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7/25/2019 É Política Sim, Geraldo http://slidepdf.com/reader/full/e-politica-sim-geraldo 1/6 08/12/2015 É política sim, Geraldo | Opinião | EL PAÍS Brasil http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/07/opinion/1449493768_665059.html 1/6 ELIANE BRUM 7 DIC 2015 - 12:50 BRST COLUNA É política sim, Geraldo Enquanto o Brasil vive o rebaixamento do exercício político, os estudantes paulistas mostraram que é possível estar com o outro no espaço público Arquivado em:  Opinião Apeoesp Ocupação Escolas Reorganização Escolar paulista Corpo professores Protestos estudantis São Paulo Manifestações Estado São Paulo O Brasil no final de 2015: a bacia do Rio Doce foi destruída, e a lama avança sobre o oceano; o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), um homem investigado por crimes de lavagem de dinheiro e corrupção, que escondeu contas na Suíça, dá início ao processo que pode resultar no impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), depois de constatar que deputados petistas  votariam contra ele no Conselho de Ética, numa ação que pode cassar seu mandato; a Polícia Militar do Rio de Janeiro dispara 111 tiros e fuzila cinco jovens negros porque passeavam de carro à noite; as brasileiras não podem engravidar porque há um surto de microcefalia causado por  vírus transmitido pelo Aedes aegypti e aquelas que estão grávidas foram condenadas a viver em pânico diante do zumbido de um mosquito; o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), autoriza a PM a jogar bombas de gás e a bater em estudantes de escolas públicas. Obscenidade é a palavra que chega mais perto, mas é fraca demais para representar o Brasil atual. E também ela fracassa. Procuram-se palavras que deem conta do excesso de real da realidade. A crise de representação assumiu proporções inéditas. E o ano ainda não acabou. Diante desse despedaçamento, há que se cuidar para que as palavras disponíveis, aquelas que dão nome a conceitos cuja construção são o que de melhor a humanidade criou, não sejam pervertidas e restem também elas obscenas. É neste OPINIÃO Estudantes protestam em São Paulo na última sexta-feira. / MIGUEL SCHINCARIOL (AFP)

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ELIANE BRUM 7 DIC 2015 - 12:50 BRST

COLUNA

É política sim, GeraldoEnquanto o Brasil vive o rebaixamento do exercício político, os estudantes paulistas mostraram

que é possível estar com o outro no espaço público

Arquivado em: Opinião Apeoesp Ocupação Escolas Reorganização Escolar paulista

Corpo professores Protestos estudantis São Paulo Manifestações Estado São Paulo

O Brasil no final de 2015: a bacia do Rio Doce foi destruída,

e a lama avança sobre o oceano; o presidente da Câmarados Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), um homeminvestigado por crimes de lavagem de dinheiro e corrupção,que escondeu contas na Suíça, dá início ao processo quepode resultar no impeachment da presidente DilmaRousseff (PT), depois de constatar que deputados petistas

votariam contra ele no Conselho de Ética, numa ação quepode cassar seu mandato; a Polícia Militar do Rio deJaneiro dispara 111 tiros e fuzila cinco jovens negros porquepasseavam de carro à noite; as brasileiras não podemengravidar porque há um surto de microcefalia causado por

vírus transmitido pelo Aedes aegypti e aquelas que estãográvidas foram condenadas a viver em pânico diante dozumbido de um mosquito; o governador de São Paulo,Geraldo Alckmin (PSDB), autoriza a PM a jogar bombas degás e a bater em estudantes de escolas públicas.

Obscenidade é a palavra quechega mais perto, mas é fracademais para representar o Brasil atual. E também elafracassa. Procuram-se palavras que deem conta do excessode real da realidade. A crise de representação assumiuproporções inéditas. E o ano ainda não acabou.

