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7169
0.74%
Máquinas De...
Válvulas
2.6%
Carros
Caminhões E Vans
Trator...
Chassis Com...Veículos Peças EAcessórios
1.3%
PeçasParaTurbinasa Gás EMotoresDeReacção
Aeronave
1.8%
AviãoGrande
2.0%
Barcos Diversos EEstruturas Flutuantes
1.2%
Ferro-Ligas
1.5%
Ferro Pré-Fabricados
2.8%
Polpa DeMadeira De Soda OuAo Sulfato
PapelDiversos
Álcoois...
1.2%
De Frutas OuDe ProdutosHortícolas
0.72%
Polietileno
5417
0712
6.3%
Minério DeFerro
Minério De FerroAglomerados
Cobre
1.4%
Minério DeAlumínio
1.6%
Ouro
5.5%
Petróleo Cru
Calçados
1.9%
Milho2.9%
Farelo
11%
Soja
0.65%
Algodão
4.6%
Açúcar
1.2%
AçúcaresRefinados
2.7%
Café
2.4%
Carne De Bovino 0.75%
Carne De...3.4%
Carne De Aves0.87%
Carnes Preparadas...
1.1%
Bovina ECouroEquine
Total: USD 180 B
O que Brasil exportou em 2016?
GEOGRAFIA E TRABALHO NO SÉCULO XXI Vol. 9
(Especial)
Commodities, conflitos territoriais e degradação do trabalho no Brasil
Guilherme Marini PerpetuaAntonio Thomaz Junior
(Orgs.)
EDITORIAL CENTELHA
GEOGRAFIA E TRABALHO NO SÉCULO XXI
COMMODITIES, CONFLITOS TERRITORIAIS E
DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL
VOLUME 9
(Especial)
Presidente Prudente, SP
FCT/UNESP - Campus de Presidente Prudente
2018
Guilherme Marini Perpetua
Antonio Thomaz Junior
(Organizadores)
GEOGRAFIA E TRABALHO NO SÉCULO XXI
COMMODITIES, CONFLITOS TERRITORIAIS E
DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL
VOLUME 9
(Especial)
1ª Edição
Presidente Prudente, SP
FCT/UNESP - Campus de Presidente Prudente
2018
Conselho Editorial
Antônio Cezar Leal
Carlos Alberto Feliciano
Diamantino Pereira
Douglas Santos
Eduardo Schiavone Cardoso
Emília de Rodat Moreira
Giovanni Alves
Ivan Targino Moreira
Marcelo Dornelis Carvalhal
Marcelo Mendonça
Marco Antônio Mitidiero Junior
Maria Aparecida Morais Silva
Maria Franco Garcia
Marildo Menegat
Raul Borges Guimarães
Ricardo Antunes
Ricardo Pires de Paula
Ruy Moreira
Sadi Dal Rosso
Sônia Maria Ribeiro de Souza
Tânia Regina de Luca
Copyright © do Autor, 2018
Apoio técnico: Biblioteca da FCT/UNESP
Coordenação editorial Antonio Thomaz Júnior
Comissão editorial Guilherme Marini Perpetua
José Alves
Karina Furini da Ponte
Diagramação Guilherme Marini Perpetua
Capa Robinzon Piñeros Lizarazo
Todos os direitos reservados ao Grupo de Pesquisa Centro de Estudos de
Geografia do Trabalho (CEGeT) – FCT/UNESP
Rua Roberto Simonsen, nº 305.
Caixa Postal: 467 / CEP: 19060-900
Presidente Prudente, SP
www.fct.unesp.br/ceget
http://www.fct.unesp.br/ceget
SUMÁRIO
Apresentação
................................................................................................6
Capítulo 1. Commoditização do território no Brasil do Século XXI: a
saúde do trabalhador em questão
Guilherme Marini Perpetua e Antonio Thomaz Junior........10
Capítulo 2. Movimento Territorial do Trabalho e Desterreação do
Sujeito/Classe
Antonio Thomaz Junior.........................................................32
Capítulo 3. Os desafios tecnológicos do agrohidronegócio canavieiro
nas regiões administrativas de Presidente Prudente e
Ribeirão Preto
Maria Joseli Barreto e Antonio Thomaz Junior...................75
Capítulo 4. A responsabilidade social empresarial como
territorialidade estratégica do agrohidronegócio da cana-
de-açúcar no Brasil e da palma azeiteira na Colômbia
Robinzon Piñeros Lizarazo e Antonio Thomaz Junior.......108
Capítulo 5. Território, conflito e o Oeste da Bahia
Tássio Barreto Cunha.........................................................135
Capítulo 6. Soja, capital estrangeiro e migração: impactos da
produção monocultora em território do MATOPIBA no
município de Porto Nacional – TO
Carlos Eduardo R. Rocha e Atamis Antonio Foschiera.....169
Capítulo 7. Do neodesenvolvimentismo ao golpe: a expansão do
capital avícola e a degradação do trabalho
Fernando Mendonça Heck.................................................210
Capítulo 8. Grandes empreendimentos de mineração em Goiás na
fase do superciclo das commodities: expropriação e
conflitos nos territórios cerradeiros
Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves e Marcelo
Rodrigues Mendonça..........................................................238
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
6
Apresentação
Historicamente, a produção de bens primários para exportação tem
caracterizado a economia brasileira, imprimindo um caráter dependente e
subordinado ao curso do seu desenvolvimento. Sem modificá-la em essência e
tampouco superá-la, o processo de industrialização tardia, desencadeado a partir
dos anos 1930 e estendido até a década de 1980, contribuiu para torná-la mais
complexa, estampando novos e imprescindíveis caracteres à sua compreensão.
Em meados da última década citada, além de industrializado, o Brasil já era
majoritariamente exportador de bens manufaturados (no ano de 1985, por
exemplo, esses produtos representavam 59,9% de toda a pauta exportadora
nacional, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX).
O início do século XXI, contudo, trouxe à tona um fenômeno de grandes
proporções que, ainda agora, permanece pouco desnudado, urgindo novos
esforços de investigação e compreensão: o crescimento exponencial da produção
das principais commodities agropecuárias (soja, açúcar, carnes e celulose) e
minerais (minério de ferro e petróleo cru) e a completa reprimarização da pauta
exportadora nacional, cuja face geográfica mais imediata consistiu na expansão
territorial sem precedentes dos principais monocultivos agrícolas: a soja, a cana-
de-açúcar e o eucalipto, além do milho, predominantemente destinado ao
mercado interno.
Não obstante as evidências concretas e indícios de violações
socioambientais de toda ordem envolvidas no processo em questão, pôs-se em
marcha um esforço midiático hercúleo, amplamente financiado por órgãos
representativos de classe (como a CNA e a ABAG) e com incrustações em parte
da intelectualidade brasileira, cuja articulação objetiva promover a autoimagem
do setor.
Obviamente, o entendimento crítico desse fenômeno não pode abrir mão
de uma análise multiescalar que evidencie os condicionantes de ordem externa
(como o megaciclo das commodities e o papel da China) e interna (a ascensão do
novo desenvolvimentismo e o consenso das commodities à brasileira, por
exemplo) para a sua concretização.
No interior do acalorado debate suscitado pela commoditização da
economia e do território brasileiros e centrado nas discussões sobre seus impactos
econômicos, sociais e ambientais, há dimensões estruturais e inter-relacionadas
sobre as quais menos tinta tem sido gasta que o necessário, não poucas vezes sob
Apresentação
7
os argumentos (no mínimo questionáveis, diga-se de passagem) da
“modernidade”, da “vocação natural” e, por conseguinte, do completo “êxito
econômico” do país em tais atividades e segmentos. Trata-se dos conflitos
territoriais e da precarização e degradação do trabalho na produção de
commodities.
O acirramento dos conflitos por terra e água é, sem dúvida, uma das
principais evidências da perversidade inerente à commoditização do território. De
acordo com os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os conflitos por terra
somavam 459 casos em 2008 e atingiram o recorde de 1.079 ocorrências em
2016, um crescimento da ordem de 57,4% no período, com ligeira redução no ano
seguinte (989 ocorrências). Já os conflitos por água passaram de 46 ocorrências
registradas em 2008 para 172 em 2016 e 197 em 2017, ou seja, um salto de
328,2% em nove anos. Se, por um lado, tamanho aumento vincula-se com
processos de espoliação que atingem os povos do campo, das florestas e das
águas, desafortunadamente territorializados nas áreas doravante cobiçadas pelo
grande capital, por outro, vincula-se igualmente à completa paralisia da reforma
agrária (em 2017, por exemplo, o governo golpista de Michel Temer não criou
um único assentamento!).
