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E meu inverno chega ao fim (primeiros 4 capítulos)

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Prévia dos primeiros 4 capítulos do livro "E meu inverno chega ao fim" (o livro completo é composto de 27 capítulos)

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Copyright © 2013 SixSixSixArts TÍTULO “E Meu Inverno Chega Ao Fim” CAPA, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Libra REVISÃO Gisele Andrade IMAGEM DE CAPA “Frozen Rose” por Eleni Kiokia IMAGEM DA FOLHA DE ROSTO “The Sunrise Of My Newborn Destiny” por Libra FOTO DO AUTOR Omar Hamdan (Studio H) IMPRESSÃO E ENCADERNAÇÃO Bureau Power Image 1A EDIÇÃO Dezembro de 2013

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Para ela

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Seria possível morrer de amor? Morrer de tanto amor, involuntariamente,

como em uma doença incurável? Talvez não.

Mas agora que o amor cresceu descontroladamente, a ponto de parecer maior e mais importante

do que a minha própria vida, imaginar perder esse amor me faz perceber que,

sem meu amor perto de mim, a morte seria a única saída.

Libra

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- NOTA DO AUTOR -

Em minha longa pesquisa, procurando por conversas que me ajudassem a ilustrar e dar credibilidade a essa história, me deparei com uma dúvida cruel: como hoje, na relação informal, o uso de emoticons e de abreviaturas é mais que comum via men-sagens de celular ou por conversas na internet, como eu deveria transcrever essas conversas para o livro? Por mais que as cari-nhas tristes, felizes, raivosas e os corações inteiros ou partidos ajudem muito a ilustrar o sentimento por trás de uma frase à distância, optei por ocultá-los e, sem modificar o sentido de ne-nhuma conversa, troquei todas as abreviaturas por suas palavras correspondentes (“vc” por “você”, “pq” por “porque”, “ta” por “estar” e etc.), adicionei as devidas pontuações e troquei letras minúsculas por maiúsculas onde a gramática pedia.

A colocação cronológica dessas mensagens na história é respeitada apenas no início do livro. Dali em diante, optei por embaralha-las um pouco na linha do tempo a fim de que se en-caixassem melhor às situações descritas e para que, desse modo, tudo se assemelhasse um pouco mais ao que a realidade me pa-receu naqueles dias: um lindo sonho surrealista.

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Todas as citações, trechos de letras de músicas, livros e diá-

logos de filmes em língua estrangeira que uso para pontuar cer-tos momentos ao decorrer da história, receberam uma tradução livre, feita por mim e que se baseiam não apenas na tradução literal, mas principalmente, na interpretação poética (que em minha humilde opinião, acaba sendo a maneira mais correta de se traduzir qualquer obra artística). Nenhuma dessas citações foi colocada aleatoriamente; ao contrário: elas se encaixam e são até necessárias para dar mais sentido e importâncias aos momentos que estão pontuando. Todas elas estão em sua forma original em um apêndice localizado no final do livro.

Optei por omitir alguns pequenos eventos e troquei a gran-

de maioria dos nomes, para preservar a identidade e a intimida-de de alguns dos envolvidos.

Às vezes, eu mesmo tenho um pouco de dificuldade em acreditar, mas todos os acontecimentos apresentados nas pági-nas a seguir são puramente verdadeiros e relatam, sob meu pon-to de vista, os eventos que, indiscutivelmente, já se apoderaram do título de “a grande história de amor da minha vida”. Se, no fundo, a realidade não tiver sido essa descrita por mim, pouco importa; foi aquilo que meus olhos viram e meu coração sentiu. Mesmo que tudo não tenha passado da doce ilusão criada pelo meu lado mais ingênuo e sonhador, é assim que eu quero me lembrar daqueles dias inesquecíveis. Os fatos que não estavam devidamente documentados permaneciam muito bem guardados a sete chaves no lugar mais precioso de minha memória e agora, impressos com tinta nessa humilde obra, viverão para sempre.

