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DUNAS DO PASSADO – DUNAS DO PRESENTE V Encontro de Professores de Geociências do Alentejo e Algarve Delminda Moura 1 Dunas- o que são e como se formam Dunas eólicas são, como o próprio nome designa, acumulações eólicas. Isto é, a sua morfogénese está intrinsecamente associada aos processos de erosão, transporte e acumulação promovidos pelo vento. Existem formas semelhantes associadas a processos hidráulicos e por isso designadas por dunas hidráulicas. Como a presente visita de estudo se realiza em dunas eólicas, elas serão designadas simplesmente por dunas, no presente guião. São poucos os requisitos para a génese de corpos dunares: o vento e a disponibilidade de sedimento. Deste modo, as dunas são as geoformas mais comuns na superfície do planeta e 85% das dunas encontram-se nos desertos onde podem cobrir áreas superiores a 32 000 km 2 . Porém, para que o sedimento possa ser soprado pelo vento, este deve ter: (i) energia suficiente para erodir e transportar as partículas sedimentares, (ii) constância, isto é deve soprar ao longo de todo o ano durante períodos temporais alargados e não apenas em sopros episódicos e (iii) espaço para erodir e transportar o sedimento - fetch eólico, à semelhança de um avião que necessita de uma pista para poder adquirir velocidade antes de levantar voo. Ainda, só o sedimento seco está disponível para ser erodido e transportado e a superfície deverá estar desprovida de vegetação ou pouco vegetada. O vento é um agente de transporte extremamente selectivo, muito mais que a água, pois é menos denso e menos viscoso, pelo que, apenas transporta em suspensão partículas muito finas (exceptuam-se os eventos extremos). A vegetação e a rugosidade da superfície reduzem a velocidade do vento e por isso o transporte eficiente do sedimento. Deste modo, podemos falar em gradiente vertical de velocidade (Fig. 1) e de transporte. Em consequência do gradiente vertical da velocidade do vento, a distribuição vertical do tamanho das partículas sedimentares pode também ser observada numa duna (Fig. 2) Figura 1- Exemplo de um perfil vertical da velocidade do vento Velocidade do vento (m s -1 ) Altura acima da superfície (m)

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DUNAS DO PASSADO – DUNAS DO PRESENTE V Encontro de Professores de Geociências do Alentejo e Algarve

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Dunas- o que são e como se formam

Dunas eólicas são, como o próprio nome designa, acumulações eólicas. Isto é, a sua

morfogénese está intrinsecamente associada aos processos de erosão, transporte e acumulação

promovidos pelo vento. Existem formas semelhantes associadas a processos hidráulicos e por isso

designadas por dunas hidráulicas. Como a presente visita de estudo se realiza em dunas eólicas, elas

serão designadas simplesmente por dunas, no presente guião. São poucos os requisitos para a génese de

corpos dunares: o vento e a disponibilidade de sedimento. Deste modo, as dunas são as geoformas mais

comuns na superfície do planeta e 85% das dunas encontram-se nos desertos onde podem cobrir áreas

superiores a 32 000 km2.

Porém, para que o sedimento possa ser soprado pelo vento, este deve ter: (i) energia suficiente

para erodir e transportar as partículas sedimentares, (ii) constância, isto é deve soprar ao longo de todo

o ano durante períodos temporais alargados e não apenas em sopros episódicos e (iii) espaço para

erodir e transportar o sedimento - fetch eólico, à semelhança de um avião que necessita de uma pista

para poder adquirir velocidade antes de levantar voo. Ainda, só o sedimento seco está disponível para

ser erodido e transportado e a superfície deverá estar desprovida de vegetação ou pouco vegetada. O

vento é um agente de transporte extremamente selectivo, muito mais que a água, pois é menos denso e

menos viscoso, pelo que, apenas transporta em suspensão partículas muito finas (exceptuam-se os

eventos extremos). A vegetação e a rugosidade da superfície reduzem a velocidade do vento e por isso

o transporte eficiente do sedimento. Deste modo, podemos falar em gradiente vertical de velocidade

