259
Pistão Motor... 7169 0.74% Máquinas De... Válvulas 2.6% Carros Caminhões E Vans Trator... Chassis Com... Veículos Peças E Acessórios 1.3% Peças Para Turbinas a Gás E Motores De Reacção Aeronave 1.8% Avião Grande 2.0% Barcos Diversos E Estruturas Flutuantes 1.2% Ferro- Ligas 1.5% Ferro Pré- Fabricados 2.8% Polpa De Madeira De Soda Ou Ao Sulfato Papel Diversos Álcoois... 1.2% De Frutas Ou De Produtos Hortícolas 0.72% Polietileno 5417 0712 6.3% Minério De Ferro Minério De Ferro Aglomerados Cobre 1.4% Minério De Alumínio 1.6% Ouro 5.5% Petróleo Cru Calçados 1.9% Milho 2.9% Farelo 11% Soja 0.65% Algodão 4.6% Açúcar 1.2% Açúcares Refinados 2.7% Café 2.4% Carne De Bovino 0.75% Carne De... 3.4% Carne De Aves 0.87% Carnes Preparadas... 1.1% Bovina E Couro Equine Total: USD 180 B O que Brasil exportou em 2016? GEOGRAFIA E TRABALHO NO SÉCULO XXI Vol. 9 (Especial) Commodities, conflitos territoriais e degradação do trabalho no Brasil Guilherme Marini Perpetua Antonio Thomaz Junior (Orgs.) EDITORIAL CENTELHA

e degradação do trabalho no Brasil Commodities, conflitos ...ceget.fct.unesp.br/assets/site/pdf/Ebook_Geografia_e_Trabalho_no... · Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 –

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  • Pistão Motor...

    7169

    0.74%

    Máquinas De...

    Válvulas

    2.6%

    Carros

    Caminhões E Vans

    Trator...

    Chassis Com...Veículos Peças EAcessórios

    1.3%

    PeçasParaTurbinasa Gás EMotoresDeReacção

    Aeronave

    1.8%

    AviãoGrande

    2.0%

    Barcos Diversos EEstruturas Flutuantes

    1.2%

    Ferro-Ligas

    1.5%

    Ferro Pré-Fabricados

    2.8%

    Polpa DeMadeira De Soda OuAo Sulfato

    PapelDiversos

    Álcoois...

    1.2%

    De Frutas OuDe ProdutosHortícolas

    0.72%

    Polietileno

    5417

    0712

    6.3%

    Minério DeFerro

    Minério De FerroAglomerados

    Cobre

    1.4%

    Minério DeAlumínio

    1.6%

    Ouro

    5.5%

    Petróleo Cru

    Calçados

    1.9%

    Milho2.9%

    Farelo

    11%

    Soja

    0.65%

    Algodão

    4.6%

    Açúcar

    1.2%

    AçúcaresRefinados

    2.7%

    Café

    2.4%

    Carne De Bovino 0.75%

    Carne De...3.4%

    Carne De Aves0.87%

    Carnes Preparadas...

    1.1%

    Bovina ECouroEquine

    Total: USD 180 B

    O que Brasil exportou em 2016?

    GEOGRAFIA E TRABALHO NO SÉCULO XXI Vol. 9

    (Especial)

    Commodities, conflitos territoriais e degradação do trabalho no Brasil

    Guilherme Marini PerpetuaAntonio Thomaz Junior

    (Orgs.)

    EDITORIAL CENTELHA

  • GEOGRAFIA E TRABALHO NO SÉCULO XXI

    COMMODITIES, CONFLITOS TERRITORIAIS E

    DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL

    VOLUME 9

    (Especial)

    Presidente Prudente, SP

    FCT/UNESP - Campus de Presidente Prudente

    2018

  • Guilherme Marini Perpetua

    Antonio Thomaz Junior

    (Organizadores)

    GEOGRAFIA E TRABALHO NO SÉCULO XXI

    COMMODITIES, CONFLITOS TERRITORIAIS E

    DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL

    VOLUME 9

    (Especial)

    1ª Edição

    Presidente Prudente, SP

    FCT/UNESP - Campus de Presidente Prudente

    2018

  • Conselho Editorial

    Antônio Cezar Leal

    Carlos Alberto Feliciano

    Diamantino Pereira

    Douglas Santos

    Eduardo Schiavone Cardoso

    Emília de Rodat Moreira

    Giovanni Alves

    Ivan Targino Moreira

    Marcelo Dornelis Carvalhal

    Marcelo Mendonça

    Marco Antônio Mitidiero Junior

    Maria Aparecida Morais Silva

    Maria Franco Garcia

    Marildo Menegat

    Raul Borges Guimarães

    Ricardo Antunes

    Ricardo Pires de Paula

    Ruy Moreira

    Sadi Dal Rosso

    Sônia Maria Ribeiro de Souza

    Tânia Regina de Luca

  • Copyright © do Autor, 2018

    Apoio técnico: Biblioteca da FCT/UNESP

    Coordenação editorial Antonio Thomaz Júnior

    Comissão editorial Guilherme Marini Perpetua

    José Alves

    Karina Furini da Ponte

    Diagramação Guilherme Marini Perpetua

    Capa Robinzon Piñeros Lizarazo

    Todos os direitos reservados ao Grupo de Pesquisa Centro de Estudos de

    Geografia do Trabalho (CEGeT) – FCT/UNESP

    Rua Roberto Simonsen, nº 305.

    Caixa Postal: 467 / CEP: 19060-900

    Presidente Prudente, SP

    www.fct.unesp.br/ceget

    http://www.fct.unesp.br/ceget

  • SUMÁRIO

    Apresentação

    ................................................................................................6

    Capítulo 1. Commoditização do território no Brasil do Século XXI: a

    saúde do trabalhador em questão

    Guilherme Marini Perpetua e Antonio Thomaz Junior........10

    Capítulo 2. Movimento Territorial do Trabalho e Desterreação do

    Sujeito/Classe

    Antonio Thomaz Junior.........................................................32

    Capítulo 3. Os desafios tecnológicos do agrohidronegócio canavieiro

    nas regiões administrativas de Presidente Prudente e

    Ribeirão Preto

    Maria Joseli Barreto e Antonio Thomaz Junior...................75

    Capítulo 4. A responsabilidade social empresarial como

    territorialidade estratégica do agrohidronegócio da cana-

    de-açúcar no Brasil e da palma azeiteira na Colômbia

    Robinzon Piñeros Lizarazo e Antonio Thomaz Junior.......108

    Capítulo 5. Território, conflito e o Oeste da Bahia

    Tássio Barreto Cunha.........................................................135

    Capítulo 6. Soja, capital estrangeiro e migração: impactos da

    produção monocultora em território do MATOPIBA no

    município de Porto Nacional – TO

    Carlos Eduardo R. Rocha e Atamis Antonio Foschiera.....169

    Capítulo 7. Do neodesenvolvimentismo ao golpe: a expansão do

    capital avícola e a degradação do trabalho

    Fernando Mendonça Heck.................................................210

    Capítulo 8. Grandes empreendimentos de mineração em Goiás na

    fase do superciclo das commodities: expropriação e

    conflitos nos territórios cerradeiros

    Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves e Marcelo

    Rodrigues Mendonça..........................................................238

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    6

    Apresentação

    Historicamente, a produção de bens primários para exportação tem

    caracterizado a economia brasileira, imprimindo um caráter dependente e

    subordinado ao curso do seu desenvolvimento. Sem modificá-la em essência e

    tampouco superá-la, o processo de industrialização tardia, desencadeado a partir

    dos anos 1930 e estendido até a década de 1980, contribuiu para torná-la mais

    complexa, estampando novos e imprescindíveis caracteres à sua compreensão.

    Em meados da última década citada, além de industrializado, o Brasil já era

    majoritariamente exportador de bens manufaturados (no ano de 1985, por

    exemplo, esses produtos representavam 59,9% de toda a pauta exportadora

    nacional, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX).

    O início do século XXI, contudo, trouxe à tona um fenômeno de grandes

    proporções que, ainda agora, permanece pouco desnudado, urgindo novos

    esforços de investigação e compreensão: o crescimento exponencial da produção

    das principais commodities agropecuárias (soja, açúcar, carnes e celulose) e

    minerais (minério de ferro e petróleo cru) e a completa reprimarização da pauta

    exportadora nacional, cuja face geográfica mais imediata consistiu na expansão

    territorial sem precedentes dos principais monocultivos agrícolas: a soja, a cana-

    de-açúcar e o eucalipto, além do milho, predominantemente destinado ao

    mercado interno.

    Não obstante as evidências concretas e indícios de violações

    socioambientais de toda ordem envolvidas no processo em questão, pôs-se em

    marcha um esforço midiático hercúleo, amplamente financiado por órgãos

    representativos de classe (como a CNA e a ABAG) e com incrustações em parte

    da intelectualidade brasileira, cuja articulação objetiva promover a autoimagem

    do setor.

