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Política púbica de economia solidária como instrumento de desenvolvimento local
para expansão das liberdades: a atuação dos centros públicos de economia
solidária nas relações de gênero, trabalho e renda.
Autora: Oliveira, Karine de
Orientador: Tavares, Edgilson
Email: [email protected]
Twitter: twitter.com/karine_oliveira
Resumo:
A política pública - PP de geração de trabalho e renda na perspectiva da economia solidária – Ecosol, assume contornos diversos daqueles utilizados tradicionalmente, sendo o ponto de partida o diálogo com a sociedade civil através dos seus grupos representativos. Os diálogos, sejam para escuta, para elaboração participativa ou para execução das PPs são condições para a sua implementação. Faz-se importante pontuar, que para além da dimensão econômica, a economia solidária possui a dimensão social, cultural e política. Nesse sentido, o projeto de investigação aqui proposto busca analisar como a Política Pública Economia Solidária afetam nas relações de gênero dentro dos empreendimentos apoiados, de modo a contribuir na percepção e reposicionamento do papel da mulher em atividades laborais socialmente demarcadas pelo gênero.
Palavras-chave: Política Pública; Economia Solidária; Interseccionalidade; Gênero; Raça; Liberdades.
Nota biográfica: Mestranda em Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Especialista em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes, graduada em Secretariado Executivo pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente atua como coordenadora III no programa de inclusão socioprodutiva e gerencia o projeto Pró-catador na Superintendência de Economia Solidária do Estado da Bahia/Brasil
Problematização
A organização das práticas que deram início a economia solidária no Brasil se situa
ainda nos anos 1980, quando seguidores da Teologia da Libertação, atuantes da Cáritas
Brasileira, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
criaram o programa Projetos Alternativos Comunitários, que, por meio de processos
formativos promovia a inclusão produtiva e econômica através do trabalho autônomo
individual ou coletivo. O objetivo principal do programa era a independência das
pessoas beneficiadas de modo que estas passassem a não mais precisar das cestas
básicas e outros auxílios fornecidos pela igreja (Singer, 2002). Estas iniciativas
produtivas com nova forma de sociabilidade passaram a ser organizadas com maior
ênfase na década de 1990, despertando o interesse da academia. O termo economia
solidária passou a ser utilizado no Brasil naquele momento, período em que muitas
iniciativas econômicas de natureza associativa e com práticas de cooperação autogeridas
se tornam objeto de estudo dos pesquisadores que debatiam formas alternativas de
desenvolvimento econômico e social, que não o hegemônico.
Observa-se que as características das experiências pesquisadas possuíam dimensões em
comum, dentre elas a solidariedade e a cooperação, constituindo, portanto, similaridades
de natureza política que contribuíram para o estabelecimento de diálogos teóricos e
metodológicos que permitiram alinhar minimamente as opiniões em torno do novo
conceito alcunhado. A partir deste ponto, foi possível afirmar que a prática da economia
solidária está relacionada a aspectos econômicos, políticos e sociais que:
economicamente se relaciona à crise de desemprego e exclusão socioprodutiva de uma
parcela significativa da sociedade; politicamente tem estreita relação com
enfraquecimento do Estado e carência de políticas públicas socioeconômicas
estruturantes e; socialmente contribui para o aumento da solidariedade entre pares e
incentiva organizações da sociedade civil (FRANÇA, 2002).
A arena política da economia solidária se inaugura somente no ano 2001, quando cerca
de 1500 pessoas, auto declaradas pertencentes ao Movimento de Economia Solidária
participam de forma organizada do 1º Fórum Social Mundial - FSM, em Porto Alegre/
RS. No final de 2002 o Grupo de Trabalho Brasileiro oriundo do FSM elaborou a carta
ao governo do presidente, recém eleito, Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos
Trabalhadores - PT intitulada “Economia Solidária como Estratégia Política de
Desenvolvimento”, o documento de interlocução apresentava as diretrizes gerais da
Economia Solidária e reivindicava a criação de um ministério para a economia
Economia Solidária – informações extraídas do site Cirandas.Net.
