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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURAS CONTEMPORÂNEAS André Figueiredo Stangl E-TNO: A ETNICIDADE DIGITAL Salvador - Bahia 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAFACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURAS CONTEMPORÂNEAS

André Figueiredo Stangl

E-TNO:A ETNICIDADE DIGITAL

Salvador - Bahia2004

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André Figueiredo Stangl

E-TNO: A etnicidade digital

Dissertação apresentada, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação - Universidade Federal da Bahia.

Orientador: Gottfried Stockinger

Salvador - Bahia2004

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BIBLIOTECA CENTRAL REITOR MACÊDO COSTA - UFBA

S785 Stangl, André Figueiredo. E-tno : a etnicidade digital / por André Figueiredo Stangl. - 2006.

300 f. : il.

Inclui anexos.

Orientador : Prof. Gottfried Stockinger. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Comunicação, 2004.

1. Etnicismo. 2. Computadores e civilização. 3. Comunidades virtuais. 4. Ciberespaço. I.

Stockinger, Gottfried. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Comunicação. III. Título.

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banca

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Dedico estas reflexões às queridas musas de minha vida.

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Agradecimentos

Uma lista agradecendo a todos que tornaram possível a realização dessa pesquisa seria

quase impossível e uma lista parcial corre o risco de esquecer pessoas importantes. Mas

vou correr esse risco...

Acredito que todas as boas ideias e boas reflexões são fruto de bons diálogos. Devo

muitas das que estão nesse texto aos papos com amigos, na condição de professores ou

não.

Obrigado: Urso, Leda e Edu, Mario Cesar, Ana, Zeca, Guga, Ale, Abel, Pinduka, Lusca,

Gorda, Matteo, Mori, Karla, Hermano, Claudio M., Gottfried, Naomar, Livio, Lemos e

a todos os colega da pós.

Um agradecimento especial a todos os parentes pela inspiração e paciência. Valeu Hans

e Só, Zeni e Mariano, Laura, Kari e Fran, Vani, Rosana e Walter,

Minha mãe, Eugenia e minha mulher, Agnes sabem que sem elas nada disso seria

possível.

in memoriam Marco Tulio

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“Considerai o mundo como sendo leve,E o espírito não será sobrecarregado;

Considerai as incontáveis coisasComo sendo insignificantes,

E a mente não ficará confusa.Considerai a vida e a morte

Como sendo iguais,E o intelecto não terá medo;

Considerai a mudança imutável,E a claridade não será obscurecida.”

Lao Tse

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Resumo:

Ensaio sobre as reconfigurações da etnicidade no ciberespaço. Partindo da análise do software social conhecido como Orkut, que nos últimos anos tornou-se palco das mais acirradas manifestações de afirmação e negação de identidades étnicas. O que se propõe é uma recontextualização do conceito de identidade que leve em conta as especificidades da sociedade de rede.

Palavras-chave: etnicidade, cibercultura, sociedade de rede

Abstract:

the present essay deals with the reconfigurations of ethnicity on cyberspace. Starting with the analysis of well-known social software as Orkut, that in the last years has become the stage for intransigent manifestations of affirmation and negation of ethnical identities. What is proposed here it is a re-contextualization of the concept of identity that takes in consideration the singularities of the network society.

Keywords: ethnicity, cyberculture, network society

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - A geografia dos usuários de Internet no mundo - 26

Figura 2 - Os territórios lingüísticos na Internet - 27

Figura 3 - A representação geopolítica no Audiogalaxy - 47

Figura 4 - AFIRMA - website - 66

Figura 5 - Organização Branca Nacional (OBN) - website - 67

Figura 6 - FUSÃO RACIAL - Informativo do Movimento Nação Mestiça - 68

Figura 7 -INDIOS ON LINE - website - 69

Figura 8 - A Internet na minha tribo - 70

Figura 9 - PLETZ - website - 70

Figura 10 - auto-representação imagética no Orkut - 72

Figura 11 - Os multiplos sentidos do Soulseek - 88

Figura 12 - A conquista brasileira do espaço virtual - 96

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

1.1 Mcluhan e a natureza artificial do homem 14

1.2 Castells e as Tecnologias Sociais da Sociedade de Rede 18

1.3 Internet, etnicidade e hibridismo na rede 21

1.4 A sobrevivência da etnicidade no mundo digital 27

2 A REDE MESTIÇA 32

2.1 A Sociologia Híbrida 32

2.2 A Identidade Pós-moderna 35

2.3 A Lógica Mestiça 39

2.4 A Nova Estética do Hibridismo Digital 43

2.5 A Mestiçagem na Rede Polissêmica 44

2.6 Hibridismo Digital 47

2.7 O Policentrismo Cultural das Cidades Digitais 50

2.8 A Urbanidade Digital 53

2.9 Links urbanos 59

2.10 Democracia digital 59

3 O ETNODESCENTRISMO 61

3.1 Os Territórios do Discurso Digital 66

3.2 A Construção Digital da Identidade 72

3.3 Fronteiras Digitais da Identidade 78

3.4 O Universal Híbrido 83

3.5 A Multiplicação do Sentido 85

4 CONCLUSÕES 90

BIBLIOGRAFIA 99

ANEXOS 103

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1 INTRODUÇÃO

Quais os desdobramentos da etnicidade no ciberespaço? Como nos identificamos

brasileiros, africanos, negros, judeus, mulçumanos ou americanos no ambiente onde

todas essa definições parecem perder o sentido? Estaria, enfim, se concretizando a

utopia do mundo pós-cultural (cf. LÉVY, 2000)? Estamos presenciando a consolidação

da aldeia global interligada por redes digitais? Para tentar encontrar respostas que

ajudem a compreender essa nova re-configuração da identidade cultural proponho um

mergulho no ambiente semântico onde se dá essa recriação (ou talvez essa recreação): o

ciberespaço. O lugar que pretende um dia reunir todas as culturas, a cidade encruzilhada

que irá abrigar todas as possibilidades de reencontro da humanidade.

Quando falamos de ciberespaço, a referência espacial nem sempre é totalmente

compreendida. Se o ciberespaço nos permite a sensação de localização espacial é

porque nós podemos percebê-lo assim e portanto experimentar habitá-lo. Se falamos em

domínios, sites (sítios) e endereços eletrônicos é porque recriamos no ciberespaço

nossas referências espaciais. Nesse novo ambiente nossos endereços também funcionam

como identidades, os e-mails localizam e identificam. Projetamos no ciberespaço nossas

noções de localização. Por outro lado, os fluxos urbanos recriam nossas cidades,

tornando-as cada vez mais mistas e policêntricas. Num futuro não muito distante as

cidades serão globais e, quando isso acontecer, o ciberespaço digital será uma de suas

principais esferas. As cidades são produtos de nossa tecnologia social. Se existe um elo

que une a cidade e a rede digital, este elo é o uso comum de um mesmo cimento: a

sociabilidade. Quando falamos de redes e de cidades estamos falando de pessoas que

compartilham algo. Nossas fronteiras ainda são lingüísticas, mas nossos territórios já

são percebidos como passagens.

Talvez a unidade da sociedade humana tenha começado ao redor de uma fogueira. Se

por brilho ou calor, segurança ou identidade, já não nos lembramos. Homens e mulheres

retornam ainda hoje a seus lares em busca de algo que lhes dê unidade. Ainda que

possamos nos sentir sozinhos cercados de gente, de alguma forma a convivência social,

através das redes digitais, pode ajudar a mudar esse quadro de solidão e egoísmo

urbano. Pode parecer ingenuidade, ou mesmo absurdo para os neófitos e algo

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incompreensível para os excluídos: máquinas que ajudam na re-humanização do

homem. No entanto, não temos mais porque negar que elas fazem parte de nós mesmos.

É como se dentro de nós ainda reluzisse a faísca que acendeu nossa primeira fogueira.

As imagens em nossa memória se fundem como na clássica cena do filme 2001, onde a

trajetória do osso como ferramenta de combate funde-se à imagem de uma estação

espacial. Ainda usamos extensões físicas de nossos corpos, o elo com nossos

antepassados são nossos artefatos. A arqueologia nos mostra que as diferenças culturais

entre o passado e o presente podem ser tecnológicas. Linguagem, símbolos, estruturas

sociais complexas não são privilégios da modernidade. Nós ainda podemos ver

semelhanças cognitivas entre ninho e casa, teia e armadilha, piado e música, garras e

armas. Pois existe uma relação entre aquilo que consideramos natural e o que pensamos

ser artificial. Já dizia João do Vale, na letra da música “Na asa do vento”, que o homem

simples, a abelha ea aranha têm ciência e técnica, mas muita gente não reconhece: “A

ciência da abeia, da aranha e a minha. Muita gente desconhece”.

Podemos entender a consolidação dos paradigmas conceituais como sedimentações

históricas, de escolhas e acasos, vitórias e derrotas. A história da ciência não está acima

da história do homem, muito menos a ‘evolução’ da técnica. Hoje confundimos ciência

e técnica, mas na época em que vigorava o paradigma teológico, a técnica era inofensiva

e a ciência perigosa. A natureza era divina e o homem a temia e respeitava. Talvez o

encastelamento do saber teológico, configurando-se assim enquanto forma de poder,

tenha precipitado sua queda. Não é aqui o caso de narrar como o paradigma científico

tornou-se hegemônico e nem porque sua valorização do saber tecnológico sustentou a

expansão de seu poder na Era do Capitalismo Industrial (cf. MATTELART, 2002;

BAUMAN, 1999). Mas tentar interpretar alguns de seus aspectos sociais pode nos

ajudar a entender o que está por traz de nossa relação com as máquinas.

Caminhamos, assim, no sentido de uma nova compreensão do homem e de sua relação

com o meio em que vive. Voltando aos paradigmas, um dos principais aspectos do

paradigma tecno-científico é a suposta separação entre natureza e cultura. Homens de

um lado, natureza do outro, assim cabe ao homem, nesta relação, dominar e explorar

aquilo que dele não faz parte e que também não é percebido como algo de que o homem

faz parte. Essa separação foi um dos pilares do processo de industrialização na

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modernidade. Os atuais movimentos de conscientização ecológica, as novas teorias da

física quântica e o enfraquecimento do poder conceitual do paradigma tecno-científico

abriram-nos novas perspectivas de entendimento de nossa relação com a natureza (cf.

LEMOS, 2002). Hoje busca-se mais uma tentativa de harmonização, que seria

alcançável através do desenvolvimento sustentável. Onde não houvesse a busca do

excesso, mas sim a procura do necessário. Talvez estejamos saindo de um paradigma

tecno-científico e entrando numa perspectiva mais humanista do conhecimento. Nem a

ciência, nem a metafísica teriam a resposta necessária. Ao homem o humano basta.

Por outro lado, falar em paradigmas pode ser um contra-senso, quando vemos hoje a

ascensão da “Era da incerteza”, no pós-moderno, no relativismo e no pragmatismo. Se

nossas tentativas de consenso falharam, o sofismo não é mais o vilão da história e a

retórica não é mais vazia que a metafísica. Escolhemos um prisma e sob ele pintamos o

mundo ao nosso modo. Entre consensos temporários e contingenciais, podemos hoje

conviver com a coexistência de paradigmas diversos. Lado a lado estão hoje na

sociedade os que crêem numa perspectiva transcendental e os que não crêem, os que

apostam suas fichas nas respostas da ciência e da tecnologia e os que dela desconfiam.

Não parece que temos hoje uma perspectiva hegemônica, mas também não parece que

desistimos de ter perspectivas.

Vou tentar, aqui, descrever o que enxergo e, se o objeto desse olhar permitir,

descreverei como vejo nesse novo território seus habitantes e sua cultura. Também faço

parte desse novo mundo, sou um dos elos dessa rede global. Por outro lado, a imensidão

da rede tornou impossível a abordagem exaustiva sobre qualquer um de seus aspectos.

Assim, do mergulho nessa imensidão só posso oferecer o pouco que vi, enquanto

voltava a superfície. Alguns sites, algumas comunidades e algumas idéias, ainda que

limitadas pelo território do idioma, não mais pela geografia.

No caminho de volta, quando já quase via a luz do sol, deparei-me com um estranho

cardume de peixes presos a uma rede chamada Orkut. Foi no meio dessa rede que

percebi a total ignorância de nossa idéia de liberdade. Não saberíamos o que ela é sem a

rede a nossa volta.

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1.1 McLuhan e a natureza artificial do homem

Para entendermos o sentido social de nossa relação com as máquinas, precisamos saber

como compreendemos o que é homem, o que é natureza, o que é cultura, o que é

natural, o que é artificial. O canadense Marshall McLuhan (1911-80), em algumas de

suas obras principais1, inaugurou uma nova perspectiva para essa compreensão. Ele nos

ensinou que todos os meios técnicos são extensões do corpo. Bicicletas são extensões

das pernas, óculos são extensões dos olhos, facas são extensões das unhas. O chapéu,

uma extensão do cabelo. O automóvel e as roupas são extensão de nossa pele. Depois da

cisão operada pelo paradigma técnico-científico entre cultura e natureza, passamos a

perceber nossas extensões como artificiais. É como se o caramujo não reconhecesse

mais a sua concha como uma extensão de sua pele.

Segundo McLuhan, Gutenberg nos fez leitores, a máquina Xerox nos fez editores e a

eletrônica e os computadores em rede nos fazem autores. As revoluções tecnológicas

mudam a forma como percebemos o mundo, assim o mundo do iletrado é diferente do

mundo do letrado. Segundo ele, a imprensa criou o individualismo e o nacionalismo no

século XVI na Europa e, de forma semelhante, a Rede Globo deu ao Brasil a idéia de

uma unidade identitária.

“O senso comum por muitos séculos foi tido como o poder especificamente humano de traduzir a experiência de um sentido isolado para todos os demais sentidos, de modo a apresentar à mente uma imagem continuamente unificada da experiência. De fato, esta ratio unificada entre os sentidos durante muito tempo foi considerada a marca de nossa racionalidade, bem podendo voltar a ser assim considerada a marca de nossa racionalidade, bem podendo voltar a ser assim considerada em nossa era de computadores. Agora é possível programar ratios entre os sentidos que se aproximem da condição da consciência. Mas esta condição seria necessariamente uma extensão de nossa própria consciência, tal como a roda é uma extensão dos pés em rotação.” (MCLUHAN, 1964:81).

Essa ratio de McLuhan pode ser entendida como as regras que permitem aos jogadores

jogar um mesmo jogo. É ela que permite a consciência coletiva do ser social e é também

sobre ela que construímos a linguagem. Ainda segundo McLuhan:

“Tendo prolongado ou traduzido nosso sistema nervoso central em tecnologia eletromagnética, o próximo passo é transferir nossa consciência para o mundo do computador. Então poderemos programar a consciência, de forma a que ela não ceda ao entorpecimento e à alienação narcísica

1 1963 - A Galáxia de Gutenberg - a formação do homem tipográfico; 1964 - Os meios de comunicação como extensões do homem; 1969 - O meio são as Massa-gens (c/ Quentin Fiore); 1971 - Guerra e Paz na Aldeia Global. (C/ Quentin Fiore)

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provocada pelas ilusões do mundo do entretenimento que assaltam a Humanidade quando ele se defronta consigo mesma, projetada em seu próprioarremedo.” (MCLUHAN, 1964:81).

McLuhan não via com bons olhos a apropriação cognitiva das mídias de massa, o

consumo passivo da informação entorpece nossos sentidos, nos impedindo de digerir o

excesso, no dilúvio informacional perdemos a condição de distinguir qualitativamente a

informação. Antecipando os atuais conceitos de interatividade McLuhan via na

programação, ou seja na linguagem de máquina, uma representação do esforço

cognitivo de entendimento humano.

“Se a obra da cidade é o refazimento ou a tradução do homem numa forma mais adequada do que aquela de seus ancestrais nômades realizaram, por que não poderia a tradução, ora em curso, de nossas vidas sob a forma de informação, resultar numa só consciência do globo inteiro e da família humana?” (MCLUHAN, 1964:81).

A unidade do planeta se daria através da linguagem das máquinas. Vivemos hoje em

uma aldeia global. “A eletricidade viria a causar a maior das revoluções, ao liquidar a

seqüência e tornar as coisas simultâneas” (MCLUHAN, 1964:26). A eletricidade se

expande sem reconhecer diferenças culturais, não existem castas, nem credos. À noite,

nos terreiros de candomblé ou nas sinagogas, a luz elétrica ilumina a todos. Também

não existe dúvida quanto ao efeito do ato de ligar uma luz. De forma semelhante a mídia

propaga a informação e sendo o meio a mensagem, seu contexto é seu sentido. No

entendimento da mensagem, não podemos desprezar a forma como ela foi transmitida.

Se for escrita ou falada, isso irá interferir no seu sentido, pois cada forma envolve um

gramática de uso. Aqui as teorias de Wittgenstein nos ajudam a entender McLuhan (cf.

STANGL, 2001). Existe um consenso cognitivo que permite que todos reconheçam um

toque de telefone e uma imagem de cinema como tais.

Segundo McLuhan, a arte ajuda a entender o impacto da tecnologia sobre os seres

humanos, pois, por muito tempo, a formação de nossa consciência estava relacionada ao

registro de nossas experiências na memória. A razão era, então, a articulação simbólica

de nossa experiência e os meios de registro possibilitaram o compartilhamento da razão

e do sentido. Sendo a arte um registro de nossas impressões e de nossa imaginação, seu

reconhecimento permite a criação de um espaço comum de sentido, onde novas

tecnologias são experienciadas e familiarizadas. As ficções que tratam de robôs, por

exemplo, nos educam e nos acostumam a uma realidade possível.

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As teorias de McLuhan podem às vezes parecer exageradas. Mas pensar objetos como

continuações de nosso corpo ajuda a estabelecer uma perspectiva interessante para a

compreensão da reestruturação da identidade cultural no ciberespaço. McLuhan entende

a tecnologia como um poderoso elemento transcultural aglutinador: não importa onde,

ao acender uma luz, agimos da mesma forma. Este ato esconde uma consciência

universal representada pela dicotomia ligado/desligado, não existe meio ligado, nem

meio desligado. O que McLuhan nos alerta é que esse ato pode não ser tão inocente.

“As reservas espirituais e culturais que os povos orientais possam ter em relação à nossa tecnologia não lhes poderão valer muito. Os efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os sentidos e nas estruturas da percepção, num passo firme e sem qualquer resistência.” (MCLUHAN, 1964:34)

Prolongamos nosso sistema nervoso central com a tecnologia eletromagnética e agora

estamos transferindo nossa consciência para o mundo do computador. Se o mundo é o

que percebemos do mundo e hoje percebemos o mundo através das tecnologias de

comunicação, então essas tecnologias são parte de nossa própria consciência. O que é

real e o que é virtual, então? Segundo Baudrillard:

“Hoje não pensamos o virtual, é o virtual que nos pensa. E essa transparência imperceptível que nos separa definitivamente do real nos é tão incompreensível quanto pode sê-lo para a mosca o vidro contra o qual ela se choca sem compreender o que a separa do mundo exterior. A mosca nem sequer imagina o que põe fim a seu espaço. Do mesmo modo, nem sequer imaginamos o quanto o virtual já transformou, como por antecipação, todas as representações que temos do mundo.” (BAUDRILLARD, 1997:71)

Kerckhove, em seu livro A Pele da Cultura, relembra que nossa relação com as

máquinas é uma relação sensorial. Se as máquinas são extensões de nossos sentidos,

então, percebemos através delas o que elas são capazes de perceber, ou seja, somente o

que o desenvolvimento tecnológico permitir. Mas “até onde é que isso irá levar-nos?

Como saberemos onde, como e quem somos quando os nossos pontos de vista e as

nossas escolhas forem assistidos por computador e distribuídos em grandes bases de

dados no espaço e tempo virtuais?” (KERCKHOVE, 246). Soma-se a isso a questão

sobre o que seremos e o que fomos. Sim, pois parte de nossa memória é hoje arquivada

digitalmente, assim, por exemplo, o lixo metaforizado pela lixeira no desktop,

representa uma porta entre nós mesmos no agora, o atual, e nós mesmos no que foi atual

e agora é passado. Deletar é conduzir alguma informação ao passado, salvar, pelo

contrário, é mantê-la no presente. Aquilo que esquecemos forma o nosso inconsciente.

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Platão chamava o reencontro com o que foi esquecido de desvelamento ou

reconhecimento. A verdade está esquecida, mas é alcançável ainda. O lixo não, o lixo

representa o oposto da lembrança, ele é aquilo que não queremos guardar, nem recordar.