    Obviamente, o entendimento crítico desse fenômeno não pode abrir mão

    de uma análise multiescalar que evidencie os condicionantes de ordem externa

    (como o megaciclo das commodities e o papel da China) e interna (a ascensão do

    novo desenvolvimentismo e o consenso das commodities à brasileira, por

    exemplo) para a sua concretização.

    No interior do acalorado debate suscitado pela commoditização da

    economia e do território brasileiros e centrado nas discussões sobre seus impactos

    econômicos, sociais e ambientais, há dimensões estruturais e inter-relacionadas

    sobre as quais menos tinta tem sido gasta que o necessário, não poucas vezes sob

  • Apresentação

    7

    os argumentos (no mínimo questionáveis, diga-se de passagem) da

    “modernidade”, da “vocação natural” e, por conseguinte, do completo “êxito

    econômico” do país em tais atividades e segmentos. Trata-se dos conflitos

    territoriais e da precarização e degradação do trabalho na produção de

    commodities.

    O acirramento dos conflitos por terra e água é, sem dúvida, uma das

    principais evidências da perversidade inerente à commoditização do território. De

    acordo com os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os conflitos por terra

    somavam 459 casos em 2008 e atingiram o recorde de 1.079 ocorrências em

    2016, um crescimento da ordem de 57,4% no período, com ligeira redução no ano

    seguinte (989 ocorrências). Já os conflitos por água passaram de 46 ocorrências

    registradas em 2008 para 172 em 2016 e 197 em 2017, ou seja, um salto de

    328,2% em nove anos. Se, por um lado, tamanho aumento vincula-se com

    processos de espoliação que atingem os povos do campo, das florestas e das

    águas, desafortunadamente territorializados nas áreas doravante cobiçadas pelo

    grande capital, por outro, vincula-se igualmente à completa paralisia da reforma

    agrária (em 2017, por exemplo, o governo golpista de Michel Temer não criou

    um único assentamento!).

    No tocante ao trabalho, especificamente, por detrás da fachada de

    modernidade atribuída à agropecuária empresarial exportadora, estrategicamente

    (auto)denominada como “agronegócio”, esconde-se a combinação de velhas e

    novas formas de exploração e controle dos trabalhadores(as) as quais, longe de

    eliminarem ou sequer mitigarem os riscos e agravos, têm sido responsáveis pela

    degradação sistêmica do trabalho.

    Com o propósito de contribuir com a literatura crítica sobre esses assuntos,

    o presente volume reúne textos oriundos de trabalhos de pesquisa, em nível de

    Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado, realizados em diferentes instituições,

    regiões e lugares do Brasil e tendo por objeto facetas específicas do avanço das

    commodities e suas implicações no tocante aos conflitos territoriais, ao trabalho e

    à saúde do trabalhador. Sua consumação constituiu um dos objetivos específicos

    da pesquisa, em nível de pós-doutorado, intitulada “Expansão territorial das

    commodities agropecuárias no Brasil contemporâneo e suas implicações para a

    saúde do trabalhador”, desenvolvida por nós, com recursos disponibilizado pela

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)1.

    1 Processo FAPESP nº 2016/24.300-1. Essa pesquisa encontra-se vinculada ao Projeto

    Temático “Mapeamento e análise do território do agrohidronegócio canavieiro no Pontal

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    8

    Movido por este espírito, longe de romper, este livro pretende fazer

    avançar e ajudar a consolidar os esforços materializados na Coleção “Geografia e

    Trabalho no Século XX”, um projeto do Centro de Estudos de Geografia do

    Trabalho (CEGeT) que, desde 2004, tem mobilizado a Rede CEGeT de

    Pesquisadores (RCP).

    Este Volume Especial “Commodities, conflitos territoriais e degradação

    do trabalho no Brasil” é composto por oito capítulos, além da presente

    apresentação. Nos dois primeiros, mais abrangentes e introdutórios, discutimos o

    processo de commoditização do território e suas implicações no tocante à saúde

    do trabalhador e à dinâmica geográfica dos conflitos, do desterreamento, do

    movimento territorial do trabalho e de classe, em suma, da precarização e

    degradação sistêmica do trabalho no Brasil.

    O Capítulo 3, assinado por Maria Joseli Barreto e Antonio Thomaz Junior,

    e o Capítulo 4, de autoria de Robinzon Piñeros Lizarazo e Antonio Thomaz

    Junior, abordam o avanço do agrohidronegócio canavieiro, respectivamente,

    desde o ponto de vista da transição tecnológica (mecanização do corte) nas

    Regiões Administrativas de Presidente Prudente e Ribeirão Preto e das estratégias

    empresariais de territorialização adotadas pelas empresas, estabelecendo um

    paralelo entre o avanço da cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema (São

    Paulo-Brasil) e da Palma Azeiteira nos departamentos de Meta e Casanare

    (Colômbia).

    No Capítulo 5, Tássio Barreto Cunha brinda-nos com uma análise das

    disputas e conflitos territoriais promovidos pelo avanço do agrohidronegócio no

    Oeste da Bahia. Amparado por um amplo conjunto de dados e informações que

    cobre quatro décadas, o autor centra sua investigação no trinômio terra – água –

    trabalho e propõe uma leitura territorial da luta de classes.

    No sexto capítulo, Carlos Eduardo Ribeiro Rocha e Atamis Antonio

    Foschiera procuram entender a expansão da produção de soja na região de Porto

    Nacional (TO), evidenciando os nexos entre a chegada de produtores migrantes,

    vindos principalmente do Centro-Sul do Brasil, e as grandes tradings estrangeiras

    naquela região, a partir do início da década passada.

    Em seguida, no Capítulo 7, Fernando Mendonça Heck situa o segmento de

    frigorificação de carne de frango, voltado para exportação, no contexto do

    neodesenvolvimentismo e do golpe jurídico-midiático-parlamentar perpetrado em

    2016, explorando os principais desdobramentos para os(as) trabalhadores(as).

    do Paranapanema-São Paulo-Brasil: relações de trabalho, conflitos e formas de uso da terra

    e da água, e a saúde ambiental” (Processo FAPESP nº 2012/23.959-9).

  • Apresentação

    9

    Para o autor, seja no período neodesenvolvimentista, seja no atual, parido pelo

    golpe, as características de degradação do sujeito que trabalha mantêm-se nos

    setores produtores de commodities agrominerais, a exemplo do avícola.

    Fechando este volume, Ricardo Júnior de Assis Fernandes Gonçalves e

    Marcelo Rodrigues Mendonça examinam a expansão dos grandes

    empreendimentos de mineração em Goiás, no início do século XXI, com foco na

    fase do chamado “superciclo das commodities minerais”, ocorrido entre 2003 e

    2013, analisando os impactos do modelo mineral nos territórios a partir de

    práticas de expropriação e conflitos envolvendo empresas mineradoras,

    trabalhadores e comunidades camponesas.

    Expressamos nosso agradecimento à Fundação de Amparo à Pesquisa do

    Estado de São Paulo (FAPESP) pelos recursos concedidos, os quais foram

    indispensáveis à organização deste volume.

    Desejamos a todos(as) uma excelente leitura.

    Os organizadores.

    Inverno de 2018

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    10

    COMMODITIZAÇÃO DO TERRITÓRIO NO

    BRASIL DO SÉCULO XXI: A SAÚDE DO

    TRABALHADOR EM QUESTÃO1

    Guilherme Marini Perpetua2

    Antonio Thomaz Junior3

    Introdução

    A expansão sem precedentes da produção de commodities agropecuárias e

    minerais constitui uma das principais características da economia brasileira, neste

    início de século, com amplo reforço ao conjunto do agrohidronegócio4 e, em

    última análise, ao capitalismo dependente (MARINI, 2011) do tipo extrativo

    (PETRAS, 2014).

    A despeito do descomunal empenho midiático-publicitário em torno da

    construção de um discurso de exaltação e legitimação desse setor (VILAS BOAS;

    1 O presente capítulo apresenta resultados preliminares da pesquisa em nível de pós-

    doutorado intitulada “Expansão territorial das commodities agropecuárias no Brasil

    contemporâneo e suas implicações para a saúde do trabalhador”, desenvolvida na

    FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente (SP), sob supervisão do Prof. Dr. Antonio

    Thomaz Junior e com recursos concedidos pela FAPESP (Processo nº 2016/24.300-

    1). Uma primeira versão do texto, aqui revista e ampliada, foi apresentada na X Jornada de

    Estudios Agrarios y Agroindustriales Argentinos y Latinoamericanos, realizada em

    Buenos Aires (Argentina), entre 7 e 10 de novembro de 2017. 2 Doutor em Geografia. Pós-Doutorando e professor colaborador na FCT/UNESP –

    Campus de Presidente Prudente (SP). Membro do CEGeT e do CETAS. E-mail:

    [email protected]. 3 Doutor em Geografia. Professor titular dos cursos de graduação e pós-graduação em

    Geografia da UNESP – Campus de Presidente Prudente (SP). Coordenador do CEGeT e

    do CETAS. 4 O conceito de agrohidronegócio foi inicialmente proposto por Mendonça e Mesquita

    (2007) e posteriormente retomado por Thomaz Junior (2010; 2017), autor que o define

    enquanto conjunto de atividades que são expressão do modelo agroexportador brasileiro e

    para as quais o acesso à grande disponibilidade hídrica (superficial e subterrânea) é tão

    importante quanto o controle das terras mais férteis e bem localizadas. Encontram-se nessa

    condição não apenas as diferentes expressões do agronegócio, como também grandes

    projetos de mineração, aquicultura, produção de hidreletricidade, entre outros.

  • Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI

    11

    CHÃ, 2016), amplamente financiado por órgãos representativos de classe e com

    incrustações em parte da intelectualidade brasileira, os indícios de violações

    socioambientais e de seus desdobramentos tornam-se cada vez mais inocultáveis.

    A precarização do trabalho e a correspondente imposição de riscos e agravos à

    saúde dos trabalhadores são alguns, dentre os múltiplos aspectos deste

    problemático panorama. Como asseveram Peres, Moreira e Dubois (2003 apud

    UFBA; ISC; PISAT, 2012, p. 1. Grifos nossos), “os trabalhadores da

    agropecuária desenvolvem atividades reconhecidas como de elevado risco de

    acidentes de trabalho [...]”. Deste modo, é necessário evidenciar o vinculo

    insuprimível, porém deliberadamente ocultado, entre o processo de trabalho e a

    relação saúde-doença também no bojo da (pretensamente) moderna produção de

    commodities.

    Não obstante, é oportuno enfatizar que a questão dos riscos e agravos à

    saúde dos trabalhadores no Brasil é ainda objeto de significativa invisibilidade.

    Mesmo com os alarmantes índices oficiais registrados pelos dois principais

    sistemas de registro (Previdência Social e Sistema Nacional de Agravos de

    Notificação - SINAN/SUS), por uma longa série de fatores, a subnotificação

    massiva e a crescente dificuldade por parte dos trabalhadores de comprovarem o

    nexo causal entre a atividade que exerciam ou exercem e seu infortúnio,

    continuam sendo características centrais desses sistemas (BINDER; CORDEIRO,

    2003; LOURENÇO, 2011). E, para além dos problemas mencionados, a atenção à

    saúde do trabalhador e, sobretudo, a fiscalização preventiva dos riscos e agravos

    fazem parte de um movimento extremamente recente e ainda caminham a passos

    diminutos (SILVEIRA, 2009).

    Diante disso, o presente trabalho propõe-se a construir um panorama geral

    acerca da expansão territorial da produção de commodities agropecuárias,

    indicando suas principais tendências e estabelecendo constatações e

    questionamentos preliminares a respeito das relações de trabalho, de maneira

    geral, e particularmente quanto às implicações do modelo agroexportador adotado

    para a segurança e a saúde dos trabalhadores. Em termos metodológicos, a

    pesquisa consistiu em levantamento bibliográfico, documental e de dados

    secundários em diversas fontes.

    O texto está organizado em três seções, além desta introdução e das

    considerações finais. A primeira constrói um panorama geral do fenômeno em

    questão, apresentando um conjunto de dados e informações importantes para sua

    compreensão. A segunda procura indicar seus principais fatores explicativos e

    desdobramentos espúrios, evidenciando aspectos inerentes ao atual modelo

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    12

    agrário/agrícola brasileiro. A terceira e última é dedicada à apresentação da

    hipótese central da pesquisa e à apresentação de dados, informações e do aporte

    teórico capaz de fundamentá-la.

    A recente expansão territorial das commodities agropecuárias no Brasil

    A exportação das principais commodities agropecuárias e minerais pelo

    Brasil apresentou extraordinário crescimento, entre a primeira e a segunda década

    dos anos 2000 (Tabela 1). Soja, açúcar e álcool, celulose e carne (de frango e

    bovina, principalmente) estão entre os mais destacados produtos da pauta

    exportadora nacional.

    Tabela 1 - Brasil: exportação das principais commodities, por volume (kg), entre 2000 e 2015

    Produto 2000 2005 2010 2015 Var. %

    Soja 21.965.670.199 39.553.804.817 49.082.142.455 67.279.851.284 206

    Minerais metalúrgicos 162.895.305.001 234.099.490.108 320.824.237.663 378.689.478.316 132

    Petróleo e derivados 9.219.194.550 28.576.376.931 45.588.320.626 50.636.236.604 449

    Carne 1.453.723.342 5.081.572.516 5.772.101.459 6.299.628.280 333

    Açúcar e Álcool 6.684.179.417 20.227.517.619 29.524.156.791 25.501.620.425 282

    Papel e Celulose 4.238.328.711 7.586.352.890 10.871.363.115 14.099.967.044 233

    Fonte: MDIC/SECEX (2017). Elaborado pelo autor.

    A variação do valor das exportações (em US$ FOB) dos produtos citados

    revelou-se ainda mais drástica, com crescimento da ordem de 650% para a carne,

    591% para o açúcar e o álcool, 566% para a soja e 200% para o papel e celulose,

    no mesmo período. Uma das consequências imediatas deste fato foi a repentina

    reprimarização da pauta exportadora nacional, com o aumento do peso dos

    insumos básicos em detrimento dos bens manufaturados (Gráfico 1).

  • Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI

    13

    Gráfico 1 – Percentual das exportações por fator agregado no Brasil (2000 e 2015)

    Fonte: MDCI/SECEX (2017). Org. Guilherme Marini Perpetua.

    Do ponto de vista geográfico, tais transformações expressaram-se na

    avassaladora expansão territorial dos principais monocultivos (soja, milho, cana-

    de-açúcar e eucalipto) (Gráfico 2), avançando mais de 29,6 milhões de hectares

    (86,7% em relação à área inicial), tanto sobre antigas áreas de fronteira agrícola

    no Centro-Sul do país, quanto em novas frentes abertas pela sanha da acumulação

    capitalista no campo.

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    14

    Gráfico 2 - Área ocupada (ha) por cultivos agrícolas selecionados no Brasil

    (2000-2015)

    *Fonte: PAM/IBGE (2017). **Fonte: Sartori (2008), para os dados referentes a

    2000 e 2005. ABRAF (2014), para o dado referente a 2010 e IBÁ (2016), para o

    de 2015. Org. Guilherme Marini Perpetua.

    Mesmo com significativas mudanças nos planos externo e interno, as

    quais serão detalhadas no tópico a seguir, as previsões do Ministério da

    Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) são extremamente audaciosas,

    projetando significativo aumento da área ocupada com soja, milho, cana-de-

    açúcar e eucalipto, bem como da produção e exportação de carne, até 2025

    (BRASIL; MAPA; SPA, 2016)5.

    Amparados por semelhantes indicadores, nos últimos anos, grandes

    empresas e órgãos representativos do setor têm realizado um esforço midiático-

    publicitário descomunal em busca de fortalecer sua imagem como o setor mais

    dinâmico e importante da economia, promotor da modernidade e principal

    responsável pelo saldo positivo da balança comercial (VILAS BOAS; CHÃ,

    2016). A campanha "Agro é Tech, Agro é Pop, Agro é tudo", concebida pelas

    gerências de Marketing e de Comunicação da Rede Globo, é sintomática desse

    propósito6.

    5 Segundo o relatório Projeções do agronegócio: Brasil, 2015-2016 (BRASIL; MAPA;

    SPA, 2016), haverá aumento de 12,7% área ocupada com grãos (de 58,2 milhões de ha

    para 65,5 milhões de ha), 29,8% da produção de carne e 32% de celulose, até 2025. 6 Disponível em:

    (Acesso em 08/12/2016).

  • Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI

    15

    Construções simbólicas dessa natureza também encontram ressonância e

    apoio em parte da intelectualidade brasileira. Lastreados por dados puramente

    econômicos (aumento da produção, elevação do superávit da balança comercial,

    geração de divisas etc.), alguns autores afirmam que a agropecuária brasileira é

    um caso de sucesso (BARROS, 2014; CONTINI, 2014). Reiterando a antiga tese

    liberal das vantagens comparativas, Contini (2014, p. 105), por exemplo, defende

    que o Brasil deve tomar para si a responsabilidade de abastecer com produtos

    agropecuários os países com dificuldades, indicando que o país já está se

    transformando na “nova fazenda do mundo”. Barros (2014), por seu turno, chega

    a destacar alguns dos supostos “efeitos socioambientais positivos” do setor

    (fixação de nitrogênio no solo, controle de pragas, produção de combustíveis

    limpos e renováveis, redução dos acidentes de trabalho, entre outros), relegando

    as práticas reconhecidamente nocivas ao passado. Outros ainda, como Navarro et

    al. (2014), asseguram que a questão agrária, tema predominante nos debates sobre

    a agropecuária brasileira nos anos 1960/1970, deu lugar ao dinamismo do setor,

    com a emergência de um “novo modo de acumulação ou novo padrão agrícola e

    agrário [...]” (p. 45).