Diante desse despedaçamento, há que se cuidar para que aspalavras disponíveis, aquelas que dão nome a conceitos cujaconstrução são o que de melhor a humanidade criou, nãosejam pervertidas e restem também elas obscenas. É neste

OPINIÃO

Estudantes protestam em São Paulo na última sexta-feira. / MIGUEL SCHINCARIOL (AFP)

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Para avançar com seudecreto sem escutar os queinterrompiam o trânsito, o

governador autorizou a PM ausar violência

ponto, profundo, que o governador Geraldo Alckmin(PSDB) cometeu um ato simbólico de extrema violência,para além da truculência concreta de sua polícia nas ruas deSão Paulo. Em 2 de dezembro, no Palácio dos Bandeirantes,ele afirmou:

– Não é razoável obstrução de via pública, é nítido que háuma ação política no movimento. Há uma nítida açãopolítica.

A frase do governador foi amplificada pela imprensa, emtítulos de jornais e chamadas nas rádios, TV, internet. Ogovernador denunciando o movimento dos estudantes queocupavam as escolas públicas de São Paulo em protestocontra um plano que, em nome da “reorganização escolar”,fecharia mais de 90 escolas e remanejaria mais de 300.000alunos. Mas, vale repetir, o que o governador denuncia?Que o movimento é político. Qual seria a acusação? É óbvioque o movimento é político. E a melhor qualidade domovimento é justamente a de que é político.

É pelo exercício da política que se alcançou o que de melhorexiste na experiência humana. E não pela força, pelaimposição, pelo extermínio do diálogo e das ideias e, vezesdemais, das pessoas que discordam. Onde a política ésuspensa, a aniquilação se instaura. Para Alckmin, porém, a

julgar pela sua declaração e pelos seus atos, a política éobscena. Tanto que ele precisa denunciá-la. E insinuar queos estudantes estão sendo instrumentalizados porinteresses partidários e ideológicos. É fundamental que sepreste atenção a um governador, com ambições de serpresidente da República, que iguala a política à

obscenidade. Ou à abominação, outra palavra que pode nosiluminar nesse momento em que a crise de representaçãoalcança também as palavras.

Voltemos à declaração dogovernador: “Não é razoávelobstrução de via pública”. Éassim que a frase começa. Paraele, protesto, manifestação, algodo cerne da democracia, é“obstrução da via pública”. Oque se impõe nesta afirmação de

Alckmin? A de que a voz que vale é a daquele que querpassar. A via pública pertence àqueles que querem passarcom seus carros. Passar, portanto, sem parar para escutar.É forte, porque Alckmin tem demonstrado governar assim,passando sem escutar. Se necessário, passando por cima,como se viu.

O que foi a imposição da “reorganização escolar” sobre acomunidade, senão um “passar sem escutar”? E o queaconteceu? O ato autoritário foi enfrentado com política. Osestudantes ocuparam o espaço público para reafirmar anecessidade de dialogar, para dizer que imposição não erapossível num regime democrático. A reação foi recebidapelo governo como uma afronta à ordem e à autoridade.Mas como, se esta é uma democracia? Quem não dialoga éditador. Diante do impasse, entre considerar a política umaobscenidade e, ao mesmo tempo, governar num estado

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Enquanto os profissionais deBrasília rebaixavam a política

à chantagem, os estudantespaulistas deram uma lição ao

país

democrático, Alckmin fez o quê? Se ele queria passar semescutar, com seu carro e com seu decreto, o governador fezo quê? Chamou aquela que restou da ditadura: a PolíciaMilitar.

Como afirmou Fernando Padula Novaes, chefe de gabineteda Secretaria de Educação, é “guerra”. A palavra reveladorade como o governo se relaciona com aqueles quediscordam, neste caso os estudantes, foi usada mais de uma

vez numa reunião cujo áudio foi divulgado pela repórterLaura Capriglione, do coletivo Jornalistas Livres. Oencontro com cerca de 40 dirigentes de ensino contoutambém com a anunciada presença de um militante da

Ação Popular, movimento de jovens do PSDB. Na reunião,Padula demonstrou a necessidade de “desqualificar” omovimento de resistência e mostrar que a "radicalização"estava “do lado de lá”.

