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A TRANSFORMAÇAO DO MUNDO RURAL UMA MENSAL DA DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO SUPLEMENTÓ ESPECIAL SOO ANOS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL

Drogas: mitos desfeitos

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Pesquisa FAPESP - Ed. 52

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A TRANSFORMAÇAO DO MUNDO RURAL

UMA PUBLICA~ÃO MENSAL DA fUNDA~ÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

SUPLEMENTÓ ESPECIAL SOO ANOS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL

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14 Pesquisa domiciliar realizada pela Universidade Federal de São Paulo nas maiores cidades paulistas concluiu que o álcool e o cigarro são ainda as drogas mais consumidas e o seu uso ocorre cada vez mais cedo

32 A Clorovale tornou-se a pnmeua empresa da América Latina a produzir diamante sintético para aplicações industriais diversas. A empresa, no âmbito do PIPE, já está utilizando esses diamantes em brocas de uso odontológico

42 O ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, explica os novos mecanismos de financiamento do sistema nacional de pesquisa

Capa e ilustração: Hélio de Almeida

26 O gás carbônico retirado da atmosfera pela recuperação natural de áreas desmatadas é bem menor do que se pensava, o que

agrava ainda mais os efeitos do desmatamento. Esta é a conclusão de estudo realizado por

pesquisadores do Inpe, em Rondônia

EDITORIAL 5 MEMORIAS 6 OPINIÃO 7 CIÊNCIA 8 TECNOLOGIA 32 POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA 40 HUMANIDADES 48 LIVROS 56 LANÇAMENTOS 57 ARTE FINAL 58

45 Pesquisadores da rede ONSA vão seqüenciar o genoma da Xylella fastidiosa causadora do mal de Pierce, que ataca as videiras da Califórnia. Pesquisadores norte-americanos participarão dos trabalhos de análise

48 O meio rural brasileiro está mudando, com a consolidação de atividades urbanas e de lazer em áreas antes ocupadas pela agricultura tradicional

PESQU ISA FAPESP · ABRIL DE 1000 • 3

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PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO

FLÁVIO FAVA DE MORAES JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO

MOHAMED KHEDER ZEYN PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO

RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIA) CARLOS HAAG (HUMANIDADES)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (TEXTO)

DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÃFICA T ÀNIA MARIA DOS SANTOS

COLABORADORES ADILSON AUGUSTO

CLÁUDIA IZIQUE GERALDO MAYRINK LUCAS ECHIMENCO

MARIA APARECIDA MEDEIROS LIMA MARTA GÓES

MAURO BELLESA SIMONE BIEHLER MATEOS

THEREZA L. O. DE ALMEIDA ULISSES CAPOZOLI

WAGNER DE OLIVEIRA

SUPLEMENTO ESPECIAL SOO ANOS DE CI~NCIA ETECNOLOGIA NO BRASIL

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, No I SOO, CEP OS468-90 I ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TEL (O- li) 838-4000- FAX: (O- li) 838-4117

ESTE INFORMATIVO ESTÁ DISPONÍVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP

http://www.fapesp.br e-mail: [email protected]

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

4 · ABRil DE 2000 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

Patentes

Nossos parabéns à FAPESP pela atenção que vem sendo dada à prote­ção da propriedade intelectual. Des­tacamos a qualidade da reportagem sobre esse tema, contida na revista de janeiro/fevereiro, e do conteúdo do encarte "Patentes", na mesma re­vista, ambos resultantes da reunião ocorrida na FAPESP. Esperamos que a FAPESP continue incentivando e cen­tralizando as discussões nessa área.

PROF. DR. ANTONIO CARLOS MASSABNI

Diretor de Fomento à Pesquisa da Fundunesp- Fundação para o

Desenvolvimento da Unesp- São Paulo, SP

Revista

Somos docentes e pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais e/ou representantes do De­partamento de Ciência e Tecnologia da Associação dos Professores Uni ver­sitários de Belo Horizonte (Apubh) e da SBPC/Minas. Gostaríamos de re­ceber exemplares da revista Pesquisa FAPESP, em especial a edição N° 48, de novembro de 1999. Antecipamos que a repercussão de artigos contidos na citada edição tem muito contri­buído para alertarmos o governÓ de nosso Estado sobre o importante pa­pel das FAPs no desenvolvimento cien­tífico-tecnológico dos Estados.

ANDR~A MARA MACEDO

Secretária adjunta da SBPC/Minas

FLAVIA PLENTZ

Representante Apubh

GLORIA R. FRANCO

coordenadora do Projeto Genoma do Schistosoma mansoni

MICHELYNE S. c. FARIA

estudante de pós-graduação em Genética Belo Horizonte, MG

Tenho recebido sistematicamen­te a revista Pesquisa FAPESP. Gosta­ria de parabenizá-los pela qualidade da publicação e sua nova apresenta­ção. Mais uma vez a FAPESP demons­tra sua capacidade, leveza e versatili-

dade, agora no nível de sua publica­ção mensal.

Prof. Dr. Antônio Carlos Bernardo Assessoria Especial da Reitoria da Unesp

São Paulo, SP

Gostaria de ter algumas informa­ções sobre a revista Pesquisa FAPESP. Sou aluna da pós-graduação da Unesp de Bauru e, em uma das disciplinas, o professor responsável indicou que os alunos procurassem receber a revista para posterior uso em sala de aula.

SILVIA GIGLIOLI,

Bauru, SP

Sou pesquisadora do Instituto Na­cional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos, atuando na área de visualização científica. Gosta­ria de receber a excelente revista Pesqui­sa FAPESP, publicada pela Fundação.

ENI A. OLIVEIRA

São José dos Campos, SP

Se possível gostaria de receber Pes­quisa FAPESP e Notícias FAPESP. Sou funcionária do Hospital das Clínicas e tais publicações muito me interessaram, ao ler exemplares recentemente.

MARIA LU!SA BARCA GAZETTA

São Paulo, SP

A publicação Notícias FAPESP sur­giu em 1996, como um pequeno house organ, de 4 páginas, com informações da FAPESP para os pesquisadores. Com periodicidade mensal, foi, ao longo dos anos, aumentando o número de páginas e a tiragem e modificando o conteúdo editorial e o projeto gráfico. A publica­ção teve o nome Notícias FAPESP até a edição 47, de setembro de 1999. A partir da edição seguinte, o seu nome foi mudado para Pesquisa FAPESP.

CORREÇÃO O título da reportagem sobre o

cientista Carlos Chagas Filho, pági­na 17 da edição passada, foi publi­cado de maneira incorreta. O título correto é: Fé e ciência conciliadas.

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EDITORIAL

Repondo as coisas em seus termos justos

A pesquisa científica, com freqüência, derruba idéias preconcebidas

Existe hoje uma impressão generalizada de que o consumo de drogas ilegais no país, es­pecialmente entre as faixas mais jovens da po­

pulação, atinge índices de um dramático flagelo social. Mas, ainda que seja justa a preocupação com o consumo, dados os pesados dramas individuais e as mazelas sociais que ele aciona, e ainda que se conclua que o Estado deveria enfrentar o tráfico das drogas ilegais com ações muito mais efetivas do que aquelas de que tem se vali-do, dado seu efeito devastador so-bre o tecido social e mesmo para a economia, é necessário registrar que:

colas que pressupõe, como o demonstra, por exemplo, o crescimento do setor de serviços e da renda dele decorrente, nesse universo.

De certo modo, destina-se igualmente a pro­vocar alguma turbulência em convicções instituí­das - por exemplo, a de que não se pode falar em contribuições brasileiras à ciência antes do século 20 -,o suplemento especial desta edição sobre 500 anos de ciência e tecnologia no Brasil. É claro que

ele tem um sentido de comemora-ção, que é mais uma peça entre as muitas que foram e estão sendo produzidas em homenagem a esses

considerando-se parâmetros inter­nacionais, e extrapolando para o país a situação de São Paulo, é baixo o consumo das drogas ilegais no Bra­sil. É bem menor que o consumo dessas drogas nos Estados Unidos, por exemplo. Já, de fato, alarmantes, são os índices de consumo de dro­gas legais, como o álcool e o fumo.

"Alarmantes,

de fato,

cinco séculos de uma história que fez do Brasil o país que ele é hoje. Mas alinha-se entre aquelas que, independentemente de uma rou­pagem mais ou menos formal, mais ou menos sofisticada, querem pro­vocar reflexão e são passíveis de se­rem aprofundadas, desdobradas.

são os índices

de consumo

Essas são revelações do estudo que é tema de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, baseado num le-

de drogas legais:

álcool e fumo" Finalmente, como tem ocorrido

sistematicamente nas edições mais re­centes de Pesquisa FAPESP, por força da impressionante dinâmica do pro­

vantamento feito nas 24 maiores cidades do Estado de São Paulo e que já forneceu a seus autores ma-terial suficiente para um livro, com lançamento programado para o mês de maio. Os pesquisado­res pretendem ampliar o estudo para todo o país, providência que poderá se mostrar extremamen­te útil para fornecer novas bases empíricas às po­líticas relativas às drogas e até para corrigir falsas impressões difundidas na opinião pública.

Pesquisa FAPESP também concede um bom espaço a outra importante pesquisa cujos resulta­dos subvertem algumas noções do senso comum. Trata-se do projeto Rurbano, um extenso estudo sobre o mundo rural brasileiro, que já foi algumas vezes objeto de reportagens na imprensa nacional, mas que continua avançando na análise do pro­cesso de transformação sócio-econômica do cha­mado campo, para mostrar que cada vez menos rural e agrícola são equivalentes no Brasil. O rural é, na verdade, muito maior que as atividades agrí-

. grama Genoma patrocinado por esta fundação, voltamos a publicar, neste número, matérias dando conta dos

avanços obtidos nesse front no caso, nos projetos Genoma Humano do Câncer, Genoma-Cana e até mesmo no já concluído projeto da Xylella fastidiosa -porque, graças à expertise acumulada, os pesqui­sadores da ONSA foram convidados a seqüenciar, junto com colegas norte-americanos, o genoma de uma variante dessa bactéria que afeta as videiras da Califórnia. Mas não poderíamos deixar de regis­trar na seara da genômica os resultados da pesquisa feita em Minas Gerais, e altamente significativa para o país, sobre o padrão genético dos brasileiros bran­cos (de fato, fortemente índios). E para concluir: de última hora, chegou-nos a informação de que a Na­ture publicará brevemente o artigo científico dos pes­quisadores brasileiros sobre o genoma da Xylella fastidiosa. A solução editorial foi incluir uma linha sobre isso na notícia que dá conta da parceria com os Estados Unidos, provocada pela X. fastidiosa.

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 5

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MEMÓRIAS

Os cem anos de Manguinhos Instituição revolucionou o jeito de enfrentar os problemas de saúde pública

Cidades vivendo epidemias, portos insalubres que afastavam navios de bandeira estrangeira, hospitais lotados de doentes. Era assim que o Brasil entrava no século 20. Criada em 25 de maio de 1900 como Instituto Soroterápico Federal, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi a resposta

encontrada pelo govv€e:r:n:o _ _ !5~~~~~· para a caótica ,. situação da saúde pública. De produtor de vacinas nos primeiros anos de funcionamento, a Fiocruz, que está completando o pnme1ro centenário, passou a dedicar-se à pesquisa e à medicina experimental, trazendo para o Brasil as novidades consagradas na Europa da revolução pasteuriana, com a sua definição do papel dos micróbios na transmissão de doenças. O sanitarista Oswaldo Cruz, diretor a partir de 1902, foi o principal articulador dessa política que usava os conhecimentos da microbiologia em saúde pública. Ele pôs em prática memoráveis campanhas de saneamento, principalmente no Rio de Janeiro, livrando a cidade de surtos e epidemias. Em 1904, enfrentou oposição da imprensa e de setores da sociedade até explodir a "Revolta da Vacina': levante popular contra a vacinação antivariólica. Tempos depois, a erradicação da varíola

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Manguinhos no início do sécu lo. À esq., O swaldo Cruz

Carlos Chagas em exped ição pelo interior

do país, em 191 2

por meio da imunização mostrou que Oswaldo Cruz estava certo. Em sua homenagem, Manguinhos foi rebatizado, em 1908, como Instituto Oswaldo Cruz. Nas anos seguintes, os cientistas da Fiocruz, com Oswaldo Cruz e Carlos Chagas à frente, voltaram a se destacar através de expedições científicas ao interior do país. Nas décadas de 50 e 60, a Fiocruz defendeu a criação do Ministério da Ciência. Mas o governo priorizava a produção de vacinas e a polêmica acabou gerando, em abril de 1970, o chamado "Massacre de Manguinhos", a aposentadoria e a cassação de dez dos mais renomados

~ cientistas da instituição u

g pelo regime militar. A trajetória da Fiocruz foi marcada por importantes contribuições científicas. A descoberta da doença de Chagas, em 1909, por Carlos Chagas, foi uma das mais destacadas. Outro avanço foi a descoberta do tratamento das leishmanioses por Gaspar

Vianna, em 1910, que mudou o prognóstico dessa doença que matava de 70% a 90% dos infectados. A identificação do micróbio causador de um tipo de tifo e a descrição por Adolpho Lutz do fungo causador da paracoccidioidomicose, ou mal de Lutz, são outras contribuições. O trabalho da Fiocruz não se limitou à saúde pública. Em Manguinhos, descobriu-se o inseto responsável pela broca do café e o uso pioneiro do controle biológico dessa praga. Os cientistas da Fiocruz também foram os primeiros a isolar no país os vírus da hepatite A, da Aids e da dengue.

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OPINIÃO

JOSÉ GALIZIA TUNDISI

Novas perspectivas e desafios Os fundos setoriais para a pesquisa podem transformar o país

A recente criação, pelo governo federal, de um conjunto de fundos setoriais para o desen­volvimento científico e tecnológico, sem dú­

vida deverá ter um impacto positivo extremamente importante na ciência e tecnologia do Brasil. Após quase 50 anos de um sistema de apoio à ciência e tecnologia, que começou formalmente em 1951, com a implementação do Conselho Nacional de Pesqui­sas (CNPq), da FAPESP, em 1961, e da Finep, em 1973, o Brasil passa por uma fase de transição na formulação de políticas públicas de apoio ao desenvolvimen-to com base em ciência e tecnologia.

A criação dos fundos setoriais deve resolver um dos problemas mais cruciais do financiamen­to, que é a falta de continuidade e a instabilidade na alocação de recursos para o fomento à C&T. Quando na presidência do CNPq, procurei resol­ver esse problema, implementando ações conjun­tas com algumas Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais e elaborando projetas nas áreas de Saú­de, Meio Ambiente e Agricultura, para comparti-

lhá-los com os vários setores dos respectivos Ministérios.

Outro destaque importante da criação dos fundos setoriais é a clara

A constituição desses fundos sinali­za que o governo federal considera estratégico o apoio à ciência e tecno­logia, à ampliação da capacidade de produzir conhecimento e à acele­ração das interações universidade­indústria com o apoio decisivo à inovação. É também auspicioso as­sinalar que o apoio à infra-estrutu­ra está contemplado nesse esforço.

"A medida definição de prioridades, o que deve acelerar o desenvolvimento de algu­mas áreas estratégicas, como Saúde, Agricultura, Energia e Recursos Hí­dricos, entre outras.

sinaliza que o

governo federal Há, atualmente, um número

crescente de Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais que estão se consolidando, o que permitirá efe­tiva mobilização de recursos com-

considera

estratégico o

apoio à C&T " A produção científica do Brasil

foi a segunda maior no período de 1995 a 1998 entre 34 países pesqui-sados pelo SCI. Em 1998, o Brasil já ocupava o 21 o lugar na produção de conhecimento (com base no número de artigos cien­tíficos e técnicos publicados- dados do SCI 1999). O sistema de formação de recursos humanos cons­titui um respeitável conjunto de bolsas de várias categorias. Esse sistema não tem paralelo na Améri­ca Latina, e é citado como exemplo em muitos países.

Todas essas conquistas são importantes, mas não são suficientes para o desenvolvimento do Brasil. É necessário ampliar a base quantitativa do sistema, consolidar centros de excelência e estimular em grande escala a interface universidade-indústria. Também há problemas de disparidades regionais que necessitam de solução adequada e de longo prazo. O conjunto de fundos deve, também, dar condições para uma melhor integração entre os vários progra­mas existentes no país em nível federal e estadual.

. partilhados, para resolução de pro­blemas em nível regional.

O grande desafio que esses fun­dos devem promover é um sistema moderno e dinâmico, adequado de

administração e revisão, com apoio decisivo da co­munidade científica, tecnológica e empresarial qua­lificada e implantação de mecanismos eficientes e inovadores do peer-review system, que deve ser o pilar do processo. Os fundos são excelente notícia e podem acelerar a transformação do País, conso­lidando os ganhos já realizados na área de ciência e tecnologia e promovendo novos patamares de de­senvolvimento econômico e social para o Brasil.

]OSÉ GALIZIA TUNDISI foi presidente do CNPq (1995-

1998) e é atualmente secretário Municipal de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Car­

los e presidente do Instituto Internacional de Ecologia

em São Carlos.

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 • 7

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CIÊNCIA

BIOLOGIA MOLECULAR

Genoma Câncer amplia metas Projeto dobra o número de seqüências e antecipa prazo de conclusão

O projeto Genoma Humano do Câncer - iniciado em março

do ano passado com financiamento da FAPESP em parceria com o Insti­tuto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer- vai dobrar o número de se­qüências de regiões importantes do genoma humano que pretende iden­tificar. Estipulada inicialmente em 500 mil até abril de 2001, a meta ago­ra é atingir 1 milhão, em um prazo me-

nor - até o final deste ano. Para che­gar lá, os 30 laboratórios em opera­ção devem ganhar reforços, tanto na equipe, hoje de 150 pesquisadores, quanto nos equipamentos, e outros centros de seqüenciamento podem ser incorporados ao projeto. Preten­de-se também tornar ainda mais efi­ciente a identificação de genes, uma etapa crucial do trabalho, realizada nos centros de bioinformática.

O Genoma Humano do Câncer deve ganhar também as primeiras aplicações práticas, por meio do sub­projeto Genoma Clínico do Câncer, sujeito aos ajustes finais mis próxi­mas semanas. Essa nova vertente do trabalho vai se abrir à participação de

No coração dos genes

médicos cujo conhecimento possa contribuir com o desenvolvimento de diagnósticos precoces e novos procedimentos terapêuticos, a partir das informações já disponíveis. De todo modo, os planos devem dobrar o orçamento do projeto, para o qual a FAPESP e o Instituto Ludwig desti­naram cerca de US$ 1 O milhões. "É preciso responder à percepção de que há uma nítida oportunidade para dar uma contribuição relevante para o Genoma Humano e para o estudo do câncer", comenta José Fernando Pe­rez, diretor científico da FAPESP.

A expansão do projeto apóia-se em resultados. Sob a coordenação do Instituto Ludwig, os pesquisadores

O método Orestes faz o seqüenciamento de trechos das porções codificadoras -localizadas na região central dos genes - com alta densidade de informações

O O DNA e os genes

A maior parte do DNA éo ----­chamado DNA não­codificador, sem função definida

Os segmentos coloridos representam trechos de genes (exons) que vão se juntar para formar uma molécula de RNA mensageiro, que permite a síntese de proteínas

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8 O RNA mensageiro A partir do DNA, os organismos produzem moléculas de ácido ribonucléico mensageiro (mRNA), molécula intermediária entre o DNA que contém a informação genética e as proteínas que vão formar os organismos.

Há RNAs mensageiros diferentes em cada tecido ou fase do desenvolvimento biológico. O mRNA serve de molécula-molde para a geração das ESTs (Expressed Sequence Tags ou Etiquetas de Seqüências Expressas)

As regiões regulatórias (nas pontas) contêm informações que promovem a síntese de proteínas. Em geral, são ricas em adeninas e ti minas

A região codificadora contém as informações necessárias para a produção de proteínas. É a parte mais importante do gene. Tem de 2 mil a 3 mil nucleotídeos, com uma alta densidade de

A ponta 5' é formada por cerca de 300 nucleotídeos

extremidades da região regulatória, a ponta 3', contém cerca de SOO nucleotídeos

Durante a síntese do mRNA, na ponta 3', são adicionadas de 200 a 600 adeninas, a cauda poli-A

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atrelaram-se a um ritmo de trabalho altamente produtivo, que fez com que as metas fossem ultrapassadas. Até o início de maio, o grupo brasileiro de­verá ter acumulado informações a respeito de cerca de 300 mil seqüên­cias do genoma humano- os labora­tórios produzem cerca de 2.500 no­vas seqüências por dia. Se, por uma fatalidade, o trabalho tivesse de parar no estágio em que se encontra, oBra­sil já desfrutaria uma posição de des­taque entre os primeiros grupos de estudo do genoma humano. Ainda não há um método consensual que peneire os genes dessa massa de in­formações, mas calcula-se que possa haver cerca de 45 mil genes no ma­terial já analisado, algo próximo da metade dos estimados 100 mil genes do genoma humano.

Câncer de mama - Estima-se que um terço das informações proces­sadas sejam mundialmente inéditas.

O método tradicional

Portanto, há um material passível de patenteamento, que poderia assegu­rar a autonomia no desenvolvimento de novos diagnósticos ou medica­mentos. No dia 6 de abril, seguiu para a filial do Ludwig em Londres a documentação necessária para a soli­citação de patenteamento internacio­nal do primeiro gene resultante desse projeto, a RNA helicase, descoberto no início de 1999, pouco antes da constituição do projeto conjunto com a FAPESP. Os autores do pedido de patente - o bioquímico Andrew Simpson, coordenador do projeto, e os biólogos Emmanuel Dias Neto e Anamaria Camargo - já haviam verificado que a RNA helicase tem uma expressão intensa em câncer de mama. Este ano, comprovaram que ele é único, sem similaridade com qualquer outro gene humano. É, sim, muito semelhante a um da mosca­de-fruta, a Drosophila melanogaster, cujo genoma completo - com 160

milhões de pares de bases e estima­dos 13.600 genes - foi apresentado no final de março por um grupo de pesquisadores do Instituto Médico de Howard Hughes e da empresa Celera Genomics, dos Estados Uni­dos. O acúmulo de evidências moti­vou os pesquisadores do Ludwig em São Paulo a trabalhar até chegar à seqüência completa do gene, com 1.889 nucleotídeos.

"Estou realmente entusiasmado com os resultados': observa Marcelo Bento Soares, pesquisador da Uni­versidade de Iowa, dos Estados Uni­dos, e um dos integrantes do Steering Commitee, o comitê externo de avalia­ção. Soares, que esteve em fevereiro no Brasil, aponta cinco benefícios es­tratégicos propiciados pelo projeto brasileiro. Primeiro, a quantidade de dados relevantes para a comunidade científica mundial, "de modo como só os grandes projetos internacionais proporcionam". Segundo, o fato de o

O As etapas iniciais de seqüenciamento

Para gerar as ESTs, o seqüenciamento é feito a partir das extremidades das moléculas inseridas nos plasmídeos O O seqüenciamento

As moléculas de mRNA correspondem aos genes expressos em um dado momento Esses genes são seqüenciados após a síntese in vitro de moléculas de cDNA, (DNA complementar ao mRNA).

Os cDNAs são inseridas nos plasmídeos (DNA circular sintético, no qual é inserido o material que se pretende estudar) para a construção das bibliotecas de cDNA.

A diferença básica entre a metodologia tradicional e o Orestes é a construção das bibliotecas de cDNA

Bibliotecas tradicionais de cDNA são construídas a partir de poli-Ts (conjunto de timinas). Os poli­Ts permitem a síntese do cDNA completo, de ponta a ponta

O método Orestes

Para a construção das bibliotecas de cDNAs, a região inserida no plasmideo é a porção central dos RNAs mensageiros. Isso é possível porque, na etapa anterior (a síntese e amplificação de cDNAs) empregam­se oligonucleotídeos (primers) sintéticos de seqüência aleatória de adeninas, timinas, citosinas e guaninas

Como a população de genes clonados reflete a de genes expressos, os genes mais freqüentes são seqüenciados repetidas vezes, dificultando a descoberta de genes raros. Se um gene foi eficientemente copiado em cDNA, as ESTs obtidas serão derivadas apenas das pontas 3' e 5'

Em Orestes, os oligonucleotídeos, com IS a 20 nucleotídeos, se ligam de modo parcialmente complementar às moléculas de mRNA e de cDNA durante a reação de transcrição reversa, quando o mRNA serve de molde para a síntese de cDNA

Como os primers não são ancorados nas extremidades dos RNAs mensageiros, é favorecida a síntese da porção central e mais informativa dos genes

Os plasmideos são retirados das bactérias e os fragmentos de cDNA são decodificados por meio de seqüenciadores de DNA, usando enzimas e nucleotídeos fluorescentes. A leitura no seqüenciador reconstitui a seqüência nucleotídica original

As reações de seqüenciamento geram trechos contínuos de 400 a 500 nucleotídeos

Fonte: Emmanuel Dias Neto, Instituto Ludwig

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 9

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grupo "ter se proposto metas ambiciosas, que estão excedendo". O ter-

Genes raros e abundantes

ceiro ponto que ele des­taca é a aproximação en­tre o Ludwig Brasil e internacional e a comu-

Distribuição de abundância de RNA mensageiro em uma célula

Abundância Cópia por N° de Abundância célula mRNA de cada

(média) por célula mRNA

Abundantes 12.000 < lO 3% nidade científica nacio­nal, por meio da FA­PESP. O quarto: a demonstração de que é possível coordenar gru­pos de instituições dis­tintas, de modo bastante produtivo. E, por fim, o

Intermediários 300 soo <0,1%

Raros lO 11 .000 <0,004%

Fonte: Huang GM et ai, Prostate cancer expression profil ing by cDNA sequen­cing analysis, Genomics, 15 de Julho de 1999, p. 185

fato de a FAPESP ter tomado a lide­rança e proposto o desenvolvimento do programa, como já faz o National Institute of Health dos Estados Uni­dos, em vez de esperar a demanda dos cientistas. "Em breve, quando as seqüências do projeto brasileiro fo­rem colocadas inteiramente à dispo­sição da comunidade científica inter­nacional, o impacto será grande", antecipa Soares.

21). O mapeamento do cromossoma 22 - apresentado com alarde por re­presentar o resultado inaugural do Projeto Genoma Humano, um con­sórcio internacional de centros de pesquisa que pretende identificar os 23 cromossomas do genoma huma­no até 2002 - ganhou as páginas da revista Nature do dia 2 de dezembro de 1999. Assinado por 217 pesquisa­dores dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Japão, o artigo descre­ve 545 genes, quase a metade dos es­timados 1.000 desse cromossoma.

O biólogo Sandra José de Souza, coordenador de bioinformática do Genoma Humano do Câncer, soube da preparação do artigo algumas se­manas antes de sua publicação. Ao perceber que o cromossoma 22 era uma oportunidade para pôr em f>rá-

tica a metodologia empregada no projeto paulista, foi à luta. Cha­mou sua equipe do Ludwig e pla­nejou o trabalho, que terminou ainda em dezembro, de modo gratificante. "Conseguimos iden­tificar cerca de 100 genes que o resto do mundo não descobriu", festeja o pesquisador. Louve-se também o aproveitamento do material disponível. Segundo Souza, o reconhecimento de ge­nes do cromossoma 22 baseou-se em apenas 100 mil seqüências, 15 vezes menor do que a base de da-

dos sobre a qual trabalhou a equipe do artigo da Nature.

Não se trata de seguir à sombra ou de ir contra o mundo- tanto que já se tem como certo que o projeto paulista, daqui para a frente, seguirá uma trilha internacional, a da busca e interpretação apenas dos genes transcritos ativos e de suas varian­tes, os chamados transcriptons. É uma forma de concentrar o traba­lho nos trechos relevantes dos ge­nes, os chamados exons, sem incluir as partes apenas estruturais, os ín­trons, que não levam à formação de proteínas. Devem, portanto, residir nos transcriptons as informações mais importantes para entender a genética do câncer. "Interpretar os transcriptons é o atual desafio do mundo inteiro", diz Simpson.

Não deve tardar. Já estão em do­mínio público cerca de 65 mil se­qüências e até junho o Ludwig deve completar 250 mil seqüências depo­sitadas nos bancos internacionais de DNA, o que tornará a informação obtida no Brasil disponível para os centros de pesquisa do mundo todo. Essa providência não foi tomada an­tes- a despeito do compromisso ini­cial entre as instituições de pôr tudo no domínio público (uma posição reiterada em março pelo presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e semanas depois pelos cientistas da Academia Nacional de Ciências do Estados Unidos e da Real Sociedade de Londres) -porque se pretendia anali­sar um pouco melhor as descobertas.

A corrida pelo mapeamento

Achados no cromossoma 22 - A equipe que trabalha em São Paulo não apenas acompanha a corrida mundial do genoma humano, mas também tem encontrado novidades até mesmo em espaços percorridos por grupos de pesquisas internacio­nais. É o caso do cromossoma 22, o segundo menor entre os 23 do geno­ma humano (o menor de todos é o

I O • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Ainda não se pode dizer se o ge­neticista Craig Venter, presidente da empresa norte-americana Cele­ra Genomics, entrou efetivamente para a h istória ao anunciar, no dia 6 de abril, a conclusão da primeira etapa do seqüenciamento do geno­ma humano: a leitura dos 3,5 bilhões de pares de nucleotídeos ou bases (adenina, timina, citosina e guani­na) do genoma humano.

A notícia causou impacto no mundo todo, por indicar que a ini­ciativa privada poderia vencer a corrida para o seqüenciamento do

genoma humano, da qual partici­pam, principalmente, instituições públicas de pesquisa. Mas ainda falta muito trabalho para identifi­car, nas bases já listadas, os cerca de 100 mil genes humanos, cada um deles com um arranjo único de cerca de 3 mil nucleotídeos. Os ge­nes ocupam apenas 3% da molécu­la de DNA, constituído quase inte­gralmente por regiões sem funções definidas, prováveis resquícios evo­lutivos do genoma humano.

Segundo os especialistas, o que Venter fez até agora pode ser com-

Page 11: Drogas: mitos desfeitos

No início de abril, ao encontrar-se com os coor­denadores dos laboratórios para tratar das possibilida­des de divulgação dos re­sultados obtidos em publi­cações científicas, Simpson comentou que estava orgu­lhoso não apenas pelas descobertas, mas também pela maneira como estão trabalhando. A satisfação e os resultados obtidos até o momento devem-se ao em­prego de uma técnica iné­dita de seqüenciamento, o Orestes, sigla de Open Rea­ding Frames EST Sequences.

Soares: previsão de grande impacto internacional do projeto

geralmente está dividida em diversos pedaços ao longo da molécula de DNA - os exons. O mecanismo de splicing, descoberto em 1977 pelo químico norte-ameri­cano Phillip Sharp, prêmio Nobel de 1993, que em se­tembro esteve no Brasil (ver Notícias FAPESP no 46), junta os exons. Souza conta que, por um processo de splicing alternativo, é possí­vel que mais de uma proteí­na se forme a partir do mes­mo gene com a inclusão ou exclusão de um ou mais

Criado por Simpson e pelo biólogo Emmanuel Dias Neto, aperfeiçoado nos últimos oito anos e amadureci­do ao longo do Genoma Xylella, o Orestes busca genes expressos (ati­vos), os transcriptons - uma abor­dagem mais do que oportuna quan­do não se pensa mais em investigar o genoma inteiro, mas apenas esses trechos ativos dos genes.

Abordagem incomum - Em vez de ler o gene a partir das pontas, como os métodos em uso em outros países, o método Orestes concentra-se nas informações que se encontram na região central da molécula de RNA mensageiro e, desse modo, tem mais

parado a uma fotografia na qual não se distinguem pessoas, bone­cos, rochas ou árvores. Ele teria agora de distinguir cada elemento da foto e, mais ainda, descobrir a profissão de cada pessoa. Mesmo assim, Craig, que trabalhou com base no genoma de uma pessoa, diz que tem condições de concluir a se­gunda parte do trabalho dentro de dois meses, por meio de análises feitas por computadores de alto de­sempenho. Há alguns anos, ele compete no seqüenciamento gené­tico humano com o Projeto Geno­ma Humano, um consórcio públi­co que conta com financiamento

condições de encontrar genes raros. É uma busca insana. Em cada célula, conta Dias Neto, há em média 11.000 genes raros, cada um copiado apenas dez vezes. No extremo opos­to, há menos de dez genes abundan­tes, ainda que possa haver cerca de 12.000 duplicatas de cada um deles. Em mil genes, há 99,9% de chance de encontrar um gene abundante e 0,00001% de achar um raro (ver ta­bela). E há casos em que as funções mais importantes para o organismo são cumpridas pelos raros, que às ve­zes só agem em combinação com outro, também raro.

Para complicar um pouco, a parte codificadora de um gene qualq1.1er

público, já seqüenciou cerca de 2 bi­lhões de pares de bases e pretende anunciar em maio um rascunho completo do genoma humano.

Num encontro de cientistas no Ca­nadá, na semana seguinte, Francis Collins, do Instituto Nacional de Pes­quisa sobre o Genoma Humano, dos Estados Unidos, reconheceu o esfor­ço da Celera, mas lembrou que o tra­balho foi feito com apenas três - e não dez, conforme os procedimentos científicos internacionalmente reco­nhecidos - releituras da seqüência de bases. Segundo ele, "ninguém vai conseguir completar o seqüencia­mento nos próximos dois anos".

exons. "O método Orestes contribui para a identificação dessas variantes de splicing', conta Souza. Uma dessas variações foi encontrada no cromossoma 22: um transcrito do gene fosfatidil-4-kinase, responsável pela formação de uma enzima que adiciona um átomo de fósforo a ou­tras proteínas, foi encontrado com um exon a menos do que a forma co­nhecida.

Ao contribuir no desenho do genoma humano e acenar com uma melhor compreensão dos mecanis­mos genéticos do câncer, o Orestes tem conquistado o respeito interna­cional e feito Simpson viver dias de emoção intensa. No início de feverei­ro, ele conta, havia sido muito bem recebida sua apresentação sobre as descobertas brasileiras do cromosso­ma 22 no Genomics Two Thousands, um encontro realizado na Flórida, Estados Unidos, que tratou dos avan­ços na pesquisa de genomas huma­nas e de bactérias.

No final de abril, outra dose de contentamento. No dia 28, uma sex­ta-feira, saiu o artigo publicado na revista Proceedings of The National Academy of Sciences, a PNAS, dos Estados Unidos, por indicação do próprio Phillip Sharp. Pàra comple­tar, no dia 29 a equipe de Simpson chegaria à marca de 250 mil seqüên­cias identificadas. "Sinto que o cená­rio internacional do genoma está mudando, a nosso favor", comenta Simpson. •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • li

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CIÊNCIA

Efeitos práticos: genes identificados podem ampliar a produtividade dos canaviais

BIOLOGIA MOLECULAR

Achados preciosos Genoma Cana acumula informações sobre 42 mil genes inéditos

O Projeto Genoma Cana-de­Açúcar (Sucest) - financiado

pela FAPESP em parceria com a Co­operativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar)- poderá chegar a 85% de seus objetivos até o final de maio, o equivalente a 100 mil se­qüências válidas ou 42 mil genes úni­cos, exclusivos da planta, com uma parte deles nunca relatados em qual­quer outro tipo de vegetal. O projeto deverá antecipar-se ao cronograma inicial em pelo menos seis meses e concluir até o final deste ano o se­qüenciamento dos cerca de 50 mil genes de maior interesse científico ou econômico, associados a característi­cas específicas da planta, como o me­tabolismo do açúcar e a resistência a doenças. Estão agora razoavelmente conhecidos muitos dos genes da cana

12 · ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

responsáveis pela resistência a fungos e vírus, além daqueles que desenca­deiam uma produção mais intensa de álcool e açúcar.

O biólogo Paulo Arruda, coorde­nador de DNA do projeto e diretor do Centro de Biologia Molecular e En­genharia Genética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), lembra que o rápido avanço do se­qüenciamento abre espaço para uma série de medidas voltadas para a in­tensificação da fase final do projeto, o chamado data mining (prospecção e comparação de dados) . Uma delas é a incorporação de novos laborató­rios de todo o País, de acordo com o edital lançado em abril. "Vamos se­lecionar novos grupos interessados em utilizar o banco de dados do Su­cest para pesquisas básicas e aplicadas não só na área agronômica, mas tam­bém na agroindústria': diz Arruda. O prazo para a apresentação das pro­postas dos laboratórios termina em 25 de maio.

Comparações - No Instituto de Bio­ciências da Universidade de São Pau-

lo (USP), a equipe de Carlos Martins Menck já trabalhava na identificação de genes de reparo do DNA antes de integrar-se ao Genoma Cana. "Inicia­mos buscas de genes da cana que se­jam homólogos a genes de reparo de DNA humanos, que estão envolvidos na manutenção da integridade do ge­noma celular, tanto em seres huma­nos quanto em plantas': diz ele.

Sua equipe já conhece 130 genes de reparo, 70% deles encontrados no genoma de cana. "Partimos agora para o seqüenciamento completo para definir se temos, ou não, os ge­nes buscados': diz Menck. Esse traba­lho pode ajudar a entender melhor algumas doenças graves dos seres hu­manos. Por exemplo, um dos genes identificados na cana, o BRCA1, em humanos, quando mutado, pode le­var ao câncer de mama.

Os dados recolhidos também são estimulantes entre as equipes dedica­das ao estudo de fatores genéticos re­lacionados à produção de açúcar, com evidentes conseqüências macro­econômicas. É o caso do grupo coor­denado por Eiko Izioka, na Universi­dade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, que descobriu 180 genes envolvidos na resistência a fungos, bactérias e vírus e a estresse ambien­tal, que indiretamente asseguram melhor produtividade.

Já o grupo que analisa o ciclo ce­lular e o metabolismo da cana, lide­rado por Paulo Cavalcanti, da Uni­versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também chegou a descober­tas inéditas a respeito da assimilação e fixação de nitrogênio.

Outro resultado animador: já es­tão identificadas seqüências de 144 dos 339 genes relacionados com a metabolização de sacarose, segundo Eugênio César Ulian, da seção de bio­logia molecular da Copersucar. "Iden­tificamos também todos os genes envolvidos com a produção e degra­dação de açúcares que a cana ou não produz ou produz em quantidades muito reduzidas': diz ele. Encontra-se igualmente listada uma série de ge­nes envolvidos na fixação do carbono e na síntese de sacarose. •

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CIÊNCIA

DEMOGRAFIA

Marcas genéticas da . . -m1sc1genaçao

Estudo avalia a herança indígena, negra e européia nos brasileiros brancos

Três em cada cinco brasileiros, o equivalente a cerca de 95 mi­

lhões de pessoas, carregam em cada célula do corpo uma herança genéti­ca que provém dos índios ou dos afri­canos e se preser­vou por meio das mães ao longo das gerações. 11esmo que não se traduza necessariamente em traços do rosto ou na cor da pele, a miscigenação entre os povos forma­dores do Brasil é mais intensa do que se imaginava, como

Verificou-se que cerca de 60% das matrilinhagens (linhagens maternas) são de origem ameríndia ou africana, enquanto a maioria, mais de 90%, das patrilinhagens dos brancos brasilei­ros é de origem européia - portanto, apenas um em cada dez brasileiros brancos tem um ascendente paterno negro ou índio. Entretanto, pelo lado materno, seis em cada dez têm ascen­dência negra ou índia. A herança ma­terna, especificamente, é constituída por 33% de linhagens ameríndias, 28% de africanas e 39% de européias, com variações de região para região. No Sul, predomina a linhagem euro­péia, e no Nordeste, a africana.

"Embora desde 1500 o número de nativos no Brasil tenha se reduzi­do a 10% do original (de cerca de

demonstrou um Sérgio Pena: marcas da miscigenação

3,5 milhões para 325 mil), o núme­ro de pessoas com DNA mitocondrial ameríndio aumen­tou cerca de 1 O ve­zes", relatam os au­tores da pesquisa. As patrilinhagens, muito semelhan­tes à distribuição genética verificada em Portugal, exi­bem uma variabi­lidade que reflete a formação do povo ibérico, para a qual grupo de pesquisa-

dores da Universidade Federal de 11i­nas Gerais (UF11G) num artigo pu­blicado na Ciência Hoje de abril.

A equipe, coordenada pelo geneti­cista Sérgio Danilo Pena, analisou a for­mação genética da população a partir do DNA de 200 brasileiros brancos, de diversas origens e regiões do país. Como marcadores biológicos, os pes­quisadores examinaram a variação do cromossoma Y, exclusivamente mas­culino. Nas mulheres, estudaram o DNA mitocondrial, encontrado nas mitocôndrias, uma organela da célu­la, e considerado um dos indicadores mais precisos da herança materna (a mitocôndria paterna se perde duran­te a fertilização do óvulo).

contribuíram celtas, fenícios, gregos, romanos, judeus e, especialmente, mouros, que ocuparam o território luso durante 700 anos.