    A face do agrohidronegócio: fatores e desdobramentos

    Todavia, não é possível compreender o tema em questão sem considerar

    uma ampla gama de fatores inter-relacionados, nos planos externo e interno, a

    qual exige uma abordagem interescalar que considere a dinâmica da acumulação

    do capital como um todo. Outrossim, tomar os indicadores econômicos como

    explicação é, no mínimo, colocar os efeitos no lugar das causas.

    Dentre os fatores intervenientes à escala mundial, destaca-se a súbita

    elevação do preço das commodities no decênio 2003-2013, o chamado “boom” ou

    “megaciclo das commodities”, mormente alavancado pelo crescimento da

    demanda chinesa (CONTINI, 2014; SILVA, 2016)7. Há ainda indícios

    consistentes de que o crescimento da produção de commodities em países como o

    Brasil vincula-se diretamente à dinâmica global da acumulação capitalista após a

    crise de 2008 (MITIDIERO JUNIOR, 2016) e, por conseguinte, ao fenômeno da

    7 Segundo dados do instituto Global McKinsey (apud SILVA, 2016), o preço das

    commodities subiu 177% durante os anos 2000. É ponto pacífico entre os especialistas do

    assunto que o crescimento das importações de insumos básicos pela China foi o seu grande

    motor (SILVA, 2016; GONÇALVES, 2016). Note-se que as exportações brasileiras para a

    China passaram de US$ 562 milhões, em 2003, para US$ 23 bilhões, em 2013 (CONTINI,

    2014).

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    16

    “apropriação global de terras” ou “corrida global por terras” (ANSEEUW at al.,

    2013; SAUER; BORRAS JUNIOR, 2016). A conjunção de crises (energética,

    alimentar, climática) que assola a humanidade e, normalmente, resulta em

    previsões antecipadas de escassez por parte dos organismos multilaterais

    (SAUER; BORRAS JUNIOR, 2016), também interfere diretamente na crescente

    demanda pelos chamados 4F’s (food, fiber, forest e fuel) e por cultivos flexíveis

    ou flex crops8.

    De forma mais abrangente, o processo de commoditização da economia e

    do espaço agrário brasileiro, alavancado pelo recente avanço do agrohidronegócio

    sobre antigos e novos territórios, relaciona-se à mundialização do capital

    (CHESNAIS, 1996) e seus efeitos na formação das cadeias globais de valor

    (global commodities chains) (LEÃO; VASCONSELOS, 2015; DANNENBERG;

    DIEZ, 2016), verdadeiras redes constituídas por etapas de amplos processos

    produtivos distribuídos pelo mundo todo, cujos núcleos de comando e

    sorvedouros do valor situam-se no Norte global.

    Não se pode perder de vista, contudo, que sob o modo capitalista de

    produção a produção de mercadorias é produção de valores de troca cujo objetivo

    não é (e nem poderia ser) atender às necessidades dos seres humanos, mas sim à

    acumulação do capital como um fim em si mesmo (MARX, 2011; 2013;

    MÉSZÁROS, 2011). Assim, seja qual for sua finalidade no nível do consumo

    imediato (abastecer a produção na forma matéria-prima, servir como alimento ou

    combustível), a produção de commodities é ditada não pela necessidade global

    desses produtos e sim por sua rentabilidade, isto é, pelo nível de acumulação que

    é capaz de propiciar, sobremodo, em tempos de crise estrutural e das crescentes

    dificuldades de manutenção da ordem societária vigente (MÉSZÁROS, 2011).

    De todo modo, tais vetores externos só puderam corporificar-se à medida

    que encontraram ambiente favorável no plano interno. Isso porque o novo

    desenvolvimentismo, estratégia de desenvolvimento adotada pelos governos do

    PT, com maior efetividade a partir de 2005 (CASTELO, 2012), destinou parte

    importante de seus esforços ao fortalecimento da exportação de commodities

    como forma de reduzir a vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira

    (SICSÚ; DE PAULA; MICHEL, 2007; DELGADO, 2012). Daí os vultosos

    recursos públicos colocados à disposição das grandes corporações atuantes no

    8 Sobre este assunto, consultar a página do Transnational Institute, disponível em:

    https://www.tni.org/en/collection/flex-crops?content_language=es (Acesso em

    04/07/2017).

    https://www.tni.org/en/collection/flex-crops?content_language=es

  • Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI

    17

    setor, por exemplo, via concessões do BNDES (GARZÓN, 2010; PERPETUA;

    KRÖGER; THOMAZ JUNIOR, 2017).

    Dentre tantos desdobramentos desastrosos da aposta novo-

    desenvolvimentista, dois se destacaram. O primeiro foi a exacerbada retração da

    área ocupada pelos principais cultivos alimentares (Gráfico 3), com rebatimentos

    sobre a soberania alimentar, a elevação do preço dos alimentos, a redução do

    emprego e da renda nas pequenas propriedades, em suma, o aumento da pobreza

    e da (já crônica) desigualdade social, à época paliativamente reprimida por meio

    de programas sociais governamentais.

    Gráfico 3 – Área ocupada por cultivos alimentares selecionados no Brasil (2005-

    2015)

    Fonte: PAM/IBGE (2017). Elaborado pelos autores.

    Contribuiu igualmente para este quadro a manutenção do “fosso” entre o

    apoio estatal ao agronegócio e aos pequenos produtores rurais, após 20039. No

    primeiro governo Lula (2003-2006), por exemplo, os recursos destinados ao

    primeiro foram sete vezes superiores àqueles correspondentes aos últimos

    9 O Plano Safra 2010/2011 destinou R$ 100 bilhões para a agricultura capitalista e R$ 16

    bilhões para a agricultura familiar. Na safra 2016/2017, os valores foram de R$ 202

    bilhões e R$ 30 bilhões, respectivamente, segundo dados do MAPA (2016).

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    18

    (PETRAS, 2014), embora os pequenos agricultores sejam responsáveis por

    produzir pelo menos 70% de todos os alimentos consumidos no Brasil10

    .

    A análise quantitativa dos conflitos por terra e água (Tabela 2) revela a

    relação indissociável entre a expansão territorial das commodities e a ameaça aos

    territórios camponeses, indígenas e tradicionais. Muitas das novas áreas de

    expansão serviram por séculos e ainda servem como refúgio para estes grupos

    outrora expulsos de seus territórios de vida e trabalho nas regiões de ocupação

    mais antiga (PORTO-GONÇALVES, 2006).

    Tabela 2 - Conflitos por terra e água no Brasil (2002-2014)

    Tipo/Pessoas

    envolvidas

    2002

    2004 2006 2008 2010 2012

    2014

    Conflitos por terra 743 1.398 1.212 751 853 1.067 1.018

    Pessoas envolvidas em

    conflitos por terra 425.780 965.710 703.250 354.225 351.935 460.565 600.240

    Conflitos por água 8 60 45 46 87 79 127

    Pessoas envolvidas em

    conflitos por água

    14.352

    107.245 13.072 135.780 197.210 158.920 214.075

    Fonte: CPT (2016). Elaborado pelos autores.

    Após quase duplicar, entre 2002 e 2003, o número de conflitos por terra

    entrou em declínio até 2008 e voltou a subir para patamares próximos aos do

    início a partir de então, apresentando, entretanto, maior número de pessoas

    envolvidas desde o início da série. O número de conflitos por água cresceu

    constantemente no mesmo período, multiplicando-se mais de quinze vezes, fato

    também notado em relação à quantidade de pessoas envolvidas. Obviamente, a

    explicação para tal fato também deve levar em consideração o decréscimo

    constante na criação de assentamentos de reforma agrária, a partir de 200511

    , e a

    10 Dados oficiais disponibilizados pelo governo brasileiro estimaram em 70% a

    participação da agricultura familiar na produção de alimentos, na safra 2015/2016

    (Disponível em: (Acesso em 31 de julho de

    2017). Revisando os dados do último Censo Agropecuário realizado pelo IBGE, em 2006,

    Mitidiero Junior, Barbosa e Sá (2016) afirmam que a participação dos pequenos

    agricultores camponeses é muito superior ao indicado pelos dados oficiais, ainda que esses

    produtores recebam menos recursos e ocupem menor área e piores terras. 11 Segundo dados do DataLuta (2014), em 2005, o Governo Lula criou 876 assentamentos,

    o maior número de assentamentos criados em um único ano desde 1985. A partir de então,

    http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/07/agricultura-familiar-produz-70-dos-alimentos-consumidos-por-brasileirohttp://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/07/agricultura-familiar-produz-70-dos-alimentos-consumidos-por-brasileiro

  • Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI

    19

    simultânea implantação de grandes obras de infraestrutura (estádios esportivos,

    portos, ferrovias e rodovias), produção de energia (hidrelétricas, complexos

    petroquímicos etc.), mineração e produção de insumos básicos (fábricas de

    fertilizantes, celulose etc.).

