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Entrevista do Mês - Roberto Barcellos Revista AG - Qual a sua opinião sobre a qualidade da carne produzi- da e exportada pelo Brasil? Roberto Barcellos – O Brasil é um produtor e exportador de commodity, cuja carne é proveniente, em sua maio- ria, pelo abate de animais produzidos em pastagens, animais não castrados, com idade intermediária e com baixos níveis de gordura. Ao longo dos últimos dez anos, através dos investimentos em genética, nutrição e sanidade, po- demos dizer que os animais produ- zidos no Brasil diminuíram a idade de abate, aumentaram o peso final e diminuíram, consideravelmente, seus níveis de gordura corporal. Os frigoríficos exportadores caracteri- zam-se por uma excelente qualidade industrial e por baixa qualidade de matéria-prima. Os importadores da carne brasileira caracterizam-se por privilegiar mais os preços baixos do que a qualidade e padronização da carne bovina. Revista AG - Aliás, o Boi Verde ainda será o foco do Brasil, conti- nuando a ofertar carne de boi cria- do a pasto? Roberto Barcellos – Sim, os sis- temas de produção no Brasil, em sua maioria, caracterizam-se por produ- Ao passo que o mundo urge por uma carne premium, o Brasil surge como o único país em condições de suprir esse exigente mercado e ainda continuar com o seu maior diferencial: o Boi Verde, nosso gado criado a pasto e de baixo custo. Quem fala mais sobre essa tendência é Roberto Barcellos, da Beef & Veal Consultoria. Adilson Rodrigues [email protected] É carne bovina? É boi verde! Divulgação

É carne bovina? É boi verde! - beefveal.com.brbeefveal.com.br/wp-content/uploads/2014/10/Entrevista-AG-181.pdf · indústria é ter animais disponíveis para abate. A questão da

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Entrevista do Mês - Roberto Barcellos

Revista AG - Qual a sua opinião sobre a qualidade da carne produzi-da e exportada pelo Brasil?

Roberto Barcellos – O Brasil é um produtor e exportador de commodity, cuja carne é proveniente, em sua maio-ria, pelo abate de animais produzidos em pastagens, animais não castrados, com idade intermediária e com baixos níveis de gordura. Ao longo dos últimos dez anos, através dos investimentos em

genética, nutrição e sanidade, po-demos dizer que os animais produ-zidos no Brasil diminuíram a idade de abate, aumentaram o peso final e diminuíram, consideravelmente, seus níveis de gordura corporal. Os frigoríficos exportadores caracteri-zam-se por uma excelente qualidade industrial e por baixa qualidade de matéria-prima. Os importadores da carne brasileira caracterizam-se por

privilegiar mais os preços baixos do que a qualidade e padronização da carne bovina.

Revista AG - Aliás, o Boi Verde ainda será o foco do Brasil, conti-nuando a ofertar carne de boi cria-do a pasto?

Roberto Barcellos – Sim, os sis-temas de produção no Brasil, em sua maioria, caracterizam-se por produ-

Ao passo que o mundo urge por uma carne premium, o Brasil surge como o único país em condições de suprir esse exigente mercado e ainda continuar com o seu maior diferencial: o Boi Verde, nosso gado criado a pasto e de baixo custo. Quem fala mais sobre essa tendência é Roberto Barcellos, da Beef & Veal Consultoria.

Adilson [email protected]

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A prioridade da indústria é ter animais disponíveis para abate. A questão da qualidade ficou em segundo plano. O custo da ociosidade é muito alto. É preferível abater um animal ruim do que ficar sem abater.

zir carne no sistema extensivo.

Revista AG - Você acredita que chegaremos ao nível de qualidade equivalente ao encontrado nos EUA e na Austrália?

Roberto Barcellos – Temos no Brasil projetos pontuais que apresen-tam uma qualidade de carne tão boa ou superior à qualidade dos melhores projetos do mundo todo, mas seus volumes representam menos de 1% da quantidade total de gado abatido. Existe uma forte tendência de cres-cimento desses projetos, mas sempre seremos produtores de commodities.

Revista AG - Para tanto, um sis-tema eficaz de classificação de car-caças é necessário. Se funcionasse o que já existe na legislação, seria possível promover um grande salto qualitativo?

