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Produção: Setor de Educação do MST e Secretaria de Estado da Educação do Paraná / Coordenação da Educação do Campo

Elaboração: Edilvane de Jesus Marcelites, Isabela Camini, Jurema de Fátima Knopf e Marcos Gerhke.

Coordenação: Isabela Camini

Colaboração: Alessandro Santos Mariano (MST), Daniela Carla de Oliveira (SEED), Marciane Maria Mendes (SEED), Maria Izabel Grein (MST).

Revisão: Márcia Flamina Porto

Capa: Equipe de elaboração

Diagramação: Stevan Sehn e Thaíse Mendonça

Fotos: Setor de Educação do MST - Paraná

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Governador do Estado do Paraná Roberto Requião

Secretário de Estado da Educação Mauricio Requião de Mello e Silva

Diretor Geral Ricardo Fernandes Bezerra

Superintendente da Educação Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde

Chefe do Departamento da Diversidade Fátima Ikiko Yokohama

Coordenação da Educação do Campo Marciane Maria Mendes

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 7

I - HISTÓRICO DA ESCOLA ITINERANTE NO ESTADO DO PARANÁ

1. Contexto ................................................................................................. 11 2. A escola do acampamento ....................................................................... 12 3. A Escola Itinerante .................................................................................. 13 4. Os educadores e sua formação ................................................................ 14

II - REFLEXÕES EM TORNO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGIC0 .... 21

III - EXPERIÊNCIAS

1. Escola Itinerante Chico Mendes .............................................................. 41 2. Escola Itinerante Olga Benário ........................... : .................................... 48 3. Escola Itinerante Zumbi dos Palmares .................................................... 54

ANEXO - MEMÓRIAS E DESAFIOS

Memórias e desafios de Isabela Camini e Marcos Gehrke ........................... 66

Coleção Cadernos da Escola Itinerante 5

APRESENTAÇÃO

Discorrer sobre a Escola Itinerante do MST é falar da vida de pessoas que vivem no acampamento ou na itinerância, na expectativa próxima de chegar ao assentamento, levando consigo os aprendizados da "primeira escola da vida em movimento", no tempo de acampamento.

Todo este sonho de Escola Itinerante começou no Rio Grande do Sul e, em seguida, se expandiu para outros tantos estados do Brasil. Chegou ao Paraná em 2003, pela luta, insistência e teimosia do Movimento, que não aceitava a condição de ter seus filhos fora da escola ou sendo levados a estudar em escolas das cidades próximas dos acampamentos ou assentamentos, distantes de sua realidade, o que os faziam passar por freqüentes discriminações.

Há tempos que o Setor de Educação do MST do Estado do Paraná vinha propondo organizar a memória1 e os registros existentes sobre a Escola Itinerante. Ou ainda, uma sistematização2 capaz de traduzir em aprendizados a experiência construída desde a luta pela escola dos acampamentos até a Escola Itinerante, aprovada pelo Conselho Estadual de Educação em 08 de dezembro de 2003, pelo Parecer 1012/03.

Todavia, passados quatro anos de sua aprovação, somente agora conseguimos nos debruçar sobre o material existente, o qual subsidiará a organização e elaboração de toda a coleção que nos propomos construir.

Sendo assim, é com alegria que apresentamos a Coleção Cadernos da Escola Itinerante do MST, cujo objetivo maior é socializar a experiência da Escola Itinerante, abrangendo todos os seus aspectos. Não haverá uma periodicidade previamente definida, embora tenhamos alguma intencionalidade já demarcada, dada a riqueza de registros existentes.

Os Cadernos têm por objetivos: socializar e divulgar as produções escritas sobre Escola Itinerante do Paraná, a fim de tomá-la mais conhecida internamente na Organização e em outras entidades educativas; fortalecer a dimensão do cuidado com o registro, memória e sistematizar a experiência em questão, para que possamos

"A memória é a vacina contra a morte'', disse Mônica Molina, coordenadora do PRONERA, no 11 Encontro de Educação do Campo, da Floresta e das Águas da Região Norte, nos dias O 1 a 04 de dezembro de 2004, em Manaus, capital do Estado do Amazonas. Para os gregos, Mncmosine, esposa de Zeus, era a divindade da memória, representada em posição pensativa e ornada por jóias. Zeus e Mnemosine tinham como filhas as musas, donas de memória absoluta, imaginação criativa e presciência, com suas danças, músicas e narrativas, que ajudavam os homens a esquecer suas ansiedades e suas tristezas. Nasceu, assim, a instituição museu que representa a casa das musas onde a memória seria, então, preservada. Revista Educação, ano Vill nº. 49, 2005. p. 32. 2 "A sistematização é aquela interpretação crítica de uma ou várias experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou explicita a lógica do processo vivido, os fatores que intervieram no dito processo, como se relacionaram entre si e porque o fizeram desse modo" (JARA, 1996, p. 29).

Coleção Cadcmos da &cola Itinerante Z

refletir sobre ela. Também buscamos com a coleção ajudar no processo de formação inicial e continuada dos educadores que atuam nestas escolas, principalmente daqueles que entram no Movimento sem terem participado desde o início desta história.

Sendo assim, neste momento, a intenção é alargar o olhar para além da experiência do Paraná, construindo, futuramente um caderno que traduza a história e experiência pedagógica da Escola Itinerante do MST, tendo por base a trajetória dos estados que a conquistaram até o momento atual: RS, SC, PR, GO, AL e outros.

Neste primeiro número, apresentamos a Escola Itinerante do MST: História, Projeto e Experiências. Este caderno visa resgatar os momentos e fatos que construíram a história desta escola, o que só foi possível pela densidade de registros existentes, além de um exercício forçado de recordar' , buscando na memória ainda viva, aquilo que não havia sido escrito.

Uma reflexão sobre o seu Projeto Político Pedagógico, elaborado a partir da luta dos trabalhadores, práticas e vivências escolares, também compõe este caderno. Um documento construído passo a passo pela comunidade escolar, que nos orienta no fazer a escola dos trabalhadores do campo num acampamento. Pretendemos que este caderno seja um documento vivo, conhecido por todos na escola, podendo ser consultado, debatido, construído e reconstruído à medida que as circunstâncias reais da prática assim exigir.

A história e experiências pedagógicas das escolas Chico Mendes, Olga Benário e Zumbi dos Palmares, são contadas, na terceira parte deste caderno. Experiências que criam e recriam o cotidiano da luta pela terra. Os aprendizados, inclusive aqueles que ajudaram e ajudam a Escola Itinerante a "virar" Escola de Assentamento também serão abordados aqui.

Podemos dizer que este material fruto de um esforço coletivo, construído a muitas mãos somente foi possível agora mediante uma parceria entre o Setor de Educação do MST e a Secretaria de Educação do Estado do Paraná.

Desta forma, colocamos em suas mãos um material muito especial, que foge dos moldes acadêmicos, mas que traduz a sabedoria de um povo que conquista, pela luta'., uma Escola Pública Estadual, para estar onde eles estão: no acampamento, nas marchas ou na ocupação do latifúndio improdutivo. Uma Escola que não quer deixar a vida real passar do lado de fora dela. Uma escola que lhe ajude construir as ferramentas da transformação social.

A exemplo do Pedagogo Pistrak (2000), que no período da Revolução Russa, colocou como desafio reconstruir também a escola - de modo que ela deixasse de ser um espaço das elites, e passasse a ser um lugar de formação <l:o povo, preparando-

3 Recordar em Latim, re-cordis. Tornar a passar pelo tempo. GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Tradução de Eric Ncpomuccno. 10• ed. Porto Alegre, L&PM, 2003, p. 11.

8 E".·ola 11i11C'1<tnll" do MST· Hi,tória, Projeto e [.xperiéncin.-.

o para uma atuação mais ativa e crítica - o Movimento Sem Terra ao propor construir Escolas Itinerantes, também quer "mexer" com a escola, ainda que seja nos acampamentos - transformando-a numa escola que seja capaz de formar as novas gerações, com alegria, mística e determinação.

Por fim, este primeiro caderno, deve ser lido como um registro de um processo de construção pedagógica que recém está começando. Para dar certo, exigirá muito trabalho e dedicação de parte dos educadores, das comunidades e de toda a Organização do MST.

Todavia, aqui estão guardados segredos e saberes, que somente serão revelados àqueles que lerem estas páginas.

Boa leitura! Setor de Educação do MST

.) Abril/2008

Coleção Cadcro~ da l:i.!ôeo la Itinerante 9

1. HISTÓRICO DA ESCOLA ITINERANTE NO ESTADO DO PARANÁ

1. Contexto

"Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador"4

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em 2007 completou 23 anos de luta pela terra e pela Reforma Agrária no Brasil. Atualmente, está organizado em 24 Estados da Federação, mas ainda não chegou ao Amazonas, ao Acre e ao Amapá.

Este Movimento conta hoje com 350 mil famílias assentadas· e 700 áreas ocupadas. Há pesquisas que demonstram a existência de 4 milhões e 500 mil famílias sem terra, que não participam de luta alguma organizada. Também estão desvinculados de qualquer movimento social do país.

No que diz respeito ao estado do Paraná, o MST vem se organizando desde 1981, devido ao grande número de famílias sem terra desempregadas e excluídas de seus direitos básicos, inclusive expropriadas de sua dignidade. A construção da Barragem da Usina Hidrelétrica de Itaipu desalojou milhares de famílias que não conseguiram mais reaver um pedaço de terra semelhante ao que possuíam e, desta forma, foram perdendo seus outros bens, transformando-se em sem-terra. Também, desalojou famílias que viviam nas ilhas do Rio Paraná, cobertas pelas águas. Essas famílias que já eram sem terra, sequer foram indenizadas, o que os fez integrar-se

Provérbio da África, encontrado por Galcano cm biblioteca dos Estados Unidos. (Livro dos Abraços, p.

116).

Coleç!lo Cadernos da Escola Iuncrantc 11

ao Movimento Sem Terra, que naquela ocasião, estava começando a se organizar no Paraná. Um exemplo disto é que a primeira grande ocupação de terra feita pelo MST aconteceu na região Oeste, no município de Foz do Iguaçu, que abrigava centenas de famílias oriundas desta barragem.

Nesta trajetória de luta pela terra foi possível assentar 16 mil famílias em aproximadamente 300 assentamentos onde se comprovou a carência de escolas da rede municipal e estadual, o que obrigava muitas vezes as famílias que ali viviam a buscarem vagas nas escolas das cidades, contradizendo a luta por uma Educação do e no Campo defendida pela Via Campesina, especialmente o MST. Atualmente há a existência de 15 mil famílias acampadas em diversas regiões do Estado, com tendência a aumentar.

2. A escola do acampamento Desde o início da luta pela terra neste estado, a preocupação com a

escolarização das crianças e adolescentes também acampados com suas famílias, ausentes das escolas oficiais, acompanhou de perto a trajetória do Movimento, marcada por dois grandes acampamentos, na região de Cascavel e Quedas do Iguaçu, onde havia aproximadamente 800 crianças e adolescentes sem escola.

Considerando esta realidade houve iniciativas de organizar escolas nos acampamentos que atendessem à demanda. A primeira delas teve como preocupação maior o cuidado com as crianças ocupando-as em atividades não escolares, porém educativas. Algumas famílias, descontentes ao ver seus filhos perderem o ano letivo, os matriculavam nas escolas das cidades próximas, fazendo uso de um transporte escolar (muitas vezes de qualidade duvidosa) como meio para chegar à escola. Neste periodo, essa era a única oportunidade de inclusão social oferecida pelo Estado que negava o reconhecimento da existência de um Movimento social que lutava pela terra e que agregava em seu meio milhares de famílias. Matricular seus filhos na escola da cidade significou deixá-los sofrer, muitas vezes, discriminação pela comunidade urbana, com professores e alunos que não compreendiam o processo organizativo e as causas que levam os Sem Terra a se organizar e lutar pela terra. Por isso, muitas crianças ficavam sem escola em tempo de acampamento, e as que conseguiam, quando o acampamento mudava de lugar passavam novamente pelo transtorno de "conseguir/ disputar vagas", sendo que muitas delas perdiam o ano letivo o que as desestimulavam a gostar da escola e de estudar.

Em uma pesquisa recente, encontramos um relato significativo. Conforme Alexandra Filipak (2005),

No Paraná, no início de 2003, houve acampamentos em que "as crianças tomaram conta de todas as crianças da vizinhança e onde tinham que levar as crianças a mais de 50 quilômetros de distância do acampamento porque não

12 Escola Itinerante do MST : 11ist6ria. Projeto e ExperiC::nc ias

.......

havia espaço nas escolas para as crianças estudarem. Isso aconteceu em Cascavel, aconteceu em Laranjeiras do Sul, aconteceu em outros lugares".5 (Grein, in: Filipak, 2005).

E continua Alexandra,

Além disso, por muitas vezes, as crianças quando chegam no acampamentoi perdem o ano letivo por dificuldades apresentadas pelas escolas e secretarias de educação dos municípios,quando as crianças se instalam nos acampamentos e precisam ser matriculadas durante o andar das aulas. Outras vezes, a escola é organizada dentro do acampamento, mas sem o reconhecimento legal. Esses são problemas que levam o setor de educação a estar sempre fazendo lutas para garantir o direito das crianças acampadas terem acesso a escola.

Dada esta conjuntura, o Setor de Educação do MST se viu obrigado e pressionado a buscar novas possibilidades de fazer escola, ou seja, uma forma de atender às necessidades dos acampados. A expectativa era ter uma escola que participasse da vida do acampamento, que respeitasse a sua realidade e que a tomasse como ponto de partida para as práticas pedagógicas.

3. Escola Itinerante No Paraná, em 200 3, havia 15 mil famílias espalhadas em muitos

acampamentos do MST, nas diversas regiões do estado. Entre elas havia centenas de crianças, jovens e adultos em idade escolar, sem escola, gerando descontentamento por vê-los sem estudar ou freqüentando uma escola distante de seu mundo, e por isso afastando-os de sua realidade.

O crescimento do número de acampados neste período significava, para o poder público estadual, um elemento de força no enfrentamento e na luta pela terra, realidade que na correlação de forças favoreceu ao Movimento Sem Terra. Também na luta pelo direito a educação, como um "Direito nosso e dever do Estado", o momento foi favorável.

Na trajetória do MST no Paraná, um marco na luta pela legalização da escola foi a experiência realizada no acampamento instalado em frente ao Palácio do Iguaçu, em junho de 1999, quando em um prédio abandonado do Governo, organizou-se uma escola que funcionou ali durante 14 dias, em protesto contra a repressão e a perseguição política do governo Jaime Lerner (1994-2002) aos trabalhadores Rurais. Nesta escola, foram desenvolvidas atividades educativas com crianças de dois a seis anos, da primeira a quarta série e também a educação para jovens e adultos. Esta experiência foi batizada como Escola Itinerante, embora

Maria lzabel Grein - cm entrevista em novembro de 2004 - da Direção Estadual do Movimento Sem Terra no Estado do Paraná, da Coordenação do Setor de Educação do MST, acompanhou todo o processo de discussão, negociação e implantação da Escola Itinerante no Estado, assim como a criação da Articulação Paranacnse Por Uma Educação do Campo

Coleção Caderno~ da Escola Itinerante 1 J

sua legalização tenha demorado mais tempo. Neste mesmo ano (1999), encontramos dificuldades em relação à legalização

da vida escolar das crianças de duas escolas. A primeira foi na ocupação da Fazenda Cobrinco, onde havia dezenas de crianças freqüentando a escola formada durante a ocupação da fazenda, na expectativa de que ela fosse reconhecida pelo município, porém isto não veio a acontecer. Ao mesmo tempo, constatamos outra escola que enfrentou esta mesma realidade, no pré-assentamento Dom Helder Câmara. Estes fatos, de negação do direito a educação aos Sem Terra, foram fatores determinantes para o MST acelerar o processo de legalização de uma Escola Itinerante, que respeitasse a experiência de vida daqueles que estavam lutando pela terra, pelo direito a educação e pela dignidade humana. Estes dois episódios receberam a atenção do Conselho Tutelar e do Ministério Público.

Fatos como estes e tantos outros obrigaram o Movimento a tomar uma decisão: propor a legalização de uma escola que reconhecesse a vida escolar das crianças e adolescentes acampados. Isso o MST do Rio Grande do Sul já havia conquistado em 1996, através de um projeto aprovado pelo Conselho Estadual de Educação, em novembro do mesmo ano, com parecer nº 1313/96. Esse fato serviu como argumento e também uma referência para a proposta de uma Escola Itinerante no Paraná.

Segundo os dirigentes do Movimento, memórias vivas que ajudam reconstruir esta história, à época, havia uma relação bem "amistosa" entre Movimento Sem Terra e o atual governo do estado, Roberto Requião, que afirmava seu compromisso com o MST, manifestando-se favorável ao Projeto de Educação do Campo que vinha sendo discutido no Estado, o que possibilitava à criação da Escola Itinerante. Outro fator importante, naquele momento, foi a conquista da Coordenação da Educação do Campo dentro dos espaços da SEED, elemento que fortaleceu e ajudou a assegurar o processo interno que legalizou o projeto de Escola Itinerante. Iniciou­se assim, em abril de 2003, a Jornada de Lutas. Até chegar ao Conselho Estadual de Educação, Órgão Público que o aprova em 08 de dezembro de 2003 sob o Parecer número 1012/03, o processo para a criação da Escola itinerante, perpassou por vários 'setores internos na Secretaria de Estado da Educação.

Entre outras justificativas, apontadas pelo Parecer, destacamos: Na "Exposição de Motivos" informa-se que existem 67 acampamentos com aproximadamente 13 mil famílias e grande contingente de crianças, em sua maioria sem possibilidade de freqüência à escola. As escolas municipais não dispõem de infra-estrutura ou recursos para atender, de forma muitas vezes inopinada, um grande conglomerado populacional. Para garantir a essas crianças o direito à educação, o Governo do Estado propõe a implantação da "Escola Itinerante" nos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná (2003, p. 1).

Neste período (28-09 a 03-10-2003) acontece no acampamento Dez de Maio 1 E.scola I1inerante do MST: História. Projeto e Experiências

em Quedas do Iguaçu - PR, o Primeiro Encontro de Formação dos Educadores Itinerantes, o que contou com a presença de 40 educadores dos acampamentos onde já havia escolas e que já vinham realizando práticas educativas, mesmo antes da aprovação oficial da Escola.

O Projeto Político Pedagógico da Escola Itinerante abrange desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio Profissionalizante. Tal Projeto Político Pedagógico está vinculado à Escola Base, de nome, Colégio Estadual Iraci Salete Strozak1• Localizada no Assentamento Marcos Freire, município de Rio Bonito do Iguaçu - PR, a escola base tem como função garantir a organização das Escolas Itinerantes, responsabilizando-se perante à Secretária Estadual de Educação do Paraná, no que diz respeito às matriculas, transferências, certificação, merenda escolar, fundo rotativo, além da vida funcional dos Educadores.

O aumento de crianças e o número elevado de Escolas Itinerantes vinculadas ao Colégio Estadual Iraci Salete Strozak exigiu estudos de implementação de uma segunda escola base. A indicação realizada pelo Setor de Educação do MST e SEED /Coordenação da Educação do Campo, foi o Colégio Estadual Centrão, localizado no Assentamento Pontal do Tigre, no município de Querência do Norte, Região Noroeste. Este atende, atualmente, cinco Escolas Itinerantes. Precisamos ressaltar que as duas escolas indicadas para esta função estão localizadas em áreas de Reforma Agrária e atendam às demandas dos assentamentos. É necessário que a direção e o corpo docente dessas escolas bases apresentem condições de atuar em escolas do campo, respeitando a luta pela terra.

Retornando à questão do histórico da Escola Itinerante constatamos que, após a decisão do MST e do Estado de construir Escolas Itinerantes, uma das primeiras tarefas assumidas foi buscar subsídios no que já havia sido criado. Um grupo2 constituído por integrantes do MST, SEED e futura direção da primeira escola base - Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, foi conhecer o que já havia registrado/sistematizado da experiência do Rio Grande do Sul. O grupo visitou, em Veranópolis, o IEJC (Instituto de Educação Josué de Castro), escola que formava os educadores itinerantes; a escola base das itinerantes, Nova Sociedade; dialogou com membros do setor de educação da Secretária de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, e também visitou uma escola itinerante em funcionamento próxima a Porto Alegre. Dado este passo, a equipe retornou ao estado com elementos concretos e com maiores expectativas para viabilizar e iniciar a construgão - elaboração do Projeto Político Pedagógico da Escola Itinerante do estad/'do Paraná. O que não pareceu tão difícil, pois no Rio Grande do Sul a

O nome Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, homenagem à militante e educadora do MST do Paraná, que morreu em um acidente de ônibus no mês de novembro de 1997, quando ainda era estudante. ' Constituíram esta equipe: Izabel Grein (MST}, SoniaFátima Schwendler (SEED), Mareia F. Porto (SEED) e Ritamar Andretta, futura diretora da Escola Base.

Coleção Cadernos da F~ola Itinerante 15

experiência já vinha se consolidando, não precisando aqui iniciar do nada ou "inventar a roda", pois ela já estava girando.

Nesta história merece destaque a Escola Chico Mendes, do acampamento José Abílio dos Santos, localizada no município de Quedas do Iguaçu, que foi inaugurada em 30 de outubro de 2003 e contava com 660 educandos e 43 educadores. Este ato foi visto como pressão para agilizar a aprovação do projeto de Escola Itinerante. Após a legalização, a primeira escola foi inaugurada em 07 de fevereiro de 2004, a Escola Itinerante Zumbi dos Palmares no acampamento Dorcelina Folador, município de Cascava! com 360 educandos e 28 educadores. Estas duas escolas, portanto, marcam os primeiros passos da Escola Itinerante, pública estadual no estado do Paraná.

Precisamos ressaltar que a experiência da Escola Itinerante, Zumbi dos Palmares, já foi objeto de investigação em uma dissertação de mestrado, na Universidade Tuiuti do Paraná, pelo professor Adelmo Iurczaki, com o título: Escola Itinerante: Uma Experiência de Educação do Campo no MST, 2007. Manter interlocução com este pesquisador e conhecer o conteúdo de seu trabalho se constitui como um dever e um desafio para o coletivo responsável pela Escola Itinerante do Paraná, afim de avançar as nossas práticas.

Além dessa pesquisa acadêmica realizada em Escolas Itinerantes, encontramos, em processo de elaboração, uma segunda Dissertação de Mestrado, de Caroline Bahniuk. Seu estudo, realizado na UFSC diz respeito as "Experiências Educativas no MST- Escolas Itinerantes: na direção da emancipação humana?" em acampamentos do MST do Estado do Paraná. Uma terceira é de Alexandra Filipak, aluna da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná, que estuda a Escola Itinerante Caminhos do Saber.

Em relação a isso o estudo de Adelmo, Caroline e Alexandra, pela seriedade da pesquisa, merece nossa atenção. O que significa dizer que temos a obrigação de tomar conhecimento de seu conteúdo, assim como buscar interlocução com os pesquisadores, para que possam fazer uma espécie de "devolução" do trabalho realizado nas Escolas Itinerantes, e junto fazermos uma reflexão das constatações, avanços, inovações e limites identificados no tempo de pesquisa.

Retomando nosso relato, a princípio, a decisão do Movimento foi começar com duas escolas em acampamentos que apresentavam condições organizativas para garantir o processo educativo. As demais escolas organizadas foram fruto da reflexão e trabalho das comunidades acampadas que solicitavam a escola no momento que sentiam necessidade dela, comprometendo-se com a organização e condução da mesma. Desta forma, o Setor de Educação foi atendendo à demanda, deslocando-se até a comunidade acampada que havia solicitado a escola, e ali permanecendo o tempo necessário para a organização da escola e sua forma de fuhcionamento. Todas as escolas foram, em conjunto, organizadas após serem

16 Escola Itinerante do MST H1~1óri1. Projeto e txpcn!nc1as

estudadas suas condições e viabilidade naquela comunidade. Por isso, embora haja atualmente a existência de 30 acampamentos de Sem

Terra no estado, constatamos a existência de somente 11 Escolas Itinerantes nos mesmos. Isto significa que ainda há várias comunidades/ acampamentos que precisam aceitar o desafio e buscar condições para organizar a escola em seu meio.

Nesse processo que já tem quatro anos, visualizamos além das pesquisas (Dissertações de Mestrado) já mencionada acima, vários outros trabalhos monográficos de estudantes dos cursos de Nível Médio, Superior e Especialização. São trabalhos de pessoas que pertencem ou não ao Movimento e que lançam olhares, realizam leituras e reflexões sobre diferentes aspectos de aprendizagem que a experiência de Escola Itinerante do Paraná vem gerando neste curto tempo de existência. São trabalhos, a nosso ver, que na reflexão de aspectos de uma ou outra escola, ajudam a construir o projeto contribuindo para torná-la conhecida no meio acadêmico e nos movimentos sociais, além de ser mais uma força para que tal experiência, venha a se tornar, em breve, uma política pública, de direito e de fato.

