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Desafios da Intersetorialidade para o Enfrentamento da pobreza no Brasil: Segurança Alimentar, Assistência Social e Transferência de Renda (1988-2017) Adriana Aranha Resumo O Brasil passou por um ciclo positivo de políticas públicas que contribuiu para a redução da pobreza e da desigualdade social a partir da Constituição de 1988. Avanços recentes decorrentes do crescimento econômico combinado com inclusão social são relatados em diversos estudos. A intersetorialidade é um tema recorrente nos debates sobre políticas públicas, principalmente à partir da década de 80, impulsionado pela área social. Na America Latina cresce experiências de políticas públicas com uma abordagem mais multidimensional do problema, principalmente para garantir direitos sociais conquistados recentemente. No Brasil três áreas se interagem para consolidar políticas de enfrentamento a pobreza: assistência social, segurança alimentar e transferência de renda. Alguns programas de Governo somaram esforços no sentido de integrar essas três áreas como o Conselho Nacional de Segurança alimentar - CONSEA, o Comunidade Solidária, o Fome Zero, o Brasil Sem Miséria e agora o Criança Feliz. Cada um com objetivos e características bem diferentes. Esse artigo relaciona a experiência brasileira no enfrentamento da pobreza traçando uma linha de interseção entre essas áreas ao longo do tempo à luz da literatura atual sobre a intersetorialidade.

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Desafios da Intersetorialidade para o Enfrentamento da pobreza no Brasil:

Segurança Alimentar, Assistência Social e Transferência de Renda (1988-2017)

Adriana Aranha

Resumo

O Brasil passou por um ciclo positivo de políticas públicas que contribuiu para a

redução da pobreza e da desigualdade social a partir da Constituição de 1988. Avanços

recentes decorrentes do crescimento econômico combinado com inclusão social são

relatados em diversos estudos. A intersetorialidade é um tema recorrente nos debates

sobre políticas públicas, principalmente à partir da década de 80, impulsionado pela área

social. Na America Latina cresce experiências de políticas públicas com uma

abordagem mais multidimensional do problema, principalmente para garantir direitos

sociais conquistados recentemente. No Brasil três áreas se interagem para consolidar

políticas de enfrentamento a pobreza: assistência social, segurança alimentar e

transferência de renda. Alguns programas de Governo somaram esforços no sentido de

integrar essas três áreas como o Conselho Nacional de Segurança alimentar -CONSEA,

o Comunidade Solidária, o Fome Zero, o Brasil Sem Miséria e agora o Criança Feliz.

Cada um com objetivos e características bem diferentes. Esse artigo relaciona a

experiência brasileira no enfrentamento da pobreza traçando uma linha de interseção

entre essas áreas ao longo do tempo à luz da literatura atual sobre a intersetorialidade.

Palavras Chaves: Fome, Segurança Alimentar, Políticas Sociais, Intersetorialidade,

Brasil.

Introdução

Esse artigo analisa as relações intersetoriais estabelecidas no enfrentamento da pobreza

através da política de combate à pobreza e a fome brasileira nos últimos quase 30 anos

no Brasil, mais especificamente após a Constituição Federal de 1988.

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Trata-se de um estudo comparado de três períodos do Governo Central: do presidente

Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), do presidente Luis Inácio Lula da Silva

(2003/2010) e da presidente Dilma

Roussef (2011/2014), com destaque para três “planos chaves” desses Governos:

Comunidade Solidária, Fome Zero e Brasil sem Miséria. Como estratégia de

investigação, pretende-se analisar os programas federais buscando compreender os

avanços aportados por eles para o aprendizado da intersetorialidade no enfrentamento

da pobreza com foco nas políticas de assistência social, de segurança alimentar e

nutricional e nos programas de transferência de renda. Observar até que ponto cada

programa com níveis de intersetorialidade diferentes gera resultados diferentes tentando

mostrar a relação entre variáveis diferentes da intersetorialidade.

Pretende-se analisar os Planos Comunidade Solidária, Fome Zero e Brasil sem Miséria

buscando compreender os avanços aportados por eles para o aprendizado da

intersetorialidade no enfrentamento da pobreza com foco na política de segurança

alimentar e nutricional. Busca-se explorar as relações entre interstorialidade e eficacia,

analisando os efeitos de estrategias intersetoriais quanto a um melhor resultado das

políticas. Para isso pretende-se analisar se, e de que maneira os mecanismos

intersetoriais criados na implantação de programas de enfrentamento à pobreza no

Brasil, mais especificamente na área de segurança alimentar e nutricional, influenciaram

os resultados desses.

Trata-se de um estudo comparado de três períodos do Governo Central: do presidente

Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), do presidente Luis Inácio Lula da Silva

(2003/2010) e da presidente Dilma Roussef (2011/2014), com destaque para três

“planos

chaves” desses Governos: Comunidade Solidária, Fome Zero e Brasil sem Miséria.

Interessa a esse trabalho analisar as relações intersetoriais estabelecidas no

enfrentamento

da fome através da política alimentária brasileira nos últimos 19 anos e criar bases de

análise que estabeleça relação entre intersetorialidade e eficácia. Para isso, será feito

uma analise descritiva da construção da política de segurança alimentar de 1995 a 2014

através dos planos Comunidade Solidária, Fome Zero e Brasil Sem Miséria.