Roberto Barcellos – Já existe classificação de carcaças, mas realizados de acordo com os in-teresses de cada indústria. Os di-ferentes elos da cadeia produtiva brasileira ainda não têm o amadu-recimento necessário para um pro-grama nacional de tipificação de carcaças, que deveria premiar as boas e punir aquelas ruins. Atual-mente, temos mais carcaças ruins do que carcaças boas.

Revista AG - Isso traz à tona aquela velha pergunta que não quer calar: por que esse sistema não avança no Brasil?

Roberto Barcellos – Quem seria o maior beneficiado pela implantação de um sistema de classificação de carcaças? Na te-oria, a resposta deveria ser: toda a cadeia produtiva! Mas na práti-ca a resposta não é tão simples. A indústria, fazendo a classificação interna, recebe e direciona seus melhores animais para seus me-lhores mercados, teoricamente, sem pagar nenhum prêmio por isso. (teoricamente, pois o preço negociado no Brasil estaria baliza-do na média qualidade ou na bai-xa qualidade?). Já o produtor, que na média produz baixa qualidade, aceitaria ver seus animais sendo

de classificação de carcaças, para ser válido, deve ser realizado por uma terceira parte, totalmente indepen-dente.

Revista AG - Hoje, marcas de carne “pipocam” no mercado e cada uma oferece um tipo de boni-ficação em dinheiro aos criadores parceiros. Talvez esse fosse o cami-nho para acelerar o processo?

Roberto Barcellos – Sim, nos programas de carne de qualidade, a classificação de carcaças é funda-mental para garantir padronização.

Revista AG - Independentemente de ser de animal puro ou cruzado, zebuíno ou taurino, quais atributos deve ter a carcaça e a carne consi-deradas de qualidade?

Roberto Barcellos – Na defini-ção de qualidade atual, os melhores animais produzem carcaças pesadas,

são jovens (até 30 meses de ida-de), com boa conformação e bom acabamento (acima de 6 mm de gordura subcutânea)

Revista AG - Uma vez o Pedro de Felício nos disse que a incon-testável preferência dos frigorífi-cos é por bois castrados? O que levou a essa situação?

Roberto Barcellos – A ocio-sidade da indústria frigorífica e também a necessidade de aumen-to de produtividade dos pecuaris-tas levaram a uma migração da produção de animais castrados para animais inteiros. A priorida-de da indústria é ter animais dis-poníveis para abate. A questão da qualidade ficou em segundo pla-no. O custo da ociosidade é muito alto. É preferível abater um ani-mal ruim do que ficar sem abater gado.

Revista AG - Entretanto, para o pecuarista, o animal inteiro é mais oneroso e se exige um perí-odo mais longo para a termina-ção. Qual seria a solução para esse paradigma?

Roberto Barcellos – Progra-mas de premiação que remune-ram com, no mínimo, 10% de so-

penalizados? Qual a porcentagem de consumidores que estariam realmen-te dispostos a pagar mais por um pro-duto melhor? Acredito que estamos iniciando uma nova fase nas relações dentro da cadeia produtiva, através dos programas de qualidade de carne para nichos de mercado, onde a clas-sificação de carcaças é fundamental e isso pode mostrar uma relação de ga-nho entre todos, mas os vejo apenas como iniciativas pontuais.

Revista AG - Concorda que falta incentivo ao pecuarista?

Roberto Barcellos – Não! Atu-almente, pecuaristas que produzem melhor conseguem negociações me-lhores com os frigoríficos.

Revista AG - Este deveria vir di-retamente dos frigoríficos ou da es-fera governamental?

Roberto Barcellos – Um sistema

tinado ao marmoreio. Por que esse seria um caminho viável ao Brasil?

Roberto Barcellos – Essa carac-terística é de um padrão norte-ame-ricano de qualidade, que acabamos importando. É muito caro produzir marmoreio e ficaria restrito a progra-mas específicos de qualidade. O con-sumidor aprendeu esse termo, procu-ra essa característica nos cortes, mas tem um conhecimento superficial sobre sua importância. Em testes de degustação, a grande maioria de con-sumidores não consegue correlacio-nar a carne com diferentes níveis de marmoreio depois do corte assado. A principal característica que o con-sumidor brasileiro quer é maciez e o marmoreio influencia muito pouco nesse quesito.