    Para diversos autores, estamos diante de um modelo espacialmente

    seletivo (ELIAS, 2006), intrinsecamente excludente sob o prisma social e

    absolutamente insustentável do ponto e vista ambiental (THOMAZ JUNIOR,

    2010; DELGADO, 2012), haja vista ser fundado na constituição de agrossistemas

    altamente dependentes de insumos externos (agroquímicos) porque

    ecologicamente simplificados e, portanto, demasiado vulneráveis às pragas e

    variações climáticas (PORTO-GONÇALVES, 2004). Nossa hipótese principal

    postula que essas diferentes dimensões do problema se cruzam e entrelaçam no

    processo de trabalho, tornando-se determinações estruturais dos riscos e dos

    agravos sofridos pelos trabalhadores na produção de commodities.

    Precarização e degradação do trabalho: constatações e hipóteses

    preliminares

    No Brasil, como no mundo, é muito comum conceber agravos diretamente

    ocasionados por atividades de trabalho como eventos simples e isolados,

    individualizados e com origem em uma ou poucas causas, encadeadas de modo

    linear e que, portanto, poderiam ter sido evitados se o trabalhador despendesse

    maior atenção e cuidado em suas tarefas cotidianas (VILELA; IGUTI;

    ALMEIDA, 2004). Daí o termo “acidente” ser oficialmente adotado para

    designar as ocorrências dessa natureza e a crença inabalável no cumprimento de

    normas de segurança e no uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s)

    como formas de evitá-las, ambos, herança dos paradigmas da Medicina do

    Trabalho e da Saúde Ocupacional, os quais, historicamente, balizaram-se por uma

    visão biológica e individual, numa relação unívoca e unicausal dos agravos

    (MINAYO-GOMES; THEDIN-COSTA, 1997).

    Infelizmente, quando vêm a público e são registrados pelos sistemas

    oficiais, os incidentes envolvendo trabalhadores (mutilações, torções,

    queimaduras, quedas, fraturas, intoxicações, doenças do trabalho as mais

    a criação de assentamentos entrou em franco declínio, atingindo sua menor marca em

    2011, com apenas 112 assentamentos criados. Durante todo o primeiro mandato de Dilma

    Rousseff foram criados 512 assentamento. Disponível em:

    http://www2.fct.unesp.br/nera/projetos/dataluta_pontal_2013.pdf (Acesso em 03 de agosto

    de 2017).

    http://www2.fct.unesp.br/nera/projetos/dataluta_pontal_2013.pdf

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    20

    diversas, entre tantos outros) não raro são imputados à ideia de “ato inseguro”, à

    subjetividade dos trabalhadores ou até mesmo à sua vontade própria, num

    flagrante processo de culpabilização das vítimas (VILELA; IGUTI;

    ALMEIDA, 2004; THOMAZ JUNIOR, 2017).

    Especificamente quanto ao conjunto das atividades agropecuárias, quando

    se reconhece a existência dos riscos e agravos à saúde comumente faz-se imediata

    remissão ao passado, como se essa realidade fosse característica daquelas

    atividades ou regiões ainda não atingidas pelas setas da “modernização”

    (BARROS, 2014) – termo que, via de regra, faz referência pura e simplesmente à

    tecnificação da produção.

    Lastreada por fortes evidências empíricas e formulações teóricas, a

    hipótese central da pesquisa em curso, cujos resultados preliminares são aqui

    apresentados, segue em sentido diametralmente oposto, supondo que os riscos e

    agravos não são apenas estruturais e, portanto, inerentes aos processos de trabalho

    do setor, mas ainda, para o caso do agrohidronegócio produtor de commodities,

    têm no adensamento técnico um componente central e intimamente associado às

    novas formas de organização e controle da produção e da força de trabalho.

    Essa hipótese encontra respaldo nas constatações e dados apresentados

    por Delgado (2012), em sua minuciosa análise da economia atual do chamado

    “agronegócio” brasileiro. Segundo o autor,

    Conquanto o trabalho humano venha sendo crescentemente mitigado nos

    processos produtivos tipicamente capitalistas ou de agronegócio, as

    relações de trabalho que se estabelecem na produção agropecuária

    parecem configurar um estilo de ‘superexploração’, seja pela imposição

    de jornadas excessivas (corte de cana, por exemplo), seja pelo manejo de

    materiais agrotóxicos altamente nocivos à saúde humana, seja pelas

    relações de precária contratação de trabalhadores migrantes nos picos da

    demanda sazonal das safras agropecuárias (DELGADO, 2012, p. 117.

    Grifos nossos).

    O resultado deste problemático conjunto de relações para a saúde dos

    trabalhadores na agropecuária pode ser mensurado pelos dados de concessão de

    auxílios e benefícios pela Previdência Social no período recente, sintetizados e

    apresentados pelo autor. Entre 2000 e 2009, houve aumento da ordem de 107,8%

    na concessão de benefícios nas modalidades “auxílio-doença”, “auxílio-acidente”

    e “aposentadoria por invalidez”; desse total, as atividades rurais foram

    responsáveis por 45,2%, ainda que o pessoal ocupado no campo tenha reduzido

    significativamente no mesmo período, passando de 17.930.890, em 1996,

    para 16.567.544, em 2006 – ou seja, quase 1,4 milhão de pessoas a menos, nos

  • Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI

    21

    anos de realização dos censos agropecuários pelo IBGE – e mesmo com maior

    dificuldade do assegurado rural em acessar as perícias médicas (UFBA; ISC;

    PISAT, 2012), condição essencial para obtenção dos auxílios.

    O conceito de superexploração evocado por Delgado (2012) para analisar

    os dados foi proposto por Marini (2011), figurando como elemento central de sua

    teoria da dependência latino-americana12

    . Divergindo daqueles que interpretaram

    o capitalismo latino-americano como incompleto ou insuficiente, o sociólogo

    brasileiro o conceituou como “[...] um capitalismo sui generis que só adquire

    sentido se o contemplamos na perspectiva do sistema em seu conjunto, tanto em

    nível nacional, quanto, e principalmente, em nível internacional” (MARINI,

    2011, p. 132). Sua marca distintiva é a dependência, entendida como “relação de

    subordinação entre nações formalmente independentes”13

    , uma condição

    observada a partir da revolução industrial europeia e da consequente

    independência política dos países da América Latina. A consolidação da divisão

    internacional do trabalho, naquele contexto, fez com que países como o Brasil se

    especializassem na oferta de matérias-primas e alimentos, ajudando a rebaixar os

    custos com a reprodução da força de trabalho nos países centrais e fomentando a

    extração de mais-valia relativa. Por outro lado, o contrário ocorreu em relação às

    suas próprias economias, fazendo da extração de mais-valia absoluta a tônica da

    exploração do trabalho, em função da permanente deterioração dos termos de

    troca de seus produtos no comércio internacional. Consequentemente, os países

    lesados lograram buscar compensação para essa transferência de valor por meio

    do aumento da exploração da força de trabalho, ou seja, da superexploração do

    trabalho.

    Para além da intensificação das formas clássicas de extração de mais-valia

    (absoluta e relativa), a superexploração pode advir ainda do rebaixamento dos

    salários, reduzindo assim o trabalho necessário e ampliando o trabalho

    excedente. Nos três casos citados, o trabalhador tem o direto à reposição do

    desgaste de sua força de trabalho negado (nos dois primeiros, por meio do

    desgaste físico, e no último, pela redução do consumo do estritamente

    indispensável).

    Nesse sentido, os apontamentos de Marini continuam sendo

    extremamente pertinentes, uma vez que associam diretamente a forma de

    12 Para uma análise sobre a atualidade da teoria da dependência, de Ruy Mauro Marini,

    para entender o agrohidronegócio e suas implicações para a segurança e a saúde dos

    trabalhadores, ver Perpetua (2017). 13 Ibdem, p. 134.

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    22

    inserção de países dependentes como o Brasil no comércio internacional,

    atualmente reforçada, às formas particulares de exploração do trabalho

    consubstanciadas, auxiliando no desvelar de suas perniciosas consequências. Por

    este prisma, o elevado numero de agravos do trabalho registrados na

    agropecuária brasileira, ainda que extremamente subnotificado, pode ser

    entendido como indício de uma dinâmica estrutural e inerente ao nosso

    capitalismo dependente.

    Os trabalhos de Heck (2013a e b; 2015) e Gemelli (2011; 2014), Barreto

    (2012) e Perpetua (2013; 2016a) são reveladores das dinâmicas de precarização e

    degradação dos sujeitos que trabalham14

    , respectivamente, nos segmentos cárnico,

    canavieiro e arbóreo-celulósico. Ao estudar a produção de suínos e aves no Oeste

    Paranaense, Heck (2013a e b; 2015) encontrou situações de extrema precarização,

    a exemplo das jornadas de trabalho de 20 horas, da inexistência de EPIs e de

    estratégias de intermediação da mão de obra, revelando inclusive que, de acordo

    com estimativas nacionais, em 2011, 23% dos trabalhadores empregados no setor

    de abates de frangos e suínos estavam afastados ou no aguardo de decisões

    judiciais, tendo em vista o adoecimento relacionado ao trabalho. Entre os

    principais agravos identificados estão as LER/DORT, as doenças psicológicas e

    as mutilações. A conclusão do autor é que doenças ocupacionais em frigoríficos

    não são meros acidentes, relacionando-se inteiramente às condições inadequadas

    do ambiente de trabalho e – não menos importante - ao ritmo intenso de trabalho

    motivado pelas metas de produção.