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PRÓLOGO

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ara a grande maioria das pessoas, encontrar o “amor da vida”, é um sonho distante, um ideal, um norte a ser seguido ou um Santo Graal a ser procurado. Muitos pensam que acharam, mas só depois percebem que, na verdade, estavam re-

dondamente enganados. Mas isso é tão compreensível quanto acreditar em Deus ou no Diabo, pois as pessoas precisam se apegar a algo para seguirem em frente. No entanto, infelizmente, poucas são as pessoas que realmente encontraram essa outra pessoa que, quando aparece, muda tudo dentro de você. Muda você. Faz você se desapegar de tudo e de todos sem nem perce-ber, faz de você uma extensão do corpo dela e faz até com que você cogite a ideia absurda de que um dia suas almas foram di-vididas a partir de uma só, que viveu em um só corpo em outra vida. Mas saber que essa única pessoa pode muito bem estar do outro lado do planeta, não ter nascido ainda ou até mesmo já ter morrido faz com que, sair porta afora para procurá-la, seja uma tarefa tão difícil quanto tentar achar um trevo de quatro folhas, no fim de um arco-íris, dentro de uma concha onde deveria ha-ver uma pérola. Pois eu, sem sequer estar procurando, tive a sorte de ser encontrado bem no meio de tantos bilhões de pes-soas que vagam por esse planeta. Hoje eu posso dizer para quem quiser ouvir:

Eu conheci o amor da minha vida.

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Capítulo I

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"Continue nessa estrada Nós iremos nos encontrar... Eu sei

Continue, meu amor Nós iremos nos encontrar

Eu sei" (A-Ha - “Stay On These Roads" )

ano era 2012 (aquele que muitos acreditavam ser o ano em que o mundo acabaria). Eu estava vi-vendo (ou melhor, existindo) em uma vida que, até então, me parecia "o melhor que a vida pode-ria ser". No entanto, vinha passando de relacio-

namento para relacionamento sem perceber que estava vivendo em um ciclo de comodismo e segurança há mais de dez anos (quinze, talvez?). Eu acreditava que já conhecia todos os senti-mentos existentes e em todas as intensidades possíveis. Achava (e me sentia relativamente satisfeito com isso) que as reações provocadas ao meu coração e à minha carne eram e sempre seri-am as mesmas (independentemente de quem as estivesse provo-cando), apenas com pequenas variações de intensidade e calor – e quando digo "pequenas", quero dizer pequenas mesmo, uma vez que, desde meu "despertar masculino" até então, ninguém jamais me havia feito perder o controle, perder o chão, perder o rumo e perder a noção. Muito pelo contrário: era eu quem sem-pre me sentia no controle da situação e eram sempre elas que se perdiam e se encontravam em mim; não é à toa que sempre soube (como sei que um mais um é igual a dois) que nenhuma delas jamais teria sido capaz de me magoar. Nunca.

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Apesar do relacionamento que eu vivia naquele momento

exato me parecer tão "intenso" quanto seus antecessores, eu achava que ele duraria mais que os outros (talvez até para sem-pre), já que me parecia ser o mais "seguro", o mais "correto", o mais “amigo” e o mais "adulto".

Só que eu sempre detestei a ideia de ser adulto...

Eu já havia abandonado a maioria dos meus sonhos de in-

fância e adolescência, mas ainda me agarrava com unhas e den-tes aos últimos fios que me prendiam aos poucos que ainda vivi-am dentro de mim. Uma pena, pois sempre foram esses sonhos que me mantiveram vivo... feliz... completo... Esses sonhos eram minha fonte da juventude. Mas o tempo estava passando e a fon-te estava secando.