Em 2003 uma nova concepção de desenvolvimento orientou a formulação das politicas
públicas no Brasil e estabeleceu a abordagem territorial como uma das principais
estratégias de execução da ação pública direcionada à superação da pobreza e
desenvolvimento econômico, assim, foi estruturado o primeiro planejamento público
que incluiu as dimensões: social; econômica; regional; ambiental; e democrática, numa
perspectiva de atuação em territórios culturais.
Neste novo planejamento, a concepção de gestão foi refletida em três grandes objetivos:
Inclusão Social e Redução das Desigualdades Sociais; Crescimento com geração de
trabalho, emprego e renda; e Promoção e expansão da cidadania com fortalecimento da
democracia. Os objetivos deram origem a 30 desafios, 374 programas e 4.300 ações
(LEI 10.933/2004). A ideia central era potencializar o desenvolvimento de longo prazo
com desconcentração de renda, inclusão social, reequilíbrio regional, etc. Nessa nova
perspectiva, as localidades com maior vulnerabilidade socioeconômica e maior
concentração de pobreza ocuparam posição de centro.
Com objetivo de conduzir a estratégia de desenvolvimento nos territórios foram criadas
no primeiro ano de governo a Secretaria Nacional de Economia Solidaria - Senaes e a
Secretaria de Desenvolvimento Territorial - SDT. Na Bahia, a institucionalização da
economia solidária ocorreu somente em 2007, com a criação da Superintendência de
Economia Solidária - Sesol, como resultado do diálogo do Fórum Baiano de Economia
Solidária com o governador eleito Jaques Wagner, também do Partido dos
Trabalhadores. Alinhado ao Governo Federal e às políticas de territorialização, o
programa de governo adotou a divisão territorial que foi conformada em 2003 pela
Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDA, ampliando os territórios para vinte e seis, considerando a diversidade e o
tamanho do Estado e um longo debate com atores da sociedade civil. Em 2010, o
território do Extremo Sul se dividiu e surgiu o território Costa do Descobrimento,
completando, assim, os vinte e sete territórios atuais (SILVA, 2013).
A adoção dos Territórios de Identidade como estratégia de gestão para o
desenvolvimento integrado do Estado pode ser considerado um avanço para o
planejamento das ação públicaa na Bahia, na medida em que as demandas sociais são
levantadas no local, possibilitando a escuta da sociedade civil e a interlocução destes
com os gestores públicos através das conferencias territoriais. Segundo dados da
Secretaria do Planejamento da Bahia, o primeiro Plano Plurianual Participativo – PPA-P
(2008-2011) teve o intento de assegurar maior diálogo entre Estado e sociedade para a
construção de políticas públicas e mais transparência nas ações do governo. Em 2011,
foi realizada a segunda escuta social do PPA-P (2012-2015), para tanto foram realizadas
reuniões prévias às plenárias do PPA-P em todos os territórios com vistas à
consolidação de uma matriz de propostas estratégicas do território com base nos Planos
Territoriais de Desenvolvimento Sustentável (PTDS). E foi neste contexto participativo
que surge o Programa Vida Melhor: mais renda para quem mais precisa.
O Programa Vida Melhor objetivou em sua criação incluir socioprodutivamente 120 mil
famílias em situação de pobreza, através do trabalho decente, de forma individual ou
coletiva, visando sua emancipação social e econômica, na busca da cidadania
(Programa Vida Melhor/2011), de modo a contribuir para o desenvolvimento dos
territórios. Para a sua execução, ficou definido que as Secretarias com ações finalistas
deveriam implementar projetos e ações que culminassem, até 2015, no alcance das
metas estabelecidas pelo Programa.
Para chegar a este fim, o Programa Vida Melhor atuou através de quatro frentes amplas:
(i) promoção do acesso a políticas públicas, a exemplo de educação, saúde, crédito
adequado, assistência social, dentre outras; (ii)assistência técnica e extensão urbana
para empreendimentos individuais/familiares e associativos; (iii) o fomento das
atividades econômicas; e (iv) a implantação/estruturação de empreendimentos
econômicos solidários (DECRETO Nº 13.167/2011). E para esta última frente coube a
Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte - Setre, operar o programa.