4. Os educadores/ as e sua formação Para garantir a organização destas escolas nos acampamentos, os educadores

são escolhidos e indicados pela comunidade acampada e pelo Setor de Educação do Movimento. Mas, para tanto há alguns critérios, tais como: ter condições e formação para exercer o magistério, ter um bom comportamento, ser militante, gostar de ser educador, ter uma boa relação com as crianças e adolescentes, além de ser acampado.

No que diz respeito a sua formação para atuar nas Escolas Itinerantes, esses educadores passam por vários processos: vivência organizativa no acàmpamento (sendo esta sua primeira escola de vida em movimento), cursos de formação continuada propostos em parceria com o Setor de Educação do MST, SEED e Escola Base; encontros, seminários estaduais e nacionais de Educadores das Escolas Itinerantes; cursos Normais de Nível Médio no Instituto de Educação Josué de Castro - IEJC, em Veranopólis, e o curso Superior Pedagogia da Terra, em parceria com várias universidades do país. Entre os educadores, há alguns que cursam ou já cursaram pós-graduação - Especialização em Educação do Campo.

Estes educadores são remunerados por um Convênio entre Estado e ACAP (Associação de Cooperação Agrícola da Reforma Agrária do Paraná), possibilitando a presença de um educador para cada sala de aula. No entanto, o Setor de Educação, por conhecer esta realidade e a dinâmica do acampamento e da escola, considera necessário haver dois educadores em cada sala de aula por ciclo básico de formação. Portanto, o trabalho voluntário é uma prática e um valor defendido pelo Movimento.

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Nesta trajetória histórica, registramos também o segundo Encontro de formação de Educadores das Escolas Itinerantes, ocorrido entre 19 a 23 de abril de 2004, em Faxinai do Céu- PR, com a participação de 120 educadores das 6 escolas que já haviam sido organizadas até aquele momento: Chico Mendes, Zumbi dos Palmares, Antonio Tavares, Paulo Freire, Olga Benário e Che Guevara.

Prosseguindo com os fatos que foram constituindo esta história, e destacando que a formação dos educadores tem sido prioridade nestes primeiros anos, identificamos a realização do terceiro encontro de Formação de Educadores, en­tre 12 a 18 de julho de 2004, realizado em Francisco Beltrão - PR. Este encontro contou com a presença de 150 educadores. Diga-se, porém, que o número de educadores vem crescendo sensivelmente à medida que as comunidades acampadas solicitam a organização da Escola Itinerante em seu meio.

Como podemos ver, o ano de 2004 marca a expansão rápida e o aumento do número de Escolas Itinerantes do MST no Paraná. Isto significou, também, o aumento e entrada de novos educadores, o que justifica que neste ano tenham acontecido vários encontros de formação. Em outubro de 2004, realizou-se o quarto Encontro de Formação, desta vez no Seminário dos Vicentinos, em Curitiba.

Nos registros, identificamos que entre 19 a 22 de setembro de 2005, realizou­se o quinto Encontro de Formação de Educadores Itinerantes, também no Seminário dos Vicentinos em Curitiba - PR.

No momento que a experiência da Escola Itinerante completou três anos, o Setor de Educação organizou uma dinâmica de avaliação da caminhada que começou nas comunidades que têm Escola legalizada, culminando com o Primeiro Seminário Estadual de Avaliação das 11 Escolas Itinerantes do estado do Paraná, realizado entre 06 a 08 de maio de 2007, na Casa do Trabalhador, Curitiba - PR. Participaram deste momento de avaliação, membros da SEED, do Setor de Educação do MST, educadores das escolas e membros da comunidade escolar de todas as Escolas Itinerantes.

Entre tantas falas que ajudaram construir a avaliação, que necessariamente nos remeteu à experiência anterior, nos chamou especial atenção o que dizia Izabel Grein, ao se referir à luta pela "escola do acampamento", no início da década de 1980, no Rio Grande do Sul.

Naquela época não sabíamos muito como fazer, mas tínhamos a inspiração em Paulo Freire que dizia ser necessário partir da realidade, do envolvimento da comunidade na escola. Este jeito veio deste período. Ressalta ainda, que o anseio de ter a nossa escola, nos acampamentos nasce da negação a escola da cidade, já que as crianças não eram aceitas nos municípios onde se organizava o acampamento.

Outro dado que merece destaque foi à preocupação que o Setor de Educação do Movimento manteve com o registro-memória desta experiência ao longo do tempo. Desde o inicio, esta tarefa foi assumida como prioridade por dois 18 Escola Itinerante do MST: Hi!!Lória, Projeto e Experiências

~

educadores8, que em cada encontro buscavam recolher e organizar todo o mate­rial escrito, deixando-o em condições de subsidiar pesquisas futuras. Isso possibilitou esta sistematização, projeto que vinha sendo acalentado há tempo pelo Setor de Educação e que somente se realiza agora, após quatro anos de caminhada.

Além de haver guardado um material rico e significativo de cada experiência de escola, (porque cada uma tem caminhada e aprendizados diversos) há também uma memória fotográfica que registra rostos, vivências e sonhos de educadores e educandos que fazem parte e são sujeitos desta história.

Por fim, nas 11 escolas existentes, neste momento histórico, contamos· com 80 turmas que abrangem todos os níveis de ensino, perfazendo um total de 1063 educandos, com 160 educadores. Em duas destas escolas - Zumbi dos Palmares e Caminhos do Saber - existe desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, com possibilidade de organizar estas outras modalidades nas demais escolas.

Durante esses quatro anos, identificamos 13 Escolas Itinerantes no Estado do Paraná. Duas delas já passaram a ser escolas de assentamentos, as quais terão suas experiências relatadas neste caderno.

Segue abaixo as Escolas Itinerantes: 1. Paulo Freire, acampamento 1 º de Maio, General Carneiro; 2. Carlos Marighella, acampamento Elias Gonçalves Meura, Planaltina do

Paraná; 3. Anton Makarenko, pré-assentamento companheira Roseli Nunes,

Amaporã; 4. Caminhos do Saber, acampamento Maila Sabrina, Ortigueira; 5. Che Guevara, acampamento Oito de Março, Guairaçá; 6. Zumbi dos Palmares, acampamento Primeiro de Agosto, Cascavel; 7. Novo Caminho do Campo, acampamento Quatro de Setembro, Céu Azul; 8. Sementes do Amanhã, acampamento Chico Mendes, Matelândia; 9. Oziel Alves, acampamento Casa Nova, Cascavel; 10.Terra Livre, acampamento Terra Livre, Santa Tereza do Oeste; 11 . Antonio Tavares, acampamento Segunda Conquista, Espigão Alto do

Iguaçu. Entre muitas lições aprendidas nesta história, destacamos que ela se concretiza

à medida que a comunidade acampada assume esta escola como sendo sua, dos trabalhadores, sem abrir mão deste direito já conquistado. Isto fica evidente desde a luta para conquistá-la, até sua permanência no acampamento, efetivando a escola no cotidiano do acampamento.

Por fim, deixamos também registrado duas palavras de ordem que mais alimentaram a mística em todo o processo de criação de Escolas Itinerantes neste

São eles: Eldilvani de Jesus Marcelites e Jurema de Fátima Knopf.

Colcçi'.io Cadernos da l:!!;cola Itinerante 1

estado. "Escola Itinerante chegou para ficar, lutando pela terra e o direito de estudar". "Escola Itinerante, um marco na história. Poder estudar nela, para nós é uma vitória".

20 b~:,)h• ltinc.-rante do \.1ST· llucona. P'ro~o e l:.\penénc1ób

REFLEXÕES E DESAFIOS EM TORNO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Este documento tem origem no Projeto Político Pedagógico e no Regimento Escolar da Escola Base e das Escolas Itinerantes, bem como no conjunto de textos, autores e documentos oficiais. Pretende ser um material de estudo para todos que atuam neste projeto, pois busca socializar aquilo que se ousa propor e fazer na escola do campo. O texto privilegiou a abordagem dos marcos conceitua! e operacional do projeto. Optou-se por não apresentar aqui o marco situacional, por ser mais dinâmico e estar em permanente mudança.

O Projeto Político Pedagógico é resultante, primeiro, da luta dos trabalhadores Sem Terra que, ao conquistarem a terra conquistam também o direito a educação e a escola. Escola esta, de assentamento e acampamento, Escola Pública no e do campo4 •

Segundo, o projeto é ainda, a materialidade de vários momentos de estudo e diálogos entre educadoras e educadores da Escola Base e das Escolas Itinerantes, dirigentes e lideranças do Movimento, comunidades locais5 e demais pessoas envolvidas com a escola. Expressa a trajetória e as vivências das escolas e busca superar os limites percebidos no cotidiano educativo.

Freire (1987) afirma que todo projeto para ser válido, ter eficiência, ser coerente com o sujeito e a realidade, ser duradouro e comungar de princípios, precisa nascer

<'olt<;-• r~1uno, ua E>eola lnncrant< 21

de problematizações fecundas, como chão onde semeamos a semente que nos alimenta e ao outro. Neste sentido, Kramer (1997) considera que:

Uma proposta pedagógica é um caminho, não é um lugar. Uma proposta pedagógica é construída no caminho, no caminhar. Toda proposta contém uma aposta. Nasce de uma realidade que pergunta e é também busca de uma resposta. Toda proposta é situada, traz consigo o lugar de onde fala e a gama de valores que a constitui; traz também as dificuldades que enfrenta os problemas que precisam ser superados e a direção que a orienta. E essa sua fala é a fala de um desejo, de uma vontade eminentemente política no caso de uma proposta educativa, e sempre humana, vontade que, por ser social e humana, aponta, isso sim, um caminho também a construir (KRAMER, 1997, p.12).

O Colégio Estadual Iraci Salete Strozak6, ao conceber e projetar faz sua aposta na formação humana e, ao atender crianças, adolescentes, jovens e adultos nos vários níveis e modalidades de ensino, tanto do assentamento como dos acampamentos do MST nas várias regiões do estado, toma estes como sujeitos de sua formação.

Portanto, o Projeto Político Pedagógico assume aqui o vínculo e o compromisso com a luta dos trabalhadores e, desde então, organiza a formação dos sujeitos em luta. É produzido dentro desta realidade com a finalidade de re­sponder a questões que no campo da educação e da escola envolvem a apropriação e socialização do conhecimento; a produção de novas relações que apontem para a superação da escola capitalista; pensar e fazer a formação humana na escola, na perspectiva da formação da classe trabalhadora que busca a transformação social e a garantia de um conjunto de direitos que vão para além da escola.

A produção deste projeto de escola, no campo da educação do campo pauta­se em lutas combinadas: a garantia do direito e a ampliação do acesso público à educação e à escolarização no e do campo e a efetivação de um projeto educativo de emancipação humana.

Machado (2000) quando trata do projeto nos traz uma importante contribuição quando afirma:

Escola Pública, marca a luta do Movimento pela escola, no e do, marcam a necessidade de esta escola estar NO campo, em nosso caso no assentamento e acampamentos e, ser DO campo, comungar e produzir o projeto educativo proposto pelos Movimentos Sociais para o campo e para a educação do campo. '° Comunidade local aqui significa a participação das famílias assentadas e acampadas desde as Associação de Pais e Mestres, Conselho Escolar e famílias no geral. 11 O Colégio Estadual l.raci Saletc Strozak, é a primeira Escola Base das Escolas Itinerantes, responde por toda vida legal e oficial das Escolas Itinerantes e de cada criança matriculada, transferida etc. Conforme artigo 10 do Regimento Escolar, o papel da Escola Base, articulado com a Secretaria de Estado da Educação, o Núcleo Regional de Educação de Laranjeiras do Sul e o Setor de Educação do MST, é de acompanhar e dar suporte legal e pedagógico à vida escolar das educandas, dos educandos, das educadoras e dos educadores nos acampamentos.

22 Escola ltinernnte do MST· Hi\IÓfia, Prnjc10 e E:<periências

Explicitamente, a palavra projeto costuma ser associada tanto ao trabalho do arquiteto ou do engenheiro quanto a trabalhos acadêmicos, às etapas iniciais na preparação de leis, ou ainda, à estruturação de planos de ação educacional, política e econômica ... De fato, em sentido humano, a própria vida pode ser identificada como um contínuo pretender ser, uma tensão em busca de uma pretensão, na feliz expressão de MARÍAS (1996). Projetam, portanto, todos os que estão vivos, todos os que antecipam cursos de ação, os que concebem transformações de situações existentes em outras imaginadas e preferidas, elegendo metas a serem perseguidas, tanto em termos pessoais quanto em termos coletivos, o que situa a idéia de projeto no terreno do exercício da cidadania( ... ) (MACHADO, 2000, p. 45).

Nesse sentido, o Projeto Político Pedagógico do Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, expressando o projeto das Escolas Itinerantes dos acampamentos do MST, busca concretizar o que segue.

.. ) A educação e a escola do campo O Projeto Político Pedagógico assume a humanização12 como concepção de

educação e a escola como um dos espaços-tempos dessa formação humana. Caldart (2006), compreende a educação como:

... um tipo de prática social que se funda na produção de saberes ou de conhecimentos, na especificidade de relações entre ensino e aprendizagem e, finalmente, nas transformações pessoais que potencializam a humanidade, ou seja, que tornam os seres humanos mais humanos (CALDART, 2006, p.104).

Na tentativa de buscar um processo de formação humana é preciso criar novas necessidades nas escolas e nos sujeitos do assentamento e acampamentos do MST. Isto implica na ampliação do ambiente cultural e social, o que em nossa compreensão significa assumir na escola as seguintes matrizes pedagógicas para realizar a formação: Pedagogia da Luta Social; Pedagogia da Organização Coletiva; Pedagogia da Terra; Pedagogia do Trabalho e da Produção; Pedagogia da Cultura; Pedagogia da História, tornando-as práticas sociais e constituindo a escola em movimento. Todas em conjunto e em movimento formam os sujeitos numa perspectiva histórica com o resgate do passado, análise do presente e, principalmente, projetos para o futuro.

Este projeto educativo vincula e compromete-se com o debate dos movimentos sociais do campo na luta pela construção de um projeto popular para o Brasil, que inclui a reforma agrária, o desenvolvimento sustentável, o fortalecimento da agricultura camponesa e a Educação do Campo.

Tomamos ainda as contribuições de Freitas (2003) que a partir de seus estudos

'2 Paulo Freire concebe a educação como um processo de humanização, que precisa ser construída com e não para os oprimidos, para que assim eles possam, através da dialética da reflexão e ação, recuperar a humanidade roubada.

Colcçfto C84.lcmo~ da Escola ltincranlc 2 J

em Pistrak, pedagogo Russo, nos chama para outras duas questões fundamentais a serem incorporadas na formação, a formação na atualidade e a auto-organização do estudante.

Segundo o autor "deve-se entender por formar na atualidade tudo aquilo que na vida da sociedade do nosso tempo tem requisitos para crescer e desenvolver­se e que em nosso caso tem a ver com as grandes contradições da própria sociedade capitalista" (FREITAS, 2003, p.56). A formação precisa preparar o educando para compreender seu tempo e colocá-lo em movimento de transformação, resolvendo as situações contraditórias que aparecem no mundo real do educando. Freitas assinala também que a contradição básica do capitalismo é a exploração do homem sobre o homem e, isso precisa ser superado, a começar pela escola.

Freitas (2003, p.58), apresenta a auto-organização do estudante e destaca que a negação da exploração capitalista do homem sobre o homem deve ser assumida conseqüentemente no trabalho pedagógico. Nenhuma relação pedagógica pode basear-se nesta relação, exploração e subordinação. Significa que a formação precisa incorporar ações educativas que formem educandos e educadores. A prática de doar o conhecimento, de impor o conhecimento, de cobrá-lo ou de negá-lo, são práticas impregnadas no modelo de escola capitalista, que não ajudam na formação humana e não condizem com a pedagogia do Movimento.

Este projeto baseia-se também, nos Princípios da Educação do Movimento, conforme Dossiê MST e Escola (2005), que são fundamentais para organização da prática pedagógica da escola. São eles:

Princípios da Educação do MST

Educação para a transformação social. Educação para as várias dimensões do ser humano. Educação com/para os valores humanistas e socialistas. Educação como um processo permanente de formação e transformaçãc

humana.Relação teoria e prática. A realidade e a pesquisa como base da produção do conhecimento e os tempm

educativos. Conteúdos formativos socialmente úteis. Educação para o trabalho e pelo trabalho. Educação para o trabalho e a cooperação. Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos, econômicos <

culturais. Gestão democrática. Auto-organização dos educandos.Formação permanente dos educadores/ as.

É necessário esclarecer que a definição de escola. do campo só faz sentido quando pensado o projeto de desenvolvimento do campo, na perspectiva da classe trabalhadora. Essa definição está referendada no parágrafo único do art. 2º das 24 Escola Itinerante do MST: História, Projeto e Experiência~

Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, (2002): A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões

inerentes a sua realidade, ancorando-se na sua temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de Ciência e Tecnologia disponível na Sociedade e nos Movimentos Sociais em defesa de projetos que associem as soluções por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (MEC, 2002, p.37).

A Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional - LDB (1996), em seu artigo 28, estabelece as seguintes normas para a educação do campo:

Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;

... ) II -organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário esco­lar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).

Este projeto pretende ccmstruir a escola do campo, compreendendo-a como local de apropriação de conhecimentos científicos na mediação com o conhecimento do mundo do trabalho e da vida. Na perspectiva da educação do campo, isto significa tratar pedagogicamente os conhecimentos a partir da prática social vivida por camponesas e camponeses, nas diversas dimensões da produção, da sobrevivência no trabalho com a terra, das manifestações culturais e lúdicas, bem como da sua trajetória no MST, ou em outros movimentos sociais.

Objetivos da Escola Base - Colégio Estadual Iraci Salete Strozak. Toda escola persegue finalidades. São objetivos assumidos no seu Projeto

Político Pedagógico: · Ser uma escola vinculada e comprometida com as lutas dos movimentos

sociais dos quais temos origem, compreendendo-os na perspectiva histórica e participando das ações do mesmo;

· Formar para a atualidade, o que implica em possibilitar o acesso ao mais amplo conhecimento, colocando-o a serviço da emancipação humana, o que significa, em última instância, superar a exploração de um ser humano sobre o outro;

· Promover e valorizar o desenvolvimento científico, tecnológico, econômico, social, artístico e cultural, na prática educativa da escola e sala de aula;

· Promover a formação humanista, primando por valores éticos e estéticos no contexto escolar, como prática educativa;

· Garantir na escola a apropriação do conhecimento sistematizado onde cada sujeito tem funções específicas a desempenhar;

· Democratizar as relações na escola, desde a gestão escolar, os processos Coleção Caderno~ da Es.cola Itinc ráJllC 2

avaliativos, através dos conselhos de classe participativos e na implementação da auto-organização dos educandos;

· Privilegiar na metodologia de ensino os processos de trabalho, cooperação e participação;

· Promover ações de integração entre escola-comunidade-escola, nas dimensões culturais, políticas e sociais.

Organização da gestão da escola A gestão democrática é princípio a ser perseguido na escola e na formação

educativa e só se efetiva com a participação coletiva dos vários segmentos: de trabalhadores da educação, educandos e das comunidades do assentamento e acampamentos, nas suas mais variadas instâncias.

Para tal, as comunidades assentadas e acampadas desempenham papel fun­damental na efetivação do projeto de educação, já que a escola é DO campo e No campo e para estes e por estes sujeitos precisa ser conduzida.

Os Ciclos de Formação na escola e o currículo O currículo, corno cerne da educação, é histórico, resultado de um conjunto

de forças sociais, políticas e pedagógicas, expressa a organização dos saberes que circunstanciam as práticas escolares na formação de sujeitos sociais. Nesta perspectiva, currículo é ação, trajetória, processo, caminhada e movimento, é construção coletiva que marca urna identidade.

A Escola do Campo, com seu Projeto Político e Pedagógico, diante das tantas outras escolas públicas do campo e da cidade, possui uma identidade. Esta é a Escola do Campo, porque atende a comunidade camponesa assentada em Rio Bonito do Iguaçu e as comunidades acampadas dos demais municípios camponeses do estado do Paraná, através das Escolas Itinerantes nos Acampamentos do MST.

O projeto veicula urna concepção humana de sociedade, de cultura, de conhecimento, de poder, portanto, Freitas (2003) alerta:

Nesse sentido, não basta que os ciclos se contraponham à seriação, alterando tempos e espaços. É fundamental alterar também o poder inserido nesses tempos e espaços, formando para a autonomia, favorecendo a auto-organização dos estudantes. Isso significa criar coletivos escolares nos quais os estudantes tenham identidade, voz e voto. Significa fazer da escola um tempo de vida e não de preparação para a vida. Significa permitir que os estudantes construam a vida escolar (FREITAS, 2003, p.60).

Currículo é a descrição e a concretização do que a escola deve realizar no contexto do campo. Neste caso, ainda, é um enfoque histórico na perspectiva da construção de escolas públicas do campo. Currículo é prática, é expressão da função socializadora e cultural da instituição escolar, a qual estamos (re) significando. A cara do povo do campo precisa estar na escola e em seu currículo, para que possamos assegurar aos camponeses a aquisição da experiência social

26 Escola lt inc rnntc do MST: Hi:s tória, Projeto e Experiências

historicamente acumulada e culturalmente organizada. Os envolvidos no processo curricular são sujeitos cognitivos e sociais. Neste

sentido, o currículo se constitui nas oportunidades que a escola organiza, no modo como educandos aproveitam estas oportunidades, ampliando sua maneira de vivenciar o mundo.

A organização curricular de urna escola em movimento, por ciclos, precisa em seu processo pedagógico e educativo privilegiar/escolher alguns aspectos a serem inseridos na formação humana dos sujeitos: a organização, a criticidade e a curiosidade, a esperança, as contradições da realidade, a permanente problematização, a alegria, a construção e a provisoriedade do conhecimento, a avaliação emancipatória, a solidariedade, o prazer e a indignação, a gestão coletiva, entre outras.

O currículo procura responder as perguntas inquietantes e latentes que S,}lrgern, tais corno: o que ensinar e aprender? Corno fazer isso? Quando é o momento? Corno, por que, com quem e quando avaliar? Corno planejar? As respostas não estão prontas e não se encontram somente no currículo, mas no projeto de sociedade que estamos dispostos a construir - urna sociedade socialista.

Conhecimento e currículo são idéias inseparáveis, pois o currículo tem a ver com o processo no qual os sujeitos estão envolvidos nos ciclos de aprender, de saber e de construir conhecimentos num dado contexto. Organizar a escola em Ciclos de Formação significa romper com a fragmentação do saber e alargar os tempos de aprendizagem e desenvolvimento.

Os ciclos se fundamentam no processo de desenvolvimento humano numa temporalidade: Infância - Pré-adolescência - Adolescência - Juventude - Idade Adulta - Velhice. Eles não significam apenas urna mudança de estrutura da escola, mas principalmente nos modelos de ensino. Ou seja, mesmo que consideremos que a mudança da estrutura em Ciclos seja mais importante, é na prática educativa que podemos prever ou interferir no desenvolvimento do trabalho pedagógico.

Estamos propondo a organização em Ciclos de Formação, pois, através deles e com eles, pretende-se colocar a ação educativa da escola em movimento. Ciclo é movimento, não nos deixa parados, é processo, é relação, é agrupar e reagrupar-se para aprender e ensinar.

O currículo por Ciclos vem para renovar os métodos de organização e de ensino, que antes justificava a função social da escola pela intervenção educativa legitimada nos conteúdos hierarquicamente organizados. Os Ciclos exigem de nós educadores um novo olhar sobre o sujeito que aprende e nos desafiam para novas concepções e métodos de avaliação corno, por exemplo, a promoção e não o fracasso dos sujeitos.

Significa, portanto, urna mudança de estrutura da escola, de estrutura de pensamento e posição teórica de educadores, por considerar o processo de

Coleção Cadernos da Escola Itine-rame 2 Z

11

desenvolvimento humano, o que necessariamente interfere nos modelos de ensino. Os Ciclos são a possibilidade de superar a lógica linear de escola e devem ser

compreendidos como articuladores do dinâmico e complexo processo de desenvolvimento e de aprendizagem dos sujeitos que estão na escola. Não podem apenas legitimar a mudança da realidade formal escolar, mas também oferecer a possibilidade de superá-la em todas as suas configurações tradicionais de ensino, como, por exemplo, o próprio processo de avaliação que é previsto muitas vezes pelas desigualdades no desenvolvimento e na aprendizagem entre os sujeitos.

Esse novo modo de pensar exige definição de metas e conhecimentos8 próprios de acordo com as idades, principalmente aos grupos de idade-ciclo.

Os ciclos da vida são processuais, não cessam na prescrição ou no conceito final sobre as vivências conquistadas e reconstituem a forma escolar como afirma (K.RUG, 2001 , p.17):

Os ciclos de formação constituem uma nova concepção de escola para o ensino fundamental, na medida em que encarnam a aprendizagem como direito da cidadania, propõem o agrupamento dos estudantes onde as crianças e adolescentes são reunidos pelas suas fases de formação: infância (6 a 8 anos); pré­adolescência (9 a 11 anos); e adolescência (12 a 14 anos). As professoras e professores formam coletivo por ciclos, sendo que a responsabilidade pela aprendizagem no ciclo é compartilhada por um grupo de docentes( ... ).