    As mesmas características são reiteradas no estudo de Gemelli (2014),

    segundo quem “[...] o emprego em frigoríficos é baseado na superexploração do

    trabalho” (GEMELLI, 2014, s. p. Grifos nossos) presente nas extensas jornadas,

    no ritmo frenético dos movimentos exigidos e agravado pela pequena quantidade

    de trabalhadores, na insalubridade do ambiente de trabalho (frio, barulhento,

    úmido e fétido), nos baixos salários e nas inúmeras irregularidades trabalhistas.

    Ao estudar a recente expansão do capital canavieiro no Pontal do

    Paranapanema (SP), Barreto (2012) demonstra que grande parte dos empregos

    gerados pelas atividades do segmento é temporária e incerta, condição

    potencializadora da exploração dos trabalhadores e que repercutindo no

    adoecimento e até em seu descarte prematuro.

    O excessivo desgaste e problemas acumulados pelas longas jornadas

    tornam grande parte desses trabalhadores totalmente incapazes para

    14 Essa expressão foi cunhada e proposta por Perpetua (2016b), no intuito de fugir às

    generalizações estruturalistas que obscurecem a multidimensionalidade dos trabalhadores.

  • Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI

    23

    qualquer tipo de trabalho. O resultado é o acúmulo de homens/mulheres

    jovens demais para se aposentar e impossibilitados para buscar o próprio

    sustento (p. 141. Grifos nossos)15.

    A autora revela também que a mecanização da colheita, longe de ser um

    elemento efetivo na melhoria das condições de trabalho e vida dos trabalhadores,

    serve como um meio de fragmentação, desestruturação, opressão e intensificação

    da exploração dos trabalhadores somado às novas formas “flexíveis” de controle

    da força de trabalho, como a terceirização, cada vez mais presente no setor

    canavieiro como um todo, principalmente nas etapas de colheita e transporte16

    .

    Em sua tese acerca do trabalho em áreas de expansão recente do

    monocultivo arbóreo consorciado à produção de celulose (Leste de Mato Grosso

    do Sul, Extremo Sul da Bahia e Oeste do Maranhão), Perpetua (2016a) constatou

    que, em função da presença de uma longa série de agentes de risco (físico,

    químico e biológico) e de formas flexíveis de controle dos trabalhadores, mais

    expressivas na contratação, na definição das jornadas de trabalho e na

    remuneração, os agravos são fatos rotineiros, porém, massivamente

    subnotificados, conquanto a produção seja altamente tecnificada e adequada aos

    padrões impostos pelo mercado externo por meio de certificações.

    Em face disso, as mudanças nas formas de organização do processo de

    trabalho nos põem atentos para identificar transformações no regime de

    acumulação (do taylorismo-fordismo ao toyotismo restrito/sistêmico e/ou outras

    combinações), manifestadas na desproletarização, na informalização, nos

    contratos temporários, nos novos mecanismos de repressão e cooptação do

    trabalhador e em outras tantas formas precarizadas de trabalho, bem como a

    despossessão. No entanto, a cada dia os efeitos desse metabolismo societário do

    capital fragmentam, complexificam e heterogeneizam o mundo do trabalho e

    todos os sentidos assumidos pela polissemização, promovem profundos

    rearranjos territoriais e, consequentemente, redefinições locacionais do domínio

    espacial, mexendo profundamente com o universo simbólico e com a

    subjetividade da classe trabalhadora que não se restringe àqueles(as) que vivem

    da venda de sua força de trabalho, refletindo diretamente na crise por que passam

    15 Entre os agravos identificados pela autora estão as LER/DORT, infecções urinárias e

    respiratórias, intoxicações por agrotóxicos, oscilações de pressão arterial, desidratação,

    úlceras, casos de estresse, alcoolismo, dores diversas e, por fim, morte por exaustão. É

    importante salientar que encarregados e operadores não estão isentos desses infortúnios. 16 Ibdem.

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    24

    os movimentos sociais populares em geral e, em particular, o sindical e

    operário17

    .

    Assim, concordamos com Binder e Cordeiro (2003, p. 410. Grifos nossos)

    quando afirmam que “acidentes de trabalho são fenômenos socialmente

    determinados, indicativos da intensa exploração a que é submetida grande parte

    dos trabalhadores”, entendendo a degradação do trabalho não como algo fortuito,

    limitado no tempo e no espaço, mas como tendência objetiva da própria

    acumulação (MARX, 2013) acentuada no contexto da crise estrutural do capital e

    da produção destrutiva (MÉSZÁROS, 2007; 2011).

    Sob o lume da Geografia do Trabalho, isso se manifesta na conformação

    de frações de espaço produzidas segundo relações de poder que sujeitam os

    trabalhadores a processos de trabalho regidos pelo impulso cego à acumulação,

    fazendo emergir o que Heck (2013a) chamou de “territórios da degradação do

    trabalho”. Neles, a dominação característica da relação capital/trabalho, em suas

    mais diversas feições históricas, combina-se ao substrato espacial construído à

    sua imagem e semelhança, isto é, concebido para controlar e aumentar a

    rentabilidade a qualquer custo e, por isso mesmo, prenhe de agentes de risco e

    causador de inúmeros agravos. No caso dos monocultivos (por exemplo, soja,

    milho, cana-de-açúcar e eucalipto), o envenenamento do ambiente promovido

    pela quimificação e consequente contaminação ambiental, dramaticamente

    intensificada nos últimos anos18

    , constitui um poderoso agravante. O corolário

    deste modelo químico-dependente não poderia ser outro senão o aumento do

    número de casos de intoxicação por agrotóxicos, dos quais, uma ínfima – porém,

    alarmante - parcela tem sido captada pelos órgãos oficiais19

    .

    Há, portanto, uma relação de codeterminação e indissociabilidade entre o

    processo de trabalho, o substrato físico e as relações constitutivas do território e o

    17 Esse quadro complexo é objeto das pesquisas de Thomaz Junior (2009; 2013; 2017). 18 Desde 2008 o Brasil é o principal consumidor de agrotóxicos do mundo (HEINRICH

    BÖLL FOUNDATION, 2015, p. 11). Conforme Carneiro et al. (2015), o consumo médio

    de agrotóxicos vem aumentando em relação à área plantada, passando de 10,5

    litros/hectare (l/ha), em 2002, para 12,1 l/ha em 2011. Ainda segundo informações

    apresentadas por Inês Castilho, em matéria publicada no Portal “De olho nos ruralistas” no

    dia 31 de outubro de 2016, entre 2007 e 2013 o consumo de agrotóxicos nas terras

    cultivadas no país dobrou, enquanto a área plantada cresceu apenas em um terço. 19 Entre 2007 e 2011, o SINAN (SUS) registrou aumento de 67,4% dos casos (de 2.071

    para 3.466) de acidentes de trabalho não letais por intoxicação devido a agrotóxicos

    (UFBA; ISC; PISAT, 2012).

  • Commoditização do territorio no Brasil do Século XXI

    25

    par saúde-doença ainda pouco desnudada por análises críticas no campo da Saúde

    do Trabalhador20

    .

    Considerações finais

    O extraordinário avanço do agrohidronegócio produtor de commodities,

    sobre antigas e novas fronteiras internas da acumulação, tem se dado por meio da

    adoção de um modelo primário-exportador que só pode viabilizar-se enquanto tal

    conjugando monocultivo, tecnificação, quimificação, precarização e

    superexploração do trabalho. A frágil argumentação dos defensores desse modelo

    intrinsecamente destrutivo, alicerçada nas teses da produtividade, da modernidade

    e da vocação nacional do país, não se sustenta diante das evidências incontestes e

    cada vez mais patentes de violações socioambientais por ele promovidas. O

    aviltamento da saúde dos trabalhadores, por meio da imposição de riscos e

    agravos, é uma dentre outras dimensões importantes do processo em curso, assim

    como a degradação ambiental, o aumento da concentração fundiária e da renda, a

    retração da produção de alimentos pela agricultura camponesa e o aumento dos

    conflitos por terra e água.

    O processo de desmonte de direitos historicamente conquistados pelos

    trabalhadores, sinicamente nomeado pelo governo ilegítimo de Michel Temer

    como “conjunto de reformas necessárias”, com destaque para a “reforma

    trabalhista” e a “reforma da Previdência”, tende a intensificar sobremaneira a

    degradação sistêmica do trabalho em curso (THOMAZ JUNIOR, 2017), com

    nuances potencialmente ainda mais deletérias no setor agropecuário e no meio

    rural, onde o descumprimento da legislação trabalhista sempre foi mais grave e

    mais difícil o acesso a serviços públicos como o previdenciário (RODRIGUES,

    2012; UFBA; ISC; PISAT, 2012).