E centrar-se-á na análise comparada dos três planos que possa explicar a relação

existente

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entre intersetorialidade e eficacia. Pretende-se observar em que medida a maior ou

menor

intersetorialide de uma política incide numa maior ou menor eficacia da mesma.

As perguntas que orientam a investigação são as seguintes:

i. Objetivo descritivo:

Como tem evoluído a perspectiva intersetorial na política de segurança alimentar no

Brasil? Até que ponto pode-se falar que está em construção no Brasil um modelo de

gestão peculiar?

ii. Objetivo analítico:

Em que medida a maior ou menor intersetorialide de uma política incide numa maior ou

menor eficacia da mesma?

Até que ponto este esforço nacional acumulado nos três períodos criou espaços de

diálogos intersetoriais, com sinergias dos saberes acumulados e compartilhamento de

experiências, com impactos na forma de atuação dos diversos setores? Pode-se dizer

que está sendo construído um novo modelo de gestão intersetorial no país para o

enfrentamento da pobreza extrema e da fome, com foco na Segurança alimentar e

Nutricional?

Existe um grande discurso da necessidade da intersetorialidade nas políticas públicas,

mas pode-se dizer que algo de novo está sendo construído? Ou ainda trata-se de colocar

junto o que se faz separado?

Um objetivo especifico é descrever estratégia, concepção e desenho, atores e espacos,

processos e mecanismos de construção de estratégias conjuntas. A partir dessa análise

descritiva e histórica, identificar algumas conexões chaves entre alguns programas, para

uma análise mais qualificada e aprofundada sobre os processos intersetoriais na gestão.

É importante indagar se os resultados obtidos podem ser atribuídos a um investimento

maior nas políticas setoriais ou ao desenvolvimento de mecanismos e processos de

gestão

intersetorial. Em que medida os espaços de diálogo intersetoriais e os processos

integrados de gestão geraram inteligência administrativa e foram efetivos para enfrentar

problemas multidimensionais, como a pobreza e a fome?

4. JUSTIFICATIVA E RESULTADOS ESPERADOS DA PESQUISA

O problema pesquisado parte da constatação que a fome é um fenômeno complexo que

exige soluções integradas e que a Segurança Alimentar e Nutricional se encaixa numa

proposta intersetorial e estratégica para seu enfrentamento.

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Os principais documentos dos planos propunham um trabalho transversal, de integração

e com coordenação próxima ao poder central do Governo Nacional. O Comunidade

Solidária é uma estrategia de integração nacional, com cardápio de projetos focado em

determinados territórios. O Fome Zero, estratégia de Governo mobilizadora de várias

frentes e setores do governo com impactos nos arranjos territoriais e, o Brasil Sem

Miséria, que aprofunda a focalização das ações com público mais definido.

Tais estratégias foram implementadas no âmbito federal, com mecanismos de gestão

diferenciados, tanto na coordenação nacional como na integração com esferas

subnacionais.

Apresentaram estratégias, cobertura, ambição, tipo de benefício e graus de

institucionalidade diferentes, assim como concepções diferentes sobre pobreza, fome e a

consequente forma de atuação sobre elas.

Existe um paradoxo a ser enfrentado pela área de Segurança Alimentar e Nutricional.

Por

um lado, a essência do conceito que os defensores da área pretendem implantar no

Brasil é dependente de um olhar intersetorial e, desta forma, não ser constituída

institucionalmente como um setor específico dentro do aparato estatal, facilitaria a sua

integração com as outras áreas. Por outro lado, sem o fortalecimento institucional, um

setor específico nas estruturas estatais, traz fragilidades que historicamente foram

supridas pelos “programas forças” dos governos. É possível garantir segurança

alimentar da população sem criar espaços setoriais? Como criar identidade setorial para

uma política nascida de maneira intersetorial? É possível a área ser respeitada como

uma política pública como as demais, sem uma trajetória marcada por uma construção

institucional-setorial? Este dilema mostrou-se presente desde que esse tema entrou na

agenda das políticas públicas nos últimos anos.

Avançar no conhecimento sobre os fatores que favorecem a intersetorialidade e,

portanto, a eficacia das politicas constitui a justificativa teorica principal da

investigação. A escolha do objeto ou tema – a segurança alimentar e a fome – constitui,

por si só, uma relevancia, pela centralidade que tem para a questão social no Brasil

contemporaneo.

Existem estudos sobre esses programas sob diversos enfoques, mas não uma

comparação

no que diz respeito à formulação e implementação de uma estratégia intersetorial de

enfrentamento da pobreza, especificamente da miséria.

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Este trabalho parte da premissa que uma política de segurança alimentar e nutricional

efetiva passa por uma gestão intersetorial ativa.