Para que esta concepção curricular, processual, dialógica, com movimento de ação-reflexão-ação, práxis, garanta, além da mudança no currículo da escola, o desenvolvimento de educandos e educandas, organizamos a escola em CICLOS : Ciclo da Educação Infantil; o Ensino Fundamental em três Ciclos e o Ensino Médio e o Médio Profissionalizante em um Ciclo e a Educação de Jovens e Adultos com as totalidades de ensino. Neste sentido, avançamos a idéia de que os ciclos organizam o Ensino Fundamental e assumimos estes como organizadores da educação básica.

Organização da educação básica O Projeto Político Pedagógico prevê o funcionamento de toda educação

básica, desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio, Profissional, Educação de Jovens e Adultos e a Educação Especial. Estas duas últimas em processo de implementação, tendo como eixo estruturante a Educação do Campo.

O que fundamenta e como se organiza cada um dos níveis e modalidades

· Educação Infantil No Art. 29 da LDB (1996), a educação infantil, primeira etapa da educação

básica, tem como objetivo desenvolver integralmente a criança até os cinco anos de idade, em seus aspectos fisico, psicológico, intelectual e social, complementando

2 8 Escola Itinerante do MST: História. Projeto e. Experiências

.........

a ação da família e da comunidade. O Ciclo da Infância na Educação Infantil compreende o atendimento a

crianças de 4 e 5 anos de idade. A forma de agrupamento far-se-á de acordo com o número de educandos de cada estabelecimento respeitando a legislação em vigor.

A avaliação dar-se-á de forma processual, dialógica, diagnóstica e será registrada através da elaboração de pareceres descritivos e dossiês semestrais, não ocorrendo reprovação.

· Ensino Fundamental A Lei Nº. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, altera a redação do Art. 32, que

passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 32. O _ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos,

gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão".

O Conselho Estadual de Educação do Paraná através da Deliberação n.º 03/ 06, amplia o Ensino Fundamental para nove anos, considerando obrigatório nos sistemas de ensino, a matrícula a partir dos seis anos de idade.

Art. 12 - Para matricula de ingresso no 1.º ano do Ensino Fundamental de 9 (nove) anos de duração o educando deverá ter seis anos completos ou a completar até 1 º de março do ano letivo em curso.

A LDB (1996), em seu Artigo 23, prevê a possibilidade já assumida por este projeto, da organização do ensino por ciclos, denominada aqui de ciclos de formação. A flexibilidade da estrutura organizacional proposta pela LDB permite redimensionar a lógica da rigidez do tempo escolar. Deste modo, a escola reorganiza seus tempos e espaços proporcionando discussões e planejamentos coletivos, os quais estão detalhados no tópico da Organização do Trabalho Pedagógico, primando a qualidade social da educação.

Educação Fundamental organizada em ciclos, com base nas idades e nos Ciclos de Formação, terá nove anos letivos, em três ciclos de três anos cada. Esta etapa de educação atenderá a Infância (6, 7 e 8 anos), a Pré- Adolescência ( 9, 10 e 11 anos), e a adolescência (12, 13 e 14 anos).

· Ensino Médio e Profissional O Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, Escola Base das Itinerantes, atende

neste nível de ensino dois cursos: o Ensino Médio com duração mínima de três anos e o Curso de Formação de Docentes, na modalidade normal.

O Ensino Médio desenvolvido na Escola Base e nas Escolas Itinerantes é o ciclo da juventude na escola e objetiva uma formação geral sólida, pautando a vinculação entre o contexto local e universal buscando apropriar-se de conhecimentos universais e socialmente comprometidos com a transformação da sociedade e da juventude, o que exige uma análise do mundo do trabalho.

O Curso de Formação de Docentes desenvolvido apenas na Escola Base,

Coleção Cadernos da Escola ltinenmte 2

forma educadoras e educadores para o trabalho na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Com quatro anos de duração este curso articula a formação geral e profissional da juventude e adultos que buscam uma profissionalização.

· Educação Especial Inclusiva Os serviços de apoio pedagógico especializado (Educação Especial Inclusiva)

ocorrem de acordo com a legislação vigente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9394/96, cap. V, Art. 58, 59 e 60, e Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Parecer nº. 17 /2001.

O apoio pedagógico às crianças com necessidades educacionais especiais ocorre em:

Classe Especial: As crianças são atendidas no ensino regular, em espaço fisico e modulação adequada, na qual o professor é especializado na área da deficiência mental.

Sala de Recursos: Serviço de apoio pedagógico especializado ofertado no período contrário daquele que o aluno freqüenta a classe comum, por profissional da Educação Especial, com atendimento individual e em pequenos grupos.

A Organização do Trabalho Pedagógico da Escola O projeto político-pedagógico vai além de um simples agrupamento de planos de ensino e de atividades diversas. O projeto não é algo que é construído e em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades educacionais como prova do cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos os momentos, por todos os envolvidos com o processo educativo da escola.

Desse modo, o projeto político-pedagógico tem a ver com a organização do trabalho pedagógico em dois níveis: como organização da escola como um todo e como organização da sala de aula, incluindo. sua relação com o contexto social imediato, procurando preservar a visão de totalidade. Nesta caminhada será importante ressaltar que o projeto político-pedagógico busca a organização do trabalho pedagógico da escola na sua globalidade (VEIGA, 1997, p.34).

O trabalho pedagógico ao articular intencionalidade (objetivos), método e os conteúdos escolares busca, nos princípios da educação do Movimento e em sua pedagogia, na produção teórico-metodológico da educação no campo, no conjunto das contribuições da educação progressista brasileira e na experiência da educação socialista, suas referencias para realizar a formação humana desde a escola, conforme garante o Art. 28, itens I, II e II da LDB (1996).

Esta proposta de educação exige das práticas educativas de educadoras e educadores, a permanente relação entre pesquisa da realidade 14 e a organização

14 Entende-se por pesquisa da realidade, o processo permanente de investigação do cotidiano da comunidade bem como o conjunto das relações que dele emanam, colando-se em movimento, assumindo a pesquisa participante

como a grande metodologia da escola. Ü Escola Itinerante do MST: Hi~tória, Projeto e t:;xpenências

do conhecimento desde os eixos temáticos propostos nas Diretrizes Curriculares da Rede Publica de Educação Básica do Estado do Paraná - Educação do Campo15

da SEED, documento este que orienta o modo de organização do trabalho pedagógico.

Dentro desta organicidade dos ciclos, a didática coloca-se em movimento, articulando a Pesquisa da Realidade, os Eixos Temáticos das Diretrizes da Educação do Campo, as Áreas do Conhecimento, os Conhecimento Escolares (conteúdos), o Processo de Avaliação e a atuação docente, tudo para garantir que o conhecimento esteja a serviço da formação humana e da sua emancipação.

Conhecimento e realidade: trilhar a metodologia de ensino Optou-se, neste projeto, pela abordagem da Teoria Dialética do

Conhecimento, na qual educandos e educadores precisam ser capazes de perceber a prática social e que a partir dela é possível produzir conhecimento. Assim temos a possibilidade de transformar essa prática social, através da relação dialética que se estabelece entre Prática - Teoria - Prática, ou, Ação - Reflexão - Ação, ainda, Parte - Todo - Parte.

Quando assumimos esta teoria do conhecimento, assumimos também a contradição como categoria de análise da realidade, pois ela está na sociedade de classes em que vivemos. Portanto, não basta convencer as pessoas usando discursos vazios, ou até mesmo querer que assumam o nosso pensamento como verdade, dessa forma, não se estaria formando com autonomia. Precisamos estabelecer o diálogo entre os saberes e as posições para que o limite no pensamento seja percebido, o que só será possível quando a coletividade fizer o estudo da realidade tendo como referência o olhar da classe trabalhadora.

Portanto, a pesquisa da realidade ou a investigação temática do conhecimento da comunidade (tanto o popular como o científico), darão forma na organização, o diálogo que dialeticamente se coloca como possibilidade de romper o dualismo entre os saberes necessários e os saberes historicamente privilegiados pelos currículos escolares. A organização, a pesquisa, a investigação, a problematizarão, a socialização, a sistematização e o ensino terão lugar privilegiado neste projeto. Como toda produção do conhecimento tem como uma de suas finalidades a devolução16 para a comunidade e assim entendemos que este novo conhecimento já sistematizado e organizado, seja devolvido à sociedade como aprendemos com (FREIRE, 1987, p. 83-84).

15 Cultura e identidade, lnterdepend~ncia campo-cidade, questão agrária e desenvolvimento sustentável, Organização Política, movimentos sociais e cidadania e Trabalho. 16 A devolução do conhecimento produzido na escola e pela escola para a comunidade terá diferentes formas e possibilidades: primeiro o próprio educando e a educanda, sujeitos da comunidade, com seu conhecimento novo, com seu novo comportamento; os seminários com estudantes e as fanu1ias; as feiras e mostras; os intercâmbios; as produções escritas; os dias de campo e outros.

ColcçAo Cadcrno.s da Escola Itinerante 31

Para o educador - educando dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou imposição- um conjunto de informes a ser depositado nos educandos- mas, a devolução organizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.

A partir da pesquisa da realidade, o trabalho pedagógico pauta seu planejamento numa perspectiva dialética e organiza-se em pelo menos três grandes momentos: Estudo da Realidade (ER), Organização do Conhecimento (OC) e Aplicação do Conhecimento (AC), dialeticamente articulados.

No Estudo da realidade (ER), o trabalho pedagógico tem como ponto de partida as situações codificadas, ou seja, escolha de falas significativas, imagens do lugar que expressam situações limites, por exemplo; as fotografias, desenhos, relatos orais, filmagens, que contenham de forma implícita contradições da problemática local. A perspectiva é a de resgatar da vivência de educandos, as situações significativas da comunidade. Estas se apresentam como limites explicativos na compreensão de sua realidade e sobre os quais se dá a produção do conhecimento social comprometido com a superação.

São apresentadas essas questões e/ ou situações para discussão com os educandos. Sua função é fazer a ligação do conteúdo com situações reais que os mesmos conhecem e presenciam e as que ainda vão conhecer para as quais, provavelmente, não dispõem ainda de conhecimentos sistematizados suficientes para interpretar total ou corretamente.

A problematização poderá ocorrer pelo menos em dois sentidos. De um lado, pode ser que o educando já tenha referências ou noções a respeito das questões abordadas, fruto de sua aprendizagem anterior, tanto na escola como fora dela. Suas noções poderão ou não estar de acordo com as teorias e as explicações das Ciências, o que tem sido chamado de "concepções alternativas" ou "conceitos intuitivos" de educandos. A discussão coletiva pode permitir que essas concepções surjam.

Por outro lado, a problematização poderá permitir que educandos sintam necessidade de adquirir outros conhecimentos que ainda não detêm; ou seja, coloca­se um problema a ser resolvido. Eis porque as questões e situações devem ser problematizadas. Neste primeiro momento, caracterizado pela compreensão e apreensão dos educandos frente ao assunto, é desejável que a posição dos educadores seja mais de questionar, lançar dúvidas, do que a de responder ou fornecer explicações.

É o momento em que se explora a experiência do educando, ajudando-o a olhá-la de forma distanciada. Envolve, necessariamente, descrição das situações de vida, de modo quantitativo e qualitativo, buscando as relações que podem ser estabelecidas nesse primeiro momento, sistematizando e ampliando coletivamente as interpretações que os educandos já têm. Entendemos que isso tudo é sistematizar

2 F,.\Cola llmemnte do MST: Hmóna. Projeto e Experiência'.'!.

o conhecimento a "partir da realidade" e a idéia aqui, é, assumir na prática, nosso discurso de escola.

Na organização do conhecimento, trabalha-se o conhecimento necessário para que a compreensão da problematização inicial será sistematicamente estudada sob orientação dos educadores. Serão desenvolvidas definições, conceitos, relações. O conhecimento é programado e preparado em termos instrucionais para que o estudante aprenda, de um lado, a perceber a existência de outras visões e explicações para as situações e fenômenos problematizados e, por outro, a comparar este conhecimento com o seu, podendo escolher o que usar para melhor interpretar aqueles fenômenos e situações.

Este é um momento intenso de trabalho, no qual educadores transmitem informações, colocam educandas e educandos na pesquisa, tanto bibliográfica como de campo, realizando sínteses escritas e seminários de socialização. É o tempo de buscar o que ainda não se conhece para responder as questões e problematizações iniciais.

A aplicação do conhecimento aborda sistematicamente o conhecimento que vem sendo incorporado pelo educando para analisar e interpretar tanto as situações iniciais que determinaram o seu estudo, quanto outras situações que não estejam diretamente ligadas ao motivo inicial, mas que são explicadas pelo mesmo conhecimento. Deste modo, pretende-se que, de forma dinâmica e paulatina, se vá percebendo que o conhecimento, além de ser historicamente produzido pela humanidade, está disponível para que qualquer cidadão o utilize e para isso deve ser apreendido. Pode-se então evitar a excessiva dicotomização entre processo e produto, ciência de "quadro negro" e ciência da "vida". Caracteriza-se pela generalização e transferência do conteúdo adquirido na organização çto conhecimento, por uma releitura da problematização feita no estudo da realidade, tendo sempre presente as possibilidades de · ação sobre o real.

Por sua vez, cada escola ou curso, cada turma ou ciclo de turmas, ou ainda as áreas de conhecimento, organizarão seu planejamento em forma de projetos, vivencias geradoras, temas geradores ou temas, tendo como foco do trabalho a metodologia definida.

Avaliação Nos ciclos de formação humana a avaliação assume, no coletivo de educadores

do ciclo e do conjunto da escola, o papel central do constante perguntar-se, problematizar-se. Por isso, ela assume o caráter permanente, dialógico, diagnóstico, articulado e contínuo, com retomadas constantes, relacionando os conhecimentos trabalhados com o horizonte e com a perspectiva dos conhecimentos que precisam ser apropriados pelo coletivo dos educandos envolvidos no processo educativo. Como nos diz Luckesi (2004):

O resgate do significado diagn6stico da avaliação, não significa menos rigor na prática da avaliação, ao contrário, para ser diagn6stica a avaliação deverá ter o máximo no seu

Coleç3o Codemos da Escola h1ncrantc 3 3

encaminhamento e na essência do verdadeiro conhecimento. (LUCKESI, apud Proposta de avaliação da Escola Itinerante, 2004 p.2).

De acordo com a Deliberação nº. 03/06 em seu Art. 20:

"A avaliação deverá ter dimensão formadora, com o acompanhamento do processo contínuo de desenvolvimento do aluno e da apropriação do conhecimento, tornando-se o suporte para a ação educativa". No parágrafo 2.º "Os registros elaborados durante o processo educativo deverão conter indicações sobre os diferentes aspectos do desenvolvimento e da aprendizagem do aluno".

A avaliação na proposta dos Ciclos tem o objetivo de intervir e redimensionar a ação pedagógica bem como subsidiar, permanentemente, os docentes e a instituição. Outro ponto a ser considerado é o momento de problematizar todo o trabalho educativo desenvolvido na escola, não só no que diz respeito as questões relacionadas diretamente às aprendizagens, mas também o currículo, as formas de organização do tempo e espaço e as relações entre a escola e a comunidade.

A escola assegurará uma articulação com a família no acompanhamento dos educandos ao longo do processo, fornecendo-lhe informações sistemáticas quanto: a freqüência, o desenvolvimento e aproveitamento escolar, primando pela formação integral dos educandos do ponto de vista pedagógico.

Para dar conta da concepção de educação aqui proposta a avaliação é organizada para corresponder aos objetivos propostos e perseguirá os seguintes momentos:

a) registro do desenvolvimento no dossiê17do educando: assumindo nosso discurso, de que a avaliação é contínua, sistemática, processual e interdisciplinar, na prática escolar a avaliação é encaminhada através de registro que comprovam o trabalho desenvolvido e a aprendizagem dos alunos em dossiê individual. Este acompanhará cada educando em todo ciclo. Nele, o educador arquiva e anota elementos do avanço e dos limites do educando, tendo ainda espaço para o registro da auto-avaliação dos educandos e um espaço especifico paraca família fazer suas anotações.

b) os conselhos de classe participativos: estes são espaço-tempo de efetivar o que chamamos de avaliação dialógica, de chamada para o compromisso com o estudo e a formação e não para obter notas. Ele é também, um espaço de divisão do poder da instituição escolar,pois avalia-se cada sujeito e cada instância da escola envolvida no processo educativo e como afirma Luckesi (1986, p. 36)"0 momento de avaliação deveria ser um "momento de fôlego" na escola, para em seguida, ocorrer a retomada da marcha de forma adequada e nunca um ponto definitivo de chegado"

'7 O Dossiê consiste no registro do processo de acompanhamento e avaliação através de anotações sobre suas

produções e do relatório de desempenho de cada educando. E uma pasta com registro do coletivo de educadores e de acesso aos educandos, apresentado à famflia semestralmente.

E!>co la Itinerante do MST: História, Projero e Expcriêncías

Os conselhos de classe participativos acontecerão ao final de cada trimestre, sempre a partir da metodologia proposta, que apresenta três momentos básicos:

1 º Momento - juntamente com o professor/ coordenador da turma, escolhido pelos estudantes, a turma faz a análise de todo o processo pedagógico da turma, com as avaliações e provas. Também está na pauta de avaliação a própria escola, nos diversos aspectos que envolvem o processo. Após, elaboram um parecer descritivo da turma e do colégio. Este documento deve ser sistematizado pelo educador coordenador e o educando coordenador.

2° Momento - cada educando deverá elaborar uma auto-avaliação em forma de parecer descritivo do seu desempenho em classe, levando em consideração os elementos da aprendizagem e de participação coletiva na turma. Para isso a coordenação pedagógica da escola apresentará anteriormente os critérios.

3º Momento - realização de um encontro onde cada um dos educandos fará a leitura de sua auto-avaliação. Neste momento, serão ouvidos tanto o professor Íesponsável pela turma como o aluno. Após, o coletivo poderá complementar com análises, sugestões, questionamentos, desafios e até mesmos alertas e quais os passos a serem seguidos. Este momento fica sob a coordenação do educador coordenador e do educando coordenador, contando sempre com a presença dos demais educadores, da coordenação pedagógica da escola ou curso. Este momento é também de registro e estruturação do parecer descritivo por parte do educador coordenador e da coordenação pedagógica.

e) os pareceres descritivos e a~ notas: Quando se fala de avaliação estamos pensando sempre na avaliação dialógica, processual, diagnóstica e de encaminhamento. Não basta constatar os limites ou os sucessos. Cabe aos educadores e a escola buscar soluções, dando possibilidades para o avanço,sempre com a participação dos educandos e da sua família.

O parecer descritivo cumpre parte desta função, descrever com fundamento científico, os conhecimentos trabalhados, os objetivos previstos no trimestre, explicitar de forma clara, objetiva e de fácil compreensão para a comunidade escolar (educandos e família) o desenvolvimento de cada educando e, finalmente, concretizar encaminhamentos pedagógicos para o sucesso do educando.

As notas, impregnadas na cultura escolar, ainda farão parte da avaliação nos anos finais do Ensino Fundamental e Médio.

d) Quanto à promoção e progressão dos educandos A partir do conjunto de avaliações, os educandos têm garantido a

continuidade dos estudos, devendo acompanhar o avanço da sua turma e, quando apresentarem dificuldades de aprendizagem, poderão participar das Oficinas de Aprendizagem, no tempo necessário para superar suas necessidades.

O conselho de classe participativo, o conselho de classe de educadores será sempre a instância de encaminhamentos da avaliação. São elas:

Co leção Cadernos da EM:ola Itinerante

Progressão simples: quando educandos prosseguem os estudos normalmente. Ela poderá acontecer nos trimestres, ou no final de cada período letivo.

Progressão com acompanhamento: os educandos poderão prosseguir seus estudos no próximo ano, com acompanhamento especializado no turno inverso, nas Oficinas de Aprendizagem, podendo estas turmas ser organizadas com educandos do mesmo ciclo, como forma de superar as necessidades.

Classes intermediárias: Caso os educandos, ao final de três anos, não tenham atingido o proposto pelo ciclo, freqüentarão uma turma intermediária, ou seja, uma turma entre um ciclo e outro, por tempo indeterminado, garantindo a aprendizagem e o desenvolvimento. Uma vez superadas suas dificuldades na aprendizagem de determinado conhecimento, os educandos retornarão ao seu ciclo de idade em qualquer período do ano.

Agrupamentos e re-agrupamentos; A partir de estudos feitos em Vygotsky e Arroyo (1999) e do conjunto de

experiências em andamento com o trabalho dos ciclos de formação humana, que comungam da idéia de que o sujeito aprende e se desenvolve nas relações entre os sujeitos, com o contexto e com o objeto a ser conhecido. Fundamentalmente se aprende na qualidade e intensidade vivida pelos sujeitos nestas relações, onde o adulto tem o papel de mediador, provocador e organizador das relações, as quais devem ser ampliadas e aprofundadas processualmente de sujeito para sujeito e de ciclo para ciclo, superando a idéia e a prática da reprovação ou retenção.

Aprendemos com aqueles e aquelas da mesma idade, aprendemos com as diferentes idades, com experiências de vida diversas, com a mediação de alguém mais experiente, neste caso, os adultos e na escola com as professoras e educadoras. Cada idade tem potencialidades próprias para aprender certos conhecimentos. Sabemos ainda que estamos imersos em cultura: a cultura camponesa, a cultura popular,a cultura erudita, a mídia, o mercado. Estamos em relação permanente com conhecimentos e saberes, com situações e contextos diferenciados e múltiplos que devem compor o currículo escolar.

Neste sentido, este projeto prevê os agrupamentos referência (tradicionais turmas ou salas) dos sujeitos de acordo com as idades: 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13,14, 15, 16, 17 anos13. As demais idades estarão na EJA, sendo uma turma de cada idade e, no caso das Escolas Itinerantes menores, as turmas serão organizadas por ciclo (grupo de idades). Os agrupamentos terão no máximo vinte (20) educandos no primeiro e segundo ciclo, vinte cinco (25) educandos no terceiro e quarto ciclo, e trinta (30) para o quinto ciclo. No agrupamento referência, às crianças permanecerão a maior parte do tempo dos dias da semana com a educadora regente, para construção do conhecimento e das relações próprias de cada idade. Dos quatro aos dez anos, os agrupamentos terão atendimento uni docente, com

6 E~coln Itinerante do MST: História, Projc10 e Experiências

intervenções através de oficinas, jogos, arte e outros. Além do agrupamento referência por idade, as crianças poderão vivenciar

os re-agrupamentos que ocorrem entre as diferentes idades no mesmo ciclo e en­tre os diversos ciclos. Quando houver necessidade, no mesmo ciclo poderá haver re-agrupamento horizontal e o re-agrupamento vertical, entre sujeitos dos diferentes ciclos, isso para que os educadores possam trabalhar com as necessidades especificas do desenvolvimento de cada grupo.

Ore-agrupamento dar-se-á em tomo das necessidades14 e potencialidades15

dos sujeitos (o sujeito aprende e se desenvolve nas relações entre os sujeitos, com o contexto e com o objeto a ser conhecido, neste caso o conteúdo). É um tempo e espaço que possibilita novas relações com outros sujeitos, educandos e educadoras, buscando viabilizar o desenvolvimento e a aprendizagem a partir da necessidade de cada sujeito e, do coletivo, com necessidades próximas. Os re­agrupamentos serão sempre com grupos menores para garantir o atendimento e podem acontecer semanalmente.

Precisamos nos dar conta de que ao agruparmos todos os educandos por necessidades e potencialidades, estaremos garantindo que todos avancem no conhecimento. Com isso precisamos rever a idéia de sala de aula ou classes parelhas, homogêneas e atentar que as diferenças no desenvolvimento são condição no processo educativo. Avança aquele que tem maiores limites, mas avança também aquele que já está num estágio desejado. Na escola dos ciclos todos devem aprender. Afinal este é um direito do sujeito e o papel dos educadores como profissionais cuja função é ensinar através de trocas sociais.

O processo de agrupar e re-agrupar os sujeitos, na escola, para aprender e se desenvolver, colocam a escola em movimento. Assim forja-se uma escola que não cristaliza as possibilidades de viabilizar o aprendizado e o desenvolvimento de todas e todos, o que inclui os profissionais da educação. Esta é uma escola que cria e re-cria espaços e tempos de aprender relações e conhecimentos. 18

Neste momento não teremos a inda todos os educandos e turmas organizados desta forma, salas por idade, esta é a meta, depois de superada a prática da reprovação da escola capitalista. Estamos nos propondo de nos primeiros anos fazer o trabalho de reagrupamentos para garantir o direito do aprendizado a todos e com isso fazer a referida adequação. 19

NECESSIDADES, optamos por este conceito em detrimento da idéia de dificuldade. Compreendemos que o sujeito tem maiores ou menores necessidades de apropriação de certo conceito e para isso a escola precisa organizar seu tempo e espaço para desenvolvê-los, superando a linearidade e hegemonia. Portanto, precisamos reagrupar para atender estas necessidades dos sujeitos aprendentes. As necessidades podem ser na ordem do conhecimento como nas relações sociais e elas devem ser superadas com ações de educadores e entre os próprios educandos, portanto os educandos serão re-agrupados pelas necessidades. 20

POTENCIALIDADES.Todo sujeito é sujeito de potencialidades (Vigo!Sk:i) . São capacidades/potencialidades que o sujeito desenvolveu em sua formação e no contexto social e, que podem ser ainda mais desenvolvidas de acordo com o interesse de cada um e do coletivo, mas fundamentalmente com aquilo que iremos oferecer na escola. São agrupamentos livres ou dirigidos, nas oficinas de arte-educação (música, plástica, cênica ... ), nas áreas do conhecimento, na organicidade do Movimento e outros, onde os mais experientes ensinam os ainda menos experimentes cm ofícios, conhecimentos e artes.