E, assim, na lógica de “guerra”, Geraldo Alckmin respondeuao exercício da política com bombas de gás, com golpes decassetete e agressões físicas e psicológicas, como humilhar ecarregar à força um garoto de 18 anos pendurado de cabeçapara baixo. Respondeu com repressão, como já tinha feitonas manifestações de 2013. Respondeu como um generalalinhado ao golpe de 1964 responderia durante os anos dechumbo. A Polícia Militar é o que sobrou de lá, aqui. E, secomo analistas de segurança pública têm dito, a polícia estádescontrolada, está descontrolada porque governantesprecisam controlar. E impor: passar sem escutar. Passarsobre a política. “Limpar” as ruas dos pretos e dos pobres etambém dos que fazem política.

Enquanto as imagens nas ruas expunham a violência daPolícia Militar contra os estudantes, a maioria delesadolescentes, este era o discurso do governador: “A políciadialoga, a polícia conversa, a polícia pede para as pessoassaírem, a polícia dá tempo para as pessoas saírem. Agora,não pode prejudicar quem precisa trabalhar. Então, épreciso ter o mínimo de bom senso. A polícia faz todo otrabalho, ela é capacitada, é treinada, tem paciência...”. Ogovernador, e esta não é uma constatação banal, estásatisfeito com a ação da PM. A desconexão entre o discursoda autoridade máxima do estado de São Paulo e a realidadedocumentada por vídeos e fotografias nas ruas de São Pauloé um fato a ser levado a sério.

É uma enormidade o que osestudantes paulistas deram aopaís neste mês de resistência.Enquanto a política em Brasília,aquela feita por profissionais doramo, era rebaixada achantagens e tomaladacá,adolescentes deram ao país uma

lição de política em sua expressão mais completa.

Organizaram-se, ocuparam 196 escolas, responsabilizaram-se por elas –consertando, limpando e cuidando– eimpediram que, num país e num estado em que a péssimaeducação pública escava um abismo, mais de 90 escolasfossem fechadas por decreto. Foram reprimidos

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Os estudantes “violentos” e“perdidos” da escola públicase reapropriaram do espaçocoletivo e passaram a cuidar

violentamente por isso. Muitos apanharam, dezenas foramdetidos, centenas sofreram as consequências das bombas degás. Mas resistiram. E venceram. E, como o que venceu foia política contra o autoritarismo da verdade única e daforça bruta da PM, vencemos todos.

Em 4 de dezembro, o governador foi obrigado a recuar:suspendeu a “reorganização escolar”. O secretário deEducação, Herman Voorwald, deixou o cargo. Geraldo

Alckmin recebeu uma lição de política dada por crianças eadolescentes. Ao ver sua popularidade despencar, conformepesquisa do Datafolha publicada no mesmo dia em queanunciou o adiamento das mudanças até 2017, o políticoque iguala a política à obscenidade descobriu que não eramais possível mandar a Polícia Militar passar por cima dopovo para sua verdade única passar.

Geraldo Alckmin recuou com uma frase do Papa Francisco:"Sempre que perguntado entre a indiferença egoísta e oprotesto violento, há uma solução sempre possível, odiálogo". Ainda que óbvio, é uma questão de respeitorestabelecer os fatos para não perverter as palavras.“Indiferença egoísta”: pode ser relacionada ao governo, quetentou impor sem debate um projeto controverso, criticadopor educadores, que fechava quase uma centena de escolase atingia centenas de milhares de alunos. “Protesto

violento”: fotografias e imagens documentam a violência daPM contra os estudantes. “Diálogo”: é o que os alunosreivindicavam, enquanto no interior do governo seanunciava “guerra”. Diálogo é justamente política. Comoaquilo que se faz é mais revelador do que aquilo que se fala,o governador fez seu anúncio e deixou a sala sem falar com

a imprensa.