Com o Programa Vida Melhor, a Superintendência de Economia Solidária - Sesol,
adaptou a metodologia de Assistência Técnica Rural - ATER para a prestação do
serviço de assistência técnica às áreas urbanas e rurais não agrícolas. Desse modo,
foram concebidos e implantados os Centros Públicos de Economia, que são
equipamentos multifuncionais que atuam nos territórios de identidade com o objetivo
maior de promover a sustentabilidade dos empreendimentos econômicos populares
solidários mapeados, ofertando um conjunto de assistências que buscam atingir
resultados que compreendam a formação gerencial, técnica e política dos beneficiários
fomentando a construção de outro modelo de desenvolvimento local.
Uma vez implantados dezesseis Centros Públicos de Economia Solidária, atendendo ao
todo vinte e um territórios de identidade, percebe-se que do ponto de vista espacial a
politica pública de Ecosol se fez presente em quase totalidade dos vinte e sete territórios
constituídos. Assim, superada a fase espacial, cabe, a partir de então, um olhar mais
aprofundado no que se refere à percepção das dimensões de atuação as quais a política
de territorialização se propôs efetivamente atuar, a saber: social; econômica; regional;
ambiental; e democrática e se estas refletem os objetivos dessa nova concepção:
Inclusão Social e Redução das Desigualdades Sociais; Crescimento com geração de
trabalho, emprego e renda; e Promoção e expansão da cidadania com fortalecimento da
democracia.
Para a presente proposta de investigação, compreendendo que o tempo destinado à
pesquisa de mestrado não será suficiente para aprofundar todas as dimensões citadas
com os respectivos objetivos, estabeleceu-se como dimensões investigativas a social, a
regional e a democrática. Os marcadores sociais utilizados serão gênero, raça, ocupação
(trabalho remunerado) e classe, visto que em primeira leitura documental evidenciou-se
que os grupos de economia solidária atendidos pelos Cesols são formados em sua
maioria por mulheres, negras em situação de fragilidade social submetida a condições
precárias de trabalho.
Nesse sentido, uma primeira informação importante acerca do lugar da mulher na nossa
sociedade é trazida pelo Censo 2010, de acordo com os resultados publicados 51,3% da
população brasileira é constituída por mulheres, na Bahia esse percentual é de 51%,
cerca de 7,1 milhões de mulheres, considerando uma população de
14.016.906 habitantes. A cor/raça predominante na Bahia é de 59% de pardos, 22% de
brancos e 17% de pretos. Aqui a categoria negra será construída a partir das categorias
preta e parda, assim, temos no Estado 76% da população negra (IBGE, 2010).
Focalizando a análise no nosso lócus de pesquisa, o Estado da Bahia, para posterior
recorte territorial, segundo o Dossiê Mulheres Negras (IPEA/2013), em 2009, do total
de mulheres do Estado, cerca de 76% eram de negras e cerca de 23% brancas. As
mulheres representam 52,4% da população de Salvador, capital da Bahia, destas 81,9%
são negras, 43,5% são chefes de família (média superior à nacional – 33%), sendo estas
as que apresentam inserção mais vulnerável no mercado de trabalho: recebem os
salários menores que os dos homens, sejam eles brancos ou negros (PNAD, 2007).
As taxas de desemprego feminino na Região Metropolitana de Salvador – RMS é de
25,3% (Dieese – março/2008) sendo maior que as dos homens, 18,4,%. De modo geral,
persiste em Salvador um elevado percentual de trabalho não formalizado, estando às
mulheres mais vulneráveis às ocupações sem proteção e direitos trabalhistas. Na RMS
há um predomínio das mulheres em situações de trabalho vulnerável, entre as mulheres
ocupadas, apenas 37,8% tinham carteira de trabalho assinada.
Com base na Pesquisa Mensal de Emprego – feita pelo IBGE, realizada em seis capitais
brasileiras, 2005, Salvador apresenta uma diferença significativa entre a remuneração
média das mulheres brancas, 4,6 salários mínimos, e o das mulheres negras, 1,9 salário
mínimo. Além de ficar evidenciado que o trabalho doméstico é a principal forma de
inserção no mercado de trabalho das mulheres negras, representando 22% em Salvador
(Dossiê Mulheres Negras- IPEA/2013).