5. BASE TEÓRICA PARA FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

Existem diferentes concepções sobre a fome, suas causas e formas de enfrenta-la, mas

na

concepção aqui empregada, segurança alimentar e nutricional compreende um estado de

bem-estar alimentar, assegurado por um conjunto integrado e articulado de políticas e

ações que garantam o acesso de todos, permanentemente, a uma alimentação

suficientemente adequada, em quantidade e qualidade, para atender as necessidades

nutricionais de cada um, em cada fase ou situação de vida. Pressupõe, ainda, que essa

alimentação seja produzida de forma sustentável, não comprometendo, assim, as futuras

gerações. Dentre os diversos atores que interferem nessa realidade – Estado, mercado,

família e sociedade – o Estado desempenha importante papel, tanto na condução do

modelo de desenvolvimento econômico que pode ser gerador e reprodutor da fome,

quanto na implementação de políticas que amenizem suas consequências. Interessa a

este trabalho, portanto, os arranjos institucionais estatais que possam aumentar a

capacidade do Estado de enfrentar esse problema.(ARANHA,2000)

A vinculação entre problemas sociais complexos, como a Fome, à soluções mais

integradas e intersetoriais de intervenção na área, como a Segurança Alimentar e

Nutricional, aproxima esta interligação aos novos arranjos institucionais emergentes nas

políticas públicas. Problemas complexos, observado por Bruguê (2010) como

“problemas perversos” (“wicked problems”), problemas que não são facilmente

resolvidos, requerem intervenções mais integradas que deem conta da diversidade e da

multidimensionalidade do problema.

Para vários autores a intersetorialidade integra um marco de mudanças na gestão

pública. A ocorrência de uma tensão entre especialização e integralidade é enfatizada na

literatura

mais atual sobre gestão pública. O conflito entre atender demandas diferenciadas,

marcada pela especialização, e ter uma visão global sobre as pessoas atendidas e seus

problemas, marcada pela integralidade, desafia a capacidade de dar respostas concretas

com responsividade (responsiviness) aos problemas identificados. O ponto central é que

a segmentação e setorialização da gestão já não respondem de forma adequada aos

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desafios atuais. Dessa forma estaria em curso um processo de mudança não apenas

instrumental, formal ou organizativo, como ético e cultural na gestão pública

(BRUGUÉ, Q.; GOMÀ, R.& SUBIRATS, J,2002; Brugué,2010; Bronzo,2007;Blanco y

Gomà, 2003;REPETTO,2010; Nogueira, 2007).

A integralidade na compreensão do problema da fome exige uma estratégia de gestão

coerente com essa perspectiva, que atue nos diversos vetores de produção e reprodução

desse fenomeno. A segurança alimentar e nutricional constitui um fecundo campo de

análise nesse sentido, por remeter a um conjunto de políticas que tratam do acesso a

uma

alimentação qualitativa e quantitativamente adequada e sustentável, o que envolve

diversos setores e ações, tais como acesso à renda, a produção de alimentos, a regulação

do estoque de alimentos e preços, assim como questões higiênico sanitárias. Tratar deste

tema é considerar todos os ângulos que envolvem a cadeia alimentar de uma forma

integral e,portanto, as intervenções nessa área requerem integralidade suficiente para

avançar nagarantia da segurança alimentar e nutricional.

BRUGUÉ (2010) aponta a importância das administrações públicas serem capazes de

responder com eficiência e inteligência frente ao contexto de complexidade crescente do

século XXI. Essa perspectiva e corroborada por MORENO (2007), que afirma existir

“una paradoja del gobierno contemporáneo, el hecho de que éste tiende a fragmentarse

cada vez más, en un mundo donde aumentan la conectividad y la interdependencia. En

muchos sentidos, es como si el gobierno se moviera en una sintonía diferente de la

realidad. En una sociedad compleja, que demanda soluciones cada vez más relacionadas

y más basadas en la actuación de unidades autónomas, debe primar entonces el interés

en la coordinación, que es la esencia del trabajo conjunto”. (MORENO, 2007)

Segundo ANDRADE (2004), existe um consenso do discurso sobre a intersetorialidade,

mas o mesmo não acontece na prática. O autor considera que o dissenso nasce da

contradição entre a própria necessidade de integração de práticas e saberes requeridos

pela complexidade da realidade e um aparato de Estado setorializado, com visões,

interesses, poderes e estruturas muitas vezes contraditórias e antagônicas. De acordo

com documento da Fundación Kaleidos.Red (2010) “la transversalidad como solución

implica que la convertimos en la fórmula mágica para trabajar juntos para multiplicar

nuestros potenciais particulares. En un mundo de renovadas complejidades, la

transversalidad es la respuesta”(KALEIDOS.RED,2010,p.14).

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A promoção da intersetorialidade, para Andrade (2004), passa pela construção criativa

de

um novo objeto de intervenção comum aos diferentes setores do Estado que lidam com

a

questão social. O ponto forte da proposta de intersetorialidade é a possibilidade de

construir uma visão de complexidade dos problemas, tendo como requisito o aporte de

diferentes acúmulos setoriais, superando as propostas que se traduzem na mera

sobreposição de ações

setoriais. Grau (2005), Brugué (2010), Bronzo (2007) apontam duas dimensões distintas

e complementares da concepção da intersetorialidade: uma relativa ao aspecto

conceitual e substantivo do problema e outra na perspectiva institucional e

organizacional. Para Brugué, trata-se desde uma forma de pensar integralmente a

realidade e de atuar sobre ela, como inovar em relação às segmentações existentes no

âmbito das estruturas organizativas.

Grau (2005) coloca duas premissas centrais da intersetorialidade, uma fundamentada na

questão política e, outra, fundamentada na questão técnica. A autora observa que

intersetorialidade envolve integración, inclusividad e mancomunidad. A integração

significa alguns consensos em relação aos conceitos, aos objetivos e formas de ação. A

inclusividade trata da coerência no ciclo da politica. A mancomunidad seria o

compartilhamento de recursos, responsabilidades e ações, o que envolve solidariedade e

o compartilhamento do poder.