Coleção CademM da Escola Itinerante J Z

Organização de educandos É preciso que a nova geração compreenda, em primeiro lugar, qual é a

natureza da luta travada atualmente pela humanidade; em segundo lugar, qual o espaço ocupado pela classe explorado nesta luta; em terceiro lugar, qual espaço que deve ser ocupado por cada adolescente; então é preciso que cada um saiba, em seu respectivo espaço, travar a luta ... (PISTRAK, 2000,p. 53)

Esta organização precisa ser construída processualmente no coletivo, com os educandos e educadores, logo, não poderia vir num pacote pronto,o que não seria educativo junto ao coletivo de estudantes (crianças/adolescentes/jovens). Por outro lado, precisamos dar inicio a caminhada, não podemos ser ingênuos, achando que a organização acontece por si só e para isso apontamos algumas possibilidades, as outras o processo nos mostrará.

Trabalharemos com a organização de grupos/núcleos de trabalho e estudo. Cada turma organiza-se, segundo seus critérios (amizade, afinidade de trabalho, gênero, vizinhança entre outros), em grupos de quatro a cinco pessoas, grupos fixos de trabalho no trimestre, com tarefas combinadas: Escolher um coordenador/ uma coordenadora do grupo; realizar trabalhos em sala de aula sempre que solicitados por educadores (pesquisas, entrevistas, produções, discussões); escolher a coordenação geral, que representará esta no colegiado de turmas (coordenação geral de educandos); definir regras e normas; promover o estudo, assumindo o compromisso do pequeno coletivo e da classe.

Coordenação Geral de Educandos da escola. Esta é formada pelos representantes de cada uma das turmas e tem como tarefa ouvir e discutir os problemas trazidos pelos grupos; propor mudanças e alternativas para a direção da escola; promover eventos esportivos e culturais; coordenar as assembléias de educandos; garantir a execução do planejamento da assembléia; garantir a mística e as atividades culturais; elaborar e aprovar as normas da escola; coordenar o conselho de classe participativo com o educador/coordenador.

Coletivo de educadores e sua formação. O processo pedagógico é coletivo e assim precisa ser conduzido, enraizando­

se e tornando-se forte junto a comunidade. A organização dos coletivos de educadores ocorre em três níveis: coletivo de

educadores da escola, e coletivo de educadores do ciclo, que incluí educação infantil e educação fundamental.

Coletivo de educadores do ciclo: reúne-se semanalmente para formação juntamente com a equipe de coordenação da escola, realizando avaliações, estudos e planejamento.

Planejamento da escola: São encontros mensais que envolvem todo o coletivo escolar. No dia agendado, os educandos estarão envolvidos com a tarefa à distância.

Tarefa à distância: E uma atividade pedagógica realizada mensalmente num

8 bscola ltmerantc do MST: lli!>tória. Projeto e Ellpt"riênchh

~

tempo de 4 horas, cabendo aos educadores planejarem e encaminharem as atividades de pesquisa para os educandos realizarem juntamente com as familias e a comunidade para posterior trabalho em sala de aula.

Grupos de pesquisa: São constituídos a partir do interesse e da necessidade dos docentes através da pesquisa, do registro, do estudo e da sistematização. Dessa forma aprofundam seus conhecimentos em temas específicos e comunicam o sa­ber produzido em seminários de socialização e publicação, com certificação em parceria com a SEED, os Núcleos Regionais de Educação e universidades.

Oficinas pedagógicas: são momentos de ação-reflexao-ação organizados a partir das necessidades que surgem na prática pedagógica dos educadores que buscam a qualificação nas diferentes áreas do conhecimento.

Acompanhamento às escolas: constitui-se de um espaço-tempo em que se realiza o trabalho de mediação pedagógica entre educadores, coordenação pedagógica, direção, conselho escolar, assessorias e o Movimento, tanto nos momentos de formação como nos momentos do cotidiano escolar.

Cursos e Seminários: educadoras e educadores participarão de momentos de formação promovidos por diferentes instituições formadoras, diante de um planejamento prévio.

Conselho de classe; o conselho de classe entre educadores acontece, somente ao final do ano letivo ou quando se fizer necessário.

O acompanhamento ao projeto político pedagógico da escola: a avaliação na e da escola e seus sujeitos

Acompanhar a escola e avaliá-la leva-nos à reflexão e a transformação permanente, portanto, é tarefa de todos: do Movimento como um todo, do setor de educação do MST, da comunidade local, do Estado, de educadores e educandos, dos conselhos constituídos, da direção e coordenação. Tem como base dados concretos sobre como a escola precisa organizar-se para colocar-se em ação, na perspectiva do projeto político pedagógico, superando a escola capitalista e sua formação.

O processo de acompanhamento e avaliação envolve pelo menos três momentos: a descrição e a problematização da realidade escolar; a compreensão critica da realidade descrita e problematizada e a proposição de alternativas de ação, momento de criação coletiva e para tal como gestão democrática, precisa efetivar-se no contexto escolar.

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O E~ola ltmeranl(' do .MST: His16na. Projelo e L'periênd..i\

III. EXPERitNCIAS

Escola Itinerante Chico Mendes

Educadores da Escola Itinerante do MST, somos todos militantes21

A Escola Itinerante Chico Mendes22, estabelecida no acampamento José Abílio dos Santos foi fruto da trajetória de 2.400 familias que acamparam à beira da BR 158, nas proximidades do município de Laranjeiras do Sul. Mesmo sendo um acampamento provisório,organizou-se uma escola para atender às crianças e adolescentes que freqüentavam os Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental e Médio. Esta escola recebeu apoio dos órgãos municipais e estaduais.

A área ocupada pertencia ao latifundiário Giacomet Marodim23' com 80 mil hectares, foi uma das maiores ocupações realizadas pelo MST no Estado do Paraná, ocupação esta que ocorreu em 17 de abril de 1996 e contou com a participação de, aproximadamente, 3 mil famílias. A persistência e a permanência destas familias sem terra na área pressionou o processo de desapropriação de parte da fazenda, constituindo-se ali os assentamentos lreno Alves dos Santos24 e Marcos 21 Grito de ordem que representava os educadores da Escola Itinerante Chico Mendes. fommlado durante o primeiro encontro de fonnação. 22 Recebeu este nome homenageando Franscisco. Alves Mendes - Chico Mendes. assassinado em 1988 cm Chapurí, Estado do Acre. Grande defensor da luta ecológica na Amazônia. referência de militante para o MST. J\ opção pelo nome se deu após as famílias estudarem a vida e o exemplo deste lutador do povo que se aproximava das que~tões de preservação ambiental na área do assentamento. 13 Este era o nome do dono da fuenda G1acomet.

lõlcç'in ("~ da benta ltintt'3.nte 4 1

Freire=·. Neste assentamento se localiza a Escola Base responsável pela organização e documentação de seis das onze Escolas Itinerantes existentes.

No dia 10 de maio de 1999, mais 800 familias ocuparam a outra parte da mesma fazenda, que marca a história da Escola Itinerante Olga Benário, outra experiência a ser abordada neste caderno.

A conquista de parte da fazenda Giacomet Marodim, onde estão os assentamentos citados, corresponde a apenas 50% do espaço das terras improdutivas que ainda pertencem ao proprietário.

Após três anos de luta pela terra neste Estado, no dia 12 de julho de 2003, centenas de famílias ocuparam outra parte do grande latifúndio. Juntamente com a problemática da terra também se institui a necessidade de resolver a vida escolar das crianças que acompanham seus pais nos acampamentos, pois não são aceitas nas escolas da região devido à falta de vagas.

Neste período ocorriam discussões referentes à organização da vida escolar destas crianças nos acampamentos, através de uma escola legalizada, do Movimento - Escola Itinerante, que estava em tramitação na Secretaria da Educação do Estado.

Considerando a possibilidade da efetivação da escola, um grupo de jovens do Setor de Educação do MST, indicados pela comunidade, iniciavam momentos de estudo debatendo temas como: "O que é Escola Itinerante"; "Luta pela Terra" e o Caderno de Educação nº. 09- "Como fazer a escola de ensino fundamental"? esse coletivo se amplia e se fortalece com a realização do primeiro curso de formação de educadores no Acampamento Dez de Maio.

Todos esses acontecimentos, além do apoio das familias acampadas, foram fundamentais para a construção da Escola Itinerante Chico Mendes, inaugurada em 30 de outubro de 2003 e contou, nesta ocasião, com a presença de diversas autoridades.26 Na abertura, um grupo de crianças do próprio acampamento e as crianças do coral Filhos da Terra, do Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, apresentaram a mística aos presentes.

Ao final da solenidade que oficializou a primeira Escola Itinerante no Paraná, para surpresa de todos, chegaram três caminhões, portando materiais para construir a estrutura física da escola, tais como: lonas, carteiras, cadeiras, filtros, quadros, escrivaninhas, entre outros.

De posse dos materiais, a comunidade se organizou para a construção de 1 O salas de aula, próximas ao centro do acampamento, ao lado dos silos,que eram antigas estruturas da fazenda. Com o término da construção desta estrutura, as 24 Dirigente do MST na região. morreu em acidente de carro em 24 de dezembro de 1996. 25 Marcos Freire ex ministro da Reforma Agrária. falecido em acidente aéreo cm 1987. 26 Secretário Estadual de Educação, Maurício Requião, o Superintendente Estadual do INCRA, Celso <le Lacerda, a Deputada estadual, Luciana Rafain, a representante da Coordenação da Educação do Campo, Sônia Fátima Schwcndlcr, Direção Regional <lo MST, C'lau<le lei Torrente, a Dire toria da Escola Base lraci Salete Strozak, R1tamar Andrecta, a representante <lo Se tor <le Educação do MST Maria lzabel Grein, repre&entante <la Direção Nacional do MST. José Damasceno de Oliveira e o Padre José, representante da Paróquia de Quedas <lo Iguaçu

2 E~ . , ,1~ l1in ,.·r.mtc dQ \1ST- lll~Kria. l'Totchl t L'pentnç1a"

aulas iniciaram, em novembro de 2003, com nove turmas do 1 º ao 2º ciclo. Além destas turmas, a escola conta atualmente, com um laboratório de informática, com acesso a internet, para toda a comunidade escolar.

Ainda em 2003, no desejo de recuperar o tempo perdido, após a inauguração da escola, trabalhou-se intensivamente com as crianças. Ao mesmo tempo, o coletivo de educadores começou também a planejar as atividades para o ano seguinte.

A nosso ver, finalizamos o ano de 2003 com um significativo investimento na formação do coletivo de educadores, que já contava com 32 pessoas. Estes se reuniam periodicamente para estudar e pensar a organização e a funcionalidade da escola. No dia 09 de dezembro, participamos do ENERA - MST- Centro Sul, Encontro dos Educadores da Reforma Agrária da Região Sul, em Faxina! do Céu, onde recebemos a notícia da legalização oficial da Escola Itinerante, como experiência pedagógica por dois anos pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná.

Considerando que o grupo de educadores era ainda jovem, com pouca experiência de escola, se fez necessário um estudo detalhado sobre planejamento, tendo em vista a necessidade de trabalhar com o Tema Gerador na escola. Como esta escola estava iniciando as suas atividades escolares, o tema escolhido foi "Organização da Escola" , problematizado e explorado durante um mês. A metodologia utilizada para o desenvolvimento da temática foi a organização de grupos de atividades nas turmas. Foram então escolhido os coordenadores (um menino e uma menina) e acordado as normas de convivência para cada turma. A temática trabalhada proporcionou aos educadores e educandos familiarizassem­se com a estrutura organizativa da escola, além de participar de sua condução.

No ano seguinte, no dia 02 de fevereiro, iniciamos as matrículas de 1 º e 2° ciclo, como previsto em reunião. Logo após iniciamos as aulas com 6 turmas de 1 º ano do 1 º ciclo, 4 turmas de 2º ano, 3 turmas de 1 º ano do 2° ciclo e 3 turmas de 2º ano do 2º ciclo, que funcionavam nos turnos matutino e vespertino.

No decorrer do processo, as necessidades geradas com o aumento do número de crianças e adolescentes, obrigou que se organizasse turmas de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental e também para escolarização dos Jovens e Adultos no acampamento.Isso foi viabilizado pelo município local, com o apoio do programa do Posto Avançado do Centro de Educação de Jovens e Adultos - PAC. Esta situação levou para dentro da área do acampamento professores da Rede Estadual de Educação, não pertencentes à Organização do MST.

Outra situação que mexeu com toda a comunidade escolar esteve relacionada à estrutura física da escola, que não comportava o elevado número de educandos. Por isso, improvisamos espaços para realização das aulas no interior da Igreja Católica e também ao ar livre, entre as estruturas dos silos de sementes da fazenda

Coleção Cadernos da E><ol• luncnnt< 43

Giacomet Marodin. A situação permaneceu durante seis meses, até que a comunidade providenciou a construção de uma estrutura maior para a escola.

Durante o tempo de acampamento, a escola atendeu 23 turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental e 7 turmas dos anos finais do Ensino Fundamen­tal, totalizando aproximadamente 860 crianças e adolescentes matriculados e atendidos por 65 educadores. Dos educadores, 53 eram do Movimento Sem Terra e 12 da Rede Pública Estadual.

Muitos educadores do MST retomaram seus estudos, ingressando em cursos formais de Nível Médio - Magistério, oferecidos pelo município de Quedas do Iguaçu e pelo Instituto de Educação Josué de Castro - IEJC, em Veranópolis -RS; outros buscarem concluir o Ensino Médio já iniciado, ou cursar uma graduação a nível superior , no caso, Pedagogia da Terra.

Limites, Tensões e Aprendizados O processo de consolidação da escola foi marcado por momentos de limites,

tensões e aprendizados . Dentre eles destacam-se as freqüentes mudanças de educadores na escola, interrompendo processos e, conseqüentemente, inviabilizando a construção e consolidação de experiências pedagógicas significativas, provocadoras de mudanças na escola e no contexto social.

Outra tensão encontrada estava relacionada com a organicidade do acampamento e as contradições vividas naquele espaço, empobrecendo a relação dinamizadora da escola-comunidade e comunidade-escola. Embora a escola mexesse com a organicidade do acampamento, por envolver vários sujeitos no fazer diário, não conseguia tencionar de dentro para fora, tornando-se elemento de discussão e consolidação dos núcleos de base.

Além das tensões e limites já mencionados outro fato marcante na organização pedagógica da escola, diz respeito à tentativa de unidade do trabalho docente entre educadores internos e externos ao movimento, pois havia forte tencjência a conduzir o processo pedagógico de forma diferenciada, uma vez que estavam evidentes as divergências de concepções pedagógicas nas Escolas Itinerantes. Portanto, tratá-las neste contexto era condição para rever e evitar os equívocos, retomando os Princípios Pedagógicos e Filosóficos da Educação no MST que embasam o projeto de Escola Itinerante.

O projeto educativo exige uma dinâmica e uma ação pedagógica mais comprometida com as mudanças sociais, ou seja, construir uma escola diferenciada, que venha a contribuir com as transformações sociais necessárias. E para esta tarefa o papel do educador é imprescindível e fundamental.

Portanto, o trabalho de formação dos educadores e da organização do coletivo foi fundamental para garantir a funcionalidade da escola que se organizou da seguinte forma:

a) coletivos de ciclo - momentos de debates sobre as dificuldades de

4 Escola ltincranrc do MST: His1ória, Projeto e Experiências

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aprendizagem das crianças e busca de estratégias metodológicas para saná-las; b) coletivo maior-momento de planejar as atividades escolares em conjunto.

Esses dois momentos de formação contribuíram para o avanço pedagógico e a construção de uma forma escolar mais de acordo com o que esperamos da "nossa escola", bem como de sua continuidade naquele contexto.

Nestes momentos de formação priorizou-se o estudo e o debate em torno dos temas geradores, o bom funcionamento da vida em comunidade e o planejamento das atividades semanais. A partir disto, as duplas se reuniam para o planejamento diário, tendo em vista a especificidade de cada turma. Estes momentos foram importantes no processo de formação política e pedagógica dos educadores, mais ainda devido a grande maioria deste coletivo ser jovem e estar iniciando neste momento sua primeira experiência no magistério.

Um aprendizado significativo vivenciado nesta Escola Itinerante ocorreu quando algumas famílias precisaram sair do acampamento para as "frentes de trabalho". Da mesma forma como elas precisam solicitar autorização às suas instâncias para sair do acampamento, também, os filhos, educandos da escola, que as acompanhariam, foram orientados a comunicar sua escola, assim não perderiam os dias letivos. Por também terem solicitado permissão ao seu coletivo de educados, obtendo sua aprovação, os educadores planejavam atividades que deveriam ser desenvolvidas pelas crianças no tempo de ausência. Ao retornar ao acampamento, a criança trazia e entregava ao educador, as atividades desenvolvidas, além de obter um espaço para contar aos colegas o que havia vivenciado no período em que estava ausente. Os educandos que já haviam desenvolvido a habilidade da escrita eram desafiados a registrar a experiência vivida, de forma escrita. Isso possibilitava, além do registro da sua memória, a troca de informações e a socialização da sua história com os colegas.

Houve momentos em que a realidade social e política do Movimento, redimencionou e determinou uma nova ação pedagógica na Escola Itinerante Chico Mendes. Isto aconteceu quando o companheiro Elemar Cezimbra27 foi preso pelo poder judiciário do município de Quedas do Iguaçu - PR. Fato que invadiu o cotidiano da escola e motivou o debate em torno da prisão. Por ter sido um fato presente, imediato, de interesse tanto da escola como da comunidade, se transformou em um tema gerador que atravessou o tema "Terra" que estava sendo trabalhado no momento, retomando-o posteriormente.

As interrogações que surgiram foram diversas: quem estava preso? Por que foi preso? Lutar pela terra é crime? Quanto tempo vai ficar preso? Como resultado do debate as crianças decidiram escrever cartas de apoio e solidariedade, que fo­ram enviadas ao companheiro Elemar. A escola também se organizou e participou

27 Companheiro do MST que tinha forte relação política com a região Centro Oeste, onde estava localizada a Escola Itinerante Chico Mendes.

Culc,:iiu Cadernos da Escola Itiricntntc

11

do ato de protesto contra a perseguição política realizada no município de Quedas do Iguaçu. Essas práticas vão confirmando a intrínseca relação da escola com a vida real - a prática social mais próxima ou mais distante da escola, fortalecendo o vínculo desta escola com a luta social.

Dado o seu movimento pedagógico, havia em torno desta escola a expectativa da comunidade de que ela, por estar num complexo de várias ocupações de terras poderia ser o centro articulador de um único Projeto Político Pedagógico, juntamente, com a escola do acampamento Dez de Maio, tornando-se uma força política no município. Era uma escola com possibilidades de articular estudo e trabalho na perspectiva da formação humana em sua totalidade.

Organização Escolar No intuito de trabalhar as diferentes dimensões do ser humano, percebemos

a necessidade de organizar a escola em tempos educativos, que visam também contrariar a escola capitalista que se resume em apenas dois tempos: tempo aula e tempo recreio.

Nesta experiência, a escola estava organizada em tempo aula, tempo leitura, tempo trabalho, tempo oficina, tempo formatura e mística, entre outros, que possibilitavam o desenvolvimento de diferentes habilidades como: aprender a coordenar uma reunião; preparar uma mística; leitura e interpretação de diferentes textos, além de outras.

O tempo oficina recebeu prioridade devido às dificuldades de leitura e escrita, uma lacuna encontrada no processo de ensino e aprendizagem de diversos educandos que foram impossibilitados de ingressar na escola no seu tempo hábil e/ ou reprovados, repetidas vezes, pela escola regular. Ao integrarem neste Movimento Social e matriculados na Escola Itinerante, esta buscou atendê-los nas suas necessidades.

O tempo oficina era esperado e encarado com seriedade pelos educandos, que freqüentavam as atividades em período complementar às aulas, constituindo­se como um tempo educativo significativo na consolidação do fazer pedagógico da escola. Prática que exigia dos educadores um planejamento específico e adequado, a fim de superar as lacunas da aprendizagem, tais como: escrever no chão, fazer jogos com as letras do alfabeto e propiciar leituras vinculadas à prática social do acampamento.

Por ter nascido e crescido em um contexto social de luta pela terra, a Escola Itinerante tem por princípio não excluir, preocupando-se e comprometendo-se com a vida e a história dos educandos, garantindo-lhes o direito à escola e o acesso ao conhecimento.

Nesse ·contexto, um dos aspectos significativos de aprendizagem e organização, se refere ao jeito como os educandos e educadores combinavam e vivenciavam os diversos tempos educativos na escola. Para garantir o aprendizado,

6 Escola Itinerante do MST: História, Projeto e éxpcril:ncias

havia a necessidade que os educandos entendessem a importância de sua escolarização e da escola inserida no acampamento, tendo a sua realidade como princípio educativo. Neste sentido foi fundamental a organização dos educandos em núcleos de base consolidando o coletivo dos educandos na escola. Estes núcleos tinham como tarefas: garantir e organizar a limpeza das salas de aula; estudar textos relacionados à aula; organizar e celebrar momentos de mística; e garantir que fossem executadas as tarefas planejadas e encaminhadas pelo coletivo. Quanto ao trabalho da horta, eram organizados grupos maiores de educandos, principalmente, de 5ª a 8ª série, conforme houvesse a necessidade de preparação do solo, semear a semente e aguar as verduras.

A auto-organização dos educandos exigiu tempos e espaços para discussão, planejamento e avaliação da vida escolar. Na nossa experiência, os espaços de organização dos educandos contribuíram muito para que os mesmos se sentissem sujeitos do processo, contribuindo para melhorar o ambiente da sala de aula. Sendo assim, educandos e educadores, de igual forma, foram responsáveis pela condução do processo pedagógico, tendo o diálogo como princípio e condição para superar as contradições deste mesmo processo, sobretudo, quando ocorriam cobranças dos educandos para que os educadores desempenhassem suas tarefas de acordo com o planejado. O mesmo acontecia quando os educadores se dirigem aos educandos.

Essa forma escolar permitiu e permite a participação de todos no processo forçou e força uma nova postura do educador e do coletivo escolar.

Colcirão Caderno' da nscola l1 incrante

Escola Itinerante Olga Benário

Contexto da luta pela terra Após três anos da maior ocupação de terras ocorrida na América Latina, em

199628 , os esforços foram retomados para que a desapropriação do latifúndio Giacomet Marodin, localizado na região central do Paraná, fosse concretizada.

A propriedade abrangia sete municípios da região, a saber: Nova Laranjeiras, Laranjeiras do Sul, Saudade do Iguaçu, Espigão Alto do Iguaçu, Três Barras do Paraná, Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu, onde estavam estabelecidos os escritórios da empresa, atualmente reconhecida como ARAUPEL S/ A.

No final da década de 1990, um dos principais entraves, na luta pela Reforma Agrária no Paraná, foi a repressão policial que os trabalhadores sofreram no governo de Jaime Lerner (1994-2003). Mesmo com a realidade vivenciada e as dificuldades, o período foi favorável, sobretudo, devido à realização da Marcha Nacional do MST à Brasília, em1997, e a conquista no mesmo latifúndio, dos assentamentos Ireno Alves e Marcos Freire. Estes acontecimentos foram determinantes para o planejamento dos próximos passos da resistência.

Diante da situação descrita acima, na madrugada do dia 1 O de Maio de 1999, no município Quedas do Iguaçu, aproximadamente 700 famílias ocuparam 28 Estamos nos referindo à ocupação do latifúndio Giacomet Marodin, cm Rio Bonito do Iguaçu (1996), agora assentamento de 1500 famílias.

48 Escola Ctinerante do MST: História, Projeto e Expcriências

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mais uma parte da área da ARAUPEL S/ A, terras que hoje pertence ao Acampamento Dez de Maio. O local da ocupação foi denominado de Bacia29,

onde funcionava uma das sedes de produção de grãos, distante oito quilômetros da cidade.

Este acampamento foi e é marcado pela resistência das famílias que enfrentaram as investidas da "pistolagem" e as ameaças de despejo proferidas pela policia do Estado que durante o primeiro ano de acampamento exerceu forte pressão psicológica. A resistência e o número de famílias garantiu a permanência no local.

A partir do acampamento Dez de Maio, outras ocupações foram realizadas, entre elas, podemos citar: o acampamento José Abílio dos Santos, em 2003, apresentado, anteriormente, no relato da experiência da Escola Itinerante Chico Mendes. Agora apresentaremos um pouco do vivido e do conquistado nessa luta: a Escola Itinerante Olga Benário.