Em resposta a situação apresentada, observa-se que outras formas de geração de renda
se apresentam como alternativa de sobrevivência para as mulheres, sobretudo para as
negras, muitas delas, em uma observação geral, ocupam as ruas da cidade de Salvador
para o exercício de atividades econômicas.
E é a partir desse ponto que a discussão se aproxima da economia solidária.
Considerando a ocupação informal e a proeminência de atividades econômicas
populares solidárias, alguns dados foram analisados a luz das informações disponíveis
em mapeamentos realizados pelos Centros Públicos de Economia Solidária, assim, foi
possível chegar aos seguintes dados: 2.031 empreendimentos cadastrados, destes 59,3%
urbanos, 27% rurais e 12,8% não informaram; quanto ao gênero dos beneficiados, 67%
mulher, 31% homens, 2% não informaram. Se aplicado o percentual de mulheres negras
em Salvador, é possível inferir que cerca de 80% dessas empreendedoras são negras.
Quanto à atividade produtiva 42,5% produção (indústria, artesanato, confecções), 21,2%
comercialização ou organização da comercialização, 6,8% prestação de serviços
(alimentação, consultoria, limpeza, serviços gerais, reciclagem) 3,9 % extrativismo
(pesca, silvicultura, exploração florestal, mineração), 3,9% agroindústria
(processamento e beneficiamento de frutas e semoventes) e 21,7 outros.
De posse dos dados apresentados, chegamos às primeiras indagações da investigação: a
Política Pública Economia Solidária - Cesol, a partir das suas estratégias de ação,
afetam nas relações de gênero dentro dos empreendimentos apoiados? E ao
problematizar gênero, de quais mulheres estamos falando e quais intersecções podem
ser estabelecidas? Assim, os demarcadores gênero e raça se apresentam como as
principais variáveis desta pesquisa.
Seguindo para o marcador ocupação remunerada, refletiremos sobre as formas de
ocupação e sua relação com a remuneração/raça/classe, a relação desta com o espaço
doméstico e a capacidade de promoção do exercício das liberdades, nesse sentido,
debruçaremos o olhar sobre os processos formativos promovidos pelos Cesols.
Assim, o principal objetivo desta pesquisa é verificar se as ações dos Centros Públicos
de Economia Solidária contribuem na percepção e reposicionamento do papel da mulher
em atividades laborais socialmente demarcadas pelo gênero. Não obstante a isso,
buscar-se-á, também, como objetivos específicos, verificar se as os processos
formativos dos Cesol contribuem para o empoderamento das mulheres estimulando o
exercício das liberdades individuais; verificar se há conflitos de gênero e raça existentes
nos grupos produtivos e se estes são percebidos pelos beneficiários e abordados no
âmbito da execução da politica de economia solidária; e por fim verificar junto aos
gestores da política como a proposta de desenvolvimento territorial executada pelos
Centros Públicos dialoga com os conceitos de gênero e raça.
Quadro teórico e a metodologia utilizada
De inicio, e entendendo que se trata a investigação da análise de uma politica pública de
desenvolvimento territorial, neste caso a política pública de economia solidária, na
perspectiva da interseccioncalidade gênero e raça, tendo por campo empírico as ações
formativas para o exercício das liberdades ofertadas pelos Centros Públicos, alguns
conceitos precisarão ser demarcados para que não haja conflito metodológico durante o
seu percurso, assim, serão abordadas as teorias de Estado, Democracia, Liberdades,
Economia Solidária, Interseccionalidade, Desenvolvimento Territórial e Políticas
Públicas.
De acordo com a abordagem sociológica clássica o Estado é um agente de controle
social com capacidade de regulação de certos aspectos da vida social, assim o ponto de
partida será a releitura da construção teórica de Estado classista em Marx “Estado não é
mais do que a forma de organização que os burgueses necessariamente adotam, tanto no
interior como no exterior, para garantir recíproca de sua propriedade e de seus
interesses” (MARX, 2007), seguido da leitura do Estado organizador da vida social em
Durkheim “a assegurar a individuação mais completa que o estado social permita.
Longe de ser o tirano do indivíduo, ele é quem resgata o indivíduo da sociedade”
(DURKHEIM, 2002) e Estado racional em Weber “relação de dominação de homens
sobre homens” (WEBER), para a problematização destes conceitos será utilizado a
teoria da duvida de John Dewey.