Não foi apenas Geraldo Alckmin que aprendeu algoimportante com os alunos da escola pública –ou deveria teraprendido. Há dois pontos aos quais é preciso prestar

bastante atenção. Um deles, que já havia se tornado claronas manifestações de 2013, é o de como uma parcela daimprensa da redemocratização ainda está intoxicada pelostempos da ditadura e da censura, entre outras hipótesespara a escolha dos termos usados na cobertura.

Adolescentes levam bombas e borrachadas das forças desegurança do Estado e parte da imprensa chama de“confronto”. A cada protesto nas ruas, várias reportagenscomeçavam pelas agruras causadas pela interrupção dotrânsito, como se o trânsito fosse a entidade maisimportante desse acontecimento político, relacionado àgrande tragédia nacional, a educação, numa hierarquia de

valores bastante iluminadora. Adolescentes eramencurralados e agredidos pela PM e parte da imprensadefinia como “confusão”. A PM reprimia violentamente osalunos que protestavam e uma parcela da mídia descrevia ofato como um ato de “dispersão”. Nomear os fatos comprecisão é tarefa obrigatória do jornalismo.

Ao pensar nas manifestaçõescontra o aumento das passagensdo transporte público, em 2013,desponta outro ponto crucial:

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do que ninguém maiscuidava nem acreditava

qual é o limite da opiniãopública? Ou, de forma maisexplícita: em quem a políciapode bater sem causar assombro

e reação, ou sem que isso provoque a queda depopularidade do governador? O que os protestos contra ofechamento das escolas mostraram é que usar violênciacontra alunos adolescentes é um limite para os cidadãos.Desta vez, não foi possível transformar os estudantes em“vândalos” e ganhar a opinião pública, como ocorreu em2013, usando como justificativa a ação violenta dos black-

blocs. Geraldo Alckmin apostou que conseguiria repetir2013, quando num primeiro momento houve uma reaçãomassiva contra a violência da polícia e, em seguida, com aconversão de manifestantes em “vândalos”, na narrativa departe da imprensa, a opinião pública passou a apoiar arepressão policial, por ação ou omissão.

É importante pensar sobre isso, porque enquanto a violaçãoda lei pela polícia não for rechaçada, independentemente de

contra quem for, seguiremos muito mal. Se pode baterneste, mas não naquele (ou matar, como acontece nasperiferias e favelas), continuaremos involuindo no pactocivilizatório. E os governantes autoritários seguirão comchance de passar sua verdade única sobre a política,calando a democracia com bombas de gás e golpes decassetete.

O fracasso na conversão de estudantes em “vândalos” paraa opinião pública, apesar de todos os esforços, revela que aescola ainda têm um lugar forte no imaginário coletivo. A educação pública, tão abandonada, tão desrespeitada, tão

desinvestida nestas últimas décadas, ainda ecoa napopulação como um valor. Ainda ressoa a consciência deque uma escola, neste país, não pode ser fechada. Muitomenos dessa maneira. A escola, tão maltratada, ainda é umsímbolo positivo.

Há aqui uma lição profunda que os estudantes das escolaspúblicas deram não apenas ao governador, mas ao conjuntoda sociedade que acredita em saídas individuais, em geralna de matricular o filho na escola privada para pelo menossalvar o seu da tragédia educacional brasileira. Quando jáse tornava difícil acreditar que houvesse uma saída, osestudantes se apropriaram das escolas e, com a ajuda departe dos pais, passaram a cuidar dela. Coletivamente,como comunidade, como cidadãos. Cuidam do queninguém mais de fato cuidava.

Acho que ainda não chegamos perto de alcançar o tamanhodesse gesto, que nestas últimas semanas levou gente quenunca tinha pisado numa escola pública a oferecer decomida a serviços. Pessoas de todas as áreas têm seapresentado para dar aulas nas escolas ocupadas. Alunos deuniversidades prestigiadas, aquelas em que os estudantes

da escola pública foram ensinados a acreditar que nuncaentrariam, pediram para os secundaristas irem até afaculdade explicar o movimento. Os estudantesconseguiram derrubar muros que quase ninguémacreditava que ainda poderiam cair. E uma estudante ouviu

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