No tocante ao trabalho, especificamente, por detrás da fachada de
modernidade atribuída à agropecuária empresarial exportadora, estrategicamente
(auto)denominada como “agronegócio”, esconde-se a combinação de velhas e
novas formas de exploração e controle dos trabalhadores(as) as quais, longe de
eliminarem ou sequer mitigarem os riscos e agravos, têm sido responsáveis pela
degradação sistêmica do trabalho.
Com o propósito de contribuir com a literatura crítica sobre esses assuntos,
o presente volume reúne textos oriundos de trabalhos de pesquisa, em nível de
Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado, realizados em diferentes instituições,
regiões e lugares do Brasil e tendo por objeto facetas específicas do avanço das
commodities e suas implicações no tocante aos conflitos territoriais, ao trabalho e
à saúde do trabalhador. Sua consumação constituiu um dos objetivos específicos
da pesquisa, em nível de pós-doutorado, intitulada “Expansão territorial das
commodities agropecuárias no Brasil contemporâneo e suas implicações para a
saúde do trabalhador”, desenvolvida por nós, com recursos disponibilizado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)1.
1 Processo FAPESP nº 2016/24.300-1. Essa pesquisa encontra-se vinculada ao Projeto
Temático “Mapeamento e análise do território do agrohidronegócio canavieiro no Pontal
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
8
Movido por este espírito, longe de romper, este livro pretende fazer
avançar e ajudar a consolidar os esforços materializados na Coleção “Geografia e
Trabalho no Século XX”, um projeto do Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho (CEGeT) que, desde 2004, tem mobilizado a Rede CEGeT de
Pesquisadores (RCP).
Este Volume Especial “Commodities, conflitos territoriais e degradação
do trabalho no Brasil” é composto por oito capítulos, além da presente
apresentação. Nos dois primeiros, mais abrangentes e introdutórios, discutimos o
processo de commoditização do território e suas implicações no tocante à saúde
do trabalhador e à dinâmica geográfica dos conflitos, do desterreamento, do
movimento territorial do trabalho e de classe, em suma, da precarização e
degradação sistêmica do trabalho no Brasil.
O Capítulo 3, assinado por Maria Joseli Barreto e Antonio Thomaz Junior,
e o Capítulo 4, de autoria de Robinzon Piñeros Lizarazo e Antonio Thomaz
Junior, abordam o avanço do agrohidronegócio canavieiro, respectivamente,
desde o ponto de vista da transição tecnológica (mecanização do corte) nas
Regiões Administrativas de Presidente Prudente e Ribeirão Preto e das estratégias
empresariais de territorialização adotadas pelas empresas, estabelecendo um
paralelo entre o avanço da cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema (São
Paulo-Brasil) e da Palma Azeiteira nos departamentos de Meta e Casanare
(Colômbia).
No Capítulo 5, Tássio Barreto Cunha brinda-nos com uma análise das
disputas e conflitos territoriais promovidos pelo avanço do agrohidronegócio no
Oeste da Bahia. Amparado por um amplo conjunto de dados e informações que
cobre quatro décadas, o autor centra sua investigação no trinômio terra – água –
trabalho e propõe uma leitura territorial da luta de classes.
No sexto capítulo, Carlos Eduardo Ribeiro Rocha e Atamis Antonio
Foschiera procuram entender a expansão da produção de soja na região de Porto
Nacional (TO), evidenciando os nexos entre a chegada de produtores migrantes,
vindos principalmente do Centro-Sul do Brasil, e as grandes tradings estrangeiras
naquela região, a partir do início da década passada.
Em seguida, no Capítulo 7, Fernando Mendonça Heck situa o segmento de
frigorificação de carne de frango, voltado para exportação, no contexto do
neodesenvolvimentismo e do golpe jurídico-midiático-parlamentar perpetrado em
2016, explorando os principais desdobramentos para os(as) trabalhadores(as).
do Paranapanema-São Paulo-Brasil: relações de trabalho, conflitos e formas de uso da terra
e da água, e a saúde ambiental” (Processo FAPESP nº 2012/23.959-9).
Apresentação
9
Para o autor, seja no período neodesenvolvimentista, seja no atual, parido pelo
golpe, as características de degradação do sujeito que trabalha mantêm-se nos
setores produtores de commodities agrominerais, a exemplo do avícola.
Fechando este volume, Ricardo Júnior de Assis Fernandes Gonçalves e
Marcelo Rodrigues Mendonça examinam a expansão dos grandes
empreendimentos de mineração em Goiás, no início do século XXI, com foco na
fase do chamado “superciclo das commodities minerais”, ocorrido entre 2003 e
2013, analisando os impactos do modelo mineral nos territórios a partir de
práticas de expropriação e conflitos envolvendo empresas mineradoras,
trabalhadores e comunidades camponesas.
Expressamos nosso agradecimento à Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP) pelos recursos concedidos, os quais foram
indispensáveis à organização deste volume.
Desejamos a todos(as) uma excelente leitura.
Os organizadores.
Inverno de 2018
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
10
COMMODITIZAÇÃO DO TERRITÓRIO NO
BRASIL DO SÉCULO XXI: A SAÚDE DO
TRABALHADOR EM QUESTÃO1
Guilherme Marini Perpetua2
Antonio Thomaz Junior3
Introdução
A expansão sem precedentes da produção de commodities agropecuárias e
minerais constitui uma das principais características da economia brasileira, neste
início de século, com amplo reforço ao conjunto do agrohidronegócio4 e, em
última análise, ao capitalismo dependente (MARINI, 2011) do tipo extrativo
(PETRAS, 2014).
A despeito do descomunal empenho midiático-publicitário em torno da
construção de um discurso de exaltação e legitimação desse setor (VILAS BOAS;
1 O presente capítulo apresenta resultados preliminares da pesquisa em nível de pós-
doutorado intitulada “Expansão territorial das commodities agropecuárias no Brasil
contemporâneo e suas implicações para a saúde do trabalhador”, desenvolvida na
FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente (SP), sob supervisão do Prof. Dr. Antonio
Thomaz Junior e com recursos concedidos pela FAPESP (Processo nº 2016/24.300-
1). Uma primeira versão do texto, aqui revista e ampliada, foi apresentada na X Jornada de
Estudios Agrarios y Agroindustriales Argentinos y Latinoamericanos, realizada em
Buenos Aires (Argentina), entre 7 e 10 de novembro de 2017. 2 Doutor em Geografia. Pós-Doutorando e professor colaborador na FCT/UNESP –
Campus de Presidente Prudente (SP). Membro do CEGeT e do CETAS. E-mail:
[email protected]. 3 Doutor em Geografia. Professor titular dos cursos de graduação e pós-graduação em
Geografia da UNESP – Campus de Presidente Prudente (SP). Coordenador do CEGeT e
do CETAS. 4 O conceito de agrohidronegócio foi inicialmente proposto por Mendonça e Mesquita
(2007) e posteriormente retomado por Thomaz Junior (2010; 2017), autor que o define
enquanto conjunto de atividades que são expressão do modelo agroexportador brasileiro e
para as quais o acesso à grande disponibilidade hídrica (superficial e subterrânea) é tão
importante quanto o controle das terras mais férteis e bem localizadas. Encontram-se nessa
condição não apenas as diferentes expressões do agronegócio, como também grandes
projetos de mineração, aquicultura, produção de hidreletricidade, entre outros.
Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI
11
CHÃ, 2016), amplamente financiado por órgãos representativos de classe e com
incrustações em parte da intelectualidade brasileira, os indícios de violações
socioambientais e de seus desdobramentos tornam-se cada vez mais inocultáveis.
A precarização do trabalho e a correspondente imposição de riscos e agravos à
saúde dos trabalhadores são alguns, dentre os múltiplos aspectos deste
problemático panorama. Como asseveram Peres, Moreira e Dubois (2003 apud
UFBA; ISC; PISAT, 2012, p. 1. Grifos nossos), “os trabalhadores da
agropecuária desenvolvem atividades reconhecidas como de elevado risco de
acidentes de trabalho [...]”. Deste modo, é necessário evidenciar o vinculo
insuprimível, porém deliberadamente ocultado, entre o processo de trabalho e a
relação saúde-doença também no bojo da (pretensamente) moderna produção de
commodities.
Não obstante, é oportuno enfatizar que a questão dos riscos e agravos à
saúde dos trabalhadores no Brasil é ainda objeto de significativa invisibilidade.