A genética complementa os e'stu­dos históricos e sociológicos sobre miscigenação, que começou quando os portugueses chegaram - e, sozi­nhos, estabeleciam relações infor­mais com as índias. O estudo tam­bém questiona o termo raça. Para os cientistas, é cientificamente incon­sistente, ainda que adotado larga­mente, e deveria ser substituído por etnia. Segundo os pesquisadores, "não há na Terra nenhum grupo hu­mano biologicamente (nem cultu­ralmente) homogêneo". •

IMUNOLOGIA

Defesa programada contra o câncer

Vacina em estudo faz o organismo deter as células tumorais

O médico Fernando Kreutz, da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS), pode ter aberto uma alternativa no tratamen­to do câncer ao desenvolver um novo método. de produção de vaci­nas autólogas (com células do pró­prio paciente). Sua abordagem con­siste na alteração da expressão de uma proteína da superfície das célu­las tumorais. Ao funcionarem como antígenos, as células serão atacadas como os vírus e bactérias de qual­quer vacina. "O organismo deve re­conhecer as células e desencadear a resposta imunológica", diz o pesqui­sador, que solicitou a patente desse processo. Para Kreutz, que viveu sete anos no Canadá, onde fez o doutora­do e trabalhou numa empresa de biotecnologia, as células tumorais passam despercebidas no organismo porque o sistema imunológico não consegue detectá-las.

Por meio de sua empresa, a JK­Biotecnologia, ligada à Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), Kreutz pretende inici~r ainda este ano os tes­tes de toxicidade e eficácia da vacina com pacientes do Hospital das Clíni­cas de Porto Alegre. Até o momento, a pesquisa contou com o apoio do Centro de Biotecnologia da UFRGS, da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e da Fundação Soad. Segun­do ele, o método funcionou em célu­las de laboratório e houve regressão de tumor de cólon nos experimentos feitos com camundongos. •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 13

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14 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

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CAPA

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 15

Page 16: Drogas: mitos desfeitos

A o contrário do que sugere aquele ce­nário de camburões e tarjas pretas que aparece na imprensa toda vez que se fala do assunto, as drogas que mais devastam os brasileiros podem ser

expostas nas cristaleiras ou consumidas em festas de família. Nas maiores cidades do Estado de São Paulo consomem-se álcool e cigarro em níveis tão altos quanto nos Estados Unidos, mas o uso de ma­conha, cocaína, crack e outras substâncias ilegais permanece em patamares tão baixos quanto os de outros países da América Latina. Essa percepção,

que soa como um argumento para legitimar o consumo da maconha, é uma realidade que acaba de ser confirmada e medida num estudo realizado em 1999 nas 24 cidades do Estado de São Paulo com mais de 200 mil habitantes. Trata-se da pri­meira etapa do Levantamento Nacional Domicili­ar sobre Uso de Psicotrópicos, desenvolvido com recursos da FAPESP (R$ 210,1 mil) por pesquisa­dores do Departamento de Psicobiologia da Esco­la Paulista de Medicina-Universidade Federal de São Paulo e do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid).

O grupo de autores, formado pelo professor de Psicofarmacologia Elisaldo Carlini, pelo psiquiatra José Carlos F. Galduróz, pela farmacêutica Solange A. Nappo e pela psicóloga Ana Regina Noto, já de­senvolveu importantes pesquisas sobre o consumo de drogas em grupos sociais específicos, como es­tudantes e meninos de rua. As conclusões do Le­vantamento Domiciliar retratam a atitude do bra­sileiro médio, morador das grandes cidades, diante do assunto. Além de mais abrangentes, são dados mais atuais e aprofundados do que os gerados por outras fontes de pesquisa- registras de internações hospitalares, de atendimento ambulatorial, do Ins-

16 · ABRil DE 2000 • PESQUISA FAPESP

tituto Médico Legal e de apreensões de droga pela polícia. Foram ouvidas 2.411 pessoas de 12 a 65 anos de todas as classe sociais e o levantamento é o primeiro de uma série de outros estudos regionais proposta à Secretaria Nacional Antidrogas. Suas conclusões foram reunidas em livro ( 1 o Levanta­mento Domiciliar Nacional sobre Uso de Drogas Psi­cotrópicas - Parte A: Estudo Envolvendo 24 Cidades do Estado de São Paulo), uma edição Cebrid-Uni­fesp, com lançamento programado para maio.

Já se sabia que o álcool é o psicotrópico de uso mais difundido no País, mas a estridência dos

meios de comunicação ao falar de drogas ilegais sugeria que elas estariam tomando a dianteira como ameaça social. 53% da po­pulação experimenta álcool pelo menos uma vez na vida e uma grande porcentagem dos que be­bem se torna dependente: entre os homens, um em cada seis. Mais silenciado e em muitas instâncias protegido por uma capa de res­peitabilidade, o álcool é consu­mido regularmente - de três a quatro vezes por semana ou, até, todos os dias - por 4,5% da po­pulação pesquisada, ou 673 mil pessoas. Mas não é a freqüência do uso que caracteriza a depen­dência. Há um tipo de consumi­

dor que bebe nos fins de semana, mas é capaz de se abster durante os dias úteis. Segundo o critério adotado no estudo, é considerado dependente quem perde o poder de escolha quanto ao consu­mo. Indica dependência a presença de pelo menos dois sintomas de um conjunto de seis, entre os quais estão gastar muito tempo para obter, usar ou se recuperar do uso de uma substância, perder o controle sobre a quantidade e querer parar. O nú­mero estimado de dependentes nas grandes cida­des do Estado de São Paulo é 981.000 pessoas (6,6%), e a incidência é especialmente alta entre os homens de 18 a 24 anos (18,2%). Entre os depen­dentes de álcool, as queixas mais freqüentes são querer parar ou diminuir (8,3%), beber mais do que gostariam (6,6%) e viver sob efeito do álcool situações de risco físico como dirigir, usar máqui­nas e nadar (3,6%).

"Contribui para o consumo intenso de álcool e de tabaco o estereótipo de que droga é só maconha e cocaína': diz o pesquisador José Carlos Galduróz, que coordenou o levantamento. "Graças a isso, o álcool pode ser anunciado livremente e costuma ser vinculado pela publicidade até à imagem de atletas. A maioria das pessoas nem sequer o consi-

Page 17: Drogas: mitos desfeitos

dera um psicotrópico." Segundo a Organização Mundial de Saúde, no Brasil, há pouco controle da venda de bebidas alcoólicas a menores de idade e a valorização da bebida como indício de maturida­de e de virilidade facilitam o consumo doméstico e precoce. Segundo a pesquisa de 1997 do Cebrid com estudantes de dez capitais brasileiras, 40% dos entrevistados de 12 a 18 anos beberam pela pri­meira vez em casa.

Num levantamento domiciliar, os da­dos podem subestimar a realidade, porque os entrevistados sentem-se inibidos de mencionar em casa to­das as suas experiências. Na pesqui­

sa do Cebrid com estudantes, eles se sentiam mais confortáveis porque preenchiam questionários in­dividuais, em sala de aula, sem a presença dos pro­fessores. Nos estudos com meninos de rua, os pes­quisadores faziam diversos contatos com os futuros entrevistados para ganhar sua confiança, antes que eles respondessem às perguntas. A dis­torção entre a realidade e o relato na pesquisa do­miciliar é mais importante no caso das drogas ilí­citas, cuja menção é constrangedora, mas pode alterar também alguns índices relativos às conse­qüências do uso do álcool. Embora estudos estatís­ticos do Cebrid mostrem que 90% das internações hospitalares por dependência de drogas sejam mo­tivadas por alcoolismo, no Levantamento Domici­liar o item "problemas pessoais" acarretados por uso de álcool foi mencionado por apenas 3,3% dos entrevistados, em quinto lugar entre os seis sinto­mas de dependência que constavam do questioná­rio. Acontecimentos como brigas ou acidentes de carro quase não aparecem no estudo.

As informações sobre consumo de tabaco são também alarmantes. 39% dos habitantes das mai­ores cidades do Estado de São Paulo já fumaram alguma vez. Cerca de 20% - um número estimado em 3 milhões de pessoas - fumam diariamente e chega a quase 10% o número de dependentes de cigarro na população, muitos deles já na faixa dos 12 a 17 anos (3,5% ou 84.000 pessoas). O estudo revela que o desejo de deixar o cigarro cresce com a idade. Na faixa dos 12 aos 17 anos, 5% dos de­pendentes manifesta essa intenção. Entre os fu­mantes de 35 anos ou mais, 20,4% querem parar. Essa é a queixa mais insistente, mencionada por 16%. É mais notável nos homens (18,7%) do que entre as mulheres (13,8%).

Em relação às drogas ilícitas, o Levantamento Domiciliar mostra que o medo que os meios de comunicação alimentam e ampliam é exagerado. Nas grandes cidades paulistas, apenas 11,6% das pessoas utilizaram alguma delas na vida, um con-

Drogas psicotrópicas - uso na vida

Drogas % Intervalo de Confiança 95%

Qualquer Droga 11,6 (10,3- 12,9)

Maconha 6,6 (5,6- 7,6)

Solventes 2,7 (2,0- 3,3)

Cocaína 2,1 (1,6- 2,7)

Estimulantes 1,2 (0,8- I ,7)

Benzodiazepínicos 0,9 (0,5- I ,2)

Orexígenos 0,9 (0,5- I ,2)

Xaropes (codeína) 0,7 (0,4- I ,0)

Alucinógenos 0,7 (0,4- I, I)

Esteróides* 0,6 (0,3- 0,9)

Crack 0,4 (0,2- 0,7)

Sedativos 0,3 (0,1- 0,5)

Anticolinérgicos 0,3 (0,1 - 0,5)

Analgésico Opiáceo 0,2 (O- 0,3)

Merla o (O- O)

Heroína o (O- O)

População estimada

em Intervalo de milhares Confiança 95%

Qualquer Droga 1.720 ( 1.533 - 1.907)

Maconha 979 (834 - 1.123)

Solventes 394 (300- 488)

Cocaína 318 (233- 403)

Estimulantes 183 (118- 248)

Benzodiazepínicos 129 (74- 184)

Orexígenos 126 (72- 181)

Alucinógenos 110 (59- 161)

Xaropes (codeína) 104 (55- 153)

Esteróides* 96 (49- 142)

Crack 61 (23- 99)

Sedativos 49 (IS- 83)

Anticolinérgicos 49 (IS- 83)

Analgésico Opiáceo 22 (-I- 46)**

Me ria o (O- O)

Heroína o (O- O)

*Embora Esteróides Anabolizantes não sejam considerados drogas psicotrópicas. estão aqui elencadas devido ao crescente número de relatos de uso dessas substãncias. ** Baixa pressão

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 17

Page 18: Drogas: mitos desfeitos

Álcool - uso na vida

Drogas (anos)/Sexo

12 a 17

M

F

18 a 24

M

F

25 a 34

M

F

~ 35

M

F

Total

M

F

12 a 17

M

F

18 a24

M

F

25 a 34

M

F

~ 35

M

F

Total

M

F

Observado %

Intervalo de Confiança 95%

35.0 (27,4 - 42,6)

37,7 (30,0 - 45,5)

32,3 (25, 1 - 39,5)

56,5 (48,9- 64,0)

66,0 (58,7- 73,4)

46,9 (40,2- 53,7)

58,6 (52,1 - 65, 1)

67,8 (61,5 -74, 1)

49,7 (44, 1 - 55,3) ----------------

55,6 (55,1 - 60,0)

70,5 (66,3- 74,8)

41,5 (38,0 - 45,0)

53,2 (51,2- 55,1)

63,6 (56,2 -71,1)

43,0 (35,4- 50,6)

População estimada

em milhares

840

454

387

1.518

886

632

2. 106

1.200

906

3.422

2.107

1.314

7.886

4.647

3.239

Intervalo de Confiança 95%

( 658 - 1.023)

(361 - 547)

(300- 473)

(1.315- 1.722)

(787- 985)

(541- 723)

(1.871- 2.341)

( 1.088 - 1.312)

(803 - 1.008)

(3.148- 3.696)

( 1.980 - 2.235)

( 1.204 - 1.424)

(7.602- 8.171)

(4.103- 5.192)

(2.666 - 3.812)

sumo muito mais baixo do que o registrado na Europa e nos Estados Unidos, onde 34,8% da po­pulação já fez uso de alguma droga. Uma parte dos números apurados - referentes a maconha, cocaína, solventes, benzodiazepínicos, estimulan­tes e esteróides anabolizantes- não pôde ser ex­pandida, porque resultou em amostras demasia­do pequenas para ser extrapoladas para a população e referem-se apenas aos 2.411 entre­vistados. Eles indicam, por exemplo, que maco­nha, a droga ilegal mais usada segundo o Levan­tamento Domiciliar, é experimentada por 6,6% dos entrevistados. Nos Estados Unidos esse nú­mero chega a 32%. A parcela dos que já usaram

18 · ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Tabaco - uso na vida

Drogas (anos)/Sexo

12 a 17

M F

18 a 24

M

F

25 a 34

M

F

~ 35

M

F

Total

M

F

12 a 17

M

F

18 a24

M

F

25 a 34

M

F

~ 35

M

F

Total

M

F

Observado %

15,8

18,5

13,0

32.7

34,6

30,8

40,4

46,2

34,9

49,9

60,7

39,7

39,0

45,5

32,7

Intervalo de Confiança 95%

(10,0- 21,6)

( 12,3- 24,7)

(7,8- 18,2)

(25,4 - 40,0)

(27,2 - 42,0)

(24,6 - 37,0)

(33,9 - 47,0)

(39,5 - 52,9)

(29,5 - 40,2)

(45,3 - 54,5)

(56,2 - 65,3)

(36,2- 43 , 1)

(37, 1 - 40,8)

(37,9- 53,0)

(25,6 - 39,8)

População estimada

em milhares

379

223

156

879

464

415

1.454

818

636

3.070

1.814

1.256

5.782

3.319

2.463

Intervalo de Confiança 95%

(240- 518)

(148- 297)

(94- 218)

(683- 1075)

(365- 563)

(331 - 499)

( 1.217 - 1.690)

(699- 937)

(538- 734)

(2.789 - 3.352)

( 1.678 - 1.951)

( 1.147- 1.365)

(5.506 - 6.059)

(2.767- 3.871)

( 1.927- 2.999)

cocaína alguma vez é de 2,1 %, enquanto nos Es­tados Unidos chega a 10%. O uso de crack ficou restrito a 0,4% dos entrevistados, e no público americano a parcela dos que experimentaram é de 2%. O levantamento não registrou nenhum caso de uso de heroína, embora 38% dos entre­vistados tenham declarado que a poderiam com­prar sem dificuldade, se quisessem.

As drogas psicotrópicas ilícitas são percebidas como perigosas e prejudiciais à saúde pela maioria dos entrevistados. 47,8% consideram risco grave tomar 1 ou 2 drinques por semana e 95% acham perigoso beber todo dia. 30% acham que é perigo­so fumar maconha uma ou duas vezes na vida, e se

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a freqüência for diária essa percepção cresce para 96%. Consumir cocaína uma ou duas vezes na vida é risco grave para 62, 7%, e se o uso for diário, para 98,9%. O crack é muito mais temido do que a co­caína: 77,5% acham muito grave o perigo de usar uma ou duas vezes e 99,3%, se o uso for diário.

A diferença entre a realidade e a manei­ra como a população enxerga o con­sumo e o tráfico de drogas no Brasil aparece em diversos momentos da pesquisa Unifesp-Cebrid. Transpare­

ce, por exemplo, na impressão de que é muito fácil comprar qual­quer tipo de droga, que não se confirma na experiência prática dos entrevistados. 70,2% consi­deraram que seria muito fácil con­seguir maconha, caso desejassem, 60% acreditam que teriam facili­dade em obter cocaína e 62,1% que conseguiriam facilmente com­prar crack. 34% acreditam nessa mesma facilidade em relação ao LSD, embora apenas 0,7% façam uso de alucinógenos. Um quinto dos entrevistados afirma ter visto alguém vendendo ou procuran­do comprar drogas nos últimos 30 dias, mas apenas 3,6% disse­ram ter sido abordados por trafi­cantes no mesmo período. O possível temor de se envolver com a questão do tráfico contribui para essa discrepância, acreditam os autores do estudo, mas ela sinaliza também a existência de um imagi­nário da droga, que deforma a percepção da reali­dade. É o que sugere também outro item do levan­tamento: a metade dos entrevistados acredita ter visto alguém embriagado nas redondezas nos últi­mos 30 dias e 38% afirmam ter visto alguém sob efeito de drogas. A se concordar com esse índice, o cenário urbano seria mais ameaçador, com outras conseqüências evidentes.

Alguns aspectos que ainda merecem ser apro­fundados ganharam contornos mais claros no novo estudo. Um deles é o impacto das diferenças de comportamento entre homens e mulheres no consumo de drogas. "É obrigatório que futuras campanhas falem de maneira diferenciada com públicos femininos ou masculinos." Embora inici­almente todos sejam expostos da mesma maneira ao consumo, com o tempo os homens passam a usar muito mais. No caso do álcool, especifica­mente, enquanto um em cada seis usuários do sexo masculino se torna dependente, isso acontece apenas com uma em cada 17 mulheres. Em cada

quatro usuários de maconha, três são homens. Em relação ao tabaco, as mulheres são vítimas prefe­renciais- uma em cada quatro que experimentam cigarro se viciam, contra um em cada cinco ho­mens. Na faixa etária de 35 anos ou mais, há um número discretamente maior de dependentes en­tre as mulheres. Só no caso dos estimulantes (em geral moderadores de apetite, como inibex, hipo­fagin e moderex) nota-se um nítido predomínio feminino - elas consomem quatro vezes mais do que os homens, e os estimulantes entram em quar­to lugar no ranking das drogas mais utilizadas pe-

los entrevistados. A adesão a esses medicamentos pelo público feminino exprime com grande elo­qüência a obrigação social imposta às mulheres de caber num certo modelo físico, a magreza obriga­tória. "Isso já aparecia muito claramente na pes­quisa com estudantes", lembra Galduróz.

O novo estudo Unifesp-Cebrid verificou o IMC, Índice de Massa Corporal dos entrevistados. Dados sobre as parcelas correspondentes a desnutridos, pessoas de peso compatível com a altura (eutrófi­cos) e obesos na população permitiram observar, por exemplo, que o número de obesos é extrema­mente baixo, ao contrário do que sugerem as ven­dagens de moderadores de apetite. O número de pessoas com peso abaixo do que seria ideal para a estatura é especialmente alto entre adolescentes. Na faixa de 12 a 17 anos, 18% dos entrevistados, e em especial as meninas (27,3% do público femini­no), apresentavam IMC semelhante ao de desnutri­dos. No grupo dos maiores de 35 anos, há 5,9% de mulheres de peso abaixo do esperado, contra apenas 0,9% dos homens. A predominância de mulheres no uso de ansiolíticos (benzodiazepínicos)- 1,7%, em contraposição a 1% dos homens- também po­de ser remetida à escravidão da magreza feminina,

PESQUISA FAPESP • ABRil DE 2000 • 19

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porque, freqüente­mente, usa-se esse tipo de remédio para compensar os efeitos tensionado­res do moderador de apetite.

As conclusões do Levantamento Domiciliar ofere­cem um contra­ponto oportuno à conduta dos meios de comunicação que, ao bater ape­nas na tecla do pe­rigo, reforçam o

róz, aconteceu isso com o crack, que chegou às nossas publicações no fi­nal dos anos 80, antes de existir pa­ra os consumidores locais, e está acon­tecendo o mesmo fenômeno com o ecstasy, nota Galdu­róz. A informação . . ngorosa, ass1m co-mo o diagnóstico certo, é fundamen­tal quando se en­frenta o problema

medo e o preconceito. "A opinião geral é a de que usuários de droga sejam pessoas fracas, incapazes de controlar seu comportamento moralmente condenável", aponta o médico Dráuzio Varella em artigo para a revista Carta Capital. Os avanços da neurociência nos últimos anos mudaram radical­mente essas impressões. "A adição é uma doença cerebral na qual o contexto social tem importância crítica", afirma Varella. Não é o que se depreende da estridência das coberturas. Outra conseqüência de tomar como nossas as dimensões que o problema da droga só tem em outros países é oferecer um in­voluntário estímulo ao consumo. Como aponta o coordenador do levantamento, José Carlos Galdu-

da droga, mas é apenas parte da solução. "Infor­mação sozinha não muda nada", diz o pesquisador. "Todo mundo sabe que cigarro dá câncer e ainda assim fuma; adolescente sabe do risco de transar sem camisinha e engravida." Ou, para usar uma in­formação do Levantamento Domiciliar, quase 50% da população das grandes cidades considera beber um ou dois drinques por semana risco gra­ve, mas nem por isso os índices de consumo e de­pendência de álcool são menores. A informação tem que ser trabalhada em campanhas, currículos escolares e em políticas de saúde pública. Mas, como freqüentemente se utilizam como ponto de partida realidades importadas e alvos equivocados,

I

- -O roteiro da pesquisa

A pesquisa, patrocinada pela FAPESP com apoio da, Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmaco­logia (Afip ), definiu suas amostras a partir de setores censitários - a menor unidade de informação socio­econômica utilizada pelo IBGE e formada, em geral, por 200 a 300 domicílios. Os dados socioeconômicos e técnicas estatísticas multivariadas permitiram au­mentar a precisão das estimativas com amostras re­duzidas. Em cada setor realizaram-se 24 entrevistas e o número de setores pesquisados em cada município variou de acordo com o tamanho da população. Ao iniciar o trabalho numa das ruas de cada setor censi­tário, o aplicador elegia uma casa qualquer e respeita­va, a partir daí, um intervalo regular de domicílios até a próxima visita (estabelecido dividindo-se por 24 o número total de domicílios do setor) . A definição de quem ia ser entrevistado em cada casa acontecia por meio de um sorteio com regras preestabelecidas, pa­ra evitar que as respostas fossem dadas sempre pela pessoa que estivesse lá na hora da visita do aplicado r.

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Os 22 aplicadores das entrevistas receberam trei­namento específico. Além de receber informações sobre drogas psicotrópicas e sobre a aplicação dos questionários, aprenderam a proceder de maneira semelhante ao chegar às residências. Foram instruí­dos, por exemplo, a fazer suas entrevistas no local mais isolado possível, dentro da casa, para permitir mais privacidade ao entrevistado. Apenas 2,5% das 2.411 pessoas procuradas se recusaram a responder; a regra geral foi a boa receptividade aos aplicadores. As recusas ocorreram em regiões mais abastadas, onde as pessoas contatadas freqüentemente procu­raram o Cebrid para se certificar se de fato estava sendo realizada uma pesquisa. Nas favelas, os aplica­dores fizeram o primeiro contato com a ajuda de as­sociações de moradores, que designaram alguém para acompanhá-los. Uma das razões de todos esses cuidados foi contornar o risco de o entrevistado se sentir confrontado ou inseguro diante de perguntas sobre seu comportamento com drogas. O questio­nário utilizado foi o do Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA), traduzi-

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muitos esforços re­sultam inúteis.

á está ampla­mente pro­vado que a proibição e a repressão são

insuficientes para impedir o consu­mo. A Lei Seca, que imperou nos Esta­dos Unidos nos anos 20, fez crescer verticalmente o uso de álcool e todo o investimento do governo americano em repressão, na última década, não impediu que o país se tornasse o maior mer­cado consumidor de drogas do mundo. "Tornar ilegal é uma bobagem e legalizar também é uma postura que inclui muito oba-oba, mas é preciso di­ficultar o acesso': recomenda o pesquisador Galdu­róz. É preciso, além disso, ter uma nova filosofia para as drogas, e uma política mais clara e menos he­sitante do que a oferecida pelos nossos poderes pú­blicos. "De vez em quando surge uma onda pró-des­criminalização, aí ela desaparece e dá lugar ao reforço da repressão e nada tem continuidade': avalia o pes­quisador. No que depender de informações rigoro­sas e atualizadas, ele já deu sua contribuição. •

Galduróz (esq.) e Carlini: estudo realizado em 24 cidades de São Paulo

PERFIS:

• ELISALDO LUIZ DE ARAúJO CARLINI é graduado em Me­dicina pela Escola Paulista de Medici­na (atual Universi­dade Federal de São Paulo - Unifesp). Fez o mestrado em Farmacologia na Yale University. É professor titular de Psico farmacologia da Unifesp e diretor do Centro Brasilei­

ro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da mesma instituição. Foi membro ti­tular do International Narcotic Control Board (INCB), das Nações Unidas, e Secretário Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. • Jos~ CARLOS GALDUROZ é médico psiquiatra graduado pela Escola Paulista de Medicina (atual Universidade Federal de São Paulo- Unifesp ), on­de fez o mestrado e o doutorado na área de Psico­biologia . É pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid). Projeto: I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas Investimento: R$ 210.125,00

Apenas no aspecto étnico a amostra deixa de retratar a realidade brasilei­ra, ae incluir o predomínio de cauca­sóides sobre os demais grupos étni­cos. Os 2.411 entrevistados de 12 a 65 anos foram divididos em quatro faixas etárias. A de 12 a 17 anos cor­responde a 12,9o/o dos entrevistados, a de 18 a 25 a 16,9o/o, a de 26 a 34 a 19,7o/o e a de 35 anos ou mais a 50,55%. Os casados correspondem a cerca de SOo/o da amostra, e verifica­se um ligeiro predomínio de soltei­ros sobre as solteiras. A maioria dos entrevistados concentra-se nas clas­ses C (35,6%), B (31,8o/o) e D

do e adaptado às condições brasileiras, depois de um teste inicial numa pequena amostra em diferentes locais da cidade de São Paulo.

No que diz respeito a idade, sexo, estado civil e religião, a amostra utilizada na pesquisa reproduz equilibradamente o total da população pesquisada.

(19,6%). O número de analfabetos e de indivíduos com primeiro grau incompleto é de­sanimadoramente grande, na amostra- 33,4o/o dos entrevistados, contra O, 7o/o de pós-graduados, 17,7o/o com 1° grau completo, 19,4o/o com 2° grau completo e 10,6o/o com superior completo.

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 21

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CIÊNCIA

Recife: pouca atenção ao mangue e às transformações da cidade

O descuido com a paisagem urbana

Os moradores de Recife têm baixa estima para com eles mes­mos e com a cidade onde vi­vem. Não aceitam o mangue e, em conseqüência, permitem que os aterros modifiquem a estrutura geográfica e biológi­ca da região da capital de Per­nambuco. Edvânia Torres, pro­fessora do Departamento de Geografia da Universidade Fe­deral de Pernambuco (UFPE), chegou a essas conclusões após realizar enquetes com 600 ha­bitantes da cidade e examinar relatos históricos, poemas, fotos e mapas. A pesquisado­ra lembra que é comum com­parar Recife a Veneza, mas, enquanto na cidade italiana "os rios e canais são realmen­te valorizados", na capital per­nambucana "são transforma­dos em esgotos". Segundo Edvânia, sem consciência da importância dos recursos naturais da cidade, os mora­dores permitem a construção de estacionamentos e edifí­cios em áreas que deveriam ser preservadas. "Se conti­nuar desse jeito, é provável que a qualidade de vida dos recifenses piore", comenta a pesquisadora. •

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Mapeadas bactérias que causam doenças

O mapeamento do genoma da cepa A da bactéria Neisse­ria meningitidis, que causa a maioria dos casos de meningi­te nos países em desenvolvi­mento, agora está completo. Foi feito pelos pesquisado­res do Sanger Centre e da Universidade de Oxford, do Reino Unido, e do Instituto Max Planck de Genética Mo­lecular, da Alemanha. Outro grupo, formado por cientis­tas norte-americanos e ingle­ses, anunciou, também em março, a conclusão do mape­amento da cepa B da bactéria,

Arabidopsis: planta-modelo

mais comum na Europa e nos Estados Unidos. As duas se­qüências, com muitos genes em comum, devem aj udar a entender os mecanismos por meio dos quais a bactéria consegue escapar do sistema imunológico dos organismos. Também na Europa, um con­sórcio de dez instituições, co­ordenado pelo Instituto Pas­teur, de Paris, concluiu o seqüenciamento do genoma da bactéria Listeria monocyto­genes, responsável por infec­ções alimentares, com uma mortalidade entre 20 e 30%. Os cientistas do Pasteur fina­lizaram também o seqüencia­mento do bacilo da lepra, o Mycobacterium leprae, em colaboração com o Sanger Centre. A comparação com o genoma do bacilo da tuberculo­se, Mycobacterium tuberculosis, caracterizado pela mesma equipe em 1998, deve forne­cer detalhes sobre o desenvol­vimento das duas doenças. Há grupos de genes das duas bactérias com 93% de seme­lhança. O Brasil encontra-se em segundo lugar entre os paí­ses com maior incidência de lepra, após a Índia. •

Espanhóis avançam na genômica

Uma equipe da empresa es­panhola Sistemas Genomicos, em colaboração com a Uni­versidade de Valencia, com­pletou o seqüenciamento do cromossomo 5 da Arabidopsis thaliana, uma planta da mes­ma família do repolho e do rabanete. Segundo o diretor científico da Sistemas Geno­micos, Manuel Peres-Alonso, o grupo que fez esse trabalho -e antes havia participado do seqüenciamento do genoma da

levedura Saccharomyces cere­visiae, usada na produção de cerveja- poderá até o final do ano seqüenciar os outros qua­tro cromossomos da planta. Mesmo sem significado agro­nômico, a Arabidopsis é larga­mente usada como modelo biológico de genética vegetal. Para Peres-Alonso, esses re­sultados demonstram que os cientistas espanhóis têm con­dições de colaborar no mapea­mento do genoma humano. •

Comprovada ação da caramboleira

Caramboleira: antidiabético

Em busca da comprovação do conhecimento popular, pesqui­sadores da Universidade do Amazonas, sob a coordenação de I vete de Araújo Roland, es­tudaram a ação da carambo­leira, a Averrhoa carambola L., na redução da glicose no san­gue. As folhas secas da caram­boieira são muito utilizadas pela população de Manaus como antidiabético. Em expe­rimentos realizados em ratos e camundongos, o extrato aquo­so da Averrhoa, em diferentes concentrações, reduziu em 50% o teor de glicose no san­gue, simulando um quadro de hiperglicemia, 15 minutos após a aplicação. •

Page 23: Drogas: mitos desfeitos

CIÊNCIA

MATEMÁTICA

Computadores de olhos abertos Grupo da USP avança no reconhecimento de pessoas pelas máquinas

Por enquanto, computadores di­ficilmente seriam cineastas se­

quer razoáveis. Seria desse modo mostrado nas imagens abaixo - sem qualquer sensibilidade, por meio de

1998, dirigido por Paschoal Samora e produzido pela Grifa Cinematográfi­ca. Com 52 minutos, o filme conta a história da frente de colonização do ouro nos séculos XVII e XVIII na co­marca de Rio das Mortes, sudeste de Minas Gerais, por meio de relatos de descendentes dos pioneiros. Nem de longe o computador teria condições de interpretar as sutilezas do filme, embora o reconhecimento de ima­gens esteja avançando.

arte nessa área, que é a dependência de ambientes estáticos e bem-com­portados. Pode parecer que a quebra dessa barreira depende do avanço da tecnologia de instrumentos óptico­eletrônicos. Mas não. A maior dificul­dade está mais para o lado do arsenal matemático, mais precisamente para a ciência da computação, na área de desenvolvimento de algoritmos.

"Nosso objetivo é desenvolver dispositivos que funcionem em tem-

Cenas de Con(tdências do Rio das Mortes: o reconhecimento de imagens se dá por meio de pontos selecionados (nariz, boca e olhos)

cruzinhas que indicam os pontos mais importantes de um rosto (os olhos, o nariz e a boca)- que um Pentium de capacidade média reconheceria o per­sonagem Tião Paineira, que faz peças de barro e aparece no documentário Confidências do Rio das Mortes, de

Um grupo de jovens pesquisado­res da Universidade de São Paulo (USP) está empenhado na tarefa de elaborar programas de computação que permitam a identificação e o re­conhecimento de pessoas. O desafio é romper a limitação do estado da

po real, para que o computador reco­nheça quem está na sua frente", diz Roberto Marcondes Cesar Junior, pro­fessor do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Ma­temática e Estatística (IME) da USP. "Esse seria um grande avanço na in-

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 • 23

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teração homem-máquina." Aos 31 anos, há 11 estudando visão com­putacional, Cesar Junior traba­lha no projeto Análise Multi-Es­cala de Imagens, iniciado em 1998 com um financiamento de R$ 12,5 mil da FAPESP. À frente do Grupo de Pesquisa Criativa em Visão, conta com a colaboração de sete alunos, dois deles traba­lhando em uma área próxima, a análise de neurónios (ver box).

Aplicações - A visão computa­cional tem como objetivo o de­senvolvimento de tecnologias Cesar Junior: o desafio não é de equipamentos de identificação e reconheci­mento de imagens. Algumas aplica­ções já fazem parte do dia-a-dia, como a tomografia computadoriza­da. Não é difícil imaginar outras. Programas de reconhecimento de pessoas poderão permitir, por exem­plo, o acesso a dados de conta cor­rente a um usuário localizado em frente a um terminal em uma agência bancária ou diante de um computa­dor conectado à rede de um banco.

Talvez essa seja uma alternativa mais amigável que o reconhecimento da imagem da retina, empregada ex­perimentalmente em agências ban­cárias no Reino Unido. A informação contida na retina é muito mais com­plexa do que a de uma impressão di­gital e dos traços fisionómicos de um rosto. Segundo Cesar Junior, o desen­volvimento desse tipo de programas poderá também tornar mais eficiente a identificação de criminosos a partir de retratos falados ou de crianças de­saparecidas que estejam circulando em locais como estações rodoviárias, de trem ou metró.

Os programas de reconhecimento de pessoas têm uma elevada taxa de acerto quando não há variação dos fatores ambientais. "Basta uma pe­quena variação na iluminação do ambiente e a taxa de acerto cai radical­mente': observa Cesar Junior. Segundo ele, existem instrumentos ópticoele­trónicos adequados para trabalhar com imagens em movimento ou com grande variação do ambiente. E os computadores atuais são capazes de

24 • ABRIL DE 1000 • PESQUISA FAPESP

realizar o processamento dos dados necessários para o reconhecimento de imagens faciais. A preocupação é ou­tra: ainda não há como processar a massa de informações fornecida por uma imagem digital.

"Temos de criar algoritmos mais robustos': diz o pesquisador. Algorit­mos são seqüências de operações or­denadas aplicáveis na resolução de problemas específicos. Traduzidas em uma linguagem de programação, as operações de um algoritmo passam a ser as instruções a serem executadas por um computador.

Essa robustez algorítmica signifi­ca maior complexidade, na medida em que se busca trabalhar com as va­riáveis das condições do contorno do rosto humano em uma imagem digi-

Uma ajuda aos neurocientistas O Grupo de Pesquisa Criativa

em Visão realiza um trabalho inédito no Brasil na área de neuromorfome­tria, que consiste na análise de ima­gens de neurónios. O objetivo dessa linha de pesquisa é fornecer ferra­mentas para ajudar os neurocientis­tas a compreender melhor o processo de interação dessas células que com­põem o cérebro e o sistema nervoso.

"É um caminho de mão dupla: fornecemos para os neurocientistas

tal ou em uma seqüência de ví­deo de imagens digitais. O pon­to de partida para o reconheci­mento de imagens é a análise de formas bidimensionais. No caso das imagens de rostos humanos, esse procedimento passa a exigir a abordagem tridimensional, para a qual já existem ferramen­tas computacionais.

Pontos privilegiados - Dada uma imagem em que aparece um rosto, é preciso que o pro­grama identifique o conjunto de pontos que corresponde à face. O programa a ser desenvol­

vido teria uma monstruosidade algo­rítmica se tivesse de processar indis­criminadamente todos os pontos de uma imagem digital, envolvendo análises de forma, de cor e de textura. O processamento de todos esses da­dos de imagens implicaria sua conver­são em dados numéricos de uma ma­triz de dimensão gigantesca. "É preciso fazer um trabalho de minera­ção dos dados a serem processados", diz o pesquisador.

Os mecanismos pesquisados por Cesar Junior trabalham com pontos privilegiados. A inspiração veio da psicologia. De acordo com testes psi­cológicos, não são todos os pontos de uma imagem que têm relevância no processo de reconhecimento de um rosto. Existe uma atenção seletiva,

ferramentas para que eles aprofun­dem o conhecimento de processos do sistema nervoso, como a visão, e em contrapartida adquirimos co­nhecimentos importantes para o trabalho em visão computacional e em outras áreas", afirma Roberto Marcondes Cesar Junior, que traba­lha em colaboração com o neuro­cientista Herbert Jelinek, da School of Community Health, da Charles Sturt University, na Austrália.

Estudos recentes têm demons­trado que o processo de interação das células neuronais pode estar in­timamente relacionado à sua for-

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que se concentra em pontos específi­cos, como os que correspondem às extremidades laterais da boca, aos orifícios das narinas e aos ólhos.

Para produzir computacional­mente a diferenciação dos pontos cor­respondentes aos contornos dos ob­jetos, os matemáticos e especialistas em computação desenvolveram algo­ritmos para detectar as bordas em imagens. Uma das primeiras contri-

buições nesse campo foi dada pelo húngaro Dennis Gabor (1900-1979), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1971 por sua contribuição no cam­po da holografia. Os chamados filtros de Gabor, utilizados para detectar os elementos correspondentes a uma bor­da, geram uma imagem mais simples, que ressalta somente as bordas do ros­to e dos outros objetos de uma ima­gem original.

As formas matemáticas da biologia

Estão representados abaixo dois tipos de neurônios de gato, as células a. (alfa) e ~ (beta), utilizadas nos experimentos de reconhecimento de imagens por computador. Os algoritmos examinam a estrutura de cada célula, principalmente a ramificação dos dendritos (braços menores dos neurônios) e axônios (os braços maiores).

O resultado dessa análise toma a forma de um gráfico, no qual as células a. e ~ são sintetizadas em pontos que podem ser claramente identificados e refletem sua complexidade.

NMWE (a28) 2,5

2,0

*

1,5 jo o

o* 1,0 o o

o 0,5 0 0 - Células ~ o

0,5 1,0

Um trabalho com 50 células neurais de gato indicou um acerto de 83% de reconhecimento correto das células alfa e 69% das beta, em um processo inteiramente automático.

* - Células a

* o ** *

*

4**

* o *

o

I ,5 2,0 2,5 NMWE(al)

Obs.: NMWE (energia multiescala de Wavelets normalizada) são medidas de formas de neurônio, que refletem sua complexidade estrutural.

Fonte: Roberto Marcondes Cesar Jr. e Luciano da Fontoura Costa, Neural Cell classification by Wavelets and multiscale curvature, Biological Cybernetics , 79, p. 354 e 356, 1998.

ma. Os principais resultados de re­conhecimento de neurônios obti­dos pelo pesquisador baseiam-se na classificação de células pertencentes a duas classes morfológicas de célu­las ganglionares da retina de gato, as classes alfa e beta. Segundo o pes­quisador, essas células têm sido es­tudadas há décadas e fornecem um excelente exemplo de células neu­rais em que a relação entre morfo­logia e função foi identificada.

A curvatura dos filamentos neuronais é hoje vista como uma medida adequada de classificação. Por essa razão, a análise de ima­gens de neurônios segue o cami­nho inverso ao da geração de gráfi­cos a partir de dados: é a partir das imagens que são extraídos os valo­res numéricos a elas correspon­dentes, que consistem em dados sobre o número de curvaturas e de ramificações.

Em seguida, para selecionar as re­giões que correspondem ao rosto, é reproduzido computacionalmente o procedimento de fixação dos seis pontos correspondentes aos olhos, na­rinas e extremidades da boca. Essa fun­ção é desempenhada por algoritmos que comparam distâncias entre alguns dos pontos da imagem. Entram em cena as chamadas séries de Fourier, que permitem expressar qualquer função de uma variável em uma soma de se­nos e co-senos. Apresentada em 1822, no célebre Théorie Analytique de la Chaleur (Teoria Analítica do Calor), a análise desenvolvida pelo matemá­tico francês Joseph Fourier (1768-1830) tornou-se uma ferramenta de amplo uso em problemas algorítmi­cos com o impulso da computação somente nos anos 60.

O trabalho prossegue na busca da definição de subconjuntos de pontos essenciais para a identificação, assim como no desenvolvimento de meca­nismos que permitam traduzir esses pontos em dados numéricos. O gru­po da USP já consegue fazer o acom­panhamento desses seis pontos em uma seqüência de vídeo. Mas o desa­fio do algoritmo robusto permanece, assim como o entusiasmo do jovem professor e de seus colaboradores. •

PERFIL:

• ROBERTO MARCONDES CESAR Ju­NIOR tem 31 anos e desde 1998 é professor do Departamento de Ciência da Computação do Institu­to de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP). Concluiu sua graduação em Com­putação em 1991 no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exa­tas da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) em São José do Rio Preto. Terminou o mestrado em 1993 na Faculdade de Engenha­ria Elétrica da Universidade Esta­dual de Campinas (Unicarnp) e o doutorado em 1997 no Instituto de Física de São Carlos, da USP. Projeto: Análise Multi-Escala de Imagens Investimento: R$ 12.500,00

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Queimada em Rondônia: pesquisa do lnpe ajuda a reavaliar os modelos de impacto do efeito estufa em escala planetária

Mata recuperada absorve menos gás carbônico do que até agora se pensava

Ogás carbônico retirado da at­mosfera pela recuperação

natural de áreas desmatadas para a formação de pastagens e culturas agrícolas na Amazônia representa apenas uma fração modesta das emissões devidas ao desmatamento, ao contrário do que se pensava. É o que mostra pesquisa realizada por uma equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em Rondônia. Essas conclusões podem alterar a ênfase de pesquisas relacio­nadas com desmatamento e emissões de gases do efeito estufa, já que o desmatamento é considerado uma das principais fontes brutas desses gases e tanto emissões como seqües­tro de carbono nas áreas abandona­das interessam aos cientistas.