Quando eu era mais novo (por volta dos meus treze anos),

comecei a sentir a presença de alguém dentro de mim. Na ver-dade era exatamente o inverso: eu não sentia a presença de al-guém perto de mim; eu sentia a falta desse alguém. Mas não era alguém aleatório, era alguém bem específico, ainda sem rosto... sem corpo... sem forma... Alguém que eu sentia que existia e que, em algum lugar, estava me esperando. Infantilidade? Insa-nidade? Pouco importa... O que interessa é que assim eu fui vi-vendo minha adolescência: escrevendo poemas e letras de músi-cas em um diário que se perdeu no tempo e no espaço, mas que me é bem vivo na memória. Quando digo "vivo", não me refiro a passagens específicas, mas sim ao sentimento que mais emergia naquelas páginas ainda imaturas:

Eu sentia saudade de alguém que eu não conhecia.

E quando digo "não conhecia", não me refiro a alguém que

eu já havia visto, mas que não havia sido propriamente apresen-tado a mim, e sim a alguém que eu nunca havia sequer ouvido falar. Alguém que não estava em uma página de revista ou na TV da minha sala, nem tampouco na tela do cinema.

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Também não se tratava de uma paixão pré-adolescente,

que deixou de ser vivida porque não tive coragem de ir até aque-la menina e dizer que meu olhar por ela era de admiração e por isso, ela permaneceu o ano inteiro achando que eu sempre a olhava disfarçadamente, por causa daquilo que ela acreditava que era a única coisa que as pessoas enxergavam quando a olha-vam. Mas eu nem era capaz de ver aquela mancha vermelha em seu rosto. Anos depois soube que ela também me achava bonito mas que nunca teve coragem de dizer nada pois acreditava que eu a enxergava como ela se enxergava: um monstro.

Também não se tratava de uma longa espera em uma esta-

ção de metrô por uma menina que me fez perceber que algumas oportunidades não podem ser perdidas porque certos trens não passam duas vezes na mesma estação.

Eu estava em meus treze ou quatorze anos e, diariamente,

voltava da escola de metrô. Um dia, percebi que uma menina linda (linda demais para mim, eu idiotamente pensava, na época) estava me olhando e sorrindo. Ela olhava e eu desviava meu olhar, tamanha era a minha vergonha. Ela olhava novamente e eu fingia que não estava percebendo. Ela continuava olhando e eu, de “rabo de olho”, percebia, mas, mesmo querendo muito, simplesmente não conseguia virar para ela e retribuir aquele olhar. Quando sua estação chegou, ela desceu do metrô e, no momento em que a porta se fechou em suas costas, virou-se e, através do vidro, fez uma cara de tristeza. O metrô já se movia quando percebi que ela moveu seus lábios tentando dizer algo que minha precária leitura labial interpretou como:

“Que pena...”

Apesar da estação seguinte não ser a minha, eu desci do

metrô correndo e atravessei para o outro lado, onde entrei no primeiro trem que iria para a direção de onde vim. No entanto, chegando lá naquela estação onde aquela linda menina havia me deixado, percebi que já era tarde demais: ela não estava mais lá.

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Passei as semanas seguintes percorrendo todos os carros

do metrô todos os dias na volta da escola, mas nunca mais a en-contrei novamente.

Hoje percebo que não sou capaz de lembrar de nenhum

aspecto físico dela: se era branquinha ou queimada de praia, loira ou morena e se seus olhos eram claros ou escuros. Mas mesmo não recordando de absolutamente nada que me fizesse reconhecê-la na rua hoje em dia e sabendo que, caso a tivesse encontrado naquela estação quando voltei correndo, nosso ro-mance juvenil já teria, muito provavelmente, morrido há anos, sei que nunca vou esquecê-la.

Mas voltando...

Quando disse que sentia "saudade de alguém que eu não

conhecia", me refiro a alguém que poderia perfeitamente nem existir de verdade. No entanto, com o tempo, o buraco em meu peito foi crescendo. Mesmo sem que eu percebesse... Continua-va crescendo... E, sem que me desse conta, eu ainda sentia a "tal" da saudade dela.

“Eu estarei aqui Esperando você Eu estarei aqui

Esperando você Para me levar daqui”

(The Angel - “Take Me Away”)

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Capítulo II

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á havia se passado muitos e muitos anos desde a última vez em que falei, escrevi ou simplesmente pensei nela. Ocupei-me com trabalhos, relacio-namentos "seguros" e fui deixando a vida seguir seu rumo como todas as pessoas "normais" fazi-

am.