Mesmo com os alarmantes índices oficiais registrados pelos dois principais
sistemas de registro (Previdência Social e Sistema Nacional de Agravos de
Notificação - SINAN/SUS), por uma longa série de fatores, a subnotificação
massiva e a crescente dificuldade por parte dos trabalhadores de comprovarem o
nexo causal entre a atividade que exerciam ou exercem e seu infortúnio,
continuam sendo características centrais desses sistemas (BINDER; CORDEIRO,
2003; LOURENÇO, 2011). E, para além dos problemas mencionados, a atenção à
saúde do trabalhador e, sobretudo, a fiscalização preventiva dos riscos e agravos
fazem parte de um movimento extremamente recente e ainda caminham a passos
diminutos (SILVEIRA, 2009).
Diante disso, o presente trabalho propõe-se a construir um panorama geral
acerca da expansão territorial da produção de commodities agropecuárias,
indicando suas principais tendências e estabelecendo constatações e
questionamentos preliminares a respeito das relações de trabalho, de maneira
geral, e particularmente quanto às implicações do modelo agroexportador adotado
para a segurança e a saúde dos trabalhadores. Em termos metodológicos, a
pesquisa consistiu em levantamento bibliográfico, documental e de dados
secundários em diversas fontes.
O texto está organizado em três seções, além desta introdução e das
considerações finais. A primeira constrói um panorama geral do fenômeno em
questão, apresentando um conjunto de dados e informações importantes para sua
compreensão. A segunda procura indicar seus principais fatores explicativos e
desdobramentos espúrios, evidenciando aspectos inerentes ao atual modelo
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
12
agrário/agrícola brasileiro. A terceira e última é dedicada à apresentação da
hipótese central da pesquisa e à apresentação de dados, informações e do aporte
teórico capaz de fundamentá-la.
A recente expansão territorial das commodities agropecuárias no Brasil
A exportação das principais commodities agropecuárias e minerais pelo
Brasil apresentou extraordinário crescimento, entre a primeira e a segunda década
dos anos 2000 (Tabela 1). Soja, açúcar e álcool, celulose e carne (de frango e
bovina, principalmente) estão entre os mais destacados produtos da pauta
exportadora nacional.
Tabela 1 - Brasil: exportação das principais commodities, por volume (kg), entre 2000 e 2015
Produto 2000 2005 2010 2015 Var. %
Soja 21.965.670.199 39.553.804.817 49.082.142.455 67.279.851.284 206
Minerais metalúrgicos 162.895.305.001 234.099.490.108 320.824.237.663 378.689.478.316 132
Petróleo e derivados 9.219.194.550 28.576.376.931 45.588.320.626 50.636.236.604 449
Carne 1.453.723.342 5.081.572.516 5.772.101.459 6.299.628.280 333
Açúcar e Álcool 6.684.179.417 20.227.517.619 29.524.156.791 25.501.620.425 282
Papel e Celulose 4.238.328.711 7.586.352.890 10.871.363.115 14.099.967.044 233
Fonte: MDIC/SECEX (2017). Elaborado pelo autor.
A variação do valor das exportações (em US$ FOB) dos produtos citados
revelou-se ainda mais drástica, com crescimento da ordem de 650% para a carne,
591% para o açúcar e o álcool, 566% para a soja e 200% para o papel e celulose,
no mesmo período. Uma das consequências imediatas deste fato foi a repentina
reprimarização da pauta exportadora nacional, com o aumento do peso dos
insumos básicos em detrimento dos bens manufaturados (Gráfico 1).
Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI
13
Gráfico 1 – Percentual das exportações por fator agregado no Brasil (2000 e 2015)
Fonte: MDCI/SECEX (2017). Org. Guilherme Marini Perpetua.
Do ponto de vista geográfico, tais transformações expressaram-se na
avassaladora expansão territorial dos principais monocultivos (soja, milho, cana-
de-açúcar e eucalipto) (Gráfico 2), avançando mais de 29,6 milhões de hectares
(86,7% em relação à área inicial), tanto sobre antigas áreas de fronteira agrícola
no Centro-Sul do país, quanto em novas frentes abertas pela sanha da acumulação
capitalista no campo.
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
14
Gráfico 2 - Área ocupada (ha) por cultivos agrícolas selecionados no Brasil
(2000-2015)
*Fonte: PAM/IBGE (2017). **Fonte: Sartori (2008), para os dados referentes a
2000 e 2005. ABRAF (2014), para o dado referente a 2010 e IBÁ (2016), para o
de 2015. Org. Guilherme Marini Perpetua.
Mesmo com significativas mudanças nos planos externo e interno, as
quais serão detalhadas no tópico a seguir, as previsões do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) são extremamente audaciosas,
projetando significativo aumento da área ocupada com soja, milho, cana-de-
açúcar e eucalipto, bem como da produção e exportação de carne, até 2025
(BRASIL; MAPA; SPA, 2016)5.
Amparados por semelhantes indicadores, nos últimos anos, grandes
empresas e órgãos representativos do setor têm realizado um esforço midiático-
publicitário descomunal em busca de fortalecer sua imagem como o setor mais
dinâmico e importante da economia, promotor da modernidade e principal
responsável pelo saldo positivo da balança comercial (VILAS BOAS; CHÃ,
2016). A campanha "Agro é Tech, Agro é Pop, Agro é tudo", concebida pelas
gerências de Marketing e de Comunicação da Rede Globo, é sintomática desse
propósito6.
5 Segundo o relatório Projeções do agronegócio: Brasil, 2015-2016 (BRASIL; MAPA;
SPA, 2016), haverá aumento de 12,7% área ocupada com grãos (de 58,2 milhões de ha
para 65,5 milhões de ha), 29,8% da produção de carne e 32% de celulose, até 2025. 6 Disponível em:
(Acesso em 08/12/2016).
Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI
15
Construções simbólicas dessa natureza também encontram ressonância e
apoio em parte da intelectualidade brasileira. Lastreados por dados puramente
econômicos (aumento da produção, elevação do superávit da balança comercial,
geração de divisas etc.), alguns autores afirmam que a agropecuária brasileira é
um caso de sucesso (BARROS, 2014; CONTINI, 2014). Reiterando a antiga tese
liberal das vantagens comparativas, Contini (2014, p. 105), por exemplo, defende
que o Brasil deve tomar para si a responsabilidade de abastecer com produtos
agropecuários os países com dificuldades, indicando que o país já está se
transformando na “nova fazenda do mundo”. Barros (2014), por seu turno, chega
a destacar alguns dos supostos “efeitos socioambientais positivos” do setor
(fixação de nitrogênio no solo, controle de pragas, produção de combustíveis
limpos e renováveis, redução dos acidentes de trabalho, entre outros), relegando
as práticas reconhecidamente nocivas ao passado. Outros ainda, como Navarro et
al. (2014), asseguram que a questão agrária, tema predominante nos debates sobre
a agropecuária brasileira nos anos 1960/1970, deu lugar ao dinamismo do setor,
com a emergência de um “novo modo de acumulação ou novo padrão agrícola e
agrário [...]” (p. 45).
A face do agrohidronegócio: fatores e desdobramentos
Todavia, não é possível compreender o tema em questão sem considerar
uma ampla gama de fatores inter-relacionados, nos planos externo e interno, a
qual exige uma abordagem interescalar que considere a dinâmica da acumulação
do capital como um todo. Outrossim, tomar os indicadores econômicos como
explicação é, no mínimo, colocar os efeitos no lugar das causas.
Dentre os fatores intervenientes à escala mundial, destaca-se a súbita
elevação do preço das commodities no decênio 2003-2013, o chamado “boom” ou
“megaciclo das commodities”, mormente alavancado pelo crescimento da
demanda chinesa (CONTINI, 2014; SILVA, 2016)7. Há ainda indícios
consistentes de que o crescimento da produção de commodities em países como o
Brasil vincula-se diretamente à dinâmica global da acumulação capitalista após a
crise de 2008 (MITIDIERO JUNIOR, 2016) e, por conseguinte, ao fenômeno da
7 Segundo dados do instituto Global McKinsey (apud SILVA, 2016), o preço das
commodities subiu 177% durante os anos 2000. É ponto pacífico entre os especialistas do
assunto que o crescimento das importações de insumos básicos pela China foi o seu grande
motor (SILVA, 2016; GONÇALVES, 2016). Note-se que as exportações brasileiras para a
China passaram de US$ 562 milhões, em 2003, para US$ 23 bilhões, em 2013 (CONTINI,
2014).