(Fig. 1) e de transporte. Em consequência do gradiente vertical da velocidade do vento, a distribuição

vertical do tamanho das partículas sedimentares pode também ser observada numa duna (Fig. 2)

Figura 1- Exemplo de um perfil vertical da velocidade do vento

Velocidade do vento (m s-1)

Altu

ra a

cim

a da

supe

rfíc

ie (m

)

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Figura 2- Distribuição das populações sedimentares numa duna. Os sedimentos mais pesados são transportados em saltação e distribuem-se na base da duna, enquanto que, no topo se distribuem as partículas mais finas transportadas em suspensão (Arens et al., 2002)

Tipos de dunas

A forma das dunas depende da quantidade de sedimento disponível, da direcção e da

constância da direcção do vento (Figs. 3 e 4).

Figura 3- Principais tipos de dunas

Pré duna

Sedimento transportado em suspensão

Sedimento transportado em saltação

Praia

vento

Aumento da densidade de vegetação

Dunas transversais

Dunas transversas

Dunas parabólicas Dunas barcânicas

Dunas longitudinais

Dunas em estrela

Legenda: Direcção do vento Lado barlavento da duna Lado sotavento da duna

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Figura 4- Tipos de dunas em função do vento e do sedimento disponível (adaptado de Summerfield, 1991)

As zonas costeiras arenosas são um exemplo de ambiente geológico propício à formação de

dunas: (i) possuem sedimento disponível para ser erodido e transportado pelo vento, (ii) o vento que

sopra do mar para o continente tem geralmente a constância exigida para formar dunas. Porém, um

outro parâmetro deve também ser tomado em conta: Fetch eólico. Quer dizer que, para que se formem

dunas é necessário que a largura da praia seja suficiente para garantir o limite mínimo do fetch eólico

(Fig. 5). Assim, se a largura de uma praia for reduzida, o fetch eólico poderá deixar de ser o suficiente

para manter o campo dunar em formação.

A largura da praia depende do fornecimento sedimentar quer do continente através das

ribeiras que drenam para a costa, quer do oceano através de correntes transversais e longilitorais e

ainda do nível médio relativo do mar (nmrm).

A variação do nmrm tem dois efeitos:

(i) Durante as transgressões a linha de costa migra para o continente e os ambientes

geológicos migram também neste sentido. Pelo contrário, durante as regressões, a linha de costa migra

para o oceano e formam-se vastos campos de deflacção eólica sobre a plataforma continental emersa.

Adicionalmente, durante os períodos climáticos frios a clima é geralmente seco o que favorece a

formação das dunas.

(ii) altera o nível de base das bacias de drenagem. Durante as transgressões as redes de

drenagem perdem eficácia no transporte, enquanto que durante as regressões rejuvenescem e a

capacidade de erosão e de transporte sedimentar aumenta.

Diminuição da variabilidade na direcção do vento

unidireccional multidireccional

0

10

20

23

40

50 E

spes

sura

de

arei

a (m

)

Barcânica

Transversa

Estrela

longitudinal

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Figura 5- Relação entre fetch eólico e largura da praia

Variações do nível do mar durante o último ciclo glacial-interglacial

Entre os 110000 anos e os 10 000 anos, o clima foi principalmente frio no Hemisfério Norte

tendo-se verificado a acumulação de grandes volumes de gelo sobre as massa continentais. Em

consequência deste sequestro da água na forma de gelo, o nível médio relativo do mar (nmrm) foi mais

baixo que o presente. Entre os 60 000 e os 27 000 anos na margem ibérica atlântica, o nmrm

localizava-se a -60 m relativamente ao nível actual (Yokoyama et al., 2001). Porém, neste período

climático frio, o evento com condições frias mais extremadas ocorreu há cerca de 18 000 anos e ficou

conhecido como o Último Máximo Glacial (UMG). No UMG o nmrm desceu para cotas entre -140 e -

120 m abaixo da cota actual (Faure et al., 2002). Deste modo, atendendo a que o limite externo da

plataforma continental se encontra entre os -120 e os -140 m na margem ibérica, significa que

praticamente toda a plataforma continental na margem ibérica se encontrava emersa (Moura et al.,

2010).