O lixo orgânico, os restos do nosso consumo de plástico, metais e produtos químicos a

cada dia poluem mais nosso ambiente. Mas o lixo digital inaugura uma nova era no

esquecimento. Qualquer arquivo original que for deletado, esvaziado da lixeira e

substituído na área física do hd por outro código, é por definição irrecuperável. Pode até

ser recriado, mas se foi construído do zero, ou seja, se o seu conteúdo e forma forem

absolutamente originais, o seu apagamento significa uma perda, ou prejuízo equivalente

a uma perda material que tivesse valor simbólico igual. Se Picasso usasse photoshop em

suas obras, o que seria um valioso original? O que seria uma série? Versões? No

entanto, não percebemos mais o valor do original assim. Fazemos back-up, sofremos

com hds defeituosos e formatados acidentalmente, mas nenhum destes

desaparecimentos nos impactaria tanto quanto o desaparecimento do próprio

computador.

Parece que não valoramos tanto assim a informação desaparecida, no entanto esse

súbito sumiço é tão fundamental quanto a morte. Ao invés de lixeira, esse espaço no

desktop deveria ser chamado de sepultura, pois o dado perdido desaparece

imaterialmente de forma semelhante ao que o senso comum compreende como morte

cerebral. Diferente de uma perspectiva platônica, cremos que o que foi perdido nunca

será plenamente recuperado, pois materializamos nos códigos o sentido do arquivo

perdido. É cada vez mais difícil para nós mesmos confiar tudo o que produzimos a um

lugar só, cada vez mais a sobrevivência de nossos produtos simbólicos está

condicionada a sobreviver em sua coletivização.

Até mesmo na aparente simplicidade do ato de escolher um alimento existe um tipo de

racionalidade - olhar para uma fruta e decidir se está apta para o consumo ou não -, um

processo mental semelhante a escolher entre idéias boas ou não. Nossos sentidos são

meios de intermediação entre nossa consciência e as coisas, pelo menos assim gostamos

de pensar. É a percepção que conduz nossa mente através do tempo e do espaço.

Diversas são as técnicas que envolvem a percepção. No chamado oriente, surgiram

diversas técnicas corporais de transformação da consciência e da percepção, como por

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exemplo o Tai Chi Chuan, Yoga, Karate, etc. Essas técnicas trabalham com uma

perspectiva onde não existe separação entre corpo e mente. Não resta dúvida para o

samurai que a sua espada é uma extensão do seu corpo e portanto da sua mente ou

espírito. Não tenho espaço aqui para detalhar o processo de construção da diferença

entre oriente e ocidente, o fato é que acreditamos nessa diferença. Talvez se resgatarmos

algo de nossas semelhanças, não pareça tão estranha a percepção das máquinas como

nossas extensões.

Para Kerckhove, a ciência não sabe para onde vamos, pois não é capaz de perceber o

presente. Tanto ele quanto McLuhan acreditam que a arte tem um privilégio perceptivo

que a ciência comum perdeu. A ciência que vemos representada no “Fantástico2”

explica e controla sempre em contraposição aos credos ingênuos. Nas reportagens que

desmascaram falsos curandeiros, por exemplo, não existe uma tentativa de compreensão

da dimensão simbólica desses fenômenos. A ciência, para o senso comum, comprova o

que é verdade e desaprova o que é falso. Numa perspectiva mais artística esse limite

pode ser superado. Para Kerckhove, a arte refina nossa percepção, ampliando os limites

de nosso entendimento, sem as obrigações da ciência (cf. KERCKHOVE, 1997:126).

1.2 Castells e as Tecnologias Sociais da Sociedade de Rede

Reverenciando A Galáxia de Gutenberg descrita por McLuhan, Manuel Castells

escreve A Galáxia da Internet. Segundo Castells, “a Internet é, acima de tudo, uma

criação cultural” (CASTELLS, 2003:32). Assim, não podemos desprezar que sob sua

égide algum tipo de impacto sócio-cultural está sendo gestado. Se os sistemas

tecnológicos são produzidos em sociedade, o fruto dessa produção é um produto

cultural e a Internet não é exceção. “A cultura da Internet é a cultura dos criadores da

Internet” (p.34). A rede, segundo ele, é a mensagem. Esse novo contexto nos diz algo e

muda a forma como percebemos o mundo.

Socialmente a rede pode ser um laboratório de experimentação identitária, assim como

também pode ajudar a reforçar laços sociais já existentes, facilitando a manutenção do

contato entre pessoas que estão distantes geograficamente. Mas Castells nos alerta que

2 Rede Globo

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não é a ferramenta em si que irá nos tornar pessoas mais sociáveis. Tendemos a manter

nosso padrão de comportamento na rede, se somos anti-sociais, permaneceremos anti-

sociais na rede. No entanto, o sentido da rede é a comunicação entre pessoas. Segundo

ele, o e-mail representa mais de 85% do uso da Internet.

Para Castells, o mundo contemporâneo vive a crise do patriarcalismo, a desestruturação

da família nuclear, o fim do moralismo, a ética utilitária, a urbanização, a descrença

política, o materialismo simbólico e o consumo desmedido. Esse é o retrato do

individualismo contemporâneo. A rede reflete a sociedade e nela vemos que o

individualismo também funciona em rede. Na Internet explicita-se a tendência a

selecionar os elos de sua rede de relações a partir de interesses imediatos, alimentando

laços sociais fracos em detrimento do risco de envolvimento social. Isso ilustra o

paradoxo da vida social contemporânea entre egoísmo e medo, carência e necessidade.

Por outro lado, na rede a participação política ganha um novo impulso. Os movimentos

sociais do séc. XXI são ações coletivas deliberadas que visam a transformação de

valores e instituições da sociedade e manifestam-se na e pela Internet. O ciberespaço

tornou-se uma espécie de ágora eletrônica global em que a diversidade da divergência

humana explode numa cacofonia de sotaques. O movimento operário (séc. XIX)

constituiu-se a partir da estrutura social das fábricas e pubs. Os movimentos sociais de

hoje adotam a estrutura das redes sociais com a ajuda da Internet e são, na era da

informação, essencialmente mobilizados em torno de valores culturais. Apesar de

herdeiros dos movimentos anteriores, atualmente, estes movimentos não se limitam

apenas aos interesses de uma classe, nem se estruturam de forma hierarquizada. Os

movimentos sociais de hoje pretendem conquistar poder sobre a mente (noopolitik), não

sobre o Estado (realpolitk). (Zapatistas, Falung Gong, MST, Movimento anti-

globalização, Cyberpunks, etc.). Hoje, age-se globalmente, pensando localmente. As

principais ações são pelos direitos humanos, direitos das mulheres, pelo trabalho, pelo

ambiente, pela liberdade religiosa e pela paz. (cf. CASTELLS, 2003:114-8).

A cidadania digital (Netizen), segundo ele, objetiva reconstruir o mundo de baixo para

cima. As suas três principais características são: fornecer informações sobre o governo

local e as ações cívicas, permitir a comunicação entre os integrantes da rede e promover

o acesso à rede. Isso alimenta o fenômeno das cidades digitais que se pretendem centros

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de tecnologia comunitária. Uma nova forma de esfera pública que combina instituições

locais, organizações populares e redes de computadores no desenvolvimento da

expressão cultural e da participação cívica. (cf. 120-1).

Castells compreende a geografia da Internet sob três perspectivas: sua geografia técnica,

a distribuição espacial de seus usuários e a geografia econômica da produção da

Internet. (cf. CASTELLS, 2003:171). A geografia técnica trata dos aspectos

relacionados com a infra-estrutura física da rede de telecomunicações da Internet e das

conexões entre os computadores que organizam o tráfego de dados (roteadores), além

da distribuição da banda larga, das linhas de telefone e dos cabos usados no tráfego de

pacotes de dados.

“Cada nó está conectado a todos os outros através de uma miríade de rotas possíveis. No entanto, como têm uma capacidade de largura de banda muito maior que o resto do mundo, os EUA desempenham um papel central na conexão entre países. (...) A maior parte do tráfego continua sendo roteada através dos estados Unidos, mas novos nós emergem como roteadores-chaves. (...) Em suma, tecnicamente falando, o backbone da Internet é global em seu alcance, mas territorialmente desigual, em termos de capacidade, em seu traçado.” (CASTELLS, 2003:171).

Ele também demonstra que o uso da rede digital cresce rapidamente, mas esse

crescimento segue um padrão social determinado por características clássicas como

riqueza, tecnologia e poder (cf. CASTELLS, 2003:174)3. O desenvolvimento das redes

digitais se dá principalmente nos centros urbanos. Segundo ele, quanto aos aspectos

econômicos envolvidos na produção da Internet, uma geografia mais seletiva estaria

emergindo. Não necessariamente restrita a contextos locais, pois a concentração desse

know-how técnico estaria vinculada a grandes empresas multinacionais.

“O Vale do Silício e suas redes globais, somados à rede mundial da Ericsson centrada na Suécia, a rede mundial da Nokia centrada na Finlândia, a rede mundial da NEC centrada no Japão e talvez umas poucas outras redes montadas em torno de corporações poderosas da era pré-Internet (AT&T, IEM, Microsoft, Motorola, Phillips, Siemens, Hitachi) continuam a concentrar num pequeno número de ambientes de inovação a maior parte do know-how tecnológico em que a Internet se baseia.” (CASTELLS, 2003:174)

Nesse contexto de concentração tecnológica, a participação dos grupos étnicos na rede

digital seria condicionada por fatores diversos, dependendo da situação de uso, da

motivação para o uso e da disponibilidade de acesso.

“A divisão étnica continuava sendo indicativa do fato de que a Era da Informação não é cega para cores, apesar das declarações otimistas: 50,3% dos brancos e 49,4% dos asiáticos-

3 Ainda segundo Castells, a Cisco Systems controla mais de 80% do mercado de roteadores para a Internet. (cf. CASTELLS, 2003:174)

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americanos tinham acesso à Internet, mas somente 29,3% dos afro-americanos e 23% dos hispânicos o tinham.” (CASTELLS, 2003:204).

Por outro lado, as taxas de crescimento no acesso ao uso da Internet por grupo étnico no

contexto americano estudado por Castells foram 54% para afro-americanos e 43% para

hispânicos, em contraste com 34% para brancos e 38% para asiáticos-americanos. (cf.

CASTELLS, 2003:207; KOLKO, 2000). Ainda segundo a mesma pesquisa, Castells

observa que “estudantes brancos sem computador em casa tendiam muito mais a usar

a web em outros locais porque têm um âmbito maior de oportunidades de acesso”

(CASTELLS, 2003:207). Ou seja, numa sociedade segregacionista como a americana, o

acesso de grupos étnicos a rede pode ser prejudicado. Castells observa que para os

hispânicos também existem algumas dificuldades de acesso à Internet nos EUA.

“O problema da língua pode estar desempenhando um papel, em particular para aqueles imigrantes recentes com conhecimento limitado de inglês, uma vez que 87% dos websites globais são unicamente em inglês. Por outro lado, a comunicação barata com seus países de origem pela Internet incentiva imigrantes recentes a estar on-line. A língua por si só não deveria ser um problema, já que a Internet é global e há uma abundância de navegação em espanhol. (...) Estudos mostram, contudo, que as minorias tendem a usar a Internet sobretudo para assuntos práticos relacionados a procura de emprego, educação, saúde, informação e administração da vida cotidiana. Assim, para imigrantes, a língua inglesa dos websites do EUA de que realmente precisam para sua vida no país pode ser um obstáculo. Apesar disso, como os hispânicos vêm crescendo em número, influência e poder de compra, a difusão de websites bilíngües na Internet nos EUA é apenas uma questão de tempo.” (CASTELLS, 2003:208)

A rede é paradoxal, mas não pode ser antagônica. Para se compreender o fenômeno da

hibridização digital do mundo, temos que olhar para além da dicotomia local global,

como na metáfora de Bruno Latour:

Uma ferrovia é local ou global? Nem uma coisa nem outra. É local em cada ponto, já que há sempre travessias, ferroviários, algumas vezes estações e máquinas para venda de bilhetes. Mas também é global, uma vez que pode transportar as pessoas (LATOUR, 1994:115).

Latour chama a atenção para a nossa tendência a dicotomizar a realidade, ignorando os

elementos híbridos. O hibridismo, segundo ele, está na própria forma do conhecer

humano. Enquanto o pensamento analítico separa e analisa para conhecer como

dominar, um pensar híbrido conhece para transformar.

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1.3 Internet, etnicidade e hibridismo na rede

Segundo Burke, “o hibridismo é muitas vezes, se não sempre, um processo e não um

estado” (BURKE, 2003:50). Na atual relação dos homens com as máquinas, existe um

misto de carinho, esperança, desconfiança, impaciência, distância, intimidade, perigo e

alegria. Pessoas de lugares e culturas diversas podem hoje experimentar um novo tipo

de convívio. O Ciberespaço ainda é um fenômeno recente, mas, aos poucos, vamos

incorporando em nossa rotina procedimentos que somente são possíveis graças ao

advento da Internet. Por exemplo, pagar contas, trocar piadas por e-mail, ler os jornais,

fazer compras, sexo, copiar músicas e filmes, receitas e livros, entre outras coisas. Mas,

para alguns, uma possibilidade tem sido particularmente sedutora: conhecer outras

culturas.

Não é à toa que a metáfora da navegação é um dos principais símbolos da rede digital.

Na frente de um computador conectado à rede, somos todos como Marco Polo. Um

mundo a nossa frente a ser descoberto. Para alguns autores, entre os quais Lévy,

Castells, Maffesoli, Canevacci, Negroponte e Kerckhove, a rede digital é o caminho que

nos levará a concretização da Aldeia Global.

Para Mitchell, essa “e-topia” (cf. MITCHELL, 2000) já é uma realidade, mas o mundo

que descobrimos na Internet não é o mundo que encontraríamos numa viagem que

envolvesse o deslocamento de nosso corpo físico. Encontramos na Internet um outro

mundo que também é capaz de transformar o nosso olhar. A comunicação em escala

planetária propiciada pela Internet transforma a cultura local em uma cultura glocal4.

Podemos falar de uma nova percepção do sujeito nessa cultura global digital. As listas

de discussão, as salas de bate-papo e sistemas como o messenger e o Orkut são espaços

onde o sujeito se reinscreve na sociedade: sexo, idade, localização, etnia e classe social

tornam-se abstrações, como se antes não a percebêssemos assim. Podemos ser um

código (como por exemplo um nickname, uma URL ou um e-mail) de uma nova e

temporária identidade. O sujeito pode recriar seu sexo, idade, localização, fenótipo e

classe social num processo de negociação, visando algum interesse específico. Se for o

caso, também assumimos a nossa identidade ‘real’, ou que pensamos ser, anexando em

nossos novos contatos alguma descrição sobre nós mesmos. Mas, nem mesmo assim,

4 Glocal = local + global

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seremos os mesmos. A fluidez de nossa identidade no mundo digital se explicita na

diversidade de possibilidades de re-configuração identitária proporcionada pelas opções

de personalização dos programas de e-mails5, sistemas de troca de arquivos (p2p),

cadastros em serviços on-line e suas diversas senhas, contas em provedores, blogs,

listas, etc. Assim, se dentro de uma perspectiva sócio-antropológica:

“As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade, pois não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença.” (WOODWAR, 2000:39-40).

Vemos que é justamente essa diferenciação que permite a comunicação. Assim como a

comunicação afeta nossa linguagem, a linguagem representa a forma como percebemos

o mundo. Se conseguirmos descrever como se dá o processo de identificação cultural no

ambiente digital, poderemos vislumbrar o quadro da percepção identitária no mundo

gestado pela comunicação sem fronteiras. Primeiro precisamos entender de que forma,

nesse ambiente, se dão as trocas culturais. Ainda que entendamos que o “termo 'troca'

não deve ser entendido como implicando que qualquer movimento cultural em uma

direção está associado a um movimento igual mas oposto na outra direção” (BURKE,

2003:45). Como compreender as transações e os múltiplos fluxos culturais de um

sistema de troca p2p?

Castells chega a falar de um paradoxal tipo de individualismo, o individualismo em

rede. Nas redes digitais temos o poder de bloquear as pessoas que discordam de nós, se

quisermos nossa sociabilidade se dará apenas entre os que pensam como nós. Assim,

diferentemente dos ambientes físicos onde estamos sujeitos a interagir sem escolha, com

pessoas diversas, como por exemplo no trabalho, a rede estaria possibilitando um

aumento da distância entre as diferenças. No entanto muitos dos contatos entre culturas

na Internet se dão através de acidentes, podemos receber uma mensagem estranha ou

mesmo cair num site por engano. Contrariando nossa tendência natural de navegar em

busca do semelhante, também cresce a tendência que busca o exotismo, ou seja, “a

atração que o exótico exerce, pelo menos em alguns casos, parece estar em uma

combinação peculiar de semelhança e diferença, e não apenas na diferença” (BURKE,

2003:30). A diferença pode ser a semelhança que ainda não foi reconhecida e na busca

5 No Outlook Express a opção “alterar identidade”, por exemplo.

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de encontrar o absolutamente estranho, podemos encontrar algo que nós não

esperávamos: nós mesmos.

Por outro lado, para autores como Ford, existem crises no mundo contemporâneo que

impossibilitariam a existência de uma “aldeia global homeostática, funcionalista,

harmônica, tramada pelas tecnologias da comunicação, ou por uma cultura pensada a

partir da comunicação”. Pois, segundo ele, “é difícil falar da mídia, de seus gêneros,

de suas formas de construção de sentido, de sua produção ou recepção, da crescente

segmentação da demanda e da oferta, ou dos processos de globalização simbólica, de

seus 'efeitos e usos', isolando-os de sua complexa trama com as transformações socio-

culturais e econômicas”. Ou seja, ele sabe “que ao penetrar nesse produto de

mediação de massa entra também em problemas que ultrapassam e estão além da

mídia: as identidades, as memórias, os desenraizamentos, as novas culturas urbanas,

as relações e os conflitos interétnicos, a desigualdade cada vez mais profunda entre a

riqueza e a pobreza. Temas que também são investigados por disciplinas que não se

enquadram na teoria da mídia: a sociologia, os estudos culturais e interculturais, a

etnografia, o urbanismo, etc”. Assim Ford tenta nos alertar para o fato de que “houve,

num certo momento, um 'imperialismo semiológico', hoje pode-se cair num

'imperialismo comunicacional’” (FORD, 1999:170).

Um dos caminhos da nossa diferenciação está na construção das identidades étnicas.

Fenômeno que ganha considerável força com o atual processo de globalização. A

própria conceitualização de etnicidade é bastante polêmica, mas:

“De acordo com alguns pesquisadores, a etnicidade é um fenômeno universalmente presente na época moderna, precisamente por tratar-se de um produto do desenvolvimento econômico, da expansão industrial capitalista e da formação e do desenvolvimento dos Estados-nações. Por uma inversão da problemática anterior da modernização. Muitos autores observam agora na modernidade não a chegada da uniformização e do individualismo, mas a era do nacionalismo étnico e do racismo. (...) muitos autores acentuam a conexão entre o sistema internacional de comunicação do mundo moderno e a difusão da universalização dos sentimentos nacionalistas e étnicos. (...) Além disso, a facilidade e a rapidez das comunicações do mundo moderno possibilitaram não apenas a difusão das formas de organização, dos slogans e das reivindicações de grupos – podendo, como foi o caso em relação aos negros americanos e aos palestinos, fazer o papel de modelos -, mas igualmente permitiram a constituição de redes internacionais de militantes nacionalistas e a difusão das técnicas de guerrilha” (POUTIGNAT e STREIFF-FENART, 1998:27-8).

O sentido semântico torna-se a nossa nova identidade e o cimento de nossas novas

relações. No caso de nossas antigas relações, surgem novas facetas, que antes no contato

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face a face não eram notadas. As suas posições, sua originalidade e seus gostos

delimitam seu novo território e as relações construídas a partir daí estão unidas pela

tentativa de compartilhar um sentido comum. Uma nova etnicidade pode surgir dessa

convivência. O que pode ocorrer mesmo quando os participantes desse encontro são

oriundos de culturas diversas. Essa nova etnicidade é, então, fruto da nova identidade

que assumimos na rede e da transformação de nossa própria cultura, ante as

possibilidades desse novo espaço.

“A globalização permite a disseminação mundial de símbolos que estão associados a diversas identidades locais e características individuais. Esses símbolos sugerem que vale a pena ser etnicamente diferente. A conseqüência paradoxal é que, em termos de identidade, tais símbolos levam a uma heterogeneidade acentuada, porém, no âmbito cultural, criam um grau mais intenso de homogeneidade. Embora o uso de símbolos apresente oportunidades crescentes de o indivíduo se manifestar como ‘diferente’, os modos como essa diferença se expressa são singularmente parecidos.” (SANSONE, 2003:14).