    Compreender este fenômeno em sua concretude e sob a ótica da Geografia

    do Trabalho requer atenção ao jogo escalar, num esforço dialético-materialista

    que o considere enquanto parte da totalidade, empreendendo a síntese entre o

    20 O campo da Saúde do Trabalhador é herdeiro das discussões oportunizadas pela

    Medicina Social latino-americana (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997) e busca

    superar tanto as abordagens e concepções oriundas da Medicina do Trabalho, herdeira

    direta das necessidades do taylorismo, como aquelas provenientes da Saúde Ocupacional,

    derivada das exigências impostas pelo fordismo (BRAZ, 2013). Em termos históricos,

    estrutura-se a partir do final dos anos 1960 e início dos anos 1970, quando o movimento

    sindical, especialmente na América Latina, passa a reivindicar mudanças na atenção e

    promoção da saúde dos trabalhadores (LOURENÇO; BERTANI, 2008).

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    26

    singular, o universal e o particular. Deste modo, o entendimento da degradação

    do trabalho no agrohidronegócio exportador de commodities deve passar pela

    compreensão do fenômeno não como coisa em si, mas como parte da divisão

    internacional do trabalho imposta pela dinâmica da acumulação em escala global

    e em tempos de crise estrutural e produção destrutiva.

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  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    32

    MOVIMENTO TERRITORIAL DO TRABALHO E

    DESTERREAÇÃO DO SUJEITO/CLASSE*

    Antonio Thomaz Junior1

    Introdução

    O capital se sente ameaçado ininterruptamente pelos trabalhadores, pelas

    comunidades que ele precisa combater, de modo que tenta atraí-los ao seu

    governo, para mostrar-se humanizado. O que de fato está em curso é tangenciar a

    luta de classes, ofuscá-la, torná-la desinteressante, anacrônica, já que o

    fundamental é a busca da sustentabilidade, porque, nesse patamar, todos podem

    se sentir iguais. As entrevistas sinalizam essas manobras e a revisão bibliográfica

    indica situações ainda mais preocupantes. Sintetizaria meu entendimento como

    sendo o uso sistêmico de mecanismos de controle da vida cotidiana daqueles que

    são atingidos, desrespeitados pela territorialidade capitalista.

    Essa farsa de a empresa propor-se responsável para resolver problemas

    sociais, ambientais, os quais são intrínsecos à sua lógica reprodutiva, ocupa o

    espaço do conflito pelos subterfúgios das necessidades coletivas, totalmente

    manipuladas. Assiste-se ao esvaziamento das reais necessidades dos

    trabalhadores, das comunidades do entorno, das comunidades ameaçadas, dos

    trabalhadores migrantes, os quais, via de regra, não têm os registros homologados

    nos locais de origem, não recebem o devido nas rescisões contratuais, no final das

    safras etc.

    De todo modo, é nesse ambiente de intensa mobilidade do trabalho, no

    Brasil, que tem lugar a experimentação de novos parâmetros de produtividade

    exigidos na razão direta da intensificação da exploração do trabalho, a qual

    culmina nos impactos à saúde e, consequentemente, nas doenças ocupacionais

    1 Professor Titular de Geografia do Trabalho/FCT/UNESP/Presidente Prudente;

    Coordenador de Projeto Temático/FAPESP; Pesquisador PQ-1/CNPq; Coordenador do

    CEGeT e do CETAS. E-mail: [email protected].

  • Movimento territorial do trabalho e desterreação do sujeito /classe

    33

    que abarcam exposição ao risco, mutilações, contaminação, intoxicação2, morte,

    descarte dos trabalhadores.3

    Nessa sequência em que consideramos os ambientes de trabalho, é

    necessário proceder às combinações entre a intensificação do processo de

    trabalho (mais-valia relativa), com a extensividade da jornada (mais-valia

    absoluta), com as péssimas condições de trabalho, transporte inadequado e

    inseguro, negligência do capital em relação aos EPI, descumprimento dos

    contratos de trabalho e das normativas regulamentadoras (NR-31), dentre outros

    aspectos. O produto dessas combinações propostas é a situação extremamente

    explosiva dos acidentes e doenças ocupacionais e do ambiente de trabalho. São

    exemplos concretos da escalada de desrespeito às condições de trabalho e de vida

    dos trabalhadores.

    Nessa perspectiva, o número crescente de ações por parte do Ministério do

    Trabalho e Emprego, através das fiscalizações feitas no âmbito da Política

    Nacional de Controle ao Trabalho Escravo, lançada desde 2003, coordenada pela

    Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), está conferindo ao setor agroindustrial

    canavieiro, no período que abrange 2007 a 2010 e 2011-2014/2015, metade das

    ocorrências em nível de Brasil, ou seja, 337 casos e 2.900 trabalhadores

    resgatados pelo Grupo Móvel, da mesma forma que as ações ajuizadas pelos

    Procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT)4, que temos

    acompanhado para os diversos casos a que vimos nos dedicando, como cortadores

    de cana-de-açúcar, trabalhadores envolvidos em frigoríficos de frango e suínos,

    barrageiros, dentre outros.

    Assim, o desterreamento de camponeses e posseiros, provocado pela

    expansão e consolidação do agrohidronegócio (a construção das barragens ou

    usinas hidrelétricas – UHE, a territorialização da soja, da cana-de-açúcar, da

    pecuária extensiva, do eucalipto etc.), tem que ser entendido no contexto das

    disputas por território. Seja expropriação, seja exploração, seja subordinação dos

    2 A respeito da intoxicação por agrotóxicos e morte de trabalhadores, recomendo o artigo

    "Intoxicação e morte por agrotóxicos no Brasil: a nova versão do capitalismo

    oligopolizado", de Larissa Mies Bombardi. Boletim Dataluta. Nera, p.1-21, 2011.

    Disponível em:

    http://www2.fct.unesp.br/grupos/nera/artigodomes/9artigodomes_2011.pdf. Acesso em: 09

    jul. 2012. 3 PERPÉTUA, G. M.; THOMAZ JUNIOR, A. A verdadeira natureza do trabalho nos

    novos territórios da celulose no Brasil. In: SEMINÁRIO DE SAÚDE DO

    TRABALHADOR, IX, 2015, Franca/SP. Anais... 2015. Franca: UNESP/Franca, 2015,

    ISSN:2178-4817. 4 Essas informações estão sendo apuradas, pois estou redigindo artigo que leva o título

    inicial de "Trabalho Escravo e Saúde do Trabalhador no Agrohidronegócio no Brasil

    (Negação/Afirmação de Direitos em Transe)". Esse artigo faz parte da Coletânea que estou

    preparando, Desafios Renovados da Geografia do Trabalho, a ser publicada pelo Editorial

    Centelha.

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    34

    trabalhadores ao capital, seja ainda sujeição da renda de trabalho ao capital, temos

    em decorrência os mecanismos de expulsão e de expropriação associados à

    concentração e monopolização da terra e da riqueza socialmente produzida pelos

    setores burgueses.

    Quando direciono as atenções especificamente para o crescimento da

    atividade agroindustrial canavieira, no Brasil, nos últimos dez anos (2005-2015),

    percebo que sua expansão para as áreas novas evidencia os interesses do capital

    por terras férteis, relevos planos e favoráveis à mecanização do corte, do

    transporte e proximidade/disponibilidade de recursos hídricos, como é o caso do

    Polígono do Agrohidronegócio, meu objeto de estudo e também do Projeto

    Temático.

    Quer dizer, a monopolização da terra pelo agrohidronegócio superpõe-se

    ao controle do acesso aos recursos hídricos disponíveis e a serem explorados,

    tanto superficiais quanto nos aquíferos. É por dentro das contradições desse

    processo que compreendemos a violência expressa pelo crescimento intensivo da

    concentração de riquezas (terra, renda, capital), em escala planetária, e toda a

    manipulação que garante aos representantes do capital (conglomerados nacionais

    e internacionais) a imposição dos pressupostos do modelo destrutivo da

    sociedade, dos trabalhadores e da barbárie social.

    As frações do território em disputa (intra e intercapital) – com a

    participação crescente, inclusive, de grupos estrangeiros – expressam não

    somente uma nova geografia e novos elementos e oportunidades, a fim de

    rediscutirmos a questão cidade-campo para o capital e para os trabalhadores, no

    Brasil, mas, sobretudo, consolidam o poder de classe do capital sobre as melhores

    terras agricultáveis e planas do país, e a maior incidência de disponibilização de

    água de subsolo da América Latina. O capital nada mais tem à disposição do que

    o Aquífero Guarani, o que lhe assegura o controle territorial das melhores terras e

    de outros mananciais menores, porém, mais superficiais e de mais fácil extração

    de águas de subsolo para irrigação, nada comparável em nenhuma outra parte do

    planeta, para destinação e uso comercial.

    As sintonias finas do movimento do trabalho

    Na sequência desses aprendizados, os quais nos permitem ultrapassar,

    necessariamente, o conforto dos nossos gabinetes de trabalho – propiciando-nos

    acesso fácil aos livros e ao bem-estar do ar condicionado –, conclamo à

    necessária experiência de amassar barro. Para um bom entendedor, quero dizer

    que o aprendizado junto aos trabalhadores, a partir das experiências que põem em

    prática para se manterem vivos diante das ameaças de morte e da perda contínua e

    constante de direitos, de salários, os riscos, os agravos, os adoecimentos, a

    materialidade da miséria e da renitente decisão de resistirem às formas truculentas

    de exploração, dominação, de permaneceram na terra, nos lotes, nas posses, nas

  • Movimento territorial do trabalho e desterreação do sujeito /classe

    35

    áreas ocupadas urbanas (favelas, às vezes cortiços), enfim, tudo isso muito nos

    ensina.