Cos α = AC / AB AC- largura da praia AB- fetch eólico

B C

A

B

C

A

B C

A

DUNAS

DUNAS

DUNAS

OCEANO

OCEANO OCEANO

PRAIA PRAIA PRAIA

A) B) C)

α α α

Legenda: Direcção do vento AB- Fetch eólico AC- Largura da praia

A) a largura da praia assegura o limite minimo para o fetch eólico B) a largura da praia é superior ao limite minimo para o fetch eólico C) a largura da praia é inferior ao limite minimo para o fetch eólico

regressão trangressão

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Estas “novas” porções continentais emergidas estiveram expostas aos agentes da geodinâmica

externa, foram atravessadas pelos vales fluviais que se dirigiam para o mar e, no caso da margem

ibérica, povoadas por estepe ocasionalmente com manchas de floresta (Ray e Adams, 2001). Em

consequência da aridez e do baixo nível do mar, os níveis freáticos rebaixaram e foi na plataforma

continental emersa que a disponibilidade de água doce existiu em maior quantidade dando origem aos

designados oásis costeiros (Faure et al., 2002). A aridez, os ventos fortes e constantes e a escassez de

vegetação associada às vastas superfícies de deflacção eólica favoreceram a formação de dunas.

Após o UMG o sistema climático evoluiu para climas mais amenos e a água resultante da

fusão do gelo bloqueado sobre as massas começou a inundar as plataformas continentais anteriormente

expostas. Entre os 16 e os 13 ka, o nmrm estabilizou a -100 m (Ruddiman e McIntyre, 1981). Aos 11.5

ka ocorreu um novo evento climático frio (Younger Dryas) e o nmrm estava já a -40 m. À medida que

o nível do mar ia subindo, todos os ambientes geológicos se deslocaram para o continente. As dunas

iam sendo erodidas e o sedimentos mobilizados geravam novas acumulações cada vez mais para o

continente – migração das dunas. Com o início do Holocénico (10 ka), as condições de interglacial

instalaram-se e o nmrm subiu a taxas elevadíssimas de 0.9 m por século (3 vezes maior que

presentemente) até cerca dos 6 ka quando se verificou a máxima inundação das plataformas

continentais. Cerca dos 6500 anos, o nível do mar atingiu cotas de -15 a -20 m. A partir deste

momento, a subida do nmrm passou a ser mais lenta, cerca de 0.25 m por século e cerca dos 5 ka o

nmrm atingiu cota semelhante ou mais alta que a presente (Boski et al., 2002; Moura et al., 2007).

A Baía de Armação de Pêra

A Baía de Armação de Pêra pode considerar-se como sendo uma célula litoral atendendo ao

seu contexto geomorfológico. Uma célula litoral é um sector costeiro que contém todas as fases de um

ciclo sedimentar (erosão, transporte e deposição) e é relativamente independente dos sectores

adjacentes. Limitada por dois cabos rochosos recebe pouco contributo sedimentar dos sectores

costeiros adjacentes a W e a E (Fig. 6). O principal contributo sedimentar é o das duas ribeiras de

Alcantarilha e de Espiche respectivamente a W e a E, que limitam as dunas desenvolvidas entre as suas

desembocaduras (Fig. 7). Quando a acumulação de sedimentos predomina sobre a erosão, a célula

litoral tem balanço sedimentar positivo e, quando pelo contrário predomina a erosão diz-se de balanço

sedimentar negativo negativo. Ao longo do Holocénico, a célula litoral de Armação de Pêra

comportou-se alternadamente como positiva ou negativa, sendo o balanço sedimentar muito

dependente do influxo sedimentar fluvial (Moura et al., 2007):