A inexistência de sistemas de informações, planejamento e orçamento compartilhados

pode ser um obstáculo para a uma gestão intersetorial. Muitas vezes os mecanismos

institucionalizados reforçam a setorialização das ações. Para se reverter essa situação é

necessário tempo e uma forte adesão política dos atores envolvidos para criação de

novas

estruturas institucionais adequadas às necessidades de uma gestão intersetorial. Um

orçamento realizado e monitorado conjuntamente pode ser um bom instrumento de

indução

da materialidade de uma ação intersetorial.

Bruguè,Q, Canal,R. y Payà,P (2009) utilizando a literatura especializada em gestão de

redes

e estratégias de colaboração identifica quatro fatores chaves para a gestão da

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transversalidade. Os objetivos, que devem ser compartilhados efetivamente e

construídos

conjuntamente entre as partes. Os atores, que devem ser complementares e

interdependentes. Os fatores tangíveis, que se materializam através da institucionalidade

(espaços administrativos criados, recursos humanos e econômicos). E os fatores

intangíveis, formados pelas relações, confianças estabelecidas e lideranças envolvidas.

O marco teórico a ser mobilizado considera a literatura sobre intersetorialidade, novas

formas e mecanismos de gestão integrada das políticas e setores e, a partir desse quadro

conceitual, serão definidas as variavéis de análise que, a principio, buscam captar tanto

as

diferentes modalidades e intensidades da intersetorialidade dos diferentes planos

nacionais

de enfrentamento da fome e da miséria quanto os resultados em termos de eficácia das

distintas intervenções.

6. ABORDAGEM METODOLÓGICA

A partir das reflexões de Grau (2014) e Brugué,,Q., Canal,R. y Payà,P(2009) sobre os

fatores que incidem na modelação da intersetorialidade se identificará algumas variáveis

chaves a serem consideradas no estudo para análisar a intensidade da intersetorialidade

em

cada experiencia. A partir da análise destas variáveis independentes pretende-se criar

um

modelo que busque explicar a relação destas com a variável dependente, eficacia.

7

Considera-se aquí a intersetorialidade em três modalidades: horizontal, vertical e esferas

sociais. O horizontal, que será o foco maior do estudo, será feita uma análise das

relações

entre os atores internos ao Governo federal e levará em consideração os objetivos

compartilhados, ou seja a existência ou não de consensos em relação ao problema a ser

enfrentado e a estratégia a ser desenvolvida; os recursos e orçamentos partilhados; os

sistemas de informação, monitoramento e avaliação compartilhados ou articulados;

ações

conjuntas e legislação, que expressam o grau de formalização da relação entre os atores

e

os espaços de coordenação e / ou integração das ações existentes.

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A intersetorialidade vertical, entre entes federados, e da intersetorialidade entre os

setores

sociais, sociedade civil e Estado. Nesse caso serão estudadas a presença e efetividade

dos

espaços de pactuação, se existem ações conjuntas e se a legislação apresenta algum grau

de

formalização da relação entre os atores.

Quadro 1 – Fatores a serem considerados no estudo da Intersetorialidade1. Intersetorialidade horizontal (entre mesma esfera de governo)

11. Intersetorialidade vertical (entre entes federados)

111. Intersetorialidade social (entre setores sociais)

Objetivos compartilhados (consenso em relação ao problema e a estratégia )

X _____ _____

Recursos partilhados (orçamento)

X _______ ______

Sistemas de informaçao, monitoramento e avaliacao (compartilhados ou articulados)

X _______ ______

Espaços de pactuação X X X Ações conjuntas X X X Legislação ( grau de formalização da relação

entre os atores)

X X X

Fonte: elaboração própria

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7. COLETA DE DADOS

A coleta dos dados será desenvolvida por meio de análise de documentos e entrevistas.

No

caso dos programas com execução concluída, os atores entrevistados serão selecionados

a

partir da reconstrução da trajetória dos programas. As entrevistas serão feitas com

pessoas

que ocuparam ou ocupam diferentes níveis institucionais: operacional, técnico e

estratégico.

Para cada programa serão considerados os atores subnacionais envolvidos (sociedade

civil,

gestores estaduais e municipais). As entrevistas serão realizadas pela pesquisadora, com

roteiro semiestruturado, adequado aos vários tipos de entrevistados.

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Serão analisados documentos oficiais (normas, leis, decretos, planos plurianuais,

manuais,

etc.). Os documentos subsidiarão o conhecimento acerca do desenho e execução dos

programas. A revisão teórica será dedicada aos temas segurança alimentar e

intersetorialidade.

Estão previstos publicação de pelo menos dois artigos: 1) a relação entre segurança

alimentar e intersetorialidade; 2) resultados das análises dos programas estudados.

Propõe-

se, ainda, participação em eventos para divulgação dos resultados.

IV. 1. O período FHC: da Constituição cidadã à contenção de gastos sociais

O Programa Comunidade Solidária foi instituído logo no início do governo Fernando

Henrique Cardoso, em 1995, para o enfrentamento da fome e da miséria. O programa

foi presidido pela então primeira-dama do país, Ruth Cardoso, e era vinculado

diretamente à Casa Civil da Presidência da República.