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
16
“apropriação global de terras” ou “corrida global por terras” (ANSEEUW at al.,
2013; SAUER; BORRAS JUNIOR, 2016). A conjunção de crises (energética,
alimentar, climática) que assola a humanidade e, normalmente, resulta em
previsões antecipadas de escassez por parte dos organismos multilaterais
(SAUER; BORRAS JUNIOR, 2016), também interfere diretamente na crescente
demanda pelos chamados 4F’s (food, fiber, forest e fuel) e por cultivos flexíveis
ou flex crops8.
De forma mais abrangente, o processo de commoditização da economia e
do espaço agrário brasileiro, alavancado pelo recente avanço do agrohidronegócio
sobre antigos e novos territórios, relaciona-se à mundialização do capital
(CHESNAIS, 1996) e seus efeitos na formação das cadeias globais de valor
(global commodities chains) (LEÃO; VASCONSELOS, 2015; DANNENBERG;
DIEZ, 2016), verdadeiras redes constituídas por etapas de amplos processos
produtivos distribuídos pelo mundo todo, cujos núcleos de comando e
sorvedouros do valor situam-se no Norte global.
Não se pode perder de vista, contudo, que sob o modo capitalista de
produção a produção de mercadorias é produção de valores de troca cujo objetivo
não é (e nem poderia ser) atender às necessidades dos seres humanos, mas sim à
acumulação do capital como um fim em si mesmo (MARX, 2011; 2013;
MÉSZÁROS, 2011). Assim, seja qual for sua finalidade no nível do consumo
imediato (abastecer a produção na forma matéria-prima, servir como alimento ou
combustível), a produção de commodities é ditada não pela necessidade global
desses produtos e sim por sua rentabilidade, isto é, pelo nível de acumulação que
é capaz de propiciar, sobremodo, em tempos de crise estrutural e das crescentes
dificuldades de manutenção da ordem societária vigente (MÉSZÁROS, 2011).
De todo modo, tais vetores externos só puderam corporificar-se à medida
que encontraram ambiente favorável no plano interno. Isso porque o novo
desenvolvimentismo, estratégia de desenvolvimento adotada pelos governos do
PT, com maior efetividade a partir de 2005 (CASTELO, 2012), destinou parte
importante de seus esforços ao fortalecimento da exportação de commodities
como forma de reduzir a vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira
(SICSÚ; DE PAULA; MICHEL, 2007; DELGADO, 2012). Daí os vultosos
recursos públicos colocados à disposição das grandes corporações atuantes no
8 Sobre este assunto, consultar a página do Transnational Institute, disponível em:
https://www.tni.org/en/collection/flex-crops?content_language=es (Acesso em
04/07/2017).
https://www.tni.org/en/collection/flex-crops?content_language=es
Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI
17
setor, por exemplo, via concessões do BNDES (GARZÓN, 2010; PERPETUA;
KRÖGER; THOMAZ JUNIOR, 2017).
Dentre tantos desdobramentos desastrosos da aposta novo-
desenvolvimentista, dois se destacaram. O primeiro foi a exacerbada retração da
área ocupada pelos principais cultivos alimentares (Gráfico 3), com rebatimentos
sobre a soberania alimentar, a elevação do preço dos alimentos, a redução do
emprego e da renda nas pequenas propriedades, em suma, o aumento da pobreza
e da (já crônica) desigualdade social, à época paliativamente reprimida por meio
de programas sociais governamentais.
Gráfico 3 – Área ocupada por cultivos alimentares selecionados no Brasil (2005-
2015)
Fonte: PAM/IBGE (2017). Elaborado pelos autores.
Contribuiu igualmente para este quadro a manutenção do “fosso” entre o
apoio estatal ao agronegócio e aos pequenos produtores rurais, após 20039. No
primeiro governo Lula (2003-2006), por exemplo, os recursos destinados ao
primeiro foram sete vezes superiores àqueles correspondentes aos últimos
9 O Plano Safra 2010/2011 destinou R$ 100 bilhões para a agricultura capitalista e R$ 16
bilhões para a agricultura familiar. Na safra 2016/2017, os valores foram de R$ 202
bilhões e R$ 30 bilhões, respectivamente, segundo dados do MAPA (2016).
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
18
(PETRAS, 2014), embora os pequenos agricultores sejam responsáveis por
produzir pelo menos 70% de todos os alimentos consumidos no Brasil10
.
A análise quantitativa dos conflitos por terra e água (Tabela 2) revela a
relação indissociável entre a expansão territorial das commodities e a ameaça aos
territórios camponeses, indígenas e tradicionais. Muitas das novas áreas de
expansão serviram por séculos e ainda servem como refúgio para estes grupos
outrora expulsos de seus territórios de vida e trabalho nas regiões de ocupação
mais antiga (PORTO-GONÇALVES, 2006).
Tabela 2 - Conflitos por terra e água no Brasil (2002-2014)
Tipo/Pessoas
envolvidas
2002
2004 2006 2008 2010 2012
2014
Conflitos por terra 743 1.398 1.212 751 853 1.067 1.018
Pessoas envolvidas em
conflitos por terra 425.780 965.710 703.250 354.225 351.935 460.565 600.240
Conflitos por água 8 60 45 46 87 79 127
Pessoas envolvidas em
conflitos por água
14.352
107.245 13.072 135.780 197.210 158.920 214.075
Fonte: CPT (2016). Elaborado pelos autores.
Após quase duplicar, entre 2002 e 2003, o número de conflitos por terra
entrou em declínio até 2008 e voltou a subir para patamares próximos aos do
início a partir de então, apresentando, entretanto, maior número de pessoas
envolvidas desde o início da série. O número de conflitos por água cresceu
constantemente no mesmo período, multiplicando-se mais de quinze vezes, fato
também notado em relação à quantidade de pessoas envolvidas. Obviamente, a
explicação para tal fato também deve levar em consideração o decréscimo
constante na criação de assentamentos de reforma agrária, a partir de 200511
, e a
10 Dados oficiais disponibilizados pelo governo brasileiro estimaram em 70% a
participação da agricultura familiar na produção de alimentos, na safra 2015/2016
(Disponível em: (Acesso em 31 de julho de
2017). Revisando os dados do último Censo Agropecuário realizado pelo IBGE, em 2006,
Mitidiero Junior, Barbosa e Sá (2016) afirmam que a participação dos pequenos
agricultores camponeses é muito superior ao indicado pelos dados oficiais, ainda que esses
produtores recebam menos recursos e ocupem menor área e piores terras. 11 Segundo dados do DataLuta (2014), em 2005, o Governo Lula criou 876 assentamentos,
o maior número de assentamentos criados em um único ano desde 1985. A partir de então,
http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/07/agricultura-familiar-produz-70-dos-alimentos-consumidos-por-brasileirohttp://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/07/agricultura-familiar-produz-70-dos-alimentos-consumidos-por-brasileiro
Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI
19
simultânea implantação de grandes obras de infraestrutura (estádios esportivos,
portos, ferrovias e rodovias), produção de energia (hidrelétricas, complexos
petroquímicos etc.), mineração e produção de insumos básicos (fábricas de
fertilizantes, celulose etc.).
Para diversos autores, estamos diante de um modelo espacialmente
seletivo (ELIAS, 2006), intrinsecamente excludente sob o prisma social e
absolutamente insustentável do ponto e vista ambiental (THOMAZ JUNIOR,
2010; DELGADO, 2012), haja vista ser fundado na constituição de agrossistemas
altamente dependentes de insumos externos (agroquímicos) porque
ecologicamente simplificados e, portanto, demasiado vulneráveis às pragas e
variações climáticas (PORTO-GONÇALVES, 2004). Nossa hipótese principal
postula que essas diferentes dimensões do problema se cruzam e entrelaçam no
processo de trabalho, tornando-se determinações estruturais dos riscos e dos
agravos sofridos pelos trabalhadores na produção de commodities.
Precarização e degradação do trabalho: constatações e hipóteses
preliminares
No Brasil, como no mundo, é muito comum conceber agravos diretamente
ocasionados por atividades de trabalho como eventos simples e isolados,
individualizados e com origem em uma ou poucas causas, encadeadas de modo
linear e que, portanto, poderiam ter sido evitados se o trabalhador despendesse
maior atenção e cuidado em suas tarefas cotidianas (VILELA; IGUTI;
ALMEIDA, 2004). Daí o termo “acidente” ser oficialmente adotado para
designar as ocorrências dessa natureza e a crença inabalável no cumprimento de
normas de segurança e no uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s)
como formas de evitá-las, ambos, herança dos paradigmas da Medicina do
Trabalho e da Saúde Ocupacional, os quais, historicamente, balizaram-se por uma
visão biológica e individual, numa relação unívoca e unicausal dos agravos
(MINAYO-GOMES; THEDIN-COSTA, 1997).