A escola Olga Benário A partir da inauguração da Escola Itinerante Chico Mendes, no acampamento

José Abílio dos Santos, as famílias do acampamento Dez de Maio deram inicio ao processo de construção da Escola Itinerante. Isso foi decidido após uma reunião entre a coordenação do acampamento e o Setor de Educação do MST, em 12 de janeiro de 2004 e tinha como objetivo atender às crianças ali acampadas com a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. As crianças até o momento freqüentavam, no próprio acampamento, a Escola Joaquim Felipe de Oliveira, uma extensão de uma escola de assentamento da rede municipal de ensino. Essa escola não atendia às expectativas da comunidade: exigia o deslocamento dos adolescentes que freqüentavam as escolas/ colégios da cidade; educadoras que possuíam uma experiência de vida diferente e desvinculada da condição social da comunidade e das crianças; inviabilidade do acompanhamento pedagógico por parte do Setor de Educação do MST a esta escola, entre outras.

Após a tomada de decisão, imediatamente foram suspensas as atividades escolares realizadas pela, então, Escola Municipal Joaquim Felipe de Oliveira sendo os educandos do Ensino Fundamental transferidos para a Escola Itinerante Olga Benário30 . Infelizmente, os educandos do Ensino Médio continuaram a se deslocar para a cidade.

A idéia de uma escola dentro do/no acampamento dividiu opiniões; de um lado, aqueles que a apoiavam, pois tinham colocado a "mão na massa", ou seja, se organizaram para a construção e instalações da escola e, de outro lado, aqueles que resistiram à sua organização por terem dúvidas, sobretudo no que se referia à 29 Espaço geográfico onde localiza-se o acampamento Dez de Maio, e que faz lembrar a forma de uma bacia, com terras férteis e planas próprias para a monocultura de grãos. 30 Militante do partido comunista e companheira de Luiz Carlos Prestes, presa e deportada para a Alemanha pelo governo de Getulio Vargas. Afastada cruelmente de sua única filha, em seguida assassina na câmara de gás.

ColC\:iio Cadernos da Escola Itinerante 49

formação dos educadores e devido ao fato de os educadores pertencerem à comunidade acampada.

A comunidade só legitimou a escola no acampamento após inúmeras, incansáveis e prolongadas discussões, nas quais os debates priorizados foram: "qual escola queremos?" e "é possível fazer uma escola "diferente" que atenda às necessidades e respeite a realidade dos Sem Terra?".

Este trabalho sempre marcou e marca a tensão do "fazer a escola" do/no acampamento. Demonstrou que ela foi e ainda é possível e que conduzi-la pedagogicamente é um trabalho a ser realizado em conjunto com a comunidade, o que a torna uma força política no acampamento, por expressar autonomia também no campo da educação.

De dezembro de 2003 a fevereiro de 2004, a comunidade se empenhou para organiza.r a escola. Para tanto, reuniram a documentação dos educandos, construíram as salas de aula, escolheram e indicaram os educadores do acampamento que comporiam, mais tarde, o coletivo pedagógico da escola; enquanto isso, o Estado contratava os educadores responsáveis pelos anos finais do Ensino Fundamental.

De todos os desafios que marcaram a implantação da escola no acampamento, o maior deles foi vencer a resistência dos adolescentes acostumados a freqüentar as salas de aula na cidade e que não viam com bons olhos a escola do/no acampamento. Mas aos poucos e num trabalho conjunto, a resistência foi minimizada e no dia 16 de fevereiro de 2004, as atividades na escola foram iniciadas com 32 educadores e 678 educandos. Assim estavam distribuídos: 368.freqüentavam a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental; 150 cursavam 5º a 8º série; 37 educandos.freqüentavam os anos Finais do Ensino Fundamental em Educação de Jovens e Adultos e, aproximadamente, 123 eram atendidos pelo· programa de alfabetização do Projeto Brasil Alfabetizado do Governo Federal.

Com a implantação da escola, os alunos da Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental eram e são atendidos por educadores do acampamento, sempre em duplas por turmas. O segundo segmento do Ensino Fundamental - 5º e 8º série - ficou sob a responsabilidade da Rede Estadual de Ensino. Já no início das aulas verificou-se um limite na organicidade a escola no que diz respeito ao envolvimento dos educadores de fora do acampamento, os professores da rede estadual. Essa problemática sempre esteve e, ainda está presente nas Escolas Itinerantes.

Diante da demanda apresentada e considerando a existência de uma estrutura tisica precária e insuficiente para atendê-la, a escola foi organizada para funcionar em 4 períodos (um durante a manhã, dois à tarde e uma à noite). Esta opção permitiu ocupar as dependências da escola constituída por: 6 salas, 1 cozinha, 1 saguão e 1 secretaria dividida entre biblioteca e sala dos educadores.

Organização escolar

O fucola Itinerante do MST: História, Projeco e Experiencias

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J:._ experiência da Escola Itinerante Olga Benário, foi envolvida por um significativo processo educativo, evidenciado na prática pedagógica dos tempos educativos (tempo formatura, tempo leitura, tempo aula, tempo oficina, tempo recreio, tempo artes, tempo educação fisica,. tempo reunião, tempo vídeo e tempo trabalho) vividos no cotidiano da escola e que contribuíram para a formação dos educandos, educadores e demais trabalhadores da escola e comunidade. Esta prática pedagógica objetiva reforçar os princípios da educação do MST, para que a comunidade e a sociedade percebam a sua própria realidade e entendam que a "escola não e só lugar de estudo".

Durante o processo de consolidação da Escola Itinerante, a relação entre comunidade e escola se fortaleceu, e proporcionou uma nova forma de entender e conceber a escola. O fato de ter e ter que construir uma escola no acampamento exigiu comprometimento por parte da comunidade com a escola, que passou a entendê-la como sua, rompendo com a idéia de que escola é algo alheio à vida da comunidade.

Neste sentido, foram planejadas e desenvolvidas diversas atividades que visavam aproximar a escola e a comunidade. Dentre elas algumas merecem destaque: o trabalho com educação dos jovens e adultos; o processo intenso de formação de educadores, muitos ainda cursavam o Ensino Médio; as primeiras experiências de trabalho de base com a comunidade sobre o pensar a escola; a homenagem do dia das mães e dos pais, a festa da colheita, a construção da nova estrutura para a escola e as reuniões bimestrais com as famílias.

A comunidade também acompanhou a implantação da escola através das reuniões da coordenação do Setor de Educação realizada a cada 15 dias, com a participação de um representante por núcleo de base, além das reuniões da coordenação do acampamento realizadas uma vez por semana.

Outro momento que marcou o comprometimento da comunidade com a escola ocorreu em meados de 2005, quando as famílias acampadas conseguiram a grande vitória - o assentamento. Mesmo após enfrentarem a chamada "seleção" foi preciso, ainda, pressionar o INCRA para que fosse realizada a distribuição das famílias nos lotes. Como a transição do acampamento para o assentamento exige o envolvimento das famílias na construção das novas moradias, em setembro de 2005, as aulas foram suspensas, pois as crianças também acompanharam todo este movimento com suas famílias.

Nesse período em que as crianças ficaram sem aula, o Setor de Educação e a coordenação da escola procuraram negociar formas de transporte escolar pa;a o deslocamento das crianças até a escola de 5ª a 8ª série, que permaneceria no local do acampamento. Negociaram, ainda, outros materiais necessários para a construção das escolas nas comunidades que atenderiam a Educação Infantil e os Anos Iniciais conforme discussões e encaminhamentos realizados na elaboração

Cult!\'ào Caderno!) da Escola Itinerante 51

do Projeto de Desenvolvimento do Assentamento (PDA). Depois de duas semanas, as aulas foram retomadas no assentamento. Porém,

nas escolas das comunidades, as aulas só foram reiniciadas com um atraso de mais 15 dias, devido às chuvas e à falta de envolvimento das famílias na construção das escolas. De acordo com a decisão da comunidade escolar, os dias perdidos, em 2005, foram repostos durante o mês de janeiro de ano seguinte.

Com todas as dificuldades descritas - falta de estrutura fisica, falta de mate­rial didático, falta de transporte escola, entre outras - a desistência foi marcante.

Esta história não acaba aqui, muito ainda vem sendo feito.E dentre os desafios que nos aguardam destacamos a necessidade de passar da Escola Itinerante do acampamento para a escola DO e NO campo, do assentamento.

Da Escola Itinerante à escola do assentamento: Até o atual momento acompanhamos as experiências das Escolas Itinerantes

Chico Mendes e Olga Benário que deixaram de ser escolas de acampamento para serem escolas de assentamento. Mas, antes realizaram suas atividades escolares como escola do acampamento por, aproximadamente, quatro anos.

No final do ano de 2005, as famílias que antes estavam acampadas agora faziam parte do Assentamento Celso Furtado. Com esta modificação as escolas deixaram de ser Itinerantes e passaram a ser Escolas de Assentamento. Esse acontecimento causou preocupações e movimentou as discussões das famílias e do Setor de Educação, que teve então sua primeira experiência de transição.

Este processo foi marcado por momentos de conflitos e discussões com a comunidade, com a Secretaria de Estado da Educação e o Município. Quando as famílias se transferiram para os lotes e formaram suas comunidades, surgiu a necessidade de descentralizar as escolas, devido à extensiva área de terras ocupadas.

As comunidades foram organizadas juntamente com as escolas: comunidade Bom Jesus - Escola Janete dos Santos; comunidade Nossa Senhora Aparecida -Escola Bela Vista; comunidade Dez de Maio - Escola Estadual Luiz Carlos Prestes; comunidade Orgânica - Escola Sementes do Amanhã; comunidade Palmital -Escola Construindo o Futuro; comunidade Caminho Novo - Escola Antonio Rodrigues da Silva; comunidade Renascer - Escola Estadual Roseli Nunes; comunidade Doze de Julho - Escola Doze de Julho; comunidade União - Escola Cleuza López Bueno, comunidade Esperança - Escola Vagner López.

Num processo paralelo a organização interna da comunidade acontecia discussões envolvendo a prefeitura, o governo do Estado e o INCRA.

Em 2006, a Secretaria de Estado da Educação regulamentou como Escolas Estaduais, as Escolas Chico Mendes e Olga Benário, ambas com os anos finais do Ensino Fundamental e Médio.

O município, por sua vez, alegou falta de condições financeiras para assumir as escolas no que se referia aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Essa situação

2 Escola lunerante do M ST: H i'l;lória, Pmjc10 e F."pcriências

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exigiu novos acordos e, por isso, as escolas das comunidades continuavam por mais um ano como Itinerantes. Em contrapartida, o município se responsabilizou pela construção de outras 10 escolas, pela matricula das crianças na rede e pela realização de concurso público para os professores.

Em 2007, o município cumpriu parte do acordo, ou seja, construiu as escolas, mas como não tinha ainda garantido o concurso para os professores, novas negociações e pressões foram necessárias, resultando no concurso que se efetivou em 10 de fevereiro de 2008, com o êxito de poucos educadores.

Durante o processo de transição, os limites ficaram evidentes, sobretudo, no campo pedagógico, uma vez que houve a imposição de um novo Projeto Político Pedagógico nas escolas recém criadas, em especial no que se refere aos conteúdos escolares e ao seu planejamento que fora organizado por bimestres sem o vinculo com os temas geradores, anteriormente, trabalhados.

Além disso, houve ainda, a imposição de avaliações por meio de provas31

escritas, considerado como único instrumento de avaliação das crianças ao final dos bimestres. Esse sistema apresentou problemas: avalia, autoritariamente, os educandos e controla a ação dos educadores em sala de aula, que precisam ao final de cada período "provar" que ensinaram.

No campo político, a Escola Itinerante ajudou a construir importantes aprendizados como: a luta por uma escola de qualidade, a garantia da escolarização oficial e próxima às famílias consolidando, assim, a identidade camponesa. Esses aprendizados reafirmam a necessidade e a importância do trabalho de base permanente junto às famílias, pois a Escola dos trabalhadores também é um território de disputa, assim como a conquista da terra.

Na histórica luta pela terra no Estado do Paraná, os dois acampamentos aqui citados, tornaram-se um dos maiores assentamentos do MST neste estado, comportando cerca de 1.039 famílias. Dezenas de educadores passaram pelas escolas, muitos retomaram aos estudos cursando Magistério e Pedagogia.

Fruto da luta pela produção da vida também produzimos aprendizados na contínua luta pela consolidação das dez escolas do campo, conduzidas política e pedagogicamente pelos Sem Terra.

3 1 Esta secretaria, em parceria com os educadores elabora provas para cada série que são aplicadas em todo o sistema municipal de ensino. Fato este que controla o professor e reduz a sua ação a dar conteúdos.

Colcçlo Cadem~ da E..~ol a ltineramc 5 3

Escola Itinerante Zumbi dos Palmares

Escola Itinerante Zumbi dos Palmares: uma trajetória de Aprendizados e desafios na relação com o acampamento.

A Escola Itinerante Zumbi dos Palmares é uma das pioneiras no Estado e se fez escola mesmo antes da aprovação do Conselho Estadual de Educação do Paraná. Sua pré-existência pressionou a legalização desta experiência que emergiu da necessidade e da vontade das familias acampadas.

A história e a construção desta escola é um marco na consolidação e no formato do projeto educativo da Escola Itinerante. Construiu-se na dinâmica e organicidade do MST, nas discussões e intervenção da comunidade do acampamento Dorcelina Folador, na Região Oeste do Paraná e por se constituir nessa dinâmica, serviu como referência para a implantação das demais escolas.

A escola e o acampamento passaram por vários momentos importantes em sua gênese e formação. O primeiro é caracterizado pela própria organização do acampamento Dorcelina Folador27

, onde se iniciou a constituição do Setor de Educação e a Escola; o segundo, marcado pela nova ocupação, determina a divisão do acampamento: o acampamento Dorcelina Folador permanece no mesmo 32 O acampamento Dorcelina Folador esta localizado na fazenda Cajati no município de Cascavel próximo ao Distrito do Rio do Salto e tem origem de acampamentos da BR277 no período de 1999 até hoje.

l-'~~ola Itinerante do MST" Hi(,lória. Pmjclo e Expc .. iências

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espaço e forma-se a acampamento 1 º de Agosto33, cada qual com uma Escola

Itinerante e o terceiro momento, se constituiu com os novos passos da organicidade do acampamento e do Projeto Político Pedagógico da escola.

Acampamento Dorcelina Folador: a constituição do Setor de Educação e a Escola

O Acampamento Dorcelina Folador é um marco de resistência na luta pela terra, oriundo de acampamentos da BR-277, que ocuparam a Fazenda Cajati, no município de Cascavel, no dia 18 de maio de 1999.

A luta dos Sem Terra resistiu, por cinco anos, a um governo truculento, o Governo Lerner (1998-2002), com ameaças de despejo e, mesmo assim continuou sua luta, chegando em 2003, a aglutinar 1200 famílias acampadas.

Neste contexto de luta pelo direito da terra, a implementação da Escola Itinerante se mostrou necessária, pois um diagnóstico realizado revelou que 80 crianças não estavam freqüentando a escola. Muitas dessas crianças não possuíam documentos.

As escolas municipais, além de não dispor de vagas suficientes para atender às crianças, não aceitavam aquelas oriundas do Paraguai, uma vez que elas não possuíam documentação que as regulamentavam no Brasil. Por outro lado, as famílias que conseguiam regularizar sua situação no país e, também conseguiam vagas, freqüentavam as escolas nos Distritos de Rio do Salto e São Salvador, no Município de Cascavel.

Procurando garantir o direito à educação formal, a Coordenação Estadual do MST discutia e realizava a luta pela aprovação da Escola Itinerante para os acampamentos. Em meados de 2003, uma equipe deslocou-se com a tarefa de iniciar as discussões para a implementação da Escola Itinerante no acampamento Dorcelina Folador. Os trabalhos de base34 foram realizados juntamente com a coordenação do acampamento. Destacamos o depoimento abaixo como forma de expressar o sentimento das famílias acampadas naquele momento.

Quando a equipe de trabalho trouxe a proposta da Escola Itinerante, foi discutido primeiro na direção e coordenação, depois nas brigadas. Foi uma proposta diferente, ninguém sabia como era essa idéia de Escola Itinerante, até porque não se tem mais escola no interior, os pais estão acostumados a

33 Como forma de pressionar o governo, e a necessidade de mais terra para cultivar, as familias ocupam outra parte da Fazenda Cajati próximo a BR 277, formando o acampamento 1 º de Agosto na data de que leva seu nome no ano de 2004. A Escola Itinerante acompanhou o acampamento. 34 O Trabalho de Base consistiu cm apresentar e discutir a proposta da Escola Itinerante em todos os grupos de base do acampamento, perpassando a estrutura organizativa do mesmo. Nesta perspectiva as primeiras conversas iniciaram-se na coordenação do acampamento onde a equipe do Setor Estadual de Educação, socializou a experiência de Escola Itinerante e desafiou o conjunto das famílias para estudar e construir esta escola, utilizando a caderno de formação nº 18 do MST. Este trabalho entendeu-se para os grupos de fanúlias organizadas nos núcleos de base. Assim o processo de gestão e implementação da Escola Itinerante, colocou todas as familias a pensar e discutir a problemática da educação de seus filhos e pensando e fazendo a escola.

Col(\:iio Cadernos da Escola ltmcrante 5 5

mandar os filhos para a cidade. As perguntas e dúvidas eram muitas, alguns demonstraram resistência em aceitar a idéia da escola no acampamento e queria continuar mandando os filhos para a cidade, a minha filha trazia tarefa que não tinha nada a ver com a realidade dela. Eu penso que não adianta morar no acampamento e estudar na cidade (Siloer de Jesus, dirigente do acampamento).

A necessidade e a definição política de criar a Escola Itinerante no acampamento, demandou a organização do Setor de Educação, para a partir daí definir o trabalho da educação escolar no acampamento. O Setor de Educação ficou composto por 72 pessoas que representavam os grupos de base do acampamento. A participação ativa nas atividades do pensar e do fazer a escola propiciou compreensão do seu papel na organização e na construção deste projeto educativo, estabelecendo, assim a relação entre as famílias e a escola.

A Escola Itinerante cumpriu um importante papel na organização da educação do acampamento, como nos apresenta um membro do Setor de Educação.

O acampamento não tinha o setor de educação organizado, o setor firmou com a chegada da Escola Itinerante. O nosso primeiro estudo com a coordenação foi o caderno de educação nº18 Que Escola Queremos? a coordenação do acampamento referendou os primeiros representantes do setor de educação, cuja primeira tarefa foi organizar a alfabetização de Jovens e adultos com a intencionalidade de ir estruturando a Escola Itinerante( Júnior, Setor de Educação, do acampamento).

Vale destacar ainda que todo o trabalho de formação realizado foi encerrado com uma grande assembléia que reuniu as famílias acampadas, instigadas a assumir o desafio e compromisso com o trabalho educacional: participar da construção efetiva da escola, atuando como educadores, acompanhando as crianças na sua formação e, também, enquanto educandos, ou seja, "Todas e Todos Sem Terra Estudando". Compromisso este assumido durante a assembléia que, segundo da companheira Izabel Grein: "Quem não sabe plantar vai aprender com quem sabe, quem saber ler e escrever vai ensinar quem não sabe".

A partir desta assembléia, as primeiras ações práticas do Setor de Educação do acampamento foi a organização de turmas de alfabetização de jovens e adultos35 ; a improvisação dos primeiros barracos-salas de estudo36

; a escolha e formação dos educadores para o trabalho com jovens e adultos; a realização de diagnóstico para levantamento da demanda da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental; encaminhamento dos adolescentes e jovens para as escolas de Ensino Fundamental e Médio em escola próxima37 e outros. 35 No qual chegou a organizar 12 turmas com 500 jovens adultos e idosos e uma equipe de 18 educadores/ alfabetizadores que iniciaram o processo de alfabetização dos jovens e adultos. 36 Os primeiros barracos foram improvisados com lona preta, pois ainda não se tinha recursos liberados pelo governo, neste período estava em luta para aprovação da escola. 3 7 Inicialmente a preocupação com a garantia da escola no acampamento era para a infância, sendo que os adolescentes e jovens continuaram estudando fora do acampamento.

6 Escola Itinerante do MST: Hi~tória, Projeto e Expe.ri ências .

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As famílias tinham dúvidas e receio com relação à idéia de uma Escola pretendida, pois o projeto de escola era diferente do que eles tinham como referência em seu imaginário. Estas famílias que até então possuíam como único objetivo conquistar a terra, passam, enfim, a descobrir a necessidade de novas conquistas, entre elas a educação e nela uma escola diferente, a Escola Itinerante.

Mesmo.diante desta realidade, o trabalho de escolha dos educadores aconteceu para que atuassem nesta escola, como relembra um dos primeiros educadores:

O acampamento ainda estava se organizando, os educandos estudavam na cidade, era dificil conseguir vagas, após as discussões com as famílias para implementar a Escola Itinerante. Os coordenadores dos grupos de famílias fizeram reuniões para procurar voluntários que tivessem o segundo grau completo. Muitas pessoas se dispuseram, mas a coordenação foi criteriosa selecionando os que tinham mais escolaridade e perfil, uns eram muito novos, ingressando com tempo determinado de três meses para experiência, a primeira equipe de educadores foi composta de 15 pessoas (Geovâneo Oldoni, educador).

Após o processo de escolha, os educadores voluntários38 foram encaminhados para participar do I Curso Estadual de Formação de Educadores da Escola Itinerante, em Quedas do Iguaçu, no Acampamento Dez de Maio. Este evento não contou com recursos públicos e uma vez que a escola ainda não estava legalizada, coube ao Setor de Educação do MST conduzir o programa e viabilizar a assessoria e aos acampamentos que participaram39 coube assumir o meio de transporte e a alimentação. Neste caso, os educadores do acampamento Dorcelina Folador utilizaram um caminhão para se deslocarem até o local do evento.

Ao retornarem do curso, os educadores do acampamento Dorcelina Folador foram surpreendidos com outra realidade: uma nova ocupação realizada pelos companheiros no mesmo latifúndio. Neste território, o processo de implantação da escola já havia começado.

A ocupação punha em disputa, de um lado os Sem Terra, que ocupavam o espaço da mangueira que antes protegia o gado da fazenda, de outro, os jagunços armados que atiravam contra os Sem Terra na perspectiva de amedrontar e intimidar as famílias.

Neste contexto de luta, os educadores continuavam sua formação pedagógica. Isso os ajudou a compreender que a escola que deveria ser e estava sendo construída em luta deveria estar inserida no contexto social desta luta: Como estudar ao som das balas? Como transformar em conteúdo esta realidade vivida aqui? Pensar a educação ou proteger a criança? Seria possível brincar neste contexto? 3

R Estes educadores trabalharam sem remuneração financeira no período de novembro de 2003 á maio de 2004, enquanto a Escola Itinerante não tinham convênio afirmado com a Secretaria de Educação para pagamento de educadores. 39 Os acampamentos participantes foram: Acampamento Dez de Maio e Jose Abílio dos Santos de Quedas do Iguaçu, Acampamento Dorcclina Folador de Cascavel, Acampamento Segunda Conquista de Espigão Alto do Iguaçu, Acampamento l ª de Maio de General Carneiro

Coleção Caderno~ da Escola Itinerante

As tardes foram reservadas para o trabalho com as crianças e envolvia desde o cuidado até o trabalho educativo como as rodas de conversa, brincadeiras e orientações. O depoimento abaixo expressa um pouco desse vivido.

Numa das tardes enquanto as crianças com os educadores estavam nas rodas de brincadeiras cantando e pulando, olhamos para o morro e avistamos uma tropa de jagunços que vinha correndo cm nossa direção. Imediatamente as crianças se colocaram no chão com receio das balas pois os jagunços vinham atirando. Os adultos, homens e mulheres começaram a correr em direção ao jagunço com foices , machados e enxada. A tropa de jagunços assustados ao ver aquela multidão. se retirou (Educador).

Aos poucos, no caminhar da luta, a própria comunidade e os educadores foram estruturando a escola, que começou a se enraizar neste acampamento. A partir da consciência de sua necessidade produzida na luta, perpassando as discussões das famílias, que começaram a compreender esta escola como sua, deu­se início às atividades da escola ainda não oficializada.

Em 10 de novembro de 2003, as aulas tiveram início com 80 crianças que estavam fora da sala de aula por falta de vagas e documentação. A Escola Itinerante ainda estava por ser aprovada no Paraná, mas não havia mais como esperar, e assim, foram mobilizadas forças na comunidade para iniciar o processo. A prática se desenvolveu em barracos improvisados de lonas que foram utilizados para a igreja e pela pastoral da criança.

Esta experiência foi realizada com dificuldades, falta de merenda e material escolar. Por exemplo: os cadernos foram substituídos por folhas sulfites, os lápis de escrever eram divididos em duas partes e reservados em uma caixa para que as crianças do turno da manhã e da tarde pudessem utilizá-los.