Só que eu sempre detestei a ideia de ser normal. Em meados de 2003, tive uma espécie de epifania artística,

que me fez retornar aos trilhos do meu sonho de gravar e pro-duzir sozinho meu próprio projeto musical. Eu havia acabado de definir a concepção daquele que, mais tarde, seria meu álbum de estreia, "Até Que A Morte Não Separe" e já tinha algumas mú-sicas compostas, prontas para receberem a devida roupagem (ou se preferir o termo técnico: o arranjo). Foi quando, pela primei-ra vez depois de anos, eu pensei nela e senti novamente aquela saudade incontrolável... Inconsolável... Inexplicável... Aquela saudade que um dia me ocupou tanto os pensamentos. Ela esta-va fazendo falta novamente e frio no peito, que indicava que ela existia em algum lugar longe de mim, havia voltado. Lápis e pa-pel nas mãos e, em poucos minutos, eu já estava escrevendo pa-ra ela novamente.

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"Primavera não me espera mais

Todas as flores já começaram A crescer nos outros jardins Primavera já ficou pra trás

Do lado de fora a estação Já começa a mudar outra vez

Mas não aqui Enquanto você não trouxer seu calor, amor

O frio não vai perdoar e assim meu inverno nunca vai ter fim Da janela vejo o mundo girar

Todas as folhas já começaram a cair nos outros jardins Mas aqui só neva, aqui tudo é sempre igual

Porque é que aqui dentro é sempre assim Sempre a mesma estação”

(Libra - "Meu Inverno Nunca Vai Ter Fim") Alguns anos mais tarde, depois de muito trabalho – em que,

além de todos os instrumentos que eu mesmo gravei sozinho, incluía um coral de meninas e até mesmo um arranjo para um octeto de cordas gravar –, "Meu Inverno Nunca Vai Ter Fim" en-cerrava meu álbum de estreia com um tom de esperança de que, quem sabe, ela um dia viria substituir aquele frio que sempre existiu dentro de mim pelo calor que eu tinha certeza absoluta que só ela seria capaz de trazer.

Produzi o álbum durante um período de entrega total que

durou quase cinco anos, em que me fechei para tudo e para to-dos. Masterizei o álbum em Nova York para, finalmente, lançá-lo em 2008. Nesse período todo, nem sinal dela. Entrei na fase en-louquecedora de divulgação, shows e compromissos artísticos e nada dela aparecer. Até mesmo depois das inúmeras entrevistas em que eu, publicamente, confessava que escrevi "Meu Inverno Nunca Vai Ter Fim" para alguém que eu não conhecia, mas que sempre senti que existia e que um dia eu iria encontrar, ainda assim, ela não deu o "ar da graça".

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Foi quando resolvi, mais uma vez, desistir. Desistir de pen-

sar, desistir de sonhar, desisti de esperar, desistir de procurar. Resolvi esquecer. Era hora de crescer e admitir que tudo aquilo (todo aquele amor contido... guardado...), não passava de um sonho bobo e infantil de um menino insatisfeito com a vida e voluntariamente solitário, que resolveu personificar em carne e osso algo que provavelmente não passava de depressão.

Só que eu estava errado. Redondamente errado. Eu só não sabia disso ainda.

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Capítulo III

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or culpa dos demônios que nos cercam aqui nes-se plano terreno, todo o trabalho e toda a dedi-cação que eu havia depositado na minha carreira com sangue, suor e lágrimas foram injustamente (eu diria até maldosamente) colocados de lado...