26 • ABRIL DE lODO • PESQUISA FAPESP

"Num primeiro momento, a des­coberta nos incomodou': afirma Dió­genes Salas Alves, pesquisador do Inpe e coordenador da pesquisa, que usou técnicas de sensoriamento re­moto e trabalhos de campo nup1a área de 35 mil quilômetros quadra­dos, próxima aos municípios de Ii­Paraná, Machadinha do Oeste e Ari­quemes. "Parecia que toda uma linha de pesquisa estava condenada a desa­parecer." No entanto, o projeto per­mitiu obter resultados sobre o balan­ço de carbono e sobre o processo de desmatamento propriamente dito.

A destruição das florestas, especi­almente na região tropical, é consi­derada um dos fatores que levam ao aumento do efeito estufa, juntamen­te com as emissões de gás carbônico provenientes da queima do petróleo e do carvão. Estimativas anteriores indicavam que as áreas de abandono podiam representar até metade das áreas derrubadas, motivando inves­tigações do papel dessas áreas no ba­lanço do carbono.

Os resultados da pesquisa do Inpe devem levar a uma atitude mais con­servadora sobre o papel das áreas abandonadas no balanço do carbo­no. Por outro lado, ajudarão a elabo­rar uma estimativa mais precisa so­bre a quantidade de gás carbônico liberada pelas atividades humanas para a atmosfera, calculada entre 7 e 8 bilhões de toneladas por ano. As­sim, será possível elaborar modelos físico-matemáticos mais próximos da realidade. E, dessa maneira, juntar dados mais concretos ao quebra-ca­beça em que se transformou a com­preensão do mecanismo do efeito es­tufa, em escala planetária.

Índice variável - O trabalho, cuja úl­tima etapa começou em 1995 e ter­minou no ano passado, já levou a duas teses de mestrado. Os dados ob­tidos com a conclusão da última eta­pa estão sendo tratados agora, de acordo com Alves, em mais uma tese de doutorado e uma de mestrado. A pesquisa recebeu o nome de Análise

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da Dinâmica do Uso da Terra na Região de Ii-Paraná, RO, e sua Relação com o Ciclo do Carbono. Um investi­mento de R$ 38 mil da FAPESP colaborou para sua realização.

Uma conclusão im­portante da pesquisa é que a intensidade do uso da terra antes do abandono influencia mais a velocidade dare­generação do que ou­tros fatores, como a diversidade climática. Terras ocupadas com pastagens e que sofre­ram pisoteio excessivo, ou seja, tiveram uma superlotação de ani­mais, mostram uma recuperação bem mais lenta que as abando­nadas depois de pou­co uso.

i'

panham as estradas abertas na reg1ao. Com a abertura ãe ra­mais a partir das principais estradas, vão sendo formados desenhos em forma de espinha de peixe. Isso cria pontos com altos índices de des-matamento, com um forte impacto no ecossistema local, en­quanto áreas mais distantes permane­cem inalteradas.

Há outros fatores Desmatamento: primeira etapa da ocupação de terras depois abandonadas

Alves calcula que 95% de todas as áreas desmatadas estão con­centradas em apenas 40% da Amazônia Le­gal. A tendência é que o desmatamento cres­ça ao longo dos corre­dores das estradas e co­mo expansão das áreas pioneiras. Os dados levantados pela equi­pe do Inpe mostram que influenciam a si-

tuação. Há casos em que foram pre­servadas manchas de bosque no in­terior das áreas desmatadas. Nesse caso, a recuperação caminha melhor e, com mais vegetação, o seqüestro de gás carbônico aumenta. Outros fatores importantes são a disponibi­lidade de sementes nas áreas que fo­ram deixadas intactas em redor do terreno desmatado e a capacidade de rebrota das raízes que permanece­ram no solo, mesmo durante o apro­veitamento econômico.

Projeto de ocupação - Isso é impor­tante porque o desmatamento da Amazônia está crescendo em ritmo acelerado. De acordo com Alves, a Amazônia Legal, com 5 milhões de quilômetros quadrados, cobrindo áreas de Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Ron­dônia, Roraima e Tocantins, tinha menos de 10 milhões de hectares des­matados na década de 1970. Houve um enorme aumento, para 38 milhões de hectares, em 1988. E o desmata-

menta continua. Em 1997, o total tinha saltado para 53 milhões de hectares.

Alves diz que a derrubada das flo­restas está intimamente ligada a um projeto de ocupação da Amazônia pos­to em prática na década de 70, em que estradas pretendiam integrar a An;ta­zônia ao resto do País, acelerando o estabelecimento de grandes pecuaris­tas e pequenos agricultores na região.

O pesquisador lembra que partes do Estado do Paraná chegaram a per­der população na década de 70, quan­do muita gente partiu para tentar a sor­te nas fronteiras agrícolas. Chegando ao terreno, uma das primeiras ativida­des do agricultor era derrubar a mata. O próximo passo era tentar ganhar a vida, com o plantio ou a criação de ga­do. Nem todos deram certo. Algumas áreas foram abandonadas e estão sen­do retomadas pela mata. São esses ter­renos os estudados pelo grupo do Inpe.

Os estudos da equipe do Inpe con­firmaram tendências já registradas anteriormente. Por exemplo, está cla­ro que as áreas desflorestadas acom-

que 86% dos desmatamentos mais recentes estão no máximo a 25 quilô­metros das áreas de abertura pionei­ras, que começaram a ser ocupadas economicamente por volta de 1978.

Corredores de estradas- O grupo do Inpe identificou três corredores forma­dos pelas estradas da região. Uma re­de, mais a oeste, é formada pela rodo­via Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco, a BR-364, e por trechos formados pe­las rodovias BR-17 4 e BR-070. A rede leste é criada pelas estradas do leste de Mato Grosso e do Pará e por rodo­vias do Maranhão e Tocantins, como BR-010, BR-153 e PA-150. A rede cen­tral é formada pela BR-163, a Cuia­bá-Santarém, e pela BR-230, a Transa­mazônica, além de diversas estradas que saem como ramais da BR-163 pa­ra pontos do norte de Mato Grosso.

Os trabalhos do Inpe estimam que foram desmatados, entre 1991 e 1996, cerca de 9,1 milhões de hecta­res na Amazônia Legal. Desse total, 3 7% ocorreram em Mato Grosso,

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29% no Pará, 16% em Ron­dônia, 5% no Maranhão e no Amazonas, 3,3% no Acre, 2,4% em To­cantins e 1,3% em Roraima.

Efeito estufa - A seme­lhança do processo de ocupação de Rondônia com o de outras áreas veio em auxílio dos pes­quisadores. "O trabalho agora concluído em Ron­dônia, revelando uma ab­sorção de carbono me­nor que a prevista em modelos anteriores, per­mite a extrapolação de dados para todas as re-

Fonte D16genes Salas Alves/lnpe

giões desmatadas em processo de re­cuperação natural': diz Alves. Uma melhor compreensão do impacto do desmatamento e do abandono sobre o balanço de carbono contribui para melhorar nosso entendimento sobre o efeito estufa.

Os registras históricos mostram que a temperatura média do globo aumentou cerca de 0,6 grau Celsius nos últimos 150 anos. Os climatolo­gistas estão divididos sobre a origem desse aquecimento. Uma parcela crescente de pesquisadores atribui esse aumento à ação do homem. Al­guns, no entanto, afirmam que dados ainda pouco conhecidos também de­vem ser levados em conta. Entre esses dados estariam variações na radiação solar e a ação de gases e cinzas expe­lidos por atividades vulcânicas na at­mosfera. A elevação nas temperaturas médias poderia já estar produzindo degelos nos cumes das montanhas mais altas e um aumento da formação de icebergs, especialmente na Antártica.

Período e finalidade -Algumas lacu­nas permanecem. Entre elas, as rela­ções entre o período e a finalidade do uso das terras desmatadas e o seu pa­drão de recuperação. Esse problema é muito claro em Rondônia, um dos

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Estados que tiveram maior impacto proveniente da ocupação humana num curto período de tempo. O Es­tado tem uma área de 234.800 quilô­metros quadrados. A área desmatada saltou de 4.200 quilômetros quadra­dos, em 1978, para 34.600 quilôme­tros quadrados, em 1991. Esse total inclui a devastação de florestas, ex­cluídas as áreas de cerrado. A forma predominante do uso da terra é o pasto. As culturas, perenes ou anuais, ocupam, segundo o IBGE, cerca .de 7.000 quilômetros quadrados.

Poucos estudos- "Como área de ocu­pação recente, Rondônia tem sido pouco estudada': afirma o pesquisa­dor. O ponto de partida para as esti­mativas, tanto em Rondônia como em outras partes da Amazônia, é a série de dados coletada pelo projeto Radambrasil, na década de 70. Esses dados foram aumentados com o tra­balho de sensoriamento remoto, fei­to pelo satélite Landsat, e numa esca­la de maior detalhe com o trabalho de campo feito pela equipe do Inpe. Esse trabalho incluiu entrevistas com os donos dos terrenos, tentando achar elementos como o período em que as áreas foram usadas e o tempo em que estão abandonadas, permi-

Vilhena

tindo a recuperação da cobertura natural.

Alves chama a atenção para a rela­ção entre as áreas de desmatamento mais intenso e a rede de es­tradas. "Isso é uma indicação de que re­giões mais fortemen­te ligadas aos proces­sos econômico e social em escala na­cional estão sujeitas a maiores pressões para a abertura de áreas em florestas na­turais': sublinha. Isso, acrescenta, deve ser levado em conta na formulação de políti­cas governamentais. "O Programa Brasil

em Ação prevê uma significativa am­pliação da rede viária já existente e de sua infra-estrutura", lembra.

A ocupação humana começou a crescer em Rondônia na década de 70, depois da abertura da BR-364, vinda de Cuiabá, e do estabelecimen­to de assentamentos pioneiros. A co­lonização de áreas mais distantes, co­mo Machadinha d'Oeste, na área da pesquisa, começou no início da déca­da de 80. Nas áreas distantes até 12,5 quilômetros da BR-364, as áreas de florestas remanescentes eram inferiores a 20% em 1995. Um quadro similar foi encontrado nas áreas próximas às três principais estradas da região, mostrando que a retirada das flores­tas superou os limites legais de 50% à época. As culturas perenes mais presentes na área são o café e o ca­cau. Entre as anuais, o milho, o arroz e o feijão. As áreas de recuperação natural abrangidas pelo estudo fo­ram abandonadas por diversos mo­tivos, como a queda dos preços de mercado de vários produtos agríco­las e a falta de capitais.

O resultado do estudo, indicando que mesmo as áreas devolvidas à flo­resta absorvem uma fração modesta do carbono emitido no desmatamen­to, questiona um modelo de ocu-

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menta de pequenos agricultores e os de esta­belecimento de grandes áreas de pecuária, incor­rem em práticas que se traduzem na destruição das florestas", acrescenta.

O impacto da destrui­ção das florestas, prosse­gue o pesquisador, não deve ser medido somen-

. te em termos de um au­mento na carga de gás carbônico na atmosfera. Ele também afeta os re­cursos naturais repre­sentados pela fauna e pela flora e tem um im­pacto significativo sobre os rios e os recursos hí­dricos em geral, assim como sobre o clima.

Os perigos da ocupação humana: áreas próximas a estradas sofrem redução drástica da floresta Para mudar isso, se-

pação da Amazônia que, segundo Alves, passou por Getúlio Vargas, ga­nhou uma nova dimensão com Jusce­lino Kubitschek e foi posto em prática pelo regime militar. "Esses projetas não levaram em conta a dimensão social da transferência de populações e nem poderiam considerar o processo de liberação de gás carbônico produ­zido pelo corte de florestas': afirma. Finalmente, a redução importante das florestas nas áreas próximas às es tradas leva a que essas regiões sofram mais alguns dos impactos do desma­tamento, em particular aqueles rela­cionados à fragmentação elevada e à perda de espé­cies nessas áreas.

Realmente, o efeito es­tufa provocado pelo dió­xido de carbono foi des­crito pela primeira vez em 1863 pelo britânico John Tyndall, em artigo publi­cado na Philosophical Ma­gazine. Em 1896, o cientis­ta sueco Svante Arrhenius também chamou a aten­ção sobre o assunto. As preocupações cresceram na década de 60, quando

mo em áreas distantes das atividades humanas, como Mauna Loa, no Ha­vaí, e na Antártica, detectaram um aumento da presença de dióxido de carbono na atmosfera. E atingiram um ponto ainda mais alto na década de 70, quando se descobriu o papel destruidor dos CFCs sobre a camada de ozônio.

Barreira ao acesso - "A mentalidade que vem desde o descobrimento, .de ver as florestas como uma barreira ao acesso para o interior, ainda não foi alterada': afirma Alves. "Projetas convencionais, como os de assenta-

rá necessária uma ação envolvendo todos os interessados. Mas essa união não parece estar próxi­ma. "No Brasil", diz o pesquisador, "empresários e ambientalistas ainda não falam a mesma linguagem quan­do se trata de estabelecer. critérios. Os grupos de pressão, freqüente­mente, é que fazem valer suas pre­tensões". •

PERFIL:

• DIOGENES SALAS ALVES tem 43 anos e é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

(Inpe) desde 1987. For­mou-se em Engenharia da Computação e Matemática Aplicada pelo Instituto Ele­trônico de São Petersburgo, na Rússia, com pós-gradu­ação na Universidade Pier­re et Marie Curie (Paris-6), na França, e na Escola Poli­técnica da Universidade de São Paulo (USP). Projeto: Análise da Dinâ­mica do Uso da Terra na Re­gião de Ii-Paraná, RO, e sua Relação com o Ciclo do Car­bono

observatórios situados mes- Alves: imagens de satélite exibem o avanço do desmatamento Investimento: R$ 38.075,00

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CIÊNCIA

ZOOLOGIA

A dieta equilibrada do lobo-guará Estudo aprofundado mostra preferência por frutos e pequenos animais

Olobo-guará ( Chrysocyon bra­chyurus), um canídeo brasilei­

ro ameaçado de extinção, não é, ao contrário do que as pessoas corou­mente acreditam, um voraz comedor de galinhas: essa ave doméstica cor­responde a apenas de 0,1 a 1,9% de sua alimentação que, di­ga-se em favor do lobo brasileiro, pauta-se por uma dieta bastante equi­librada, dividida meio a meio entre animais e fru­tos. Aliás, por ser um grande consumidor de frutos, o lobo é um óti­mo dispersar de semen­tes, o que já deveria ser suficiente para reduzir o papel de vilão que a cul­tura popular lhe atribui. Entre os alimentos mais ingeridos pelo guará es­tão a lo beira ( Solanum lycocarpum), a gabiroba ( Campomanesia spp) -frutos típicos do cerrado - e pequenos roedores.

rá, Chrysocyon brachyurus (Mamma­lia: Canidae), no Sudeste do Brasil-, no qual a FAPESP investiu R$ 32,7 mil, Motta Junior procurou obter o perfll mais completo, até hoje já fei­to, da dieta do lobo-guará, estabe­lecendo sua variação nas diferentes paisagens em que ele vive.

O trabalho de campo desenvol­veu-se ao longo de 27 meses, em oito localidades, seis delas no Estado de São Paulo e duas em Minas Gerais. Embora tenha partido de um estudo específico de dieta, o projeto desdo-

brou-se em subprojetos, entre eles o de avaliação das atitudes e do conhe­cimento da população rural sobre o lobo-guará. O alvo prático da pes­quisa era, evidentemente, dispor de novos subsídios para um planeja­mento adequado de manejo e con­servação da espécie.

Andarilho noturno- O caminho usa­do para investigar a alimentação do lobo foi basicamente a análise de fe­zes, prática facilitada pela caracterís­tica do animal de engolir quase intei­

"' ras as presas de até três i quilos, como tatus e fi­~ lhotes de veado. Mas o o ~ guará é onívoro, o que ~ 15 significa que também Q. se alimenta de frutos e ~ plantas. Para chegar a ~ < essas conclusões, a aná-

lise centrou-se no exame das sementes encontra­das nas fezes, que indi­cou o número e o tipo de frutos consumidos. A lobeira destacou-se como o fruto preferido, correspondendo a cerca de um terço de toda a alimentação.

Os dados referentes à ingestão de frutos ca­racterizam o lobo-guará como um legítimo dis­persar de sementes. ''As sementes passam pelo aparelho digestivo razoa­velmente intactas e de­pois normalmente ger­minam': diz Motta Junior.

Essas são algumas das conclusões de um estu­do coordenado pelo pes­quisador José Carlos Motta Junior, professor do Instituto de Biociên­cias da Universidade de São Paulo (USP), sobre os hábitos dessa espécie típica da biodiversidade brasileira, hoje sob ris­co de desaparecimento. Nesse trabalho - Ecolo­gia Trófica do Lobo-gua- O lobo-guará: dispersor de sementes e exterminador de roedores

A importância do lobo como agente dis­persar aumenta pelo fato de ele ser um ani­mal que caminha muito - sobretudo durante a noite-, por áreas exten-

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sas, que variam de 20 a 110 quilôme­tros quadrados.

Falsa impressão - Motta Junior ouviu a população rural das áreas envolvidas na pesquisa. "Colhemos as impressões sobre o animal nas oito localidades estudadas compara­mos com o conhecimento científico, em busca de convergências e diver­gências", diz ele.

foco do projeto. Nas oito localidades estudadas, encontraram-se condi­ções muito diferentes, desde áreas muito devastadas até regiões bem pre­servadas. "Obtivemos imagens de satélite para fazer uma análise mais detalhada, procurando correlacio­nar as distintas paisagens com a die­ta", diz Motta Junior. "Quanto mais alterada está a paisagem natural, menos natural é a alimentação do

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Lobeira, a fruta preferida do lobo-guará, e Motta Junior: desfazendo os preconceitos

da população rural de São Paulo e Minas

Vm resultado: a maioria esmaga­dora dos entrevistados respondeu que o alimento preferido do lobo eram frangos e galinhas - o que absoluta­mente diverge dos dados da pesquisa de campo, que indicaram que gali­nhas e frangos ocupam uma posição completamente secundária na dieta do animal (0,1 a 1,9%). Mais: a pes­quisa já constatara que, para cada ga­linha, o lobo consome de 50 a 70 ratos, prática que tem um benéfico e pouco conhecido efeito para a população (uma vez que ratos são transmissores de várias doenças e podem ser pragas agrícolas). As impressões errôneas da população sobre o animal contribuem para sua morte não natural e agra­vam a ameaça de extinção da espécie.

Mas essa reação negativa da po­pulação ao lobo não representa, nem de longe, a única ameaça à pre­servação da espécie. A devastação de seu ambiente (cerrados), os fre­qüentes atropelamentos e a caça são outras. As paisagens que os lobos brasileiros habitam foram outro

animal, incluindo frutos cultivados e até as galinhas."

No Estado de São Paulo, os traba­lhos de campo foram realizados na Estação Experimental de Itapetinin­ga, estações ecológicas de Itirapina, Águas de Santa Bárbara e Luís Antô­nio (ou Jataí), Fazenda Fortaleza, de propriedade da Ripasa S/A, no mu­nicípio de Ibaté, e áreas naturais do câmpus da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Em Minas, fo­ram estudados o Parque Nacional da Serra da Canastra, no município de São Roque de Minas, e a Fazenda Salto e Ponte, no município de Pra­ta, de propriedade da A. W. Faber Castell. Todas essas áreas e suas vizi­nhanças possuem uma cobertura vegetal principalmente de cerrados e campos cerrados.

O Parque Nacional da Serra da Ca­nastra foi a maior e mais natural área trabalhada, enquanto a Fazenda For­taleza foi o local mais alterado: ela abri­ga basicamente eucaliptos, além do cul­tivo de cana-de-açúcar e de cítricos em seu entorno, com uma proporção muito baixa de vegetação natural.

Os dados sobre a quantidade de animais foram obtidos indireta­mente, por meio de vestígios, pega­

das e entrevistas z

~ com os moradores §

locais. Por meio ::>

~ desses estudos, cal-culou-se que na ex­tensão trabalhada na Serra da Canas­tra devam viver de . . . cmco a seis casais. Já na fazenda For­taleza apenas um casal foi observado.

Sabe-se hoje, de­pois da pesquisa, que, além de frutos, pequenos roedores e aves, o guará ali­menta-se também de pequenos ma­míferos, marsu­piais e, em menor escala, de insetos e répteis. Segundo Motta Junior, os re­

sultados da pesquisa certamente re­presentam uma boa contribuição aos planos de conservação do amea­çado lobo-guará. •

PERFIL:

• ]OSÉ CARLOS MoTTA ]UNIOR, for­mado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), fez o mestrado no Insti­tuto de Biociências na Universida­de Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e o doutorado na UFSCar. É professor de Ecologia Animal do Ins­tituto de Biociências da Universida­de de São Paulo (USP) desde 1996. Projeto: Ecologia Trófica do Lobo-gua­rá, Chrysocyon brachyurus (Mamma­lia: Canidae), no Sudeste do Brasil Investimento: R$ 32.715,00

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TECNOLOGIA

NOVOS MATERIAIS

Produto resistente e brilhante

Empresa de São José dos Campos é a primeira a fabricar diamante

A produção de diamantes artifi­ciais já é uma realidade no

Brasil. A empresa Clorovale, de São José dos Campos, está em vias de ini­ciar a industrialização de brocas odontológicas feitas com esse nobre material. Compara­da com as convencionais, de metal ou de dia­mante importado, a superfície da ponta dos instrumentos desenvolvidos aqui é mais regular, não contém resíduos metálicos e sofre

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menos desgaste. ~

Com isso, a Cloro- ~ vale será a primei- ~ ra empresa na América Latina a produzir diamantes sintéticos, puros sem adição de metais. Esse produto está ganhando es­paço, no exterior, entre os equipamentos de precisão de uso industrial, nas ferramentas para usinagem de metais, na confi­guração de dissipadores de calor de alto desempenho utilizados na base de chips de computadores, em im­plantes biológicos e em naves espa­ciais (veja na página 35).

A Clorovale atingiu um processo de produção sofisticado e inovador, depois que passou a se dedicar mais decididamente a esse material a par­tir de 1998, quando foi aprovado pela FAPESP o projeto Desenvolvi­mento de Dispositivos em Diamante­CVD para Aplicações de Curto Prazo,

32 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

coordenado pela pesquisadora da em­presa, Kiyoe Umeda. O financiamen­to total de R$ 135,3 mil e US$ 76,4 mil faz parte do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), que financia projetos a fun­do perdido para empresas com pro­posta de desenvolvimento tecnoló­gico e menos de cem funcionários.

Série de brocas odontológicas que serão produzidas pela Clorovale

A produção de diamantes sinté­ticos na Clorovale foi possível com a associação de três pesquisadores, além de Umeda, do Instituto Nacio­nal de Pesquisas Espaciais (Inpe), Evaldo José Corat, Edson Del Bosco e Vladimir Jesus Trava-Airoldi, com o empresário e também pesquisador Luiz Gilberto Barreta, fundador da empresa. Trava-Airoldi é um dos

pioneiros do estudo de diamantes artificiais no Brasil. Ele e sua equipe estudam esse novo material desde 1991, no Inpe, e, desde 1996, na Universidade São Francisco (USF), de Itatiba, com o grupo do professor João Roberto Moro, também sócio na Clorovale. Além do Inpe e da USF, no Brasil existem outros gru­pos de estudo em diamantes artifi­ciais, na Universidade Estadual de

Campinas (Unicamp), no Insti­tuto de Física da Universida­

de de São Paulo (Ifusp), na Universidade Estadual

Paulista (Unesp) e na Universidade Federal

do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Cinco patentes -Os pesquisadores do Inpe e um pes­quisador da Uni­camp, o professor Vítor Baranaus­

kas, já fizeram a so-licitação de cinco

patentes de produ­tos e processos que

estão em trâmite de jul­gamento no Instituto

Nacional de Propriedade In­dustrial (INPI). Duas são refe-

rentes aos dois tipos de brocas odontológicas que serão industriali­zadas, uma para motores rotativas e outra para aparelho de ultra-som, esta última com a vantagem de evi­tar a anestesia em 80% dos casos de utilização. Outras duas patentes re­ferem-se a produtos que estão em fase de desenvolvimento final nas universidades. São serras diamanta­das para corte de precisão em vidro e em pedras e a produção de peças de diamante com orifícios, iguais a fieiras, destinados à produção de fios condutores e arames.

Page 33: Drogas: mitos desfeitos

A quinta patente refere-se a uma inovação que os pesquisadores in­corporaram à tecnologia chamada CVD ( Chemical Vapor Deposition -ou deposição química na fase va­por). Eles introduziram gases haló­genos ( tetrafluoreto de carbono (CF4), por exemplo), como maté­ria-prima, junto com hidrogênio e metano na fabricação de diamantes sintéticos. Com isso, o resultado é um produto com maior grau de pu­reza que a tecnologia empregada na confecção dos primeiros diamantes artificiais. Atualmente, a técnica uti­lizada para a produção desse ma-

cos, como sinalizadores luminosos chamados de leds, normalmente vermelhos, verdes ou amarelos, que com o diamante CVD poderão ter a cor azul.

Produzir diamantes para a Clo­rovale é, além das boas perspectivas comerciais, a oportunidade de utili­zar o gás hidrogênio, um subprodu­to da fabricação do hipoclorito de sódio - matéria-prima do processo de produção da água sanitária, pro­duzida pela empresa desde a sua fundação em 1991. Com o novo projeto, o hidrogênio deixa de ser, simplesmente, jogado no ar para

a 2.300°C. Nessa temperatura, o hi­drogênio e o metano se decompõem em radicais ( CH3 e H) e vão reagir e se fixar à superfície de um substra­to, que pode ser silício, molibdênio, nióbio ou quartzo.

Nessa superfície começa a se for­mar uma cadeia carbônica policris­talina, cuja célula unitária é um cubo. A união dessas células cúbicas forma uma película ou filme de dia­mante sobre o substrato, podendo atingir espessuras desde frações de mícron até vários milímetros. O crescimento homogêneo da película é garantido no controle preciso dos

parâmetros de tempe­ratura, distância do filamento ao substra­to, composição e fluxo dos gases, pressão in­terna no reator, etc. Para produzir tubos, por exemplo, o pro­cesso é conduzido de modo que a película cresça o mais lisa pos­sível. Na produção de brocas, as células cúbi­cas do diamante cres­cem de forma abrasi­va, com rugosidades.

Umeda e Trava-Airoldi: experiência no lnpe foi decisiva para a produção de diamantes industriais

Mesmo com o do­mínio dos processos de fabricação de dia­mantes, foi difícil para os pesquisadores do Inpe encontrar em­presas interessadas na transferência da tec­

terial ainda é pré-CVD. Ela se vale da adição de vários tipos de metal para dar liga a um pó de diamante industrializado.

Cortes e cores - A tecnologia CVD também será incorporada, em futu­ro próximo, à fabricação de agulhas hipodérmicas, facas para cortes de precisão de plásticos mineralizados, serras para corte de vidro e pedras, como granito e mármore, e tubos para corte por jato d'água em altíssi­ma pressão, o chamado "corte lim­po': O uso também será estendido a alguns componentes eletroeletrôni-

tornar-se um componente essencial à produção de diamante artificial -feito, no caso, pela mistura de hidra­gênio e metano -, transformando-o num produto disponível para o mercado a custos mais baixos.

O processo- No início da produção de diamante pelo método CVD, o hidrogênio é misturado ao metano e, eventualmente, a um tipo de gás halógeno, dentro de uma câmara de mistura. Depois, a composição ga­sosa é introduzida em um reator, onde é submetida a um conjunto de filamentos de tungstênio aquecidos

nologia desenvolvida pela equipe. Foi aí que os próprios pesquisadores resolveram empreender a fase indus­trial e fizeram uma providencial união com o empresário Barreta, que os convidou para serem sócios na empresa. "Então, unimos o útil ao agradável", conta Trava-Airoldi. Em 1995, a Clorovale começou um tra­balho modesto de pesquisa em dia­mante-CVD. "Dois anos depois, en­viamos o projeto à FAPESP, que aprovou a primeira fase em 1998 e a segunda em 1999. Isso nos deu força para intensificarmos o trabalho e hoje já temos o primeiro produto em

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Page 34: Drogas: mitos desfeitos

vias de industrialização, que é a broca de dentis­ta", afirma. Na fase atual, a empresa conta com dois reatares, que servi­ram para testar a viabili­dade técnica do projeto, e está montando mais quatro, com tecnologia também desenvolvida no Inpe e na USE

Ponta de broca convencional com impurezas ... ... e sem resíduos, produzida no sistema CVD

Exportação - Um fator que tem animado os sócios da Clo­rovale foi a boa receptividade que os dois tipos de brocas odontológicas tiveram em janeiro deste ano, quan­do foram apresentadas no XIX Con­gresso Internacional de Odontolo­gia, reunido em São Paulo. Uma empresa de Ribeirão Preto, a Adiel Comercial, pesquisou o mercado para a Clorovale e várias indústrias mostraram-se interessadas, entre elas uma japonesa do setor odontológi­co, que poderá importar as brocas odontológicas brasileiras.

As perspectivas industriais e co­merciais para o diamante CVD ain­da devem apresentar um crescimen-

Dureza do carbono

Diamante é um material constituído unicamente de áto­mos de carbono. É o material mais duro que existe na nature­za e também o mais duro que se pode produzir em laboratório. Outra de suas propriedades no­táveis é ostentar grande nível de transparência dentro do espectro de radiação eletromagnética -um intervalo que vai da faixa do raio X até a do infravermelho. Seu coeficiente de atrito é extre­mamente baixo - equivalente ao do teflon utilizado em frigideiras -, o que o torna um material au­tolubrificante. Sua capacidade de dissipar calor é muito alta, qua­tro vezes maior que a do cobre. É

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to vertiginoso nos próximos anos até, quem sabe, se tornar um verda­deiro "pau para toda obra" no sécu­lo XXI. A demanda pelo diamante CVD ainda não atingiu toda a pleni-

tude criativa que esse produto feito basicamente de hidrogênio e meta­no pode receber. Portanto, tudo in­dica que no futuro próximo haverá espaço para novas indústrias se for-

marem no país, como a Clo-.: rovale. Com tantos institu­

tos de pesquisa envolvidos no estudo desse material no Brasil, existe a chance, tam­bém, do aparecimento de no­vas parcerias entre pesqui­sadores e empresas ou entre empresas e instituições aca­dêmicas. Assim, certamente, as perspectivas são de um futuro brilhante. •

de átomos de boro, transformando-o em um semicondutor, o que per­mite seu uso no segmen­to eletroeletrônico.

Imagem microscópica do diamante CVD

O diamante CVD tem propriedades equi­valentes às do diamante natural, com a vantagem de ser obtido na forma de filmes finos em super­fícies pequenas (meno­

um material compatível com te­cidos biológicos e quimicamente inerte, possibilitando boa inte­gração com material ósseo e im­plantes. Por tudo isso, o diaman­te tem numerosas aplicações. Embora seja eletricamente iso­lante, pode ser "dopado" por meio da introdução em sua es­trutura de pequena quantidade

res que lmm2) e grandes (maio­

res que 100 cm2) em diferentes

formatos para vários usos. A única dificuldade é transportá-lo para jóias, porque seus cristais não crescem como na natureza, em uma só direção. No CVD, eles crescem formando pequenos grãos, impedindo a mesma bele­za expressa no diamante natural.

Page 35: Drogas: mitos desfeitos

No rumo de Marte A Agência Espacial America­

na, a National Aeronautics and Space Administration (Nasa), es­tá testando em seus laboratórios alguns protótipos de tubos de diamante dotados de uma espé­cie de broca para perfurar e reti­rar material para análise do solo do planeta Marte. Pesquisadores da Nasa leram estudos do pro­fessor Vladimir Trava-Airoldi em revistas especializadas e fizeram um contato, ainda de modo in­formal, solicitando amostras do material. Trava-Airoldi, então, co-

PERFIS:

• VLADIMIR JESUS TRAVA AIROLDI, 45 anos, formou-se em Física pela USP, fez mestrado e doutorado no Instituto Tecnológico de Aeronáu­tica (ITA) e pós-doutorado nos Es­tados Unidos, no California Insti­tute of Technology (Caltech) e na NASA. • KrYOE UMEDA, 61 anos, formou-se em Engenharia Química pela Esco­la de Engenharia Mauá. Fez mes­trado na Escola Politécnica e dou­torado no Instituto de Química, ambos da USP. Fez pós-doutorado

meçou a fazer os tubos no Inpe, em conjunto com a equipe do professor João Roberto Moro, da Universidade São Francisco.

O interesse da Nasa é pela ca­pacidade do tubo em ser trans­parente ao raio X. Com isso, além de coletar o material, a análise pode ser realizada na própria nave pousada em solo marciano. Os tubos são minús­culos. Medem 0,4 milímetro de diâmetro interno e 0,6 milíme­tro de diâmetro externo e de 2 a 10 milímetros de compri-

---- ~ mento. "Esse é um <: estudo a longo pra-

zo, sem previsão de conclusão", informa o professor Airoldi. Se forem levados a Marte, esses tubos de diamante certa­mente se transfor­marão em um novo marco na ciência brasileira.

Tubo de diamante de 0,5 milímetro de diâmetro enviado à Nasa

no Centro de Pesquisa Nuclear de Karlsrue, Alemanha. • L UIZ GILBERTO BARRETA, 47 anos, formado em Química pela Uni­camp. Fez mestrado em Engenha­ria Nuclear na Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em En­genharia (Coppe) da Universi­dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado em Química na USP. Projeto: Desenvolvimento de Dispo­sitivos em Diamante-CVD para Aplicações de Curto Prazo Investimento: R$ 135.333, 50 e US$ 76.485,00

TECNOLOGIA

APICULTURA

Apicultores ganham com qualidade

Pesquisador desenvolve nova técnica para análise de própolis

U ma nova técnica de controle da qualidade de amostras e de

extratos de própolis está disponível para os apicultores brasileiros. A pes­quisa Proposta de Parâmetros e Méto­dos de Controle Químico de Própolis resultou em protocolos de análise des-se produto sintetiza- z

do pelas abelhas. Ela ~ ~ foi coordenada pelo :>

professor Antônio Sa- ~

latino, do Laboratório de Fitoquímica do Instituto de Biociên­cias da USP. Ele orien­tou o mestrado de Ricardo Woisky, da Faculdade de Ciên- Produto da abelha

cias Farmacêuticas da USP e bolsista da FAPESP.

Publicado no americano ]ournal of Apiculture Research, o trabalho é importante, porque o Brasil é um dos grandes exportadores para países como Japão e Alemanha. "Corremos o risco de perder mercado se não hou­ver uma padronização das caracterís­ticas da própolis", afirma Salatino.

Depois de divulgar mais ampla­mente o trabalho no ano passado, Sa­latino recebeu correspondências de apicultores, mas nenhum interessou­se em implementar o novo método. "Eles pedem que a própria USP faça os testes. Mas eu acredito que essa não é função da universidade. Nós de­vemos dar consultaria para os apicul­tores desenvolverem a infra-estrutu­ra e aplicarem esse método." •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 35

Page 36: Drogas: mitos desfeitos

TECNOLOGIA

MICROELETRÔNICA

Maior capacidade de memória

Pesquisas melhoram componentes para uso em equipamentos eletrônicos

Oaumento das fronteiras no mundo da microeletrônica é

constante. Trabalha-se muito em to­do o mundo para o desenvolvimen­to de memórias eletrônicas cada vez mais potentes, capazes de armaze­nar e processar mais informações. No Brasil, não é diferente. Pesquisas recém-finalizadas mostram um no­vo método de obtenção de filme ferroelétrico, um componente que ganha espaço na produção de me­mórias de computadores e de capa­citares- armazenadores de energia - de aparelhos eletrônicos.

A novidade parte de dois grupos de pesquisadores. Um liderado pelo professor José Arana Varela, do Laboratório Interdisciplinar de Ele­troquímica e Cerâmica (LIEC) da Universi­dade Estadual Paulis­ta (Unesp ), em Arara­quara, e o outro sob a coordenação do pro­fessor Elson Longo, do laboratório também chamado de LIEC, da Universidade Federal de São Carlos. Eles es­tão finalizando o pro­jeto temático Desenvol­vimento de Cerâmicas e Filmes Ferroelétri­cos através do Contro­le da Microestrutura. A pesquisa recebeu fi­nanciamento da FA­PESP, com valores de R$ 88,7 mil e US$

utilizados, principalmente, na com­pra de equipamentos importados, durante os quatro anos do projeto. Participaram dos estudos 40 pesqui­sadores, entre docentes e alunos de iniciação científica, mestrado, dou­torado e pós-doutorado. Essa equipe obteve resultados que permitiram até agora, a produção de 45 artigos que foram publicados em revistas especializadas internacionais.

Ácido cítrico - Com resultados me­lhores que os esperados inicialmente, os trabalhos resultaram em um filme produzido, de forma inédita, com so­lução orgânica de ácido cítrico, pre­sente em frutas como laranja e limão, sobre substratos (material de supor­te) monocristalinos, compostos de silício ou safira, por exemplo. Esses filmes também poderão ser aplicados em guias de ondas, artefatos ainda estudados em laboratório, que con-

duzem energia elétrica sob a forma de ondas luminosas, de forma seme­lhante e mais eficiente que as fibras ópticas utilizadas em telefonia.

Entende-se por filme, aqui, qual­quer película muito fina que separa duas fases de um sistema, ou forma a própria interface dessa separação. Eles originam-se entre dois líquidos, como acontece entre a água e o óleo, entre um líquido e um vapor ou na superfície dos sólidos. As pesquisas na área de filmes finos sólidos - com espessura menor que um microme­tro (milionésima parte do metro)­crescem de forma significativa devi­do às vantagens desse material, prin­cipalmente, na miniaturização de equipamentos eletrônicos.

A confecção de filmes ferroelétri­cos mais eficientes e baratos ganha importância porque eles garantem maior capacidade de memória e são candidatos a substituir as atuais me-

438,4 mil que foram Varela: filmes ferroelétricos deverão substituir as atuais memórias ferromagnéticas dos computadores

36 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

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monas dos computadores, forma­das por materiais ferromagnéticos. "No futuro, as memórias ferroelétri­cas serão as mais utilizadas", afirma o professor Varela. A ferroeletricida­de é um fenômeno apresentado por alguns cristais, como o titanato de bário. Esses materiais possuem dois centros de cargas elétricas com si­nais opostos - chamados dipolos­separados por uma pequena distân­cia. Esses dipolos podem ser direcio­nados por meio de um campo elé­trico aplicado ao material (processo chamado de polarização), permitin­do o arquivo de sinais eletrônicos.

Bilhões de ciclos - As memórias fer­roelétricas de acesso alea­tório, as FeRAMs, têm ca­racterísticas não voláteis, ou seja, uma vez removida a energia, a informação continua armazenada. O problema é que elas per­dem a polarização com o tempo de uso (número de ciclos). Essa dificuldade, denominada fadiga ferro­elétrica, é causada por vá­rios fatores, incluindo a composição do filme e a reação deste com os ele­trodos, material que cobre e faz as interconexões de um sistema.

equipes dos professores Varela e Longo foi dado com a produção de filmes muito finos (de 0,4 a 1 micro­metro) com a otimização de proces­sos convencionais utilizando um ácido tão simples e barato como o ácido cítrico. Além de simplificar o processo, o ácido cítrico é facilmen­te dissolvido em água, solubilizando sais inorgânicos de baixo custo con­tendo características químicas ne­cessárias para o processamento do material desejado. O processo, de­nominado de precursores polimé­ricos, substitui com vantagens o processo convencional, chamado de sol-gel, que requer sais caros e importados, além de necessitar de

uma manipulação em laboratório mais complexa.

O primeiro passo do trabalho dos pesquisadores foi atingir a pro­dução das cerâmicas com as caracte­rísticas ferroelétricas. Elas têm a mesma composição dos filmes, po­rém possuem tamanhos bem maio­res, tornando-se mais aptas aos ex­perimentos que essas películas microscópicas. A rota do processo de obtenção dos filmes inicia-se com a produção de resinas contendo um metal, como titânio ou bário, que forma uma reação química com áci­do cítrico e álcool, resultando em uma solução polimérica. Essa solu­ção pode ser utilizada tanto para pro­

duzir pó cerâmico como para obter filmes finos. Pa­ra atingir esse segundo objetivo, mergulha-se o substrato nessa solução, obtendo-se filmes precur­sores que, em seguida, passam por tratamento térmico- queima-, resul­tando num filme cristalino e denso com características ferroelétricas. A morfolo­gia da superfície desses fil­mes deve ter característi­cas como homogeneidade e baixa rugosidade.