Foi uma experiência sem precedentes para as crianças que se encontravam fora da escola, bem como, para os educadores que ainda não possuíam experiência em sala de aula, mas estavam ali com toda vontade e disponibilidade. O esforço foi dobrado, os educadores sentavam para avaliar, estudar e planejar as aulas, subsidiados por materiais de apoio do próprio movimento do MST, da SEED, através dos materiais entregues nos cursos de formação e, principalmente, por livros didáticos que foram neste momento o material de apoio mais utilizado ·para o plano e a prática de ensino.

Às noites, como não havia energia elétrica, os educadores reuniam-se em torno de fogueiras para as cantigas, músicas e histórias na companhia da lua e do sereno, como recorda a Educadora Raquel:

Foi um período de muita empolgação, estávamos dispostos a ensinar e na escola tudo estava por fazer e construir. Havia muitas dificuldades: falta de merenda e material escolar. Queríamos implementar as oficinas para envolver ainda mais a comunidade, quem soubesse fazer um carrinho de madeira iria ensinar as crianças, assim se alguma mãe quisesse ensinar crochê também teria espaço para socializar seu conhecimento.

8 fucola Itinerante Jo MST· lli!ltória. Projeto e [.xperi!ncias

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A beleza da fogueira e da lua, com a ciranda humana ao seu entorno, tendo o desafio do fazer a educação em suas mãos provocou a ação coletiva de construir a escola com muito carinho. O espaço escolhido para a construção da Escola Itinerante foi o centro do acampamento, com lonas enviadas pelo Estado. Foram levantadas oito salas de aula com lonas pretas do lado de fora e brancas por dentro e um saguão com cozinha, lugar para horta, jardim e espaços para brincar. A construção foi impressionante pela mobilização que causou. Cada brigada de 50 famílias assumiu a construção de um barraco de aula e de alguns canteiros de flores próximos à sala, seguindo os modelos idealizados pelo setor de infra-estrutura do acampamento que deu uma unidade na construção. A lona foi um recurso da Secretaria de Estado da Educação, mas os demais materiais as familias assumiram, inclusive, realizando coletas para a compra de 400 folhas de Eternit para cobrir o saguão.

A escolha do nome foi outro momento forte e importante na construção do Projeto Político Pedagógico da escola. E seguiu a lógica da participação e envolvimento das famílias, porém a partir de critérios40

• Cada grupo apresentou as suas propostas e, na seqüência, foram socializadas no Setor de Educação do acampamento, as sugestões foram: Kalinda Cristina, Antonio Conselheiro, Sepé Tiarajú, Chico Mendes, Zumbi dos Palmares e Aprendendo com a Terra e com a Vida.

Dentre estes se destacaram Zumbi dos Palmares e Aprendendo com a Terra e com a Vida. Logo após a defesa de um companheiro: "Pela luta e ideal de liberdade de Zumbi, assim como a educação para os Sem Terra, ela deve ser a chave para a libertação", por unanimidade a Escola Itinerante passou a ser chamada de Zumbi dos Palmares. Como Aprendendo com a Terra e com Vida também obteve uma forte defesa, ficou como lema da escola, ficando assim definido o nome: Escola Itinerante Zumbi dos Palmares - Aprendendo com a Terra e com a Vida.

No dia 07 de fevereiro de 2004, a Escola Itinerante Zumbi dos Palmares -Aprendendo com a Terra e com a Vida, foi inaugurada41 juntamente com a comemoração da colheita de feijão da roça coletiva do acampamento.

Esta escola, a partir do previsto no Projeto Político Pedagógico da Escola Itinerante no Estado teve seu trabalho pedagógico organizado segundo alguns elementos educativos: Trabalho Coletivo dos Educadores/as; Tempos Educativos; Relação Escola e Comunidade; Organicidade das crianças na escola; As Itinerâncias Vivenciadas.

•o Ser um nome de um lutador do povo que seja exemplo para a luta dos trabalhadores e que expressa se o projeto de educação da escola. • • As aulas oficialmente reconhecida pela Secretaria de Estado da Educação iniciaram dia 8 de Fevereiro de 2004, com 12 turrnas de lª á 4ª série e duas turmas de Educação Infantil totalizando 420 educandos e um coletivo de 28 Educadores e Educadoras que começando a vivenciar com mais intensidade a proposta educativa da Escola Itinerante.

Coleção Cadernos da r:.scoln Itinerante 5 9

Trabalho Coletivo dos Educadores/ as Os educadores lecionavam em dupla, ou seja, cada turma sempre foi atendida

por dois educadores que trabalhavam em parceria desde o planejamento didático até a condução do processo educativo. Além das quatro horas aulas, as duplas, do mesmo ciclo, se reuniam para realizar oficinas pedagógicas objetivando desenvolver as habilidades artísticas (desenho, música, canto, flauta) e, oficinas especiais que partiam das necessidades de aprendizagem apresentadas pelas crianças, tais como: alfabetização, leitura, matemática, produção de texto entre outras.

O processo educativo ocupava todo o dia dos educadores, pois além do momento de regência, quatro horas em sala de aula, ainda, atendiam no contra turno e se reuniam para o planejamento diário das aulas, das avaliações, com tomadas de decisões sempre coletivas, estudos pedagógicos conforme as dificuldades e necessidades educativas.

A avaliação acontecia em duas etapas: avaliações permanentes e registro do acompanhamento. Desse processo resultava a sistematização em pareceres descritivos, que consideravam as metas de aprendizagem, os conhecimentos escolares e os objetivos de cada ciclo. Esta dinâmica foi sempre muito difícil, uma vez que o desejo era superar o modelo das notas e da reprovação, tendo como suporte uma proposta de avaliação dialógica, que exigia a elaboração de um parecer descritivo e, a partir deste ore-planejamento da prática educativa.

Tempos Educativos Os tempos de formação foram organizados em diferentes tempos educativos

e para garantir a formação foi preciso vários educadores. Destacaram-se entre os tempos educativos: a mística, a aula, a oficina, a recreação e o trabalho. A implementação destes tempos educativos foi um grande desafio, uma vez que a idéia é contribuir com o avanço educativo e não apenas ser um adereço da proposta pedagógica. Neste sentido, nossa escola precisava planejar melhor estes tempos, dando intencionalidade e tempo para realização do mesmo.

Relação escola e comunidade A relação entre acampamento e escola é a condição fundamental para que

cumpra a sua função, de possibilitar o acesso ao conhecimento já desenvolvido pela humanidade, sistematizar os saberes vividos na comunidade e formar sujeitos com condições de compreender e intervir na realidade. Neste sentido, o Setor de Educação do acampamento buscou cumprir sempre o papel de viabilizar esta articulação fazendo reuniões de caráter de estudo e avaliação, definindo tarefas para famílias e a organicidade do acampamento, bem como para os educadores e educandos.

O processo de acompanhamento entre os coletivos e as instâncias gerou fecundos aprendizados como nos mostra o relato de uma das reuniões da escola.

60 Escola Itinerante do MST: lhstór1a. Pro1cto e Experi!ncias

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Numa das reuniões realiwdas com as brigadas de cinqüenta familias onde bimestralmente se avaliava como estava o rendimento da escola alguns pais explicitaram com indignação um rndemo de uma criança da brigada que o educador tinha colocado certo, numa tarefa que estava errada. Também manifestaram a preocupação com a sujeira <las salas de aula que ficava empoeirada e uma sala de aula que tinha um buraco no teto. A iniciativa do educador que coordenava a reunião foi listar estes limites que a comunidade ia expressando, em seguida incitou a comunidade a buscar solução para estes problemas identificados, questionando: O problema <la tarefa errada colocada certa se deve ao que? Uma mãe disse a qualificação do educador, e o educador coordenador da reunião a questionou o que você sugere afastar o educador? E continuou afirmando, se afastar este educador quem vai dar aula? Assim uma pessoa propôs é o jeito é o educador estudar mais. Sobre as outras questões foi se questionando se a sala encontrava-se suja como podemos resolver isso? Assim a brigada chegou a conclusão que a comunidade também deveria limpa-la além dos educandos no tempo trabalho e sobre o buraco na lona da sala de aula o que a brigada pode fazer? Assim um pai propôs poderíamos marcar um dia e a nossa brigada ir lá e arrumar. Assim ao encerrar a reunião todos os limites levantados na brigada foi solucionado pelo conjunto. Neste exercício a escola passou a fazer parte da estrutura orgânica e das tarefas práticas no cotidiano da vida das pessoas, que dedicavam um tempo para contribuir na escola.

Organicidade das crianças na escola O processo de organicidade das crianças se baseia na organicidade do

acampamento, ou seja, cada turma organiza seu núcleo de base com média de 7 crianças. Cada núcleo cria sua palavra de ordem, escolhe seu coordenador e coordenadora e realiza as tarefas planejadas como a mística, organização e limpeza da sala, trabalhos em grupo, avaliação ...

No coletivo de turmas as crianças se organizam no tempo mística e cada uma delas mensalmente socializa a mística na coletividade, participa dos trabalhos no acampamento e na escola como horta, embelezamento do espaço, cuidado com o lixo, participa das assembléias, noites culturais e do conjunto das ações do movimento.

As itinerâncias Vivenciadas No coletivo da escola e no Setor de Educação foram definidas as formas de

participação da escola nas ações do acampamento e do Movimento. Nesta trajetória é possível destacar momentos de itinerância que marcaram o acampamento e a escola, tais como: a participação em novas ocupações como a do pedágio de Cascavel; a participação em eventos como a Jornada de Agroecologia; a participação em atos públicos fora do acampamento. A participação das crianças nas ações do Movimento ocorre em duas situações, primeira, quando as turmas participam destas atividades acompanhadas pelos educadores e lá vivenciam o processo; segunda situação, quando as crianças participam da ação do Movimento acompanhadas da familia e durante a ação incorporam as atividades desenvolvidas pela escola.

Segue relato da ocupação de um pedágio no dia 16 de Abril de 2007.

Coleção Cadernos da Escola Itinerante 61

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Na Jornada de Lutas com o lema: pedágio é roubo, a Vale é nossa e Reforma Agrária já! A Escola Itinerante Zumbi dos Palmares participaram desta mobilização, planejando atividades educativas com os educandos da escola para ser realizado no pedágio, no qual o coletivo de educadores preparou discussões a partir do lema da mobilização e os educandos em brigadas fizeram o processo de conscientização dos motoristas com dialogo e entrega de panfletos informativos sobre a jornada de lutas.

Sob geadas de agosto, brota o Acampamento 1 º de Agosto No final do mês de julho de 2004, o acampamento concentrava,

aproximadamente, mil famílias com pouca terra para plantar e garantir a subsistência das mesmas. Era preciso dar novos passos rumo à conquista do latifúndio. Como tudo no acampamento se define coletivamente, as famílias se reuniram e se definiram por uma nova ocupação, assim, 800 famílias se deslocaram e o restante delas permaneceu na localidade. Como a escola é itinerante, esta acompanhou as familias para a ocupação dentro da organicidade do movimento.

Esse processo gerou um dos grandes aprendizados para o coletivo de educadores. Como uma escola faz a itinerância? Quem deve arrumar as coisas para a mudança? Seriam os educadores? E os núcleos de base? A descrição abaixo mostra um pouco das contradições vividas:

A Itinerância da Escola Itinerante Zumbi dos Palmares não foi muito fácil, no dia 31 de julho no período da noite, os materiais da escola já estavam todos arrumados para serem levados para o novo espaço que iria ser ocupado. Cada brigada tinha um caminhão para transportar seus pertences, mas não havia transporte especifico para os materiais da escola. Uma das brigadas consultadas para disponibilizar espaço para levar os materiais da escola, não aceitou a tarefa, expressando um limite no entendimento que a escola é de todos. Mas outra brigada se colocou a disposição, cedendo espaço na condução, dizendo que não tinha importância se as coisas da escola ocupassem muito espaço no caminhão, o importante era ela estar lá junto nesta hora da ocupação. Assim foram conduzidos os quadros e os materiais da escola, juntamente com os pertences das familias, que tinham a clareza que esta escola lhes pertencia

O amanhecer do primeiro dia de Agosto de 2004, num dia frio, com geada em meio à pastagem e muita neblina, o novo território foi ocupado. Tudo estava para ser construído e, novamente, aos poucos o acampamento ia se reerguendo juntamente com o sol que aos poucos os aquecia. Inicialmente foram erguidos grandes barracões coletivos das brigadas.

As atividades da escola foram reiniciadas no segundo dia da ocupação, cada educador após o tempo formatura escolheu o seu local para dar aula, no meio da plantação de aveia, a céu aberto. O tema gerador daquele dia de estudo foi OCUPAÇÃO. Sentados no chão com o quadro de escrever firmado na cerca de

6 2 E~ola llincrante do MST· 1 fütória, ProJCIO e Experiência.~

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arame do latifúndio, improvisou-se espaços de estudo. Durante os estudos, Davi Rodrigues, um educando com 13 anos que freqüentava a escola do 2ª ano do 2ª ciclo, recebeu uma medalha por sua excelente declamação do texto que elaborou com o título "Sementes patrimônio da Gente".

Segue o texto do educando na integra:

A semente é patrimônio de toda a humanidade, é uma herança deixada pelos antigos antepassados para que outras pessoas tenham acesso. A semente é algo de muito valor para nós e por isso ela deve ser cuidada para dar continuidade da vida e da garantia de integridade cultural e ecológica da agricultura camponesa. Com a chegada da monocultura, maquinários, agrotóxicos, adubos químicos se alastram para o mundo. A grande diversidade se perde e se enfraquece. Essa agricultura que agora se chama agronegócio substitui a diversidade por produção de cinco ou seis variedades de sementes. Basta olharmos para muitos lugares do Paraná ou até mesmo de Cascavel que confirmaremos esse processo. Assim como a terra e a água, as sementes estão se transformando em mercadorias, artigo de negócio, cujo objetivo é o lucro através da exploração dos camponeses de todo o mundo. As empresas multinacionais estão se apropriando de nossos recursos genéticos, colocando em risco a vida sobre a terra. As sementes transgênicas representam mais um passo nesse processo de controle das sementes inventadas pela Monsanto. Essas sementes são fabricadas em laboratórios com o objetivo de aumentar a dependência das familias agricultoras e assim vender agrotóxicos trazendo inúmeros riscos a saúde humana e animal. Por isso, é tão necessário selecionar e resgatar as sementes crioulas, muitas famílias camponesas no mundo estão na contra mão deste processo de privatização da vida. A boa semente esta sendo plantada em muitos lugares e inúmeras variedades estão sendo resgatadas. E assim, companheiros, vamos proteger a nossa semente que é a nosso patrimônio.

Como todo acampamento, a escola também foi reconstruída com muitas dificuldades que iam desde a falta de material de construção, a escassez de água e até os fortes vendavais. O depoimento de Alessandro Mariano registra um pouco desta vivência.

Após um vendaval, chegamos à escola pela manhã e vimos todas as salas de aula, a secretaria e biblioteca descobertas, um monte de papel espalhado pelo chão, carteiras e cadeiras viradas. Nós, educadores, íamos chegando na escola e olhávamos um para o outro desanimados por ver a escola destruída. Novo alento recebemos quando as crianças foram chegando próximo de nós e perguntaram: E agora educador, o que vamos fazer? Perguntamos à elas o que achavam que deveríamos fazer. Elas responderam: Pôr lona de novo! Construí-la! E assim fizemos, convocamos a comunidade em mutirão, com a ajuda das crianças e dos adultos, em poucas horas a escola estava novamente em pé.

Coleçlo Cadernos da E~ola llineramc 6 J

Naquele novo espaço, a Escola Itinerante foi dando novos passos no acompanhamento. A comunidade assumiu tarefas na escola, ajudando a puxar água, fazendo lanche, cuidando da limpeza das salas. Também ajudava no acompanhamento do aprendizado da leitura e da escrita conforme necessidade apresentada pelas crianças. Muitas pessoas se sentiram valorizadas ao contribuir com a escola: limpando, organizando, construindo, opinando, voltando a estudar, enfim, conduzindo a escola juntamente com os educadores.

Um avanço significativo foi o envolvimento das famílias nas definições dos temas geradores. Este momento foi significativo, pois a comunidade pode demonstrar suas experiências de vida e conhecimentos e com isto contribuir com a escola, fazendo criticas, opinando e dando sugestões na forma de trabalhar com determinado problema da realidade, como nos fala um membro da comunidade: "ao discutirmos o tema gerador vejo a preocupação dos educadores, em fazer os educandos compreenderem os problemas sociais que vivemos e aprendam a ler, a escrever e calcular".

Os educadores também passaram a compreender claramente a importância da participação da comunidade no que a escola deve trabalhar. A educadora Lucimar revela que: "Com a participação dos pais na elaboração do planejamento do tema gerador eles começaram a compreender o porquê de estar trabalhando sobre temas do MST e os problemas de nossa realidade, não se prendendo somente a critica, sem conhecer a metodologia da escola".

Novos passos A construção da escola não parou por aí, novos passos foram dados. A Escola

Itinerante Zumbi dos Palmares passou a atender educandos de Educação Infantil, de 5ª a 8ª série e Ensino Médio e em 2005 contabilizou 540 crianças.

Estes dois últimos níveis de ensino passaram a receber professores da Rede Estadual de Ensino para trabalharem as áreas especificas do conhecimento. O currículo da escola foi organizado por disciplinas escolares com o planejamento de temas específicos e eixos temáticos que buscavam perpassar todo o ensino.

Limites foram encontrados. Por um lado, os professores da Rede Estadual encontram uma realidade desconhecida, uma proposta de escola diferente das que normalmente tinham conhecimento, sem falar na realidade do acampamento. No decorrer do tempo, muitos desses profissionais foram se identificando com a proposta. Dentre estes limites, a escola viveu e vive uma contradição no Projeto Político Pedagógico, ou seja, a mesma escola utiliza-se de formas diversas de organização do currículo.

Para o acampamento e a escola, a lógica dos horários quebrados e fragmentados dos professores foi gerando desconforto, pois os professores apenas davam aulas e não conseguiam um envolvimento maior como o projeto assim ex1g1a.

6 4 Escola hmerantc do MST: 1 hstória. Projeto e Experiência!>

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Outro passo importante dado pelo acampamento e pela escola foi a ocupação de novos territórios. A Escola Itinerante Zumbi dos Palmares, desde seu início, caminhou com a comunidade acampada. Desde o acampamento Dorcelina Folador até a ocupação do Acampamento 1 ºde Agosto, seu processo de itinerância não parou por ai, pois deu origem a outros dois acampamentos, agora em novas áreas. Na Fazenda de Experimentação da Syngenta, em Santa Tereza do Oeste, formou-se a Escola Itinerante Terra Livre e no Acampamento Quatro de Setembro na BR-277, em Céu Azul, formou-se a Escola Itinerante Novo Caminho do Campo.

Essas novas ocupações geraram desafios e compromissos dos educadores, ou seja, daqueles educadores mais experientes que sempre assumiram a tarefa de continuar construindo as novas escolas nos acampamentos, pois entendiam este ato como formativo.

A Escola Itinerante Zumbi dos Palmares marca cinco anos de história: já gerou quatro escolas, envolveu nesse trabalho aproximadamente 100 educadores. Desses, 5 se formaram em Pedagogia da Terra do MST, 7 formaram-se no Curso Normal de Nível Médio e 1 O estão no processo de formação. Atualmente dois deles freqüentam o curso de Geografia na UNESP. Passaram por esta escola em torno de 1500 educandos, que formaram duas turmas de 8ª série e uma turma de 3ª ano do ensino médio.

ColeçOO Cadernos da E~ola l1ínC'ra111c 6 S

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ANEXO

Escola Itinerante: memórias e desafios ...

Introdução

Isabela Camini 1

Marcos Gehrke2

O II Seminário Nacional das Escolas Itinerantes dos acampamentos do MST, realizado entre os dias 21a26 de agosto de 2006, em Curitiba-PR, com a presença de 113 participantes dos estados do RS, SC, PR, GO, BA e PE veio nos instigar I provocar a escrever este texto, aproveitando o longo registro que fizemos deste II Seminário.

Tendo presentes os 1 O anos de Escola Itinerante, no MST, uma escola pública estadual, que está onde está o povo em luta -no acampamento, nas marchas, embaixo das árvores, na beira do rio, nas beiras das estradas, nas ocupações, nos Congressos, nos Encontros, enfim, nas várias situações em que o MST se encontra, nossa pretensão aqui é refletir sobre o significado do próprio seminário nacional. Sobretudo, avançar na compreensão do papel social desta escola que a princípio era chamada de "escola do acampamento" e posteriormente passa a ser - Escola Itinerante.

Ao mesmo tempo, este texto tem a pretensão de contribuir com os educadores/ as das escolas itinerantes, no sentido de dar algumas pistas sobre questões pertinentes trazidas para o debate durante o Seminário, que dizem respeito à condução do processo pedagógico no cotidiano das escolas. Sendo assim, no item quatro - Olhando a Escola por dentro - trazemos uma reflexão sobre a organização do trabalho pedagógico na escola do acampamento, a organização das relações no acampamento-escola-acampamento, e a organização do currículo da escola.

Como o registro e a sistematização de nossas práticas têm sido um desafio permanente, ao final do texto trazemos uma reflexão que servirá de incentivo para não perdermos de vista mais esta tarefa.

O ano de 2006 marca os 1 O anos de conquista da Escola Itinerante no Rio Grande do Sul, seguida de conquistas do MST em outros estados, que tiveram

Membro do Setor de Educação do MST, doutoranda da UFRGS e pesquisadora das Escolas Itinerantes dos Acampamentos do MST. Educadora nos Cursos de Formação de Educadores do !TERRA. 2 Educador popular no MST, formado cm Pedagogia, mestrando da UFPR, acompanha a formação de educadoras e educadores das Escolas itinerantes.

66 Escola hmerante do MST Hi ')lórin, Projeto e Experiências

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essa proposta como referência, seja na forma de luta para conquistar a escola, como também nos aspectos pedagógicos.

Considerando as dificuldades e, sobretudo, a morosidade do poder público em ampliar a política pública e admitir formas alternativas de fazer escola no Brasil, reconhecendo os Movimentos Sociais como os protagonistas dessas propostas, entre os vinte e quatro Estados onde o MST está organizado, fazendo a luta pela Reforma Agrária, temos, hoje, Escolas Itinerantes legalmente aprovadas e reconhecidas pelo· Conselho Estadual de Educação em cinco estados: RS, SC, PR, GO, AL. Em processo de legalização PE e PI. Segundo dados recentes, ao todo são 32 escolas, 277 educadores e 2. 984 educandos (crianças, jovens e adultos), envolvidos num processo educativo permanente, nos acampamentos, visando ao mesmo tempo a garantia do direito à educação, a elevação da escolaridade e a elevação do nível cultural da população acampada.

1. O II encontro de Escolas Itinerantes dos acampamentos do MST Assim como o I Seminário Nacional de Escolas Itinerantes, realizado no

ITERRA em Veranópolis, em março de 2005, o II Seminário veio proporcionar um grande debate em torno do que já construímos ao longo dos 1 O anos de Escola Itinerante nos acampamentos do MST. O balanço realizado nos estados, considerando o tempo de suas experiências, nos possibilitou enxergar o conjunto do trabalho, e, os passos que devemos dar daqui para frente no conjunto do Movimento, no que diz respeito ao que queremos com essa escola e a forma de fazer educação nos acampamentos.

Dos 113 participantes, a presença maior foi de educadores que trabalham diretamente nas escolas, em sala de aula ou na coordenação das mesmas, e que são acampados. A grande maioria desses educadores são formados no curso normal de nível médio realizado no IEJC, nas turmas de 7 a 10 e outros cursando a turma 11. Estes educadores tiveram a oportunidade de expor os avanços e limites que encontram no cotidiano do trabalho escolar, tendo presente sobretudo, as precárias condições físicas da escola, a falta de materiais didáticos adequados, as dificuldades na relação com o Estado e muitas vezes com a própria comunidade acampada. Outra preocupação diz respeito à rotatividade dos educadores, realidade que im­pede a formação de coletivos mais fixos em cada escola e no conjunto da Escola Itinerante em cada Estado. Os educadores que estudam nos Cursos Normal de Nível Médio ou Pedagogia da Terra, quando no tempo escola no IEJC, deixam uma lacuna na escola, sendo quase sempre substituídos por outros educadores, que nem sempre são preparados adequadamente para responder às exigências do trabalho no processo educativo. Ao retornarem, encontram muitas vezes, os educandos dispersos e desmotivados.