Infelizmente, quando vêm a público e são registrados pelos sistemas
oficiais, os incidentes envolvendo trabalhadores (mutilações, torções,
queimaduras, quedas, fraturas, intoxicações, doenças do trabalho as mais
a criação de assentamentos entrou em franco declínio, atingindo sua menor marca em
2011, com apenas 112 assentamentos criados. Durante todo o primeiro mandato de Dilma
Rousseff foram criados 512 assentamento. Disponível em:
http://www2.fct.unesp.br/nera/projetos/dataluta_pontal_2013.pdf (Acesso em 03 de agosto
de 2017).
http://www2.fct.unesp.br/nera/projetos/dataluta_pontal_2013.pdf
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
20
diversas, entre tantos outros) não raro são imputados à ideia de “ato inseguro”, à
subjetividade dos trabalhadores ou até mesmo à sua vontade própria, num
flagrante processo de culpabilização das vítimas (VILELA; IGUTI;
ALMEIDA, 2004; THOMAZ JUNIOR, 2017).
Especificamente quanto ao conjunto das atividades agropecuárias, quando
se reconhece a existência dos riscos e agravos à saúde comumente faz-se imediata
remissão ao passado, como se essa realidade fosse característica daquelas
atividades ou regiões ainda não atingidas pelas setas da “modernização”
(BARROS, 2014) – termo que, via de regra, faz referência pura e simplesmente à
tecnificação da produção.
Lastreada por fortes evidências empíricas e formulações teóricas, a
hipótese central da pesquisa em curso, cujos resultados preliminares são aqui
apresentados, segue em sentido diametralmente oposto, supondo que os riscos e
agravos não são apenas estruturais e, portanto, inerentes aos processos de trabalho
do setor, mas ainda, para o caso do agrohidronegócio produtor de commodities,
têm no adensamento técnico um componente central e intimamente associado às
novas formas de organização e controle da produção e da força de trabalho.
Essa hipótese encontra respaldo nas constatações e dados apresentados
por Delgado (2012), em sua minuciosa análise da economia atual do chamado
“agronegócio” brasileiro. Segundo o autor,
Conquanto o trabalho humano venha sendo crescentemente mitigado nos
processos produtivos tipicamente capitalistas ou de agronegócio, as
relações de trabalho que se estabelecem na produção agropecuária
parecem configurar um estilo de ‘superexploração’, seja pela imposição
de jornadas excessivas (corte de cana, por exemplo), seja pelo manejo de
materiais agrotóxicos altamente nocivos à saúde humana, seja pelas
relações de precária contratação de trabalhadores migrantes nos picos da
demanda sazonal das safras agropecuárias (DELGADO, 2012, p. 117.
Grifos nossos).
O resultado deste problemático conjunto de relações para a saúde dos
trabalhadores na agropecuária pode ser mensurado pelos dados de concessão de
auxílios e benefícios pela Previdência Social no período recente, sintetizados e
apresentados pelo autor. Entre 2000 e 2009, houve aumento da ordem de 107,8%
na concessão de benefícios nas modalidades “auxílio-doença”, “auxílio-acidente”
e “aposentadoria por invalidez”; desse total, as atividades rurais foram
responsáveis por 45,2%, ainda que o pessoal ocupado no campo tenha reduzido
significativamente no mesmo período, passando de 17.930.890, em 1996,
para 16.567.544, em 2006 – ou seja, quase 1,4 milhão de pessoas a menos, nos
Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI
21
anos de realização dos censos agropecuários pelo IBGE – e mesmo com maior
dificuldade do assegurado rural em acessar as perícias médicas (UFBA; ISC;
PISAT, 2012), condição essencial para obtenção dos auxílios.
O conceito de superexploração evocado por Delgado (2012) para analisar
os dados foi proposto por Marini (2011), figurando como elemento central de sua
teoria da dependência latino-americana12
. Divergindo daqueles que interpretaram
o capitalismo latino-americano como incompleto ou insuficiente, o sociólogo
brasileiro o conceituou como “[...] um capitalismo sui generis que só adquire
sentido se o contemplamos na perspectiva do sistema em seu conjunto, tanto em
nível nacional, quanto, e principalmente, em nível internacional” (MARINI,
2011, p. 132). Sua marca distintiva é a dependência, entendida como “relação de
subordinação entre nações formalmente independentes”13
, uma condição
observada a partir da revolução industrial europeia e da consequente
independência política dos países da América Latina. A consolidação da divisão
internacional do trabalho, naquele contexto, fez com que países como o Brasil se
especializassem na oferta de matérias-primas e alimentos, ajudando a rebaixar os
custos com a reprodução da força de trabalho nos países centrais e fomentando a
extração de mais-valia relativa. Por outro lado, o contrário ocorreu em relação às
suas próprias economias, fazendo da extração de mais-valia absoluta a tônica da
exploração do trabalho, em função da permanente deterioração dos termos de
troca de seus produtos no comércio internacional. Consequentemente, os países
lesados lograram buscar compensação para essa transferência de valor por meio
do aumento da exploração da força de trabalho, ou seja, da superexploração do
trabalho.
Para além da intensificação das formas clássicas de extração de mais-valia
(absoluta e relativa), a superexploração pode advir ainda do rebaixamento dos
salários, reduzindo assim o trabalho necessário e ampliando o trabalho
excedente. Nos três casos citados, o trabalhador tem o direto à reposição do
desgaste de sua força de trabalho negado (nos dois primeiros, por meio do
desgaste físico, e no último, pela redução do consumo do estritamente
indispensável).
Nesse sentido, os apontamentos de Marini continuam sendo
extremamente pertinentes, uma vez que associam diretamente a forma de
12 Para uma análise sobre a atualidade da teoria da dependência, de Ruy Mauro Marini,
para entender o agrohidronegócio e suas implicações para a segurança e a saúde dos
trabalhadores, ver Perpetua (2017). 13 Ibdem, p. 134.
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
22
inserção de países dependentes como o Brasil no comércio internacional,
atualmente reforçada, às formas particulares de exploração do trabalho
consubstanciadas, auxiliando no desvelar de suas perniciosas consequências. Por
este prisma, o elevado numero de agravos do trabalho registrados na
agropecuária brasileira, ainda que extremamente subnotificado, pode ser
entendido como indício de uma dinâmica estrutural e inerente ao nosso
capitalismo dependente.
Os trabalhos de Heck (2013a e b; 2015) e Gemelli (2011; 2014), Barreto
(2012) e Perpetua (2013; 2016a) são reveladores das dinâmicas de precarização e
degradação dos sujeitos que trabalham14
, respectivamente, nos segmentos cárnico,
canavieiro e arbóreo-celulósico. Ao estudar a produção de suínos e aves no Oeste
Paranaense, Heck (2013a e b; 2015) encontrou situações de extrema precarização,
a exemplo das jornadas de trabalho de 20 horas, da inexistência de EPIs e de
estratégias de intermediação da mão de obra, revelando inclusive que, de acordo
com estimativas nacionais, em 2011, 23% dos trabalhadores empregados no setor
de abates de frangos e suínos estavam afastados ou no aguardo de decisões
judiciais, tendo em vista o adoecimento relacionado ao trabalho. Entre os
principais agravos identificados estão as LER/DORT, as doenças psicológicas e
as mutilações. A conclusão do autor é que doenças ocupacionais em frigoríficos
não são meros acidentes, relacionando-se inteiramente às condições inadequadas
do ambiente de trabalho e – não menos importante - ao ritmo intenso de trabalho
motivado pelas metas de produção.
As mesmas características são reiteradas no estudo de Gemelli (2014),
segundo quem “[...] o emprego em frigoríficos é baseado na superexploração do
trabalho” (GEMELLI, 2014, s. p. Grifos nossos) presente nas extensas jornadas,
no ritmo frenético dos movimentos exigidos e agravado pela pequena quantidade
de trabalhadores, na insalubridade do ambiente de trabalho (frio, barulhento,
úmido e fétido), nos baixos salários e nas inúmeras irregularidades trabalhistas.