Nesse sentido, os resul- A produção da cerâmica é realizada em uma prensa quente

Dopagem metálica - Ob­ter uma cerâmica ou filme padrão, no entanto, não resolve definitivamente as necessidades tecnológicas. É preciso que o material processado seja reprodu­tível, ou seja, que os lotes de materiais não apresen­tem discrepâncias em pro­priedades elétricas uns em relação aos outros, avalia Varela. Daí uma razão adicional para o controle rígido da microestrutura da cerâmica ou do filme. Esse controle é estratégico para se conseguir os resul­tados reprodutíveis, pois as propriedades elétricas desses materiais são de-

tados obtidos no LIEC no processamento de filmes finos ferroelétricos de tita­nato de bário e de tantala­to de bismuto e estrôncio são bastante animadores. Esses filmes, produzidos com soluções de ácido cítri­co, depositados em subs­tratos de silício recobertos com eletrodos de platina, apresentam fadiga ferroe­létrica desprezível após 10 bilhões de ciclos, valor de referência mínima para testes de vida útil de me­mórias de computadores.

O salto qualitativo nas pesquisas realizadas pelas A última etapa da preparação dos filmes é o tratamento térmico

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 37

Page 38: Drogas: mitos desfeitos

pendentes do tama­nho de grãos, distri­buição de fases, etc. Quando necessário, para otimizar as pro­priedades elétricas, os físicos e químicos envolvidos nesse ti­po de trabalho recor­rem a estratégias de "dopagem", com a adição de elementos químicos diferentes da composição da cerâmica.

Isolantes - Os mate­riais cerâmicos fer­roelétricos contendo chumbo são, atual­mente, os mais estu­dados. A razão disso, segundo Varela, é que esses compostos têm Microestrutura de filme de titanato de bário sobre silício

alta constante dielé-trica. Dielétricos são substâncias in­capazes de conduzir ou que condu­zem muito mal uma corrente elétrica. Ao contrário do que aconte­ce num condutor, onde a corrente elétrica flui com facilidade, num die­létrico não existem portadores de carga capazes de se deslocar sob ação de um campo elétrico externo. Os dielétricos são isolantes e só deixam passar carga elétrica sob a forma de uma descarga, quando sua rigidez dielétrica é superada. Esses mate­riais apresentam inúmeras aplica­ções na indústria eletrônica, especial­mente na microeletrônica, como em capacitares, componentes constituí­dos por dois ou mais condutores se­parados por dielétricos.

Um dos desafios na construção de capacitares para memórias de acesso dinâmico (DRAM na abreviatura em inglês), para utilização em microele­trônica, é obter filmes extremamen­te finos - menores que 0,04 micro­metro e com baixíssima corrente de fuga. As DRAMs armazenam infor­mações em circuitos integrados que contêm capacitares. Segundo o pro­fessor Varela, nas pesquisas realiza­das em Araraquara e São Carlos, em

38 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

filmes constituídos com os metais bá­rio, bismuto e tantálio, foi possível obter características elétricas que de­monstraram a utilidade e o grande potencial desses componentes para uso como memória DRAM, e em memórias RAM, de computadores.

Mercado amplo - Uma dessas apli­cações está ligada às memórias de acesso dinâmico. Na avaliação dós pesquisadores dos LIECs, pratica­mente todos os objetivos específicos da pesquisa foram atingidos nesses quatro anos de trabalho. Especial­mente os relacionados à síntese das cerâmicas. Segundo o professor Va­rela, em todos os casos foi possível relacionar a microestrutura com as propriedades elétricas observadas. Todos os filmes considerados tive­ram sua cristalização estudada, per­mitindo a maximização das proprie­dades desejadas. Além disso, as pesquisas envolveram ainda a deter­minação teórica da natureza de pola­rização dos materiais ferroelétricos por meio de cálculos quânticos.

As pesquisas permitiram ainda o estudo sistemático do processamen­to de cerâmicas ferroelétricas visan-

do ao controle ml­croestrutural desse material. Foi possível relacionar as proprie­dades elétricas com a microestrutura de­senvolvida na cerâ­mica e filmes ferroe­létricos depositados em substratos mono­cristalinos.

As aplicações pa­ra filmes finos como os desenvolvidos pe­lo LIEC têm um mercado atual esti­mado em bilhões de dólares, avalia o pro­fessor Varela.

Embora ainda não tenha indústria pro­dutora desse tipo de componente eletrô­nico, o Brasil desen-volve conhecimentos

e prepara recursos humanos da mes­ma forma que muitos países que pes­quisam tecnologias avançadas no campo da microeletrônica e da com­putação, como mostraram os estu­dos desse projeto temático. •

PERFIS:

• JOSÉ ARANA VARELA graduou-se no Instituto de Física da USP. Fez mes­trado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, doutorado na Universida­de de Washington e pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia, ambas nos Estados Unidos. É pro­fessor do Instituto de Química da Unesp, em Araraquara. • ELSON LoNGO é formado em Quí­mica pelo Instituto de Química de Araraquara (Unesp). Fez mestrado e doutorado no Instituto de Quími­ca (USP) de São Carlos. É professor do Departamento de Química da UFSCar. Projeto: Desenvolvimento de Cerâ­micas e Filmes Ferroelétricos através do Controle da Microestrutura Investimento: R$ 88.700 mais US$ 438.437,50

Page 39: Drogas: mitos desfeitos

Feromônio dentro da armadilha atrai mariposa macho do furão

Pastilha controla praga dos laranjais

Uma pastilha impregnada por feromônio, substância odori­zante emitida pelas fêmeas de insetos para atrair os machos, é a nova arma para controlar o bicho furão, uma praga que consome cerca deUS$ 50 mi­lhões, por ano, dos citriculto­res brasileiros, em perdas de frutos e gastos com defensi­vos agrícolas. A novidade foi desenvolvida por pesquisa­dores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e da Universi­dade Federal de Viçosa (UFV), com um investimento de R$ 200 mil do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). O furão é a fase de lagarta de uma mariposa negra (Ecdyto­lopha aurantiana) que fura o fruto e ali se desenvolve até se transformar em pupa e sair como adulta. O feromônio foi sintetizado por uma empresa japonesa da cidade de Tsuku-

TECNOLOGIA

ba, capital científica do Japão, pelo pesquisador brasileiro Walter Soares Leal. Segundo o coordenador do projeto, Evaldo Vilela, da UFV, a sín­tese foi realizada lá porque os resultados são mais rápidos e Leal, um dos maiores especia­listas da área, trabalha naquele país. Nos primeiros testes de campo, a pastilha de feromônio mostrou-se eficiente acondicio­nada dentro de urna armadilha revestida na parte interna com uma membrana adesiva. Com isso, os insetos são atraídos, fi­cam grudados à armadilha e morrem. Esse sistema serve para controlar o número de indíviduos dessa praga. O ci­tricultor detecta com mais fa­cilidade o problema e pode pulverizar o local exato onde ocorre o furão, não necessitan­do fazer controle preventivo com produtos químicos. •

Aparelho ortopédico facilita recuperação

Crianças e adolescentes entre 6 e 13 anos com problemas ortopédicos na região do quadril terão maior facilida-

de de recuperação com um aparelho chamado artrodis­trator, desenvolvido na Facul­dade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (FMRP). "Esse aparelho é indicado para vá­rias patologias (traumas, in­fecções, doenças metabólicas e congênitas) em que a criança tem dificuldade de caminhar ou possui afecções dolorosas no quadril'; explica o professor José Volpon, do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Trau­matologia e pesquisador do la­boratório de Bioengenharia da FMRP. O artrodistrator vai substituir tratamentos conven­cionais que incluem grandes cirurgias, principalmente na cabeça do fêmur, o maior osso da perna. Uma dessas afecções mais freqüentes e com alto po­der lesivo é a doença de Legg­Calvé-Perthes. Com a utiliza­ção do aparelho em crianças doentes, os pesquisadores con­seguiram diminuir os proble­mas causados por essa doença. Para a instalação do aparelho é preciso uma pequena cirur­gia para fixação dos pinos nos ossos através da pele. O artro­distrator afasta o osso da cabe­ça do fêmur da região do qua­dril onde está articulado. Essa

Artrodistrator instalado

estratégia deixa a área lesada protegida e propicia a acelera­ção do processo de revascula­rização do local doente, acele­rando também a regeneração dos ossos. Os pacientes usam o artrodistrator por períodos de 3 a 4 meses. Com isso, eles podem caminhar sem a ne­cessidade de ficar confinados a uma cama. O artrodistrator de quadril da FMRP está em fase de patenteamento. •

O grande mundo da nanotecnologia

Daqui a poucos anos estaremos vivendo a era das nanomáqui­nas, dispositivos em escala mo­lecular, milhões de vezes me­nores que um fio de cabelo. A previsão foi feita no encontro anual da Associação America­na para o Progresso da Ciência (American Association for the Advancement of Science), rea­lizado em fevereiro, conforme relatou o jornal americano Fi­nancial Times. Pesquisadores de laboratórios acadêmicos e de indústrias revelaram que há rá­pidos progressos no desenvolvi­mento de nanomáquinas co­mo motores moleculares e memórias para computadores, 50 mil vezes mais potentes que os meios magnéticos atuais. Além disso, será possível con­feccionar membranas capazes de abrir e fechar poros de acor­do com o tipo de molécula que se aproxime delas. Uma técnica útil, por exemplo, para tecidos de roupas que tenham o obje­tivo de evitar o suor. O diretor de ciências físicas da IBM, Tho­mas Theis, disse que mais de cem cientistas estão trabalhando no desenvolvimento de nanotecno­logias em centros de pesquisa da empresa localizados na Suíça e nos Estados Unidos. •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 39

Page 40: Drogas: mitos desfeitos

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

HOMENAGEM

Qualidade brasileira reconhecida ISI homenageia pesquisadores e lança base sobre patentes

Os 104 cientistas brasileiros mais citados em revistas científicas

internacionais entre 1990 e 1999 fo­ram homenageados, dia 29 de março, pelo Institute for Scientific Informa­tion (ISI), entidade norte-americana que mantém o banco de dados mais abrangente do mundo sobre estudos científicos em todas as áreas. Fundado em 1958, o ISI divulga, desde 1961, o Science Citation Index (SCI), um re­gistro de todas as citações de estudos

Artigo na Web ôf Science

feitas nas cerca de 3 mil publicações científicas internacionais mais rele­vantes. Todos os homenageados são autores ou co-autores de estudos ci­tados mais de 50 vezes em trabalhos posteriores.

"Um número tão alto de citações demonstra a importância do trabalho no avanço do conhecimento científi­co daquela área. Com esta homena­gem, estamos reconhecendo a exce­lência dos pesquisadores brasileiros': disse Keith McGregor, vice-presiden­te de marketing acadêmico do ISI, durante a homenagem.

O ISI identificou, nesta década, 66.974 papers escritos por pesquisa­dores brasileiros ou radicados no país,

Os mais citados

dentre os quais havia cerca de 60 tra­balhos com mais de 50 citações pos­teriores. Foram selecionados, então, os 27 papers mais citados no maior nú­mero de especialidades diferentes. Cen­to e quatro cientistas estavam envol­vidos na elaboração desses estudos. A maior parte dos trabalhos era de um amplo espectro de especialidades das áreas de ciências médicas e biológicas.

A homenagem, feita na Universida­de de São Paulo, contou com a presen­ça de representantes da comunidade científica de todo o país. A solenida­de abriu encontro de dois dias que teve como objetivo apresentar a pes­quisadores e bibliotecários de univer­sidades e centros de pesquisa os no-

N" de Autor/Autores e Instituição citações

• Lapped Transforms for Efficient Transform Subband Coding 58 Henrique Sarmento Malvar (UNB)

• A Search for T-Tauri Stars Based on the IRAs Point-Source

• lnternai-Stress Reduction by Nitrogen lncorporation in Hard Amorphous

• Tellurium Reagents in O rganic-Synthesis

• Path Following Methods for Linear-Programming

• Chronic ln hibition of Nitric-O xice Synthesis - A New Model of Arter ial Hypertension

• Beneficiai-Effects of the Open Lung Approach with Low Distending Pressures in Acute Respiratory Distress Syndrome -A Prospective Ramdomized Study on Mechanical Ventilation

• Coronary Artery Bypass Grafting without Cardiopulmonary Bypass

• Therapy for Neurocysticercosis - Comparison Between Albendazole and Praziquantel

• Restaging of Colo rectai-Cancer Based on the ldentification of Lymph Nade Micrometastases Through lmmunoperoxidade Staining of CEA and Cytokeratins

• Amazonia Biomass Burnings in 1987 and na Estimate ofTheir Tropospheric Emmisions

• Evol ution of Digestive Systems of lnsects

40 • ABRIL DE 1000 • PESQUISA FAPESP

67

68

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259

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67

60

75

81

Jane Cris tina Gregorio Hetem (USP) Jacques Raymo nd D. Lepine (Lab.Nac.Astrofísica), Germano Rodrigo Quast (Observat . Nacional), Carlos Alberto Torres (Observ. Nac.),Jo rge Ramiro De la Reza (Observ. Nac.)

Dante Ferreira Franceschini Filho (UFRJ), Carlos Alberto Achete (PUC/RJ), Fernando Lázaro 'Freire Júnior (PUC/RJ

Nicola Petragnani (USP), João Valdir Comasseto (USP)

Clóvis Caesar Gonzaga (UFRJ)

Maria Odete Ribeiro Leite (USP), Edson Ant unes (Unicamp), Gilberto De Nucci (Unicamp), Ste lla Michelazzo Loviso lo (Unicamp), Roberto Zatz (Unicamp)

Marcelo Brito Passos Amato (HC/USP). Carmem Sílvia Valente Barbas (HC/USP), Denise M. Medeiros (HC/USP), Guilherme de Paula P. Schettino (HC/USP) , Geraldo Lorenzi Filho (HC/USP) , Ronaldo Adib Kairalla (HC/USP). Daniel Daheinzelin (HC/USP), Cristiane Morais (Sta.Casa Misericórdia/ Pto.Aiegre), Eduardo Fernandes (Sta.Casa Misericórdia/Pto.Aiegre), Teresa Yae Takagaki (HC/USP), Carlos Roberto R. de Carvalho (Sta. Casa Misericórdia/Pto.Aiegre)

Enio Buffo lo (Hosp. S.Paulo/Unifesp), José Carlos de Andrade Silva (Hosp. S. Paulo/Unifesp), João Nelson Rodrigues Branco (Hosp. S. Pau lo/Unifesp), Carlos Alberto Teles (Hosp. S. Pau lo/Un ifesp), Luciano Figueiredo Aguiar (Hosp. S. Paulo/Unifesp), W alter José Gomes (Hosp. S. Paulo/Unifesp)

Osvaldo Massaiati Takayanagui (USP/RP) , Edymar Jardim (USP/RP)

Raul Cutai t (USP),Venâncio Avancini F. Aives (Hosp. Sírio Libanês), Daher El ias Cutait (Hosp. Sírio Libanês), José LuizAivim Borges (Hosp. Sírio Libanês), Júlio da Motta Singer (Hosp. Sírio Libanês), José Hippólito da Silva (Hosp. Sírio Libanês), Fábio Schimidt Goffi (Hospital Sírio Libanês)

Alberto Waingort Setzer (INPE), Marcos da Cosa Pereira (INPE)

W alter Ribeiro Terra (USP)

Page 41: Drogas: mitos desfeitos

Keith McGregor: ISI identificou 66.974 papers escritos por pesquisadores do país

lados a instituições paulistas que de­senvolvem projetos financiados pela FAPESP, assim como aqueles vinculados a universidades e institutos de pesqui­sa federais, aos quais a Capes garanti­rá o acesso. Também os pesquisado­res que trabalham em empresas terão acesso à base de dados graças a con­vênio feito entre a FAPESP e três ins­tituições: Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Micro Empresa (Sebrae), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Associação Nacional dos Pesquisadores em Em­presas Industriais (Anpei) . vos bancos de dados contratados pela

FAPESP e pela Fundação Coordena­ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Patentes - A maior novidade é o Derwent Innovation Index (DII), a mais completa base internacional de dados sobre patentes, que inclui in­formações sobre todas as inovações registradas no mundo desde 1963.

São mais de 18 milhões de patentes sobre as quais se oferece uma breve descrição, informações sobre o grau de proteção, nome e endereço do pro­prietário, além das referências sobre o artigo científico que deu origem ao invento. O acesso pode ser feito por meio de pesquisa sobre autor, área ou palavra -chave.

O acesso ao DII integra uma série de esforços empreendidos pela Capes e FAPESP para aprofundar a integração da ciência brasileira com o resto do mundo. A Fundação contratou em 1997 - e a Capes em 1999- os serviços da Web ofScience, o mais completo ban­co de dados sobre artigos publicados em mais de 8 mil revistas científicas interna­cionais de qualidade reconhecida. •

Terão acesso gratuito ao banco de dados todos os pesquisadores vincu-

Artigo na Web of Science

• Effect of Heliobacter-Pylori Eradication on Antral Gastrin­lmmunoreactive and Somatostatin - lmmunoreactive Ceii-Density and Gastr in and Somatostatin Concentrations

• lnsect Digestive Enzymes- Properties, Compartimentalization and Function

• Linkage Analysis in Autosomal Recessive Limb-girdle Muscular Distropy (AR LGMD) Maps a Six Form to 5 a 33-34 (LGMD2F) and indicares that three is at least one more subtype of AR LGMD

• Extracellular-Matrix Proteins in lntrathymic T-Cell Migration and Differentiation

• Afferent Connections of the Subthalamic Nucleus- A Combined Retrograde and Anteretrograde Horseradish - Peroxidase Study in the Rat

• Role of the Amygdala and Periaqueductal Gray in Anxiety and Panic

• Effects of Acute Nitric-Oxide lnhibition o n Rat Glo merular Microcirculation

• lmplantation and Decidualization in Rodents

• Magnetic lron-Sulfur Crystals From a Magnetotactic Microorganism

• Ethopharmacological Analysis of Rat Behaviour on the Elevated Plus-Maze

• Peripheral Analgesia and Activation of the Nitric Oxide-Cyclic GMP Pathway

• lnhibitors of the Major Cysteinyl Proteinase (G P 57/5 1) lmpair Host-Cell lnvasion and Arrest the lntracellular Develo pment of Trypanosoma-Cruzi in vitro

• Metallothionein Protects DNA From Oxidative Damage

• Generalized Statisticai-Mechanics-Connection with Thermodynamics

No de Autor/Autores e Instituição citações

60 Dulcilena Maria de M. Queiroz (UFMG), Edilberto N. Mendes (UFMG), Gifone Aguiar Rocha (UFMG), Sílvia Beleza de Moura (UFMG), Letícia Maria H. Resendes (UFMG),Aifredo José Afonso Barbosa (UFMG), Luiz Gonzaga Vaz Coelho (UFMG), Maria do Carmo Friche Passos (UFMG),Luiz de Paulo Castro (UFMG), Celso Afonso Oliveira (UFMG), Geraldo Ferre ira Lima (UFMG)

75 Walter Ribeiro Terra (USP), Clélia Ferreira (USP)

62 Maria Rita Passos-Bueno (USP), Eloísa de Sá Moreira (USP), Mariz Vainzof (USP). Suely Kazue Nagahashi Marie (USP) , Mayana Zau (USP)

62 Wi lson Savino (Fiocruz), Déa Maria Serra Villaverde (Fiocruz), Jose! i Lannes Vieira (Fiocruz)

79 Newton Sabino Canceras (USP). Sara Joyce Shammah Lagnado (USP), Bonfim Alves Silva (USP), Juarez Aranha Ricardo (USP)

62 Frederico Gui lherme Graeff (USP/RP), Maria Crist ina Leite Silveira (USP/RP), Regina Lúcia Nogueira (Univ. Est. Maringá), Elisabeth Audi (Univ. Est. Maringá), Rúbia Maria W. de O liveira (Univ. Est. Maringá)

154 Roberto Zau (USP), Gilberto De Nucci (Unicamp)

70 Pau lo Alexandre Abrahamsohn (USP), Teima Maria Tenório Zorn (USP)

58 Marcos Farina (CBPF) , Darei Mota de Souza Esquivei (UFRJ), Henrique G. P. Lins de Barros UFRJ)

92 Antônio Pedro de Mello Cruz (USP/RP), Fernando Frei (Unesp/Ass is), Freder ico Guilherme Graeff (USP/RP)

99 lgor Dimitri Gama Duarte (USP/RP) , Berenice Borges Lorenzetti (USP/RP) , Sérgio Henrique Ferreira (USP/RP)

73 Maria de Nazareth S. L. Meirelles (UFRJ), Lu iz Ju liano Neto (Fiocruz), Euridice Carmona (Unifesp), Suelen G. Silva (Unifesp) , Eduardo Moreria da Costa (Unifesp), Ana C. M. Murta (Unifesp), Júlio Scharfstein (Unifes p)

I 06 Leda Satie Chubatsu (USP), Rogério Meneghini (USP)

155 Evaldo Mendonça Fl eury Curado (C BPF), Constantino Tsallis (CBPF)

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 4 1

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ENTREVISTA

Recursos para acertar o passo Ministro diz que novos fundos devem acelerar o ritmo da produção nacional de C &T

Os cinco fundos setoriais de pesqui­sa, mais o fundo de apoio à infra­

estrutura de pesquisa na universidade pública, apresentados em abril pelo governo federal, como instrumentos com potencial para injetar mais R$ 1 bilhão por ano na área de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnoló­gico, deverão ter existência real só no próximo ano, a julgar pelas estimativas do próprio ministro da Ciência e Tec­nologia, Ronaldo Sardenberg. A maté­ria está no Congresso, com pedido de votação em caráter de urgência, o que leva o ministro a crer que será votada ainda neste semestre. Depois, deve-se

~ junto de medidas de que ele já tinha ~ conhecimento, evidentemente, e que g são essencialmente os seis fundos seta-" ~t riais. Eles foram negociados com os º- respectivos setores e com as autorida-

gastar mais seis meses em regulamen- Sardenberg: R$ I bilhão a mais

des econômicas. Eles dizem respeito a que? Energia, recursos hídricos, ativi­dades minerais, transporte, atividades espaciais e, finalmente, há o fundo de apoio à infra-estrutura de pesquisa da universidade pública, incluindo os centros de pesquisa. O último fundo resulta de uma parcela de 20% dos de­mais. Portanto, como é apenas a apli­cação de uma parcela, não é objeto de um projeto de lei. Mas é o principal fundo, o mais importante do ponto de vista conceituai, porque é o fundo que tação e outros detalhamentos técnicos.

De qualquer sorte, Sardenberg confia que os fundos constituirão um instrumento importante para que o país não fique para trás "na revolução científica e tecnológica que está em andamento no mundo': Pensa que eles vão estimu­lar a parceria entre universidades e empresas. E aposta que incentivarão a cooperação entre universidades de re­giões mais e menos desenvolvidas, reduzindo as dispari­dades regionais em C&T, na medida em que um volume maior de recursos será destinado às últimas que, para gas­tar bem o dinheiro, procurarão o apoio daquelas mais avan­çadas- normalmente situadas nas regiões mais desenvolvi­das do país. Na entrevista a seguir, concedida a Mariluce Moura, o ministro detalha o funcionamento dos fundos.

• Eu gostaria que o senhor explicasse em linhas gerais como vão funcionar os fundos setoriais de pesquisa.

- Em primeiro lugar, a criação de fundos setoriais e de outros mecanismos decorre da percepção de que os re­cursos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento por intermédio do Ministério da Ciência e Tecnologia são in­suficientes. A partir dessa percepção, o próprio presiden­te da República pediu a mim e ao ministro Paulo Renato (da Educação) que apresentássemos propostas relativas à pesquisa e a sua infra-estrutura nas universidades e nos centros de pesquisa. Isso foi em 15 de janeiro. Em 3 de abril, apresentamos formalmente ao presidente um con-

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apoia a universidade e a empresa no processo de inova­ção, agora, com a finalidade da inovação tecnológica.

• Como são gerados os recursos para os fundos setoriais?

- Eles derivam basicamente de contribuições pagas pe­las empresas em função dos processos de privatização e de concessões. Já o sexto fundo deriva do imposto de ren­da sobre royalties que as companhias remetem ao exte­rior para fim de remuneração de marcas, de patentes, de serviços técnicos. Em todos os casos tratam-se de parce­las desses recursos que são atribuídos ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT. E um aspecto importante desse processo é que o FNDCT se tornou perene. Uma semana antes do anúncio dos fundos isso foi feito pelo presidente, quer dizer, ele não mais de­volverá ao Tesouro o superavit que tiver no correr do ano.

• Isso permite trabalhar com prazos mais longos ...

- .. . sim, o que é mais eficaz, porque a maioria das pes­quisas corre, na realidade, por mais de um ano. Assim, os fundos fortalecem o setor em termos financeiros, facili­tam sua estabilidade, até porque os recursos vêm de uma grande variedade de fontes, e não é provável que todas as fontes sofram problemas ao mesmo tempo. Outro aspec­to importante é que são fundos não orçamentários, e não

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estão em princípio sujeitos a cortes de tipo orçamentário, problema que temos vivido. E há também um aspecto a considerar de crescimento dos recursos, porque os fim­dos serão implementados aos poucos. Por exemplo: o ci­clo do fundo de energia vai a seis anos de recursos cres­centes, depois estabiliza. No total, os recursos do fundo são da ordem de R$ 1 bilhão, no momento.

• A contribuição decorrente de privatizações e concessões é estabelecida a partir de um percentual. De que ordem?

-Isso varia muito, às vezes é 10%, às vezes é 1%. Isso foi objeto de uma longa negociação. E é importante notar que, como são contribuições já previstas nos contratos, não provocam impacto sobre

cional de Petróleo e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) divulgaram quatro editais no valor de R$ 97 milhões. Com mais R$ 1 O milhões que tinham sido anunciados pelo edital do CNPq são, ao todo, R$ 107 mi­lhões, que constituem o maior conjunto de editais já fei­to em matéria de ciência tecnologia no Brasil, em qual­quer tempo.

• E esses editais destinam esses recursos para que?

- Dois editais, perfazendo R$ 25 milhões de reais, se­lecionam, por concorrência, instituições públicas e pri­vadas, sem fins lucrativos, que desenvolvam processos e

instrumentos para melhorar o con­trole de qualidade do combustível e a

custos empresariais ou sobre preços ao consumidor. Assim, de certa forma, o que temos é um ovo de Colombo. Uma par­cela de recursos que eram correntemen­te devolvidos ao Tesouro, por exemplo, por agências reguladoras superavitárias, passará a ser recolhida ao FNDCT.

"O projeto em

parceria entre

universidade

implantação de uma rede de labora­tórios de pesquisa e monitoramento da qualidade dos combustíveis que são vendidos ao consumidor. Depois, R$ 55 milhões são para atender áreas temáticas da indústria de petróleo, quer dizer, melhorar a tecnologia de águas profundas, melhorar a tecno­logia de dutos, de refino, etc. Desses R$ 55 milhões, R$ 40 milhões desti­nam-se a projetos cooperativos entre

• Em relação ao percentual do imposto de renda sobre royalties para o sexto fundo, de quanto ele é?

e empresa

terá pontuação

melhor"

- O imposto de renda é da ordem de 25%. E nós vamos recolher para esse ftmdo 10%, sendo que os outros 15% continuarão sendo recolhidos ao Tesouro. Há uma renúncia fiscal, portanto, de 10%.

• Mas na utilização do imposto de renda sobre royalties aproveitou-se de algum mecanismos estabelecidos pela lei 8661, de1994?

- Não. A lei 8661 é um outro mecanismo de incentivo. Não há impacto, não há incidência de uma coisa sobre a outra. Ela continua em vigor, mas, em função da crise de 98, das medidas adotadas na ocasião, os incentivos caí­ram pela metade. Mais adiante, superada essa fase, vamos discutir com as autoridades económicas a necessidade de fazer voltar os incentivos aos padrões anteriores, de nor­malidade. Mas essa é uma discussão que está no futuro. O que está já no presente é que também foram criados três grupos de trabalho para criar três outros fundos: de saú­de, agronegócio e aeronáutica. Já começamos efetiva­mente a discussão com agricultura, e é mais do que pro­vável que daqui a 60 dias, 90 dias no máximo, tenhamos propostas concretas para apresentar ao presidente

• Ministro, qual foi a fonte de inspiração dos fundos setoriais?

- Começou com o fundo de petróleo e gás, no final do ano passado. E já no mês de abril deste ano, a Agência Na-

as universidades, os centros de pesqui­sa e as empresas, e os R$ 15 milhões

restantes vão para projetos isolados feitos pelas empre­sas. Do valor total, 40% serão obrigatoriamente aplica­dos no Norte e Nordeste, de acordo com a lei do fundo de petróleo e gás, o CTPetro visando diminuir os dese­quilíbrios regionais.

• Chegamos assim a R$ 80 milhões. E o resto?

- O quarto edital vai para 20 universidades do Norte e Nordeste e cada uma receberá até R$ 1 milhão para refor­ço da infra-estrutura de pesquisa. Quanto ao edital do CNPq, ele se dirige diretamente à pesquisa básica dirigi­da. E é interessante nesse caso do CTPetro, como deverá ser nos outros fundos, sua tendência a promover um pro­grama de pesquisa integrado, que possa cobrir pratica­mente toda a cadeia de conhecimento, desde a pesquisa básica, até a engenharia, o desenvolvimento tecnológico, repercussão sobre o homem e sobre a sociedade, reper­cussões ambientais, etc.

• Aproveitando sua referência a repercussões ambientais, na regulação desses fundos está prevista alguma medida de preservação ambiental?

- O conceito essencial que está em sua base é o de de­senvolvimento sustentável, que incorpora as preocupa­ções ambientais. Por trás dos valores existe uma filoso-

PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 1999 • 43

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

fia de modernização do processo e de modernização dos objetivos, que devem ser congruentes com as aspi­rações da sociedade e com as necessidades do setor pro­dutivo. Por outro lado é importante ressaltar a mu­dança dos métodos de gestão, a generalização da experiência do CTPetro. Isso quer dizer que a gestão é compartilhada, há um comitê gestor de cada fundo, no qual está representado o Ministério da Ciência e Tecno­logia e o ministério do setor. Às vezes, quando há for­mação de recursos humanos, está representado tam­bém o Ministério da Educação. Assim, em primeiro lugar, há uma avaliação das necessidades tecnológicas do setor, das demandas, dos gargalos e a partir daí, esse comitê, que também tem represen-tantes da iniciativa privada e da co-

complementares, há que detalhar, há que criar um regu­lamento, daí porque ficamos com receio de que, seguin­do por um processo mais longo, tendo em vista que o próximo semestre é um semestre eleitoral, acabássemos perdendo muito tempo e, claro que a razão última desses fundos é o fato de que existe uma revolução científica e tecnológica em andamento no mundo e que nós não po­demos ficar para trás. Como até o presidente disse, temos que acelerar. O dado mais essencial é o da aceleração. O segundo dado essencial é o da parceria. Precisamos jun­tar recursos.

• O senhor acredita que o sistema já instalado de produção de pesquisa científica e tecnológica é su­ficiente para absorver esses recursos?

munidade científica, elabora esses editais, ou seja, eles não são arbitrá­rios. E aí os diferentes interessados em realizar projetos apresentam suas propostas, que são objeto de competi­ção entre eles. De concorrência.

"Os indicadores

internacionais

mostram que

nosso sistema

- Eu não espero sobra, não. Existe uma demanda muito grande. Agora, é claro que por trás de tudo está uma avaliação de que é necessário que o sis­tema cresça. Quer dizer: para poder acompanhar a revolução científica e tecnológica em andamento é necessá­rio que o nosso sistema cresça. Aliás, as estatísticas, os dados, os indicadores in­ternacionais nos levam a perceber que

• Esses projetas podem vir só de universi­dades, de esquemas de parceria univer­sidade/empresa e só de empresas.

é relativamente

pequeno"

- Exato. Evidentemente, quando hou­ver parceria a pontuação será melhor, porque um dos nossos objetivos básicos é unir os esfor­ços da universidade com os esforços empresariais, quer dizer, mobilizar o capital forte que o Brasil tem em ma­téria de conhecimento para a geração de inovações tec­nológicas.

• Há alguma inovação no sistema de seleção dos projetas?

-Os projetos serão apresentados ao comitê gestor, que tem a liberdade de contratar consultores, relatores; é um problema puramente de gestão. Evidentemente, tendo em vista a composição de cada comitê gestor, com oito ou nove pessoas e em que os diferentes setores interessa­dos estão representados, há uma transparência muito grande no processo.

• Quando os recursos dos novos fundos estarão, de fato, dis­poníveis?

- Neste momento, esses fundos estão no Congresso e o presidente solicitou ao deputado Arnaldo Madeira, líder do governo na Câmara, que gestione no sentido de que eles mereçam tratamento de urgência, não urgência ur­gentíssima, mas urgência. Minha expectativa é de que eles sejam votados ainda neste semestre. Mas, naturalmente, para colocar um fundo desse em vigor vamos gastar pelo menos seis meses. Há uma série de instrumentos legais,

44 · ABRIL DE 1999 • PESQUISA FAPESP

o nosso sistema é relativamente peque­no, ainda que haja gente que acha que

existem 180 mil pessoas no setor, provavelmente uma es­timativa exagerada.

• Feitas as contas dos fundos e considerando os recursos já canalizados para pesquisa científica e tecnológica, a qt!e pa­tamar de investimento anual chegaremos?

-Estamos nesse momento justamente fazendo a avalia­ção da participação percentual de ciência e tecnologia no produto interno bruto. Não estamos ainda com esse nú­mero final, mas o importante é que o orçamento do mi­nistério hoje é de R$ 1 bilhão e no novo orçamento vai chegar a praticamente R$ 1,7 bilhão. Somando-se isso com os recursos dos fundos, temos a maior injeção de re­cursos no Brasil, no setor, nesses 15 anos de ministério ou mesmo anteriormente.

• Parece-me que o senhor não acredita naquele percentual de 1% do PIB que já teríamos atingido em investimentos na área de ciência e tecnologia.

- Olha, provavelmente chegamos, embora haja uma controvérsia. A minha opinião pessoal é que devemos es­tar por essa ordem, de 1 o/o a 1,1 o/o. Mas não quero me fi­xar num número específico porque estamos justamente estudando esse problema e, se eu definir um número, acabo influenciando o resultado do nosso estudo. •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PARCERIA

Competência exportada para os EUA

Pesquisadores da ONSA vão seqüenciar o genoma da Xylella da videira

P esquisadores brasileiros da re­de ONSA vão realizar o seqüen­

ciamento genético da Xylella fasti­diosa que ataca videiras nos Estados Unidos, causando prejuízos anuais de dezenas de milhões de dólares a plan­tações na Califórnia. Pesquisadores norte-americanos vão participar dos trabalhos de análise. O anúncio da par­ceria foi feito no dia 14 de abril, na­quele Estado, em reunião que teve a presença do ministro brasileiro da Agricultura, Marcos Pratini de Moares. O convite para a participação brasi­leira veio do Serviço de Pesquisa em Agricultura (ARS) dos Estados Uni­dos, órgão do Departamento de Agri­cultura dos Estados Unidos (USDA), e da American Vineyard Foundation, após os 35laboratórios paulistas liga­dos à rede ONSA terem concluído, em janeiro passado, o seqüenciamen­to genético da Xylella fastidiosa que ataca os citros. O artigo cientifico so­bre esse feito será publicado na Na­ture, nas próximas semanas.

Parentes próximas, as duas bacté­rias agem e produzem sintomas bas­tante parecidos nas plantas atacadas por elas. A que afeta os laranjais brasi­leiros, provoca a clorose variegada dos citros ( CVC) ou praga do amarelinho. Tendo como veto r cinco diferentes es­pécies de cigarrinhas, essa Xylella en­tope o xilema da planta, impedindo a circulação da água e nutrientes, cau­sando o amarelamento de folhas e o emurchecimento dos frutos, até amor­te da árvore. A Xylella fastidiosa que

Folha afetada pelo mal de Pierce

Cigarrinhas vetoras da Xy/e//a

ataca as videiras norte-americanas pro­voca o mal de Pierce. Também trans­mitida por uma cigarrinha, ela age da mesma forma que a sua homônima, provocando os mesmos sintomas.

Oportunidades - O projeto será fi­nanciado pelas duas instituições norte-americanas e pela FAPESP. A ARS e a American Vineyard Founda­tion entrarão com US$ 125 mil cada e a FAPESP com US$ 250 mil. A pes­quisa brasileira será coordenada por Andrew Simpson, que foi o coorde­nador de DNA do projeto Genoma Xylella, enquanto a parte norte-ame­ricana estará sob a responsabilidade de Edwin Civerolo, do Departamen­to de Patologia de Plantas da Univer-

sidade da Califórnia e da Unidade de Pesquisa em Genética de Produtos Agrícolas e Patologia, do ARS.

Para Civerolo, as perspectivas da parceria são muito animadoras. "É uma oportunidade muito boa e acre­ditamos que teremos bons resultados, a partir dessa pesquisa em colabora­ção, no conhecimento e controle da Xylella que ataca as uvas da Califór­nia." E segundo Floyd Horn, admi­nistrador do ARS, a expertise dos pes­quisadores brasileiros será de enorme importância para a adoção de estra­tégias de controle do mal de Pierce.

Também para os brasileiros a par­ceria representa boas oportunida­des, segundo o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. "A in­formação sobre o genoma dessa ou­tra linhagem da Xylella fastidiosa que ataca as vinhas vai ser muito importante para o Genoma Funcio­nal da Xylella que provoca o amare­linho, pela observação de genes au­sentes ou presença de seqüências de genes com a mesma função", diz ele. Ainda no âmbito do Genoma Fun­cional da Xylella, Perez assinala ainda que o trabalho conjunto com exce­lentes fitopatologistas norte-ameri­canos poderá acelerar a obtenção de estratégias para controle da CVC.

Por fim, no entender do diretor científico, o projeto confere uma grande visibilidade à ciência brasi­leira, na medida em que se reconhe­ce a competência dos nossos pesqui­sadores para dar uma contribuição científica na solução de um proble­ma de relevância econômica para os Estados Unidos, país líder em ciência e tecnologia no mundo. Isso ficou evi­dente na edição do jornal Los Angeles Times do dia 15 de abril, que publicou reportagem sobre a parceria, com o título "Grupo brasileiro vai ajudar a combater a doença da videira".

A expectativa é que a semelhança entre as duas Xylellas simplifique o processo de obtenção do genoma in­teiro da bactéria e o seqüenciamento esteja concluído em menos de um ano. Da rede ONSA, cerca de dez la­boratórios deverão participar. •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 45

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Salvem a ciência britânica!

Três novos relatórios sobre a situação dos jovens pesquisadores britânicos reforçam a visão de que muitos deles estão abandonando o universo acadêmico, desencorajados por salários e perspectivas insatisfatórias da carreira científica, informou a Nature de 30 de março passado. Dois dos relatórios, publicados naquele mesmo dia pelo Wellcome Trust, ressaltam que jovens pesquisadores beneficiados por generosas bolsas de doutorado dessa instituição experimentam, depois, na maior parte dos postos acadêmicos, queda nos salários líquidos e uma considerável desilusão com o mundo acadêmico. O grupo Save British Science, por sua vez, em relatório baseado num levantamento feito entre estudantes de ciência de nível superior, mostrou que muitos deles consideram muito baixa a bolsa de doutorado de 6,5 mil libras ao ano (US$10,3 mil). Os estudantes também foram unânimes na avaliação de que em nenhum estágio receberam informação suficiente que os capacitasse a fazer boas escolhas na carretra.

Demissão para acalmar professores

Derrotado pela poderosa comunidade científica francesa e por professores dos vários níveis de ensino,

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS

Claude Allegre perdeu no fim de março o cargo de ministro da Educação Nacional, da Pesquisa e da Tecnologia. O primeiro ministro Lionel Jospin, amigo de longa data de Allegre, decidiu afastá-lo depois que a impopularidade do ministro entre os professores atingiu um ponto crítico, culminando com grandes manifestações de rua para exigir sua demissão. Pesquisa e educação estão agora divididas em diferentes ministérios, cada um liderado por um político. O ministro de Pesquisa é Roger-Gérard Schwartzenberg, um parlamentar de esquerda e especialista em leis que foi secretário de Educação no começo da década de 80. E Jack Lang, ex-ministro da Cultura e um dos mais populares políticos franceses, é o ministro da Educação.