    Esse é o ponto de inflexão, que, pelo visto, não atrai os pesquisadores que

    continuam relutantes em entender que reconhecer as mudanças e, a depender da

    escala, a marcha das transformações, mantém muito do que somos capazes de

    reconhecer, ao menos com elementos de aparência facilmente identificáveis,

    entretanto, com conteúdos e movimentos dilacerados, modificados, valendo-se da

    produção de valor, da exploração de trabalho, da extração de trabalho excedente

    e, em alguns casos, com profundas mudanças na estrutura social do assalariado

    reconhecidamente proletário, e não mais as combinações e tantas variações que

    nem sempre o assalariamento direto ou as formas mais conhecidas são sequer

    notadas.

    Ainda que parte considerável desses trabalhadores não seja capaz de

    identificar a espinha dorsal do processo de acumulação de capital, dos

    mecanismos de controle, dos significados teóricos da extração/apropriação de

    trabalho não pago, todavia, esses trabalhadores nos mostram que há tantos outros

    sujeitos sociais, os quais, a despeito de não serem explorados (historicamente não

    vinculados à relação salarial), estão subsumidos pelo sistema metabólico, porém,

    resistem, reivindicam de diferentes maneiras, que nem sempre são captadas por

    nós, tampouco divulgadas pela mídia: não são sujeitos sociais conhecidos do

    grande público.

    Basta lembrar os enfrentamentos que ocorrem nos grandes centros urbanos

    entre poder público e sem-teto, e o que pensar sobre os riscos a que estão

    submetidos os posseiros, os quilombolas, os sem-terra, os trabalhadores avulsos

    no Sertão e em tantas outras regiões do país, os quais estão na mira das milícias

    das mineradoras e das empresas do setor arbóreo-celulósico, das redes de

    pistolagem fortemente armadas, as quais atuam em defesa de

    latifundiários/grileiros, normalmente políticos (Prefeitos, Vereadores, Deputados,

    Senadores), pessoas blindadas e muito bem protegidas no Congresso Nacional,

    pela UDR5, CNA etc. Sem contar que dispõem do principal, ou seja, o apoio

    incondicional do poder de extermínio da Polícia Militar, a exemplo do Estado do

    Pará, que, pela eficiência com que matam as famílias camponesas, sem-terra, é

    invejável ao ditador Assad, da Síria, que igualmente representa outro exemplo de

    extermínio, no caso, uma guerra declarada, também desdobramentos do

    imperialismo ou de suas frações, só que na esfera internacional.

    O mais importante produto desse valioso exercício que a práxis

    teoricamente orientada nos ensina é que a intensidade desse processo destrutivo

    do capital é responsável pela desmontagem/reordenamento de setores produtivos,

    em escala mundial, e tem tornado definitivo e dominante o que era, há 30 anos,

    5 A esse respeito, indico a excelente pesquisa de Mestrado A questão Agrária no Brasil e a

    Bancada Ruralista no Congresso Nacional, de Sandra Helena Gonçalves Costa, orientada

    pelo Professor Doutor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, junto ao PPGG/FFLC/USP, 2012.

  • Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. 9 – Especial)

    36

    provisório ou, quando muito, temporário ou contingente, como a informalização,

    a terceirização6, a flexibilização, os contratos temporários: "[...] o trabalhador

    polivalente, multifuncional, qualificado, combinado com uma estrutura mais

    horizontalizada e integrada de diversas empresas, inclusive nas empresas

    terceirizadas, tem como finalidade a redução do tempo de trabalho." (ANTUNES;

    DRUCK, 2015, p. 22).

    A vinculação entre as dinâmicas escalares, que nos cobra entendimentos

    sobre o que se passa com os trabalhadores, com seus empregos, com sua saúde,

    com suas organizações, em nível local/regional/nacional, em face do que está

    acontecendo na Europa, na Ásia, na África, expõe-nos a linhas explicativas que

    indicam a fúria incontrolável do capital, de subordinar historicamente o valor de

    uso à lógica reprodutiva que o transforma em valor de troca e que deixa cicatrizes

    profundas nos indicadores sociais, nos patamares de exclusão, desemprego,

    descarte, fome, adoecimentos, acidentes com sequelas, mutilações, mortes etc.

    A nocividade das experiências chama atenção para algumas

    especificidades, além do Brasil e da América Latina, como, por exemplo, os

    Tigres Asiáticos, os quais chegaram tardiamente à complexa trama da

    produção/industrialização capitalista, também denominados "novos paraísos" da

    industrialização; eles adotam procedimentos, rotinas e formas de contratação,

    pagamento e controle dos trabalhadores extremamente nefastos. Baixos salários,

    jornadas de 12, 16 horas diárias, reúnem contingentes crescentes de condenados

    aos riscos, adoecimentos, mutilações, descartes, sendo que os exemplos mais

    escandalosos estão sediados na China, com o caso emblemático da Foxcom, que

    se situa entre as 20 maiores empresas do planeta, com mais de 15 plantas

    produtivas e aproximadamente 1,5 milhão de trabalhadores.

    Acrescenta-se facilmente ao seu currículo ser exemplo emblemático de

    empresa terceirizada, permissionária para produzir hipérones, iPads, iPods e

    Macs, da Apple, placas da Intel, componentes da Dell e HP, do PlayStation, da

    Sony, do Xbox, da Microsoft, e do Wii, da Nintendo, pagando, em média, aos

    operário(a)s, de US$ 200 a 300 dólares por mês7, juntamente com US$ 2,0/hora

    de jornada de 90 horas extraordinárias por mês.8 Com foco na produção de

    6 Sobre terceirização, sugiro dois livros recentemente publicados: 1) Terceirização -

    precarização e adoecimento no mundo do trabalho. In: NAVARRO, V. L.; LOURENÇO,

    E. A. S. (Org.). O avesso do trabalho IV. São Paulo: Outras Expressões, 2017; 2)

    LOURENÇO, E. E. S. (Org.). Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e Serviço Social:

    Estudos da Relação Trabalho e Saúde no Capitalismo Contemporâneo. Campinas: Papel

    Social, 2016. 7 Importante notar que os estudos mostram que os custos com transporte, alimentação,

    moradia, na China, são de quatro a seis vezes menores do que no Brasil. Cf. MEYER

    (2011); CARVALHO NETO et al. (2012). 8 Segundo informações disponíveis no site da China Labour Watch (CLW), os agravos são

    maiores nas plantas que produzem os aparelhos da norte-americana Apple. Disponível em:

  • Movimento territorial do trabalho e desterreação do sujeito /classe

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    manufaturas para o mercado mundial, a China tornou-se rapidamente um global

    player, que hoje se constitui na segunda maior economia do mundo. Ou seja,

    produz o que há de mais moderno, em termos de TI, de inteligência artificial, um

    verdadeiro arroubo espectral, todavia, com base nos mecanismos de cobrança,

    controle e enquadramento dos trabalhadores, nas metas de produção e de

    produtividade, torna-se colecionadora de características regressivas, de números

    alarmantes de adoecimentos, mutilações, "[...] suicídios dos trabalhadores, que só

    em 2010, chegaram a 17."9

    Com efeito, o que coletamos no levantamento bibliográfico e nos

    depoimentos de pesquisadores, portanto assunto ainda merecedor de mais

    aprofundamentos e detalhamentos, é que, no âmbito tecnológico, a China passou

    de um período em que sua manufatura se baseava na cópia de produtos

    estrangeiros para uma fase em que as empresas chinesas disputam mercados, com

    base no desenvolvimento tecnológico.

    O Estado Chinês investe pesadamente na pesquisa, na expansão do ensino

    universitário, na formação de mão de obra qualificada e de um corpo

    técnico de cientistas e pesquisadores de ponta e de nível internacional.

    Assim, as empresas chinesas hoje já concorrem em pé de igualdade com

    empresas de alta tecnologia mundial. Esse processo resultou de grandes

    investimentos públicos do Estado chinês em ciência e tecnologia, voltados

    para a qualificação dos processos produtivos. (NÚÑEZ, 2017, p. 23).

    Infelizmente, engrossa essa lista a periferia desse continente de

    desigualdades, a Indonésia, as Filipinas, o Vietnã, o Laos, a África Subsaariana,

    sendo o caso mais emblemático a Índia, que dispõe de 1,3 bilhão de habitantes,

    país predominantemente agrário, com uma PEA de aproximadamente 400

    milhões de homens e mulheres, na maioria desempregados/subempregados,

    terceirizados, segundo relatos de Zhang (2015), na indigência e em busca de

    qualquer emprego, seja o mais aviltante, porém, disponível.

    E é nesse cenário marcado por a