De acordo com uma tradição, que alega derivar-se de Aristóteles, o Estado é vida associada e harmonizada elevada à sua mais alta potência: o Estado é, simultaneamente, a base do arco social e o arco na sua totalidade. De acordo com outra concepção, o Estado é apenas uma de muitas instituições sociais, tendo uma função limitada, porém importante, de árbitro no conflito entre outras unidades sociais. Cada grupo surge e percebe um interesse humano positivo: a igreja, os valores religiosos; as associações, sindicatos e corporações, os interesses econômicos materiais, e assim por diante. O Estado, no
entanto, não tem um interesse próprio; o seu propósito é formal, como o do regente da orquestra, que não toca instrumento algum e não faz música, mas que serve para manter os outros participantes, os quais produzem música, em uníssono uns com os outros. Há ainda uma terceira concepção, que toma o Estado como opressão organizada, simultaneamente uma excrescência social, um parasita e um tirano. Uma quarta concepção diz que o Estado é um instrumento meio canhestro, feito para impedir que as pessoas disputem muito umas com as outras. (Dewey, 1927).
Após a conceituação de Estado, será necessário, por conseguinte, abordar os conceitos
de Democracia e participação e só em seguida definir as liberdades segundo Amartya
Sen. Para inicio desse debate, ainda que em determinados momentos se evoque os ideais
gregos, o ponto de partida será Dahl, este, ao discorrer sobre as sociedades democráticas
faz uma distinção entre sistemas políticos ideais e reais e expõe seus requisitos.
Considera que a democracia ideal é inalcançável, mas que seu arquétipo é necessário
para classificar e avaliar os sistemas políticos reais. Para o autor as instituições políticas
básicas de governo representativo em uma democracia moderna deveriam guardar em si
os pressupostos de que todos os seus cidadãos adultos fossem dotados de direitos
fundamentais, liberdades e oportunidades.
Desse modo, tanto na concepção ideal como na real a democracia requer para si um
sistema de direitos, liberdades e oportunidade, sendo estas as condições para a
existência de um governo democrático no mundo real. Para o diálogo com Dahl será
trazida a definição de democracia participativa de Bobbio (2000):
O único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente. (Bobbio, 2000).
Descrevendo de forma genérica a democracia participativa é aquela em que as decisões
políticas são tomadas por representantes eleitos (Bobbio, 2000). Desse modo, o poder
decisório do Estado, a priori, é conferido aos eleitos através do sufrágio. Assim,
chegaremos ao modelo democrático brasileiro, onde sufrágio é o principal argumento
para a definição de Estado democrático e a reafirmação, por conseguinte, que a
democracia esta presente nas instituições políticas do país.
A partir da participação política, dar-se-á inicio as considerações do direito às
liberdades, e, em que pese às criticas a Amartya Sen quando este ignora a existência da
relação de poder, comprometendo a sua ideia de “poder transformador do indivíduo”, a
discussão acerca dessas liberdades é interessante ao dialogarmos participação
democrática e economia solidária. Partindo da premissa de que os principais
empreendedores da Ecosol são aqueles economicamente vulneráveis, e, portanto,
alijados dos processos formais de educação e de acesso a bens culturais, considera-se
que o exercício democrático desse grupo de pessoas seja igualmente fragilizado.
Nesse sentido os processos formativos no bojo da economia solidaria podem contribuir
para a formação política e cidadã dos empreendedores associados/ cooperativados
proporcionando a emancipação política e consequente participação qualificada nos
processos democráticos.
Do ponto de vista político, a economia solidaria é definida como:
“um movimento social, que luta pela mudança da sociedade, por uma forma diferente de desenvolvimento, que não seja baseado nas grandes empresas, mas sim um desenvolvimento para as pessoas, construído pela população a partir dos valores da solidariedade, da democracia, da cooperação, da preservação ambiental e dos direitos humanos. (FBES, 2011).
A economia solidária entende o trabalho como um vetor para o estímulo as práticas
formativas para a construção de conhecimentos que levam a outras relações sociais.