Seu objetivo era coordenar ações governamentais dirigidas à parcela da população que

não dispunha de meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate

à fome e à pobreza. Seus objetivos específicos: coordenação e a melhoria da gestão de

programas governamentais; articulação entre os diferentes níveis de governo;

focalização das ações em áreas e populações mais necessitadas; incentivo a novas

formas de parceria entre governo e as diversas organizações da sociedade. Para isso, o

programa contava com seis linhas de ação: redução da mortalidade na infância;

suplementação alimentar; apoio ao ensino fundamental; apoio à agricultura familiar;

geração de emprego e renda e qualificação profissional e desenvolvimento urbano.

O diagnóstico que serviu para guiar o programa foi elaborado pelo Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (IPEA) através do Mapa da Fome em março de 1993, que

estimava em 32 milhões o número de indigentes no país, mais de 20% da população

que, em 1990, era de aproximadamente 147 milhões de pessoas.

A responsabilidade de execução do programa, que abrangeu 1.369 municípios, ficava a

cargo do Governo Federal e da Sociedade Civil. E a instância de participação era um

Conselho Consultivo, formado por 10 ministros de Estado e 21 personalidades da

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sociedade civil, escolhidas pelo Presidente da República, e por uma Secretaria-

Executiva.

Em relação a criação de institucionalidades, o que se observa nesse período é a extinção

de órgãos na área social. Segundo Peres (2005), no momento da criação do Comunidade

Solidária foram extintos o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), a

Legião Brasileira de Assistência (LBA), e dois outros importantes órgãos para a

proteção e assistência sociais, o Ministério do Bem-Estar Social (MBES) e o Centro

Brasileiro para a Infância e a Adolescência (CBIA).

Na área de Assistência Social, em substituição aos órgãos de assistência social extintos,

foi criada a Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência

Social (SAS/MPAS). Em 1999, essa Secretaria passa a ser responsável pela

coordenação da Política Nacional de Assistência Social e pela normatização e

articulação das ações governamentais e não-governamentais no campo da assistência

social, apoiando técnica e financeiramente os Estados, os Municípios e o Distrito

Federal, com o nome de Secretaria de Estado da Assistência Social, SEAS, que

continuou vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social.

Na área de Segurança Alimentar e Nutricional, extinguir um órgão como o CONSEA

foi acabar com a única iniciativa federal na área iniciada na década de 90. O CONSEA

surgiu a partir do Plano de Combate à Fome e à Miséria (PCFM), criado em abril de

1993 no Governo anterior, Itamar Franco, para articular as três instâncias de governo

(municipal, estadual e federal) e a sociedade civil na revisão dos programas federais

num projeto para o combate à fome e à miséria1.

A Lei Orgânica da Assistência Social n. 8.742/1993 (LOAS)2, é uma lei que foi

reapresentada e sancionada pelo presidente Itamar Franco, após ter sido vetada

anteriormente pelo Ex-Presidente Fernando Collor de Melo. Segundo Sposati (1995b), a

LOAS regulamentou os preceitos estabelecidos pela Carta Constitucional de 1988 à

1 Órgão de assessoramento ao Presidente, com a participação da sociedade civil e dos órgãos de governo que foi extinto em 1995. O conselho tinha a função de consulta, de assessoria e de indicação de prioridades ao Presidente da República deveria ser exercida por uma parceria entre ministros de Estado e personalidades de destaque na sociedade brasileira, identificadas com vários setores da sociedade civil, na sua maioria indicados pelo Movimento pela Ética na Política.

2 A partir da LOAS, a assistência social passou a ser direito do cidadão e dever do Estado (art. 1º): “Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.

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seguridade social que rompem com o modelo tradicional de assistência social pautado

em entidades prestadoras de serviços ou filantrópicas na medida em que colocava a

assistência social no campo das políticas públicas. A LOAS constitui um sistema

descentralizado e participativo, com transparência e controle social.

Em suma, o governo de FHC pautou-se principalmente pela agenda neoliberal, com

focalização de ações, descaracterização da assistência social enquanto direito social,

diminuição do papel do Estado no combate à pobreza e estímulo ao crescimento do

Terceiro Setor, responsabilizando a sociedade e a família pela área social.(Yazbek,1996;

Montaño,2003; e Silva et. al., 2001; Tessarolo, e. M., Krohling,A ,2011).

IV.2 O período Lula: De gasto social para investimento social

Já no primeiro ano do Governo Lula, em 2003, sob a égide do Fome Zero,

compromisso assumido pelo Presidente para zerar a fome, inicia-se a institucionalização

da área com a criação do Ministério Extraordinário de Segurança alimentar e Combate à

Fome (MESA), o Ministério da Assistência Social (MAS) e uma Secretária Especial de

Renda e Cidadania. Essa última, fruto de um Grupo de Trabalho de integração dos

programas de transferências de renda.

Passado o primeiro ano com uma ampla etapa de diagnóstico, formulação e

implantação de diversos programas surge, a partir de 2004, a necessidade de integração

da área social. Cria-se o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome com

o intuito de agregrar em um único órgão as políticas de segurança alimentar para a

população mais vulnerável, a política de assistência social e os programas de

transferências de renda.

Percebe-se claramente uma inflexão, tanto em termos de aumento exponencial

de recursos destinados à área, quanto ao tratamento mais sistêmico e duradouro frente à

complexidade dos problemas sociais a serem enfrentados. Criaram-se por exemplo dois

novos sistemas públicos, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e Sistema

Integrado de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). O conceito de investimento

social substituiu gradativamente o conceito de gasto social.