Segundo Alain Touraine (cf. TOURAINE, 1999:16-7), o grande problema da

convivência entre culturas diferentes não está na coexistência tolerante, pois esta é

possível e até simples, estando inclusive garantida pela constituição da maioria dos

países. O problema que fica sem solução é a comunicação entre os indivíduos de

culturas diferentes que tendem a viver em guetos, sem maiores contatos com o diferente

em sua rotina. A Internet, então, pode ser uma alternativa para superar essa dificuldade,

servindo como um espaço para a gestação de uma sociabilidade mais misturada: a

multiculturalidade digital.

“A diferenciação funcional da sociedade complexa requereu uma explicação das mudanças nas condições sociais e nos fundamentos de conhecimento na transição da época moderna, industrial, para a época pós-industrial. Para caracterizar uma ‘nova ordem’ no tecido social complexo, o sistema global passou a ser chamado de ‘sociedade da informação’. No entanto, o esperado sistema da nova ordem não se estabilizou, pelo contrário, ele derrubou a modernidade enquanto ‘cultura comum’ e a substituiu pela multiculturalidade operada pela sociedade da comunicação, mundialmente presente.” (STOCKINGER, 2003:48).

Nesta nova sociabilidade global que emerge no ciberespaço, não existem limites

geográficos ou fronteiras. Assim, um dos aspectos implícitos a essa sociabilidade é a

multiculturalidade. Sendo este um dos movimentos sociais mais presentes no mundo de

hoje e uma espécie de reação à globalização desigual que está em processo. A principal

reivindicação da multiculturalidade é a preservação de um espaço para culturas

minoritárias em sociedades em que outras culturas são hegemônicas (Cf. GONÇALVES

& SILVA, 1998).

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“A dessubstancialização dos grupos étnicos operada pelos antropólogos sociais continua sendo a principal descoberta e a aquisição fundamental em que se apóiam todas as pesquisas atuais sobre etnicidade. O ponto de partida comum a todas estas pesquisas é a distinção analítica entre a organização das relações étnicas e o conjunto dos modos de vida e dos costumes compartilhados por uma população. O que deriva do domínio da etnicidade não são as diferenças culturais empiricamente observadas, mas as condições nas quais certas diferenças culturais são utilizadas como símbolos de diferenciação entre in-group e out-group.” (POUTIGNAT e STREIFF-FENART, 1998:129).

A valorização das diferenças e a ocultação das semelhanças é o motor que fortalece a

diferenciação étnica. Como, por exemplo, no caso dos negros norte-americanos que

pleiteiam reformas curriculares sensíveis à sua perspectiva cultural, entre outras coisas.

Acima de tudo, o multiculturalismo é a busca da convivência harmônica entre culturas

diferentes. Segundo Canclini, existe uma diferença de perspectiva entre o mundo anglo-

saxão e o mundo latino quanto à multiculturalidade, que pode ser assim caracterizada:

enquanto na América Latina o hibridismo faz parte do discurso de construção das

identidades nacionais, no mundo anglo-saxão o multiculturalismo significa um

respeitoso separatismo (cf. CANCLINI, 1999:22). Assim, entendendo o

multiculturalismo como mais do que simples convivência a distância, mas como

interação, este se torna um dos aspectos centrais da mistura de culturas nas redes

digitais. Claro que na Internet também existem movimentos de reafirmação étnica,

separatismos e racismo, no entanto, a mistura ainda parece ser uma tendência mais

desejável.

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Figura 1 - A geografia dos usuários de Internet no mundo6

A Figura 1 nos dá uma idéia bem clara da distribuição da Internet pelo mundo em 2002.

A figura ilustra ainda uma grande concentração na América do Norte, na Europa e na

Oceania. Essas regiões, juntas, equivalem a metade dos usuários do planeta. Em 1999,

os dados sobre a distribuição lingüística na Internet ainda retratam uma predominância

do inglês - 51,53% -, segundo dados da Global Reach, o que pode ser explicado por

diversos fatores, como o uso de sites bilíngües e a hegemonia política e econômica dos

EUA. Mas é fundamental perceber também que 48,47% dos usuários da rede falam

outras línguas: Japonês 7,2%; Alemão 6,7%; Espanhol 6,5%; Chinês 5,2%; Francês

4,4%; Coreano 3,6%; Italiano 3,3%; Português 1,6% e Outros 1,6% (Cf. PALÁCIOS,

2000:189). Em 2004, o quadro é o apresentado na figura abaixo:

6 Fonte: Zoonic. In: http://www.zooknic.com/Users/global_2002_09.html (21/02/2004)

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Figura 2 - Os territórios lingüísticos na Internet7

Ou seja, em menos de quatro anos a predominância do inglês na rede caiu 16,33 pontos

percentuais, passando de 51,53% para 35,2%. Já se pode notar efeitos da expansão da

rede por países latinos, entre outros. Para citar apenas um exemplo, podemos observar

que os chats, antes dominados pelas conversações em inglês, começam a adquirir novos

sotaques, o spanglish8. A todo instante estão surgindo novas transformações nos espaços

onde antes só quem dominava a língua inglesa conseguia interagir.

1.4 A sobrevivência da etnicidade no mundo digital

Mas então o que seria a etnicidade? Questão esta que tem definição um tanto duvidosa,

é pois um jogo de linguagem que pode servir ao discurso de posse territorial. O que faz 7 Fonte: Global Reach. In: http://global-reach.biz/p/index.php3 (04/10/2004)8 Segundo Ilan Stavans, autor do Dictionary of Spanglish: “O spanglish não é uma forma homogênea e unificada de comunicação. Há diferenças agudas não só no spanglish falado por porto-riquenhos, cubanos, dominicanos e mexicanos, mas também no que é falado em Miami, San Antonio, Nova York ou Los Angeles. E também entre o spanglish urbano e rural. Do mesmo modo, o spanglish se modificou ao longo do tempo, e as formas usadas em um dado lugar no início do século 20 são diferentes das usadas hoje. (...) a mídia e a internet estão criando um certo tipo de síntese padronizada.” (STAVANS, 2001)

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da posse territorial, por exemplo, uma identidade? Parece que identidade étnica é um

conceito que surge, justamente, na fronteira entre territórios distintos – um tipo de

alteridade percebida espacialmente. Sou um pouco do outro quando me defino por

oposição, mas o outro também é um pouco de mim no fim desse processo9.

“Além de serem interdependentes, identidade e diferença partilham uma importante característica: elas são o resultado de atos de criação significa dizer que não são ‘elementos’ da natureza, que não são essenciais, que não são coisas que estejam simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou descobertas, respeitadas e toleradas. A identidade e a diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo transcendente, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e a diferença são criações sociais e culturais. Dizer, por sua vez, que identidade e diferença são o resultado de atos de criação lingüística significa dizer que elas são criadas por meio de atos de linguagem.” (SILVA, 2000:76).

Assim, se falo aqui de uma identidade, ou etnicidade virtual, não seria um contra-senso

pensar que essa, facilitada pela dinâmica interna da rede, permite ao sujeito expressar a

si mesmo como se fosse assim sua determinação essencial. Na semiosfera da rede

digital a etnicidade recupera sua potencialidade auto-delimitante. Assumir uma

identidade étnica no ciberespaço não implica em assumir a defesa dessa fronteira, sendo

o sujeito um co-participante em uma coletividade, o que se quer ser, se realiza, o que se

é se virtualiza.

“Costuma-se concordar em que a identidade étnica é aquela parcela da identidade social que diz respeito a expressão pública do sentimento de inserção num grupo social, que difere de outros por seu foco centrado numa ascendência comum, seja ela real, metafórica ou fictícia – quase sempre dependente de um mito originário comum. O grupo étnico pode ser visto como expressão de objetivos políticos compartilhados ou de uma cultura política, como um grupo de pressão movido por um conjunto de escolhas racionais, como uma tentativa de neutralizar a tensão psicológica e a angústia, ou qualquer combinação desses fatores. Para compreender a etnicidade, precisamos levar em conta tanto as idéias da economia quanto as da honra; e também é preciso prestar atenção à situação histórica e contemporânea. A relação entre mobilização étnica e um determinado contexto histórico é mediada pela feição étnica e racial de uma comunidade ou de um grupo e por interpretações específicas da genealogia e da ascendência.” (SANSONE, 2003:251).

A polêmica em torno da definição da etnicidade se deve também às implicações

políticas que uma definição de identidade tem sobre a própria soberania dos povos. Se

concordarmos que existe uma considerável dose de invenção naquilo que entendemos

como tradição, como se justificaria, por exemplo, a invasão dos judeus na Palestina?

Segundo Geertz, as culturas podem ser

9 O ser que se desvela, então, é o ser que se quer e o ser que se re-vela é o ser que esquecemos quando definimos nossa identidade.

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"as estruturas de sentido em que as pessoas vivem e formam suas convicções, suas individualidades e seus estilos de solidariedade - como força ordenadora das questões humanas. E isso, mais uma vez, significa uma crítica das concepções que reduzem as questões à uniformidade, à homogeneidade, à igualdade de orientação - ao consenso. O vocabulário da descrição e da análise culturais também precisa abrir-se para a divergência e a multiplicidade, para a não coincidência de espécies e categorias. Assim como os países, as identidades que os colorem, mulçumana ou budista, francesa ou persa, latina ou sínica... negra ou branca, não podem ser apreendidas como unidades inteiriças, como totalidades ininterruptas.” (GEERTZ, 2001:215)

Geertz demonstra como ainda estamos distantes de concretizar esse sonho de

pertencimento irrestrito ao mundo. Mas será que a percepção deste novo mundo não

passa por uma nova percepção do mundo? Digamos assim: pertenço à Bahia, mas o que

sei sobre meus conterrâneos? Saberei ao menos o nome de todas as cidades da Bahia?

Creio que não. Vamos restringir mais, limitando o meu pertencimento a Salvador, por

exemplo: o que sei sobre os soteropolitanos? O que sei sobre os meus vizinhos de porta?

A classe média (média do que?) já não sabe nem qual seu lugar, ou talvez nunca tenha

sabido. Ignoro o nome do meu porteiro, não sei nada sobre o dono da padaria na esquina

de minha rua. Então por que me acho no direito de pertencer a esse lugar? Se

crescermos a perspectiva, pensando no Brasil, então, porque sou brasileiro? O que me

gabarita a usar esse termo? A minha língua? A minha cultura? Os meus direitos? A

minha moeda? Ou a minha escolha? Não parece claro que é a escolha que faço, a

principal justificativa do que sou? Na rede, em sistemas como o Orkut, a escolha é tudo.

Em junho de 2004, os brasileiros, ou os que assim se definem, colocaram o "Brasil" no

topo desse restrito mundo virtual. O que significa isso? Por exemplo, pensando no dono

da padaria cujo nome desconheço, de que forma o fato de os brasileiros serem maioria

em um sistema como o Orkut afeta a sua vida? Ele talvez não tenha sequer a

consciência do que venha a ser isso, talvez nem e-mail tenha, mas mesmo assim, estou

convencido que sua vida pode ser afetada de alguma forma. Seja por súbito aumento de

turistas no Brasil, seja por um movimento virtual contra os malefícios do carboidrato.

De alguma forma, somos todos afetados pela propagação da informação.

"A CNN introduz nas salas de estar no mundo a matança bósnia, a fome na Somália ou os campos de refugiados de Ruanda. Lugares normalmente muito obscuros, provincianos e absortos em suas próprias questões (...) desafiam momentaneamente as grandes metrópoles do mundo, em busca da atenção mundial. O capital é móvel e, como praticamente não existe nenhum povo que não tenha uma diáspora, nem mesmo os samoanos, também o trabalho é móvel. (...) Toda essa vasta conexão e essa complexa interdependência são às vezes designadas, com base nos criadores de slogans dos estudos culturais, de 'aldeia global', ou, com base nos criadores de slogans do Banco Mundial, de 'capitalismo sem fronteiras'. Mas, visto que ela não tem unidade

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nem tradição, bordas nem foco, e que lhe falta qualquer inteireza, trata-se de uma aldeia precária. E, uma vez que é menos acompanhada pelo afrouxamento e redução das demarcações culturais do que por sua reelaboração e multiplicação, e muitas vezes, como assinalei acima, por sua intensificação, dificilmente se poderia dizer que ela é sem fronteiras." (GEERTZ, 2001:216)

Como em todos os tipos de sistemas (cf. STOCKINGER, 2001), também os sistemas

étnicos criam seus próprios limites de forma autopoiética10. As fronteiras étnicas são o

elemento definidor da identidade, no entanto elas não são fixas, nem facilmente

determináveis. Para compreendermos que tipo de identidade o ciberespaço está

desenvolvendo, precisamos compreender melhor qual a relação entre identidade e

fronteira. Como se dá essa delimitação da prática discursiva no ambiente das redes

digitais, principalmente no que tange ao discurso de afirmação identitária? Fredrik Barth

foi um dos pioneiros a tentar interpretar as relações entre definição identitária e

fronteira, ele

“substitui uma concepção estática da identidade étnica por uma concepção dinâmica. Ele entendeu muito bem e fez entender que essa identidade, como qualquer outra identidade coletiva (e assim também a identidade pessoal de cada um), é construída e transformada na interação de grupos sociais através de processos de exclusão e inclusão que estabelecem limites entre tais grupos, definindo os que os integram ou não. Então, o que importa é procurar saber em que consistem tais processos de organização social através dos quais mantêm-se de forma duradoura as distinções entre ‘nós’ e ‘os outros’, mesmo quando mudam as diferenças que, para ‘nós’, assim como para ‘os outros’, justificam e legitimam tais distinções. (...) A etnicidade não é um conjunto intemporal, imutável de ‘traços culturais’ (crenças, valores, símbolos, ritos, regras de conduta, língua, código de polidez, práticas de vestuário ou culinárias etc.), transmitidos da mesma forma de geração para geração na história do grupo; ela provoca ações e reações entre este grupo e os outros em organização social que não cessa de evoluir.” (POUTIGNAT e STREIFF-FENART, 1998:11).

Organizar-se socialmente em torno de uma bandeira comum foi a estrutura lógica que

permitiu a formação dos Estados Nação de tipo europeu. No entanto, as colônias tinham

uma lógica diferente. Pois, enquanto colônias, elas eram submetidas ao consenso

europeu. A agravante ausência de consenso, então, enfraqueceu a base sob a qual foram

construídas as nações coloniais e conseqüentemente essa fraqueza conceitual abalou as

próprias convicções européias. Segundo Bauman, com a crescente perda de soberania e

autonomia dos Estados em um contexto globalizado surgiram

10 "Maturana criou o conceito de "autopoiese" no intuito de definir os sistemas vivos, de um modo tal que apontasse e explicitasse o tipo de organização que eles possuem. Auto, do grego: próprio, si mesmo, e poiesis: fazer, são termos que indicam uma característica fundamental dos sistemas vivos, a de serem sistemas dinâmicos, produtos de seu próprio funcionamento, e cuja organização permanece invariante enquanto eles se autoproduzirem." (GRACIANO, 1997)

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“etnias esquecidas ou de que nunca se ouvira falar - mortas há muito tempo e renascidas ou antes inexistentes e agora devidamente inventadas -, muitas vezes pequenas demais, carentes e incompetentes demais para passar em qualquer dos testes tradicionais de soberania, mas mesmo assim a reividincar Estado próprio, com todo o aparato de soberania política e o direito de legislar e policiar a ordem no seu próprio território. (...) A nova oportunidade representada pelo desprezo das duras e exigentes condições do Estado foi usada por dezenas de 'novas nações' numa corrida para instalar seus próprios escritórios no já superlotado edifício da ONU, não projetado para acomodar um número tão grande de 'iguais'.” (BAUMAN, 1999:72)

Essa corrida pelo reconhecimento identitário trouxe novas perspectivas sobre a

compreensão do pertencimento cultural e algumas certezas tradicionais foram

demolidas. A necessidade da existência de um território comum foi a primeira

contradição demolida. A segunda ilusão a cair foi o consenso. Esse reaquecimento das

identificações étnicas é chamado por Perniola de neo-étnico:

“Pós-moderno e neo-étnico são opostos entre si: enquanto o primeiro dissolve todas as identidades e promove o exercício lúdico das suas imagens, o neo-étnico, pelo contrário, recupera a identidade cultural da comunidade singular e a reafirma da maneira mais exclusiva e intransigente. Todavia, paradoxalmente eles produzem por vias opostas o mesmo efeito: o aplainamento e a homologação de todas as manifestações culturais em um mesmo registro. O pós-moderno provoca este efeito diretamente porque considera as culturas como estilos intercambiáveis entre si, a escolha entre quais é apenas uma questão de conveniência prática e de êxito efetual. O neo-étnico provoca o mesmo efeito indiretamente porque fazendo prevalecer como único critério cultural o fator físico, biológico, racial, abole completamente a possibilidade de um pensamento crítico: com efeito, para quem não se reconhece em nenhuma etnia, todas as culturas tornam-se equivalentes e intercambiáveis entre si; mas também que se reconhece em uma etnia particular não pode exercer o próprio espírito crítico, porque sofre a injunção para identificar-se tout court com uma identidade fictícia, prescindindo completamente da complexidade e da multiformidade de qualquer tradição. Não há um único modo de ser hebreu, palestino, curdo, basco, croata, sérvio..., mas dentro de todas estas culturas combate-se uma luta entre uma identidade e uma diferença, entre um modo de ser rígido, imóvel e esclerosado e um modo de ser plástico, sensível, progressivo. Pós-moderno e neo-étnico seguiram caminhos opostos para chegar à mesma simplificação e banalização da vida privada e coletiva: ambos são solidários em consolidar o clima de neoobscurantismo espetacular em que estamos submersos.” (PERNIOLA p. 144).

Castells já havia identificado que o poder da identidade está justamente na sua

possibilidade de redefinição da tensão entre retribalização ou neo-etnicidade e a

destribalização ou dissolução da identidade (cf. CASTELLS, 2000), as duas tendências

parecem coexistir como os paradigmas, mas já não importa quem tem razão. A

contradição não é mais um problema, a lógica mestiça concilia a contradição.

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2 A REDE MESTIÇA

Se Gilberto Freyre fosse vivo e conhecesse a Internet, qual não seria seu espanto ao

presenciar o surgimento de um novo tipo de mestiçagem. Agora a mistura de culturas se

dá também no ambiente virtual. O que, aqui, nos propomos a chamar de e-tno, pode ser

descrito como um lugar onde, no ciberespaço, as trocas culturais se dão de forma mais

intensa.

A obra de Gilberto Freyre é um vasto território, suas fronteiras se confundem com o

horizonte, sua topologia é quase desconhecida, muito se disse sobre suas paisagens, mas

pouco se disse sobre seus caminhos. As exceções ficam por conta de sua obra maior,

Casa-Grande & Senzala (1933), um divisor de águas na concepção da identidade

cultural brasileira, e de Sobrados & Mocambos (1936) e Ordem & Progresso (1959),

que completam a trilogia. O resto de sua produção é pouco conhecida, somando-se a

isso os anos de ostracismo intelectual que a academia brasileira lhe impôs, dado seu

distanciamento crítico dos marxismos então vigentes e sua pouco compreendida

proximidade do regime militar.

No entanto, com o reaquecimento em torno das discussões sobre identidade cultural,

conseqüência mais que natural do atual estágio dos processos de globalização, ou

melhor, da mundialização da cultura contemporânea, a importância da obra de Gilberto

Freyre ganha novo fôlego. Segundo Enrique Larreta, Freyre “é um precursor do

conceito de hibridação cultural” (LIMA, 1999). Autores como Nestor Garcia Canclini,

Stuart Hall, Michel Maffesoli, Massimo Canevacci, Serge Gruzinski, Mike

Featherstone, Celeste Olalquiaga entre outros retrilham percursos freyrianos, mesmo

que sem saber (isso sem citar os conterrâneos, todos devedores mais ou menos

conscientes da herança freyriana). Assim vamos primeiro rever o percurso freyriano

para então tentar traçar algumas pontes entre sua teoria e alguns desses autores

contemporâneos.