(1) 8 800 – 6 600 anos- formação de dunas favorecida por um evento climático árido e por

uma área de deflação suficientemente vasta para permitir a mobilização dos grãos de areia (Fig. 5A);

(2): 5 000 anos- estabilização das dunas quando a praia foi demasiado estreita para garantir o

fornecimento sedimentar, pois a linha de costa situava-se numa posição muito semelhante à presente

(Fig. 5 C);

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(3) 3 200 anos – ocorreu um recuo da linha de costa devido ao aumento da carga sedimentar

transportada pelas ribeiras, cujas causas podem ter sido ou naturais (um evento climático húmido) ou

antrópicas (desflorestação). Gerou-se então uma nova acumulação que cobriu parcialmente as dunas

antigas já consolidadas –aeolianitos (Fig. 8).

(4) Presente- Face à continuada subida do nmrm a praia tem dificuldade em garantir o fetch

eólico mínimo para o transporte da areia e por isso das dunas. Deste modo, as dunas estão

relativamente estáveis e com cobertura vegetal significativa.

Figura 6- Posição protegida da Baía de Armação de Pêra relativamente às ondas predominantes de WSW. Imagem produzida no programa Mirone (Luís, 2007).

Figura 7- Vista aérea dos estuários das ribeiras de Alcantarilha e de Espiche (Lagoa dos Salgados)

Direcção predominante das ondas (71% do

ano)

Baía de Armação de Pêra

batimétrica dos -120 m

batimétrica dos -20 m

Linha de costa actual

Paleo linha de costa

Ribeira de Alcantarilha

Ribeira de Espiche

Campo dunar

Campo dunar

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Figura 8- A) Visão de uma parte do campo dunar, B) Pormenor de um afloramento de aeolianito

Agradecimento Agradeço ao meu colega Óscar Ferreira que teve a paciência de ler e sugerir alterações.

Referências Arens, S.M., Van Boxel, J.H., Abuodha, J.O.Z., 2002. Changes in grain size of sand in

transport over a foredune. Earth Surface Processes and Landforms, 27, 1163-1175.

Boski, T., Moura, D., Veiga-Pires, C., Camacho, S., Duarte, D., Scott, D., Fernandes, S.G., 2002. Postglacial sea-level rise and sedimentary response in the Guadiana Estuary, Portugal/Spain border. Sedimentary Geology, 150, 103-122.

Faure, H., Walter, R.C., Grant, D.R., 2002. The coastal oasis: ice age springs on emerged continental shelves. Global and Planetary Change, 33, 47-56.

Luis, J.M.F., 2007. Mirone: A multi-purpose tool for exploring grid data. Computers & Geosciences, 33, 31-41.

Moura, D., Veiga-Pires, C., Albardeiro, l., Boski, T., Rodrigues, A.L., Tareco, H. (2007). Holocene sea level fluctuations and coastal evolution in the central Algarve (southern Portugal). Marine Geology, 237, 127-14.

Moura, D, Bicho, N. , Gabriel, S. , Infantini, L. , Gomes, A. , 2010. Iberian Atlantic Shelf – Last Glacial Period to the Present: A contribute to Cost Action TD0902: SPLASCOS, WG 2 (Environmental data and interpretation)

Ray, N., Adams, J.M., 2001. A GIS-based vegetation map of the world at the Last Glacial maximum (25,000-15,000 BP). Internet Archaeology 11 (http://intarch.ac.uk/joirnal/isuue11/rayadams_toc.html).

Ruddiman, W.F., McIntyre, A., 1981. The North Atlantic ocean during the last glaciation. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, 35, 145-214.

Yokoyama, Y., Esat, T.M., Lambeck, K., 2001. Last Glacial sea-level change deduced from uplift coral terraces of Huon Peninsula, papua New Guinea. Quaternary International, 83-85, 275-283.

Afloramentos de aeolianito

Duna recente