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As mudanças de rota dos programas sociais também podem ser observadas na

tentativa de integração e institucionalização desses. Programas fragmentados e sem

integração ganharam uma densidade, não só na ampliação do número de pessoas

beneficiadas, como na qualidade e integração com outras áreas sociais, como foi o caso

dos Programas de Transferência de Renda.

Na área da Segurança Alimentar sempre houve descontinuidade dos projetos

implementados, desarticulação entre os três níveis de governo, desintegração entre os

diversos setores e ineficiência administrativa. Contudo, ainda que existisse no Brasil

uma política de alimentação, ela caracterizou-se, predominantemente, como

fragmentada, emergencial, não prioritária e desarticulada. Apenas em

1993, esse tema ganha destaque no País devido à mobilização do movimento da

Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Com a implantação do

CONSEA – e com a realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar no

Brasil ocorre uma ampla discussão no País sobre o tema, com notórias conquistas.

Várias iniciativas da sociedade civil foram consolidadas através de mais de sete mil

comitês de combate à fome implantados em todo o Brasil no período 1993-1994.

Porém, como indicado anteriormente, o CONSEA foi extinto na ocasião do lançamento

do Programa Comunidade Solidária.

Não obstante, a temática da segurança alimentar foi retomada com vigor no

governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, a partir de 2003, com o Programa

Fome Zero. A prioridade da segurança alimentar materializou-se na criação, logo no

início do Governo Lula, de três instâncias, diretamente ligadas à Presidência da

República e voltadas especificamente para a implementação de uma Política Nacional

de Segurança Alimentar e Nutricional, quais sejam: i) o Gabinete do Ministro

Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome - MESA -, ii) o Conselho

Nacional de Segurança Alimentar – CONSEA - que envolve representantes

governamentais e personalidades oriundas de organizações da sociedade civil, iii) uma

Assessoria Especial da Presidência da República de Mobilização para o Fome Zero.

As ações deste programa se enquadraram em quatro eixos articuladores. Cada

eixo tinha programas próprios, mas todos se integravam em uma mesma estratégia

macro, pois compreendia-se que nenhum deles, isoladamente, conseguiria atingir a meta

de zerar a fome.

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O primeiro eixo, Acesso aos Alimentos, implementou ações diretamente

voltadas para a ampliação do acesso à alimentação pela população de baixa renda. A

principal delas foi a imediata instituição e rápida expansão de um programa de

transferência de renda, o programa Bolsa Família. O acesso foi também promovido pelo

remodelamento e ampliação do programa de alimentação escolar e pelo apoio à criação

de equipamentos públicos, tais como restaurantes populares, cozinhas comunitárias e

bancos de alimentos.

O segundo eixo de atuação da Estratégia Fome Zero foi voltado para o

fortalecimento da agricultura familiar, que constitui a parte majoritária dos

estabelecimentos agrícolas e a principal responsável pelo fornecimento de alimentos ao

mercado doméstico. Logo no início do Fome Zero instituiu-se um Plano de Safra

específico para essa categoria de agricultores englobando, de um lado, a ampliação do

programa de crédito já existente – o Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (PRONAF). Trata-se de um programa de crédito exclusivamente

dedicado a esse tipo de agricultura, apoiando majoritariamente a produção de alimentos.

De outro lado, foi criado o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura

Familiar (PAA), um exitoso programa intersetorial que estabelece elos entre a oferta de

alimentos proveniente da agricultura familiar e a demanda por alimentos para

programas e equipamentos públicos (alimentação escolar, hospitais, distribuição gratuita

de alimentos, cadeias etc.) e também para a formação de estoques.

O terceiro eixo, de Promoção de Processos de Geração de Renda, desenvolveu

ações de qualificação da população de baixa renda no sentido de contribuir para a sua

inserção no mercado de trabalho. Foram desenvolvidas diversas parcerias nessa área

com iniciativas inovadoras de geração de trabalho e renda em economia solidária, apoio

às organizações que operam com Fundos Rotativos Solidários e Bancos Comunitários

levando financiamento solidário e disponibilizando recursos financeiros para viabilizar

ações produtivas associativas e sustentáveis.

No quarto eixo e último eixo, Articulação, Mobilização e Participação Popular,

foram firmadas mais de cem parcerias para a realização de campanhas de combate à

fome e de segurança alimentar e nutricional. Esse eixo também proporcionou a

educação cidadã por meio da mobilização e formação da cidadania.

Como resultados desta atividade, podemos destacar o fortalecimento e a criação

de fóruns e conselhos de segurança alimentar; criação de feiras itinerantes de agricultura

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familiar e economia popular solidária; iniciativas de trabalho com indígenas,

quilombolas, mulheres, catadores e recicladores de materiais; estímulo à criação dos

consórcios de segurança alimentar e desenvolvimento local; monitoramento e controle

social do Bolsa Família e de outras políticas públicas; fortalecimento das políticas

territoriais; criação de núcleos de educação popular com as famílias beneficiadas pelo

Fome Zero e em condições de vulnerabilidade social; mobilização de educadores e

famílias para a participação nas conferências de Segurança Alimentar e Nutricional e

processos de discussão e aprovação das leis da área.

Nesse eixo também encontravam-se os programas de proteção social às famílias

atendidas dentro do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), através da rede

proteção e promoção social. O Programa de Atenção as Famílias (PAIF) desenvolvido

nos Centros de Referências da Assistência Social – CRAS realiza atendimentos às

famílias, com orientação social e psicológica, identificação de demandas e

encaminhamentos para outros níveis de complexidade do sistema.