Ao estudar a recente expansão do capital canavieiro no Pontal do
Paranapanema (SP), Barreto (2012) demonstra que grande parte dos empregos
gerados pelas atividades do segmento é temporária e incerta, condição
potencializadora da exploração dos trabalhadores e que repercutindo no
adoecimento e até em seu descarte prematuro.
O excessivo desgaste e problemas acumulados pelas longas jornadas
tornam grande parte desses trabalhadores totalmente incapazes para
14 Essa expressão foi cunhada e proposta por Perpetua (2016b), no intuito de fugir às
generalizações estruturalistas que obscurecem a multidimensionalidade dos trabalhadores.
Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI
23
qualquer tipo de trabalho. O resultado é o acúmulo de homens/mulheres
jovens demais para se aposentar e impossibilitados para buscar o próprio
sustento (p. 141. Grifos nossos)15.
A autora revela também que a mecanização da colheita, longe de ser um
elemento efetivo na melhoria das condições de trabalho e vida dos trabalhadores,
serve como um meio de fragmentação, desestruturação, opressão e intensificação
da exploração dos trabalhadores somado às novas formas “flexíveis” de controle
da força de trabalho, como a terceirização, cada vez mais presente no setor
canavieiro como um todo, principalmente nas etapas de colheita e transporte16
.
Em sua tese acerca do trabalho em áreas de expansão recente do
monocultivo arbóreo consorciado à produção de celulose (Leste de Mato Grosso
do Sul, Extremo Sul da Bahia e Oeste do Maranhão), Perpetua (2016a) constatou
que, em função da presença de uma longa série de agentes de risco (físico,
químico e biológico) e de formas flexíveis de controle dos trabalhadores, mais
expressivas na contratação, na definição das jornadas de trabalho e na
remuneração, os agravos são fatos rotineiros, porém, massivamente
subnotificados, conquanto a produção seja altamente tecnificada e adequada aos
padrões impostos pelo mercado externo por meio de certificações.
Em face disso, as mudanças nas formas de organização do processo de
trabalho nos põem atentos para identificar transformações no regime de
acumulação (do taylorismo-fordismo ao toyotismo restrito/sistêmico e/ou outras
combinações), manifestadas na desproletarização, na informalização, nos
contratos temporários, nos novos mecanismos de repressão e cooptação do
trabalhador e em outras tantas formas precarizadas de trabalho, bem como a
despossessão. No entanto, a cada dia os efeitos desse metabolismo societário do
capital fragmentam, complexificam e heterogeneizam o mundo do trabalho e
todos os sentidos assumidos pela polissemização, promovem profundos
rearranjos territoriais e, consequentemente, redefinições locacionais do domínio
espacial, mexendo profundamente com o universo simbólico e com a
subjetividade da classe trabalhadora que não se restringe àqueles(as) que vivem
da venda de sua força de trabalho, refletindo diretamente na crise por que passam
15 Entre os agravos identificados pela autora estão as LER/DORT, infecções urinárias e
respiratórias, intoxicações por agrotóxicos, oscilações de pressão arterial, desidratação,
úlceras, casos de estresse, alcoolismo, dores diversas e, por fim, morte por exaustão. É
importante salientar que encarregados e operadores não estão isentos desses infortúnios. 16 Ibdem.
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
24
os movimentos sociais populares em geral e, em particular, o sindical e
operário17
.
Assim, concordamos com Binder e Cordeiro (2003, p. 410. Grifos nossos)
quando afirmam que “acidentes de trabalho são fenômenos socialmente
determinados, indicativos da intensa exploração a que é submetida grande parte
dos trabalhadores”, entendendo a degradação do trabalho não como algo fortuito,
limitado no tempo e no espaço, mas como tendência objetiva da própria
acumulação (MARX, 2013) acentuada no contexto da crise estrutural do capital e
da produção destrutiva (MÉSZÁROS, 2007; 2011).
Sob o lume da Geografia do Trabalho, isso se manifesta na conformação
de frações de espaço produzidas segundo relações de poder que sujeitam os
trabalhadores a processos de trabalho regidos pelo impulso cego à acumulação,
fazendo emergir o que Heck (2013a) chamou de “territórios da degradação do
trabalho”. Neles, a dominação característica da relação capital/trabalho, em suas
mais diversas feições históricas, combina-se ao substrato espacial construído à
sua imagem e semelhança, isto é, concebido para controlar e aumentar a
rentabilidade a qualquer custo e, por isso mesmo, prenhe de agentes de risco e
causador de inúmeros agravos. No caso dos monocultivos (por exemplo, soja,
milho, cana-de-açúcar e eucalipto), o envenenamento do ambiente promovido
pela quimificação e consequente contaminação ambiental, dramaticamente
intensificada nos últimos anos18
, constitui um poderoso agravante. O corolário
deste modelo químico-dependente não poderia ser outro senão o aumento do
número de casos de intoxicação por agrotóxicos, dos quais, uma ínfima – porém,
alarmante - parcela tem sido captada pelos órgãos oficiais19
.
Há, portanto, uma relação de codeterminação e indissociabilidade entre o
processo de trabalho, o substrato físico e as relações constitutivas do território e o
17 Esse quadro complexo é objeto das pesquisas de Thomaz Junior (2009; 2013; 2017). 18 Desde 2008 o Brasil é o principal consumidor de agrotóxicos do mundo (HEINRICH
BÖLL FOUNDATION, 2015, p. 11). Conforme Carneiro et al. (2015), o consumo médio
de agrotóxicos vem aumentando em relação à área plantada, passando de 10,5
litros/hectare (l/ha), em 2002, para 12,1 l/ha em 2011. Ainda segundo informações
apresentadas por Inês Castilho, em matéria publicada no Portal “De olho nos ruralistas” no
dia 31 de outubro de 2016, entre 2007 e 2013 o consumo de agrotóxicos nas terras
cultivadas no país dobrou, enquanto a área plantada cresceu apenas em um terço. 19 Entre 2007 e 2011, o SINAN (SUS) registrou aumento de 67,4% dos casos (de 2.071
para 3.466) de acidentes de trabalho não letais por intoxicação devido a agrotóxicos
(UFBA; ISC; PISAT, 2012).
Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI
25
par saúde-doença ainda pouco desnudada por análises críticas no campo da Saúde
do Trabalhador20
.
Considerações finais
O extraordinário avanço do agrohidronegócio produtor de commodities,
sobre antigas e novas fronteiras internas da acumulação, tem se dado por meio da
adoção de um modelo primário-exportador que só pode viabilizar-se enquanto tal
conjugando monocultivo, tecnificação, quimificação, precarização e
superexploração do trabalho. A frágil argumentação dos defensores desse modelo
intrinsecamente destrutivo, alicerçada nas teses da produtividade, da modernidade
e da vocação nacional do país, não se sustenta diante das evidências incontestes e
cada vez mais patentes de violações socioambientais por ele promovidas. O
aviltamento da saúde dos trabalhadores, por meio da imposição de riscos e
agravos, é uma dentre outras dimensões importantes do processo em curso, assim
como a degradação ambiental, o aumento da concentração fundiária e da renda, a
retração da produção de alimentos pela agricultura camponesa e o aumento dos
conflitos por terra e água.
O processo de desmonte de direitos historicamente conquistados pelos
trabalhadores, sinicamente nomeado pelo governo ilegítimo de Michel Temer
como “conjunto de reformas necessárias”, com destaque para a “reforma
trabalhista” e a “reforma da Previdência”, tende a intensificar sobremaneira a
degradação sistêmica do trabalho em curso (THOMAZ JUNIOR, 2017), com
nuances potencialmente ainda mais deletérias no setor agropecuário e no meio
rural, onde o descumprimento da legislação trabalhista sempre foi mais grave e
mais difícil o acesso a serviços públicos como o previdenciário (RODRIGUES,
2012; UFBA; ISC; PISAT, 2012).
Compreender este fenômeno em sua concretude e sob a ótica da Geografia
do Trabalho requer atenção ao jogo escalar, num esforço dialético-materialista
que o considere enquanto parte da totalidade, empreendendo a síntese entre o
20 O campo da Saúde do Trabalhador é herdeiro das discussões oportunizadas pela
Medicina Social latino-americana (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997) e busca
superar tanto as abordagens e concepções oriundas da Medicina do Trabalho, herdeira
direta das necessidades do taylorismo, como aquelas provenientes da Saúde Ocupacional,
derivada das exigências impostas pelo fordismo (BRAZ, 2013). Em termos históricos,
estrutura-se a partir do final dos anos 1960 e início dos anos 1970, quando o movimento
sindical, especialmente na América Latina, passa a reivindicar mudanças na atenção e
promoção da saúde dos trabalhadores (LOURENÇO; BERTANI, 2008).