Conceitualmente, Singer (2000), França Filho (1999), e Coraggio (2000), sintetizam a
Ecosol como o conjunto de práticas econômicas baseadas na solidariedade, coletividade
e autogestão, que nas franjas do capitalismo, se apresenta como uma alternativa de
trabalho e renda para uma parcela significativa da sociedade que se encontra excluída
do emprego formal.
Fazendo uma breve análise do Atlas Digital de Ecosol, resultado do mapeamento
realizado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (2013), é possível constatar
que grande parte das pessoas que se agrupam em torno dos empreendimentos produtivos
de economia solidária o faz em função da renda, seja por estar fora do mercado de
trabalho ou para complementação salarial. A pesquisa feita pela Senaes entrevistou
19.708 empreendedores econômicos solidários em todo o Brasil e cada um pode
assinalar até três das alternativas ofertadas, sendo as mais citadas “o complemento da
renda”, com 9.624 incidências, a “alternativa ao emprego”, com 9.106 indicações e
8.471 para “obtenção de maiores ganhos em um empreendimento associativo”.
Evidenciando-se, portanto, que em termos práticos, o crescimento do desemprego aliado
às transformações ocorridas no mercado de trabalho, sendo estas relacionadas aos
avanços tecnológicos e alterações no mercado produtivo, impulsiona o crescimento de
modalidades alternativas de ocupação e geração de renda. Nesse sentido, os grupos
produtivos econômicos solidários se configuram como formas alternativas e com
capacidade de absorver essa grande massa de trabalhadoras e trabalhadores excluídos.
Retomando os dados acerca da participação das mulheres nos empreendimentos de
economia solidária e os dados do mapeamento apresentados pela Senaes, torna-se
manifesta a relação de vulnerabilidade social com renda/gênero, exclusão do mercado
de trabalho/gênero. Ao adicionarmos a variável raça a vulnerabilidade se aprofunda,
sendo necessária a relação classe/gênero e raça.
É nesse sentido que se revela o interesse da presente investigação: problematizar estes
fenômenos sociais relacionando-os a teoria da interseccionalidade. Para tanto, serão
utilizada as autoras Kimberlé Crenshaw, Ângela Davis, Djamilia Ribeiro e Carla
Akotirene, todas estas pesquisadoras da temática.
Uma vez revelada à posição das mulheres atuantes na economia solidária e suas
fragilidades demarcadas a partir das variáveis gênero, classe, ocupação e raça, as
doutrinas acima apresentadas serão por fim alinhavadas às teorias de politicas públicas e
desenvolvimento territorial. Para tanto serão utilizada a abordagem das “arenas
políticas” desenvolvidas por Theodore LOWI (1964, 1972) e “arenas públicas”
formuladas por Dewey (1929).
Ainda no campo das políticas públicas, serão estudadas Celina Souza e Maria das
Graças Ruas. Para abordar desenvolvimento territorial a concepção de território
utilizada será a de espaço dinâmico, de construção social, produtor de conflitos e
disputas em torno do espaço construído pela ação das classes sociais em seu processo de
reprodução histórica (BRANDÃO, 2005), buscando a articulação desta abordagem com
o pensamento de Celso Furtado para a definição de desenvolvimento e
subdesenvolvimento.
Para chegar a tal intento, a disciplina de metodologia, cursada no presente semestre,
contribuiu para a reflexão acerca do percurso metodológico a ser construído. De início
foi muito importante compreender o local e papel de pesquisadora neste percurso, e esta
compreensão perpassa por reconhecer a parcialidade do “pesquisador”. Entender que
somos parte da estrutura e que esta afeta uma possível imparcialidade proporciona que
observemos os fenômenos de forma mais crítica e dialógica, visto que o nosso olhar está
impregnado de pré-noções socialmente construídas.
Assim, a escolha pelos marcadores gênero e raça para a pesquisa foi resultado deste
entendimento, a perspectiva da investigação se revelou no meu interesse por estudar
aquilo que me constitui enquanto ser humano: mulher e negra.