2.1 A Sociologia Híbrida

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O antropólogo Hermano Vianna fez em seu livro O Mistério do Samba um interessante

mapeamento do conceito de mestiçagem na obra de Freyre. Segundo ele, Freyre

“conseguiu executar a façanha teórica de dar caráter positivo ao mestiço” (VIANNA,

1995:63), numa época em que tal característica era considerada um dos piores males no

drama do desenvolvimento brasileiro. Uma nação que aspirava o ideal da europeização

e repudiava todos os elementos que com a ajuda de Freyre iriam constituir os futuros

símbolos da identidade nacional: samba, mestiçagem e clima tropical. Sobre o que levou

Freyre11 a essa visão do Brasil, o próprio declara que:

Mais de um crítico nos têm dado como africanófilo ou indianófilo; ou parcial, sempre que se trata de mestiço de país quente e de clima tropical: seria uma forma de sermos patrioticamente brasileiro diante de certos fatos ou problemas sociais. Talvez se trate, aquí, de reação, e reação exagerada, desenvolvida em nós - filho de país em grande parte tropical e mestiço, embora de família de ascendência européia com remoto toque de sangue indígena mas nenhum, segundo parece, africano - contra a mística de pureza de "raça", de "superioridade" do anglo-saxão ou do nórdico sobre os demais povos e contra o desdém, também místico, dos mesmos anglo-saxões ou nórdicos pelos climas quentes, pelas terras tropicais e pelas populações mestiças. Mística com que entramos em contato na adolescência. Fomos então do Brasil para uma universidade norte-americana do sul dos Estados Unidos, situada num dos centros mais vivos de mística etnocêntrica anglo-saxônica. Aí estivemos dois anos, em ambiente para nós, indivíduo, o mais favorável, cordial e simpático: tanto que nos preconceitos dos anglo-saxões ou brancos, com os quais convivíamos intimamente, se alongaram a princípio os levados por nós do meio brasileiro em que nascemos e nos criamos - o de famílias orgulhosamente brancas ou quase brancas, uma delas até nórdica, com avós rurais e escravocratas salpicados, como já foi dito, de remoto sangue indígena tido também por honroso nesta parte da América, é também possível que naquele meio mais vivamente etnocêntrico que o da meninice no Brasil, tenha começado, em nós, a reação menos sentimental que científica, aos preconceitos dominantes, os quais, sem nos atingirem como indivíduo nem como família, nos faziam pensar intensa e constantemente na situação e no futuro de um povo em grande parte mestiço (FREYRE, 1945).

Podemos dizer que com Freyre se deu uma espécie de relativização terapêutica do

conceito de mestiçagem. O conflito conceitual que vivia, no Brasil, entre o que sentia

pelo povo daqui e o que lhe era ensinado como certo, se resolveu quando, fora daqui,

viu suas concepções relativizadas pelo olhar do outro. A crença hegemônica no

subdesenvolvimento brasileiro como fruto de sua impureza racial, só faz sentido quando

se tem em perspectiva o desenvolvimento europeu. Pois, enquanto modelo de

desenvolvimento para o Brasil, este seria sempre algo inatingível. A Europa enquanto

modelo de vida social a ser copiado nos levaria a negar a própria essência cultural

brasileira. Algo como sonhar com neve no sertão. A experiência de Freyre nos EUA, de 11 Todos os textos de Freyre aqui citados foram retirados do site da Fundação Gilberto Freyre (www.fgf.org.br). Como os mesmos são transcrições de originais publicados, mantive a data original de sua publicação nas indicações das referências bibliográficas. Assim, espero facilitar a contextualização histórica dos referidos textos.

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uma certa forma, muito se assemelha a um fenômeno muito freqüente nos imigrantes

em geral, a redescoberta dos valores de sua terra natal. Sendo que, no caso de Freyre,

esses valores ainda não eram considerados como valores. Segundo Vianna, do final do

século XIX até meados da década de 30, o que existia era uma versão eugenista da

miscigenação, defendida entre outros por Silvio Romero. O que então se propunha era

um embranquecimento da população através da miscigenação com povos mais brancos,

sendo inclusive estimulada na época a importação de imigrantes europeus (cf.

VIANNA, op.cit., p. 67-72).

Grande foi o impacto causado pela publicação, em 1933, de Casa-Grande & Senzala. A

obra não só traz inovações metodológicas, sendo até hoje controversa sua classificação:

para Peter Burke, ela inclusive antecede o que se convencionou chamar de nova história

(cf. BURKE, 1997). Como também, delineia pela primeira vez de forma objetiva a

identidade cultural mestiça do Brasil. Segundo Guillermo Giucci,

se puede considerar a Freyre como el inventor cultural de la región Nordeste en la década del 20, y como el inventor cultural de la nación Brasil en la década del 30. La imagen positiva del Brasil híbrido y mestizo que tiene gran parte de los brasileños fue inventada por Gilberto Freyre en Casa-grande & senzala (GIUCCI, 2002).

Jorge Amado, que foi uma das testemunhas do momento, relata:

foi uma explosão, um fato novo, alguma coisa como ainda não possuíamos e houve de imediato uma consciência de crescêramos e estávamos mais capazes. Quem não viveu aquele tempo não pode realmente imaginar sua beleza.(...) O livro de Gilberto deslumbrava o país, falava-se dele como nunca se falara antes de outros livros (AMADO citado por VIANNA, op.cit., p. 75).

A força da idéia de Freyre está em juntar tudo aquilo que compõe o cenário brasileiro

dando-lhes unidade, sem homogeneizar a diversidade, elegendo apenas um aspecto

como hegemônico ou dominante. Em oposição a quem queria a miscigenação

homogeneizadora de Silvio Romero, o que Freyre propõe é a interpretação da

miscigenação brasileira como o nascimento de um novo ser. Um ser que congrega

múltiplos aspectos raciais e/ou culturais e que por descuido histórico estava renegando

algumas de suas matrizes em nome de uma pretensa superioridade da pureza. Segundo

Freyre, para

o brasileiro crescentemente consciente de ser membro de uma sociedade e de uma cultura em grande parte tropicais, mestiças e não-européias. (...) Essa identificação implica o reconhecer-se êle homem, (...) mesmo quando em sua étnica não haja sangue ameríndio ou negro africano:

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ausência quase sempre compensada pela grande presença, no seu ser psicocultural, dêsse ameríndio e dêsse africano teluricamente tropicais (FREYRE, 1971).

A composição da identidade mestiça, para Freyre, dá-se quase como contágio e a

convivência com um meio mestiço pode ser suficiente para a ‘contaminação’. Não

sendo desprezível a influência do lugar nessa composição. Na teoria freyriana, o clima

tropical dialoga com a construção da identidade nacional e, para compreender a

construção dessa identidade, a sociologia devia ser uma “ciência mista, híbrida ou

anfíbia, em parte natural, em parte cultural” (FREYRE, 1945). Contrário a qualquer

tipo de sectarismo, Freyre não hesita em criticar os ismos de sua época, acreditando sim

que a nada deve se prender ou temer quando se busca o sentido social da história:

Somos dos que não compreendem conhecimento sociológico ou esforço de criação sociológica independente do estudo, evidentemente básico, da antropologia - da física como da social e cultural - da ecologia ( e quem diz ecologia, diz geografia), da história social, da biologia, da psicologia. Não há ciência mais dependente de outras ciências que a sociologia. (FREYRE, 1945)

Dentro dessa sua miscigenação metodológica, a literatura tem um papel relevante.

Sendo Marcel Proust uma de suas mais notórias influências, se não de todo

metodológica, pelo menos em grande parte do seu esforço de reconstrução narrativa.

Ora, o que há em Proust é história sociológica, história quase natural das inter-relações de determinado grupo humano em determinada área e em determinada épocas, surpreendidos sob circunstâncias favoráveis à captação ou à recaptura de um passado social paralelo ao pessoal e que o próprio historiador - historiador, sociólogo e psicólogo a um tempo - ligeiramente disfarçado em romancista, recompõe através do seu próprio "eu" poderosamente empático e poderosamente compreensivo (FREYRE, 1945).

Ainda sobre como Freyre constrói sua teoria de forma empática, pode se dizer que é

uma antecipação da etnometodologia de Garfinkel. Pois sua narrativa sociológica tenta

envolver o leitor, para que este possa compreender o contexto onde se deu o fenômeno

narrado. Sem menosprezar o peso de seu próprio olhar enquanto narrador

(reflexividade), isto, diga-se de passagem, numa época em que reinava o positivismo

cientificista e o marxismo militante.

A hermenêutica freyriana centra-se na aptidão intuitiva, perceptiva e compreensiva do autor. Não se encastela em abordagens monocórdicas ou maniqueístas, mas excede os limites do convencionalismo, distanciando-se do clássico padrão "heróis e vilões" para celebrar a constelação da cotidianidade, através da história íntima do real. Ao recorrer à compreensividade - Max Weber também o fez -, adota o caminho da empatia, o que difere de Max Weber,

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acarinhando o fenômeno para absorvê-lo em todos os seus matizes, sem desprezar o menor dos significados. Chegou à compreensão pela empatia (QUINTAS, 2000).

2.2 A Identidade Pós-moderna

O fenômeno da miscigenação não é novo, sua memória se perde na história humana.

Povos nômades foram os semeadores da espécie no planeta. A consolidação do estado-

nação europeu se deu, pelo contrário, com a maturação do sedentarismo de alguns

povos (cf. HALL 2001; MAFFESOLI, 2001). Desta sedimentação nasceu uma

revolução tecnológica: as grandes navegações. E novamente os nômades semearam

outros portos, passados alguns anos, um pouco mais de 500, outra revolução tecnológica

empurra os nômades em sua cíclica missão: a interconexão planetária. Mas dessa vez

algo mudou, o semear agora se dá no campo simbólico da cultura. A mistura agora pode

se dar apenas em nossas mentes, o mestiço de hoje é um novo olhar. Stuart Hall

analisando a chamada crise de identidade do mundo contemporâneo afirma que:

Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado (HALL, 2001, p. 88).

Para Hall, a complexidade do fenômeno da hibridação cultural está nas múltiplas

implicações que estes cruzamentos podem ter, desde um reforço nas identidades locais,

passando pela questão da “geometria do poder” ou mesmo o impacto da compressão

espaço-temporal (cf. Ibdi., p. 80). Sobre este último, Hall afirma que

o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. (...) Assim, a narrativa traduz os eventos numa sequência temporal ‘começo-meio-fim’ (...). Diferentes épocas culturais têm diferentes formas de combinar essas coordenadas espaço-tempo (Ibdi., p. 70).

É interessante notar que, assim como Hall, Freyre também refletiu sobre as

transformações da noção de tempo, propondo até

o desenvolvimento de uma Sociologia do Tempo, envolvendo um novo conceito: o de tempo tríbio. (...) O tempo geral seria, assim, sempre tríbio; sempre plural; sempre composto e complexo; sempre síntese de três vidas coletivas. Nunca singular nem simples.(...) Impossível, ao homem moderno mais esclarecido, contentar-se ingenuamente em ser modernista; ou sem ser apenas moderno. Ele precisa de ser pós-moderno sem deixar, aliás, de ser tríbio na sua concepção de tempo (FREYRE, 1973).

Sobre a questão do reforço das identidades locais ou nacionais, Hall nos lembra que

nenhuma cultura nasce isolada de influências externas, sendo sua unidade fruto de um

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dispositivo discursivo que unifica a diversidade (cf. HALL, 2001:62). A Inglaterra, por

exemplo, unifica-se sobre os matizes diversos de indianos, africanos, germânicos e etc.

Hall reforça que o conceito de raça também é uma categoria discursiva, portanto, não há

uma prevalência do biológico sobre o cultural. Distinção, esta, que para Freyre

consolidou-se como base de seu conceito de mestiçagem. No prefácio de sua obra

maior, ele declara:

Foi o estudo de Antropologia sob a orientação do Professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor - separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura; a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio. Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio. Também no da diferenciação entre hereditariedade de raça e hereditariedade de família (FREYRE, 1933) .

Já Néstor García Canclini, em sua obra Culturas Híbridas: estratégias para entrar e

sair da modernidade afirma que prefere usar o termo hibridação, pois este

abrange diversas mesclas interculturais – não apenas as raciais, às quais costuma limitar-se o termo ‘mestiçagem’ – e porque permite incluir as formas modernas de hibridação melhor que ‘sincretismo’, formula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de movimentos simbólicos tradicionais (CANCLINI, 2000:19).

Preocupado com as implicações do fluxo e refluxo de bens culturais na

contemporaneidade, Canclini mapeia suas interconexões, identificando onde se deram

hibridizações, homogeneizações e assimilações (cf. CANCLINI, 2000:27). Para ele o

multiculturalismo é o tema central dos estudos sobre as transformações na identidade

cultural contemporânea. Mas, segundo ele, existe uma diferença de perspectiva entre o

mundo anglo-saxão e o mundo latino quanto à multiculturalidade, que pode ser assim

caracterizada. Pois, enquanto na América Latina o hibridismo faz parte do discurso de

construção das identidades nacionais, no mundo anglo-saxão o multiculturalismo

significa um respeitoso separatismo (cf. CANCLINI, 2000:22). Assim, retomando a

crítica de Paul Ricoeur ao multiculturalismo anglo-saxão, Canclini propõe que se mude

de uma ênfase focada na identidade do sujeito para uma política do reconhecimento da

alteridade cultural.

Na noção de identidade há apenas a idéia do mesmo, enquanto reconhecimento é um conceito que integra diretamente a alteridade, que permite uma dialética do mesmo e do outro. A reivindicação da identidade tem sempre algo de violento a respeito do outro. Ao contrário, a busca do reconhecimento implica a reciprocidade. (RICOEUR citado por CANCLINI, 2000:28)

Para Freyre, a grande lição da miscigenação brasileira está justamente nesse

reconhecimento do outro como parte constituinte de si mesmo. Acusado muitas vezes

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de defender o embranquecimento para uma suposta democratização das relações raciais,

Freyre, justamente pelo contrário, apontava o risco de um multiculturalismo americano

que ao invés de pregar a união e o reconhecimento, escondia sob uma aparente política

de inclusão o distanciamento e até a guetização. Para Freyre, miscigenação não é a

negação de sua múltipla herança cultural, pelo contrário, é sua afirmação.

E aqui se ergue um problema de difícil solução: o de continuar um espanhol ou um português ou um brasileiro a fazer-se - em vez de se considerar definitivamente feito - sem desfazer-se; o de assimilar valôres novos, decorrentes de situações novas, sem repudiar o essencial na tradição de valôres dentro da qual nasceu; o de americanizar-se ou africanizar-se ou tropicalizar-se sem desispanizar-se ou deslusitanizar-se ou deseuropeizar-se; o de modernizar-se sem desispanizar-se ou deslusitanizar-se ou desbrasileirar-se; o de tecnocratizar-se sem desispanizar-se ou deslusitanizar-se ou desbrasileirar-se; o de atualizar suas tradições suscetíveis de atualização - inclusive sua tradição de lazer, de ócio, de tempo desocupado, para o qual se acham despreparados tantos povos progressistas, até agora ativistas, e já vítimas de uma sobrecarga de tempo desocupado que precisam de aprender com hispano-tropicais - principalmente, talvez, com brasileiros - a transformar em tempo lúdico contemplativo, recreativo, inútil. (FREYRE, 1971)

Segundo Canclini, “a identidade surge, na atual concepção das ciências sociais, não

como uma essência intemporal que se manifesta, mas como uma construção imaginaria

que se narra.” (CANCLINI, 1999:148). Vivemos numa época onde não são raros os

conflitos entre o interesse da tradição local e o escândalo do consenso global. A não é

desprezível a força da utopia freyriana:

O mundo ainda não está apto a ser um mundo só: o mundo só do sonho de sonhadores apenas líricos. Mas a verdade é que as nações sozinhas, isoladas e estreitamente nacionalistas em suas pretensões à suficiência, já são hoje arcaísmos. Felizes daqueles com possibilidades de formarem com outra ou com outras, conjuntos transnacionais de cultura como é o caso das nações e quase nações de língua portuguesa (FREYRE, 1953).

A intolerância ganha cada vez mais espaço, sendo talvez até mesmo estimulada com o

hipócrita senso do politicamente correto imposto pelo democratismo norte-americano.

Para alguns, os contornos definidores da identidade cultural dos povos de hoje parecem

perder sua nitidez, corre-se o risco de uma homogeneização. Para Hall, esse receio é

tanto exagerado, pois existe a possibilidade da Tradução. Segundo ele:

esse conceito descreve aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. (...) As pessoas pertencentes a estas culturas híbridas têm sido obrigadas a renunciar ao sonho ou à ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural ‘perdida’ ou de absolutismo étnico. Elas estão irrevogavelmente traduzidas (HALL, op. cit., p. 89).

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Pode se dizer que substantivos adjetivados como indiano, brasileiro, inglês e etc. estão

perdendo sua substância e tornando-se somente adjetivos. Compramos comida chinesa

em qualquer cidade grande do mundo, assistimos filmes asiáticos na TV a cabo,

ouvimos música africana na Internet: a substância dessas qualificações perdeu o sentido,

pois não estão presas a um espaço material. É o que Michel Maffesoli chama de

nomadismo, “a intensificação da pulsão de errância que, em todos os domínios, numa

espécie de materialismo místico, lembra a impermanência de qualquer coisa.”

(MAFFESOLI, 2001, p. 17). Segundo ele, a globalização nos empurra, transformando o

que percebíamos como o entorno. Já não estamos no mesmo lugar, pois o lugar é fluxo.

A realidade em si não é mais que uma ilusão, é sempre flutuante, e não pode ser compreendida a não ser em seu perpétuo devir. (...) Por outro lado, o território só vale se se põe em relação, se remete a uma outra coisa ou a outros lugares, e os valores ligados a esses lugares. Assim é que é preciso compreender o relativismo: é o entrar em relação (Ibid., p. 88).

Para Maffesoli, o exemplo da colonização portuguesa descrito por Freyre, ilustra bem a

complexidade do devir histórico e migratório na base da construção das identidades

nacionais:

À imagem de muitos outros povos europeus, porém de um modo talvez mais assumido, o português saiu de uma mistura de populações muito diversas. Gilberto Freyre consagra a esse fenômeno uma parte completa de seu livro maior: Casa-grande & Senzala. Mostra que a pulsão de migração do português tem a ver com a ‘miscigenação’, a arte de se misturar. Essa arte é que fez o português integrar em si as qualidades próprias dos povos que formaram Portugal. (...) Mostra que a cultura, em seu momento fundador, é plural, que é efervescente e não saberia, por si própria, acomodar-se a uma situação de petrificação, de estabilidade, sob o risco de estiolar-se ou murchar. Um corpo social, qualquer que seja, guarda a memória de sua errância original. É preciso que descubra os meios de avivá-la (Ibid., p. 53).

Como já dizia Serres (cf. SERRES, 1993), na direção que tomamos está o sentido do

rumo que damos à vida. O homem contemporâneo se encontra numa encruzilhada e o

sentido do cruzamento é múltiplo, como múltipla é a própria concepção do que somos.

A mestiçagem configura-se como uma nova utopia de união, pois é por haver diferença

que há igualdade (A=A desde de que seja A≠B). Dentro daquilo que se convencionou

chamar de identidade cultural ou etnicidade, a diferenciação sempre se dá ante ao que

não é conhecido ou reconhecido. O estrangeiro é sempre o estranho. Mas se com as

novas formas de comunicação o estranho se tornar compreensível, desaparece a

estranheza e onde antes existia a diferença surge a identidade. Sendo esta identidade

fruto da alteridade, pode se falar de uma ambigüidade identitária localizada na fronteira

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entre o local e o global, o público e o privado, o estranho e o familiar, o orgânico e o

artificial, o masculino e o feminino, o velho e o novo. A utopia, que Freyre ajudou a

construir, de um país mestiço, onde as raças convivem em harmonia, antes de tudo deve

ser louvada e, quando criticada, somente no sentido de ser alcançada.

2.3 A Lógica Mestiça

“Sou um tupi tangendo um alaúde”, dizia Macunaíma no antropofágico livro de Mário

de Andrade. E é justamente esta frase que percorre o livro “Pensamento Mestiço”, de

Serge Gruzinski, de uma ponta a outra, dando-lhe uma saborosa unidade. O livro de

Gruzinski adquire uma importância especial com o advento da expansão das redes

digitais por países periféricos. Segundo ele, o contato entre culturas diversas sempre

gera hibridismos que dificilmente são notados pelos remanescentes das culturas

originais. A identidade híbrida ou mestiça é multifacetada e fruto de uma racionalidade

nova. Na Internet, os frutos dessa diversidade de perspectivas culturais ainda são pouco

perceptíveis ao nosso olhar que, ainda hoje, se perde ante uma aparente padronização. O

livro de Gruzinski pode nos ajudar a enxergar nossa nova identidade virtual, global e

mestiça.