A presença de membros do coletivo nacional de educação enriqueceu o

Coleção Cadernos da E$Cola Itinernntc 6 Z

encontro. Foi um encontro de caráter interno, assessorado por nós, sem a participação de intelectuais de fora. Pela primeira vez, nos reunimos com objetivo de conhecer melhor a trajetória histórica feita pelo conjunto dos Estados que ao longo de 1 O anos fizeram a luta para legalizar e reconhecer a vida escolar das crianças, jovens e adultos em situação de acampamento. A participação de alguns professores, representantes do Estado e da Escola Base, contribuiu com o debate pois conseguiram compreender melhor o movimento pedagógico do MST, o porque da luta por escolas e educação para o seu povo, assim como serviu para que percebessem seu papel como representantes do Governo para fazer avançar o direito inegável dos sujeitos do campo poderem estudar em uma escola no e do campo. As intervenções, depoimentos e questionamentos dos Sem Terra que representavam o Setor de Frente de Massa, colocaram o debate sobre a Escola Itinerante dos acampamentos no lugar desejado. Pois são eles que, no trabalho de base, quando convidam as pessoas a acampar e entrar na Organização, anunciam a possibilidade da continuidade da escolarização de seus filhos. Razão que convence e leva-os a participar do Movimento com segurança e sem medo. Conforme Giva da frente de massa do RS,

Quando fazemos o trabalho de base, na primeira conversa com as famílias, elas perguntam se vai ter escola, porque se não tiver escola elas não vão acampar. Às vezes é para não perder a "bolsa escola" que recebem do Governo Federal, mas quase sempre é porque não querem que seus filhos fiquem sem estudar. Então a gente sabendo dessa preocupação deles, já leva junto o comprovante de matricula e uma ficha de vaga na Escola Itinerante. Quando chegam ao acampamento, o Conselho Tutelar vai verificar se esta criança está ou não estudando.

Portanto, o Seminário se caracterizou por uma grande parceria entre educadores, frente de massa, setor nacional de educação e representantes do Estado que atuam nas Secretarias de Educação e Escolas Base. Juntos, num ambiente propício e com muita liberdade conversamos abertamente sobre o que significa este projeto de escola e os problemas encontrados, no dia a dia, para via.bilizá-la. Olhamos para a escola, como uma política pública presente no acampamento, para as condições tisicas de funcionamento, a organização do trabalho pedagógico, sala de aula, enfim. Avançamos na compreensão das estratégias que forjam o avanço de políticas públicas, como também percebemos melhor qual a função social desta escola do e no acampamento, o perfil/formação exigida para os educadores, o desafio da gestão escolar e qual concepção de currículo deve embasar nossa pedagogia.

Percebemos que ainda temos muito que avançar. A Escola Itinerante não pode ser preocupação somente do setor de educação, tão pouco os educadores sozinhos podem responder por ela, no dia a dia do acampamento. É de responsabilidade do MST enquanto Movimento Social organizado, que tem a 6 8 Escola Itinerante do MST: Ilistóna. Projeto e E~peri!ncias

escola e educação como princípio, olhar carinhosamente para ela, dar sugestões, questionar, apontar o caminho. Outro desafio que se impõe é estudar e definir qual a melhor forma de organizar o processo educativo - por etapas, por ciclos de formação, ciclo básico, ou por classes seriadas e multisseriadas? Qual processo educativo dará conta da formação humana de nosso povo acampado? Assim que tomarmos a decisão, também saberemos o que e como trabalhar estas questões na área das didáticas nos cursos de formação de educadores em nível médio e supe­rior.

No manifesto3 que escrevemos durante o seminário, explicitamos,

A Escola Itinerante deve caminhar na perspectiva da formação humana. Os conteúdos devem orientar-se pelos componentes da vida das crianças, jovens e adultos acampados que desafiam permanentemente o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade. Tendo como base a pesquisa da realidade, a pesquisa dos sujeitos e a intervenção refletida na realidade, mobilizando os instrumentos necessários a esta dinâmica.

Acreditamos que o Seminário veio fortalecer nossa decisão em continuar avançando na construção de políticas públicas que viabilizem escolas nos acampamentos, tendo presente que cada estado tem autonomia para fazer o seu caminho e processo próprio, levando em conta a realidade e condições do Movimento. Desta forma se impõe ao Instituto de Educação Josué de Castro em Veranópolis a abertura de uma nova turma de magistério (turma 12) que atenda prioritariamente educadores itinerantes.

Por fim, o Seminário proporcionou um encontro e troca de experiências entre quem já vem caminhando há mais tempo e está mais seguro e quem apenas está começando e que precisa de apoio. As místicas e as noites culturais contribuiram para fazer daqueles dias, por sinal de um frio imenso, momentos agradáveis e favoráveis ao estudo e a reflexão sobre nossas práticas. Coordenadores e educadores contaram suas trajetórias, experiências, dificuldades e também a aventura que é, muitas vezes, dar aula durante uma marcha, em frente a um prédio público ou de baixo de uma lona em dias de sol quente, quando há excesso de chuva ou em momentos em que um vendaval destrói todo o ambiente educativo.

Foi interessante perceber que, em nenhum momento se viu nos educadores um ar de amargura e descontentamento por estarem enfrentando tantas dificuldades. Pelo contrário, falam com alegria e com responsabilidade sobre a tarefa que a lhes foi confiada - ser educador/ a em uma escola itinerante. através do processo Constituinte Escolar Estadual, a Escola Base das Itinerantes e os próprios Cursos Itinerantes em cada acampamento do MST tiveram seu Regimento Escolar aprovado e garantido em Lei o direito dos sem terra, em luta,

Manifesto dos educadores e educadores das Escolas Itinerantes, escrito no O 11 Seminário Nacional das Escolas Itinerantes dos acampamentos do MST, realizado entre os dias 21 a 26 de agosto de 2006, em Curitiba-Paraná.

Coleção Cadernos da Escqla h incrantc 69

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2. Assim começou a escola no MST No final da década de setenta a comunidade acampada não tinha clareza da

importância da escola na vida das famílias e no conjunto do Movimento Sem Terra. As primeiras famílias acampadas em Encruzilhada Natalino (1978), e posteriormente na Fazenda Anonni (1985), deram sinais de que não queriam ver seus 600 filhos em idade escolar fora dela, organizando voluntariamente a escola e se preocupando com uma educação diferente. De baixo de árvores, nos barracos de lona e nas marchas, nasceu um outro jeito de fazer escola, colada à realidade da vida do povo acampado e itinerante.

No começo, a iniciativa foi das familias que tinham filhos em idade escolar no acampamento. Em seguida, essa preocupação foi tomando espaço e sentido, integrando-se a ampla luta pela Reforma Agrária. Ou seja, a educação das crianças também deveria fazer parte da empreitada que estava apenas começando. Lutar pela terra, significava também lutar pela educação. Assim, nasceu a primeira escola do Movimento, a "escola do acampamento" como era chamada à época.

Sem grande intencionalidade pedagógica, a não ser de que ali deveria se fazer uma escola "diferente", preocupada com os sujeitos que a compõe e a realidade em que vivem, nasceu o sonho de uma outra escola, que não deveria se parecer com a que eles freqüentaram durante um, dois ou três anos na sua localidade onde viviam. Tão pouco, igual àquela de onde vinham seus filhos. Sendo assim, passaram a olhar e pensar a escola como sendo sua, próxima do acampamento. O aspecto tisico dessa escola, não era a maior preocupação e nem impedimento para sua existência neste meio. O importante eram os recursos didáticos e pedagógicos que nasciam da própria realidade, dinâmica e nova ao mesmo tempo. Ou seja, de uma visão de educação rural distante de sua realidade, as pessoas passaram a vivenciar uma escola próxima, colada a luta pela terra e à organização do acampamento. Os acontecimentos cotidianos, os impasses nas negociações com o governo, as assembléias, ou mesmo a decisão de continuar a itinerância, foram construindo os elementos de pedagogia a serem trabalhados nessa escola. Como não havia receita de como fazê-la, foram experimentando e construindo a escola que queriam, pacientemente impaciente. Conforme a visão socialista,

Segundo o exemplo destes primeiros, por longo tempo, a cada novo A tarefa de construção da nova escola foi tomada por muitos pedagogos. A maioria deles sabia apenas uma coisa - que a nova escola não deveria parecer­sc com a antiga, que nela deveria reinar um espírito completamente diferente, que não podia esmagar a personalidade da criança, como foi esmagada pela escola antiga. Os professores, pioneiros da nova escola, começaram seu dificil trabalho (KRUPSKAYA,1923, p. 4).

acampamento a escola era organizada e sempre mais pessoas se envolviam com ela, mesmo não sendo reconhecida pelo poder público, porque acham inadequado aprovar/reconhecer uma escola tão distante dos moldes por ele estabelecidos.

70 Es.cola ltincrnntc do MST- História, PrOJCIO e Experiências.

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Chegando ao assentamento a realidade era outra. A comunidade se organizava e fazia a reivindicação da escola. Depois de fortes e repetidas pressões, alguns assentamentos foram conquistando escolas. A princípio de 1 ª a 4ª série e posteriormente, em algumas comunidades, escolas de Ensino Fundamental. No que diz respeito à escolas de Ensino Médio, ainda são raras, sendo que temos apenas 45 escolas de nível médio em áreas de Reforma Agrária, nos 24 estados do Brasil, onde o MST está organizado.

3. De "escola do acampamento" à Escola Itinerante Passada mais de uma década, nos anos de 1994 e 1995, enquanto o MST

crescia sensivelmente no Sul do Brasil tanto em número de ocupações como em assentamentos, as crianças Sem Terra entraram na história da luta pela escola le­gal através das mobilizações infantis. Em outubro de 1995, uma mobilização infantil em frente à Secretaria da Educação forjou a abertura do diálogo entre o poder público estadual e o setor de educação do MST. A partir de então iniciaram a construção de uma proposta de escola que acompanhasse a itinerância do povo em busca da terra, considerando que à época havia centenas de crianças em situação de acampamento, sem escola. Após várias reuniões que deram origem a uma elaboração conjunta da proposta de escola, ainda foi necessário mobilizar, mais uma vez, as crianças acampadas para virem à capital participarem da sessão plenária do Conselho Estadual onde estava em pauta a votação e aprovação da escola. Ou seja, não foram poucas as mobilizações e pressões até chegarmos ao dia 19 de novembro de 1996, quando com base no artigo 64 da Lei 5692/71, o Conselho Estadual de Educação aprovou a escola como experiência pedagógica por dois anos, na presença de 80 crianças acampadas que participavam daquele momento histórico. Experiência que posteriormente foi prorrogada pelas Resoluções 237 /98 e 247199. Somente no ano de 2002, através do processo Constituinte Escolar Estadual, a Escola Base das Itinerantes e os próprios Cursos Itinerantes em cada acampamento do MST tiveram seu Regimento Escolar aprovado e garantido em Lei o direito dos sem terra, em luta, poderem estudar. Por escolha e opção dos Sem Terra, a "escola de acampamento", passou a ser chamada de Escola Itinerante, por se tratar de uma escola que acompanha a trajetória de luta pela terra. Uma escola que acompanha o itinerário do acampamento até o momento em que as famílias acampadas chegam ao assentamento. Conforme Miguel Arroyo em uma fala aos educadores em Recife -PE em outubro de 2005, "o que nos deve preocupar, e o que nos deve espantar não é a Escola Itinerante. O que nos deve espantar, é que haja coletivos, imensos coletivos, que tenham que ser itinerantes porque lhes negaram o direito a terra".

A exemplo do Rio Grande do Sul, os acampados do Movimento em outros estados, buscava, também, legalizar a vida escolar de seus filhos. A intenção, quando

Coleção Cadcrnoi. dft F-.oola ftincn1111c 71

Luis Inácio Lula da Silva assumiu o governo, em 2003, era de obter avanços significativos, porém os empecilhos colocados pelo poder público dificultaram e limitaram os avanços desejados. O Estado do Paraná, sob forte pressão, aprovou o projeto em 2003, momento em que havia em torno de 100 acampamentos no Estado. Santa Catarina aprovou em 2004, seguindo Goiás e Alagoas em 2005. Os estados de Pernambuco e Piauí se encontram em processo de legalização, nesse ano de 2006. Embora exista a Escola Itinerante, reconhecida legalmente, apenas em cinco Estados, entre os 24 onde o MST está organizado, já podemos considerar um pequeno avanço na conquista do direito à educação, considerando a realidade peculiar em que se encontra quem está nos acampamentos e itinerantes. No seminário ficou claro que a natureza da EI é de uma escola de resistência, sem render-se ao Estado e aos mecanismos de controle, avançando como possibilidade de assegurar o direito a educação, que é condição para acesso a outras condições.

4. Olhando a Escola por dentro: a organização do trabalho pedagógico na Escola Itinerante

Sou da fronteira, habito a beira. Mais lá do que aqui, mais cá do que ali. Me altero, transfiguro, pulo o muro. Acidente inconveniente, como falta de dente no pente, rente e rasteiro, a coçar coceiras (Ana Maria Neto Machado, 1999).

A poetisa, que desconhece a Escola Itinerante, basicamente a define na poesia. É a escola da fronteira, está na radicalidade do fazer escola pública brasileira na atualidade. Não pára para se queixar das más condições da educação, ao contrário, faz por dentro dela a luta pelo direito e, isso a muitos incomoda.

Não é a escola do governo, nem por ele dirigida. Conduzida pelo povo organizado, a Escola Itinerante caminha por outros rumos, os rumos da resistência, da rebeldia que ocupam os latifúndios, organizam o povo, fazem reforma agrária e produzem poesia. Uma escola teimosa, dirigida pela teimosia lúcida dos trabalhadores Sem Terra, que exigem que o governo a financie, o que a muitos desagrada.

Ela habita a beira, não se constrói nas paredes, e por isso, muitas vezes aparece e desvela os problemas da sociedade brasileira. Se faz inconveniente aos governos que dizem já ter propiciado educação pública a todo povo brasileiro. A Escola Itinerante também nos provoca e, cotidianamente, nos traz à beira, nos faz ficar envolvidos e comprometidos com o fazer a escola, afinal, ela e a escola dos Sem Terra. Que como pente sem dente, coça a todos, basta descobrir onde coça, para se poder fazer a escola por dentro. Mas, como "por dentro" se ela não tem paredes nem portas ... ? Se for construída, desfeita e reconstruída a cada nova realidade de ocupação ou despejo de uma área?

Esse processo e a concepção de escola exige muito mais de nós educadores do Movimento. Para produzir o que estamos aqui chamando de "fazer a escola

2 EM:ola lt im:rnnte do MST· Hi'ltória. Projeto e Experiências

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por dentro" implica em percebermos e compreendermos o que significa fazer a formação humana nessa complexidade em que se dá a Escola Itinerante. O dentro dessa escola não é único, mas múltiplo. Múltiplo na forma e no conteúdo, no tempo, nos espaços, nas relações, mas que se materializa num contexto, a situação improvisada de acampamento do povo.

Isso nos remete então, a traçar e afirmar caminhos já percorridos nestes dez anos, no campo da organização do trabalho escolar e do trabalho pedagógico propriamente dito, nas Escolas Itinerantes, tendo presente sempre o vínculo necessário entre o Movimento e a escola como nos mostra Caldart,

Não é possível compreender o sentido da experiência de educação no e do MST se o foco de nosso olhar permanecer fixo na escola. Somente quando passamos a olhar para o conjunto do Movimento, e com a preocupação de enxergá-lo em sua dinâmica histórica (que inclui a escola), é que conseguimos compreender que a educação pode ser mais do que educação, e que escola pode ser mais do que escola, á medida que sejam considerados os vínculos que constituem sua existência nesta realidade (CALDART, 2000, p.143).

A organização do trabalho pedagógico da Escola Itinerante deve estar pautada neste pilar, ou seja, o vínculo permanente entre o acampamento e a escola, tendo como centralidade o sujeito. Portanto, o sujeito que aprende precisa construir no­vas relações, é isto que marca a especificidade da nossa escola e busca superar o modelo de escola proposto pelo sistema capitalista.

A Escola Itinerante, como o acampamento, são tempos-espaços de muita dureza e dificuldade. Não é, de forma nenhuma, a vida e a escola que se sonha para os camponeses Sem Terra. O acampamento é a expressão mais visível da exclusão social que o sistema capitalista produziu. Contraditoriamente, a expressão mais forte da organização e da resistência deste povo, que não aceita isso como sendo o fim da história, se junta para lutar pela terra e transformar esse sistema. A escola pode ser um destes espaços de organização e reflexão sistemática de tal processo, formando novos sujeitos que produzirão um novo mundo. É desde então que precisamos, e já estamos no Movimento produzindo uma nova forma escolar que recrie as relações sociais na escola, que supere o modelo autoritário e excludente de avaliação, reorganize o tempo e espaço escolar, recoloque o papel do educador, bem como, do conhecimento e das metodologias. Enfim, uma forma escolar a serviço da emancipação humana da classe trabalhadora. Conforme Arroyo, 2005, precisamos constantemente nos perguntar:

Que formas novas de organização escolar, que garantem o direito a educação têm que ser inventadas? E têm que ser inventadas, está é a palavra: inventadas. Não vão cair do céu, nem do Conselho Nacional, Estadual. Não vai cair de lugar nenhum. Precisam ser inventadas, sobretudo por nós educadores.

Coleção ('adl'mo' da F:"-.:Ohl l1inl~1 ;t1lf('

4.1 - Organização das relações no acampamento-escola-acampamento O Movimento é nosso educador, o acampamento uma escola, mas a escola

precisa incorporar a dinâmica do acampamento para ser uma escola do acampamento, acrescentando-lhe a permanente reflexão sobre o vivido, gerando o conhecimento emancipador.

A escola é um lugar socialmente organizado e privilegiado de relações e de aprendizagens, as quais se constituem na relação dialética entre o aprender e o já aprendido. Ela é ainda, um tempo-espaço reservado para sistematizar as aprendizagens, que se dão nas vivências do cotidiano. Sendo o ser humano criador e recriador ele se reproduz atribuindo sentido e significado no ato de aprender. Este é um processo que cada sujeito faz, ou seja, precisa ser singularizado por cada sujeito, pois ninguém aprende pelo outro, mas também não aprendemos sem o outro.

A vida do acampamento é marcada por organização voluntária, por necessidade, por exigência do Movimento, enfim. Envolve a todos de uma forma ou outra, consciente ou não, seja nos núcleos de base do acampamento, nas coordenações, nas equipes de trabalho, nas instâncias, na brigada, nas mobilizações, nas marchas, nas ocupações de prédios públicos e latifúndios improdutivos. A escola precisa reproduzir essa organização. Sendo assim temos a oportunidade de construir nossa escola, rompendo com o jeito da escola convencional. A realidade da vida do acampamento impede que se deixe a vida real passar do lado de fora da escola. A vida é trazida para dentro dela. A circunstância objetiva obriga os educadores tratarem dos acontecimentos, das decisões, de tudo o que acontece no dia a dia. Por isso não é dificil pensar a Escola Itinerante, no seu cotidiano, diferentemente da escola capitalista.

O tempo-espaço do acampamento contribui de forma determinante no repensar a tradição da escola conhecida, vivida e hoje questionada/interrogada. Cada tempo-espaço da escola é recriado ou resignificado, e a experiência do Movimento pode ser nossa matriz.

No que se refere às crianças e seu convívio no mundo das lonas pretas, em geral, elas sabem tudo o que acontece no acampamento. Vivem entre os adultos e participam das conversas informais e reuniões dos núcleos de base. Conhecem a todos, sabem o nome das pessoas, onde moram, quem são seus melhores amigos e quantas crianças estão para nascer. Fazem amizades com facilidade, e logo viram companheiros. Brincam até cansar, noite a dentro. Inventam brincadeiras, porque ali não há nada pronto, pré-fabricado. Elas precisam pensar, planejar, fabricar, construir seus brinquedos e brincadeiras. Quem sabe ensina e quem não sabe aprende e logo ensina aos outros. Trocam muitos saberes e fazeres . Aprendizados são refeitos sempre que um brinquedo exige concerto e elas mesmas precisam sa­ber fazer. A criatividade corre solta quando brincam de imitar o que os adultos

E~ola Itinerante do MST: H1st6na. Projeto e F.xpcriém.:ia'J.

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fazem: a mística, a assembléia, as ocupações, as reuniões dos núcleos de base, as aulas, o jeito do educador começar a aula, a fala de um acampado, enfim.

Já caminhamos neste sentido e podemos ir afirmando algumas formas e possibilidades que vêm sendo forjadas em nossas práticas educativas.

a) a gestão da escola: que inclui a constituição dos coletivos de educadores e de educandos. Temos superado a idéia e a prática da hierarquização do poder na escola, com as coordenações coletivas e a divisão de tarefas e poder. A escola tem avançado com a participação das instâncias do acampamento no pensar a escola desde o trabalho de base. Temos avançado, embora ainda pouco, na capacidade de negociar com o Estado. Temos, neste aspecto, pouco acúmulo no sentido de transgredir e ousar mais na organização efetiva dos coletivos infantis, ou ainda, precisamos estudar mais sobre este assunto e os clássicos pedagogos socialistas podem nos ajudar muito.

Quando Krupskaya (1986) nos diz: " Cuanto mayor se de el significado social de uma tarea, tanto mas fuerte será sua influencia educativa em los ninas." , isso precisa ser tomado como base para a escola organizar o trabalho pedagógico, mas também para educadoras e educadores que no trabalho pedagógico precisam incorporar ações ou atividades que sejam reais, tenham utilidade para o mundo infantil e a construção do seu pensar e seu fazer, caso contrário estão somente entrando no ativismo pedagógico e não influenciando positivamente na formação da infância.

Capriles mencionando Makarenko diz: Não se pode imaginar o coletivo se tomarmos a simples soma de pessoas

isoladas; ele é um organismo social vivo e, por isso mesmo, possuem órgãos, atribuições, responsabilidades, correlações e interdependência entre as partes. Se tudo isso não existe, não há coletivo, há uma simples multidão, uma concentração de indivíduos (CAPRILES, 1998, p.154).

Temos possibilitado às crianças e adolescentes a organizarem-se em núcleos, brigadas e grupos de trabalho, mas em muitas situações apenas repetimos o modelo de organização do acampamento. Precisamos acrescentar a este "organizar-se", mais reflexão e estudo com as crianças sobre o que estamos fazendo, porque precisamos nos organizar sobre quem vai definir a forma, como podemos avaliar o processo. Trabalha-se com a dimensão da "participação", mas ainda não chegamos à auto-organização ou na auto-gestão.

Como nos diz Pistrak ( 1981) "... isso só será atingido se auto-organizacão /ór admitida sem reservas. Conhecimento do real e auto-organizacão são as chaves da nova escola, insen'da na luta pela criação de novas relações sociais".

b) espaços da gestão: tradicionalmente temos vivenciado e experimentado a gestão numa perspectiva econômica e administrativa, nos cargos e ainda numa perspectiva normatizadora do Estado, espaço do mundo adulto. Precisamos fortalecer e potencializar espaços democráticos e reais de gestão na escola, onde as

Coleção C<idcmo .. da F-.cola l1incran1c 75

cnanças e educadores exercitem os espaços de poder. Freinet (1974), quando se refere aos níveiS-..mais avançados de organização, por exemplo, organizar as crianças em cooperativas, nos chama atenção para este aspecto dizendo: "numa reunião de cooperativa, o que ficou decidido, se não implicar em riscos para as crianças, deve-se deixar acontecer, porque, se através da palavra as crianças não compreenderem, elas precisam então vivenciar a experiência para ver que não dá certo. "

Precisamos nos permitir pedagogicamente e acreditar, colocando tempo e espaço em nossas práticas educativas, para fortalecer a vivência democrática com a inrancia Sem Terra em formação. Isso só será possível criando e gestando espaços e tempos que eduquem nesta perspectiva e, neste sentido, temos muito a dizer desde a vivência em nosso Movimento.

4.2 - Organização do currículo da escola Se assumimos que currículo é uma prática, é a expressão da função

socializadora e cultural da instituição escolar, a qual estamos re-significando, a cara do Movimento precisa estar na escola e em seu currículo para que possamos assegurar aos Sem Terrinhas a aquisição da experiência social e historicamente acumulada e culturalmente organizada pela humanidade. Queremos e temos o direito de nos apropriarmos dessa cultura, do nosso jeito, com a nossa pedagogia. Neste sentido, o currículo se constitui nas oportunidades que a escola organiza, mas determinantemente, no modo como educandos e educandas vivem essas oportunidades, no sentido de ampliar sua maneira de vivenciar o mundo.

Ir para as mobilizações com as crianças e adolescentes, fazer o dia de campo na roca de feijão, reconstruir a esteira do barraco que foi arrancada no vendaval são práticas permanentes em nossas escolas, logo, elas são situações que a realidade traz e se tornam currículo. Essas vivências organizadas pela escola precisam marcar a diferença na formação destes sujeitos, não serem apenas uma atividade diferente, menos exigente e importante. Elas precisam produzir significado no sujeito, que ao fazer a atividade produz conhecimento com sentido, ou ainda, esta oportunidade vivida pelos sujeitos deve lhes dar prazer, fazer-se memória, constituir a identidade camponesa destes sujeitos que na luta e na resistência aprendem e vivem.