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
26
singular, o universal e o particular. Deste modo, o entendimento da degradação
do trabalho no agrohidronegócio exportador de commodities deve passar pela
compreensão do fenômeno não como coisa em si, mas como parte da divisão
internacional do trabalho imposta pela dinâmica da acumulação em escala global
e em tempos de crise estrutural e produção destrutiva.
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Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
32
MOVIMENTO TERRITORIAL DO TRABALHO E
DESTERREAÇÃO DO SUJEITO/CLASSE*
Antonio Thomaz Junior1
Introdução
O capital se sente ameaçado ininterruptamente pelos trabalhadores, pelas
comunidades que ele precisa combater, de modo que tenta atraí-los ao seu
governo, para mostrar-se humanizado. O que de fato está em curso é tangenciar a
luta de classes, ofuscá-la, torná-la desinteressante, anacrônica, já que o
fundamental é a busca da sustentabilidade, porque, nesse patamar, todos podem
se sentir iguais. As entrevistas sinalizam essas manobras e a revisão bibliográfica
indica situações ainda mais preocupantes. Sintetizaria meu entendimento como
sendo o uso sistêmico de mecanismos de controle da vida cotidiana daqueles que
são atingidos, desrespeitados pela territorialidade capitalista.
Essa farsa de a empresa propor-se responsável para resolver problemas
sociais, ambientais, os quais são intrínsecos à sua lógica reprodutiva, ocupa o
espaço do conflito pelos subterfúgios das necessidades coletivas, totalmente
manipuladas. Assiste-se ao esvaziamento das reais necessidades dos
trabalhadores, das comunidades do entorno, das comunidades ameaçadas, dos
trabalhadores migrantes, os quais, via de regra, não têm os registros homologados
nos locais de origem, não recebem o devido nas rescisões contratuais, no final das
safras etc.
De todo modo, é nesse ambiente de intensa mobilidade do trabalho, no
Brasil, que tem lugar a experimentação de novos parâmetros de produtividade
exigidos na razão direta da intensificação da exploração do trabalho, a qual
culmina nos impactos à saúde e, consequentemente, nas doenças ocupacionais
1 Professor Titular de Geografia do Trabalho/FCT/UNESP/Presidente Prudente;
Coordenador de Projeto Temático/FAPESP; Pesquisador PQ-1/CNPq; Coordenador do
CEGeT e do CETAS. E-mail: [email protected].
Movimento territorial do trabalho e desterreação do sujeito /classe
33
que abarcam exposição ao risco, mutilações, contaminação, intoxicação2, morte,
descarte dos trabalhadores.3
Nessa sequência em que consideramos os ambientes de trabalho, é
necessário proceder às combinações entre a intensificação do processo de
trabalho (mais-valia relativa), com a extensividade da jornada (mais-valia
absoluta), com as péssimas condições de trabalho, transporte inadequado e
inseguro, negligência do capital em relação aos EPI, descumprimento dos
contratos de trabalho e das normativas regulamentadoras (NR-31), dentre outros
aspectos. O produto dessas combinações propostas é a situação extremamente
explosiva dos acidentes e doenças ocupacionais e do ambiente de trabalho. São
exemplos concretos da escalada de desrespeito às condições de trabalho e de vida
dos trabalhadores.
Nessa perspectiva, o número crescente de ações por parte do Ministério do
Trabalho e Emprego, através das fiscalizações feitas no âmbito da Política
Nacional de Controle ao Trabalho Escravo, lançada desde 2003, coordenada pela
Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), está conferindo ao setor agroindustrial
canavieiro, no período que abrange 2007 a 2010 e 2011-2014/2015, metade das
ocorrências em nível de Brasil, ou seja, 337 casos e 2.900 trabalhadores
resgatados pelo Grupo Móvel, da mesma forma que as ações ajuizadas pelos
Procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT)4, que temos
acompanhado para os diversos casos a que vimos nos dedicando, como cortadores
de cana-de-açúcar, trabalhadores envolvidos em frigoríficos de frango e suínos,
barrageiros, dentre outros.
Assim, o desterreamento de camponeses e posseiros, provocado pela
expansão e consolidação do agrohidronegócio (a construção das barragens ou
usinas hidrelétricas – UHE, a territorialização da soja, da cana-de-açúcar, da
pecuária extensiva, do eucalipto etc.), tem que ser entendido no contexto das
disputas por território. Seja expropriação, seja exploração, seja subordinação dos
2 A respeito da intoxicação por agrotóxicos e morte de trabalhadores, recomendo o artigo
"Intoxicação e morte por agrotóxicos no Brasil: a nova versão do capitalismo
oligopolizado", de Larissa Mies Bombardi. Boletim Dataluta. Nera, p.1-21, 2011.
Disponível em:
http://www2.fct.unesp.br/grupos/nera/artigodomes/9artigodomes_2011.pdf. Acesso em: 09
jul. 2012. 3 PERPÉTUA, G. M.; THOMAZ JUNIOR, A. A verdadeira natureza do trabalho nos
novos territórios da celulose no Brasil. In: SEMINÁRIO DE SAÚDE DO
TRABALHADOR, IX, 2015, Franca/SP. Anais... 2015. Franca: UNESP/Franca, 2015,
ISSN:2178-4817. 4 Essas informações estão sendo apuradas, pois estou redigindo artigo que leva o título
inicial de "Trabalho Escravo e Saúde do Trabalhador no Agrohidronegócio no Brasil
(Negação/Afirmação de Direitos em Transe)". Esse artigo faz parte da Coletânea que estou
preparando, Desafios Renovados da Geografia do Trabalho, a ser publicada pelo Editorial
Centelha.
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
34
trabalhadores ao capital, seja ainda sujeição da renda de trabalho ao capital, temos
em decorrência os mecanismos de expulsão e de expropriação associados à
concentração e monopolização da terra e da riqueza socialmente produzida pelos
setores burgueses.
Quando direciono as atenções especificamente para o crescimento da
atividade agroindustrial canavieira, no Brasil, nos últimos dez anos (2005-2015),
percebo que sua expansão para as áreas novas evidencia os interesses do capital
por terras férteis, relevos planos e favoráveis à mecanização do corte, do
transporte e proximidade/disponibilidade de recursos hídricos, como é o caso do
Polígono do Agrohidronegócio, meu objeto de estudo e também do Projeto
Temático.
Quer dizer, a monopolização da terra pelo agrohidronegócio superpõe-se
ao controle do acesso aos recursos hídricos disponíveis e a serem explorados,
tanto superficiais quanto nos aquíferos. É por dentro das contradições desse
processo que compreendemos a violência expressa pelo crescimento intensivo da
concentração de riquezas (terra, renda, capital), em escala planetária, e toda a
manipulação que garante aos representantes do capital (conglomerados nacionais
e internacionais) a imposição dos pressupostos do modelo destrutivo da
sociedade, dos trabalhadores e da barbárie social.
As frações do território em disputa (intra e intercapital) – com a
participação crescente, inclusive, de grupos estrangeiros – expressam não
somente uma nova geografia e novos elementos e oportunidades, a fim de
rediscutirmos a questão cidade-campo para o capital e para os trabalhadores, no
Brasil, mas, sobretudo, consolidam o poder de classe do capital sobre as melhores
terras agricultáveis e planas do país, e a maior incidência de disponibilização de
água de subsolo da América Latina. O capital nada mais tem à disposição do que
o Aquífero Guarani, o que lhe assegura o controle territorial das melhores terras e
de outros mananciais menores, porém, mais superficiais e de mais fácil extração
de águas de subsolo para irrigação, nada comparável em nenhuma outra parte do
planeta, para destinação e uso comercial.
As sintonias finas do movimento do trabalho
Na sequência desses aprendizados, os quais nos permitem ultrapassar,
necessariamente, o conforto dos nossos gabinetes de trabalho – propiciando-nos
acesso fácil aos livros e ao bem-estar do ar condicionado –, conclamo à
necessária experiência de amassar barro. Para um bom entendedor, quero dizer
que o aprendizado junto aos trabalhadores, a partir das experiências que põem em
prática para se manterem vivos diante das ameaças de morte e da perda contínua e
constante de direitos, de salários, os riscos, os agravos, os adoecimentos, a
materialidade da miséria e da renitente decisão de resistirem às formas truculentas
de exploração, dominação, de permaneceram na terra, nos lotes, nas posses, nas
Movimento territorial do trabalho e desterreação do sujeito /classe
35
áreas ocupadas urbanas (favelas, às vezes cortiços), enfim, tudo isso muito nos
ensina.