O francês Serge Gruzinski é essencialmente um historiador e seu livro é uma genealogia

do processo da colonização espanhola no México. Perpassado por análises de filmes de

Peter Greenaway e Wong Kar-wai, Gruzinski demonstra raro conhecimento da história

das artes do novo e do velho mundo. Uma boa parte de seus argumentos se sustenta na

interpretação imagética das pinturas do período colonial mexicano, mais

especificamente, os murais da Igreja de Ixmiquilpan e da Casa del Deán em Puebla; o

mapa da cidade de Cholula e o códice12 de Bernardino de Sahagún. Além de grotescos13,

cantares antigos e textos diversos.

A sua questão central é entender de que forma as culturas se misturam e quais as

conseqüências desse hibridismo. O termo Hibridismo vem do grego hybris que quer

12 “Forma característica do manuscrito em pergaminho, semelhante à do livro moderno, e assim denominada por oposição à forma do rolo” (FERREIRA, 1999).13 “Diz-se do estilo plástico que se originou na imitação de ruínas de edificações descobertas no séc. XIV, em Roma, e que foram tidas como grutas; nelas se encontraram pinturas que retratavam, sob forma de arabescos e linhas sinuosas, homens e animais” (FERREIRA, 1999).

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dizer destempero e excesso. É também um dos conceito centrais para se entender o

legado da tradição helenista; no Fedro, Platão descreve a hybris como a transgressão da

justa medida, sendo portanto uma expressão do caos com suas múltiplas faces e partes.

O termo adquiriu ao longo da história um sentido de impureza e mistura. Consciente da

dificuldade conceitual do hibridismo, Gruzinski opta por uma abordagem a princípio

fenomenológica: aceitar em sua globalidade a realidade mesclada que temos diante

dos olhos é um primeiro passo (GRUZINSKI, 2001:26). Mas não há como evitar a

ambigüidade e a ambivalência da mestiçagem – são elas características próprias dos

híbridos –, por isso uma possibilidade de abordagem surge da descrição do fenômeno da

mestiçagem e não de sua explicação. Citando Wittgenstein, Gruzinski afirma que é

difícil aceitar que ‘as leis da lógica, terceiro excluído e contradição, sejam

arbitrárias’, que nossa racionalidade, ou nossa ‘lógica ordinária’, seja convencional,

produto de uma história, de uma tradição e de um meio (Ibid., 243). A frase de Mário

de Andrade é um exemplo desse paradoxo lógico: Sou um tupi tangendo um alaúde.

Segundo Gruzinski, essa constatação choca nossos hábitos de pensamento, pois ainda

hoje a presença de contradições é considerada uma marca irrecusável do irracional

(Ibid.).

Quando analisadas de perto, as relações entre colonizadores e colonizados demonstram

complexas relações de troca. Para Gruzinski, o produto do choque entre duas culturas

não será mais algo do campo de entendimento exclusivo de nenhuma das duas, será algo

novo que só novos parâmetros de entendimento ajudam a compreender. Assim, quando

Gruzinski cita o caso das pinturas nos murais da Igreja de Ixmiquilpan14, o que se relata

é o surgimento de uma nova estética que ultrapassa os olhos do renascimento europeu e

do entendimento dos povos pré-hispânicos.

Elementos europeus e índios formam uma trama estranha, fascinante e inextrincável. Atribuiremos ao Renascimento as guirlandas vegetais enfeitadas de acantos, os capitéis carregados de granadas (?), os rostos agressivos, apavorados ou angustiados dos combatentes, os perfis careteiros, grotescos e pontudos, a nudez dos jovens guerreiros exibindo nádegas carnudas, os centauros, os hipogrifos e as criaturas monstruosas de espécie fitomorfa. As poses dos guerreiros vencidos e agonizantes são inspiradas em modelos europeus, tal como a tensão dramática que marca as cenas e os personagens. (...) Em contrapartida, atribuiremos ao mundo ameríndio a ausência de profundidade, a cor uniforme do fundo (...), a figuração estereotipada dos atores – cabeças representadas de perfil, peito em visão frontal–, o cromatismo e os pigmentos. (...) O armamento e a roupa dos guerreiros são de origem ameríndia. (...) Esse inventário sumário valoriza a natureza heterogênea da obra. Mas de tanto separarmos as peças

14 Confira no site http://www.interamericaninstitute.org/mural_art.htm algumas imagens.

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que a constituem, acabamos perdendo de vista a singularidade e a estranheza das combinações (Ibid., 122-4).

O entrelaçamento de símbolos cristãos e pagãos nessa pintura também nos ajudam a

perceber a complexidade dos elementos híbridos. Segundo Gruzinski, o coração

representado no emblema agostiniano tanto pode ser o símbolo fraternal do amor cristão

quanto “uma referência ao sacrifício humano”, prática comum aos povos pré-hispânicos

da região em questão. Temos a tendência de enxergar os elementos isoladamente, o que,

no caso das obras híbridas, sempre revela uma incompletude, nem uma coisa nem outra.

O desafio está justamente em perceber a obra híbrida como ela mesma é, ambivalente e

ambígua. O híbrido não é a marca deixada pela continuidade da criação. É o produto

de um movimento, de uma instabilidade estrutural das coisas (Ibid., 179). Evitando lhe

restringir a polissemia, podemos com ela aprender uma nova forma de percepção.

O termo ameríndio ixiptla traduzia para os monges o conceito de imagem, assim, o

ixiptla de um santo era sua imagem. A tradução dessa noção trazia para os nativos a

idéia de representação, uma concepção até então desconhecida para eles. Mas até que

ponto essa tradução era efetiva? Gruzinski relata o conflito que surge da idolatria que os

índios presumivelmente nutriam pelas imagens dos santos. Instruídos pela catequese a

referenciar os santos pelas imagens, os nativos referenciavam as imagens que, segundo

a perspectiva deles, eram os próprios santos e não suas representações. A linguagem

também se transforma com o fenômeno da mestiçagem, surge um novo idioma

planetário e este é também a expressão de uma retórica mais elaborada que deseja ser

pós-moderna e pós-colonial, e na qual o híbrido permitiria se emancipar de uma

modernidade condenada por ser ocidental e unidimensional (Ibid., 41). Para além dos

estereótipos do exotismo, o hibridismo impõe uma nova mentalidade da qual, segundo

Grunziski, uma parte do chamado pensamento pós-moderno é filha. O fenômeno do

hibridismo cultural atinge diversas sociedades das mais diversas formas.

mesmo reconhecendo que todas as culturas são híbridas e que as misturas datam das origens da história do homem, não podemos reduzir o fenômeno à formulação de uma nova ideologia nascida da globalização. O fenômeno é a um só tempo banal e complexo. Banal porque o encontramos em escalas diversas ao longo de toda a história da humanidade e porque, hoje, ele é onipresente. Complexo, porque parece impalpável quando pretendemos ir além dos efeitos da moda e da retórica que o cercam (Ibid., 41-2).

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O fenômeno da miscigenação não é novo, sua memória se perde na história humana.

Povos nômades foram os semeadores da espécie no planeta. A consolidação do estado-

nação europeu se deu, pelo contrário, com a maturação do sedentarismo de alguns

povos (cf. HALL 2001). Desta sedimentação nasceu uma revolução tecnológica: as

grandes navegações. E novamente os nômades semearam outros portos, passados alguns

anos, um pouco mais de 500, outra revolução tecnológica empurra os nômades em sua

cíclica missão: a interconexão planetária. Mas dessa vez algo mudou, o semear agora se

dá no campo simbólico da cultura. A mistura agora pode se dar apenas em nossas

mentes, o mestiço de hoje é um novo olhar. Stuart Hall analisando a chamada crise de

identidade do mundo contemporâneo afirma que:

Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado (Hall, 2001:88).

Para Hall, a complexidade do fenômeno da hibridação cultural está nas múltiplas

implicações que estes cruzamentos podem ter, desde um reforço nas identidades locais,

passando pela questão da “geometria do poder” ou mesmo o impacto da compressão

espaço-temporal (cf. Ibdi., 80). Sobre este último, Hall afirma que

o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. (...) Assim, a narrativa traduz os eventos numa sequência temporal ‘começo-meio-fim’ (...). Diferentes épocas culturais têm diferentes formas de combinar essas coordenadas espaço-tempo (Ibdi., 70).

Sobre a questão do reforço das identidades locais ou nacionais, Hall nos lembra que

cultura alguma é pura, sendo sua unidade fruto de um dispositivo discursivo que unifica

a diversidade (cf. HALL, op.cit., 62). A Inglaterra, por exemplo, unifica-se sobre os

matizes diversos de indianos, africanos, germânicos e etc. Hall reforça que o conceito de

raça também é uma categoria discursiva, portanto, não há uma prevalência do biológico

sobre o cultural.

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Falar de mestiçagem15, em um sentido mais amplo, é falar da vida em sua totalidade16,

sem que nossa visão esteja direcionada por qualquer perspectiva cultural exclusiva. É

olhar o caos e aceitá-lo como parte de nós. A idéia de mestiçagem quer romper a

armadura da cultura, é a identidade sem entidade, é a origem de novo, é a invenção da

tradição. O pensamento mestiço fala com sotaque, mas fala sem tristeza e sem

melancolia, pois não perdeu nada de seu passado, toda sua experiência é reaproveitada,

não há erro nem culpa.

2.4 A Nova Estética do Hibridismo Digital

Dentro da nova conjuntura de inter-relações propiciada pela Internet, está também o

desenvolvimento de uma nova estética. Podemos falar de um novo modo de ser, essa

nova estética traz consigo uma nova ética. Os padrões de consumo e produção estão

cada vez mais sofrendo confluências múltiplas, o que pode ser notado em diversos

suportes, como a moda, o cinema, a literatura, o design e etc., mas seria exaustivo tentar

mapeá-la em todos seus desdobramentos. Todas as possibilidades de mistura são

potencializadas pelas tecnologias digitais. Há uma nova estética na arte digital (webart,

flash), no cinema digital e na música eletrônica. A tecnologia atravessa fronteiras e é

usada até por aqueles que recusam a ‘suposta’ ocidentalização do mundo, assim por

exemplo, terroristas islâmicos usam a Internet sem que este uso descaracterize sua

identidade. Agora, vejamos o caso da música, pois:

15 Para Gérard Chaliand: “A mestiçagem é mais aparente do que real. Historicamente é um fenômeno involuntário. As duas grandes mestiçagens que o mundo conheceu são a dos negros - o Brasil é o grande exemplo - e a dos índios - de que o México se tornou o modelo. Nos dois casos, a mestiçagem de certo modo foi uma violação. O índio se tornava mestiço, submetendo-se às normas e à língua do branco. O negro produz mulato ou mulata, miscigenando-se com o branco, que em geral não se casa com ele. Não considerando que a massa multiétnica que vejo no metrô em Londres, Paris ou Nova York seja mestiça. Os casamentos inter-raciais são relativamente raros na França e excepcionais entre os ingleses. Que eu saiba, a mestiçagem não existe nos países da Ásia ou da África. Em suma, as únicas sociedades efetivamente acolhedoras são as ocidentais -embora a gente possa criticar o racismo delas. O futuro da mestiçagem parece longínquo.” (CHALIAND, 1998). Mas talvez, não esteja tão longínquo o futuro da cibermestiçagem.16 Segundo Emmanuel Carneiro Leão, “a totalidade do real, o espaço-tempo de todas as coisas, não é apenas o reino aberto das diferenças, onde tudo se distingue de tudo, onde cada coisa é somente ela mesma, por não ser nenhuma das outras, onde os seres são indivíduos, por se definirem em estruturas diferenciais. A totalidade do real é também o reino misterioso da identidade, onde cada coisa não é somente ela mesma, por ser todas as outras, onde os indivíduos não são definíveis, por serem uni-versais, onde tudo é uno” (LEÃO, 1991:11).

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Seria praticamente impossível querer entender a popularidade do multiculturalismo, sobretudo entre os jovens sem considerar o papel da música em sua formação. Alguns estudos que analisam o assunto têm assinalado a emergência de uma nova estética musical com um pequeno detalhe: etnicamente elaborada. (...) O fenômeno musical do multiculturalismo é híbrido, ou se preferirmos, miscigenado (GONÇALVES & SILVA, 1998:29).

A forma mais explicita da nova estética do hibridismo digital está na música eletrônica.

Artistas como Thievery Corporation, Kruder & Dorfmeister, Amon Tobin, Jazzanova,

Asian Dub Fundation, Nitin Sawhney, Rainer Trüby, Yonderboi, Almamegretta, Dj

Dolores entre outros são exemplos desta estética híbrida.

Quanto mais uma determinada cultura tem fome de tecnologia e de inovação, mais o resultado dessas apropriações é interessante. O exemplo jamaicano é incontestável: dos estúdios mais pobres de Kingston saíram, nos anos 60, técnicas de gravação e mixagem que ainda hoje são copiadas pela vanguarda da música ‘trance’ou ‘ambient’. Também foi no gueto negro das grandes cidades americanas (o Terceiro Mundo dentro do Primeiro Mundo) que apareceram as colagens rítmicas do hip hop, da house, do techno, renovando as concepções de composição musical e da relação música/tecnologia que dominavam a indústria fonográfica. E nos estúdios de Lagos, Nigéria, de Colombo, Sri Lanka, ou do Cairo, Egito, estão sendo produzidas outras novas maneiras de se fazer ou pensar a música que certamente irão ser reapropriadas por músicos do resto do mundo. E assim por diante. (VIANA, 2000)

O sujeito dessa nova estética estaria numa espécie de TAZ17. Por isso, a comunidade

que a representa é pós-étnica (Cf. SEMPRINI, 1999:30). Esta nova estética também

estaria permeada pela influência das novas tecnologias de produção musical, como os

softs de edição, que permitem samplear e mixar loops de ritmos diversos. Assim, a

música Raí pode ser misturada com a bossa nova, o reggae pode realçar mais suas

‘raízes’ asiáticas e a música italiana, explicitar sua influência moura. As possibilidades

são infinitas. Claro que o fenômeno de hibridismo cultural na música não é exclusivo

dos dias de hoje, nem da música eletrônica, artistas como Beatles, Led Zepplin, John

Coltrane, Gilberto Gil, Debussy, etc., também por motivos diversos, fizeram esse

crossover.

2.5 A Mestiçagem na Rede Polissêmica

Segundo Pierre Lévy, estamos passando por uma crise do sentido, o que pode indicar

uma transformação das clássicas culturas identitárias em uma “pós-cultura” planetária

(Cf. LÉVY, 2000:25). O sentido cultural é simbólico e contextualizado, assim, na

17 Temporary Autonomous Zone - zona autônoma temporária (cf. BEY, 2001).

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interconexão da sociedade global interagindo em sistemas de redes telemáticas, o

sentido torna-se polissêmico, em outras palavras, multicultural.

Devemos compreender que as culturas identitárias, como tais, são impasses. Se conservamos dela apenas o aspecto identitário, uma cultura não é, então, nada além de um grupo de pessoas que se imitam. Mas, sobretudo, fechando-nos em culturas identitárias, nos separamos dos que são diferentes, e isso pela única e falsa razão de que eles nasceram (por acaso) em um meio que comportava outros modelos de identificação, diferentes dos nossos. A imitação não é um mal em si, pois ela é a base de todas as iniciações, de todas as aprendizagens. Mas a imitação deve ser ultrapassada pela criação, e a identidade pela abertura. As culturas identitárias nos dividem. Elas nos opõem. Elas tornam a alteridade, a diferença e a mudança ameaçadora para nós. Elas correm o risco de nós aprisionar no medo e no ódio (Ibid., 2001:128).

Segundo Lévy, estamos substituindo o saber-estoque pelo saber-fluxo, pois no

ciberespaço não há como se fixar um sentido exclusivo, referente a uma só matriz

cultural, a Internet reflete este momento da cultura global (Ibid., 2000:25). Estamos

todos buscando uma nova forma de dizer e ouvir, somos todos estrangeiros, pois

estamos todos numa nova realidade. Uma realidade, por que não dizer, cibermestiça e

glocal (global + local).

A pós-cultura nada tem a ver com o pós-moderno, porque o pós-moderno nega encarniçadamente toda idéia de progresso e, ainda mais, de progresso universal. Ora, do ponto de vista da pós-cultura, o estado ao qual chegamos é melhor que o estado de cultura. A pós-cultura é um progresso, pois ela se desperta ao mesmo tempo para duas realidades que só se tornam figuras significantes uma tomando a outra como fundo: o caráter de criação contínua da cultura e a unidade da humanidade (Ibid., 29).

Tentativas18 como o projeto “MTV Coordinates” ainda parecem muito suscetíveis aos

interesses da indústria cultural americana, mas inegavelmente já trazem consigo algo de

um polissemismo multicultural. Neste projeto, que envolveu as 21 filiais da MTV19 no

mundo, cada uma produziu cinco fotos sobre um dos 21 temas propostos20. Depois, cada

filial criou uma vinheta usando as fotos produzidas sobre um tema, assim, por exemplo,

18 O MIT tem um núcleo chamado sociable media group (cf. http://web.media.mit.edu ) que desenvolve ferramentas para novas formas de interação social na Internet. Um de seus principais projetos é o chat circles (cf. http://web.media.mit.edu/~fviegas/chat-circles_CHI.html ) que seriam representações gráficas de comportamentos individuais em salas de bate-papo. Mas até o momento não se tem conhecimento de nenhum projeto que leve em conta a diversidade cultural da comunicação no ciberespaço. Tangenciando esta discussão faz-se necessário notar o trabalho que tem sido desenvolvido pelo professor Howard Rheingold. Ele tem viajado pelo o mundo observando como as pessoas em diferentes lugares do planeta organizam mobilizações através de rede sem fios - wireless (cf. http://www.rheingold.com/smartmobs/ ) 19 EUA, Brasil, América Latina, Canadá, Coréia, Itália, Paises Nórdicos, Polônia, Alemanha, França, Espanha, Ásia, Inglaterra, Rússia, Taiwan, Austrália, Índia, Europa, China, Japão e Holanda.20 Alegria, amor, beijo, beleza, caos, casa, comunidade, corpo, dançar, futebol, identidades, música, olá, rir, ritmo, sexo, silêncio, sonhar, sorriso, tocar e vida

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a MTV Brasil fez uma vinheta sobre o tema ‘corpo’ usando algumas das 105 fotos

geradas ao redor do mundo. Os resultados podem ser vistos no site da MTV Latina ou

na programação da MTV local. Não deixa de ser curioso observar que experimentos

como esse ainda são raros.

Mesmo com os recursos hoje disponíveis de interconexão, as tentativas de integração ou

interação entre culturas diversas parecem mais freqüentes nos esportes e no comércio do

que no desenvolvimento de uma linguagem híbrida. A literatura, o cinema, a música, a

culinária e a moda entre outras expressões culturais, há muito tempo já refletem o

intercâmbio cultural da humanidade. E no caso do “MTV Coordinates” foram

justamente imagens e sons que formaram a base discursiva do projeto21. A Internet

parece ser o espaço propício para o desenvolvimento de uma miscigenação planetária,

mas ainda parece prisioneira de uma comunicação essencialmente escrita.

O ciberespaço, enquanto zona de interseção, funciona como um laboratório onde se

engendra essa nova linguagem.

Mas, para entender e reconhecer essa nova linguagem, será preciso reconfigurar a nossa

relação com a linguagem. No ciberespaço, é como se estivéssemos em uma semiosfera,

segundo André Semprini, um espaço da gramática desta nova linguagem (SEMPRINI,

1999:121). E, ao que parece, entre as características gerais desta nova linguagem, existe

a possibilidade de uso dos recursos multimídia (flash, sons, gifs animados, etc.). Assim,

essa polifonia de formatos acaba sendo mais próxima e adequada ao sentido polissêmico

do hibridismo cultural.

O relativismo pode ser visto como um dos aspectos principais da polissemia no

ciberespaço. No processo de construção do sentido multireferencial ou híbrido, toda

verdade é contingente e contextual. Algo que parece absurdo, dentro dos parâmetros de

uma epistemologia monocultural (Cf. SEMPRINI, 1999:81).

21 Um passeio através das diferentes versões internacionais dos sites da MTV, serve para constatarmos uma interessante característica da nova linguagem que está surgindo. Todas as versões têm mais ou menos a mesma configuração, algo semelhante ocorre com os portais (UOL, AOL, CNN, BBC, etc.). Essa padronização do formato permite que, mesmo sem entender o que está escrito, por analogia, o internauta reconheça a função dos links: uma coluna com propagandas à direita, ao centro noticias gerais, no rodapé informações sobre o site, etc. (http://www.mtv.com )

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Apesar de não existir a necessidade, de nada que ultrapasse a decisão discursiva.