Na gaveta... Na geladeira... No lixo. E por ter sido despertado com tanta rapidez daquele sonho que por tanto tempo sonhei, resolvi me fechar por completo para me proteger e me afastei mais uma vez não só do resto do mundo como também daquele que sempre considerei que, bem lá no fundo, era meu verdadei-ro "eu" – o Libra estava sendo enterrado e aquele que sempre foi a verdadeira máscara que eu usava para viver entre os outros mortais estava voltando à superfície (com toda sua insegurança, seus medos e todas as coisas ruins que eu achava que não volta-ria a sentir novamente). Eu ia sentir muito a falta do Libra, pois ele não era meu “alter ego”; ele era aquele que eu realmente sentia que eu era por dentro. No entanto, a cada dia eu colocava mais um prego na madeira... Mais uma pá de areia em cima do seu caixão... Até o dia em que percebi que ele estava enterrado... Vivo... Mas enterrado.

“Se o ódio que eu sinto por você pudesse machucar Você estaria gritando

E se a dor que eu estou sentindo pudesse te cortar Você estaria sangrando

Meu erro foi acreditar que você era uma boa companhia Agora vejo que é melhor estar sozinho no inferno

Do que no paraíso com você” (Libra - “Ardendo Em Fogo”)

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Site oficial desativado (e os sinais vitais estavam baixando).

Canal do Youtube com os vídeos da gravação de um suposto álbum novo, sem uma nova postagem há mais de um ano (e o coração batia mais lento). MySpace sem receber uma atualização há mais de dois anos (e a parada respiratória parecia inevitável). Perfil oficial e comunidade do Orkut completamente esquecidos e sem um login há meses (e o monitor cardíaco indicava uma linha horizontal inabalada... Inerte). O recém-criado Facebook já demonstrava sinais claros de que não era mais o Libra quem estava sob controle, pois, além das inúmeras publicações pesso-ais ou com teor rancoroso, quase não havia mais fotos do Libra para contar alguma história. Com isso, o atestado de óbito estava redigido e, o velório, prestes a ser encomendado.

Foi quando, como um desfibrilador que traz alguém de vol-

ta do mundo dos mortos, um choque direto no coração me foi aplicado na forma de um sorriso.

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Capítulo IV

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"Alguém abriu uma porta dentro do meu coração E tudo que estava ali saiu sem permissão

E agora que eu estou aberto o que é que eu faço Quem sabe eu precisasse mesmo desse estrago que você causou"

(Libra - "O Que Você Fez” )

dia era vinte e dois (numero que, nas cartas do tarot, representa a figura do louco), e o mês era agosto (aquele que alguns chamam de "o mês do desgosto"). Eu, como costumava fazer algumas vezes por semana, fui responder aos recados da-

queles fãs que ainda achavam que eu estava vivo. Meu relacio-namento com fãs era bastante impessoal: eu retribuía à atenção de maneira cordial e carinhosa, mas sempre mantendo minha privacidade impenetrável. Quando digo "fãs", me refiro às pes-soas – na grande maioria, do sexo feminino – que não conheço pessoalmente e que admiram meu trabalho artístico.

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Por uma questão de proteção (e até mesmo de precaução),

sempre me condicionei a nunca me permitir bisbilhotar as pes-soas que vinham me bisbilhotar; independentemente do teor da conversa (mensagens de admiração, elogios, convites para sair, pedidos de casamento, declarações de amor, perguntas sobre o novo CD, pedidos de shows, ou simplesmente um "como consigo suas músicas?"), adotei a postura de responder uma vez, duas ou, no máximo, três. Depois, cordialmente, ignorava a pessoa. Nun-ca me permiti retribuir a invasão de privacidade, pois sabia que, por ser um artista, tinha a obrigação de estar na vitrine. Se as pessoas entram para me ver, é porque me admiram artisticamen-te; sendo assim, eu me reservava à posição de observado, e não de observador. Além do mais, nunca entendi muito bem esse hábito de ficar assistindo à vida dos outros por meio de uma tela de computador porque sempre achei a grande maioria das pes-soas muito desinteressante. Isso sem falar no fato de que eu ti-nha namorada. Ficar olhando para outras meninas não seria somente falta de respeito com ela, como no fundo não levaria a nada, já que sempre fui muito desinteressado em "novidades", graças (entre outras coisas) a um medo (injustificável) de ser re-jeitado. Talvez tenha sido exatamente por isso que sustentei tan-tos relacionamentos falidos por tanto tempo: o medo do desco-nhecido. Mas um dia o desconhecido bateu a minha porta e eu abri sem nem perceber.

