos começaram aser estudados. Foi então usada como anestésico local, nadepressão e fadiga crónica, e pensou-se poder curar aadição à morfina. Descobriu-se eventualmente que o seuuso pode causar dependência psicológica forte.

A cocaína foi sintetizada por Willstatter em 1923,embora nessa altura a configuração dos seus centrosquirais não fosse conhecida.

N --CH 3"(iiiC0

2 CH3

OCO C6 H 5H

O efeito farmacológico da cocaína é de estimulaçãodo sistema nervoso central. Reduz a fome e a fadiga eestimula a actividade muscular, causa euforia e um sen-timento de excitação, energia e optimismo. Verifica-seainda aumento das pulsações, ritmo respiratório e pres-são sanguínea, aumento da temperatura do corpo e di-

H CHNHCH3

CI H3

”0"

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latação da pupila. Causa uma forte dependência psico-lógica mas a tolerância e dependência física não parecemser graves.

BIBLIOGRAFIA

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JOEL HILDEBRAND:100 ANOS DE VIDA

80 ANOS DE CIÊNCIAEdmundo J. S. Gomes de AzevedoDepartment of Chemical EngineeringUniversity of CaliforniaBerkeley CA 94720Estados Unidos da América

Joel Hildebrand, um dos químicos mais eminentesdos Estados Unidos da America, comemorou no passadodia 16 de Novembro o seu centésimo aniversário, emBerkeley, Califórnia, em cuja Universidade ensinou einvestigou durante 68 anos.

Hildebrand é um dos exemplos mais notáveis delonga e profíqua actividade científica que tem mantidoate à presente data. Uma das suas preocupações actuais,segundo confessou, é a revisão do seu livro «Regular andRelated Solutions». Embora já não pratique ski (desistiuaos 75 anos a pedido da sua mulher Emily, que fez 95anos no Verão passado), a sua condição física é exce-lente.

Com uma variada actividade científica, Hildebrandobteve o seu doutoramento em 1906 na Universidade daPensilvânia com a Tese «The Determination of Anions inthe Electrolytic Way». Depois de ter passado um anonum pós-doutoramento em Berlim, Alemanha, ondecontactou com Van't Hoff e Nernst, regressou à Uni-versidade da Pensilvânia onde permaneceu até 1913.Neste ano foi convidado por G.N. Lewis a fazer parte doDepartamento de Química da Universidade da Cali-fórnia, Berkeley.

Nesse tempo, o interesse científico de Hildebrandcentrava-se no estudo de soluções líquidas e o seu desvioem relação à lei de Raoult. A análise do comportamentode soluções de iodo em diversos solvent-es levaram-noformulação da teoria das «soluções iegulares», queenvolve sistemas que não há solvatação ou associaçãoespecíficas e em que a mistura das moléculas dos com-ponentes é essencialmente aleatória. Os fundamentosdesta teoria encontram-se expressos no seu livro «Re-gular Solutions» publicado em 1962, cujas ideias são degrande utilidade tanto para os engenheiros químicoscomo para os químicos-físicos. E especialmente impor-tante o resultado da equação que desenvolveu para tra-duzir o relacionamento em relação à lei de Raoult (so-luções ideais) com o quociente AE/V dos componentes(onde AE é a energia de vaporização para um determi-nado volume V de líquido puro). Mais concretamente,estabeleceu que é a quantidade RAE1/V1)1/2 (AE2/v)1/2]2

que determina o afastamento em relação à idealidade. Aquantidade (AE/V)2, que se costuma representar por 6,designa-se por «parâmetro de solubilidade» e o seuconhecimento tem grande interesse prático. Porexemplo, de acordo com o significado de 6, é de preverque o poliisobutileno (para o qual 6 = 8.1 (cal cm3)1/2) se