Observando a auto descrição de alguns sites na rede digital, vemos a recorrência a

elementos extra digitais para sua auto-definição.

2.6 Hibridismo Digital22

Experiências como as dos sites Audiogalaxy23 e make-world24 e do evento Satellite

Cabaret podem servir para nos demonstrar um pouco da importância que a Internet

assume no fomento da reconstrução da identidade contemporânea. O extinto

Audiogalaxy25 reunia links para arquivos de mp3 do mundo inteiro (P2P). Em

13/04/2002 às 03:42h (horário de Brasília) a distribuição proporcional de internautas

conectados ao audiogalaxy era a seguinte:

Figura 3 - A representação geopolítica no Audiogalaxy26

Recentemente ‘fechado’ pela Justiça com a vitória de uma ação movida pela RRAI, o

site/ferramenta se organizava por estilos musicais, assim, na busca de um artista

22 Sobre o ciber-hibrido cf. BAETENS, 200023 http://www.audiogalaxy.com 24 http://make-world.org 25 São mais conhecidas hoje as ferramentas de P2P: Soulseek e Kaaza26 Dados coletados no site do Audiogalaxy em 13/04/2002. In: http://www.audiogalaxy.com/user/onlineUsersByCountry.php

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específico, acabava-se por conhecer outros ‘semelhantes’. Nas páginas em que se

encontravam os links para as músicas, também havia espaço para a inclusão de

comentários sobre os artistas. Nestes espaços, curiosas misturas ocorreram, como, por

exemplo, na página com músicas do grupo Jazzanova:

Message board : jazzanova 03/29/02 robeerg - cool loco ..estos japoneses!!! desde cuando los japoneses cultivan el tecno con bossa...es mi pregunta???...los japoneses tienen onda con los brasileros en la musica ....no visiten brasil estuve hace poco por alla..y es peligroso sobre todo rio

03/30/02 RREEDDFFOOXX - re: cool loco ..estos japoneses!!! Desde quando os Jazzanova são japoneses??? Alemaes...

04/10/02 220363 - re: cool loco ..estos japoneses!!! brasil es posiblemente el mejor pais en sudamerica al menos en musica. y tu ignorancia te delata...

04/12/02 chatomil - re: cool loco ..estos japoneses!!! jazzanova no fusiona techno con bossa ademas de que son alemanes.

04/14/02 cub79 - re: cool loco ..estos japoneses!!! i think we in germany call it just kind of nujazz... it's just, that they pick up everything that grooves your ass off, gotty see em live... you'll love it

04/14/02 Iroel85 - re: cool loco ..estos japoneses!!! Jazzanova is from berlin....I love em!

Uma estranha polifonia de sotaques: Japão, Espanha, Brasil ou EUA? O participantes

deste pequeno fórum ficam aturdidos ante a estética híbrida da banda alemã. O que hoje,

no caso, é chamado de nujazz tem elementos dos ritmos brasileiros e africanos, somados

ao jazz e à música eletrônica.

No site make-world, Europeus, Latinos, Asiáticos e Africanos desconstroem juntos os

limites de suas próprias culturas através de filmes, texto, música, etc. A fórmula “0 YES

border=0 Location=yes” simboliza a busca dessa nova subjetividade. A fronteira

(border) é o zero, nulidade que nada significa e o local a afirmação do espaço sem que

haja a fixação da cultura ao lugar. O site em sua página inicial proclama:

fazer o mundo é um comando único usado para atualizar completamente um sistema de operação. é desenhado para seguir os últimos desenvolvimentos uma vez que os recursos locais são sincronizados. digitar "fazer o mundo" na linha de comando reconstrói e renova todo o sistema enquanto ele está rodando27.

27 “make world is a unix command used to completely update an operating system. It's designed to follow the latest developments once the local sources are synchronized. Typing "make world" in the command line rebuilds and renews the whole system while it's running” In: http://make-world.org. (05/05/2002). Tradução Jan Alyne Barbosa.

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Um convite à subversão cultural que através da sincronia entre todos elimina as

diferenças e as fronteiras. O ponto é estar integrado à nova identidade, não importa onde

todos juntos podem refazer o mundo. O site tem uma publicação em formato pdf que

pode ser baixada gratuitamente. Nela se encontram textos dos participantes do festival

que deu origem ao site. São textos das mais diversas partes do mundo, todos em inglês,

mas tentando refletir a formação dessa nova identidade, prenunciada por McLuhan e

concretizada pela Internet.

Um outro exemplo das possibilidades de fusão oferecidas pela conexão em banda larga

foi o show Satellite Cabaret, realizado simultaneamente em Salvador (Bahia) e

Grenoble (França) no dia 7 de dezembro de 2002. O show consistiu na reunião de

músicos de diferentes culturas para uma jam session via banda larga. O evento que foi

fruto da colaboração entre o 38o Festival Rugissants e o IV Mercado Cultural

impressionou a quem assistiu, via net28 ou em um dos dois teatros. Pois o que

surpreendia era ver ali concretizada uma espécie de mestiçagem digital.

As conseqüências da convivência entre culturas diferentes na Internet ainda são pouco

discutidas e suas manifestações mais características ainda são embrionárias. A rede

como um todo é um híbrido digital de nós mesmos. A lógica da identidade digital não é

como usualmente pensamos uma simples tautologia, um arquivo não é igual a outro,

mesmo que tenham conteúdos idênticos. Não estão no mesmo espaço, nem no mesmo

tempo, cada arquivo tem seu próprio contexto, seja ele um disquete ou um diretório. Ele

não está preso ao contexto, mas se seu contexto mudar, ele também muda. A cópia não

é o mesmo é o outro em outro lugar. O mesmo se dá com a identidade cultural

individual na rede digital, a existência de uma totalidade não elimina a presença

individual, mas esta não é, nem nunca será, determinada pela cultura no singular. A

cultura digital é inderteminada, é híbrida, é misturada e remixada. Existe a possibilidade

de uma nova sociabilidade com a Internet, numa cibermestiçagem. Onde não-existem

lugares (no border), existe uma totalidade de culturas. A identidade renasce como parte

dessa nova totalidade, livre para migrar.

“As famílias de técnicas emergentes com o fim do século XX – combinando informática e eletrônica, sobretudo – oferecem a possibilidade de superação do imperativo da tecnologia hegemônica e paralelamente admitem a proliferação de novos arranjos, com a retomada da

28 www.38rugissants.com

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criatividade. (...) Desse modo, a técnica pode voltar a ser o resultado do encontro do engenho humano com um pedaço determinado da natureza – cada vez mais modificada –, permitindo que essa relação seja fundada nas virtudes do entorno geográfico e social, de modo a assegurar a restauração do homem em sua essência.” (SANTOS, 2003:165)

Ainda segundo Milton Santos, estaríamos vivendo o início de uma nova história - uma

história universal, de fato, estaria por começar agora. Não há hoje evento particular, seja

0uma guerra, uma gripe ou um conceito, este hoje tende ao universal. Esperamos que

seja esse um universal plural, que seu sentido seja dinâmico como somente a vida pode

ser. A construção da identidade plural é um dos elementos chaves desse processo. A

Internet contribui para a complexidade dos fatos contemporâneos gerando sempre uma

perspectiva concreta da diversidade de ângulos. Com a guerra do Iraque podemos

constatar que mesmo a verdade já não importa tanto, ter acesso hoje, é mais importante

que ter a certeza do que sabemos. Se de fato queremos a Aldeia Global, devemos abrir

mão de uma “verdade” em nome das múltiplas possibilidades da verdade. Onde se possa

adotar uma epistemologia multicultural, que empurre o que for certeza para o virtual e

puxe o que for plural para o atual.

2.7 O Policentrismo Cultural das Cidades Digitais

Sobre as cidades29, muito já se disse, e, no entanto, nada se compara a (de)morar-se

nelas. Um pedaço de rua, uma lembrança, uma janela, um dia. Cada coisa na vida de

uma cidade tem um sentido próprio, somos sua substância, nossa rotina corre em suas

veias. Assim, quando algo muda em nosso olhar, desloca-se também o que vemos. E se

a forma como vemos a cidade muda, isso sobre ela se reflete. Uma nova perspectiva é

como uma nova avenida. Se nosso olhar sofre hoje uma transformação com a mudança

nos sistemas de comunicação da sociedade contemporânea, o objeto de nosso olhar

acompanha essa reconfiguração. Revelando-se então, num novo instante, um outro

tempo e um outro espaço. A cidade que hoje vemos, com os olhos de quem se vê numa

rede que nos une a todos e ao todo, é a cidade de quem já não tem uma cidade, mas

todas as cidades.

29 Castells mostra a que a rede digital se desenvolve principalmente nos centros urbanos. As cidades concentram pessoas e tecnologias de comunicação, pode-se dizer que dessa relação as cidades tiram seu fermento.

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“Quando uma tecnologia de um determinado tempo implica num impulso poderoso numa direção, a sabedoria aconselha opor-lhe um outro impulso. A implosão de energia elétrica em nosso século não pode ser neutralizada pela explosão e pela expansão, mas sim pela descentralização e pela flexibilidade de múltiplos centros pequenos. Por exemplo, a corrida dos estudantes para a universidade não é explosão, mas implosão. A estratégia adequada para enfrentar esta força não é aumentar a universidade, mas criar numerosos grupos de faculdades autônomas em lugar da universidade centralizada, que se desenvolveu segundo as linhas das formas de governo européias e da indústria do século XIX.” (MCLUHAN, 1964:92).

A cidade mosaico se redescobre como fluxo, em sua nova estrutura não existe mais um

centro, mas multicentros. Com o crescimento das redes digitais nas grandes cidades

urbanas, o consumo se descentraliza, mas em contrapartida o capital se concentra.

William Mitchell, pesquisador do MIT, observa um paradoxo no sistema de serviços via

rede digital, ela gera simultaneamente tendências descentralizadoras e recentralizadoras.

Podendo quebrar assim o elo local entre a demanda e a oferta de serviços e fortalecendo

ainda mais as grandes prestadoras de serviços dos centros comerciais (cf. MITCHELL ,

2000). O paradoxo dessa concentração é que ela não depende mais do lugar.

“São abundantes as análises sobre a crescente fragmentação das culturas ou sobre seus fenômenos de hiper-heterogeneização, como um processo inevitável ou como uma desestruturação social anterior à homogeneização, ou seja, como um processo de microbalcanização ou desregulação destinado a reforçar as redes – mais do que os centros – de poder.” (FORD, 1999:63).

Estando esse mesmo capital em permanente fluxo, somente as corporações que detêm

esse capital ainda lucram com as fronteiras cambiais. As fronteiras físicas também ainda

servem para manter o “bem estar social” de alguns países, evitando que os mesmos

sejam invadidos por uma enorme massa de imigrantes de países menos desenvolvidos.

Mas, com os sistemas de comunicação via redes digitais, a fronteira simbólica das

diferenças culturais esta cada vez mais tênue.

As cidades digitais, ou ciber-cidades, segundo André Lemos, seriam “construções

digitais de cidades reais, na tentativa de aproveitar o potencial das novas tecnologias

de comunicação para lutar contra a exclusão social, regenerar o espaço público e

promover a apropriação social das novas tecnologias” (LEMOS, 2002). E apesar de

ainda não existir um padrão definido, pode-se dizer que os principais objetivos de uma

cidade digital seriam: “Estabelecer um espaço de exercício da cidadania; permitir a

manifestação política e cultural; possibilitar o contato e a comunicação entre a

administração pública e os cidadãos; criar um acervo de informações diferentes sobre

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a cidade e fortalecer os laços sociais entre os moradores.” (MORAES, 2002). Assim,

pelo menos em projeto, as cidades digitais pretendem também comportar a diversidade

cultural de suas correspondentes no mundo físico.

A grande questão é se saberemos usar as potencialidades das redes digitais para ajudar a

melhorar a vida nas cidades. Ou elas serão apenas mais um meio a serviço dos

interesses do capital privado? Segundo McDowell, as relações entre a economia, a

cultura, a tecnologia e a política de desenvolvimento de diferentes estâncias geográficas

têm confundido os pesquisadores e os teóricos das ciências sociais, especialmente

durante o processo de globalização dos últimos 30 anos (cf. MCDOWELL, 2000). A

distinção entre global e local foi profundamente abalada pela progressiva expansão das

redes de comunicação, surgindo então uma espécie de glocalização dos serviços de

comunicação. Ou seja, a interdependência dos processos locais e globais de prestação de

serviços e de desenvolvimento de novas tecnologias de telecomunicação.

“O centralismo organizativo baseia-se na estruturação contínua, visual e linear que nasce da alfabetização fonética. No inicio, os meios elétricos apenas acompanharam os padrões estabelecidos das estruturas letradas. (...) O rádio, que antes foi uma forma de audiência grupal que enchia as igrejas, reverteu ao uso pessoal e individual – com o advento da TV. O adolescente se afasta da TV grupal para o seu rádio particular. Esta tendência natural do rádio em ligar intimamente os diferentes grupos de uma comunidade manifesta-se claramente no culto dos disk-jockeys e no uso que se faz do telefone, forma glorificada da velha interceptação de noticias na linha-tronco.” (MCLUHAN, 1964:344-5).

A complexidade desse fenômeno está no fato de que, por um lado, processos similares

de transformação local ocorrem no mundo inteiro, mas por outro as particularidades de

cada local influem no processo como um todo. Para McDowell, o termo 'cidade

mundial' (world city) ilustra bem a tensão entre os aspectos globais e as particularidades

locais do processo de globalização das redes de comunicação. A produção local,

segundo ele, está sob o crivo da economia global e essa fase de transição pode ser

considerada um tipo de produção pós-fordista, onde a acumulação de capital não é mais

ancorada no patrimônio físico local da empresa, assumindo uma característica mais

flexível e móvel. Segundo Manuel Castells:

“A maior transformação urbana de nosso tempo é a formação de megacidades. Estas são aglomerações de grandes dimensões (10 milhões de habitantes, às vezes mais, às vezes menos), que concentram o essencial do dinamismo econômico, tecnológico, social e cultural dos países e que estão conectadas entre si numa escala global. (...) Não há cidades globais. Toda grande cidade é algo global, em proporções diferentes. E muito local ao mesmo tempo. A maioria dos

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bairros e pessoas vive vidas locais. O que é global são as funções direcionais da cidade. (...) A cidade global não é concreta, é uma rede interterritorial de espaços locais conectados em uma rede global de capital e informação, onde estão Wall Street, a City de Londres, Ginza de Tóquio e a Avenida Paulista, entre outros.” (CASTELLS, 1999).

Para Castells, o dilema não é a globalização em si, mas sim a inclusão, nesse processo,

de todos os vetores sociais envolvidos. Sendo que essa questão não passa somente pela

viabilização do acesso à tecnologia, mas também por uma melhoria da qualidade da

comunicação entre os participantes dessa rede de relações. Participantes estes que

muitas vezes convergem de tradições culturais diversas e que, na rede, encontram a

possibilidade de experimentar uma nova identidade cultural, mas que por ser nova ainda

confunde. Confusão (com + fusão) esta que está na base física das grandes metrópoles,

com suas ruas e avenidas em permanente expansão, indo de lugar nenhum ao infinito.

“O Desenvolvimento sem Internet seria o equivalente a industrialização sem eletricidade na Era Industrial. É por isso que a declaração freqüentemente ouvida sobre a necessidade de se começar com 'os problemas reais do Terceiro Mundo' - designando com isso a saúde, educação, água, eletricidade e assim por diante - antes de chegar à Internet, revela uma profunda incompreensão das questões atuais relativas ao desenvolvimento. porque, sem uma economia e um sistema de administração baseados na Internet, qualquer país tem pouca chance de gerar os recursos necessários para cobrir suas necessidades de desenvolvimento, num terreno sustentável - sustentável em termos econômicos, sociais e ambientais.” (CASTELLS, 2003:220).

As redes digitais hoje também assumem a responsabilidade pela possibilidade de uma

reconfiguração do espaço público, seja por servir de veículo da diversidade de opiniões,

seja pelo potencial de otimização do tempo, seja pela aglutinação de comunidades com

interesses em comum ou seja pela virtualização dos serviços. O crescimento das redes

digitais já não pode ser ignorado no plano diretor das grandes cidades, mas resta saber

como incorporá-lo.

2.8 A Urbanidade Digital

Um dos problemas do urbanismo contemporâneo é não saber incorporar a demanda da

própria cidade a seu planejamento. O urbanista deve aprender a escutar o que a cidade

pede, pois de nada adianta impor uma reforma estrutural, se não existe vontade social

que a acolha (cf. PULS, 2000). Em "Morte e Vida de Grandes Cidades" (1961), a

urbanista Jane Jacobs desenvolve com bastante clareza sua crítica às escolas clássicas

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do urbanismo. Pioneiros como Ebenezer Howard (1850-1928) demonstravam

desencanto com os rumos das grandes cidades (subúrbios, exclusão e poluição).

Segundo ela, esse desencanto gerou tentativas frustradas de reformismo no

planejamento urbano:

"Conjuntos habitacionais de baixa renda que se tornaram núcleos de delinquência, vandalismo e desesperança social generalizada, piores do que os cortiços que pretendiam substituir (...); centros cívicos evitados por todos, exceto desocupados (...); passeios públicos que vão do nada a lugar nenhum e nos quais não há gente passeando; vias públicas que evisceram as grandes cidades" (JACOBS citada por PULS, 2000)

Foi a época do planejamento urbano que separava a cidade em setores de acordo com

suas funções (industrial, comercial ou residencial). Princípio este mantido por seus

sucessores Le Corbusier (1887-1965) e Daniel Burnham (1846-1912). Segunda ela, esta

vertente não enxergava a cidade como ela é, mas sim tentava projetar sobre ela o ideal

de uma cidade perfeita.

“O erro desses planos reside precisamente na tentativa de separar cada uma das principais atividades (morar, administrar, produzir e distribuir bens e serviços), solapando assim o fundamento mesmo da vida urbana, que é a coexistência de funções diversas (porém complementares) num mesmo espaço social.” (Ibid.).

Para ela, a separação das funções provoca os engarrafamentos, dificulta o intercâmbio

entre comércio e indústria, gera grandes espaços sem vida urbana e desumaniza a

cidade. A questão então seria como ouvir o que a cidade pede. Como não desviá-la de

seu próprio fluxo de crescimento e como ajudá-la a crescer sem excluir, sem poluir e

sem morrer.

Michel Mitchell, em seu livro E-topia, demonstra que muitos dos aspectos da nova

urbanidade que nasce com as redes digitais, já são visíveis. Para ele, são cinco as

principais conseqüências do crescimento das redes digitais: a desmaterialização, a

desmobilização, a personalização, as operações inteligentes e as transformações suaves

(MITCHELL, 2000:147-55).

A Desmaterialização (Dematerialization), para ele, é a desmaterialização dos processos

de comunicação: ao invés de cartas e jornais feitos de papel, as informações circulam

em bits, evitando o desgaste de recursos naturais, a poluição ambiental, etc. A

virtualização de alguns espaços públicos, como por exemplo bancos, também ajuda na

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economia de energia elétrica e na transformação deste espaço numa nova área de

convivência.

A Desmobilização (Demobilization) é o gerenciamento econômico da necessidade de

locomoção: podendo-se evitar o deslocamento também se evita os congestionamentos, o

consumo de combustíveis, a perda de tempo, etc. Com a economia da presença, as

pessoas têm mais tempo para caminhar pelas redondezas de sua casa e assim construir

relações mais sólidas com vizinhos, por exemplo.

A Personalização (Mass customization) é a sofisticação das possibilidades de

personalização dos produtos de consumo. Um carro, por exemplo, já pode sair da

fábrica com todos recursos que você escolher, evitando assim o desperdício da

padronização.

As Operações inteligentes (Intelligent operation) são os softwares de gerenciamento de

espaços: em uma casa, por exemplo, ajuda a evitar desperdícios típicos, como luzes

acesas sem necessidade, excesso de refrigeração ou aquecimento, vazamentos, etc. Os

softwares de monitoramento em veículos podem evitar acidentes por descuidos

mecânicos e até gastos com revisões fraudulentas.

E as Transformações suaves (Soft transformation) são as transformações menos

evidentes, portanto, mais discretas, causadas pela revolução digital. Por exemplo, a

diminuição da poluição visual provocada por fios e postes, a redução do numero de

mortes por acidentes com aviões e carros (já que estaremos em casa), etc.