Revista AG - O país sonha em abastecer mercados exigentes como EUA, Coreia do Sul e Japão.

Excluindo-se os protocolos sa-nitários necessários, a carne marmorizada possibilitaria o ingresso a eles ou isso também é possível com a carne do Boi Verde, que é mais magra?

Roberto Barcellos – É pos-sível que sim. Acredito que, em breve, estaremos exportan-do qualidade, mas em volumes muito pequenos. Seriam proje-tos pontuais, pois, se fizermos isso no Brasil, estaremos indo contra a aptidão do país, que é produzir de forma eficiente e com baixo custo.

Revista AG - Por fim, acre-dita que, no curto prazo, o Bra-sil vai realmente exportar car-ne in natura para os EUA? Da mesma forma que se abririam portas, também representaria algum risco?

Roberto Barcellos – O Bra-sil é um dos únicos países com condições de atender o aumen-to da demanda mundial de car-ne bovina. Temos condição de atender a alta qualidade conhe-cida por eles como carne Prime e na outra ponta, exportaríamos matéria-prima para hambúr-guer.

brepreço do boi castrado em relação ao boi inteiro. Mas este sobrepreço somente remunera a perda de eficiên-cia dos bovinos castrados em relação aos inteiros.

Revista AG - Um boi inteiro é capaz, mesmo que se levasse mais tempo, de produzir uma qualidade de carne equivalente ao do boi cas-trado? O que deveria mudar no ma-nejo e qual seria o tempo de abate?

Roberto Barcellos – Não, nunca. O “estresse” do animal inteiro traz sérios problemas de pH na carcaça, principalmente naqueles mais ve-lhos. Tenho relatos de abates de ani-mais inteiros com 60 a 70% de carca-ças com problemas de pH.

Revista AG - Muitos pecuaristas estão aderindo à imunocastração. Você aprova essa tecnologia? Sabe se a deposição de gordura pode ser afetada negativamente?

Roberto Barcellos – Eu apro-vo o uso da imunocastração desde que seja realizada de forma corre-ta. Imunocastração nada mais é do que um método. Se você castrar um animal com o método conven-cional e não der uma alimentação adequada a ele, a carcaça desse animal apresentará problemas de acabamento. Portanto, a vacina não faz mágica, ela somente castra o animal. Através de um programa alimentar e de manejo (energia x tempo) é que teremos sucesso com a técnica. É comum alguns lotes de animais confinados receberem três doses da vacina para atingir os ob-jetivos preestabelecidos de acaba-mento, mas daí o problema passará a ser comercial, pois acho alto o custo desse protocolo. Por ser uma vacina, noto um comportamento diferente de cada individuo, alguns agem com maior rapidez outros não.

Revista AG - O rebanho dis-forme encontrado no Brasil seria um gargalo para o processo in-dustrial dos frigoríficos?

Roberto Barcellos – A pecu-ária brasileira é muito heterogê-nea. Em um mesmo dia de abate

vemos, machos/fêmeas, castrados/inteiros, animais bem acabados/mal acabados, leves/pesados, jovens/ve-lhos. Isso prejudica a padronização do produto final.

Revista AG - Mesmo partindo da mesma base (zebu), com o reaque-cimento do cruzamento industrial, é possível pensar em padronização no rebanho nacional?

Roberto Barcellos – Não, por-que o cruzamento industrial é uma excelente ferramenta de aumento de produtividade, mas a padronização será dada pelo sistema de produção e não somente pela raça escolhida. Podemos ter grandes variações entre indivíduos da mesma raça. O sistema de produção é tão ou mais importante do que a raça a ser escolhida.

Revista AG - Nos últimos anos, um foco muito grande tem sido des-

Em testes de degustação, a grande maioria dos consumidores não consegue correlacionar a carne com diferentes níveis de marmoreio, depois do corte assado. O consumidor brasileiro quer é maciez e o marmoreio influencia muito pouco neste quesito.