Dito isto, o passo seguinte foi entender as possibilidades metodológicas para a
concretização da pesquisa, por pressuposto, a abordagem qualitativa para a pesquisa
social apresenta-se como a mais adequada, de acordo com Flick (2004):
A relevância específica da pesquisa qualitativa para o estudo das relações sociais deve-se ao fato da pluralização das esferas da vida. Expressões chave para essa pluralização são a “nova obscuridade” (Haberans, 1996), a crescente “individualização das formas de vida e dos padrões geográficos” (Beck, 1992) e a dissolução de “velhas” desigualdades sociais dentro da nova diversidade de ambientes, subculturas, estilos e formas de vida (Hradil,1992). Essa pluralização exige uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões. Os defensores do pós-modernismo argumentam que a era das grandes narrativas e teorias chegou ao final: as narrativas agora devem ser limitadas em termos locais, temporais e situacionais. Quanto a pluralização de estilos de vida e de padrões de interpretação da sociedade moderna e pós-moderna, a afirmação de Herbert Blumer ganha novamente relevância assumindo novas implicações: “A
postura inicial do cientista social e do psicólogo quase sempre carece de familiaridade com o que de fato ocorre na esfera da vida que ele se propõe estudar. (Flick, 2004)
Assim, entendendo a pluralização das esferas da vida, não cabe mais ao pesquisador
social estabelecer como ponto de partida a pesquisa quantitativa, pois esta apresenta
limites para a apreensão dos elementos subjetivos constituintes da vida humana,
Entretanto, ao privilegiar a abordagem qualitativa, não se deve desprezar a quantitativa.
Ainda segundo Flick (2004) por tradição, os cientistas sociais adotam como modelo a
exatidão das ciências naturais em suas pesquisas, priorizando os métodos quantitativos e
padronizados, desse modo, o planejamento da pesquisa é organizado para isolar causas e
efeitos, este é feito para excluir a influência do pesquisador ao máximo. Necessário
atentar que a abordagem exclusivamente quantitativa busca a objetividade, e a
objetividade se sobrepõe a subjetividade, não sendo interessante para a pesquisa social.
Assim, tratando-se desta uma pesquisa que busca, a partir da observação das práticas e
das vozes dos participantes, perceber a interseccionalidade nos ambientes laborais dos
empreendimentos de economia solidária e como as políticas públicas fomentam ou não
essa agenda, a dimensão subjetiva não pode ser abafada.
Desse modo, a defesa em ter como partida a pesquisa qualitativa se justifica pelo fato
desta observar os fenômenos no seu acontecer natural, sem estabelecer, a princípio,
categorias de análises, quantificação ou mensuração destes fenômenos, enfatizando a
subjetividade importante à pesquisa social. É então no percurso da pesquisa que se
revela os caminhos a serem percorridos, as técnicas a serem abordadas e quais
ferramentas que melhor se adequarão para o alcance do objetivo.
Importante pontuar que não se adota aqui a subjetividade como único instrumento de
conhecimento, sendo as teorias importantes para a consolidação do processo de
pesquisa, sendo este o grande desafio posto para a realização do estudo sugerido. Nesse
sentido, é necessário o domínio das posições históricas das teorias das ciências sociais e
como relaciona-las com a realidade pesquisada, escolher os autores com base naquilo
que eles podem contribuir para a pesquisa.
Um cuidado importante a ser tomado é quanto à proximidade de pesquisadora com o
tema estudado, devendo ficar muito claro em todo o processo que a observação estão
permeadas de ideologias e militância, e que, portanto, há de se tomar precauções para
não se tornar porta-voz do grupo ou fazer com que o resultado da pesquisa tenha caráter
exclusivamente denuncista, como chama a atenção Ruth Cardoso (2004).
Durante a pesquisa, que por tudo já dito será pesquisa participante, buscar-se-á dar voz
aos participantes, lhes conferido posição ativa de modo a não anula-los quando do
momento de análise e de escrita. Durante o processo de pesquisa de campo os conflitos
que surgirem não serão descartados, assim como as negativas não serão interpretadas
como limitadores, mas, como oportunidades de “descobrir” o “não dito”.
Por fim, deixo uma citação importante e que pretende balizar a pesquisa: “Aquilo que se
vê depende do lugar em que foi visto e das outras coisas que foram vistas ao mesmo
tempo” (Clifford Gertiz).
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