A questão que então hoje se coloca é qual o papel do planejamento urbano no sentido de

aproveitar as potencialidades do sistema de comunicações por redes digitais. Como

democratizá-la, como expandi-la sem burocratizá-la, como torná-la ágil sem torná-la

inacessível, como desenvolvê-la sem desumanizá-la e principalmente como incorporá-la

no desenvolvimento urbano.

“A sociedade de informação é uma sociedade em que as fontes de poder e riqueza dependem da capacidade de geração de conhecimento e processamento de informação. Capacidade que depende da geração da interação entre recursos humanos, infra-estrutura tecnológica e inovação organizacional e estrutural. Nesse sentido, todas as sociedades estão conectadas globalmente em redes de informação que condicionam toda a sua dinâmica. Mas há sociedades majoritariamente conectadas e outras em que somente um pólo dinâmico pertence a essas redes globais informacionais” (Castells, 1999)

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A LT30 de 1996 gerou uma ampla discussão sobre o papel dos subsídios estatais: não se

pode duvidar que estes são de fundamental importância no desenvolvimento social das

telecomunicações, já que o mercado por si só não cuida da democratização do acesso às

redes de comunicação. Segundo McDowell, entre os diversos dilemas gerados pelo

processo de mundialização das redes de comunicação estão as questões relacionadas à

natureza dos deveres, ao direito de propriedade e à jurisdição local (MCDOWELL,

2000:120). O problema central para McDowell é se as vias informacionais (right-of-

way) devem ter seu acesso assegurado ao público. Se sim, como fica o setor privado?

Estas vias, então, são propriedade do poder público que tem que agir de acordo com o

interesse público, mesmo que isso signifique prejudicar o setor privado? As vias

informacionais dependem de altos investimentos para o desenvolvimento de seu suporte

físico, o que obriga o setor privado das telecomunicações a uma negociação com o

governo local e vice-versa. Mas o que se observa é que a LT 96 privilegiou as grandes

empresas de comunicação que podem então estender suas malhas onde lhes interessa,

englobando as pequenas empresas locais e redirecionando o fluxo de produção e

consumo para seus cofres virtuais.

Instituições como a UNESCO acreditam que as redes digitais podem ser ferramentas de

aproximação e convívio entre cidadãos. No III Congresso Mundial de Redes

Ciudadanas de La Era Digital se discutiu o papel que estas redes podem ter numa

transformação das relações cívicas nas cidades. Hoje, com o auxílio das redes

telemáticas, o cidadão pode ter uma maior participação nos rumos de sua cidade.

Tornando-se este um espaço para o exercício democrático, dando voz a quem antes não

era ouvido.

Segundo o psicólogo James Hillman, é justamente “no meio de muitos, apertado nos

estádios, a individualidade fundida com milhares de espectadores, que estou mais na

cidade e sou mais da cidade, na raiz de seu significado, do que quando estou só em

meu apartamento atrás de portas trancadas.” (HILLMAN, 1993:75). Segundo ele, é

caminhando nas ruas, vendo e sendo visto que definimos nossa identidade e nossa

relação com o lugar. A própria etimologia da palavra grega polis expressa a idéia de

multiplicidade, aglomeração, multidão. Está na raiz do conceito grego de cidade a

30 Lei de Telecomunicações

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aglomeração urbana, a diversidade, o outro que encontramos sem esperar no meio da

rua. Talvez o conceito de cidade mude, se cada vez menos pessoas saírem as ruas (como

aliás já ocorre em algumas cidades projetadas, principalmente, para a locomoção com

carros) e será nas redes que este encontro com o outro se tornará mais provável. No caso

das populações urbanas, já é considerável o número de pessoas que usam os serviços

disponibilizados pelas redes telemáticas. Mas isso não significa que as formas

tradicionais de convivência serão substituídas ao se incorporar a seus antigos hábitos

esse novo modelo de circulação e atuação. Pelo contrário, segundo Mitchell, a economia

da presença pode até reforçar a sociabilidade, pois agora se tem mais opções quanto a

melhor forma de se gastar o tempo (cf. MITCHELL, 2000). Podendo-se assim otimizar

nossas rotinas de forma a usufruir de mais tempo para o convívio com familiares e

vizinhos.

Numa nova sociabilidade menos fechada em si mesma, se antes havia guetos, no futuro

podem existir cada vez mais misturas e as redes podem servir de facilitadoras dessa

nova convivência. Segundo o historiador Jacques Le Goff, o homem das cidades terá

que se preparar para a convivência com outras culturas.

“Agora temos consciência de que um dos grandes problemas do século 20 será o das relações entre as culturas, sendo este um dos aspectos de mais longo alcance daquilo a que se convencionou chamar globalização. Os movimentos migratórios e os contatos entre as culturas, um fato que começou no século 16, estão a ponto de se acelerar. Felizmente, as ondas migratórias são menos agressivas, menos guerreiras que no passado, mas podem chegar a gerar situações perigosas e dramáticas. Este será, sem dúvida alguma, um fenômeno essencial. E se quisermos solucionar esse problema, se quisermos evitar a incompreensão, a guerra, o genocídio, é preciso preparar os povos e as culturas para a única via possível de paz e justiça, que não é outra senão a da mestiçagem.” (LE GOFF, 1997).

Ainda segundo Le Goff, o desenvolvimento urbano hoje caminha para o policentrismo.

Falando-se aqui principalmente de cidades européias, que originalmente tinham o centro

bem definido, geralmente numa praça onde se situava também a catedral (LE GOFF,

1998:145). Hoje, cidades como Los Angeles já nascem sem centro. Autoras como

Celeste Olalquiaga defendem que vivenciamos hoje uma sociabilidade pós-moderna, “a

cultura urbana contemporânea é comparável a um altar, onde a lógica da organização

é tudo menos homogênea, a saturação visual é obrigatória e a esfera pessoal é vivida

como um pastiche de imagens fragmentadas vindas da cultura popular.”

(OLALQUIAGA, 1998:73). Para Olalquiaga, as grandes cidades assemelham-se a

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mosaicos “onde os elementos se unem não para se dissolver, mas para, juntos,

construir um panorama.” (Ibid., 115). A convivência só se torna possível porque os

signos deixam de ser fixos, passando a ser recontextualizados numa resignificação

constante. A identidade cultural pós-moderna é como um nó na imensa rede de

interconexões sociais de uma cidade. Essa identidade, não sendo exclusiva, assimila

suas novas possibilidades numa incessante miscigenação de sentidos e possibilidades.

“Uma parte substancial do atual debate sobre a condição pós-moderna da cultura contemporânea – se ela deve ser considerada anarquista ou totalitária – gira em torno dessa rearticulação do verbal pelo visual, pressupondo uma possível reconstituição da linguagem e, por extensão, da hierarquia de poder que ela acarreta. (...) e que uma tal subversão se origine de algo que num primeiro momento foi visto como uma ameaça – o estilhaçamento das referências perceptuais pela alta tecnologia.” (Ibid., 27).

Para Michel Maffesoli, “o ideal do poder é a imobilidade absoluta”, pois foi o

sedentarismo que permitiu a configuração do Estado-Nação e do poder centralizado

(MAFFESOLI, 2001:25). Segundo ele, vivemos hoje a potencialidade de reviver o

nomadismo, seja ele no plano físico ou no plano semiológico das redes digitais.

Podemos voltar à percepção do mundo como uma encruzilhada de fluxos de sentido.

Esta jornada arquetípica, segundo ele, confunde-se com a interminável busca do si

mesmo. Algo que somente a noção de alteridade e complementaridade pode ajudar a

entender.

“O minitel e o avião, a ‘Internet’e as diferentes redes eletrônicas, a televisão e as auto-estradas da informação, tudo isso, para o bem ou para o mal, permite viver, em tempo real e sobretudo coletivamente, experiências culturais, cientificas, sexuais, religiosas que são, justamente, o próprio da aventura existencial. As potencialidades do ‘ciberespaço’ estão longe de se esgotar, mas já testemunham o enriquecimento cultural que está sempre ligado à mobilidade, à circulação, quer sejam as do espírito, dos devaneios e até das fantasias, que tudo não deixa de induzir. Sendo de um lugar, o homem da tecnópolis não existe a não ser na relação (nas relações).” (Ibid., 30)

O futuro das cidades digitais é o futuro do desenvolvimento urbano. Cada ponto/ser

atravessado pelas infovias de comunicação e sistemas de cognição compõe um elo

fundamental na compreensão do mundo, o elo que se esperava na universalização (sem

padronização) do saber. Este elo se concretiza com a Internet, uma raiz comum para a

humanidade, um rizoma construído como se sob a ótica de uma árvore da genealogia do

ser. Árvore esta onde estaria descrita a história da evolução das espécies, como viu

Darwin.

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A teoria do evolucionismo é uma das chaves para a compreensão da civilização

ocidental. Com ela institui-se uma hierarquia gnoseológica calcada numa visão

etnocêntrica do método científico que distinguia povos como mais civilizados

(evoluídos) que outros. O que se questiona, disse muito bem Walter Benjamin, é a

necessidade de um sentido exclusivo na interpretação do percurso histórico. Nossas

memórias culturais são o conjunto de nossos crimes contra outras culturas, “nunca

houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”

(BENJAMIN, 1985:225). Um monumento de vitória, uma bandeira, ou mesmo, uma

música podem ter sido os instrumentos da colonização cultural e formas sutis de

aculturação. Mas o que Benjamin nos lembra é que quem atribui valor a determinados

fatos históricos é sempre quem no passado venceu. A história dos vencidos é sublimada,

e a identidade do vencedor, reafirmada nas datas históricas, nas estátuas, nos nomes de

ruas e praças. O desenvolvimento da antropologia cultural trouxe outros insumos à

narrativa historiográfica do homem moderno. Para alguns autores, essa relativização

criou o que hoje se chama pós-moderno.

“O termo pós-modernismo pode ser entendido como algo que aponta para o processo de fragmentação cultural e para o colapso das hierarquias simbólicas que (...) ganha muito do seu ímpeto a partir da percepção de uma modificação do valor simbólico e do capital cultural do Ocidente, mais do que um direcionamento para um novo estágio de história, a ‘pós-modernidade’, a qual se baseia em um movimento desenvolvimentista da tradição e da modernidade, construído a partir da experiência ocidental. Este é, portanto um conceito importante, no qual o pós-modernismo aponta para a descentralização da cultura e a introdução de complexidade cultural.” (FEATHERSTONE, 1997:30-1).

Para além de uma visão desenvolvimentista, o atual estágio da civilização pode ser

interpretado até como um retrocesso. É como se as regras do jogo da narrativa histórica

tivessem sido mudadas. O que antes era visto como o sentido único e desejável do rumo

histórico, a rua de mão única, hoje se tornou uma encruzilhada. A própria noção de

tempo se transformou, o tempo hoje é um lugar.

2.9 Links Urbanos

A expansão dos sistemas de comunicação por vias digitais reaqueceu a já tão desgastada

fé na possibilidade de uma democracia social. A rede parece ser o suporte ideal para o

exercício de uma nova cidadania, calcada na inclusão de todas as vozes. Os sistemas de

comunicação assincrônico (e-mails, listas de discussão, etc.) permitem a manifestação

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das mais diversas opiniões, relembrando a antiga ágora grega, praça onde os cidadãos

gregos discutiam os rumos de sua sociedade. A ágora digital estaria representada, ou

melhor dizendo, estaria linkada nas cidades digitais (cf. CANDIDO, 1996).

Mas, apesar de todas as possibilidades que as cidades digitais abrem, ainda são poucas

as experiências no Brasil que têm de fato alguma funcionalidade (cf. MORAES, 2002).

Alguns projetos às vezes parecem esbarrar no desinteresse do governo local. Mas um

fator que sem dúvida ainda prejudica a implementação de tais projetos, no caso do

Brasil, é a dificuldade de acesso a tecnologia. Como se não bastassem as dificuldades

estruturais, existe também uma hierarquia de problemas sociais no Brasil (saúde,

educação, emprego, moradia, etc.) que empurra a questão do acesso as novas

tecnologias de comunicação para o fim da fila.

Serviços como o “Salvador Atende31” parecem gotas num oceano de dificuldades. Mas

podemos tomá-lo como um exemplo, dentre as diversas possibilidades da cidadania

digital. O serviço é quase como uma urna de sugestões, mas oferece meios de se

acompanhar o percurso de sua solicitação. Todos podem participar, bastando para isso

acessar o site. Mas, o risco é que esse serviço se torne apenas uma ferramenta para

burocratas, que não terão mais nem que desgastar-se no face a face com os cidadãos.

2.10 Democracia Digital

Assim fica para nós uma questão, como seria de fato a interação democrática por vias

digitais? E como estaria nela representada a diversidade cultural da própria cidade?

Parece que a multicentralidade das cidades digitais está na própria rede. Se

catalogássemos a totalidade dos sites de cidadãos soteropolitanos não teríamos aí um

reflexo da própria cidade? Farmácias, garotas de programa, adolescentes, artistas,

instituições, espaços, etc. Os excluídos sociais continuariam excluídos digitais, mas com

certeza com muito mais possibilidades de inclusão e participação. Por outro lado pode

se dizer que:

“De qualquer forma, finalmente, parece que podemos provar o contrário da tese de Virilio de que a desterritorialização seria a grande questão desta passagem de século. Mais do que isto: o que está dominando é a complexidade das reterritorializações, numa multiplicidade de territotialidades nunca antes vista, dos limites mais fechados e fixos da guetoificação e dos neo

31 http://www.salvadoratende.com.br/

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territorialismos aos mais flexíveis e efêmeros territórios-rede ou ‘multiterritórios’ da globalização. Na verdade, seria mais correto afirmar que o grande dilema deste novo século será o da desigualdade entre as múltiplas velocidades, ritmos e níveis de des-re-territorialização, especialmente aquela entre a minoria que tem pleno acesso e usufrui dos territórios-rede capitalistas globais que asseguram sua multiterritorialidade, e a massa ou os ‘aglomerados’ crescentes de pessoas que vivem na mais precária territorialização ou, em outras palavras, mais incisivas, na mais violenta exclusão e/ou reclusão socioespacial.” (HAESBAERT, 2004:372).

Ações como a da associação comunitária “Espaço Jovem Cibersolidário”, no subúrbio

baiano, ilustram bem o que se pode fazer com as potencialidades das redes digitais. A

mobilização de esforços no sentido de permitir o acesso dos ‘excluídos’ às novas

tecnologias32, pode ainda ser rara, mas é sem dúvida parte do caminho necessário para a

viabilização das potencialidades de transformação que as redes oferecem,

principalmente em cidades do chamado terceiro mundo, como Salvador.

Talvez as tentativas de transposição organizada dos serviços da cidade física para um

site oficial que represente essa mesma cidade na Internet tenha algo do sonho dos

urbanistas que esperavam salvar a cidade e acabaram por prejudicá-la. A complexidade

das possibilidades de uma cidade só encontra paralelo na complexidade da própria rede.

O sonho da ágora virtual talvez se concretize nas pequenas ágora nos múltiplos centros

da cidade e nos múltiplos nós da rede. O território de um site, ou seja o seu lugar, é o

seu sentido semiológico e cultural.

O liberalismo da LT de 96, por um lado, abriu espaço para os conglomerados

multinacionais, mas por outro desburocratiza a forma de expansão das redes digitais.

Assim, evita-se o risco da burocratização de uma centralização administrativa. De forma

semelhante, este risco parece rondar o projeto das cidades digitais. O contraponto a isso,

no entanto, seria o despertar da sociedade para a sua capacidade de mobilização, o que

não deixa de ser também utópico. Mas não há quem viva sem utopia...

32 Ainda que se possa dizer que a propagação da rede digital se dará com sua convergência ao celular.

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3 O ETNODESCENTRISMO

Listas de discussão ou grupos são serviços públicos que permitem o compartilhamento

de mensagens entre diversos usuários. Os serviços mais conhecidos no Brasil são o

Yahoogrupos e o grupos.com. Para nossa análise escolhemos alguns grupos temáticos

do Yahoogrupos, partindo das categorias do próprio Yahoo, categorias estas que são

alteradas e acrescidas pelos usuários. Por exemplo, temos as categorias e as sub-

categorias:

Ciências > Ciências Sociais > Antropologia e Arqueologia Relacionamentos > Romance > Interracial Sociedade > Debates e Causas > Relações Raciais Sociedade > Debates e Causas > Multiculturalismo Sociedade > Grupos > Expatriados

Combinando a classificação escolhida pelos criadores das listas, com a busca por

palavras-chaves (negro, raça, por exemplo) encontramos uma infinidade de listas,

muitas desativadas, ou temporárias relativas a eventos. Assim priorizamos as listas mais

ativas relacionadas ao preconceito racial e às ações afirmativas. São elas:

Atabaque Virtual - 1552 mensagens até 17/02/2004 http://br.groups.yahoo.com/group/atabaque/Descrição: “Atabaque é um grupo para a manifestação livre de opiniões e comunicados para o povo preto.É a versão digital do nosso boca a boca ancestral. É o nosso tambor cibernético.”

Literatura indigena - 4609 mensagens até 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/literaturaindigena/ Descrição: Essa rede objetiva aglutinar escritores / pensadores indígenas que buscam o exercício de seus direitos humanos refletidos na área literária, enfocando temas diversos, assumidos como um agente transformador da vida como indígenas- primeiras nações do planeta terra_ , a agentes mobilizadores de opinião, multiplicadores de idéias, enfim fortalecedores da consciência indígena, um pensamento nacional desvalorizado na sua identidade por imposição cultural adversa.A rede objetiva ainda, dentro dos aspectos literários da escrita e da oralidade,intercambiar escritores indígenas nacionais e internacionais ou amantes sensíveis desse tipo de literatura e que possam não ser indígenas.A rede objetiva também fortalecer os elos ancestrais através da consciência maior de quem somos como povos indígenas no mundo, consciência essa que ecoa através dos tempos imemoriáveis.Os temas são os mais variados possíveis:conhecimento tradicional, propriedade intelectual,direitos indígenas,direito à terra, gênero, biodiversidade, saúde e direitos reprodutivos, educação, desenvolvimento e trabalhos INDÍGENAS.Os povos afro-descendentes, assim como povos ressurgidos, quilombolas, povos indígenas desaldeados e urbanos, todos sem discriminação são altamente aceitos nessa rede contra o sistema socio-político e racial que nos oprime como povos indígenas. "A PALAVRA DA MULHER INDÍGENA É SAGRADA COMO A TERRA"

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mulheresnegras · Lista de informações do processo preparatório para a III Conferencia contra o Racismo - 12.252 mensagens até 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/mulheresnegras/Descrição: Essa lista foi criada com o objetivo de circular informações sobre a III Conferência Mundial contra o Racismo(processo pré e pós-Durbam) bem como sobre o Movimento de Mulheres Negras Brasileiras. Fazem parte dessa lista as organizações de mulheres negras e pessoas interessadas na discussão do tema numa perspectiva feminista negra. Pedimos a compreensão de tod@s no sentido de nos ajudar a manter essa importante ferramenta de comunicação dentro dos propósitos originais.

Discriminação Racial - 10.079 mensagens até 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/discriminacaoracial/ Descrição: Discute questões jurídicas ligadas a praticas discriminatórias contra minorias etnicas bem suas conseqüencias no processo de desenvolvimento social e econômico de nacionalidades. Propõe medidas legais e políticas visando aperfeiçoamento daquelas relações e superação da discriminação como componente das culturas nacionais Mulheres Indígenas - 56 mensagens até 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/mulheresindigenas/ Descrição: Este grupo surgiu no II Encontro de Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, realizado de 30 de outubro a 01 de novembro de 2003. Dele fazem parte as mulheres indígenas e pretende ser um canal de informações e contato entre as mesmas.