Índia e EUA retiram o frango do freezer

Regunath Mashelkar, presidente do Conselho de Pesquisa Científica e Industrial da Índia, descreve a colaboração com os Estados Unidos como um "frango congelado" que, em decorrência de tensões políticas entre os países, foi deixado no freezer por nove anos. Mas há cerca de dois meses, informa a Nature de 30 de março, os dois países concordaram em instituir um fórum conjunto para promover uma maior interação entre os institutos de pesquisa do governo, as universidades e a indústria privada. Apesar da relativa falta de recursos e de um programa incerto, assessores do governo indiano dizem que a criação do fórum, que deve começar a funcionar em junho, marca um passo importante para a renovação de relações científicas entre os dois países. "O fórum tirou o frango do freezer", disse Mashelkar. O acordo foi assinado pela secretária de Estado dos Estados Unidos, Madeleine Albright, e pelo ministro da Ciência indiano, Murli Manohar Joshi, durante a visita do presidente Bill Clinton a Nova Délhi. A cooperação científica entre os dois países atingiu seu ápice nos anos 80 e declinou nos

anos 90, quando os EUA queriam que a Índia assinasse a Convenção de Paris (finalmente assinada no ano passado) e promovesse a proteção de patentes para produtos desenvolvidos em programas conjuntos. A Índia primeiramente se recusou a introduzir emendas em sua lei sobre direitos de propriedade intelectual, que permitia patentes de processos, mas não de produtos (agora há uma nova lei de patentes no congresso). A cooperação também parou virtualmente porque Washington pretendia que a Índia acabasse com seu programa de mísseis e com os testes nucleares postos em prática dois anos atrás. "O fórum é um sinal de que

a porta está se abrindo de novo", disse Valangiman Ramamurthi, secretário para o Departamento de Ciência e Tecnologia. Os Estados Unidos não estão pondo dinheiro novo no fórum, apenas transferindo cerca de US$ 7 milhões do agora extinto Fundo Estados Unidos-Índia.

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Mais doutores, mais patentes

Tecnologia dá retorno? A questão foi tema de um simpósio promovido pela Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), no auditório da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em 30 de março último. A associação apresentou os resultados da última versão (a nona) da Base de Dados Sobre Indicadores Empresariais de Inovação Tecnológica, em que foram ouvidos representantes de 427 empresas de todos os tamanhos, desde micros a companhias de grande porte. Alguns dos dados mais interessantes da pesquisa referem-se ao impacto da interação entre empresas e universidades. Vejamos: estabelecidos dois diferentes grupos de empresas conforme o grau de sua interação com universidades e centros de pesquisa, o primeiro com 47 empresas em que ela é mais intensa, e o segundo com 39 empresas em que essa interação é mais débil, verificou-se que, no primeiro, existem, em média, 113 funcionários por empresa (sendo 9 doutores) trabalhando em pesquisa, desenvolvimento e engenharia (P&D&E), enquanto no segundo há, em média, 21 funcionários por empresa nessas atividades (apenas 0,05 doutor). Mais importante: no primeiro grupo, que tem mais profissionais com doutorado, registraram-se duas patentes por ano e por empresa; no outro,

apenas 0,8 patente por empresa no mesmo período. Dado importante também a considerar é que, no geral, a liderança no registro de patentes, nos últimos dez anos, vem sendo exercida pelas empresas nacionais (341 na pesquisa): elas apresentam um registro médio anual de 0,48 patente enquanto as multinacionais (86) respondem por 0,31 patente. Curioso é que as multinacionais tiveram, em 1998, um valor médio de dispêndios em P&D&E de US$ 4,6 milhões, enquanto as nacionais despenderam em média US$ 1,9 milhão.

Lucros da inovação tecnológica

No simpósio organizado pela Anpei foram apresentados três casos de sucesso do desenvolvimento de tecnologia dentro da empresa, bem expressos em lucros e maior participação de mercado. O primeiro foi o da Embraer, relatado pelo gerente de desenvolvimento tecnológico da empresa, Hugo Borelli Rezende, que detalhou o permanente esforço de inovação tecnológica da empresa para atingir e se manter na liderança do mercado mundial de aviões a jato regionais. No caso da Johnson & Johnson, seu gerente de P&D, Antonio Carlos Ribeiro, mostrou que 41% do faturamento da empresa depende da atividade de P&D&E. O último caso de sucesso apresentado foi o da ltautec­Philco, com destaque para os sistemas de automação bancária, terminais de pontos-de-venda

e o lançamento do Infomusic, um aparelho destinado a amostragem de músicas em CD. A exposição foi feita pelo gerente de desenvolvimento e automação da empresa, Milton Shizuo Noguchi. Na última parte do simpósio - que até o final do ano será repetido em Curitiba, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza -, o presidente da FAPESP, Carlos Henrique Brito Cruz, explicou os programas de.apoio à inovação tecnológica mantidos por esta Fundação: o PITE, Parceria para Inovação Tecnológica, e o PIPE, Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas. Depois de ressaltar que o apoio financeiro da FAPESP tem por objetivo levar o conhecimento para mais perto do desenvolvimento econômico e social, Brito Cruz lançou um desafio para empresários e gerentes de P&D presentes à reunião: "Tragam sugestões e propostas para envolver empresas em projetas que gerem tecnologia e sejam interessantes para a indústria".

Renovação no Conselho Superior

Os professores Ricardo Renzo Brentani e Vahan Agopyan são os dois novos membros do Conselho Superior da FAPESP. Eles substituem os professores Ruy Laurenti e Celso de Barros Gomes que terminaram o mandato. No decreto assinado em 14 de abril pelo governador Mário Covas, também consta a indicação de Adilson Avansi de Abreu, reconduzido a um novo mandato de seis anos. Os três representam a USP. Brentani é professor da Faculdade de Medicina e diretor do Instituto Ludwig. Agopyan é vice­diretor da Escola Politécnica. No dia 15 de maio haverá a eleição da lista tríplice que será enviada ao governador para a escolha de mais um membro do Conselho Superior. Dessa vez, a representação refere-se aos Institutos de Ensino Superior e de Pesquisa, oficiais ou particulares. Estão inscritos 17 professores de 12 instituições.

Homenagem aos consultores

A FAPESP homenageou, em 21 de março passado, os membros do Steering Committee do projeto Genoma da Xylella fastidiosa com placas de reconhecimento à sua contribuição à ciência brasileira. Estavam presentes os pesquisadores André Goffeau eSteve Oliver. Mas as placas foram destinadas também a John Sgouros, Antonio Paiva e João Lúcio de Azevedo.

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 47

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ECONOMIA

O novo rural brasileiro

Reduziu-se o abismo tradicional entre

meios urbanos e rurais

CLAUDIA IZIQUE

A, rea rural brasileira não se restringe mais aquelas atividades relacionadas à agrope­uária e agroindústria. Nas últimas déca­

das, o meio rural vem ganhando novas unções- agrícolas e não-agrícolas- e ofe­

recendo novas oportunidades de trabalho e renda para famílias. Agora, a agropecuária moderna e a agricultu­ra de subsistência dividem espaço com um conjunto de atividades ligadas ao lazer, prestação de serviços e até à indústria, reduzindo, cada vez mais, os limites en­tre o rural e o urbano no País.

Esse é o cenário que está se delineando a partir dos resultados da pesquisa Caracterização do Novo Rural Brasileiro, 1992/98, batizada de Projeto Rurbano, coor­denada pelos professores José Graziano da Silva e Ro­dolfo Hoffmann, do Núcleo de Estudos Agrícolas, do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp ). O projeto, que inicia sua terceira fase, con­ta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do Programa de Nú­cleos de Excelência- Pronex/CNPq/Finep e da Secreta­ria de Desenvolvimento Rural do Ministério da Agri­cultura e do Abastecimento(SDR/MAA), e reúne 35 especialistas com doutorado, 17 pesquisadores, 11 uni­versidades federais e dois núcleos da Empresa Brasilei­ra de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

"O mundo rural é maior do que o agrícola", consta­ta Graziano. O novo rural incorporou atividades até então consideradas como hobbies ou pequenos empre­endimentos, transformando-as em negócios rentáveis: multiplicam-se os "pesque-pague", os sítios de lazer, as casas de campo, fruticultura, floricultura, além de uma série de serviços, como restaurantes, clubes, hotéis-fa­zenda, etc.

Trabalhador do campo: novos personagens substituem o antigo "caipira"

.... ....__ ___ .

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Essas atividades têm se revelado, muitas ve­zes, mais lucrativas do que a produção agríco­la tradicional. Os mais de mil pesque-pague espalhados por cháca­ras e sítios em todo o Brasil, por exemplo, uti­lizados como lazer pela classe média urbana, já são responsáveis por 90% do destino dos pei­xes de água doce cria­dos em cativeiro. "Mui­tas dessas propriedades trocaram a agricultura pela pescaria de lazer, que pode gerar alta re­ceita para os proprietá­rios", afirma Graziano.

Os exemplos - Na re­gião de Ribeirão Preto, um fazendeiro substi­tuiu a produção de lei­ Muralha de cowboys: Barretes salta de I I O mil para I, 2 milhão de pessoas durante Festa do Peão

te deficitária por uma bem-sucedida criação de aves nobres e exóticas, como faisões, perdizes e codornas, vendidas a supermercados, restaurantes e à agroindústria. Junto com a criação, está implantando um programa de turismo ecológico, que inclui aula de educação ambiental, com o qual pretende aumentar ainda mais a rentabilidade da área.

Muitos agricultores igualmente têm tido sucesso com investimentos na criação de rãs, camarões de água doce, javalis ou escargots. E cresce, cada vez mais, o cultivo de verduras e legumes em estufas ou pelo méto­do hidropônico, atividades altamen­te intensivas em mão-de-obra. Só para ter uma idéia, a produção de le­gumes em São Paulo, apesar de ocu­par apenas 1% da área total cultivada no Estado, responde por cerca de 9% da demanda da força de trabalho agrícola. Também é significativa a expansão do mercado consumidor de flores e plantas ornamentais, cuja produção utiliza, em média, 50 pes­soas para cada hectare cultivado.

O turismo rural, atividade em franca expansão nas áreas de repre-

50 • ABRIL DE 1000 • PESQUISA FAPESP

Musa country: inspiração americana

sas formadas para a geração de ener­gia elétrica e ao longo dos rios, é apontado por Graziano como um importante vetar de desenvolvimen­to de novas atividades não-agríco­las, sobretudo das áreas rurais ribei­rinhas à Hidrovia Tietê-Paraná, que

corta os Estados de São Paulo, Para­ná, Goiás e Mato Grosso do Sul.

Festas de rodeio - Nesse conjunto de atividades não-agrícolas que se proliferam na área rural, o pesqui­sador destaca as festas de rodeio como uma das mais dinâmicas, lu­crativas e expressivas do novo rural brasileiro. Anualmente, mais de 1.200 festas de rodeio são realizadas em todo o País. "Em 1996, essas fes­tas atraíram um público de 26 mi­lhões de pessoas, três vezes mais do que o Campeonato Brasileiro de Futebol. E movimentaram algo em torno de US$ SOO milhões", conta­biliza Graziano.

Durante a Festa do Peão de Boia­deiro de Barretos, considerada o maior rodeio do mundo, a popula­ção do município salta de 110 mil habitantes para 1,2 milhão. O fatu­ramento atinge a cifra de US$ 120 milhões, bem mais do que os US$ 45 milhões registrados no carnaval ca­rioca. "E esse é um gasto local, um dinheiro que gira no município e alavanca o desenvolvimento das lo-

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temente o Brasil, a convite da FAPESP, quem demonstrou que essa perspectiva de análise, transposta à realidade brasileira, es­tava equivocada.

Nos Estados Uni­dos, de acordo com a análise de Goodman, a modernização da so­ciedade levou à cons­tituição de três áreas distintas e comple­mentares: o urbano, o rural e o selvagem. "O urbano é enten­dido como sinônimo de metropolitano, o rural diz respeito às áreas não-metropoli­tanas e o selvagem en­globa os Parques de Conservação Nacio­nal", detalha.

Salto duplo: durante as festas, faturamento da cidade supera em muito o do carnaval carioca Na Europa, o pro­

calidades situadas fora do eixo me­tropolitano", afirma.

O rodeio também é a galinha dos ovos de ouro de Americana. A sua Festa de Peão resulta num fatura­mento deUS$ 15 milhões e já repre­senta 10% da receita do município, além de ser um forte estímulo ao co­mércio local, que se recupera dos efeitos da crise da indústria têxtil.

Um detalhe importante: as duas festas, assim como a maioria dos ro­deios do País, são realizadas sem qualquer apoio da Embratur, que, entre os seus 26 programas de in­centivo, não tem linha de crédito para o financiamento desse tipo de atividade, afirma Graziano.

Esses exemplos, argumenta o pro­fessor, não deixam dúvidas de que o novo rural brasileiro, distinto do agrícola, precisa ser repensado. Caso contrário, ele diz, corremos o risco de chegar ao novo milênio "com as mes­mas políticas produtivistas inspira­das na Revolução Verde dos anos 50".

Análise equivocada - "Durante dé­cadas, reduzimos o rural ao agrícola,

De tirar o chapéu: sucesso sem a Embratur

em função da mecanização da agri­cultura, e utilizamos o mesmo mo­delo do pensamento americano", admite Graziano. E foi exatamente um pesquisador norte-americano, David Goodman, da Universidade da Califórnia, que visitou recenten-

cesso é distinto. A or­ganização do espaço vai da metró­pole ao urbano (neste caso, definido como não-metrópole), passando pelo rural (já intensamente urbani­zado), até o country side, área desti­nada às fazendas de caça, pousadas, etc. "Na Europa, o rural convive com o não-agrícola", ressalva. "No Brasil, não temos preservação de áreas sel­vagens nem um country side, mas um rural reduzido ao agrícola", de­duz Graziano.

O resultado dessa confusão é que, no Brasil, o rural travestido de agrí­cola acaba por se tornar "terra de ninguém". O município, responsável pelos serviços de água, coleta de es­goto, energia elétrica, etc., não aten­de a população rural e tampouco tem competência para legislar fora do perímetro urbano. O resultado é que, enquanto mais de 95% da po­pulação urbana tem acesso a esgotos sanitário e luz elétrica, de acordo com dados do PNAD de 1996, na área rural essa porcentagem é pouco maior do que 60%.

Outro exemplo, ainda mais dra­mático, dá conta do preço pago pelas

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • SI

Page 52: Drogas: mitos desfeitos

famílias rurais pela falta de políticas adequadas ao campo: o índice de analfabetismo na área rural, no mes­mo período, era de 29,3% contra 10% registrado nas áreas urbanas.

"Quem legisla sobre o rural é o Ministério da Agricultura e a legis­lação é estritamente agrícola, para favorecer a produção", afirma. "É preciso reformular a legislação fe­deral, estadual e municipal, ade­quando-as à realidade do novo ru­ral no Brasil."

Parâmetros ultrapassados pela dinâmica do desenvolvimento do meio rural brasileiro estabelecem, por exemplo, que a área mínima au­torizada para o fracionamento da propriedade rural é de 1 hectare. "Uma fração menor do que 1 hecta­re é considerada ilegal; então, o rural brasileiro é ficção e ilegalidade to­tal", comenta Graziano.

As mesmas regras restringem, ainda, os programas de assentamento de famílias, tanto no âmbito federal como estadual, às atividades agríco­las; limitam a concessão de benefíci­os permanentes, como pensões e aposentadorias a trabalha-dores rurais, especialmente z

quando J.á existe outro bene- ~ g ficiário na família; excluem

" os domicílios rurais que não ~

são produtores agrícolas dos programas de eletrificação rural e impedem o desenvol­vimento de uma política ha­bitacional para o meio rural, apenas para citar alguns exemplos.

E o mais grave: a velha leg.islação não reconhece as novas ocupações rurais. "A profissão de peão de boia­deiro, por exemplo, não é

Gado, crisântemos e condomínios de luxo

reconhecida ou regulamentada: o que acontece quando ele se aciden­ta? E o caseiro: é um trabalhador rural ou um empregado domésti­co?", indaga. E continua: "Quem cria escargot ainda é considerado pecuarista".

A família Sato cultiva 8 mil mu­das de crisântemo nas 79 estufas que ocupam pouco mais de um oi­tavo da área de um sítio de 8 alquei­res localizado na Estrada do Guará, a pouco menos de 8 quilômetros do perímetro urbano de Campinas. "Essas terras já produziram de tudo, de legumes até café; hoje, so­mos cooperados de Holambra e está dando para viver': conta Wan­da Sato, 32 anos.

No ano passado, a queda no preço do cri­sântemo obrigou a famí­lia Sato a recorrer a um empréstimo do Banespa. "O maço do crisântemo,

Sem mentira: I 00 pessoas por dia nos pesque-pague

A propriedade, dividida entre dois irmãos, fazia parte da antiga Colônia Tozan, formada por japo­neses que se instalaram em área lo­teada da fazenda Monte Desch, há mais de 40 anos. "Muitos colonos voltaram ao Japão e venderam suas terras para brasileiros, mas a nossa família permaneceu", diz Wanda.

O sítio emprega entre 12 e 14 empregados. "Os nossos filhos ain­da são pequenos, têm entre 8 e 10 anos, logo, só ajudam quando leva­mos as flores para Holambra."

52 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

comprado pelo preço médio àe R$ 10,00, caiu para R$ 2,50", conta. "Não teve jeito: tivemos que arran­jar dinheiro para não quebrar."

A pouco mais de três quilôme­tros do sítio da família Sato, Dou­glas Montenegro Ferreira, 60 anos, funcionário aposentado da Rhodia, tenta a sorte num pesque-pague. "Venho aqui uma vez por mês. Eles cobram R$ 15 por pessoa. Preferia pescar no Mato Grosso, mas a pes­ca ficou restrita a 15 kg de peixe. Não vale a pena." Ele e um jovem ajudante observam atentamente as iscas dispostas em seis varas com carretilha. "O que a gente pesca, a gente consome em casa, e ainda dá para distribuir para os filhos e vizi­nhos", garante.

A menos de 300 metros dali, em frente ao laboratório Síncrotron e ao lado de uma fazenda de gado, protegida por muros e guarita, ou­tro pesque-pague aguarda o pri­meiro cliente. A tabela de preços assusta o freguês : R$ 4,00 pelo qui­lo de traíra, R$ 5,00 pelo quilo da carpa e R$ 8,00 pelo quilo do pin­tado. "No final de semana, a fre­qüência é de cerca de 100 pessoas por dia", garante a proprietária.

O caminho entre o sítio da famí­lia Sato e os dois pesque-pague é um exemplo inequívoco de que a área rural brasileira mudou: a estra­da ladeia o Residencial Sapucaí, três condomínios de luxo protegidos por guarita e muros de três metros de altura, corta pelo menos duas

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A indefinição e confusão nas re­gras também atrapalham o acesso ao crédito agrícola oficial e restrin­gem as atividades desses novos pro­dutores rurais. "Um criador de ca­nário, por exemplo, não tem crédito oficial", sublinha Graziano.

Graziano sugere a execução de pelo menos cinco novas políticas pa­ra possibilitar o desenvolvimento do rural brasileiro. A primeira delas é a "desprivatização" do espaço rural, com o estímulo à criação de povoa­dos e vilas rurais urbanizadas, com

Flores em Holambra, perto de Mogi-Mirim, São Paulo: investindo no turismo rural

chácaras de aluguel para festas, dá acesso a uma escola infantil instala­da numa área arborizada, de cerca de 4 mil metros quadrados, e faz uma pausa no Centro Comercial Guará, que vende água, refrigeran­tes, carnes, verduras e jornais.

Do pequeno bar instalado junto a essa área de comércio é possível contemplar os jardins e pomares da chácara Caraigá, cuidadosamente esculpidos numa área de 12 mil hectares. O caseiro, que prefere não se identificar, orgulha-se de seu tra­balho. "Mas o proprietário, que mora em Campinas, só vem aqui no final da tarde. Não passa sequer o final de semana': lamenta.

A mesma estrada cruza a rodo­via Mogi-Mirim que leva a Holam-

bra. A cidade de colonização holan­desa, ainda famosa pela produção de flores, começa a investir no turis­mo rural ou, como eles preferem, no turismo alternativo. E o sítio Floriada é um exemplo disso. A fa­mília Wagemaker substituiu a área de viveiros de plantas por um mi­nissítio com pavões, passarinhos e coelhos, apropriado ao entreteni­mento infantil. Junto ao minissítio, funciona um restaurante típico e uma floricultura, administrados pela família. "Enquanto os pais al­moçam, os filhos podem brincar com os animais", explica Esther Wa­gemaker. O negócio cresce e se ex­pande. "Estamos investindo na am­pliação dos viveiros de animais para expandir o turismo alternativo': diz.

economias locais dinâmicas, que en­fatizem o uso não-agrícola do solo.

A segunda medida seria a imple­mentação de políticas de urbaniza­ção do meio rural para melhorar a qualidade de vida das famílias resi­dentes no campo, como, por exem­

plo, a criação de um Programa Nacional de Cidadania do Meio Rural, que teria como principal objetivo co­ordenar as ações públi­cas e privadas que tra­tam da questão do social. Essa proposta foi encampada pelo Grupo Temático Edu­cação, Saúde e Habita­ção, do Fórum Nacio­nal de Agricultura, no ano passado.

A terceira sugestão é o desenvolvimento de políticas de renda e ocupações não-agríco­las, com estímulo à criação de microem­presas industriais e co­merciais que fortale­cessem o trabalho por conta própria.

É claro, ele reconhe­ce, que a geração de ocupações não-agríco­

las nem sempre dará conta de propi­ciar um nível de renda satisfatório para todas as famílias rurais. Para es­ses casos, será preciso apoio de fun­dos públicos, seja na forma de apo­sentadoria e pensões, seja na forma de bolsa-escola para os mais jovens.

Por último, Graziano aposta nas tentativas das prefeituras de munici­palizar o Imposto Territorial Rural (ITR), proposta que integra o proje­to da reforma tributária em debate no Congresso Nacional, na obriga­toriedade de ampliação dos Planos Diretores de Uso de Solo também para áreas rurais, nos programas de gestão de bacia hidrográfica e nas políticas de habitação rural.

Ampliação do cré dito - As primeiras conclusões do Projeto Rurbano, de-

PESQUISA FAPESP · ABRIL OE 2000 • 53

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batidas em diversos seminários com distintos interlocutores, e as suges­tões para a alteração de políticas pú­blicas formuladas a partir da pes­quisa já apresentam resultados, pelo menos no que se refere à concessão de crédito. O Banco do Brasil (BB), em parceria com o Sebrae, abriu uma linha de crédito para atividades rurais não-agrícolas. "Os emprésti­mos ainda são poucos e o dinheiro é caro, mas antes o Programa de Ge­ração de Emprego e Renda Rural (Proger Rural) só dava crédito para a agricultura", diz.

Outra mudança diz respeito à le­gislação do Programa de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf), cujo crédito beneficiava apenas os pro­dutores rurais que comprovassem que 80% da renda era originária de produção agrícola e os emprega­dores agrícolas com até dois empre­gados permanentes. Esse critério, vigente até 1998, acabava por res­tringir o crédito a famílias agrícolas com mais de 100 hectares e excluía do programa as famílias pluriativas, ou seja, que combinavam atividades agrícolas e não-agrícolas. "Feliz­mente, o então diretor executivo da Secretaria de Desenvolvimento Ru­ral, Murilo Flores, por ocasião do se­minário final da Fase I do Projeto Rurbano, aceitou as sugestões pro­postas com base nos resultados da pesquisa das rendas familiares e al­terou as normas de acesso ao Pro­naf, já para o ano de 1999. Hoje, a receita agrícola é de mais ou menos 20%; o resto é não-agrícola."

A terceira vitória foi a autori­zação para a implementação de ati­vidades não-agrícolas nas áreas de assentamento do Programa de Re­forma Agrária. "A mulher do assen­tado, por exemplo, estava impedida de fazer doces para vender e ampliar a renda familiar", afirma.

Apesar desses resultados, ainda há muito por fazer. Neste mês, Gra­ziano estará em Washington, a con­vite do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), defenden­do a tese de que as atividades não­agrícolas ajudam a combater a po-

54 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Graziano: rural é maior que agrícola

na área rural, duas estavam vincula­das a atividades não-agrícolas. Em 1997, a proporção já era de três para dez pessoas.

O aumento das oportunidades de trabalho em atividades não-agrí­colas estancou a queda no tamanho da população rural no País. Nos anos 80, a população rural caiu, em média, 0,2% ao ano. Na década de 90, essa tendência se inverteu e a po­pulação rural registrou crescimento de 0,5% ao ano. "É claro que ainda há o êxodo rural na direção dos cen­tro urbanos, mas muito menos in­tenso do que o registrado nas déca­das anteriores", ressalva Graziano.

Evolução da renda total das pessoas residentes na zona rural, segundo o setor de ocupação, 1992-97 - Brasil

1.400 -

1.200 r:::-a-

1.000 -;:, ~ Q)

-o 800 "' Q)

•O .<=

l 600

<fi-a:: 400

200

1992 1993

Fonte: Projeto Rurbano, IE/UNICAMP. Deflator: INPC

breza rural. Essa foi uma das princi­pais constatações da primeira fase do Projeto Rurbano, que iniciou em 1997 com o objetivo de reconstruir séries históricas a partir de microda­dos das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Volta ao campo - Na primeira etapa de pesquisa, os dados demonstra­ram que, apesar de o emprego agrí­cola apresentar queda sistemática desde meados dos anos 80, a popu­lação rural ocupada, ao contrário, cresceu no mesmo período. Em 1981, de cada dez pessoas ocupadas

1995 1996 1997

• Agríco la - Não-agríco la

Graziano atribui essa mudança à estrutura de ocupação do campo, à mecanização da agricultura, que exi­ge cada vez menos mão-de-obra, à importação de alimentos e aos cor­tes no crédito agrícola. O desempre­go e custo de vida, por outro lado, tornaram as cidades menos atraen­tes. O resultado foi que a população rural buscou alternativas de traba­lho no meio rural, voltando-se para atividades não-agrícolas.

Na segunda fase do Projeto Rur­bano, iniciada em março de 1999, a pesquisa tomou como unidade de análise as atividades dos 7,7 milhões de famílias residentes em áreas ru­rais que, em 1997, representavam

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aproximadamente 19% do total de famílias brasileiras. Constatou-se que metade dessas famílias trabalha­va por conta própria, ou seja, não contratava trabalhadores fora do núcleo familiar, sendo que 538 mil famílias já exerciam exclusivamente atividades não-agrícolas.

A análise da pluriatividade per­mitiu explorar melhor o efeito des­sas ocupações não-agrícolas sobre o rendimento das famílias rurais e das famílias agrí-

no meio rural e ainda não regula­mentadas, a avaliação do impacto da expansão dos condomínios de luxo sobre o meio ambiente, a análise das condições da água disponível em cada região e um estudo sobre a evolução do turismo rural.

O Projeto Rurbano é, atualmente, uma das mais importantes referên­cias para os estudiosos de economia rural no Brasil. Os resultados de

inadequado. Há que se considerar o potencial da comunidade local e as diversidades geográficas, cultural e ambiental das áreas rurais.

O turismo no meio rural, como ele conceitua, envolve atividades como os spas rurais, centros de convenções rurais, locais de treinamento de exe­cutivos, turismo ecológico ou ecotu­rismo, turismo de aventura, turismo cultural ou de negócios, turismo jo-

vem, de negócio e esportivo.

colas com e sem acesso à terra. Graziano constatou

Principais setores de atividade da PEA não-agrícola residente nas áreas rurais:

Essa modalidade de ne­gócio constitui-se, ainda, numa forma de valoriza­ção do território, de prote­ção ao meio-ambiente e de conservação do patrimô­nio natural, histórico e cul­tural do meio rural.

que, entre os residentes Brasil e São Paulo, 1995

do meio rural, as rendas não-agrícolas são subs­tancialmente maiores que as agrícolas. Em alguns

Setor Brasil São Paulo

casos, essa diferença che­gava a ser quatro a cinco vezes mawr.

As estimativas de­monstraram que a pluri­atividade era comum a 35% das famílias ligadas às atividades agropecuá­rias no Brasil.

de atividade

Serviços doméstic os

Construção

Ensino público

Comércio de alim entes

Indústria de alime ntos

lnd. T ransformaçã o -

Restaurantes -

Alfa iataria

Comércio ambula nte

Adm. Municipal

Subtotal

Total

Mil

Pessoas %

620 15,8

419 10,7

359 9,1

231 5,9

175 4,4

151 3,9

137 3,5

126 3,2

21 3,1

118 3,0

2.457 62,5

3.930 100,0

Tx.cr.

92/95 Mil

% a.a. Pessoas

6,8~ 110

8.o· 62

0,4 lO

7,2- 14

-0,4 29

O, I 18

2,5 18

-4,1 5

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7,8- lO

4.r 293

3,5- 523

%

21,1

11,9

2,0

2,7

5,5

3,5

3,4

0,9

2,9

2,0

56,0

100,0

Tx. cr.

92/95

% a.a.

5,4

21.r

2,8

26,0'

-1 .8

8,6

0,2

6,2

56,4-

-2,2

9,6'

9,8'

As famílias, ele sugere, poderiam oferecer produ­tos a "nichos" de turistas com interesses bastante es­pecífico que, pelo seu pe­queno número, desisti­mularia a participação de empresas de grande porte neste empreendimento. •

PERFIS: Os resultados da se­

gunda fase do projeto in­dicaram, ainda, o cresci­mento no número de desempregados e aposen­tados residentes no cam­po, deixando claro que a dissociação entre o local

Fonte: N úcleo de Economia Agrícola do IEIUNICAMP. Projeto Rurbano, Tabulações Especiais

• JOSÉ FRANCISCO GRAZIANO DA SILVA é graduado em En­genharia Agronômica pela Escola Superior de Agricul-* e ** - valores significativos ao nível de 20 e I 0%, respectivamente

de residência e de traba-lho, próprio das cidades, também já ocorre nas áreas rurais.

A terceira fase do projeto, que agora se inicia, tem três grandes ob­jetivos: ampliar a base de dados das etapas anteriores, aprofundar alguns pontos da análise das famílias e pes­soas ocupadas e realizar estudos de caso para melhor qualificar as ten­dências registradas no que diz res­peito às ocupações e rendas das fa­mílias rurais e agrícolas de algumas regiões do País. "A questão que ago­ra se coloca é qual a identidade dessas pessoas e qual a sua ambição como sujeito social", esclarece Graziano.

Essa fase inclui, ainda, a identifi­cação de atividades desenvolvidas

cada uma das fases da pesquisa e te­mas estudados estão reunidos em quatro livros, já publicados, e inspi­raram oito teses de doutoramento, seis delas já defendidas. Isso sem fa­lar num sem-número de artigos pu­blicados em revistas especializadas e nos JOrnais.

O Turismo rural pode se consti­tuir num importante vetor de de­senvolvimento regional, desde que o controle dos processos seja regional e as comunidades locais se apropri­em dos benefícios gerados, diferen­temente do que ocorre com o agro­turismo. Nesta nova perspectiva, o enfoque tradicional de trazer capital de fora para explorar negócios, é

tura Luiz de Queiroz, da USP, com mestrado em Ciências

Sociais Rurais pela mesma facul­dade e doutorado em Economia pelo Instituto de Filosofia e Ciên­cias Humanas da Unicamp. Fez o pós-doutorado no Institute of La­tin Arnerican Studies University College London, na Inglaterra. É professor titular na área de Econo­mia Agrícola do Instituto de Eco­nomia da Unicamp. • RODOLFO HOFFMANN é professor do Instituto de Economia da Uni­camp e da Escola Superior de Agri­cultura Luiz de Queiroz da USP. Projeto: Caracterização do Novo Ru­ral Brasileiro Investimento: R$ 40.683,35, da FAPESP

PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2000 • 55

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LIVROS

RENATA SARAIVA

Uma relação tão delicada Estudo retrata como conviviam senhores e cativos no Brasil

Um "cancro" a corroer a sociedade. Simples, essa metáfora, muito utilizada pelas elites brasileiras no século XIX, define bem o

perfil que a professora Joseli Maria Nunes Men­donça traça da escravidão brasileira durante seu lon­go processo de emancipação, desde o fim do trá­fico negreiro, em 1831, até a abolição, em 1888. No livro Entre a Mão e os Anéis-A Lei dos Sexagenários e os Caminhos da Abolição no Brasi~ lançado pela Edi­tora da Unicamp, com apoio da FAPESP, Joseli usa atas e documentos parlamentares da Câmara dos Deputados da Assem­bléia Geral do Império, para mos­trar como foram as relações entre escravos e senhores e, posteriormen­te, entre libertos e ex-senhores.

O foco central é a Lei dos Sexage­nários, ou Saraiva-Cotegipe, que a au­tora prefere chamar de "Lei de 1885': Mas não se restringe a ela, uma vez que o projeto, encabeçado pelo con­selheiro José Antonio Saraiva, era uma espécie de atualização do pro­jeto Dantas, apresentado em 1884. Dantas queria a alforria dos escravos de idade superior a 60 anos, mas não falava em indenizações aos senho­res cujos escravos fossem libertos por esta disposição. Pois o "cancro" a que se referiam os homens letrados e abastados não era o câncer social provocado pelo tronco e os maus-tratos feitos aos es­cravos, mas sim um sistema produtivo falido, in­digno para um país que pretendia crescer e impedir que a escravidão fosse o grande freio da civilização.

A Lei de 1885 obrigava os escravos de 60 anos, a título de indenização pela sua alforria, a prestar serviços aos seus ex -senhores pelo tempo de três anos. A indenização cessaria para os escravos que atin­gissem 65 anos, não importando que tivessem cum­prido um tempo de serviço menor do que três anos, caso já tivessem mais de 60 no ato da aplicação da lei.

Uma ironia supor que o escravos se sentissem aliviados por poderem trabalhar menos de três anos

56 • ABRIL DE 1000 • PESQUISA FAPESP

como forma de pagamento por sua liberdade, só porque completavam 65 anos. Em que condições de saúde e com que força de trabalho chegavam esses cativos a essa idade? O que poderiam fazer longe das casas de seus ex-proprietários, onde ti­nham encontrado alguma forma de subsistência até essa idade avançada? A autora expõe, nesse ques­tionamento, a forma como diversos historiadores interpretaram a Lei de 1885: uma lei feita por pro­prietários para propnetários, que na verdade viam-

se livres de um contingente humano já improdutivo, mas que ao mesmo tempo não podia deixar prejuízos.

Ainda na análise historiográfica, Joseli apresenta interpretações so­bre os problemas da integração do ex­escravo na sociedade livre feitas por autores consagrados como Florestan Fernandes, Octavio lanni, Emília Viotti da Costa e Fernando Henri­que Cardoso. Tratava-se de um pro­blema também para os senhores, pois

• estes não podiam confiar no traba­lho de ex-cativos assalariados, visto que estes não se adaptariam à cultu­ra do trabalho incentivado pelas ne­cessidades- suas necessidades eram poucas. Ao mesmo tempo, temiam o

imigrante, cujas mesmas necessidades tinham um porte muito maior- havia de se pagar bons salários.

O difícil dilema vivido por essa sociedade em período de transição fez da graduação uma neces­sidade para o processo de emancipaçao dos escra­vos. O livro de Joseli faz uma análise do contexto social em que os degraus foram vencidos e detalha os aspectos legais desse processo. O resultado é a compreensão de um processo político dinâmico atuando em uma sociedade repleta de conflitos e interesses ambíguos. Um manancial-de elementos para derrubar alguns mitos sobre a liberdade.

R ENATA SARAIVA é jornalista e historiadora.

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LANÇAMENTOS

Moléculas

Uma análise acessível desse mundo de formas pequenas, mas de imensa complexidade, o estudo do físico-químico P.W. Atkins traz esse universo microscópico próximo da nossa realidade e de nosso entendimento, explicando sua formas, inter-relações e como

executam suas ações. O que faz a doçura do açúcar, as cores das flores, o efeito dos analgésicos, o cheiro dos animais, a acidez e o amargo dos alimentos, a composição do petróleo, sabonetes, enfim, a dinâmica do nosso cotidiano, estruturado pelas moléculas. Um lançamento da Edusp.

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Astronomia. Uma Visão Geral do Universo

Com organização de Amâncio Friaça, Elisabete dei Pino, Laerte Sodré Jr. e Vera Jatenco-Pereira, este livro, lançado pela Edusp, igualmente trata um tema complexo em palavras simples, sem perder a sua densidade. Uma visão panorâmica do cosmos,

elencando as questões fundamentais da astronomia e da astrofísica, o estudo é composto de 13 capítulos escritos por professores do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo, levando o leitor de um passeio pela galáxia até as fronteiras do universo.

História Universal dos Algarismos· (2 volumes)

Escrita por Georges Ifrah, matemático francês, esta edição da Nova Fronteira mostra a inteligência dos homens contada pelos números e pelo cálculo. Os dois volumes foram um sucesso de venda na França. A história da relação nem sempre bem-sucedida

entre seres humanos e seus algarismos inicia-se na era paleolítica e chega até a atualidade, passando por egípcios, gregos, indígenas, chineses, entre outros. O autor retrata, com prazer para seus leitores, a obsessão humana por contar e calcular, a fim de mensurar o mundo ao seu redor e, com sua lógica, compreendê-lo. Delicioso de ler.

REVISTAS

revista brasileira de

história Revista Brasileira de História

A publicação semestral da Associação Nacional de História (ANPUH/Humanitas) chega ao volume 19 trazendo o dossiê Identidades/ Alteridades, enfocando as relações entre cultura, família, política e indivíduo. Entre os muitos

artigos: "A Criança no Estado Novo", de André Ricardo Pereira; "Debates e Ilusões em torno do Ensino de História", de Christian Laville; "Marinheiros e Escravos no Tráfico Negreiro para o Brasil", de Jaime Rodrigues; "A Fotografia na Guerra do Paraguai", de André Amaral de Torai, entre outros.

REVISTA' 'í":\STITUTO

~1 E DI C I i\,, T ROPICAL

SÃO PAULO ..... -...... , ........... _ ... ............ _ .. _

Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo

Volume no 42, referente a janeiro e fevereiro, da revista editada pelo Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa

do Estado de São Paulo (FAPESP) . Entre ·os vários tópicos analisados: "Estudo clínico-epidemiológico dos acidentes causados por, aranhas do gênero Phoneutria"; "Síndrome pulmonar por hantavírus no Brasil: aspectos clínicos de três novos casos"; "Avaliaçãà do estado nutricional de pacientes com pênfigo foliáceo sob corticoterapia prolongada': Contatos pelo fone e fax 011 852 21 74.

Revista da ABPI

Este é o volume 45 (referente a março e abril) da Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual, o único periódico dedicado apenas às questões de propriedade intelectual. Já nesta edição, a revista traz o programa do 20° Seminário

de Propriedade Intelectual, a ser realizado em 21 e 22 de agosto em São Paulo. Neste número, entre outros artigos temos: "Licenças Compulsórias: Abuso, Emergência Nacional e Interesse Público" e "Registro de Medicamentos Genéricos na ANVS e Infração de Patentes".

PESQUISA FAPESP · ABRil DE 1000 • 57

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58 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP

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Suplemento Especial

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ESPECIAL

500 anos de Ciência e Tecnologia no Brasil

Parece fora de dúvida que vale a pena falar de quinhentos anos de ciência e tecnologia no Bra­sil, como se falou sobre tudo, a propósito dos nossos quinhentos anos. Mas há quem duvide

do proveito em tocar nesse assunto. Quinhentos anos? Que ciência? E que tecnologia?

Dizem essas pessoas que a pesquisa, seja científica, seja tecnológica, só se estabeleceu no solo brasileiro, com feições modernas, na segunda metade do século XIX, não existindo quase nada antes. Seriam quatrocentos anos de solidão, portanto.

Esta é uma tentativa de jogar luzes sobre esta questão. Ela diz respeito, ao mesmo tempo, a uma das dez maiores economias do mundo e a uma das dez piores distribuições de renda deste mesmo mundo. Fala dos conhecimentos indígenas, com suas insuperáveis canoas de madeira, e de nossos mestres na física e na construção de cidades lin­das, como Ouro Preto e Rio de Janeiro, poderosas, como São Paulo, pobres e ricas, como todas as outras.

De um mundo ao outro, da selva ao asfalto, somam­se cinco séculos de sabedoria e, também, de sofrimento e orgulho.

A sabedoria será mostrada nas próximas páginas. O sofrimento num país colossal e pobre nem precisa ser

PESQUISA FAPESP

escrito, embora vá ser mencionado. O orgulho é o de lembrar que com verbas modestas, sem ajuda, sem nada a não ser a vontade e às vezes o lampejo de gênio, pro­duziu-se aqui de tudo - de pontes e edifícios a pesqui­sas na área da física, de uma liderança no conhecimen­to agrícola a um saber universitário que engloba a sociologia, a política e a própria História que aqui vai ser contada de forma resumida.

A ciência e a tecnologia (que nas páginas seguintes se­rão nomeadas como C&T) não estão sozinhas no mun­do. Elas fazem parte da vida. No caso da vida brasileira, são mostrados nossos pioneiros e nossos criadores - do padre Bartolomeu de Gusmão a Santos Dumont, que tentaram voar, com dois séculos de diferença. Nossos mé­dicos, biólogos, engenheiros. E a inestimável contribui­ção estrangeira para o estudo da nossa fauna, flora e re­cursos minerais. Um desses visitantes de fora disse: "Este é o paraíso dos naturalistas".