Freitas (2003), a partir de seus estudos em Moisey Mikhaylovich Pistrak, nos chama para outras duas questões fundamentais a serem incorporadas na formação, a formação na atualidade e a auto-organização do estudante. Segundo o autor "deve-se entender, por formar na atualidade, tudo aquilo que na vida da sociedade do nosso tempo tem requisitos para crescer e desenvolver-se e que em nosso caso tem a ver com as grandes contradições da própria sociedade capitalista" (Freitas 2003, p. 56). A formação do educando deve prepará-lo para compreender seu tempo e colpcá-lo em movimento de transformação, resolvendo as situações contraditórias que aparecem no mundo real do mesmo. Freitas ainda nos diz que a contradição básica do

6 Escoht Itincrnnte do MST: História. Projeto e hxpcriêncis"

...

capitalismo é a exploração do homem sobre o homem e isso precisa ser superado. Freitas (2003, p.58), apresenta a auto-organização do estudante e destaca

que a negação da exploração capitalista do homem sobre o homem deve ser assumida conseqüentemente no trabalho pedagógico. Nenhuma relação pedagógica pode basear-se nesta relação, exploração e subordinação. Significa que a formação precisa incorporar ações educativas que formem educandos e educadores. A prática de doar o conhecimento, de impor o conhecimento, de cobrá-lo ou de negá-lo, são práticas que não ajudam na formação humana e também não condizem com a Pedagogia do Movimento.

Precisamos olhar para o que já avançamos e identificarmos onde ainda temos dificuldades, pois é lá que precisamos atacar.

1) da seriação aos ciclos de formação: A Escola Itinerante, em cada Estado onde está legalizada, tem buscado sua organização curricular de acordo com a realidade. O Movimento ainda não possui um debate mais aprofundado neste campo do currículo. Temos a prática de organizá-la em etapas, séries e ciclo básico. Porém, o II Seminário Nacional das Escolas Itinerantes, mencionado anteriormente, ousou propor e indicar que se avance neste campo, indicando os ciclos de formação como alternativa para enfrentar a escola seriada. Como nos diz Freitas (2003): "Os ciclos procuram contrariar a lógica da escola seriada e sua avaliação. Só por isso, já devem ser apoiados".

Queremos romper com o modelo seriado e fragmentado da escola. Esse é um sistema respaldado em outros sistemas da sociedade capitalista, que privilegiam a reprodução dos sistemas, por exemplo, as notas, a aprovação e reprovação, as seqüências anuais do programa escolar e não a partir do desenvolvimento humano e tantos outros aspectos de subordinação da escola capitalista.

Organizar a escola a partir dos ciclos da vida e através deles, com eles, colocar a ação educativa da escola em movimento, pois ciclo é movimento, não nos deixa parados, é processo, é relação, é agrupar e reagrupar para aprender e ensinar, pode ser uma das formas de fazer o enfrentamento e a resistência à escola capitalista. Freitas segue dizendo:

Nesse sentido, não basta que os ciclos se contraponham a seriação, alterando tempos e espaços. É fundamental alterar também o poder inserido nesses tempos e espaços, formando para autonomia, favorecendo a auto-organização dos estudantes. Isso significa criar coletivos escolares nos quais os estudantes tenham identidade, voz e voto. Significa fazer da escola um tempo de vida, e não de preparação para vida. Significa permitir que os estudantes construam a vida escolar (FREITAS, 2003, p.60).

Quando a escola assume as fases do desenvolvimento humano dos educandos e educandas, suas características pessoais e as vivências socioculturais para organizar a escolarização, necessariamente é preciso repensar e reorganizar a estrutura da escola. Krug (2002), faz a seguinte consideração:

Coleção Cadernos da EM:ola Itincnmtc 77

Os ciclos de formação constituem uma nova concepção de escola para o ensino fundamental, na medida cm que encarna a aprendizagem como direito da cidadania, propõem o agrupamento dos estudantes onde as crianças e adolescentes são reunidos pelas suas fases de formação: infància (6 a 8 anos); pré-adolescência (9 a 11 anos); e adolescência (12 a 14 anos). As professoras e professores formam coletivo por ciclos, sendo que a responsabilidade pela aprendizagem no ciclo é compartilhada por um grupo de docentes( ... ) (KRUG 2002, p.17).

Significa uma mudança na estrutura da escola, na estrutura de pensamento e posição teórica dos educadores para considerar o processo de desenvolvimento humano, o que necessariamente interfere nos modelos de ensino. Tomando as palavras de Snyders, 1993

A cada idade corresponde uma forma de vida que tem valor, equilíbrio, coerência, que merece ser respeitada e levada a sério; a cada idade correspondem problemas e conflitos reais( ... ), pois o tempo todo, ela teve que enfrentar situações novas ( ... ). Temos que incentivá-la a gostar de sua idade, a desfrutar do seu presente (p. 29 - 30).

Pelo que temos observado ao longo da experiência, as Escolas Itinerantes precisam caminhar na perspectiva da organização curricular em ciclos, pois através deles e com eles pode-se colocar a ação educativa da escola em movimento, isto é, alterar as formas de organização e agrupamento dos educandos, superando a lógica da subordinação, incorporando práticas reais de auto-organização, cooperação e organização coletiva, formando com autonomia.

A organização curricular de uma escola em movimento, por ciclos, precisa em seu processo pedagógico e educativo privilegiar/ escolher alguns aspectos a serem trabalhados na formação humana dos sujeitos: organização, criticidade, curiosidade, esperança, as contradições da realidade, problematização, alegria, a construção e a provisoriedade do conhecimento, avaliação emancipatória, a solidariedade, o prazer, a indignação e a gestão coletiva.

Todo esse processo aponta para aquilo que nos fala Freitas,

Não basta eliminar a seriação e rever metodologicamente a estruturação dos tempos e espaços da escola, se o modelo que emergir daí continua separado da vida, formando fora da atualidade, e continuar a reproduzir as relações de poder vigentes no modelo seriada (FREITAS, 2003, p. 61 - 62).

Sendo a Escola Itinerante uma escola não controlada diretamente pelo Estado, reside aqui a possibilidade de avançarmos na constituição de uma escola com centralidade no sujeito, a escola trabalhando com os ciclos da vida.

2) Tempos educativos: A organização dos tempos é um dos importantes aprendizados construídos e assumidos pelo MST no fazer a sua escola e sua pedagogia. Imaginar e fazer uma escola com a organização do tempo-espaço, que pretende a formação dos coletivos infantis pela organização científica do trabalho,

8 bicola Itinerante do MST. História. Pro1eto e Experiências

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organização coletiva, auto gestão, elementos estes buscados na experiência do pedagogo russo Pistrak (1981) que nos diz: "é necessán'o que cada membro ativo da sociedade compreenda o que é preciso construir e de que maneira é necessário fazê-lo" (PISTRAK 1981, p.11). Poderíamos dizer, que não é uma simples mudança metodológica da escola, mas uma opção política e pedagógica de emancipação.

Os tempos educativos apontados em nossa pedagogia não devem ser reproduzidos aleatoriamente, mas criticamente selecionados e organizados de acordo com as necessidades reais que o coletivo infantil exige. Lembrem, precisamos coçar onde coça e ainda, com um pente sem dente, precisamos cuidar para não machucar as crianças nem o coletivo. Devemos ousar na organização do tempo escolar, o qual deve superar as quatro horas de aula, o tempo do acampamento deve ser organizado para educar a infància e os adultos.

Como já anunciamos anteriormente, a Escola Itinerante é basicamente uma escola que funciona em tempo integral, portanto, os tempos educativos de todos no acampamento-escola-acampamento podem ser vários. É bom lembrar que, se queremos educar pelo trabalho e para o trabalho precisamos organizar, desde o trabalho nas hortas do acampamento, na agrofloresta, no experimento de agroecologia. Se pretendemos formar para os valores socialistas e humanistas precisamos organizar tempos para estudo e debates, utilizarmos do teatro do oprimido, organizarmos feiras culturais, os recitais de poesia, estudando nossa literatura e tantas outras práticas que já estamos fazendo muito bem.

Não podemos esquecer também que precisamos organizar tempos para acompanhar os educandos que chegam ao acampamento com dificuldades de aprendizagem em alguma área do conhecimento. Isso exige avaliação diagnóstica do educador e encaminhamentos para superação das dificuldades. Neste sentido podemos organizar as oficinas de aprendizagem onde os mais velhos acompanham os mais novos, pois aprendemos com aqueles da mesma idade e desenvolvimento, mas também aprendemos com aqueles mais experientes.

A escola precisa perceber e organizar cada momento e movimento no seu cotidiano, para que seus tempos e seus espaços sejam educativos o que, é claro, exige um ser humano, nesse espaço, sensível e capaz de perceber.

3) agrupar e (reagrupar para aprender): Tradicionalmente agrupamos as crianças na escola a partir da série que ela estudou anteriormente. Lá ela recebe um profes­sor ou uma professora para educá-la durante todos os dias do ano. Timidamente já ousamos colocar mais de um educador em cada turma, realizamos oficinas para trabalhar com as crianças que encontram dificuldades em aprender. Mas ainda é pouco, o que nos exige alargar passos.

A partir de estudos feitos em Vygostsky e Arroyo, que comungam da idéia de que o sujeito aprende e se desenvolve nas relações, entre os sujeitos, com o contexto e com o objeto a ser conhecido, mas fundamentalmente na qualidade e intensidade

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vivida pelos sujeitos nestas relações. Portanto, este é um aspecto fundamental no repensar a escola. Precisamos enfrentar a lógica seriada e fragmentada de fazer a escola, criando formas ousadas de agrupar as crianças para aprendem.

Dessa forma, aquelas da mesma idade, aprendem com as de diferentes idades, com experiências de vida diversas, com aqueles que são portadores de necessidades educativas especiais, com a mediação de alguém mais experiente, neste caso os adultos, na escola as professoras e educadoras. Cada idade tem potencialidades próprias para aprender e ensinar certos conhecimentos. Sabemos ainda, que estamos imersos numa cultura, a cultura camponesa, a cultura popular, a mídia, o mercado e, em relação permanente com conhecimentos e saberes diferentes, com múltiplas situações e contextos e elas devem compor o currículo escolar.

Nesse sentido, precisamos imaginar as crianças estudando com diferentes grupos, na escola mediados com diferentes adultos. Onde for possível, terá um educador ou uma educadora para cada grupo de crianças, que estudarão os conteúdos escolares. Em outra situação, a prática do trabalho na escola pode se dar integrando às diferentes idades, pois os mais velhos podem aprender a organizar os mais novos. Podemos realizar as oficinas de arte-educação de acordo com os interesses de cada um. Aproximar crianças com necessidades e potencialidades de aprendizagem para garantir o avanço de todas, superando o sistema de reprovação.

4) O trabalho na escola: A escola enquanto espaço-tempo de estudo, de pesquisas, leitura, escrita, cálculos, histórias, mas escola também enquanto espaço-tempo de exercitar o trabalho manual.

Desenvolver na escola o trabalho real, para isso, faz-se necessário a organização (equipes, grupos, setores ... ), que discutem e estudem formas de achar saídas para os problemas que aparecem, planejando o trabalho e dividindo as tarefas. Podemos ter o trabalho planejado e desenvolvido permanentemente, como o trabalho que aparece em diferentes situações do contexto. Por exemplo: recolher e classificar o lixo do acampamento e da escola pode ser um trabalho permanente. Plantar a horta, buscar a água na fonte e tantos outros. Temos também a necessidade de trabalhos eventuais, como a reforma da esteira da biblioteca que furou e produzir o sabão para limpeza. São pequenos trabalhos que as crianças podem desenvolver e aprender com o processo. Vejamos o que Pistrak tem a nos dizer sobre isso:

O coletivo infantil se estrutura em torno de um trabalho determinado ... Em nenhuma hipótese devemos organizar este trabalho de cima para baixo: ele deve ser organizado pelo próprio coletivo infantil, ou inteiramente, por seus próprios meios, ou contando com certa colaboração do professor, considerada como uma simples contribuição de um companheiro mais experiente (PISTRAK,1981, p.165).

Precisamos avançar, permear nossas práticas educativas com a dimensão do trabalho criando formas de envolver as crianças nos pequenos trabalhos na escola ou no acampamento. Colocar tempo nisso, acreditar que nos educamos no trabalho 80 l::!.Cola Itinerante do MST: História, Proje10 e Experiências

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coletivo não alienado. Já temos um acúmulo neste aspecto com o trabalho nas hortas escolares, na organização e limpeza do espaço escolar. Podemos continuar criando novas formas de trabalhos educativos que podem ser diversos, mas com intencionalidade e necessidade real, por exemplo, a criação de pequenos animais, os minhocários e terrários para observar os diferentes habitats. Podemos construir as hortas mandalas, as agroflorestas no entorno das escolas, proteger as fontes no acampamento, compor pequenos viveiros, coletar e estudar as diferentes sementes do lugar. Enfim, temos um universo de possibilidades de repensar a vida através do trabalho com as crianças.

5) Metodologias participativas: tudo o que fazemos na escola precisa ter uma metodologia, que é a forma, o estudo da forma de como planejamos uma aula, um tempo trabalho, um tema gerador. As metodologias utilizadas na escola precisam caminhar cada vez mais para a vinculação entre a teoria e a prática, elas precisam afirmar o caráter dialógico e participativo que exige esta educação. Elas precisam incorporar a real necessidade de estar permanentemente investigando, pesquisando, diagnosticando a realidade e os sujeitos, para, a partir daí organizar a intervenção pedagógica, pois é intervindo que educo e me educo, já dizia Freire.

A metodologia precisa ser a combinação na relação entre o sujeito (criança, jovens ou adultos) e o conhecimento a ser aprendido. Para as crianças a metodologia é uma, mas para os adultos pode ser outra, pois as crianças têm uma formas distintas de aprender em relação aos adultos.

Vamos imaginar uma criança de oito anos aprendendo a Historia do Brasil e um adulto de EJA, 54 anos aprendendo. Eles têm o mesmo ponto de partida para aprender? Certamente não. O educador precisa considerar isso para organizar o ensino. Pensar então no material a ser utilizado, nas atividades que vai selecionar, por onde vai começar e como vai descobrir o que cada um já sabe ... , enfim, tudo isso exige planejamento e para tal temos que ter uma metodologia, um jeito para fazer este estudo.

Temos caminhado na experiência com os temas geradores, com projetos de trabalho, aulas integradas, centro de interesses, pesquisa participante e até mesmo o conteúdo pelo conteúdo, mas precisamos afirmar que a metodologia da escola e de cada educadora e educador precisa assumir a formação humana.

Podemos optar entre este universo metodológico, mas não podemos abrir mão de que as vivências na escola sejam geradoras. Vivencias Geradoras, aprender com sentido e significado, aprender com possibilidade de intervir na realidade, aprender para ampliar o universo cultural, aprender construindo novas rdações .

Temos vivido muitas experiências afirmativas neste sentido, quando as escolas definem seus temas geradores com as famílias acampadas, ou ainda, nos processos de enfrentamento e desde a conjuntura do acampamento, seja com as problemáticas vividas nos acampamentos, mas também desde as ricas possibilidades educativas

Coleçllo C3Clemos da Escola Itinernntc 81

que o acampamento vivencia. O tema gerador tem pelo menos estes dois caminhos. A prática com os temas geradores tem, nesse sentido, atuado com duas

dimensões fundamentais na formação das crianças, por um lado ela organiza o estudo, a alfabetização, mas por outro (não que sejam dois lados contraditórios), tem inserido as crianças na busca de soluções para alguns problemas. Isso acontece quando nos acampamentos há problemas com a água, por exemplo. Neste caso, realizam-se estudos envolvendo as áreas do conhecimento, mas são feitas ações na perspectiva de resolver o problema, fazendo a proteção da fonte, encanando a água ...

Estas ações - estudar e resolver - precisam ser geradoras. Geradoras de conhecimento comprometido, de criatividade na solução de problemas, de entusiasmo, alegria e esperança na ação de educar-se, de coragem no enfrentamento de classe, de cuidado com a natureza e com a vida. E gerar uma nova perspectiva de educar desde a vida dos sujeitos. Isso aparece também nas atividades artístico­culturais quando estudam poetas e pensadores e realizam-se as noites culturais nos acampamentos com teatro, recitais de poesia, murais informativos e tantos outros. Isso se estende na itinerância da escola quando ela caminha em alguma marcha ou numa nova ocupação.

6) a avaliação na escola: No contexto da educação, muitas vezes a prática de avaliação se afasta do mundo da vida e prende-se ao pragmatismo da escolaridade e da formalidade, não que a avaliação escolar não tenha também esta função. Na Escola Itinerante, percebe-se um esforço de fazer da avaliação uma prática diagnóstica, dialógica, processual, emancipatória, que envolve o conjunto das familias e do acampamento como um todo.

Assim, avaliar é pensar, é analisar, é construir e reconstruir uma caminhada, portanto é ação, dinamicidade, não um momento especial e estanque no processo; implica na organização consciente, com princípios claros de aprendizagem construídos e próprios de cada ciclo da vida. É preciso estabelecer elementos para analisar e aprofundar a pratica pedagógica, apontando para a direção do que se objetiva na escola. Desta forma, a avaliação envolve todos, tornando o processo ensino-aprendizagem participante e de responsabilidade coletiva.

No campo da avaliação escolar, do processo educativo das crianças na sala de aula, na relação educador-educando precisamos garantir pelo menos dois grandes momentos avaliativos, contemplando alguns elementos importantes e necessários à prática avaliativa emancipatória.

A avaliação precisa ser formativa e somativa. Ela e formativa quando, informa o desenvolvimento da aprendizagem e o alcance dos objetivos de cada educando em cada série, ciclo, etapa ou totalidade por cada um dos educandos sem comparar um ao outro, cada qual tem seu desenvolvimento e desde então que precisamos avaliar. É contínua, sistemática com resultados nos pareceres, que expressam mais

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que as notas, isso tudo através de anotações que o educador faz sobre as produções de cada educando e que devem ser registradas e guardadas em dossiês ou relatórios descritivos com acesso as famílias e aos educandos. Podendo avançar nas auto­avaliações do educando, do grupo e dos educadores, nos conselhos de classe participativos.

Ela é somativa quando ao final de cada período (semestre, bimestre, ano), resulta um quadro diagnóstico geral, manifestando o desenvolvimento da aprendizagem do educando, seu crescimento e dificuldades e desta forma informa a familia e ao educando.

Desta forma a avaliação assume funções fundamentais de investigação, pesquisa, diagnóstica e promoção, perpassando todos os tempos-espaços e todos os sujeitos envolvidos na vida cotidiana.

5. O Registro e a Sistematização Ultimamente tem sido comum entre nós falarmos da importância e

significado que tem o registro de nossas práticas. A insistência para que nossas práticas tenham um registro, uma memória e se possível, que das mais significativas seja feita uma sistematização, tem motivado algumas pessoas a escrever, e sobretudo a refletir sobre seus feitos. Esta iniciativa vem qualificar nossa ação pedagógica, assim como despertar nos sujeitos do setor de educação a responsabilidade com o processo que estamos construindo no Projeto de Educação e na Pedagogia do Movimento. Aliás, esta tem sido a prática no trabalho da educação popular, desde a década de 1970, algo de muito importante que herdamos dela.

Para ilustrar e talvez para nos convencer da urgência deste trabalho, trago aqui o que o !TERRA decidiu fazer depois de 1 O anos de sua criação legal em 1995. A necessidade de reflexão do que havíamos feito até aqui, do que fazemos no momento atual e do que se impõe de desafio pela frente enquanto escola de formação de sujeitos sociais do Movimento Sem Terra e da Via Campesina, a Unidade de Educação Superior- UES vem fazendo, de forma planejada e ordenada a sistematização do Instituto de Educação Josué de Castro - da Escola como um todo e de seus Cursos: Técnico em Administração de Cooperativas (10 turmas), Curso Normal de Nível Médio (10 turmas) e Técnico em Saúde Comunitária (3 turmas) como também a experiência, embora mais curta, de Educação dt: Jovens e Adultos em nível Médio (2 turmas).

Desde o início de nosso trabalho em equipe, temos nos dado conta do equívoco que cometemos em termos esperado tanto tempo para iniciar este trabalho. A experiência tem nos mostrado que por havermos passado anos sem nos debruçarmos sobre esta tarefa, temos um trabalho árduo, principalmente para buscar nas memórias, ainda vivas de educadores e educandos que vivenciaram o processo, aquilo que não ficou registrado em lugar nenhum, e que, infelizmente,

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muito já se perdeu. Ler, organizar e ordenar o que está escrito tem exigido de nossa parte, trabalho exaustivo. Isto que é uma escola somente. É claro com vários cursos.

Na Escola Itinerante a responsabilidade que temos é maior ainda, por se tratar de uma escola pública estadual, que se pretende diferente do tipo de escola convencional ou tradicional, como costumamos dizer, proposta e mantida pelo sistema capitalista vigente. Escrever sobre ela, mantendo reflexão permanente sobre a pedagogia desta escola e contá-la para outras pessoas, inclusive para fora do Movimento, se torna um dever intransferível e inadiável, haja vista que quanto mais pessoas conhecerem e se convencerem de que os povos que estão na luta pela terra, acampados ou em marcha rumo ao latifúndio improdutivo, não podem ficar sem estudar, melhor será para o Movimento, para a sociedade como um todo, e, sobretudo, para fazer nosso projeto do socialismo avançar. Portanto, neste momento, não nos cabe o direito de perder de vista este importante serviço, que pode ser compartilhado entre o coletivo de educadores e coordenadores das escolas de forma ordenada e planejada.

Mais fácil se torna esse trabalho quando temos educadores estudando e construindo suas monografias nos cursos de Magistério ou Pedagogia da Terra. A pesquisa feita, principalmente a de campo, poderá contribuir para as duas tarefas, tanto para a construção do texto monográfico como também para o registro e sistematização das práticas pedagógicas das escolas. Portanto, no atual momento, se impõe mais esta tarefa, que poderá ser árdua, mas altamente válida, sem a qual podemos nos atrapalhar pelo caminho e, sobretudo, perder a oportunidade de fazermos história enquanto sujeitos de um projeto de educação em movimento, nos acampamentos ou onde o povo acampado estiver. A Escola Itinerante como política pública, direito garantido a quem se encontra acampado na luta pela terra, entra para a história da Educação Brasileira como um marco de escola que se movimenta de acordo com a realidade dos povos itinerantes.

Para não dizer que nada fizemos neste sentido, ao longo dos 1 O anos tivemos cuidado com a memória histórica, porém, pouco organizado e planejado. O que existe de concreto é fruto mais de iniciativas individuais do que coletivas. Mesmo assim, temos garantido alguns registros importantes, sem os quais teríamos lacu­nas no processo histórico, porém não são suficientes para dar conta do desafio que se impõe. Os números um (1998) e quatro (2000) da Coleção Fazendo Escola trazem os diferentes momentos pedagógicos vivenciados na Escola Itinerante do RS. Vejam bem, do ano de 2000 a 2006 nada temos escrito e publicado. Um equívoco nosso, talvez uma lacuna irrecuperável! Outros textos, menores, de consumo interno e outros já publicados trazem o registro e reflexões importantes para a nossa história da educação no Movimento Sem Terra. Duas Dissertações de Mestrado, uma da Universidade Federal de Santa Maria (1998), e outra da

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Universidade Federal do RS (2002), trazem para o debate a Escola Itinerante como urna experiência ousada de educação nos acampamentos. Monografias feitas por educandos dos Cursos de Nível Médio e Pedagogia da Terra no Instituto de Educação Josué de Castro trazem reflexões importantes em tomo do projeto de Escolas Itinerantes assim como, experiências do cotidiano pedagógico de algumas delas. Há também relatórios e outros registros que vão assegurando a memória de corno era antes, desde reuniões, encontros e seminários de formação.

O Setor de Educação do Paraná teve uma iniciativa importante, ao incentivar e organizar um trabalho com os coletivos de educadores de cada escola itinerante a fazer registro da história da luta pela escola e o processo pedagógico. A princípio estão escrevendo e reescrevendo, tantas vezes quantas forem necessárias, para não deixar fora nada de importante dos processos vividos. Em seguida, o desafio é juntar o material e pensar algo em conjunto para ser publicado, a fim de buscar reconhecimento e respeito do poder público e outros setores pela forma de fazer educação nos acampamentos.

O que produzimos de forma individual ou coletiva sobre a forma de funcionamento das Escolas Itinerantes, poderá servir de apoio e incentivo a outros estados para buscarem legalizar a vida escolar de seus filhos.

O primeiro (2005) e o segundo (2006) Seminários Nacionais de Escolas Itinerantes do MST guardam relatórios oficiais para prestação de contas de projetos que o financiaram, assim como, longos registros que poderão contribuir com a produção de outros textos de orientação e reflexão pedagógica para as escolas.

Além do já citado acima, uma imensidão de fotos e alguns vídeos registram momentos que marcam esta trajetória, principalmente nas marchas e ocupações.

Sendo assim, e não abrindo mão deste princípio, orientamos para a seriedade deste trabalho em todas as escolas e em todos os Estados. Só temos certeza de fazer história quando ela estiver escrita. Confiar demais em nossa memória não é aconselhável. Portanto, não temos outra saída senão tomarmos a caneta e um papel na mão e escrevermos, escrevermos. Até, termos a certeza de não termos deixado nada para trás.

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BRASIL

"No meu acampamento, nós ficamos acomodados por um bom tempo esperando o assentamento, enquanto as nossas crianças estudavam na cidade. Agora estamos usando o 'nosso cérebro 'para conceber e organizar a escola itinerante. "

Celso Ripeiro Barbosa Dirigente Estadual

GOVERNO DO PARANÃ t!CR!T.";IA l•t t.• .-.SH DA

,;~ EDUCAÇAO