Por fim, também incluem-se aqui as ações de controle social dos programas. Destaca-se

o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, ligado diretamente ao

Presidente da República, composto por 57 conselheiros (38 representantes da sociedade

civil e 19 ministros de Estado e representantes do governo federal) e 28 observadores

convidados.

Foi realizado um diagnóstico da situação jurídico-institucional dos programas

que compõem o Fome Zero, que acabou contribuindo para a elaboração da Lei Orgânica

de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN, promulgada em 2006. Esta lei foi

elaborada em conjunto com a sociedade, aprovada por unanimidade no parlamento

brasileiro e sancionada pelo Presidente. Ela institui o Sistema Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional – SISAN que, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS) e

do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), integra e organiza as políticas

desenvolvidas nos âmbitos federal, estadual e municipal. A Lei consolida as bases

institucionais para que todas as pessoas possam ter uma alimentação saudável,

acessível, de qualidade, em quantidade suficiente e de modo. Institui, também, de forma

permanente, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e

cria a Câmara Interministerial com papel de organizar e articular as instâncias

responsáveis pelo Sistema.

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Em 2010 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 64, que inclui a

alimentação entre os direitos sociais, fixados no artigo 6º da Constituição Federal

Brasileira . Assim, temos no campo jurídico, um largo instrumento de garantia de todas

as ações integradas pelo Fome Zero. Agora, o direito à alimentação é um direito

constitucional no Brasil.

Em relação à integração dos programas, um bom exemplo foi a transferência de

renda para as famílias do Bolsa Família, programa chave para o Fome Zero. A

integração com outras ações, como a saúde, a educação e a assistência social, passou a

ser o diferencial na implementação deste programa.

Outra conexão importante pode ser observada entre dois programas que

compõem a estratégia de enfrentamento da pobreza na área da segurança alimentar: o

fortalecimento da agricultura familiar e a garantia da alimentação para populações. Para

viabilizar o escoamento da produção agrícola familiar foi necessário um esforço de

integração entre setores e áreas de governo com diálogos setoriais dificultados:

desenvolvimento agrário, educação, nutrição, assistência social, trabalho e renda.

Todos estes programas e ações, além de apontarem para uma maior integração e

institucionalização das diversas políticas sociais, possibilitaram uma ação mais

afirmativa e integrada do Estado, voltada para as famílias.

O foco nas famílias, o olhar atento às especificidades dos territórios, a

coordenação e integração dos ministérios na concepção, planejamento, implementação e

monitoramento das ações, assim como no orçamento, contribuiram para ampliar a

inclusão social e a cidadania. Os dados apontam que houve a ampliação do acesso aos

alimentos, a expansão da produção e consumo de alimentos saudáveis, o aumento da

frequência escolar, a melhoria das condições de saúde e do acesso ao saneamento e ao

abastecimento de água e a geração de ocupação e renda.

Foi também fundamental neste processo a realização de duas Conferências

Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, com ampla participação da sociedade

civil neste período. A 2ª Conferência, ocorrida em Olinda, em março de 2004, resgatou

um processo interrompido por dez anos, após a realização da 1ª Conferência, em 1994,

iniciando o processo que resultou na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e

Nutricional (LOSAN). A 3ª Conferência Nacional realizada em Fortaleza, em julho de

2007, aprovou princípios e diretrizes que nortearam a construção do Sistema Nacional

de Segurança alimentar e Nutricional.

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Cabe destacar que todo este processo de participação popular resgatado com o

Fome Zero na área de Segurança alimentar e Nutricional, além do CONSEA Nacional,

possibilitou-se a criação de CONSEAS Estaduais em 26 Estados e no Distrito Federal,

dentre os quais 11 já aprovaram Leis Estaduais na área (LOSANs estaduais) e 16 têm

Comissões de Direito Humano à Alimentação. Atualmente cerca 700 CONSEAs

municipais funcionam no País3.

IV.3 O Período Dilma: De investimento social ao foco na miséria .

Constrangimentos orçamentários e escolhas públicas

O Brasil sem Miséria é um programa social do governo federal brasileiro, criado na

gestão da presidente Dilma Rousseff. Lançado em junho de 2011, o programa tinha

como objetivo retirar da situação de pobreza extrema 16,2 milhões de pessoas que

viviam com menos de 70 reais por mês4, cerca de 8,6% da população. Ele integra ações

de desenvolvimento social para o público da extrema pobreza em três eixos principais

de intervenção: transferência de renda, acesso a serviços e políticas e inclusão

produtiva.

O público-alvo do programa é a camada mais pobre da população brasileira, que

vive em condições de extrema pobreza. A partir do momento que uma família estiver

participando do programa, ela passa a beneficiar-se de ações de inclusão produtiva - por

exemplo cursos profissionalizantes e encaminhamento ao emprego - e de acesso a

serviços públicos, como escolas, água encanada e escoamento sanitário. O Brasil Sem

Miséria aprofunda as ações para famílias extremamente pobres por meio da busca ativa

das famílias que ainda não acessaram o Programa Bolsa Família, bem como integra os

serviços aos benefícios e desenvolve atividades de inclusão produtiva no meio rural e

urbano.