Os autores dos textos deste suplemento especial de Pesquisa FAPESP são pesquisadores - historiadores, bió­logos, engenheiros, sociólogos e físicos- do Centro In­terunidade de História da Ciência da USP, dirigido pelo historiador Shozo Motoyama. Capa e projeto gráfico de Hélio de Almeida e ilustração de Laurabeatriz.

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aos

Aprodução científica brasilei~a não atingiria se­quer 1 o/o do total mundial. E o que se diz. Mas, mesmo que fosse verdade, aceitar esses fatos friamente, sem uma análise mais crítica, seria,

no mínimo, desprezar uma parte fascinante da nossa história.

O descobrimento ou conquista do Brasil constituiu­se numa das etapas de um processo mais amplo da eu­ropeização do mundo, da expansão do capitalismo nas­cente, com Portugal e Espanha à frente. A lenta transformação das Américas à imagem e ao desejo dos europeus resultou de longos embates frente à resistên­cia dos nativos e à necessidade de moldar a natureza americana aos desígnios dos recém-chegados. Nesse processo, as atividades técnicas e científicas tiveram um peso indubitável.

É do que vamos tratar por partes. O achamento das terras brasileiras deu-se no século XVI, seguindo-se uma época de combates das duas potências ibéricas com países emergentes como a Inglaterra, Holanda e França, no desafio da manutenção de suas hegemonias. Nesse cenário complexo a ciência moderna começou a sua caminhada, lado a lado e intimamente ligada com a ascensão rápida e vertiginosa, mas nada ingênua, da· economia capitalista. Hoje, não há mais dúvida de que dois dos fatores fundamentais que fizeram a diferença em detrimento das pretensões espanholas e portuguesas foram a ciência e a tecnologia.

Sem as duas não se poderia compreender o rumo to­mado pelos acontecimentos na época moderna e con­temporânea. Para atestar isso, basta notar suas presen­ças flagrantes em eventos cruciais como a Revolução Industrial, no século XVIII, ou a Revolução Técnico-Cien­tífica, na passagem do século XIX para XX, só para citar

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SHOZO MOTOYAMA

FRANCISCO A. DE QUEIROZ

J. JEREMIAS DE ÜLIVEIRA FILHO

MARIA AMÉLIA DANTES

MARILDA NAGAMINI

MILTON VARGAS

ÜSWALDO FIDALGO

alguns. Ora, se o Brasil fez parte dessa trama histórica, e tudo parece indicar que sim, deve ter desempenhado, também, um papel ou diversos papéis na história da C&T. É óbvio que isso se fez dentro da especificidade do país, no seu canto remoto dos trópicos, sem perder, to­davia, a sua importância para a economia mundial.

Qual teria sido, então, esse papel ou esses papéis? A pergunta é fascinante e de difícil resposta. Não existem ainda estudos sistemáticos e de profundidade sobre o assunto e as informações disponíveis são insuficientes e fragmentárias. Entretanto, nos últimos 20 anos, a situa­ção vem mudando. Um bom número de trabalhos, teses e dissertações foi realizado, tendo como tema a história da C&T no Brasil. Assim, já é possível vislumbrar algu­mas respostas à indagação acima, abrindo novas pers­pectivas para a compreensão da nossa história sob no­vos ângulos. Com esse pano de fundo, o objetivo deste artigo é mostrar como o percurso histórico do país, ao longo desses 500 anos, não foi alheio ao desenvolvimen­to científico e tecnológico, com uma contribuição nada desprezível.

Contudo, não temos a pretensão, de fazer um balanço geral do tema nem de apresentá-lo de forma sistemática. O nosso propósito é muito mais modesto. Esperamos discorrer sobre alguns dos episódios para mostrar a rique­za das atividades técnicas e científicas no solo brasileiro, no decurso desses cinco séculos. Pela limitação inerente a qualquer tipo de escolha, muitos eventos relevantes fi­caram de fora, assim como muitos nomes importantes não foram mencionados. Queremos deixar bem claro que a escolha foi feita em função da adequação a este ar­tigo e não por causa da importância intrínseca dos epi­sódios ou dos personagens citados. A história é múlti­pla, complexa e cambiante - daí o seu fascínio.

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A ciência a cargo dos naturalistas estrangeiros Raros talentos locais conseguiram emergir no ambiente dominado por uma política retrógrada

Para. muita gente, sena um con­tra -senso falar em C&T, na fa­

se do Brasil Colônia. De fato, não se tem notícia de qualquer atividade científica ou técnica de peso no país, naquele período. Porém, isso não significa que a evolução da C&T não tenha rece­bido contribuições do Brasil, na época. O pró­prio descobrimento foi resultado, em parte, do vigoroso desenvolvimen­to das técnicas náuticas e do espírito empreen­dedor do povo lusitano. Por mais surpreendente que possa parecer, Por­tugal do século XV deti­

Terra Brasilis (1515-19), vista por Lopo Homem e Pedro e Jorge Reinei

discussões matemáticas, de muito bom nível, ne­cessárias para a pilota­gem. Para ter sucesso nessa atividade, o piloto deveria ser versado no manuseio e conheci­mento do astrolábio, do quadrante, da linha e chumbo, da tabela de marés, da bússola ma­rítima, da carta portu­lano (mapas), da am­pulheta para medir velocidade, da toleta de marteloio ou carta de travessia e do compasso. Deveria saber aritmé­tica, geometria, trigo­nometria e astronomia náutica. A navegação for­çou os portugueses ao exame direto da fauna,

nha liderança em alguns pontos de afazeres técnicos e científicos, fruto, sobretudo, dos esforços do infante Dom Henrique e do rei Dom João II. Foi esse o segredo do sucesso das Grandes Navegações, levadas a cabo pelos portugueses, engendrando um enorme reino, espalhado pelos quatro continentes.

Na Lisboa quinhentista, os homens do mar, desde o piloto, passando pelo capitão das caravelas, até o co­mandante das armadas, discutiam, com freqüência, como ler uma carta de marear, como conduzir uma nau ou como determinar uma longitude. Não eram raras as

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da flora e da geografia de terras novas e exóticas. Não se­ria diferente com o Brasil. Não foi por acaso que uma das primeiras providências tomadas por Pedro Álvares Cabral tenha sido a medição da latitude, feita pelo Mes­tre João, médico e cirurgião da frota, no dia 27 de abril de 1500. Assim, preparava-se o terreno para a elabora­ção de mapas mais precisos, necessários para orientar as futuras expedições exploratórias.

Por outro lado, a natureza e os habitantes da terra achada, pela riqueza e novidade, serviriam, eles própri­os, como objetos da investigação científica. O índio, a

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PER (ODO CO LON I AL

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Forte dos Reis Magos (RN): projeto de Gaspar de Sampêres (1597) e construção de Francisco Frias de Mesquita (1614)

preguiça, o moleiro, a arara-canindé, a tunga (bicho-de­pé), o guará, o guaiamum, o guaxe, o arabutã (pau-bra­sil), o jenipapo, o urucu, o tucum, a mandioca, o grava­tá, a caviúna, o pau-d'arco, a sapucaia e muitos outros frutos da terra eram pratos cheios para a curiosidade e cobiça dos europeus. Em conseqüência, elaboraram-se nos séculos XVI e XVII numerosos relatos, narrativas, cartas, notas, apontamentos e outros documentos, des­crevendo, de forma precisa ou fantasiosa, as caracterís­ticas do novo domínio lusitano. Encabeçada pela co­nhecida carta de Pero Vaz de Caminha, são obras como a de Padre Manuel da Nóbrega, de Padre José de An­chieta, de Simão de Vasconcelos, de Pero de Magalhães Gandavo, de Gabriel Soares de Sousa, de André Thevet, de Jean de Lery, de Ives d'Evreux, de Claude d'Abbevil­le, de Hans Staden, de Gaspar Barleus, de Willem Piso, de Georg Marcgraf, de André João Antonil, de Fernan­des Brandão, de Frei Vicente de Salvador, entre outras.

A sabedoria indígena

Graças ao trabalho desses viajantes, cronistas e religiosos, recolheu-se uma enorme massa de dados sobre a fauna, flora, geologia, geogra­fia, costumes e hábitos indígenas, aconteci­

mentos históricos, usados para os estudos científicos, não só da época mas também de períodos posteriores (séculos XIX e XX). Assim ficamos sabendo, por exem­plo, que muitos animais, como peixe-boi, guará, lobo­marinho e outros, hoje raros ou quase extintos, fre­qüe_ptavam as florestas, as costas e os rios brasileiros, nos tempos desses autores. Igualmente, depreende-se

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desses relatos o modo de vida dos indígenas. O conhe­cimentos botânicos destes não eram triviais e estavam longe de ser rudimentares. Essa foi a conclusão a que chegou o ilustre botânico Mário Guimarães Ferri ao analisar, nos nossos dias, as informações fornecidas pe­los primeiros cronistas.

Assim como os recém-chegados portugueses, os ín­dios também tinham sua própria perícia na arte de na­vegar. Trabalhavam muito bem as madeiras e faziam canoas de excelente qualidade. Da união dessas habili­dades de povos tão distantes nasceram embarcações como a jangaéla, somando o modelo indígena à carpin­taria portuguesa. Deu origem, também, à baleeira, bar­co de pesca da baleia, com comprimento de 12 a 15 me­tros, ainda hoje em uso, com a adaptação de um motor moderno. Os pequenos estaleiros, existentes na época, espalhados pela costa brasileira, especializaram-se em fabricar embarcações de pequeno calado, de até 40 to­neladas. Usavam-se esses barcos, conhecidos com o nome contraditório de caravelões, pela facilidade de na­vegar nos portos e barras dos rios brasileiros, em geral pouco profundos. Tratava-se, pois, de uma técnica apropriada, como se diria hoje. Esses estaleiros funcio­navam também como oficinas de reparos de navios de longo curso.

Os índios também sabiam cultivar algodão, fumo, mandioca, batata-doce, milho, feijão, amendoim e mui­to mais. Fabricavam o cauim, uma bebida alcoólica, a partir da fermentação da mandioca, teciam as suas re­des com diversas fibras, construíam as suas moradias com materiais de origem vegetal, pintavam os seus cor­pos com tintas originárias de jenipapo e urucu e faziam

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os seus arcos e flechas usando, entre outros, caviúna, pau-d'arco e bambu. O fato de saberem como eliminar o veneno da mandioca nativa, tornando-a comestível, revela um saber técnico bastante elaborado. Os seus co­nhecimentos zoológicos eram minuciosos e fidedignos. Esses dados recolhidos pelos primeiros cronistas permi­tiram a identificação científica de plantas e animais, como no caso do chapéu-de-napoleão, descrito por Thevet, em 1558, que recebeu, mais tarde, o nome cien­tífico de Thevetia ahouaí. O clássico trabalho de Flores~ tan Fernandes, A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá ( 1951 ), utiliza-se dos relatos fornecidos pe­los viajantes quinhentistas e seiscentistas.

Um outro toque europeu

Toda essa riqueza natural e o conhecimento nati­vo parece não ter interessado muito à Coroa por­tuguesa, a não ser no início da sua conquista, na primeira metade do século XVI. Já em 1576, o

lusitano Pero Magalhães Gandavo reclamava do pouco caso que os Portugueses fezerão sempre da mesma província (de Santa Cruz), contrastando com a atitude tomada pe­los estrangeiros que a têm noutra estima, e sabem suas particularidades melhor e mais de raiz que nós. Naquela época, processava-se uma incrível reviravolta em Portugal. Como que esquecida do seu fervor pelas coisas da ciência e da técnica, da sua sede de expansão territorial e econô­mica, a sociedade lusitana optava pelo imediatismo e re­ação, simbolizados pelo mercantilismo e inquisição. Dali em diante pouco espaço restaria em Portugal para a pes­quisa científica e o espírito de inquirição técnica.

Basta lembrar o que aconteceu com a tecnologia de navegação, mencionada acima. O mais famoso estaleiro de reparos (Ribeira das Naus, como se dizia), no perío­do colonial, foi o de Salvador. Mas estas instalações não progrediram nem se multiplicaram. Não se permitia que que barcos de grande calado fossem projetados aqui. E mesmo Portugal perdia cada vez mais sua com­petência nesse ofício, visível até na diminuição de seus profissionais na área. Outras leis draconianas dificulta­vam ao máximo a construção naval na colônia e esta nunca passou de uma mera promessa.

Se a situação estava ruim na metrópole, seria muito pior na sua colônia, a pobre província de Santa Cruz, onde nem sequer se permitiu a instalação da imprensa. De forma contraditória, o Brasil ia ganhando um lugar de destaque no cenário econômico do reino português, à medida que o comércio das especiarias perdia sua impor­tância. A despeito de não ter, no início, nem ouro, nem prata, a exploração das madeiras, principalmente do pau­brasil, ia muito bem. Havia na Europa uma grande crise no fornecimento de madeira, importante para construção naval, obtenção de energia, tintura para a indústria têxtil.

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PERIODO C OLO N IAL

Historia Naturalis Brasiliae (1648), por W. Piso e G. Marcgraf

Ao mesmo tempo, a cultura de cana-de-açúcar co­meçava a se firmar como a mais rentável das atividades econômicas. Estima-se em 300 milhões de libras o valor da produção brasileira desse produto, durante os 3 sécu­los do jugo lusitano. Esse valor supera em muito o da mineração, que parece não ter atingido a casa de 200 mi­lhões de libras. Para assegurar o seu domínio, o governo português não hesitou em impor uma política obscuran­tista à sua maior colônia. Por outro lado, a grande lavou­ra canavieira, baseada no trabalho escravo, com suas ca­sas-grandes e senzalas, estimulou ainda mais esse tipo de cultura retórica e literária, afastada de lides produtivas.

Com esse pano de fundo, compreende-se por que quase não existiu investigação científica e inovação téc­nica aqui, no século XVII e em boa parte do XVIII. Isso seria realizado por estrangeiros, sobretudo holandeses e franceses, que chegaram no Brasil nessa época. O caso do curto domínio dos holandeses, no nordeste seiscen­tista, destaca-se pela sua singularidade. O governador holandês, Príncipe Maurício de Nassau (1637-1644),

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P ER! OD O C OLO N I A L

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Engenho de açúcar no Nordeste, em pintura de Franz Post, que integrou a comitiva de Maurício de Nassau

implementou uma política cultural avançada, fundan­do, em Recife, imprensa, museus, bibliotecas e o primei­ro observatório astronômico do país, estimulando a ação de alguns cientistas, arquitetos e pintores da sua corte. Faziam parte dela intelectuais do porte de Willem Piso, médico de Amsterdã, Georg Marcgraf, astrônomo e naturalista alemão, Franz Post, pintor, e o seu irmão Peter Post, arquiteto, entre outros. Ao que tudo indica, Marcgraf foi o primeiro a fazer observações astronômi­cas sistemáticas no país, além de ter recolhido o vasto material que serviu de base para o famoso livro Historia Naturalis Brasiliae (1648), publicado por João de Laet.

Os jesuítas têm sido acusados de introduzirem, na colônia, uma mentalidade pouco favorável à pesquisa e à ação técnica em virtude do seu esforço em difundir a educação escolástica. Isso pode ser verdade com refe­rência aos seus alunos nativos, mas não se aplica em re­lação a eles próprios. Os apóstolos da Companhia de Je-

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sus foram perscrutadores incansáveis da realidade bra­sileira, sobretudo, da vida e dos costumes indígenas. Tendo o padre José de Anchieta como pioneiro, chega­ram mesmo a elaborar uma gramática geral do tupi, dando uma forma unificada à diversidade lingüística de um grande número de tribos. Eram também argutos in­vestigadores da natureza e realizavam observações em­píricas, como as astronômicas de Valentim Estancel, professor do Colégio da Bahia, honrado por ter um dos seus trabalhos citado no famoso Principia Mathematica (1687) de Isaac Newton. Contudo, esse espírito de in­quirição, resultante do zelo em conquistar os silvícolas e conhecer a terra brasileira, não trouxe desdobramentos mais conseqüentes na seara científica ou no desenvolvi­mento de técnicas competitivas dentro da economia mundial. Com grande probabilidade, isso se explica pelo fato de o projeto jesuítico, na Província de Santa Cruz, não estar direcionado para esses pontos.

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PER f ODO CO LON I A L

As primeiras construções renomado dos engenheiros militares parece ter sido o sargento-mar José Fernandes Pinto Alpoim, autor de muitas obras, como o aqueduto da Carioca, no Rio de Janeiro. O Brigadeiro Alpoim, como era conhecido, por­tuguês de nascimento, esteve no Brasil de 1738 a 1765. Além de ter publicado dois livros: Exame de Artilheiros (1744) e Exame de Bombeiros (1748), ensinou na Aula de Fortificação e de Arquitetura Militar, no Rio de Janei­ro. Por intermédio desses profissionais das técnicas de ocupação territorial, o Brasil ia adquirindo uma feição semelhante à da Europa, na esteira da modernização. Todavia, essa não se fazia de maneira linear nem pacífi­ca diante da resistência dos indígenas e peculiaridades regionais do país, resultando uma sociedade sui generis, com características tropicais numa matriz européia.

O s portugueses começaram a ocupação territo­rial da nova terra usando técnicas trazidas da Península Ibérica. É verdade que, num pri­meiro momento, isso se faz de maneira lenta

porque a extração do pau-brasil e de outras madeiras, ati­vidade econômica principal dos primórdios da coloniza­ção, não incentivava o povoamento. Com a chegada de Thomé de Souza, o primeiro governador geral, em 1549, vieram os jesuítas e os mestres de corporação de ofícios: Luiz Dias, mestre-de-obras da fortaleza, Diogo Peres, mes­tre pedreiro, Pedro Goes, mestre pedreiro-arquiteto, junto com outros pedreiros, carpinteiros e demais artífices. A função deles era construir a cidade de Salvador, capital do Governo Geral, ao lado de uma fortaleza de pedra e cal [. .. ]como melhor pode ser. Mesmo antes, já havia casas de estilo europeu no Brasil. Fala-se muito na lendária Casa de Pedra, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, que te­ria sido construída em 1503.

Da mesma forma, a economia colonial estava inse­rida no contexto de planetarização, apresentando, po­rém, suas especificidades, para não dizer distorções. No decorrer de três séculos ocorreram múltiplas ativi-

Todavia, a europeização das construções, inclusive das casas particulares, começou de maneira intensa a partir do primeiro quartel de seis­centos, quando elas passa­ram a ser edificadas com cal e pedra.

Outro profissional res­ponsável pelas construções era o engenheiro militar, que também se ocupava de obras de defesa, seja no li­toral, seja nas fronteiras. Fazia demarcação e levan­tamentos geográficos e to­pográficos, além de obras civis e a própria formação de seus pares. No período colonial, faltavam engenhei­ros militares em Portugal, que contratava estrangeiros ou mesmo civis e religio­sos. Por exemplo, o Forte dos Reis Magos, em Natal, foi projetado no século XVI, pelo espanhol Gaspar de Samperes. Mesmo du­zentos anos depois, impor­tantes trabalhos cartográfi­cos e geográficos ficariam ainda sob a responsabilida­de de uma Missão dos Pa­dres Matemáticos. O mais

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Bartolomeu de Gusmão, o padre voador

~ O "padre voador", Bartolo­

ª ~ meu Lourenço de Gusmão ~ (1685-1724), paulista de g Santos, foi professor de 6 matemática em Coimbra, ~ além de inventor. Em 1709, ~ apresentou ao rei de Portu­~ 8 gal, D. João V, a sua criação Q

- um aparelho capaz de voar "por 200 e mais léguas

por dia". Era o aeróstato, um balão impulsionado por ar quente.

O balão subiu ao ar em Lisboa, no dia 8 de agosto de 1709. As versões sobre esse aconteci­mento se contradizem. Numa, o balão pegou fogo antes de decolar. Em outra, subiu a uma altura de cinco metros, antes de se queimar.

Qualquer que tenha sido o acontecido, ele em nada beneficiou o padre Gusmão. Ele era perse­guido pela Inquisição e fugiu de Portugal para a Espanha, onde morreu. Como aconteceria depois com Santos Dumont, sua invenção foi usurpada. Dois fabricantes de papel, Joseph e Etienne Mont­golfier, registraram como sua a criação do aerós­tato, em 1783, mais de meio século depois da proe­za do padre brasileiro.

dades econômicas, entre as quais destacam-se a explo­ração de açúcar e a mine­ração de ouro. As técnicas necessárias para a produ­ção desses bens, técnicas também chamadas de troca­comércio, não precisavam de muita sofisticação. O engenho de açúcar, apesar de exigir grandes investi­mentos, operava na forma de uma manufatura rudi­mentar. Além dos escravos, trabalhavam mestres de produção, de manutenção de barcos, e alguns outros trabalhadores livres, perfa­zendo cerca de 7 a 8 o/o em relação a aqueles submeti­dos à escravidão.

O processo de produ­ção, após a colheita da ca­na, iniciava-se na moenda, passando pela fornalha e pela purgação, terminando no armazém, onde se fazia a embalagem do produto. De lá, geralmente por via fluvial, o açúcar chegava pa­ra o porto de embarque. As habilidades requeridas para a mineração eram, do mes-mo modo, simples. Utili­zavam-se batéias que não

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PERIODO COLON IAL

Extração de diamantes no arraial do Tejuco, em Minas Gerais, no século 18, em trabalho elaborado por artista desconhecido

passavam de gamelas de madeira ou tanques para efe­tuar lavagens de encostas auríferas. Tudo muito simples e precário.

Em busca do ouro

No entanto, mesmo com toda essa simplicida­de precária, a mineração gerou riqueza. Foi o lucro trazido pela mineração que estimulou a arte de arquitetura e de construção, princi­

palmente em Minas Gerais, tendo como epicentro a ci­dade de Vila Rica, hoje Ouro Preto.

Vila Rica era um sucesso, por causa do ouro. Em 1776, como uma das maiores cidades da América, tinha cerca de 78 mil habitantes e na época da Inconfidência Mineira (1789) cerca de 250 músicos trabalhavam lá e na região, principalmente em São João del Rei. As ban­das e orquestras foram sendo fundadas em função de um mercado muito próspero, o da fé. Como, na época, o Estado era a Igreja e a Igreja, o Estado, isso gerou um número formidável de feriados religiosos, praticamente um por semana. E essas comemorações precisavam de

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músicos, além de artífices que construíssem e enfeitas­sem os lugares onde tocavam - igrejas, de preferência.

Segundo Afonso Arinos de Melo Franco, mineiro de sete gerações, Minas produziu uma quantidade de ouro superior à de todo o ouro do mundo de então. Segundo ele, os portugueses levaram daqui uma fortu­na tão grande que permitiu aos ingleses, que domina­vam seu comércio, realizar a sua famosa Revolução In­dustrial. Como conseqüência, Minas aprendia em latim, língua que até hoje faz parte de sua bandeira. Lia em grego, escrevia sobre filosofia e seu teatro era em francês.

Com tanta riqueza, foram edificadas não só casas de câmara, igrejas, cadeias e residências imponentes como também praças públicas e chafarizes. Estes existiam em grande quantidade, além de serem de boa qualidade téc­nica e artística. Os tubos para condutos de água eram muitas vezes feitos de pedra-sabão- uma novidade local. Minas gostava de dar feições próprias às suas obras de ta­lha, pinturas de igreja, chafarizes, mobiliário, produtos de arte. Formou-se, então, grande número de arquitetos, artistas, ourives, marceneiros, entalhadores e outros pro-

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PERIODO COLONIAL

Ouro Preto, marcado pelas obras de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em desenho de von Martius

fissionais, geralmente mulatos, que não conseguiam uma ocupação no comércio ou na burocracia. O mais famoso deles é Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, autor de muitas obras do chamado Barroco Mineiro. Em muitas de suas obras como esculturas e portadas de igrejas, po­de ser notada, igualmente, a utilização de pedra-sabão. Pela abundância e a facilidade de ser trabalhada, inclusi­ve por talhadeiras de madeira, a adoção desse material deve ser considerada como uma solução engenhosa para se adaptar às adversidades regionais.

A história da técnica colonial é a testemunha elo­qüente de como uma política retrógrada, imposta por uma metrópole estagnada, impediu a eclosão de talen­tos e inventividade.

Contra a corrente

Mesmo assim, contribuições valiosas teima­ram em aparecer. O padre Bartolomeu Lou­renço de Gusmão (1685-1724), natural de Santos, ao que tudo indica, inventou uma

bomba capaz de elevar a água à altura de 100 metros. Cri­ou também um aeróstato primitivo, porém original, no início do século XVIII, adiantando-se aos inventores eu­ropeus. Entretanto, a repercussão de seus trabalhos, do ponto de vista técnico ou científico, foi quase nula, não só em Portugal como no resto do mundo. A sociedade luso­brasileira viu o padre Bartolomeu como bruxo, impostor e herege. Outro exemplo, bastante diferente, mas igual­mente lapidar, aconteceu na manufatura do açúcar no nordeste brasileiro. Logo de início, melhorou-se o pro­cesso de fabricação, introduzindo-se uma divisão de tra­balho, muito semelhante ao fordismo. Depois, nos du­zentos anos seguintes, pouca coisa mudou.

As elites da sociedade colonial, no conforto das casas­grandes, longe do burburinho do capitalismo industrial em plena vigência na Europa, não se interessavam na transformação da sua sociedade ou da sua economia. Mas os ecos da Revolução Industrial não poderiam dei-

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xar de chegar a Portugal, mesmo porque o antigo siste­ma colonial estava em xeque em função do avanço des­sa revolução. As elites lusitanas procuravam saídas -sendo talvez a mais radical a do Marquês de Pombal. As­sim, implementaram-se políticas modernizantes com reflexos na sua maior colônia. Por conseguinte, abri­ram-se espaços, embora pequenos, para a investigação científica e técnica. Caso típico foi o de Alexandre Ro­drigues Ferreira, baiano que recebeu da Coroa Portu­guesa, em 1783, a incumbência de explorar as capitani­as do Pará, do Rio Negro (Amazonas) e Cuiabá. Rodrigues Ferreira permaneceu por sete anos na região, remetendo centenas de amostras e relatórios ao Real Museu da Ajuda de Lisboa, com informações sobre a fauna, flora e recursos minerais.

Todo esse material foi confiscado pelo general Junot, por ocasião da invasão francesa ( 1808) em Portugal, sen­do enviado para o Museu de Paris. A glória da identifica­ção dessas amostras acabou ficando com o naturalista francês Etienne Geoffrey Sainte Hilaire, que as analisou.

De qualquer forma, no final do século XVIII, come­çou a haver algum estímulo para fazer C&T no Brasil, permitindo o surgimento de pesquisadores de primeira, como José Bonifácio de Andrada e Silva, que ficou fa­moso não como cientista (era mineralogista conhecido na Europa, descobridor de doze minerais), mas como político, pelo seu papel na concretização da indepen­dência do Brasil. A inércia de uma cultura plasmada por séculos, no imobilismo de uma sociedade escravocrata, não seria fácil de vencer. Em geral, as tentativas da seara científica ou técnica continuavam a ser vistas com des­crédito, desconfiança ou escárnio. Dessa forma, é com­preensível o insucesso da Sociedade Científica do Rio de Janeiro, fundada em 1772, por iniciativa do Marquês de Lavradio, Vice-Rei do Brasil, bem como o fato de a pro­priedade de Manuel Jacintho de Sampaio e Mello ser ri­dicularizada com o nome de Engenho de Filosofia, só porque o seu proprietário queria aumentar a sua produ­tividade pela aplicação de conhecimentos científicos.

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A retórica em vez da ação, a ciência como luxo

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PER!ODO MONÁRQUICO

Durante os longos anos do império, discutia-se no Parlamento se investir em pesquisa valia a pena

A transmigração da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, veio mudar esse quadro, sa­cudindo um pouco a letargia cultural da anti­ga colônia. Havia, então, entre os lusitanos,

um esforço no sentido de modernização, para enfrentar as mudanças inexoráveis advindas da queda do Antigo Regime. O espírito da Ilustração permeava agora a elite portuguesa. Contudo, centrada demasiadamente nos aspectos utilitários, essa retomada da C&T na metrópo­le marcava passo, sem perspectivas brilhantes na época da transmigração. De toda forma, Portugal possuía uma infra-estrutura científica e tecnológica que lhe permitia alinhar-se entre as nações modernas.

Portanto, como seria natural, chegando a Rio de Ja­neiro, D. João VI começou a transplantar para cá as ins­tituições de cunho técnico-científico. No mesmo ano em que chegou, 1808, fundou a Academia de Guardas Marinhas, o Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia, a Es­cola Médica-Cirúrgica do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional e o Real Horto, além de uma fábrica de pólvo­ra. Ainda no mesmo ano, criou a Real Fábrica de Ferro do Morro de Gaspar Soares, confiando a direção ao in­tendente Câmara. Nos anos seguintes, estabeleceram-se outras instituições do gênero, como o Museu Real (1818, mais tarde Museu Nacional), junto com algumas medidas para a implantação de uma infra-estrutura téc­nico-científiéa.

O Brasil precisava, de alguma forma, remediar o seu atraso científico e técnico. Afinal, fora guindado à posi­ção de metrópole de reino imenso, apesar de decadente. E nenhum país moderno poderia sobreviver sem possu­ir um mínimo de um sistema em C&T. A própria guer­ra, cada vez mais complexa, não podia prescindir de co­nhecimentos técnicos cada vez mais aperfeiçoados. Daí a necessidade de academias militares. Como a exploração racional das riquezas de uma região depende de pesqui­sas geográficas, geológicas, mineralógicas e biológicas, justificava-se a criação do Museu Nacional para apro­veitar o conhecimento das ciências naturais em benefí­cio do comércio, da indústria e das artes. Por outro lado, qualquer aspiração de modernidade exige certo grau de industrialização. Com esse objetivo, foram realizados es­forços para a implantação da indústria siderúrgica no

Cena da vida urbana e da saúde no Rio de Janeiro, vista por Debret, da Missão Francesa (1816)

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PER ! O DO MO NÁ RQUI C O

país. É verdade que desde o século XVI, quando Afonso Sardinha instalou a sua fábrica rudimentar em Araçoia­ba, perto da atual Sorocaba, o ferro vinha sendo traba­lhado em pequenas forjas do tipo catalão para produzir ferramentas como picaretas, pás, machados, facas, facões, panelas e ferraduras, entre outros artefatos. Mas isso não atendia nem de longe às exigências da modernidade. Das várias tentativas feitas, desde a do Morro de Gaspar Soa­res, passando pela do São João de Ipanema (1810), a de Congonhas de Campo (1811), até a de Monlevade (1817), somente a penúltima teve algum sucesso, graças,

papéis marginais. Nem por isso ciência e tecnologia dei­xaram de ser amparadas em alguns países do centro pelas suas potencialidades econômicas no futuro. Estas eclodi­ram, de fato, no século XIX. Apenas nessa época o estágio da ciência alcançou o nível de maturação suficiente para po­der atender aos reclamos da industrialização, cada vez mais competitiva. Em conseqüência, a Alemanha saltou para a linha de frente na corrida capitalista, graças ao fato de ter priorizado a educação técnica e a investigação científica.

Não foi por acaso que as indústrias mais científicas, como a química e a elétrica, se estabeleceram apenas no

século XIX. Na primeira, só após a ~ revolução química feita pelo traba­~ lho de toda uma geração de quími­~ cos do século XVIII, como Black, ~ Scheele, Priestley e Lavoisier, é que ~ se tornou possível o conhecimento ~ da estrutura molecular das subs-"' tâncias. Isto abriu o caminho para

Museu Nacional, no Rio de Janeiro, instituição organizada no período monárquico

a era das substâncias sintéticas. Foi possível, então, o surgimento gra­dativo de complexos industriais de borracha, de plásticos, de petroquí­mica, só para citar alguns. Por sua vez, durante muito tempo, a eletri­cidade e o magnetismo não passa­ram de objetos de curiosidade, com os seus estranhos fenômenos servindo de entretenimento para uma classe de pessoas ociosas. O esforço continuado de cientistas como Faraday, Ampere, Oersted, Kelvin, Maxwell e outros, como aventura intelectual, acabou des­vendando as leis existentes no uni­verso eletromagnético. A partir de então, começaram as suas aplica-

em parte, ao aperfeiçoamento na injeção do ar no forno, pela utilização de uma trompa hidráulica.

As pretensões luso-brasileiras de modernização es­barravam na falta de pesquisadores e técnicos capacita­dos. A C&T é de maturação lenta, requerendo algum tempo para responder às necessidades sociais ou polí­ticas. É preciso ter uma certa tradição, um mínimo de pesquisadores e profissionais capazes de executar as ne­cessidades técnicas e/ou científicas de um projeto polí­tico-econômico. O processo de desenvolvimento é com­plexo, não admitindo uma visão simplória da idéia de custo-benefício. Para acompanhar o futuro, é necessário deixar alguns espaços para as alternativas não alinhadas com as prioridades imediatas.

Uma prova da afirmativa acima pode ser encontrada na própria história daquele século XIX. Na evolução ca­pitalista de antes, a C&T, sobretudo a primeira, só teve

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ções nos setores de energia, transporte, iluminação e in­formação, entre outros. Essas novas indústrias requeri­am investimento de grandes capitais, dando bases para o aparecimento das empresas monopolistas.

Dentro desse quadro mundial, as tentativas brasilei­ras em estabelecer áreas científicas e técnicas foram bas­tante tímidas. Aparentemente satisfeita com a sua con­dição de nação primário-exportadora, a monarquia brasileira não conseguia encarar de forma mais consis­tente a necessidade de cultivar a C&T. Essa atitude con­trasta singularmente com a dos Estados Unidos, empe­nhados em promover a capacitação tecnológica, contribuindo com inventos importantes no front do de­senvolvimento industrial. Para compensar o seu atraso científico, os norte-americanos foram bem-sucedidos em aperfeiçoar o sistema de pesquisa e desenvolvimen­to. No Brasil, as coisas ocorreram de forma bem diferen-

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te. Sem a pluralidade das culturas e das elites como as da antiga colónia britânica, bem marcantes entre o norte industrial e o sul escravocrata, a sociedade brasileira herdara uma tradição pesada e monolítica do sistema colonial lusitano e da Contra-Reforma, que acarretou a debilidade de segmentos sociais diferentes dos setores dos senhores de engenho e de governantes. A cultura re­sultante era bastante sólida e se caracterizava pelo ime­diatismo e desprezo pelo trabalho manual.

Não que a ciência estivesse fora da pauta do dia. Contudo, na tradição de valorizar mais a retórica do que a ação, a maioria do

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nosso Parlamento ficava ~ discutindo, em boa ora- ~

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tória, se a ciência era re­levante ou não, se valia a ~

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pena promover a pes- g >

PERfODO MONÁ RQU I CO

(1838), da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (1825) e da Sociedade Vellosiana (1850).

O Instituto, embora se notabilizasse pela sua atuação no campo da história e da geografia, não deixou de con- · tribuir para estudos naturalistas, pois considerava a his­tória natural como parte da História do Brasil. Instituiu uma Comissão Científica de Exploração que atuou no Ceará entre 1859 e 1861, fazendo levantamentos na área de botânica, geologia, mineralogia, astronomia, geogra­fia e etnologia. A Sociedade Auxiliadora, particular, com cerca de 200 signatários, procurava incentivar a utiliza-

quisa ou não e assim por diante. Esse tipo de ati­tude persistiu durante todo o Império. Mesmo no ocaso desse regime, em 1882, quando D. Pe­dro II pediu uma peque­na verba para a partici­pação brasileira na observação da passagem de Vênus pelo disco so­lar, a grita foi geral, tan­to no Parlamento como na Imprensa. Foram pu­blicadas diversas charges sarcásticas e um matuti­no estampou um dese­nho no qual o impera­dor caía num poço por estar entretido na obser-

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Academia de Direito, primeira instituição pública de ensino superior implantada em São Paulo (1827)

vação de uma moça atraente, simbolizando Vênus, que passeava pelo céu. Trata-se de uma prova eloqüente de que uma grande parte da elite brasileira considerava a ciência como luxo desnecessário.

O paraíso dos naturalistas

Naturalmente, havia segmentos interessados em fazer avançar a C&T no país, acreditando serem dois dos fatores fundamentais de pros­peridade económica e de progresso cultural.

Tudo faz crer que, no início, esse tipo de ação provinha de pessoas influenciadas pela Ilustração. Efetivamente, foram criados, nos primeiros tempos do regime monár­quico, varias instituições voltadas para a promoção de atividades científicas ou industriais. São dessa época a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

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ção das máquinas e inventos na agricultura, além de di­fundir conhecimentos úteis. Para isso editou uma revis­ta: O Auxiliador. Pelas suas páginas pode-se ver como, na agricultura, a química foi substituindo a botânica em importância ao longo do século XIX. A Sociedade che­gou a montar um sítio para pesquisas agrícolas, sob a direção de Luís Reidel. A Sociedade Vellosiana foi fun­dada por naturalistas do Rio de Janeiro, estendendo-se depois para outras províncias. Entre os seus fundadores, notam-se nomes reconhecidos como os de Freire Ale­mão, Silva Maia, Guilherme Capanema, Frederico Bur­lamaque, Candido A. Coutinho e o próprio Reidel, já ci­tado. A ênfase das discussões estava em temas nacionais, muitas vezes de cunho prático.

Do mesmo modo, o Museu Nacional, concebido com fins utilitários, foi se transformando numa instituição de pesquisa. Com a contribuição de naturalistas estrangeiros

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P ERI O DO REP U BLI C A NO

inseto, o Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas formou várias comissões compostas de natura­listas conhecidos na época, como Frederico Burlama­qui, F. de Rocha Freire, F. Freire Alemão, Emílio Goeldi e outros para debelar a ameaça. Embora as comissões tenham conseguido identificar a doença como a fer­rugem, já notada nas Antilhas em meados do século XIX, não conseguiram encontrar meios para curá-la. Parece que esse foi um dos fatores da decadência do café no Vale do Paraíba.

Mas a criação do Instituto Agronômico de Campi­nas (IAC), por D. Pedro II, no fim do século XIX, inau­gurou uma nova fase para as investigações agrícolas com enfoque científico. Claro que o IAC teve enormes dificuldades para impor essa linha tecnológica, em fun­ção das demandas de uma sociedade demasiadamente pragmática e apressada. Ainda na década de 20, ele so­fria as conseqüências da orientação imediatista impos­ta de fora, contra aquela de moldes científicos adotada pelo seu primeiro diretor, F. W. Dafert. De forma irâni­ca, essa orientação imedia-

ele contra a broca-do-café, o Instituto tornou-se duran­te muito tempo num paradigma de pesquisa em moldes modernos. Quem o levou nessa direção foi Henrique da Rocha Lima, seu diretor a partir de 1932. Tendo tra­balhado por 20 anos na Alemanha, onde recebeu reco­nhecimento, Rocha Lima impôs um padrão invejável ao Biológico, que adquiriu rapidamente uma posição de li­derança nas investigações fitopatológicas e bacterioló­gicas. Apesar de mais aberto e flexível que Manguinhos, prefigurando uma verdadeira universidade, o Institu­to sofreu influência da entidade do Rio, que lhe forne­ceu vários pesquisadores, como Otto Bier, José Reis e Adolpho Martins Penha.

tista estava fracassando na prática, aconselhando erra­damente os fazendeiros. Só depois da reforma concre­tizada por Theodureto de Camargo (1927), com a va­lorização novamente da pesquisa, é que a situação mudou. Assim, já na déca­da de 30, o IAC pôde con­tribuir para a melhoria da produção agrícola, por meio de estudos sobre café, milho, fumo, trigo e batata, entre outros. Foram notá­veis as investigações de ge­nética agrícola, introduzi­das pioneiramente por C. A. Krug e J. E. T. Mendes, e os trabalhos de Alcides Carvalho sobre o café.

O Instituto Biológico constitui-se num dos casos mais bem-sucedidos nessa linha de pesquisa e desen­volvimento, dentro da as­sociação da ciência básica com a aplicada. Fundado em 1927, graças ao empe­nho e habilidade política de Arthur Neiva, que sou­be capitalizar o sucesso de uma comissão chefiada por

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De toda forma, graças à atuação eficiente desses ins­titutos de pesquisa agrícola, o Brasil saltou à linha de frente dos conhecimentos agronômicos, conseguindo manter a sua invejável posição mundial no campo da agricultura. Basta lembrar o triste exemplo dos plane­jadores americanos de Fordlândia e Belterra, no Pará. Eles sentiram amargamente o quanto os conhecimen-

Gilberto Freyre, um intérprete do Brasil

g De Gilberto de Mello Frey­"' re (Recife, 1900-1987) já se ~ disse de tudo, sempre de

.......,.;..<rt• ~ maneira superlativa. De ~ gênio a mentecapto. No ;"; <§ primeiro caso, por ter ilu-z

"' minado a compreensão do Brasil. No segundo, pelo seu fascínio por regimes autoritários como o Salaza-

rismo português (cunhou a expressão luso- tropi­calismo, que nos uniria ao universo português na época fascista).