22 de Agosto de 2012 (03:02) – Chat do Facebook:

Ela: "Como consigo suas músicas?" Era uma mensagem que eu já havia recebido, exatamente

com essas mesmas palavras, mais de mil vezes. No entanto, havia algo diferente daquela vez. Eu nem era capaz de reconhecer isso ainda, mas, lá no fundo, algo em mim já estava se acendendo; uma pequena chama, ainda imperceptível mas que, com uma simples frase, foi reacesa. Era ela. Finalmente ela havia chegado. Mas como eu não sabia disso ainda, respondi exatamente como responderia qualquer outro mortal:

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- "Você está disposta a comprar o CD original ou quer fazer como a grande maioria, que faz o download ilegal? Bloody Kisses, Libra" Eu sempre fiquei um pouco revoltado com as pessoas que

perguntavam diretamente ao artista sobre como baixar as músi-cas dele sem pagar nada, mas a resposta dela me fez desligar rapidamente a antipatia da qual sempre me orgulhei de me valer nessas horas.

- "Quero os dois!" Respondi como sempre respondo, fornecendo todas as in-

formações sobre como, onde e por quanto as pessoas poderiam adquirir meu CD. Era para a conversa ter acabado ali, como sempre foi. Talvez mais uma ou duas trocas de mensagem em que a outra pessoa elogiava meu trabalho, perguntava sobre shows, etc., e eu demonstrava minha gratidão. Mas nada além disso. Sempre que percebia que a conversa iria se estender (e isso quase sempre acontecia), eu escrevia meu recorrente "fico lisonjeado que admire meu trabalho... Bloody Kisses, Libra" e o as-sunto estava encerrado. Fosse quem fosse: bonita, feia, branca, preta, atirada ou recatada. O assunto estava encerrado. Mas da-quela vez não foi assim. Algo dentro de mim me fez perceber, tarde demais, que eu estava falando muito, respondendo tudo, dando corda para o interesse dela e, sem que eu percebesse, eu (que nunca havia sentido nenhum interesse em bisbilhotar a vida alheia) estava mergulhado nas fotos dela.

...e ela era linda.

“É um milagre que você ande sozinha por esse mundo É um milagre que eu esteja ao seu lado”

(Crashdiet - “It’s A Miracle”)

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Havia algo surpreendentemente familiar no olhar dela, algo

que me fez querer ver mais, me fez querer saber mais, entrar mais. Foi quando, pela primeira vez na vida, tomei aquela atitu-de inconsequente e inexplicável:

"adicionar aos amigos" A frase estava ali, olhando para mim... Me encarando... Me

convidando... E eu, que nunca na vida adicionei uma pessoa "estranha", estava ali, olhando fixamente para a tela do compu-tador e pensando: "por que é que estou tão inclinado a fazer isso?". Na época, eu nem desconfiava ainda, mas hoje entendo perfei-tamente os motivos que me levaram a desligar todos os controles de contenção de catástrofes e deixar minha mão conduzir aquela setinha até aquela perigosa frase, como quem atira uma flecha em um alvo, para tomar a irreversível decisão de clicar no botão do mouse. Mal sabia eu que, na verdade, estava atirando uma flecha certeira e mortal, diretamente na cabeça de cada uma das outras mulheres do mundo, matando-as todas, inclusive a pobre alma que estava comigo naquele momento.

"Preparar... Apontar... Fogo... Não dá mais pra voltar." (Libra - "Sangue Frio" )

Pronto. O mal estava feito. Destruição total. Nenhuma so-

brevivente. Seria apenas ela. Sempre ela. Todos os dias da mi-nha vida, daquele dia em diante. Só ela. A única fêmea da mi-nha espécie:

Minha Eva.