IV.4 O período Temer: um golpe no percurso – Dos sistemas públicos à caridade- o

retorno da patronagem

3 Estimativa do CONSEA Nacional em 2010.4 Cerca de U$ 21,87 (cotação de 07/09/2017).

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O segundo mandato presidencial de Dilma Roussef foi interrompido, em meados

de 2016, por um impeachment, constituindo uma conjuntura crítica na trajetória da

política. Michel Temer, que assumiu em seu lugar, conduziu um processo, ainda em

andamento, de alteração ideológica e programática da política de assistência social e

combate à fome.

Em termos ideológicos, nota-se uma reaproximação com o ideário da eficiência

econômica e com a visão de políticas sociais como gastos. Adicionalmente, há uma

gradativa desinstitucionalização desta política, expressa na ausência de informação

oficial nos websites, , redução de investimentos e desestrutração ministerial em termos

programáticos e de recursos humanos. Por fim, destaca-se a retomada de uma

concepção mais assistencialista da política social, com a volta do “primeiro-damismo”

na condução do novo programa – “Criança Feliz”.

Em suma, a construção do Estado de Bem-Estar Social no Brasil não é marcada

por processos lineares em termos de institucionalidade ou de fins da ação social. Assim,

é plausível afirmar que esta trajetória teve, no período aqui analisado, um percurso

tortuoso. Instituições foram criadas e extintas, políticas e programas não foram perenes.

O quadro 1 sistematiza e permite comparações entre os programas e políticas do período

analisado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve o objetivo de analisar as políticas sociais voltadas à redução

da pobreza no Brasil nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da

Silva e Dilma Rousseff, comparando-os tanto no plano institucional, quanto no plano

das orientações que as presidiram.

A apresentação da trajetória das políticas de transferência de renda, assistência

social e segurança alimentar nestes governos mostrou que houve diferenças notáveis

entre eles, quanto a orientações ideológicas e demandas de institucionalidade. Notou-se,

de um lado, que o governo de FHC se pautou principalmente por princípios de

eficiência econômica, com focalização de ações, diminuição do papel do Estado no

combate à pobreza e estímulo ao Terceiro Setor. De outro, que os governos de Lula e

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Rousseff, embora distintos entre si, aproximaram-se de princípios de justiça social e

efetuaram maior institucionalização da política, com leis, normas, novos conselhos

participativos, sistemas de políticas públicas, ministérios etc.

Logo, concluiu-se que os governos comandados pelo PT, dada a nova correlação

de forças entre atores políticos, conseguiram alterar a política social em foco tanto em

termos qualitativos e de orientação ideológica, como quantitativos, além de

promoverem a construção de um novo aparato institucional para concretizar tal

orientação. Contudo, essa hipótese não implica desconhecer que a trajetória das

políticas não é linear e que já houve mudanças com o impeachment e o novo governo de

Michel Temer, relacionadas à orientação ideológica - novamente aproximando-se de um

ideário neoliberal -, e à redução da institucionalização desta política.

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Quadro 1 –

COMUNIDADE SOLIDÁRIA, FOME ZERO E BRASIL SEM MISÉRIA, CRIANÇA FELIZ (1995-2017)

Programas Comunidade Solidária Fome Zero Brasil Sem Miséria

Definição Estratégia do Governo Federal para assegurar o direito humano a alimentação adequada, priorizando as pessoas com dificuldade de acesso aos alimentos.

Plano nacional para superar a situação de extrema pobreza da população em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações.

Objetivos Geral

•Coordenar ações governamentais dirigidas à parcela da população que não dispõe de meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate à fome e à pobreza

•Promover a segurança alimentar e nutricional

•Contribuir para a erradicação da pobreza extrema e para a conquista da cidadania da população mais vulnerável a fome.•Integrar diversos programas e ações.

•Promover a inclusão social e produtiva da população extremamente pobre, tornando residual o percentual dos que vivem abaixo da linha da pobreza

•Elevar a renda familiar per capita.

• Ampliar o acesso aos serviços públicos, às ações de cidadania e de bem estar social;

• Ampliar o acesso às oportunidades de ocupação e renda através de ações de inclusão produtiva nos meios urbano e rural.

Abrangência (municípios)

1.369 5.565 5.565

Responsabilidade da execução

Governo Federal, Sociedade Civil

Governo Federal,Estados e Municípios

Governo Federal, Estados e Municípios

Financiamento

Fundo de Combate à Pobreza

Fundo de Combate à Pobreza Recursos Federais e dos entes federados

Período de 1995 – 2002 (a) 2003 – 2010 (a) 2011 – 2014 (a)

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Vigência considerando fases e desdobramentos

Instância de Participação Popular

Conselho Consultivo -10 ministros de Estado e 21 personalidades da sociedade civil,

escolhidas pela Presidência

Conselho Consultivo -

59 conselheiros, sendo 17 ministros de Estado e 42 representantes da sociedade civil escolhidos pela Sociedade Civil, e por uma Secretaria Executiva

Estruturas de participação dos programas e ações que compõem o Brasil Sem Miséria

Orgão coordenador

Presidência e Secretária-Executiva

(Primeira-Dama)

Presidência e Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

(a) Considerou-se aqui as diversas fases e desdobramentos dos Programas ao longo

do tempo, incluindo aqui programas novos que surgiram a partir do Programa

Mãe. Considerou-se aqui o Programa Criança Feliz como principal programa

social do Governo Temer.

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