Com uma atuação intelectual difícil de classifi­car no amplo espectro das ciências sociais, Gilber­to Freyre é um ponto de referência. É dele o livro que nove entre dez historiadores consideram o me­lhor retrato da vida brasileira, o clássico Casa Gran­de & Senzala (1933). Seus temas, neste e em outros livros, como Sobrados e Mocambos (1936), são a es­cravidão, relações sociais entre senhores e servos, cultura e sociedade. Foi deputado constituinte em 1946, representou o Brasil na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1949 e recebeu distinções de di­versas universidades do mundo.

tos técnicos são vitais para um empreendimento agrí­cola. Interessada em con­cretizar a organização ver­tical da sua produção econômica, a Ford conse­guiu uma concessão de um milhão de hectares na Amazônia, para a planta­ção de seringais e extração intensiva da borracha, em 1927. Quatro anos antes, um grande grupo técnico brasileiro-americano per­correra a Amazônia estu­dando a possibilidade de uma produção em alta es­cala. Os extensos seringais da companhia americana iam bem, até que aparece­ram os fungos que ataca­vam a Hevea brasiliensis. Na verdade, esses fungos são naturais da Amazônia e já atacavam a seringueira havia muito tempo. Acon­tece que uma seringueira fica muito distante de ou­tra seringueira. Separada por uma vegetação cerra­da, a doença não podia alastrar-se. Retirada essa proteção natural, como aconteceu naquele caso da

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PERIODO MONÁRQUICO

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O pedido de privilégio industrial para o balão Brasil foi pedido por José Passos Faria, em 1873

que aqui apartavam em quantidade, começaram a ensai­ar-se os primeiros passos da pesquisa biológica. É digno de nota o laboratório de fisiologia experimental de João Batista Lacerda e Louis Couty, criado em 1880, quando o Museu se encontrava sob a direção de Ladislau Neto, cuja atuação foi sempre no sentido de estimular a pesquisa. No campo geológico e mineralógico, o Museu Nacional possuía um vasto acervo de minerais e um laboratório para análise e ensaios mineralógicos, com atividade nada desprezível. O seu exemplo irradiou-se de norte a sul, propiciando a criação do Museu Paraense (1866), em Be­lém, e de outras agremiações congêneres. Neste ponto, mais uma vez se constata, com tristeza, que enquanto os museus norte-americanos, instituídos na mesma época, cresciam e se consolidavam, os nossos mal podiam man­ter-se, apesar da existência de períodos fecundos, mas fu­gazes, de pesquisa.

Isso apesar do interesse que a natureza brasileira continuava a despertar no cenário internacional. A abertura dos portos decretada por D. João VI foi tam­bém abertura para as investigações biológicas estran­geiras represadas durante o século XVIII. Retomaram­se as investigações da nossa flora, fauna e geologia,

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sucedendo-se visitas científicas de pesquisadores de re­nome internacional, como Langsdorff, Sellow, Príncipe de Wied-Neuwied,Auguste de Saint-Hilaire, Lund, War­ming, só para citar uns poucos. Sem dúvida, o trabalho mais monumental, resultante dessas expedições cientí­ficas, foi a Flora Brasiliensis, de Carl Friedrich Phillip von Martius, baseado no material recolhido por ele próprio, junto com Spix e outros da comitiva da Arqui­duquesa D. Leopoldina. Ela viera ao Rio de Janeiro, em 1817, para casar-se com D. Pedro de Alcântara, depois o primeiro imperador do Brasil. A Flora, cuja publica­ção foi iniciada em 1840 por Martius, só foi completa­da 66 anos depois, com a colaboração de 65 botânicos. Em 130 fascículos em 40 volumes in-fólio, com 3.000 estampas, descreve 20.000 espécies, das quais cerca de 6.000 eram desconhecidas.

Também não deixa de ser extraordinária a contribu­ição do país para a concretização da Teoria de Evolução das Espécies, um dos maiores feitos científicos do século XIX. Tanto Charles Darwin como Alfred Russel Walla­ce, propositores da Teoria, estiveram colhendo dados aqui. O primeiro, a bordo do Beagle, passou por São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro em 1832, voltando à Bahia

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e a Pernambuco, quatro anos mais tarde. O segundo ex­plorou a Amazônia, em torno do Rio Negro, durante quatro anos a partir de 1848. Como se não bastasse, Henry Walter Bates descobriu nas suas andanças de onze anos pela Amazônia (1848-1859) o mimetismo das borboletas. É um achado fundamental para o enten­dimento da seleção natural, mecanismo central da Teo­ria da Evolução. Encantado com a Amazônia, ele acha­mou de o Paraíso dos Naturalistas.

Outro que se fascinou com a natureza brasileira, mas desta vez, com a de Santa Catarina, foi Fritz Müller. Ele veio ao Brasil em 1852, com 30 anos de idade, e aqui permaneceu até a sua morte, em 1897. Nos seus 45 anos de investigação biológica no país, conseguiu resultados excelentes nas áreas de embriologia, de ecologia, de eto­logia e mesmo de genética. O seu trabalho mais relevan­te refere-se a um outro tipo de mimetismo de borbole­tas, o de imitação recíproca, diferente daquele estudado por Bates. Tratava-se de mais uma prova essencial para o evolucionismo. Müller publicou-o em 1864, com o títu­lo de Für Darwin. A repercussão mundial foi imediata, dando renome internacional ao seu autor. Thales Martins, um dos nossos mais reconhecidos fisiologistas, conside­ra Fritz Müller um dos maiores biologistas do século XIX. Todas essas provas da Teoria de Evolução obtidas em pesquisas feitas no Brasil constituem-se em pontos favoráveis à nossa tese de que o país participou efetiva­mente da história da C&T, no âmbito internacional.

Do café às ferrovias

Esses acontecimentos deram-se no contexto eco­nômico mundial da afirmação do capitalismo in­dustrial. Este mundializava-se cada vez mais, re­

PER!ODO MONÁRQUICO

Algodão e sobretudo cana-de-açúcar voltaram, no princípio do século, a alcançar posições importantes na economia, fazendo renascer o fastígio do Nordeste. Mes­mo quando eles entraram de novo em decadência, I}OS

meados do século, a saúde financeira da nação como urn todo não sofreu abalo, graças à ascensão do café, borra­cha e cacau. Até essa época, o pequeno mercado brasilei­ro, pois a maioria da população era escrava, não exercia muita atração aos capitalistas industriais da Grã-Breta­nha. Na verdade, eles ainda implantavam a malha fer­roviária no seu próprio país. Não é de estranhar que apesar da vigência de um decreto imperial, de 1835, con­cedendo privilégios para a construção de ferrovias inter­ligando Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul, nada tenha acontecido de verdade.

A partir da segunda metade do século XIX, no en­tanto, a situação começou a mudar em função, sobretu­do, da prosperidade do café. A necessidade de transpor­te exigiu a instalação das ferrovias, indo ao encontro dos planos de exportação industrial da Inglaterra. De igual forma, para melhorar o embarque dos produtos agríco­las, foi preciso melhorar os portos. Essas aspirações não alcançaram o êxito esperado, mas os trens começaram a circular em 1854, graças a uma iniciativa de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Naquele ano, terminava a instalação da primeira ferrovia brasileira, ligando o município de Estrela a Petrópolis.

O projeto da estrada baseara-se nos estudos dos enge­nheiros ingleses William Bragge, Robert Milligan e Wil­liam G. Ginty. Tinha uma extensão de 14,5 quilômetros, com a bitola de 1,676 metro. Desde então, multiplicou-se o número de companhias ferroviárias, tais como a Estra­da de Ferro D. Pedro II (1854, depois a famosa Central do Brasil) a The'São Paulo Railway (depois a igualmente cé­

lebre Santos-Jundiaí), a Compa­nhia Paulista de Vias Férreas e outras. No início, a maioria dos projetos ficou a cargo de enge­nheiros ingleses ou norte-ameri­canos. Mas os nacionais tiveram participações importantes na con­dução do processo. Por exemplo, Christiano Benedito Ottoni, en­genheiro militar, dirigiu por bom tempo a construção da fer­rovia D. Pedro II. E Honório Bi­calho, formado igualmente pela Escola Militar, e Francisco Perei­ra Passos, egresso da Escola Cen­tral. Eles projetaram o trecho de Juiz de Fora da mesma estrada.

forçando a idéia de um mercado internacional para po­der escoar os produtos fabrica­dos em massa. Nesse aspecto, a velha estrutura mercantilista atrapalhava os planos dos novos rumos da economia, sendo colo­cada em xeque. Os ideais do li­vre-cambismo espalhavam-se, inflados pela propaganda liberal emanada pela Velha Albion, vul­go Grã-Bretanha. No Brasil, essas idéias foram defendidas, já em 1804, por José da Silva Lisboa, fu­turo Visconde de Cairu. Ele tinha a indústria em grande apreço, mas o país foi na direção contrá­ria, procurando novos produtos agrícolas para substituir o ouro e a prata que escasseavam.

Charge contra o pedido de verbas apresentado pelo imperador para observação astronômica

Nessas e outras tarefas, ficava clara a importância de formar engenheiros e técnicos em quan-

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P ER l O D O MO NÁ RQUI C O

tidade, tarefa em parte cumprida pela Escola Militar e pela Escola Central, desdobramentos da antiga Academia Imperial Militar. Diante da demanda cada vez mais cres­cente, a Escola Central transformou-se em Escola Politéc­nica do Rio de Janeiro. Alguns jovens foram estudar en­genharia na Europa. Em conseqüência, nas últimas décadas do século, constituiu-se uma competência nacio­nal capaz de fazer frente a algumas questões ferroviárias relevantes. Uma das polêmicas candentes, na qual se en­volveu o engenheiro paulista Antônio Francisco de Paula Souza, versava sobre a superioridade ou não da bitola es­treita em relação à larga. Paula Souza, o mesmo que fun­daria depois a Escola Politécnica de São Paulo, defendia o uso da bitola estreita no seu estudo Estradas de Ferro na Província de São Paulo. Hoje, a maioria das ferrovias bra­sileiras segue a bitola métrica. Numa bitola ou noutra, a verdade é que se construíram poucas ferrovias.

Pelas mãos do imperador

Mas, nesse panorama, o sucesso da construção da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, entre 1880 e 1885, merece destaque. Construída sob a direção dos engenheiros João Teixeira Soares e Guilherme B. Weins­

As comissões geográficas e geológicas, criadas nessa época, fizeram trabalhos exemplares de investigação. A Comissão Geológica do Impé­rio (1875-1877), sob a direção do mesmo

Hartt, conseguiu esclarecer em seus traços gerais a es­trutura geológica brasileira, além de recolher cerca de SOO mil amostras de minerais. A despeito do seu êxito, a Comissão foi desativada, em nome de uma duvidosa economia. Essa tem sido uma constante nos países sub­desenvolvidos- sacrificar a ciência e a pesquisa tecnoló­gica em favor de empreendimentos supostamente mais rentáveis, sob a ótica do imediatismo. Mesmo havendo na época, em escala mundial, um boom de investigação geológica estimulada pela procura de matéria-prima para as indústrias químicas e para a petroquímica. Na província de São Paulo, estatuiu-se, em 1886, uma Co­missão Geográfica, sob a responsabilidade de Orville Derby e E. Hussak, com a finalidade de fazer levanta­mentos de cartas geográficas, topográficas, geológicas e

chenk, o seu projeto é do brasileiro Antônio Pereira Rebouças. Essa estrada, construída num terreno acidentado de região mon­tanhosa, é uma combina­ção engenhosa de túneis e pontes, sendo ainda hoje uma das poucas que não sofrem com o problema de deslizamento das encostas. As ferrovias, sobretudo, as paulistas, foram veículos por excelência da moderni­zação, levando à integração de vastas regiões, abrindo caminho para novas re­giões produtoras, tornan­do-se sede de atividades técnicas por meio das ofici­nas de reparo. Chamaram atenção também para a necessidade de pesquisas mais abrangentes, como no episódio da construção da E. F. D. Pedro II, por méto­do de simples aderência, no trecho do Rio de Janeiro até a Barra do Piraí, quando se tornaram necessários inves­tigações geológicas, feitas por Louis Agassiz e Charles Frederic Hartt.

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Madame Durocher, pioneira da obstetrícia

Madame Durocher não foi uma daquelas mulhe­res de má fama que vieram para o Brasil, em sécu­los passados. Pelo contrário, trilhou um caminho que a aproxima da santidade. Maria Josefina Ma­tilde Durocher (1809-1893) nasceu em Paris, che­gou à Bahia com a mãe e naturalizou-se·brasilei­ra. No Rio de Janeiro, matriculou-se no curso de parto na Faculdade de Medicina. Tornou-se a pri­meira parteira diplomada no Brasil e publicou trabalhos sobre obstetrícia. Foi a primeira mulher aceita como sócia da Academia Imperial de Medi­cina, em 1871.

A atendente da Casa Imperial, cargo que lhe ga­rantia clientes ricos, não deixou de socorrer os po­bres. Durante 60 anos ajudou a trazer ao mundo milhares de bebês, além de fazer tratamentos gine­cológicos e tratar das doenças dos recém-nascidos. Perita médico-legal, nas epidemias de febre ama­rela (1850) e cólera-morbo (1855) foi convocada ao trabalho. Era interessada em questões sociais. Fez um projeto sobre a fiscalização das amas-de­leite e um outro sobre a emancipação dos escravos. Teve carreira excepcional, numa época de escassas oportunidades para mulheres.

agrícolas, além de realizar estudos de meteorologia e botânica. Já na fase republi­cana, no ano de 1891, foi criada, em Minas Gerais, uma comissão com objeti­vos semelhantes. Essa tra­dição de pesquisa geológi­ca continuou com a criação do Serviço Geológico e Mi­neralógico do Brasil ( 1907), sob a direção de Derby, en­frentando sempre dificul­dades crônicas pela falta de apoio oficial.

Como se viu, no perío­do monárquico, cada vez mais ficava clara a necessi­dade de alcançar compe­tência científica e tecnoló­gica. Esforços foram feitos nessa direção, alcançando­se um certo sucesso, pois a pesquisa começou a fre­qüentar algumas institui­ções brasileiras. Entremen­tes, ela não prosperou, como se patenteou na Guerra do Paraguai, quan­do se evidenciou o nosso despreparo nas técnicas militares. Qual teria sido a razão disso? A resposta não

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P ERI O D O MO NÁ RQU ICO

Ferrovias se expandem junto com o café: ramal ferroviário liga a fazenda do pai de Santos Dumont a Ribeirão Preto (foto de 1900)

é fácil. Não há mais dúvidas de que existiam segmentos sociais interessados em promover a C&T, como mos­traram os estudos feitos na segunda metade do século XX pela geração de novos historiadores. Ainda falta pesquisar muito para esclarecer alguns pontos nodais, mas algumas coisas podem ser ditas.

No Brasil Monárquico, pesou muito a tradição colo­nial, aliada ao tipo vigente de economia, na falta de compreensão do papel da pesquisa como meio para atingir os padrões da civilização, para usarmos os ter­mos da época. Mesmo as pessoas bem-intencionadas e idealistas, de sincera fé nas atividades científicas e tec­nológicas, muitas vezes não conseguiam apreender a sua verdadeira dimensão no concerto mundial.

Nesse sentido, um exemplo paradigmático foi o do Imperador D. Pedro II. No período em consideração, parece que ninguém fez mais que ele pela ciência no Brasil. O seu nome está ligado à maioria dos eventos importantes dessa área, como à instalação do Laborató­rio de Fisiologia Experimental no Museu Nacional, já mencionada, à criação da Escola de Minas de Ouro Pre­to (1875), à fundação da Estação Agronômica de Cam­pinas (1887), ao melhoramento do Observatório Na­cional, entre outros. Não só isso. Ele esteve presente em quase todos os grandes eventos técnico-científicos do mundo, conheceu e correspondeu-se com inúmeros

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cientistas famosos no cenário internacional. Porém, ao que tudo indica, o seu posicionamento é o de monarca esclarecido, protetor de artes e de ciências, e não o de um estadista contemporâneo, articulador de uma polí­tica científica e tecnológica voltada para o fortalecimen­to futuro da 'nação.

É bem verdade que ainda não se fez nenhum estudo mais profundo e sistemático sobre esse aspecto da vida de D. Pedro II e pode-se estar incorrendo numa lamen­tável injustiça. Não é muito conhecida, por exemplo, a sua ação pelo reflorestamento da Tijuca, no Rio de Janei­ro, primordialmente com espécies nativas da região con­tígua de Guaratiba, como forma de proteger as encostas e reerguer a biodiversidade do local. Não obstante a for­ma artesanal de plantio, a continuidade do processo ga­rantiu a formação da maior floresta urbana do mundo. Do mesmo modo, ele fez a substituição, por sugestão de A. Glaziou, de espécies exóticas por nativas, na arboriza­ção de ruas, parques e jardins do Rio de Janeiro- fonte de inspiração, no século XX, para Roberto Burle Marx projetar os seus jardins à base de plantas tropicais. Esses exemplos recomendam cautela na avaliação da atuação de D. Pedro II, ainda mais se recordarmos o turbulento jogo de poder entre as elites, existente no seu reinado. Todavia, isso não muda o fato de que o Brasil ocupava uma posição medíocre em C&T, no ocaso do Império.

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Uma luta sem trégua para criar ciência e tecnologia A briga entre os que querem desenvolver C& T e a tradição imediatista atravessa todo o século 20

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"' ü ARepública iniciava seus passos sob um novo signo - o signo da mo­dernização. Tendo São

Paulo à frente, esforçava-se para montar uma infra-estrutura ca­paz de enfrentar os desafios de uma nova era marcada pela Re­volução Técnico-Científica, tam­bém chamada de Segunda Revo­lução Industrial. Após quatro séculos de maturação, a ciência atingira um nível alto capaz de responder as demandas técnicas com eficiência. Em conseqüên­cia, novos produtos de grande intensidade tecnológica como o automóvel, o avião, o rádio, o telefone, o telégrafo sem fio, a

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Manguinhos: dos laboratórios muito simples, erguidos em 1900 com propósitos práticos ...

geladeira, entre muitos outros, subverteram a ordem econômica, propiciando o surgimento de grandes con­glomerados como a General Motors, General Eletric, I.G. Farben, Siemens, Mitsubishi, Shell e outros. As com­petições dessas companhias entre si e as disputas entre as potências econômicas provocaram grandes tensões polí­ticas e militares, tornando a primeira metade do século XX num período de extrema instabilidade, simbolizada pela duas guerras mundiais. E, nesse planeta tão perigo­so, a sobrevivência dependia cada vez mais da C&T.

Isso porque essa segunda revolução industrial, mais do que a primeira, imiscuiu-se e tornou mais complexa a sociedade em geral. A capacidade produtiva não só aumentou de forma exponencial como começou a colo­car a alcance de amplas camadas populacionais (mas não à sua maioria) novos produtos de origem indus­trial, fabricados em grande escala. Não eram apenas os produtos sofisticados como os citados acima, mas tam­bém os de uso mais doméstico: escova de dentes, den­tifrício, papel higiênico, comidas enlatadas, cervejas engarrafadas, sabão em pó e quanto mais se possa ima­ginar e comprar. O próprio trabalho adquiriu os foros de ciência, difundindo-se o taylorismo e o fordismo. A guerra tornou-se mais mortífera com os seus gases ve-

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nenosos, os submarinos, as bombas aéreas e outros ar­tefatos horríveis que não poupavam nem os civis. Todos esses fatos tiveram reflexos nos hábitos e nos comporta­mentos gerais', com desdobramentos planetários num processo de globalização.

No Brasil, as coisas não seriam diferentes. Para ajus­tar-se à nova situação global, libertaram-se os escravos, receberam-se os imigrantes, aumentou-se a classe mé­dia. Todavia, aqui, modernizar-se significava europei­zar-se. Assim, tendo como modelos França, Inglaterra e Alemanha, esforçou-se em importar os modos de vida e as formas de pensamento daqueles países- civilizar-se, como diziam os intelectuais da época. E nas classes altas e médias, em pleno país tropical, seria difundido o uso de terno e gravata e adotar-se-iam teorias sociais de cunho cientificista, mormente do darwinismo de Spen­cer, do positivismo de Comte e do evolucionismo ale­mão de Haeckel.

Ainda no Império, na segunda metade dos oitocen­tos, formara-se uma geração de intelectuais brasileiros, fortemente influenciada pelas correntes mencionadas acima. Queriam entender e explicar as razões do seu país ser tão diferente em contraste com os da Europa. Esses intelectuais, entre os quais destacavam-se Sílvio

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PER(ODO REPUBLI CAN O

.. . à instituição que se tornou um paradigma da investigação científica, graças ao carisma de Oswaldo Cruz

Romero, Raimundo Nina Rodrigues e João Batista La­cerda, perguntavam-se se seria possível a nossa socie­dade, colocada no ambiente desfavorável dos trópicos, atingir uma civilização capaz de equiparar-se à euro­péia. Para eles, além do fator geográfico, a culpa maior cabia à raça brasileira, união infeliz do branco com a in­ferioridade racial do negro e do índio.

Estes intelectuais seguiam as teorias racistas de La­pouge, Gobineau, Buckle e Chamberlain, conseqüên­cias previsíveis do darwinismo social e do evolucionismo. A solução encontrada foi a teoria do branqueamento, solução engenhosa, mas sem fundamento científico, embora os seus propositores pensassem o contrário. De acordo com essa visão, se não mais aumentasse o núme­ro de seres inferiores, a raça brasileira acabaria tornan­do-se branca, pois os caracteres genéticos desta sobre­por-se-iam aos das outras por serem mais fortes. Apesar de não corresponderem à realidade, essas formulações sobre o branqueamento podem ser consideradas como as primeiras manifestações da investigação sociológica no Brasil, por combinar,em a teoria com a coleta empí­rica de dados, como argumenta de maneira convincen­te o professor Oracy Nogueira. Outras obras de grande valor, porquanto revelavam a realidade social brasileira,

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publicadas na época, como aquelas de Euclides da Cu­nha e de Oliveira Vianna, continuavam a sustentar a tese da superioridade do branco em relação ao negro. Toda­via, à medida que se consolidava a República, principi­aram a aparecer trabalhos defendendo a igualdade das raças. Só para ilustrar, citaremos, dessa corrente, os no­mes de Manuel Bonfim, Alberto Torres e Edgar Roquet­te-Pinto.

Entrementes, nas últimas décadas do século XIX, não foi apenas essa leva de intelectuais que surgiu. Polí­ticos, administradores, militares, engenheiros, médicos e artistas, de forte convicção positivista, aliados aos ri­cos fazendeiros do oeste paulista, tiveram presença mais marcante ainda no cenário nacional. Conhecidos como geração de 70, por estarem fortemente vinculados à fun­dação do Partido Republicano em 1870, vão dominar o curso de acontecimentos políticos e econômicos dos anos seguintes. Proclamada a República em 1889, eles impõem os novos moldes inspirados na plataforma de modernização e industrialização. Com esse objetivo, implantam, com mão de ferro, um projeto de remodela­ção tanto do ponto de vista econômico quanto urbanís­tico e sanitário. A despeito de não ter beneficiado uma grande parte da população e ter provocado um verda-

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deiro rebuliço no sistema finan­ceiro com a balbúrdia de espe­culação desenfreada propiciada com o encilhamento, o projeto que ficou conhecido com o nome de regeneração foi bem­sucedido. Destarte, Rio de Ja­neiro, vitrine dessa plataforma, reconstruiu-se numa forma moderna, tornou-se salubre e ampliou o seu porto para dina­mizar o comércio com o exteri­or. Era um grande avanço, sem dúvida. Mas, o país continuava essencialmente primário-expor­tador, porquanto a industria­lização progredia a passos tar­dos, mal atendendo o mercado interno, somente nos bens mais rudimentares.

Mesmo um país primário­exportador, para ser moderno,

Integrantes do Gabinete de Resistência dos Materiais da Escola Politécnica de São Paulo, em fotografia de 1904. Ao centro, o criador do Gabinete, Antônio Francisco de Paula Souza

precisava ter condições mínimas para realizar atividades científicas e tecnológicas, mormente na área de agricul­tura e saúde. Assim, no fim do século XIX, fundou-se um bom número de escolas superiores e institutos de pesquisa, além da criação de várias comissões geográfi­cas e geológicas. Entre as escolas superiores, pode-se ci­tar, entre outras, a Escola Politécnica (1893), a Escola de Engenharia Mackenzie (1896), a Escola Livre de Farmá­cia (1898), todas em São Paulo, a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária (1898), no Rio de Ja-

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Paula Souza, pondo o progresso nos trilhos

!!: Um engenheiro ferroviário, ~ s Antônio Francisco de Paula ~ < Souza (1843-1917), não por

acaso ajudou a colocar o pro­gresso brasileiro nos trilhos. Paulista de ltu, mas com visto­sa formação internacional, ele se formou na Escola Politéc­nica de Zurique e na Karlhsue, na Alemanha, além de ter tra-

balhado dois anos na construção de estradas de ferro nos Estados Unidos. ·

De volta ao Brasil, continuou na engenharia fer-

neiro, a Escola de Engenharia ( 1896), em Porto Alegre, e, já no século seguinte, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ- 1901), em Piracicaba. Ao exa­minar esse quadro, verifica-se a predominância de insti­tuições paulistas. Como já foi dito, em São Paulo forma­ra-se uma elite empreendedora bastante diferenciada daquelas de outras regiões brasileiras. Uma parte dela, imbuída de um espírito de capitalismo mais moderno, conhecia a importância da pesquisa e da competência tecnológica e esforçava-se em dar condições para isso.

roviária. Mas com uma experiência que lhe deu con­dições para se tornar professor, escritor de livros so­bre C&T e, mais tarde, organizador de políticas para essas áreas.

Nesse papel, foi o primeiro diretor da Superinten­dência de Obras Públicas do Estado de São Paulo e ministro das Relações Exteriores, da Agricultura e Viação no governo Floriano Peixoto. Uma de suas constribuições mais importantes para a C&T se deu quando era deputado estadual. Foi autor do projeto que criou a Escola Politécnica de São Paulo ( 1894), que dirigiu até sua morte. Professor das cadeiras de Resistência dos Materiais e Estabilidade das Constru­ções, introduziu pela primeira vez no Brasil, no iní­cio do século XX, o ensino do concreto armado. Sua grandeza, como a de outros, foi integrar a C&T a uma visão mais ampla da realidade social.

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guinhos ( 1900) e, em Belém, fundou-se o Museu Paraense (1894), que passou a se chamar Museu Emílio Goeldi a partir de 1900.

As trajetórias históricas des­sas instituições são muito seme­lhantes. Criados com propósitos utilitários, esses órgãos, pela sua eficiência, iam ganhando algum espaço para a realização de in­vestigação científica. Para Man­guinhos tornar-se um paradig­ma, foi necessário o carisma de Oswaldo Cruz e o sucesso re­tumbante do seu programa de saneamento.

Retrato de 1910: sentados (a partir da esquerda), Godoy, Gomes de Faria, Cardoso Fontes, Giemsa, Cruz, Prowazek e Lutz. De pé: Chagas, Rocha Lima, Vasconcellos, Aragão e Neiva

Só que o cientista Oswaldo Cruz queria salvar o povo, mes­mo que à força, invadindo resi­dências e vacinando seus mora­dores contra a varíola. O povo

Portanto, não foi por acaso que surgiram no estado paulista muitos institutos de pesquisa e desenvolvimen­to na área de saúde e de agricultura. São dessa época: o Vacinogênico (1892), o Bacteriológico (1893) e o Bu­tantan (1899), além do Agronômico (1887) -fundado pelo Imperador D. Pedro II, mas que continuou suas atividades com o apoio do governo paulista. Também em outros estados, na esteira da modernização intentada pelo governo federal, iam surgindo instituições de pes­quisa. No Rio de Janeiro, criou-se o Instituto de Man-

Oswaldo Cruz, um salvador incompreendido

i O médico e sanitarista Oswal­~ do Cruz (São Luís do Parai­~ tinga, SP, 1872 - Petrópolis, u RJ, 1917) é um dos tótens da ~ ciência. Foi um exterminador ci ~ de doenças desde que se for-< mou na Faculdade de Medici-

na do Rio de Janeiro com a tese "Veiculação Microbiana pelas Águas". Em 1896 já esta-

va em Paris, especializando-se em bacteriologia e es­tagiando no Serviço de Vias Urinárias do Instituto Pasteur. De volta ao Brasil, combateu a peste bubô-

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enfrentou a polícia e os bombeiros, pois não queria ser vacinado. O cientista teve de enfrentar a hostilidade geral e até revolta militar, no episódio conhecido como a Revolta da Vacina - terrível sedição ocorrida em 1904 e só debelada pela determinação do Presidente, o pau­lista Rodrigues Alves. É evidente que a vacinação foi apenas o estopim para a eclosão da insatisfação da ple­be excluída de quase todos os benefícios da moderniza­ção e vítima do autoritarismo governamental. O "des­potismo sanitário do governo", como se falou na época,

nica que assolava a cidade de Santos e a febre ama­rela, a malária e a varíola no Rio de Janeiro.

Como diretor de Saúde Pública ligou seu nome ao combate dessas doenças, mas pagou um preço altíssi­mo. As autoridades achavam que tinham o direito de impor a profilaxia à força, invadindo domicílios em busca de pessoas para serem vacinadas. A cidade se re­voltou, alegando que a invasão aumentava a repressão policial. Em 1904, quando saiu a lei tornando obriga­tória a vacina contra a varíola, milhares de pessoas saí­ram às ruas e 23 morreram na luta. Quase mil prisões foram feitas e alguns manifestantes acabaram depor­tados para a Amazônia. Nos anos seguintes, milhares de pessoas morreram por não terem sido vacinadas.

Cruz publicou centenas de trabalhos de pesquisa, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e mor­reu como político, no cargo de prefeito de Petrópolis.

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Roberto landell de Moura, o inventor do rádio

g O religioso Roberto Landell g " de Moura (Porto Alegre, v ~ 1861-1928) foi um grande " comunicador, muito antes

que padres se tornassem fe­nômenos de comunicacão. De família tradicional, or­denou-se em Roma, onde foi estudar por influência de um irmão, Guilherme,

que aspirava ao sacerdócio. Teólogo formado, vol­tou para desenvolver trabalhos pastorais em vá­rias cidades brasileiras. Interessava -se também pelas ciências, especialmente por física e química, que estudou na Universidade Gregoriana. Foi um pio­neiro no estudo e prática da comuni­cação eletrônica sem fio.

Suas primeiras experiências em transmissão e recepção sem fio foram feitas com êxito em 1893 e 1894, entre a Avenida Paulista e o alto de Santana, em São Paulo, a uma distância de cerca de oito quilômetros. Antes, portanto, de Marconi, que usou apenas radiote­legrafia, enquanto o padre brasileiro fez contatos em radiotelegrafia e radio­telefonia sem fio. Mas só mais tarde (entre 190 I e 1904, nos Estados Unidos, tratando de assuntos como transmissor de ondas, telégrafo sem fio e telefone sem fio) patenteou seus inven­tos. Criou as válvulas de três pólos ( tríodo ), paten­teadas por Lee De Forest em 1906 e que seriam fundamentais depois para o desenvolvimento do rádio e da televisão. Já em 1901 recomendava o emprego das ondas curtas para aumentar o alcan­ce das transmissões. O grande Marconi considerou que era coisa inútil, mas em 1924 admitiu que es­tava enganado.

Landell de Moura morreu incompreendido pelas autoridades e cientistas do seu tempo, mes­mo depois de ter descoberto também a utilidade do arco voltaico para a transmissão de sinais de intensidade variada, o que resultou no desenvolvi­mento do laser e da fibra ótica. Seus inventos, de­pois, como ele vislumbrava, serviriam até para co­municações interplanetárias.

queria tirar os pobres de suas casas e aumentar a repres­são policial. Deu-se uma tragédia: 23 pessoas morreram no confronto e, depois, em 1908, milhares de outras fo­ram dizimadas pela varíola. Esses episódios mostram como a população não estava a par do significado dava­cinação, servindo aos propósitos de políticos ardilosos ou de pessoas mal-intencionadas. Não era o caso de Os­waldo Cruz. De toda forma, Manguinhos soube apro­veitar bem o seu espaço de pesquisa, comprovado por trabalhos brilhantes de seus integrantes, como Carlos Chagas, Rocha Lima, Figueiredo Vasconcellos, Alcides Godoy, Cardoso Fontes, Arthur Neiva, Ezequiel Dias, Beaurepaire de Aragão, Gomes de Faria e outros.

Rodrigues Alves encarnava exatamente o protótipo da elite paulista progressista. Quando governador de São Paulo já implementara um política modernizante, que levou para a esfera federal. Em conseqüência, o Rio

A descoberta da 'Utilidade do arco voltaico na transmissão de sinais, por Landell, resultaria no desenvolvimento da fibra ótica

de Janeiro foi remodelado nos moldes de uma Paris Tro­pical, sob a batuta do engenheiro Pereira Passos, en­quanto Belo Horizonte era projetada pelo engenheiro Aarão Reis, no final do século XIX. São Paulo e outras cidades cresciam e exigiam medidas urbanísticas e sani­tárias. Nesse cenário destacou-se a figura de Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, iniciador da engenharia sanitária entre nós. Contribuiu para o saneamento de diversas cidades como Campos (RJ), Vitória, Recife e, principalmente, Santos, onde trabalhou de 1903 a 1910. Além de projetar e executar as obras, introduziu uma série de melhoramentos nos aparelhos, tais como sifão fluxível, junção radial, peça de conexão radial, caixa de gordura e sifões autoventilados. Numa bonita atitude, não quis patentear nenhum deles, favorecendo assim as cidades onde estavam sendo realizadas as obras. Disse ainda que havendo necessidade de tirar as patentes as cederia às Ligas Contra à Tuberculose.

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Com apoio do governo brasileiro, o 14-Bis levantou vôo em Paris, em 1906, transformando Santos Dumont em herói nacional

A construção e a melhoria dos portos tornaram-se obras prioritárias por força do aumento da produção agrícola e da eficiência de transporte terrestre com a im­plantação de ferrovias. Os portos de exportação já eram pequenos inclusive na fase monárquica, quando pouca coisa realizou-se de prático. Com grande probabilidade, a primeira grande obra pública concedida a uma empre­sa privada - a Companhia Melhoramentos do Porto de

Alberto Santos Dumont, pai da aviação

§ Moço rico, descendente de ::>

~ franceses que chegaram ao ~ Brasil para comerciar com pe­

dras preciosas, Alberto Santos Dumont (1873-1932) nasceu em Palmira, um lugarejo de Minas Gerais que hoje se cha­ma Santos Dumont, em sua homenagem, a maior que já teve. Estudou em Campinas,

São Paulo e depois em Paris. Lá, antes de esculpir sua imagem sombria, de ternos escuros e chapéu enterra-

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Santos- foi a construção, em 1892, de um cais capaz de permitir a atracação de vapores transatlânticos. Em 1909, esse cais já tinha 4.720 metros e embarcou naque­le ano cerca de 13 milhões de sacas de café, uma cifra re­corde. Em seguida, foram sendo aumentados ou cons­truídos os portos de Rio de Janeiro (1910), de Recife (1918), de Rio Grande (1919), de Salvador (1914) e ou­tros. Nessas obras destacaram-se Laura Müller, Guilher-

do na cabeça, foi desportista. Gostava de carros, moto­cicletas e principalmente balões. E tinha os olhos vol­tados para as nuvens.

Projetou balões antes de tentar o que seria sua gran­de façanha, o dirigível 14-Bis. Em 23 de outubro de 1906 planou a uma altura de dois metros num percur­so de sessenta metros. O "pai da aviação", como é co­nhecido no Brasil, não foi reconhecido em vida. Um engenheiro francês, Clément Ader, e dois mecânicos norte-americanos, os irmãos Wilbur e Orville Wright, reivindicaram a autoria do invento, embora não tives­sem feito nenhuma demonstração pública, como a de Dumont em Paris.

Ele matou-se com um tiro, no Guarujá (SP), num ataque de depressão ao ver seu invento usado como artefato de guerra na Revolução Constitucionalista.

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me Benjamim Weinschenk, Guilherme Guinle, Paulo Frontim, Alfredo Lisboa, Francisco de Paula Bicalho, Honório Bicalho, Charles Neate, entre outros. A maioria deles era de engenheiros formados pela Escola Politécni­ca do Rio de Janeiro, onde ministrava-se a disciplina por­tos do mar- portanto, a competência demostrada pelos tecnologistas mencionados acima não foi obra do acaso.

Aos poucos estabeleceu-se a indústria de construção civil, entendida como um conjunto de firmas organiza­das com a finalidade de executar obras relacionadas com estradas de ferro e de rodagem, aeroportos, canais, portos, navegação interior, abastecimento de água, sa­neamento, obras hidrelétricas, edifícios, monumentos e pontes. No estado de São Paulo foi fundamental a cria­ção da Escola Politécnica,

mos de Azevedo, fundador do Escritório Técnico Ramos de Azevedo, em 1886. Esse escritório relacionava-se de modo orgânico com uma firma importadora de materi­al de construção - Casa Ernesto de Costa e Cia. - e uma financiadora. Complementava-se esse conjunto com o Liceu de Artes e Ofícios, do qual Ramos de Azevedo foi um dos organizadores. Era não só uma escola para for­mação de mestres de construção, mas também oficina de fabricação de utensílios e mobiliários. A indústria de construção civil deu um salto quando se tornou possível o uso do concreto armado. Esse fortaleceu a tendência da realização da investigação tecnológica, pois para a uti­lização melhor do concreto armado é precisou conhecer bem as propriedades de seus componentes, ou seja, o ci­

em 1893, pela ação do polí-tico e engenheiro Antônio Francisco de Paula Souza, que tinha sido ministro do Presidente Floriano Peixo­to. Além de ter formado numerosos engenheiros, essa instituição abriu espa­ço para a pesquisa tecno­lógica, fundando um Ga­binete de Resistência dos Materiais (1899), também por iniciativa de Paula Sou­za. De fato, à medida que as obras cresciam em tama­nho e escala, evidenciava-se a necessidade da pesquisa tecnológica. O Gabinete, projetado pelo famoso pro­fessor suíço Ludwig von Tetmayer, começou suas ati­vidades em 1903, sob a di­reção de Wilhelm Fischer. Este assistente de Tetmayer, auxiliado pelo então recém­formado Hippolyto Gus­tavo Pujol, supervisionou uma série de ensaios reali­zados por alunos politécni­cos sobre resistência de ma­teriais em uso corrente na construção civil.

De igual forma, não dei­xa de ser relevante o fato de a primeira organização in­dustrial de construção civil dever-se ao professor de ar­quitetura da Escola Politéc­nica, Francisco de Paula Ra-

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Álvaro Alberto, um cientista político

ê Mais que vice-almirante da ~ ~ Marinha e engenheiro geó-~ grafo, Álvaro Alberto da z o Motta e Silva (Rio de Janei-~ ro, 1889-1976) foi um cria­:ii dor multifacetado. Entrou < o para a Escola Naval em 1906

e graduou-se pela Escola Politécnica do Rio de Janei-ro. Operou em muitas áreas

-militar, industrial, científica, filosófica e de políti­ca de C&T - para as quais voltava seus interesses intelectuais e práticos. Químico e empresário, autor de numerosos artigos acadêmicos, passou a explo­rar industrialmente, a partir de 1917, o explosivo Rup­turita (seu pai e seu avô já haviam trabalhado nesse ramo), de sua invenção. Sua percepção da História fez com que deixasse documentados aspectos cru­ciais dos acontecimentos de sua época. Estudioso também das ciências, produziu trabalhos significa­tivos no campo da história e filosofia das ciências.

Seu nome se liga também ao começo da políti­ca nuclear brasileira, assim como ao Conselho Na­cional de Pesquisas (CNPq), do qual foi o primei­ro presidente, de 1951 a 1955. Motta e Silva foi ainda um pioneiro da campanha para o desenvol­vimento científico e tecnológico nacional para o uso pacífico da energia atómica. No CNPq, defen­deu seu papel como fomentador e coordenador das atividades científicas e tecnológicas. Teve atua­ção fecunda nos cenários nacional e internacional.

mento e o aço, e controlar todo o processo da obra. O escritório de Samuel das Neves parece ter sido o pri­meiro a fazer cálculos de grandes estruturas de con­creto armado em São Pau­lo. Contudo, os seus calcu­listas eram alemães, pois não se formara ainda uma competência nacional apre­ciável, seja para o cálculo, seja para a pesquisa tecno­lógica. O Gabinete de Re­sistência de Materiais não passava de uma exceção, confirmando a regra.

Não seria isso estranho, uma verdadeira contradi­ção? Afinal, os promotores da República não tinham a C&T em alta conta? Tanto é que o governo brasileiro pa­trocinara o esforço de Al­berto Santos Dumont em levantar vôo com o 14-Bis, em 1906, tornando-o herói nacional. À primeira vista, parece mesmo contradição. Mas é preciso ir além dessa compreensão simplória e algo deformada, fruto de uma cultura positivista e imediatista, de uma racio­nalidade rasteira. Senão, como explicar a falta de apoio sentida, quase no mesmo período, pelo Padre Roberto Landell de Moura, morto em 1928, completa-

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Gabinete de Resistência de Materiais: criado em 1899, o novo espaço para a pesquisa tecnológica iniciou suas atividades em 1903

mente esquecido e abandonado? E não se diga que os seus inventos não fossem importantes, pois as suas paten­tes referem-se ao telégrafo e ao telefone sem fio, ao trans­missor de ondas - base para o rádio e a televisão.