Esse é o ponto de inflexão, que, pelo visto, não atrai os pesquisadores que
continuam relutantes em entender que reconhecer as mudanças e, a depender da
escala, a marcha das transformações, mantém muito do que somos capazes de
reconhecer, ao menos com elementos de aparência facilmente identificáveis,
entretanto, com conteúdos e movimentos dilacerados, modificados, valendo-se da
produção de valor, da exploração de trabalho, da extração de trabalho excedente
e, em alguns casos, com profundas mudanças na estrutura social do assalariado
reconhecidamente proletário, e não mais as combinações e tantas variações que
nem sempre o assalariamento direto ou as formas mais conhecidas são sequer
notadas.
Ainda que parte considerável desses trabalhadores não seja capaz de
identificar a espinha dorsal do processo de acumulação de capital, dos
mecanismos de controle, dos significados teóricos da extração/apropriação de
trabalho não pago, todavia, esses trabalhadores nos mostram que há tantos outros
sujeitos sociais, os quais, a despeito de não serem explorados (historicamente não
vinculados à relação salarial), estão subsumidos pelo sistema metabólico, porém,
resistem, reivindicam de diferentes maneiras, que nem sempre são captadas por
nós, tampouco divulgadas pela mídia: não são sujeitos sociais conhecidos do
grande público.
Basta lembrar os enfrentamentos que ocorrem nos grandes centros urbanos
entre poder público e sem-teto, e o que pensar sobre os riscos a que estão
submetidos os posseiros, os quilombolas, os sem-terra, os trabalhadores avulsos
no Sertão e em tantas outras regiões do país, os quais estão na mira das milícias
das mineradoras e das empresas do setor arbóreo-celulósico, das redes de
pistolagem fortemente armadas, as quais atuam em defesa de
latifundiários/grileiros, normalmente políticos (Prefeitos, Vereadores, Deputados,
Senadores), pessoas blindadas e muito bem protegidas no Congresso Nacional,
pela UDR5, CNA etc. Sem contar que dispõem do principal, ou seja, o apoio
incondicional do poder de extermínio da Polícia Militar, a exemplo do Estado do
Pará, que, pela eficiência com que matam as famílias camponesas, sem-terra, é
invejável ao ditador Assad, da Síria, que igualmente representa outro exemplo de
extermínio, no caso, uma guerra declarada, também desdobramentos do
imperialismo ou de suas frações, só que na esfera internacional.
O mais importante produto desse valioso exercício que a práxis
teoricamente orientada nos ensina é que a intensidade desse processo destrutivo
do capital é responsável pela desmontagem/reordenamento de setores produtivos,
em escala mundial, e tem tornado definitivo e dominante o que era, há 30 anos,
5 A esse respeito, indico a excelente pesquisa de Mestrado A questão Agrária no Brasil e a
Bancada Ruralista no Congresso Nacional, de Sandra Helena Gonçalves Costa, orientada
pelo Professor Doutor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, junto ao PPGG/FFLC/USP, 2012.
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)
36
provisório ou, quando muito, temporário ou contingente, como a informalização,
a terceirização6, a flexibilização, os contratos temporários: "[...] o trabalhador
polivalente, multifuncional, qualificado, combinado com uma estrutura mais
horizontalizada e integrada de diversas empresas, inclusive nas empresas
terceirizadas, tem como finalidade a redução do tempo de trabalho." (ANTUNES;
DRUCK, 2015, p. 22).
A vinculação entre as dinâmicas escalares, que nos cobra entendimentos
sobre o que se passa com os trabalhadores, com seus empregos, com sua saúde,
com suas organizações, em nível local/regional/nacional, em face do que está
acontecendo na Europa, na Ásia, na África, expõe-nos a linhas explicativas que
indicam a fúria incontrolável do capital, de subordinar historicamente o valor de
uso à lógica reprodutiva que o transforma em valor de troca e que deixa cicatrizes
profundas nos indicadores sociais, nos patamares de exclusão, desemprego,
descarte, fome, adoecimentos, acidentes com sequelas, mutilações, mortes etc.
A nocividade das experiências chama atenção para algumas
especificidades, além do Brasil e da América Latina, como, por exemplo, os
Tigres Asiáticos, os quais chegaram tardiamente à complexa trama da
produção/industrialização capitalista, também denominados "novos paraísos" da
industrialização; eles adotam procedimentos, rotinas e formas de contratação,
pagamento e controle dos trabalhadores extremamente nefastos. Baixos salários,
jornadas de 12, 16 horas diárias, reúnem contingentes crescentes de condenados
aos riscos, adoecimentos, mutilações, descartes, sendo que os exemplos mais
escandalosos estão sediados na China, com o caso emblemático da Foxcom, que
se situa entre as 20 maiores empresas do planeta, com mais de 15 plantas
produtivas e aproximadamente 1,5 milhão de trabalhadores.
Acrescenta-se facilmente ao seu currículo ser exemplo emblemático de
empresa terceirizada, permissionária para produzir hipérones, iPads, iPods e
Macs, da Apple, placas da Intel, componentes da Dell e HP, do PlayStation, da
Sony, do Xbox, da Microsoft, e do Wii, da Nintendo, pagando, em média, aos
operário(a)s, de US$ 200 a 300 dólares por mês7, juntamente com US$ 2,0/hora
de jornada de 90 horas extraordinárias por mês.8 Com foco na produção de
6 Sobre terceirização, sugiro dois livros recentemente publicados: 1) Terceirização -
precarização e adoecimento no mundo do trabalho. In: NAVARRO, V. L.; LOURENÇO,
E. A. S. (Org.). O avesso do trabalho IV. São Paulo: Outras Expressões, 2017; 2)
LOURENÇO, E. E. S. (Org.). Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e Serviço Social:
Estudos da Relação Trabalho e Saúde no Capitalismo Contemporâneo. Campinas: Papel
Social, 2016. 7 Importante notar que os estudos mostram que os custos com transporte, alimentação,
moradia, na China, são de quatro a seis vezes menores do que no Brasil. Cf. MEYER
(2011); CARVALHO NETO et al. (2012). 8 Segundo informações disponíveis no site da China Labour Watch (CLW), os agravos são
maiores nas plantas que produzem os aparelhos da norte-americana Apple. Disponível em:
Movimento territorial do trabalho e desterreação do sujeito /classe
37
manufaturas para o mercado mundial, a China tornou-se rapidamente um global
player, que hoje se constitui na segunda maior economia do mundo. Ou seja,
produz o que há de mais moderno, em termos de TI, de inteligência artificial, um
verdadeiro arroubo espectral, todavia, com base nos mecanismos de cobrança,
controle e enquadramento dos trabalhadores, nas metas de produção e de
produtividade, torna-se colecionadora de características regressivas, de números
alarmantes de adoecimentos, mutilações, "[...] suicídios dos trabalhadores, que só
em 2010, chegaram a 17."9
Com efeito, o que coletamos no levantamento bibliográfico e nos
depoimentos de pesquisadores, portanto assunto ainda merecedor de mais
aprofundamentos e detalhamentos, é que, no âmbito tecnológico, a China passou
de um período em que sua manufatura se baseava na cópia de produtos
estrangeiros para uma fase em que as empresas chinesas disputam mercados, com
base no desenvolvimento tecnológico.
O Estado Chinês investe pesadamente na pesquisa, na expansão do ensino
universitário, na formação de mão de obra qualificada e de um corpo
técnico de cientistas e pesquisadores de ponta e de nível internacional.
Assim, as empresas chinesas hoje já concorrem em pé de igualdade com
empresas de alta tecnologia mundial. Esse processo resultou de grandes
investimentos públicos do Estado chinês em ciência e tecnologia, voltados
para a qualificação dos processos produtivos. (NÚÑEZ, 2017, p. 23).
Infelizmente, engrossa essa lista a periferia desse continente de
desigualdades, a Indonésia, as Filipinas, o Vietnã, o Laos, a África Subsaariana,
sendo o caso mais emblemático a Índia, que dispõe de 1,3 bilhão de habitantes,
país predominantemente agrário, com uma PEA de aproximadamente 400
milhões de homens e mulheres, na maioria desempregados/subempregados,
terceirizados, segundo relatos de Zhang (2015), na indigência e em busca de
qualquer emprego, seja o mais aviltante, porém, disponível.
E é nesse cenário marcado por a