A década de 20 é considerada por muitos estudiosos como um divisor de águas da nossa história. Ela encerra em si uma inquietude transparente tanto na esfera cul­tural quanto na sócio-política, pressagiando grandes transformações. Na realidade, o mundo todo passava por momentos difíceis, com crises inauditas nas áreas econômica e política, e que iriam culminar com a espe­tacular queda da bolsa de Nova Iorque em 1929. Entre­tanto, numa curiosa dialética, o esforço cheio de energia para superar os momentos difíceis, quando canalizado de maneira construtiva frutificaria em ganhos espetacu­lares. Senão, como se poderia explicar o surgimento da mecânica quântica, talvez a maior revolução científica do século XX, naquele ano de 1927, em plena Europa de­vastada pela incerteza? Também no Brasil as rodas da história nunca giraram tão agilmente, trazendo como re­flexos eventos culturais como a Semana de Arte Moder-

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na, movimentos educacionais como os da Associação Brasileira de Educação (ABE) e ações políticas como os levantes tenentistas- um aviso da insatisfação dos jovens militares contra a oligarquia cafeeira, impotente para fa­zer frente à crise. A própria comunidade científica pro­curava novos caminhos, transformando a Sociedade Brasileira de Ciências (1916) em Academia Brasileira de Ciências (ABC- 1921). A idéia era ganhar status, embo­ra o alvo principal estivesse na introdução da ciência mais moderna no circuito educacional para fazer frente ao ideário positivista dominante na intelectualidade bra­sileira. Pois a ciência marcava passo no país, por causa dos preconceitos e dos obstáculos colocados pelo positi­vismo de segunda mão reinante na época.

O novo sopro na industrialização, injetado nos anos 20 e acentuado nos anos 30, não promoveu a pesquisa. Sob a égide da política de substituição de importações, não se tinha necessidade de técnicas sofisticadas nem de controle de qualidade. Movida por propósitos imedia­tistas, baseada em introdução de tecnologias forâneas e de técnicos estrangeiros, essa industrialização prestou

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Trabalhadores transportam café no porto de Santos, ampliado a partir de 1892 para permitir a atracação de vapores transatlânticos

escassa atenção em efetuar investigação em C&T ou for­mar recursos humanos. Estimulou-se a emigração de técnicos estrangeiros em vez de fortalecer a capacitação técnica local através da educação. O SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários, mais tar­de Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) apa­receu somente em 1942, mesmo assim sob as pressões anormais da Segunda Guerra Mundial.

Liderança no campo

As condições não eram nada melhores na área científica. Com raras exceções, as poucas insti­tuições que cultivavam alguma ciência perten­ciam à área de pesquisa e desenvolvimento,

principalmente nas áreas biomédica ou agrícola. Mes­mo nesses casos, não escapavam de sobressaltos cons­tantes, ao sabor da prepotência e da ignorância dos detentores eventuais do poder. Uma ilustração conve­niente pode ser dada pelo Instituto Ezequiel Dias, de Minas Gerais, na ocasião importante centro de produ­ção de soros antiescorpiônicos e antiofídicos, e reconhe­cido pelos seus diagnósticos de doenças transmissíveis. Bem relacionado com Manguinhos, o Instituto manti­nha um bom padrão de pesquisa. Contudo, ao ser esta­tizado no governo de Benedito Valadares, no final dos

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anos 30, teve proibida a realização de qualquer tipo de investigação científica, transformando-se numa institui­ção meramente industrial.

Há uma exceção brilhante na área agronômica, rela­cionada sobretudo com as investigações sobre a cultura do café. A maioria dos historiadores não se preocupou muito em saber por que o Brasil mantém a hegemonia desse campo por mais de cem anos. É um feito notável. Além disso, a muitos passa despercebido um fato cru­cial - o sucesso da pesquisa agronômica em sustentar o bom andamento das coisas do café. Claro que se pode­ria alegar a existência de outras variáveis, e seria verda­de. Todavia, não se pode esquecer que outros produtos agrícolas brasileiros como a borracha, o cacau, a cana­de-açúcar e outros já estiveram na liderança mundial e a perderam no decorrer do tempo. No sentido contrá­rio, o café, apesar de muitas ameaças, como as pragas e o esgotamento do solo, conseguiu manter a sua posição. O diferencial da superioridade dessa cultura em relação às outras está justamente na qualidade da sua investiga­ção agronômica, que não fica a dever nada, mesmo em comparação com as dos melhores centros internacio­nais. É verdade que ela começou de forma tímida e clau­dicante. Por exemplo, nos meados do século XIX, quan­do o surto da cafeicultura no Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro, foi ameaçada por uma praga trazida por um

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plantação intensiva da hevea, o fungo proliferou sem que nada pudesse detê-lo. Esse e outros motivos cons­piraram contra o empreendimento. Fordlândia fra­cassou.

A industrialização em curso, não obstante as suas ca­racterísticas retardatárias, impunha uma série de exigên­cias, de novas atitudes e formas de pensamento. Assim, a questão das normas técnicas adquiriu um aspecto cru­cial para a expansão da indústria. Pela ação do INT (Ins­tituto Nacional de Tecnologia) e do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) de São Paulo, propiciou-se a cria­ção da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técni­cas), em 1940, reunindo 130 laboratórios e entidades di­versas. Formalizados nos meados dos anos 30, tanto o IPT (1934) quanto o INT (1933) tinham uma história mais antiga. Como já foi mencionado, o IPT surgira como o Gabinete de Resistência dos Materiais e passara por um estágio intermediário de Laboratório de Resis­tência de Materiais (1926), sob a direção de Ary Torres. O INT era originário da antiga Estação Experimental de Combustível e Minérios

estrangeiros, nem sempre bem-intencionados, como na célebre polêmica em que se envolveu o famoso escritor Monteiro Lobato, sobre a existência ou não de petróleo no solo brasileiro. Lobato achava que existia e escreveu um livro de combate defendendo suas convicções, Es­cândalo do Ferro e do Petróleo.

(1921), criada por E. L. Fon-seca Costa. A estação desen­volvera um frutífero pro­grama de aproveitamento energético de carvão, de ou­tros combustíveis e de recur-. . . sos mmera1s, e uma pesqmsa sobre o motor a álcool, mos­trando a sua viabilidade.

O surto industrial trouxe à tona a importância dos re­cursos minerais e energéti­cos. O novo Código de Mi­nas foi promulgado em 1934, nacionalizando as ri­quezas do subsolo. No mes­mo ano criou-se o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), para executar a política gover­namental de minérios e fa­zer pesquisas. Contudo, o DNPM sofreu desde início todas as agruras de um ór­gão político e técnico de um país subdesenvolvido. Quase sempre a sua dotação orça­mentária era insuficiente, além de ressentir-se de falta crónica de pesquisadores e de técnicos capacitados. Por isso, teve de recorrer muitas vezes à ajuda de especialistas

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A formação de elites

Em todo caso, o próprio Governo Federal não pôde ficar imune à chegada dos novos tempos. Através da Reforma Francisco Campos (1931), ele explicitou a sua posição em relação à educa­

ção. Na Reforma, realçava-se a importância de criar uni­versidades modernas, dentro de uma unidade adminis­trativa e didática. Até então, as universidades existentes, como as do Paraná (1912), Rio de Janeiro (1920) e Minas Gerais, não passavam de aglomerados de escolas profissio­nais, sem uma integração mais orgânica. Acatando algu­mas idéias do movimento da ABE (Associação Brasileira

Costa Ribeiro, atento aos materiais nativos

§ Todo mundo sabe quem foi ~ ~ Albert Einstein, o gênio da ~ física, mas ignora-se o que z o significa um prêmio que 'Z leva o nome Einstein. Ele ~ ~ foi dado ao engenheiro me-o cânico-eletricista ·Joaquim

Costa Ribeiro (Rio de Janei­ro, 1906-1960) pela Acade­mia Brasileira de Ciências,

pela sua descoberta sobre o "efeito termodielétri­co", além de outros trabalhos. Esse efeito se refere ao estudo de uma série de materiais ligados a esta­dos sólidos. Ele começou suas pesquisas com um material muito brasileiro, a cera de carnaúba.

Costa Ribeiro, aluno do externato Santo Inácio e formado pela antiga Escola Politécnica do Rio de Janeiro, teve uma carreira brilhante dentro e fora do Brasil. Foi professor catedrático de física geral e experimental da Faculdade Nacional de Filoso­fia e nos anos 40 deu aulas na Sorbonne, em Paris, e no Instituto de Física da Universidade de Estras-burgo. Pelo conjunto de sua obra, recebeu o prê­mio Álvaro Osório de Almeida, do Conselho Na­cional de Pesquisas.

de Educação), a Reforma preconizava, pelo menos teoricamente, a formação de elites, tanto na área pro­fissional como na científica, a execução de pesquisas e a criação de órgãos de inves­tigação científica. No entan­to, na prática, alegando a imaturidade e o atraso do meio, impunha uma tutela forte do Estado. E posterga­va a pesquisa para o futuro, considerando-a como um luxo dispensável.

Foram tomadas, porém, duas iniciativas discordan­tes dessa orientação. Uma delas, de duração efême­ra, refere-se à criação da Universidade do Distrito Federal (UDF - 1935), em virtude, principalmente, do esforço de Anísio Teixeira. Em torno da sua Escola de Ciências, reuniram-se pes­quisadores conhecidos co­mo Lélio Gama, Bernhard Gross, Victor Leinz, Laura Travassos, Herman Lent e outros, dispostos a inaugu­rar uma nova fase para a investigação científica no Rio de Janeiro. Nenhum

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P E R! O DO REPUBLI CAN O

Aposta paulista na ciência e na cultura: instituída em 1934, a USP começaria a ir para a Cidade Universitária na década de 50

deles pertencia ao circuito universitário. Apesar de con­firmar no início essa expectativa, revelando inclusive jo­vens talentos como Joaquim Costa Ribeiro, descobridor do efeito termodiéletrico, a UDF sucumbiu ante os acontecimentos políticos e as vicissitudes administrati­vas, cerrando as suas portas em 1939.

A outra iniciativa, esta bem-sucedida, deve-se a Ar­mando de Salles Oliveira, instituindo a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, concretizando o empenho de um grupo de intelectuais paulistas liderado por Júlio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo e Paulo Duar­te. Ao que parece, a USP surgia sob o signo da contradi­ção. Enquanto o país marchava sob uma ideologia auto­ritária e centralizadora, com enfoque imediatista, ela surgia sob a égide liberal da chamada Comunhão Pau­lista - um grupo de ideólogos reunido em torno de Mesquita Filho - com a intenção de formar a sua elite dirigente por intermédio de ensino superior de qualida­de e da pesquisa desinteressada. Ela significava uma op­ção política de São Paulo, após a sua derrota na Revolu­ção Constitucionalista de 1932, para manter a sua hegemonia, apostando na ciência e na cultura. Hoje, não há mais dúvida de que a estratégia deu certo. Ao opor-se à visão vigente do imediatismo, com um inves­timento pesado na formação de recursos humanos, acreditando na potencialidade deles para resolver pro­blemas, quebrava-se em parte o círculo vicioso do sub­desenvolvimento. O governo paulista daquele período já compreendia que para resolver problemas necessita-

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va-se de homens qualificados e competentes e não de fórmulas mágicas e receitas.

No projeto inicial da USP, os seus idealizadores atri­buíam um papel central e aglutinador à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL). Isso não se concre­tizou na prática devido a resistência das escolas profis­sionais, mas a FFCL tornou-se o centro irradiador de pesquisas de nível internacional. Para isso contribuiu muito a escoÍha criteriosa feita, sobretudo, por Teodo­ro Ramos, na contratação de professores estrangeiros para dirigirem os trabalhos de docência e pesquisa. Com esforço e dedicação, esses professores foram feli­zes em implantar um ensino de alto nível e instaurar um clima salutar de investigação na jovem universida­de. Há muitos exemplos disso. No campo da física, Gleb Wataghin introduziu a pesquisa em raios cósmi­cos, abrindo caminho para Mário Schenberg, Marcelo Damy de Souza Santos, Cesare G. M. Lattes, Oscar Sala, José Goldemberg e outros. Na química, Heinrich Rheinboldt desenvolveu os estudos sobre os compostos orgânicos de enxofre, formando discípulos como Si­mão Mathias, Paschoal Senise, Ernesto Giesbrecht e Giuseppe Cilento, entre outros. Luigi Fantappié, na área de matemática, ao lado de suas aulas tão elogiadas, criou um clima de investigação de onde emergiram Omar Catunda, Cândido L. da S. Dias, Edison Farah e outros. A vinda de Theodosius Dobzhansky, uma das maiores autoridades no campo, iniciou a linhagem de geneticistas relacionados com a evolução biológica, a

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PERIODO REPUBLICANO

Automóvel a gás: o uso de combustíveis alternativos, forçado pela guerra, dá origem à indústria paulista de gasogênios, em 1941

começar com Crodowaldo Pavan, Antônio Brito da Cu­nha, Newton Freire Maia e Rosina de Barros. Mesmo na botânica, de longa tradição no Brasil, a vinda de Felix Rawitscher deu novo padrão à pesquisa, dando desta­que a Mário Guimarães Ferri, Mercedes Rachid, Ailton B. Joly, Berta L. Morretes e outros. Na história, a pre­sença do jovem Fernand Braudel serviu de inspiração para Eurípedes Simões de Paula, Eduardo d'Oliveira França e Sérgio Buarque de Holanda, entre outros. Nas ciências sociais, Roger Bastide formou uma geração brilhante encabeçada por Florestan Fernandes. A lista . completa seria numerosa demais, embora muitos no­mes significativos tenham ficado de fora.

Outra contribuição da USP, menos conhecida, mas não menos importante, refere-se à área tecnológica. No campo agronômico, estima-se que, até 1977, a Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz (ESALQ), in­corporada à USP em 1934, foi responsável por 41 o/o das pesquisas agrícolas no Estado de São Paulo. Desde a chegada do geneticista alemão F. G. Brieger, em 1936, inaugurou-se uma linha fecunda em investigação de melhoramento do milho, junto com o estudo de orquí­deas como teste de problema da evolução biológica nos trópicos. Da sua parte, Marcílio de Souza Dias condu­ziu, a partir de 1945, importante programa de melhora-

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mento de hortaliças. O surto de pesquisa nesse campo, tanto na ESALQ quanto em outras instituições de São Paulo e de outros estados, introduzindo a cotonicultura em terras paulistas, o combate à tristeza de citros e à fer­rugem do café, a introdução de novas variedades de cana e de frutas, teve um grande peso na manutenção da pujança econômica da agricultura no país.

Na área industrial, a USP e o IPT, na ocasião uma au­tarquia ligada a essa universidade, também deram con­tribuições marcantes, sobretudo onde não era possível fazer transferências horizontais de tecnologia. Por isso não foi por acaso que a sua atividade fez-se sentir mais profundamente na construção civil, no qual as caracte­rísticas regionais e peculiaridades locais são importan­tes. Quando começaram as obras da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, em 1941, o know-how desenvolvido pela investigações sobre solo e fundações, inauguradas em 1938 por Odair Grillo, no IPT, teve papel fundamen­taL Desde então, a tecnologia dos solos e a pesquisa ge­otécnica foram divulgadas por todo país, garantindo a segurança de fundações de edifícios altos no Rio de Ja­neiro e em São Paulo. Isso também aconteceu na reso­lução de problemas geotécnicos surgidos na construção das primeiras auto-estradas do Brasil, como a Via An­chieta, a Via Anhanguera e a Variante Rio-Petrópolis.

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Tubulações da usina de Cubatão: testadas pelo IPT

Rocha e Silva, revelando a bradicinina

g Quando se aposentou do tra-Ê < balho científico, em meados dos ü 3 anos 70, o carioca Maurício da ~

Rocha e Silva (1910-1983) se pôs a escrever e a pintar. Gosta­va de filosofia e arte. Professor catedrático de farmacologia da USP em Ribeirão Preto (SP), era médico, farmacêutico e químico famoso e sobre essas

especialidades já publicara centenas de trabalhos em revistas especializadas e livros sobre farmacologia e filosofia da ciência.

Entre esses seus escritos, destaca-se a memória de uma contribuição pioneira. Rocha e Silva, já instalado em São Paulo desde 1933 no Instituto Biológico, teve ampla atuação como assistente de química biológica

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PERIODO REPUBLICANO

A era da bomba atômica

O sucesso da USP nesse período poderia dar a enganosa impressão de que a C&T alcançara a sua maioridade no país. Ela havia nascido contra a tendência imediatista vigente, fruto

de política de ciência e de educação avançada das elites paulistas. Mesmo num país de industrialização tardia, como o Brasil, essa política de formação de recursos hu­manos altamente qualificados associada à pesquisa ren­dera dividendos suficientes para pagar com juros o in­vestimento feito. No entanto, esse fato não era muito bem compreendido, mesmo em São Paulo. Volta e meia, a tradição prático-imediatista fazia-se presente, tentan­do eliminar a investigação científica em nome de uma economia e de uma praticidade mais do que discutíveis. Isso aconteceu nos fins da década de 40 com o Instituto Butantan, quase transformado em mera fábrica de soros e vacinas, vítima da política pragmatista do governo paulista de então. Diante disso, a pequena comunidade científica mobilizou-se, criando a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1948, pelos es­forços de Maurício da Rocha e Silva, José Reis, Paulo Sawaya e outros.

No Rio, a Universidade do Brasil continuava refratá­ria à investigação científica. Uma das poucas exceções, na década de 40, era o Laboratório de Biofísica, onde acha­ma da pesquisa continuava acesa por causa do ativismo

do professor Quintino Mingoya e como assistente ci­entífico do professor André Dreyfus, na Faculdade de Filosofia, Ciê~cias e Letras da USP. Mas marcou seu nome entre os grandes cientistas em 1948. Foi quan­do descobriu a bradicinina, junto com Wilson T. Be­raldo e Gastão Rosenfeld. Com a posterior colabora­ção de Sérgio Ferreira, essa descoberta foi a base dos medicamentos anti-hipertensivos desenvolvidos por laboratórios norte-americanos, hoje usados em larga escala em todo o mundo. Hoje, muito mais que na época das pesquisas de Rocha e Silva, a hipertensão atinge vinte pessoas em cada grupo de cem. É muita coisa e se o quadro geral não está pior é por causa, com certeza, da contribuição do cientista brasileiro.

Um dos criadores e, por três vezes, presidente da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), Rocha e Silva estagiou em universidades americanas e européias e ganhou o Prêmio Nacional de Ciência e Tecnologia do CNPq, em 1982. Sua vo­cação científica não será esquecida. Os hipertensos que o digam e lhe agradeçam.

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lizavam de forma dra­mática a força da ciên­cia, seduzindo seg­mentos importantes da sociedade, prin­cipalmente o mili­tar. Nessas circuns­tâncias, não se deve atribuir ao acaso a criação do Centro Técnico da Aeronáu­tica (1945), em São José dos Campos, e logo em seguida do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA-1950).

e idealismo de Carlos Chagas Filho. O La­boratório passou a ser o ponto de encon­tro e de trabalho de investigadores pro­missores como Antô­nio Couceiro, Aristi­des P. Leão e José Moura Gonçalves. Em parte, a projeção al­cançada pela institui­ção deve-se à beneme­rência de Guilherme Guinle, que patroci­nou muitas pesqui­sas. Na área de física, desiludidos com a pos­sibilidade de introdu­

Interior da cúpula do Radiobservatório do ltapetinga, em Atibaia (SP) Dentro desse flu-

zir a investigação na Universidade do Brasil, pesquisa­dores talentosos como Cesare Lattes, José Leite Lopes, Jaime Tiomno e Roberto Salmeron constituíram o Cen­tro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), de caráter privado, em 1949. De certo modo, a criação do CBPF só se tornou possível graças ao clima de euforia instaurado naquela época em torno de uma ciência cada vez mais poderosa e prestigiada devido ao sucesso na Segunda Guerra Mundial. As razões de tanto poder e prestígio são claras. A bomba atômica e a energia nuclear simbo-

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Mário Schenberg, um cientista cheio de artes

8 O pernambucano Mário g Schenberg (1914-1990) foi elei-to deputado estadual de São Paulo pelo Partido Comunista Brasileiro, em 1946 e pelo Par­tido Trabalhista Brasileiro, em 1962. Foi também crítico de artes plásticas e tinha sólida formação humanística, numa visão integrada da C&T a ou­

tras atividades do espírito. Mas se tornou notável so­bretudo como físico, depois de se formar em enge­nharia elétrica e matemática pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Depois, teve vasta atuação internacional em universidades americanas, européias e asiáticas, onde trabalhou com os grandes

xo de pós-guerra, de valorização da pesquisa científica, devem ser coloca­dos dois acontecimentos de suma importância para a institucionalização da ciência no Brasil. O primeiro refere-se à inserção na Constituição do Estado de São Paulo, de 1947, do preceito de destinar pelo menos 0,5% da arrecadação estadual para o amparo à pes­quisa. Isso resultou da ação de tecnologistas e cientis­tas paulistas, entusiasmados com os sucessos dos seus esforços de guerra, sobre os deputados constituintes. O sucesso desses pesquisadores congregados em torno

cientistas do século - Einstein, Fermi e Pauli, entre outros. Entre ~;uas importantes contribuições à físi­ca, incluem-se trabalhos sobre a teoria do elétron­punctiforme e uma nova concepção do modelo dos octetos.

Ele já era diretor do departamento de física da USP quando viajou para os Estados Unidos, em 1940, para estudar com professor o Gamow a ques­tão das estrelas supernovas. Desta parceria nasceu uma descoberta singular, sobre a atuação do neutri­no num mecanismo que chamaram de Processo Urca. Estudou a evolução do Sol e teve um trabalho importante, que ele considera sua maior contribui­ção à física nuclear, sobre a possibilidade da existên­cia de forças físicas que não conservassem a parida­de, apresentado em 1941.

Como aconteceu com outros criadores brasilei­ros, não foi reconhecido. Anos depois, e num contex­to diferente, os físicos chineses Yang e Lee receberam o prêmio Nobel usando a descoberta de Schenberg.

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dos Fundos Universitários de Pesquisa, concebidos pelo professor Jorge Americano, então reitor da USP, tinha sido, ao seu modo, espetacular. Eles foram feli­zes em desenvolver aparelhos como sonar e gasogênio, além de outras contribuições, e estavam confiantes na importância do que faziam. Entretanto, atestando a instabilidade dessa compreensão pela sociedade da importância da C&T, a Fundação de Amparo à Pes­quisa do Estado de São Paulo (FAPESP) prevista por essa lei só se concretizaria 15 anos depois, em 1962.

PER f O D O REPU BLI C ANO

uma política relativamente bem-sucedida de formação de recursos humanos. Ainda nessa linha, deve-se regis­trar a fundação da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), em 1951, por ini­ciativa de Anísio Teixeira.

O período do Governo Juscelino Kubitschek, de um desenvolvimento apressado, de abertura a capitais es­trangeiros e de transferência de tecnologia como cai­xas-pretas, não se desenvolveu sob uma boa estrela no concernente à C&T. Uma prova está no fato de os me-

O segundo aconteci­mento é a instituição do Conselho Nacional de Pesquisas ( CNPq) em 1951. Velho sonho da comunidade científica, a idéia do CNPq vinha sendo acalentada desde 1919. Tendo a ABC co­mo quartel-general, as diversas tentativas ante­riores haviam sido frus­tradas pela incompreen­são governamental ou da própria sociedade. Todavia, as condições excepcionais de pós­guerra e o ensejo de par­ticipar nas articulações políticas relativas à ener­gia nuclear na ONU, co­mo um dos países pos­suidores de matérias físseis, estabeleceram a oportunidade histórica da criação do CNPq.

Tecnologia nacional na Hidrelétrica de Jupiá, obra do período desenvolvimentista nos anos 50 e 60

Nesse processo, foi fundamental a atuação do contra­almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, nomeado posteriormente primeiro presidente do CNPq, em con­junto com a ação da ABC.

Os problemas enfrentados pelo órgão, na gestão de Álvaro Alberto (1951-1955), mostram com clareza as dificuldades de tentar implantar a C&T num país sub­desenvolvido. O Conselho não conseguiu impor a sua política autonomista sobre a energia nuclear nem im­plementar, na medida desejada, a sua política formula­da junto com a comunidade científica. Esse insucesso representava, de igual modo, o fracasso e a limitação da política do segundo governo Vargas na tentativa de pro­mover uma industrialização em bases nacionais, frus­trada diante da intrincada rede internacional de interesses político-econômicos em jogo. De toda forma, mesmo nesse período, a contribuição do CNPq, vista a médio e longo prazo, pode ser considerada positiva, pois iniciou

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canismos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico) terem sido acionados raríssimas ve­zes quando referentes à pesquisa tecnológica. Outro in­dicador está no debilitamento visível do CNPq. A sua dotação caía de 0,28% do orçamento da União em 1956 para O, 11 em 1961. É verdade que, em parte, esse decrés­cimo deve-se à transferência das suas atividades em energia nuclear para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), provocando o seu esvaziamento polí­tico. Mas também esse descaso com o CNPq provinha de uma visão deformada e apressada sobre a C&T, como demonstra o aparte de recursos para a Comissão Super­visora dos Institutos ( COSUPI) que tinha a finalidade de financiar pesquisas práticas. Não é preciso dizer que a COSUPI foi um completo fiasco. Por outro lado, curio­samente, promoviam-se estudos sobre o desenvolvi­mento, sobretudo no Instituto Superior de Estudos Bra­sileiros (ISEB), no qual se destacaram intelectuais como

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PER (ODO REPUBL I CANO

Xyllela fastidiosa : discussão do mapa genético do primeiro fitopatógeno seqüenciado no mundo, sob coordenação de A. Simpson

Hélio Jaguaribe, A. Guerreiro Ramos e Álvaro Vieira Pinto, entre outros. De qualquer forma, a ciência estava desprestigiada no país, em contraste com as potências centrais, empenhadas em melhorar as condições de pes­quisa e da educação científica em virtude do impacto do suptnik russo em 1957.

Um clima de desconfiança

Aindefinição continuou na década de 60, alter­nando iniciativas positivas e negativas. No en­tanto, como tendência geral, o aparelho estatal começou a mostrar mais interesse pela C&T.

Daí ocorreram fatos de fundamental importância, como a fundação da Universidade de Brasília (UnB) em 1961, a concretização da Fundação de Amparo à Pesqui­sa do Estado de São Paulo (FAPESP) em 1962, o início do primeiro curso da COPPE (Coordenação de Progra­mas de Pós-Graduação em Engenharia) em 1963 e a cri­ação do FUNTEC (Fundo de Desenvolvimento Técni­co-Científico), em 1964, no seio do BNDE.

A UnB nasceu do idealismo de Darcy Ribeiro e de Anísio Teixeira, iniciando uma trajetória brilhante com a cooperação de professores e cientistas notáveis. Mas

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sua trajetória foi prematuramente interrompida em 1965 pelo Regime Militar, mostrando mais uma vez que a voz da incompreensão era mais alta que a da ciência. Enquanto isso, a longa via-crúcis dos pesquisadores paulistas para a viabilização da FAPESP terminou no Governo Carvalho Pinto, quando se deu a sua criação. Ela começou suas atividades em 1962, quando foram aprovados os estatutos. A partir de então, graças a uma administração modelar, a FAPESP vem prestando um serviço inestimável à investigação científica e tecnológi­ca, a ponto de servir de inspiração para o surgimento de órgãos congêneres em outros estados. Louve-se ainda a clarividência do Governo Carvalho Pinto, que, segundo o testemunho insuspeito do micologista Oswaldo Fidal­go, ex-diretor do Instituto de Botânica, deu as melhores condições para a atuação dos institutos de pesquisa do Estado de São Paulo em toda a sua história.

Mas as medidas contraditórias continuaram na se­gunda metade dos anos 60, refletindo as lutas cruentas entre as forças realmente interessadas no desenvolvi­mento da C&T e as suas oponentes. De um lado, em 1967, criava-se um cargo de Ministro Extraordinário, sem pasta, para assuntos científicos e tecnológicos; de outro lado, em 1969, procurou-se esvaziá-lo, porque o

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cargo perdeu a identidade, sendo incluído no rol de mi­nistros que poderiam ser nomeados ou não. Efetiva­mente, a função nunca foi preenchida. Já no Governo Costa e Silva, de modo auspicioso, a C&T ganhava uma seção própria no Programa Estratégico de Desenvolvi­mento (PED), dentro do seu Plano Trienal, inauguran­do um comportamento sistemático mantido nos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) dos anos 70. A partir de 1967, tendo como centro o Ministério das Re­lações Exteriores, foi colocada em prática a Operação Retorno para trazer de volta os cientistas brasileiros que estavam trabalhando no exterior. Para isso foram toma­das várias medidas procurando melhorar as condições de trabalho e de remuneração dos pesquisadores. Em 1969, foi instituído o Fundo Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológico (FNDCT), para finan­ciar os programas e projetos prioritários do setor. Con­tudo, todas essas boas intenções governamentais eram quase anuladas na prática com as cassações e aposenta­dorias compulsórias dos cientistas e intelectuais mais representativos - intensificadas no período 1969-1970, com base no AI-5. Instaurou-se então um clima de des­confiança mútua entre a comunidade científica e setores governamentais, que teve reflexos negativos na implan­tação da Reforma Universitária em curso na ocasião, com o objetivo de modernizar as universidades.

De toda forma, a idéia da ciência como força produ­tiva e da educação como meio de formar recursos hu­manos qualificados continuava a seduzir influentes seg­mentos governamentais na década de 70. Assim, já em Metas e Bases para a Ação do Governo (1970), o apro­veitamento do progresso científico e tecnológico foi co-

Florestan Fernandes, entre a reflexão e o debate

g Filho de imigrantes espanhóis -< ~ pobres, engraxate e auxiliar ~ de escritório na juventude,

Florestan Fernandes (São Paulo, 1920-1996) tornou-se um marco do pensamento so­ciológico e político brasilei­ro. Não era homem de con­ciliação, mas de debate. "Ele foi um dos poucos nomes que

realmente romperam a carapaça do sistema ideoló-gico reinante", observa o histroriador Carlos Gui­lherme Mota.

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P E RI ODO R EPU BLI C A NO

locado como uma das doze conquistas essenciais a se­rem alcançadas. Implantou-se também o Plano Básico do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT) com a utilização do FNDCT sob a gerência da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), nomeada Secreta­ria Executiva do Fundo (1971). Essa tendência foi refor­çada no Governo Geisel, quando a própria Secretaria de Planejamento (ex-Ministério de Planejamento) se en­carregou de assessorar o Presidente da República em as­suntos de C&T. Para alcançar as metas expostas no II e no III PBDCT, constantes no II PND, válido para o pe­ríodo 1975-1979, o CNPq transformou-se, no final de 1974, numa fundação com o nome de Conselho Nacio­nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, em­bora conservasse a mesma sigla. Logo em seguida, no início de 1975, criou-se o Sistema Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecnológico (SNDCT). Para completar o quadro, foi aprovado, no mesmo ano, o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), para insti­tucionalizar essa modalidade de ensino.

Portanto, houve todo um esforço do Governo Fede­ral em relação à C&T nos anos 70. Se ele não alcançou os resultados esperados, apesar do sucesso em algumas áreas, como telecomunicações, foi porque a correlação das forças envolvidas sempre foi instável, provocando medidas contraditórias no fluxo nem sempre definido da história. Mas também, não há que esconder a persis­tência de um clima de desconfiança mútua, agravada muitas vezes pela compreensão falha do papel social da ciência. É o que se depreende, por exemplo, dos acon­tecimentos relacionados com o Acordo Nuclear cele­brado em 1975 entre o Brasil e Alemanha, com a mar-

Em dez anos, a partir de 1943, desde que bachale­rou-se em ciências sociais na USP, Florestan conquis­tou todos os títulos da carreira universitária. Seus trabalhos se tornaram clássicos no pensamento só­cio-histórico do Brasil. Entre esses, destacam-se A Organização Social dos Tupinambá (dissertação de mestrado, 1949) e A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá (tese de doutorado, 1952), além de dezenas de livros e artigos em jornais e revis­tas científicas.

Professor de sociologia na USP de 1945 a 1969, quando foi aposentado compulsoriamente pelo Al-5, ele lecionou depois nos Estados Unidos ( universida­des de Columbia e Yale) e Canadá (Universidade de Toronto). De volta ao Brasil, elegeu -se deputado cons­tituinte pelo Partido dos Trabalhadores. É considera­do um dos maiores sociólogos do século.

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PER!ODO REPUBLICANO

ginalização da comunidade científica nacional. De qualquer modo, nessa década que viu a ascensão da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob a direção de Zeferino Vaz, consubstanciada na filosofia de integração indústria-pesquisa-universidade, a polí­tica cientifica e tecnológica esteve sempre presente nas ações governamentais.

Mas na primeira metade dos anos 80 a situação vol­tou a piorar. Diminuíram sensivelmente os investimen­tos em C&T e as universidades passaram por momen­tos difíceis. A estagnação econômica e a inflação reacenderam o vezo imediatista, que se refletiu negati-

foi a atualização dos recursos da FAPESP, por intermé­dio da Emenda Leça, de 1983.

O sentido do futuro

Com o advento da Nova República, em 1985, abriram-se novas perspectivas em relação à C&T, com a criação do Ministério de Ciência e Tecnologia. Durante a gestão do ministro Rena­

to B. Archer, o CNPq fortaleceu-se, restabelecendo um clima de confiança à comunidade científica. Na Consti­tuinte Estadual de 1989, os pesquisadores paulistas con-

z seguiram aumentar a ~ dotação da FAPESP g para 1% da arrecadação ::>

~ do Estado. Nos outros estados, foram também criadas fundações de amparo à pesquisa. Des­sa forma, tudo parecia pronto para uma fase de grande desenvolvimen­to na área científica e tecnológica. Contudo, nos anos 90, os aconte­cimentos não se deram nessa direção. Os fortes ventos da globalização acarretaram mudanças substanciais na socieda­de brasileira e com cer­teza não beneficiaram nem a pesquisa nem o desenvolvimento.

Equipamento para aprisionamento de átomos por feixes de raio laser, na USP, campus de São Carlos

Uma das poucas ex­ceções parece ser a FA­PESP. Amparada pela

estabilidade financeira propiciada pelo governo estadu­al, está em pleno processo de implantação de ambicio­sos programas, como o Genoma, o Biota, o de Inovação Tecnológica, entre outros, capazes de capitanear o de­senvolvimento científico e tecnológico dos novos tem­pos. Não é aqui o lugar para fazer uma análise aprofun­dada da questão, mesmo porque faltam ainda dados para a compreensão da complexa situação em que se encontra o país. Mas uma dúvida surge diante da longa incursão histórica que fizemos até agora: a despeito de tantas evidências das nossas potencialidades científicas e tecnológicas, não estariam os detentores do poder, mais uma vez, seduzidos pela canção enganosa do ime­diatismo e da dependência?

vamente na educação e na pesquisa. Mesmo circunscre­vendo-se ao Estado de São Paulo, maior centro econô­mico do país, as universidades estavam esvaziadas, os institutos de pesquisa falidos e a própria FAPESP vivia uma situação de penúria, porquanto não conseguia se­quer receber o 0,5% da receita estadual a que tinha di­reito, vítima de expedientes fiscais de administradores ardilosos. Felizmente, a sociedade civil se mobilizava contra o descalabro geral do país e a aguerrida comuni­dade científica lutava para recuperar o status da C&T. As duas forças puderam unir-se, trazendo ganhos signi­ficativos para ambas. No caso específico da pesquisa e da educação universitária, os esforços congregaram-se em torno da ADUSP (Associação de Docentes da USP), da APqC (Associação de Pesquisadores Científicos) e, sobretudo, da SBPC e da Assembléia Legislativa do Es­tado de São Paulo. Um dos resultados mais marcantes

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Brasil, 500 anos: ciência e tecnologia.Valeu a pena? Sim, em História tudo vale a pena se se pode enxergar o sentido do futuro.

PESQUISA FAPESP

Page 99: Drogas: mitos desfeitos

PESQUISA FAPESP

Uma centena e meia de brasileiros que ajudaram a construir C&T no país

Nomear todos os

cientistas importantes para a história brasileira, seria

impossível. Daí a amostra.

Registramos os nossos agradecimentos

a Eleutério F. S. Prado,

professor titular da FEA-USP,

e a Francisco C. Polcino Milies,

professor titular do IME-USP,

pela colaboração prestada ao trabalho.

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HOMENAGEADOS

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SÉCULOS XVI, XVII E XVIII

Alexandre Rodrigues Ferreira

André João Antonil (João Antônio Andreoni)

Antônio Francisco Lisboa

Antônio Pires da Silva Pontes

Bartolomeu de Gusmão

José Bonifácio de Andrada e Silva

José Mariano da Conceição Velloso

Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá

SÉCULO XIX

André Rebouças

Alberto Santos Dumont

Arthur Ramos

Christiano Benedito Ottoni

Domingos Freire

Euclides da Cunha

Francisco Freire Alemão

Honório Bicalho

João Barbosa Rodrigues

Joaquim Gomes de Souza

Joaquim Nabuco

José Maria da Silva Paranhos

Ladislau Neto

Madame Durocher

Otto de Alencar

Roberto Landell de Moura

Rui Barbosa

Sílvio Romero

SÉCULO XX

Adolpho Lutz

Adriano Marchini

Alberto Pereira de Castro

Alcides Carvalho

Alfredo Bosi

Alice Canabrava

Álvaro Alberto

Álvaro Osório de Almeida

Amoroso Costa

André Dreyfus

Ângelo Costa Lima

Anísio Teixeira

Antônio Cândido de Mello e Souza

Antônio Francisco de Paula Souza

Arnaldo Vieira de Carvalho

Ary Torres

Arthur Neiva

Aziz Ab' Sáber

Berta Lutz

Caio Prado Júnior

Cândido Lima da Silva Dias

Carlos Chagas

Carlos Chagas Filho

Carlos da Silva Lacaz

Casimiro Montenegro Filho

Carolina M. Bori

Celso Furtado

Cesare G. M. Lattes

Crodowaldo Pavan

Darcy Ribeiro

Djairo Guedes de Figueiredo . Elisiário Távora

Elon Lages Lima

Emília Viotti da Costa

Emílio Baumgarten

Ernest Giesbrecht

Ernesto L. Fonseca da Costa

Euryclides de Jesus Zerbini

Eurípedes Simões de Paula

Fernando de Azevedo

Fernando Luís Barbosa Lobo Carneiro

Florestan Fernandes

Francisco João Humberto Maffei

Francisco José de Oliveira Viana

Francisco Lara

Francisco Mauro Salzano

PESQUISA FAPESP

Page 101: Drogas: mitos desfeitos

Francisco de Paula Ramos de Azevedo

Francisco Prestes Maia

Francisco Saturnino de Brito

Frederico Abranches Brotero

Frederico Carlos Hoene

Gilberto Freyre

Gioconda Mussolini

Giuseppe Cilento

Gustavo Capanema

Hélio Jaguaribe

Henrique Morize

Henrique Rocha Lima

Hyppolito Pujol Junior

Ivo Jordan

Jacob Falis

Joaquim Costa Ribeiro

João Batista Vilanova Artigas

João Capistrano de Abreu

Johana Dobereiner

José Honório Rodrigues

José Leal Prado

José Leite Lopes

José Maria de Toledo Malta

José Reis

José Ribeiro do Valle

José de Souza Martins

Josué de Castro

Lélio Gama

Leopoldo Nachbin

Lourenço Filho

Lúcio Costa

Luís da Câmara Cascudo

Luiz de Anhaia Mello

Luiz Flores de Moraes Rego

Luiz Freire

Manfredo Perdigão do Carmo

Manuel Correia de Andrade

Maria Isaura Pereira de Queiroz

Marcelo Damy de Souza Santos

PESQUISA FAPESP

Mario Schenberg

Mário Henrique Simonsen

Maurício Mattos Peixoto

Maurício da Rocha e Silva

Miguel Osório de Almeida

Miguel Siegel

Milton Santos

Milton Vargas

Nelson Werneck Sodré

Newton Freire Maia

Nilo de Andrade Amaral

Nise da Silveira

Octávio Ianni

Olímpio Fonseca

Omar Catunda

Oscar Niemeyer

Oswaldo Cruz

Otávio Marcondes Ferraz

Othon Leonardos

Otto Gotlieb

Pandiá Calógeras

Paschoal Senise

Paulo Freire

Paulo Sá

Paulo Sawaya

Pontes de Miranda

Raimundo Nina Rodrigues

Raymundo Faoro

Renato Fonseca Ribeiro

Roberto Cardoso de Oliveira

Roberto Simonsen

Rogério Cezar de Cerqueira Leite

Sérgio Buarque de Holanda

Simão Mathias

Telêmaco Macedo van Langendonck

Teodoro Ramos

Vital Brazil

Walter Mors

Wilson Teixeira Beraldo

HOMENAGEADOS

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