DemocraciaRacial · Pela democracia - 795 mensagens até 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/DemocraciaRacial/Descrição: INTRODUÇÃO - Considerando que a sociedade brasileira possui uma dívida mesomilenar para com as raças indígena e negra, que foram partes fundamentais para a construção cultural e material deste país, decidimo-nos por dedicar esforços no sentido de retribuir e privilegiar as vítimas da selvageria praticada pela elite dominante sobre nossos antepassados, a qual ainda repercute hoje, através da cultura deles herdada, e ainda modela, de forma negativa, o caráter de nosso povo. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE LONGO PRAZO - Organizar a luta pela democratização racial de tal forma a produzir resultados mais rápidos, mais eficazes e mais permanentes em Belo Horizonte, em Minas Gerais, no Brasil e no planeta. PLANEJAMENTO DE MÉDIO PRAZO - Unir prioritariamente os movimentos que defendem os interesses dos negros, por formarem a maioria racial mais oprimida, de tal forma a ampliar a participação dos indivíduos na luta por seus direitos e otimizar estes resultados, dentro do princípio de que, numa democracia, raças como a negra e indigena, e gêneros, como o das mulheres, vítimas históricas da injustiça social, política e cultural, devem estar proporcionalmente representados nos centros das decisões do Estado, seja nos governos municipais, estaduais ou federal. PLANEJAMENTO DE CURTO PRAZO - Defender o sistema de cotas nos colégios e universidades públicas e privadas, destinadas à classe mais pobre de nossa sociedade, reconhecendo que os negros compoem a sua maioria e sofrem duplamente com o preconceito racial e social, motivo pelo qual devem ser duplamente privilegiados. Influenciar o Estado para que ele cumpra o seu papel de tratar de forma diferente os desiguais, privilegiando os que sempre foram prejudicados pela sociedade, com objetivo de fazer com que todos sejam iguais perante à lei..

Mídia Étnica - 139 mensagens até 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/midiaetnica/Descrição: Grupo de discussão sobre Mídia e Etnia. A proposta do grupo é aglutinar estudantes de comunicação, professores, profissionais de mídia, pesquisadores, cineastas e produtores culturais que queiram discutir novas perspetivas para a inclusão de minorias étnicas nos meios de comunicação.

Monitorando estas listas, pudemos observar que as mesmas se mantém atentas a tudo

que se divulga na mídia sobre sua identidade étnica. Muitas fazendo clipagem das

notícias, pois existem participantes que integram mais de uma lista ao mesmo tempo e

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encaminham a mesma notícia para todas suas listas. É comum ver reações e

reafirmações quando as notícias contrariam algum interesse específico.

1º Caso - Marisa Orth

Mensagem 01 From: Ras Adauto To: [email protected] Sent: Tuesday, August 24, 2004 1:28 PMSubject: [mulheresnegras] Marisa Orth Racista??????Gente, segue mensagem que mandei para AOL news, depois de ler a cronica de Marisa Orth ali....Trecho da cronica que me indignou: é que ela reproduz a piada em cima de Daiane e sau mae e se acha engracada com isso, incrível!!!!! (www.aol.com.br/colunistas/marisa)

"Até as Olimpíadas começaram e o nosso Brasilzinho, não se sabe bem por que, não vai muito bem em termos de medalhas. Aliás, no país da piada instantânea ouvi outro dia a pior das politicamente incorretas. Daiane indo para Atenas pergunta à mãezinha se ela quer prata ou ouro e ela responde: Pode ser nanica mesmo! Que horror. É um lado meu Zé Simão, que às vezes aflora..." Marisa Orth, AOL News =============Marisa Orth Racista?????Marisa, vá se ferrar com sua piadinha racista em cima da Atleta Daiane dos Santos e sua mae. Me admiro voce, uma atriz de grande talento e inteligencia, cair numa burrice dessa... Qual é, Marisa?... Se toque, nao seja reprodutora da burrice racista brasileira...

Ras Adauto de Berlin [email protected]

Mensagem 02----- Original Message ----- From: Rebeca Oliveira Duarte To: [email protected] Sent: Tuesday, August 24, 2004 3:02 PMSubject: [mulheresnegras] Cala a boca, Magda!?

CALA BOCA, MAGDA!?Ao receber a manifestação racista de Marisa Orth, fantasiada de "piadinha" - algo típico do crime racial brasileiro -, essa frase foi tudo que eu lembrei de imediato.Não, não esperem que eu vá reproduzir o chavão humilhante, cuja finalidade nitidamente machista era trazer o estereótipo de mulher-burra-mas-boa-de-cama na personagem de mais um programa entre tantos outros preconceituosos da Globo. Não irei, para responder a um crime, cometer um ato de reprodução desse mesmo sistema discriminatório. Irei, sim, partir desse local da personagem Magda para denunciar as palavras de quem lhe encarnou o papel global, a atriz e cantora Marisa Orth.(...)Fala, Marisa, pode falar. Conta o que o Brasil ainda insiste em ocultar ou minimizar. Fala desse extermínio físico e simbólico à pessoa negra, que independe de situação social ou de classe; fala do assassinato de Flávio, por sua cor; da ridicularização de Mussum, por sua cor; fala também de Pelé, tão falado rei, e as piadinhas racistas que já foram ditas sobre ele, por sua cor; fala dos rapazes negros, maiores vítimas da violência urbana, por sua cor; das mulheres negras, maiores vítimas do tráfico internacional de seres humanos, por sua cor; (...)À atriz Marisa Orth foi comum e banal assumir esse local da subordinação enquanto Magda. Acrítica, não percebeu que o "cala a boca" era dado verdadeiramente à mulher, não somente à personagem; e, agora,

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pensa ter falado apenas a seus pares, pessoas que acredita ter feito sorrir, se divertirem com a "piada" racista. Não, Marisa, você falou a todo o povo negro brasileiro, e por isso deve ser responsabilizada penalmente. Você cometeu o crime de racismo e por isso a denunciamos. Porque nós, mulheres e negras/os, não aceitamos - nem hoje, nem nunca - a ordem do silêncio.

Rebeca Oliveira DuarteadvogadaRecife, 24 de agosto de 2004.

Mensagem 03----- Original Message ----- From: José Antonio dos Santos da Silva To: [email protected] Sent: Tuesday, August 24, 2004 6:40 PMSubject: Re: [literaturaindigena] Marisa Orth Racista?????!!!!!!!

Ras, realmente tiraram a página do ar. Viram a cacaca que saiu da boca dela.Temos de buscar está matéria e detonar a piruá.José Antonio/RS

Mensagem 04----- Original Message ----- From: <[email protected]>To: <[email protected]>Sent: Saturday, August 28, 2004 1:17 AMSubject: Re: [mulheresnegras] Marisa Orth responde: Perdão,_leitores

Ainda que concluíssemos que as linhas traçadas por Marisa Orth é pura demagogia, não teria coragem de processá-la, proponho que a retratação e a agressão sejam amplamente divulgada, para que possamos educar a sociedade brasileira que vive "cochichando" piadinhas racistas impunimente. Por hora compeendo que esse foi um momento vitorioso no combate ao racismo.

Axé Edson França

Nesse exemplo, a atriz global Marisa Orth se retrata publicamente por sua infame

piadinha. O recorte acima retrata a mobilização e as estratégias que os representantes da

etnia “ofendida” adotaram no sentido de uma resposta pública ao que foi veiculado na

mídia. É interessante observar que o tema transitou por mais de uma lista, sendo até

mesmo debatido na que se refere a temática indígena.

2º caso – Solange Big Brother

----- Original Message ----- From: "P.Rogério Nunes" <[email protected]>

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To: <[email protected]>; Sent: Friday, March 26, 2004 6:04 PMSubject: [midiaetnica] Racismo virtual: O caso 'Solange do Big Brother'

Racismo virtual: O caso 'Solange do Big Brother' por: Paulo Rogério Nunes

Mais uma vez a Internet é palco de manifestações racistas. Desta vez foi o Bloghttp://www.euodeioasolange.weblogger.terra.com.br que expôs a real face dasociedade brasileira. Uma sociedade racista e preconceituosa. Esse blog foi criado em virtude da antipatia da uma "internauta" pela figura deSolange do Big Brother Brasil. Ter antipatia de alguém é até aceitável (aliásesse texto não está aqui para defender as atitudes pessoais da Solange), mas aautora do Blog - e a maioria dos visitantes do blog fizeram questão demanifestar sua hostilidade contra negros e pobres. Além de comentários depreciativos, foram utilizadas imagens associando a imagemde Solange a um macaco e fizeram paródias como: "ASSOLANge" para dizer que ocabelo dela era igual a esponja de aço. Esse "apelido" também está no site doprograma "Casseta e Planeta", da Rede Globo (...)

É preciso denunciar crimes de racismo na Internet. Cobrar dos nossosrepresentantes uma postura energética em relação a esses. Divulguem a moção derepúdio abaixo, ela foi criada por dois militantes e está sendo divulgada naInternet.

Paulo Rogério Nunes - Estudante de Comunicação e membro do CUMBA, Núcleo deEstudantes Negros da Universidade Católica do Salvador/BA

PS : Após divulgação da moção de repúdio ontem (dia 26/03/04) a autora do blogretirou do layout a figura do macaco, porém havia copiado a tela ontem e entãocoloquei no site http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/03/276387.shtmlpara uso em um eventual processo criminal

Algumas frases retiradas do blog:

"Alem de preta e burra, ela eh corinthiana! eh muita coisa pra uma encarnaçãosoh!!!! - erico - enviado em 25/3/2004 18:13:00 "

"ODEIO AKELA IMUNDA... PORCA, TEM ATÉ FUNGO NO CABELO... AQUELA GORILA NOJENTA DA RISADA FORÇADA !!! APELIDO DA SOLANGE: FUNGO NA PALHA .... PQ AKILO NAO É CABELO, É BOMBRIL - PAULA - enviado em 23/3/2004 13:22:00 "

"Oii voltei do meu túmulo pra odiar essa preta desgraçada tbm, idiota, estúpidaignorante, nojenta, fidida, corpo ridiculo njento, nem o namorado dela aguantao fedozão dakela ignorante! é isso ai galera, continuem com esse site brilhante, viva a suastica, e onazismo! marcela continue acabando com essa rídicula! Adraços Adolf Hitler - enviado em 21/3/2004 23:48:00 "

Esse caso também demonstrou que a pressão exercida pela “opinião pública” digital tem

força suficiente para inibir manifestações consideradas agressivas por determinadas

identidades étnicas. No entanto, não existe quase nenhuma comprovação de que a

pressão tenha sido exercida apenas por militantes, ou por integrantes que atendam às

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características fenotípicas do grupo. A participação se dá a partir da identificação com o

discurso, ou a partir da rejeição do ato discriminatório. As listas cumprem um papel

importante de agregação e de mobilização, mas têm um alcance restrito. Pois pressupõe

algum tipo de relação prévia entre os participantes, seja num evento, numa instituição,

ou no intercâmbio militante. Assim, para descobrir e integrar uma lista, o futuro

participante deve procurá-la nos sites que oferecem o serviço ou ser convidado.

Também é comum ocorrer adesão quando se recebe uma mensagem encaminhada que

contenha informações sobre seu contexto de origem, já que no rodapé costuma-se

incluir as formas de inscrição ou de cancelamento da assinatura.

3.1 Os Territórios do Discurso Digital

Sem dúvida, as principais formas de difusão dos discursos étnicos estão nos sites.

Funcionando como um tipo de panfleto digital, os discursos de afirmação ou negação

étnica encontram sua estruturação mais “oficial” ou “institucional” nesse formato. No

entanto, nesse ambiente de propagação discursiva nos deparamos com a impossibilidade

de delimitação, ou esgotamento do objeto de estudo (cf. VAZ, 2000). A velocidade de

crescimento da rede nos impõe um novo método, já que não existem condições de

catalogar e analisar, e nem mesmo definir amostras significativas. A decisão e a

contingência somam-se aqui à autodeterminação e ao fator tempo. Os sites a seguir

foram colhidos em minhas navegações, portanto não ambicionam mais que um recorte

fractal do universo estudado. Vejamos uma amostra de seus discursos e de sua auto-

imagem.

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Figura 4 - AFIRMA33

Afirma Comunicação e Pesquisa é uma organização não-governamental, suprapartidária, sem fins lucrativos e sem vinculação religiosa. Sua missão institucional é a produção e a democratização de informação e dados relevantes para a promoção dos direitos humanos e de maior igualdade e diversidade racial e de gênero. Afirma Comunicação e Pesquisa nasce a partir de uma experiência pioneira de mídia eletrônica e racial, a publicação Afirma Revista Negra Online , fundada em fevereiro de 2000, e que tem se tornado uma publicação de referência sobre o trabalho e a reflexão de ONGs e pesquisadores negros e não-negros no Brasil e no exterior. (...) Afirma Revista Negra Online, a primeira revista eletrônica negra no país, representou uma inovação em termos de produção de informação a partir da vivência das comunidades e organizações negras brasileiras. O aprimoramento desta experiência traduz-se na expansão de sua cobertura (assuntos relacionados à mulher, crianças e adolescentes, direitos humanos, etc.) em atualizações diárias, na utilização de elementos multimídia, no monitoramento da mídia e na contínua produção crítica sobre as políticas públicas e a mídia brasileiras em seu tratamento da questão racial. As atividades no programa de comunicação são complementadas pelos projetos Arquivo Online da Imprensa Negra do Brasil e Afirma Livros, um selo editorial em parceria com a Editora Pallas para a publicação de obras brasileiras e estrangeiras sobre temas de interesse dos afro-brasileiros. As atividades neste programa destinam-se a promover projetos, debates e formulação de propostas sobre segregação digital, conectividade e acesso às TCIs. A principal atividade para o próximo biênio é a elaboração de um plano estratégico para a abertura de um Centro Tecnológico Comunitário (CTC) onde, além de se promover o acesso à Internet, também se ofereça treinamento em produção de conteúdos para a Internet. Acreditamos que a segregação digital (digital divide) deve ser combatida não somente com a promoção do acesso, mas principalmente com a produção de conteúdos alternativos preparados por aqueles grupos tradicionalmente excluídos da sociedade. Políticas públicas - O debate sobre a formulação e implementação de políticas públicas anti-racistas no Brasil é fundamental. Embora as ligações entre políticas públicas e racismo no Brasil ainda seja incipiente, é necessário entender as relações sociais e políticas entre grupos raciais e étnicos distintos no país, condição essencial para a elaboração de políticas públicas efetivas e eficazes. As atividades principais incluem a promoção de debates sobre racismo e políticas públicas, a divulgação de iniciativas de organizações da sociedade civil e análises dos impactos de programas anti-racistas.*******************************

33 http://www.afirma.org.br/

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Figura 5 - Organização Branca Nacional (OBN)34

O objetivo desta página é lutar contra o racismo dirigido aos brancos, originado de todas as fontes, em especial da mídia (jornais, revistas, televisão, etc.). Não nos referimos a jornalecos ou revistinhas, nem a redes de televisão de pequena abrangência, mas sim a jornais influentes como a Folha de S. Paulo ou O Estado de S. Paulo; revistas renomadas como Veja, IstoÉ, Época; e redes de televisão do porte da Globo, SBT, Bandeirantes.Adotando uma clara política de discriminação racial, estes órgãos de comunicação desde há muito declararam guerra à raça branca e agora esta guerra está em pleno auge. Não apenas a raça branca tem sido incessantemente acusada sem direito de defesa, como outros grupos raciais que ao longo de sua história e mesmo atualmente apresentam comportamento indiscutivelmente racista e cometem crimes da mais horrenda barbárie são privilegiados com uma estranha imunidade a críticas e até mesmo elogiados!!!(...)

34 http://libreopinion.com/members/obn/princip.htm

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Mas, como tudo que sobe tem que descer, nós, como a vanguarda da raça branca, nos insurgimos na defesa de nossos direitos e liberdades, a começar pelo direito de defesa e liberdade de expressão, para levar essa onda que vem se intensificando desde há décadas mas que tem origem no fim do século XIX, e que agora atinge seu ápice de insanidade, à sua queda inevitável. Nem que para isso seja preciso mover montanhas!!!*******************

Figura 6 - FUSÃO RACIAL - Informativo do Movimento Nação Mestiça35

Esta página visa colaborar com o processo secular de miscigenação racial do povo brasileiro em uma perspectiva mestiça, ou seja, naquela em que o observador é herdeiro dos diversos grupos que examina e com os quais identifica-se sentimentalmente e historicamente. Esta página visa também revelar as ideologias da separação racial, desde o segregacionismo explícito ao preservacionismo racial.O que NÃO defendemos e em que NÃO acreditamos: NÃO acreditamos nem defendemos a superioridade dos mestiços em relação aos não mestiços. NÃO defendemos miscigenação obrigatória como forma de promover a miscigenação nacional. NÃO defendemos qualquer forma de censura político-ideológica nem acreditamos em sua eficácia para combater o racismo. O que DEFENDEMOS e em que ACREDITAMOS: Que só a miscigenação racial pode realmente acabar com o racismo. Que a palavra raça refere-se a um legado genético comum, não intencionalmente constituído, que se manifesta exteriormente na aparência e constituição física de determinadas populações humanas. Que o conceito de raça distingue-se do de etnia, do de povo, do de grupo religioso, do de nacionalidade, ou de qualquer outro que não esteja baseado em aparência e constituição física. Que censura é ineficaz no combate ao racismo. Que práticas racistas devem ser punidas conforme a Lei, o que não deve ser confundido com restrições a liberdade de expressão. Que a nação brasileira deve orgulhar-se por ser uma nação predominantemente mestiça. Que cada mestiço é herdeiro do legado das etnias e raças de seus diversos ancestrais e que deve reclamá-lo. Que a sociedade, as autoridades públicas e o Estado brasileiros devem promover e facilitar a aproximação e a integração das diversas etnias e raças da nação brasileira e facilitar a miscigenação entre estas. Que todo o território brasileiro pertence a todos os brasileiros sendo condenável a criação de áreas de isolamento racial e étnico. Que a sociedade, as autoridades públicas e o Estado brasileiros devem rejeitar toda forma de racismo, segregacionismo e isolacionismo étnico e racial que prejudicam o processo histórico de miscigenação racial do povo brasileiro.

35 http://www.geocities.com/fusaoracial/

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Que a tolerância e o respeito ao legado das diversas culturas e etnias formadoras da nação brasileira não servem como justificativa para a promoção do preservacionismo racial e o isolamento étnico. Os mestiços são tão herdeiros dos legados de seus ancestrais quanto qualquer outro ser humano. Que o Brasil é um só. Procuramos selecionar textos que revelem várias tendências e opiniões diversas sobre a condição do mestiço e da miscigenação, no Brasil e no mundo. Aguardamos sua sugestão. ***********

Figura 7 -INDIOS ON LINE36

É um canal de dialogo, encontro e troca. É um portal pela paz e o respeito. É o primeiro portal feito com índios em diálogo intercultural para ligá-los ao mundo, com informação produzida e comunicada por eles e a coordenação da ong Thydêwá, com patrocínio da rede de supermercados Bompreço, incentivo do Programa Fazcultura do Governo do Estado da Bahia e apoio da Unesco. Cada tribo, que reúne de 1,5 a 7 mil pessoas, esta se conectando através de um computador e uma antena para conexão à internet via satélite com o mundo. É um portal de dialogo intercultural. Promovemos a paz e o respeito por todos os seres. Valorizamos a diversidade.Dia 19 de Abril, dia nacional dos Povos Indígenas, sete aldeias: Kiriri, Tupinambá, Pataxó-Hãhãhãe, Tumbalalá, Xucuru-Kariri, Kariri-Xocó de Alagoas e os Pankararu de Pernambuco se conectam à internet em suas próprias tribos, realizando uma aliança de estudo e trabalho em benefício de sua comunidade e o mundo.

36 http://www.indiosonline.org.br/

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Figura 8 - A Internet na minha tribo

“A vida na minha aldeia é muito dificio porque a covivencia é muito dificio pois nao temos recursos suficientes para a nossa sobrevivencia.Mas agora eu acredito que melhore bastante com a vinda do computador na aldeia.Podemos pedir recursos atravez da internet ,as pessoas sabendo da vida do indio vão ficar interessadas e vâo querer ajudar,eles vao se interessar porque eles vao parar e ver que o indio é uma naçâo muito bonita e bela,ai vao passar a nos respeitar e acabar com o preconceito para com indio.A vida indigena tem uma rotina que busca sobrevivencia dos recursos naturais sem perder sua essncia. Ser indio pra mim é muyito importante.” nirlene *******

Figura 9 - PLETZ37

37 http://www.pletz.com/

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Em setembro de 1998 Gustavo Erlichman colocou em prática um grande sonho: disponibilizar na internet um lugar onde a comunidade judaica pudesse debater todos os temas ligados a ela. Desde notícias de Israel, debates, agenda cultural, entre outros temas. Nasceu então a PLETZALE! Uma lista de debates via e-mail da comunidade judaica. Mas porque PLETZALE? Todos perguntavam e perguntam até hoje. Então vamos explicar...Desde criança Gustavo frequenta o Bom Retiro, o bairro judaico de São Paulo. Lá viviam seus avós, pais e foi lá também que por muitos anos trabalhou. Na Rua da Graça, na Rua Correia de Melo, entre outras ruas, existiam senhores que ficavam em "roda" conversando por horas e horas. Estas "rodas" eram chamadas de PLETZALE e lá era possivel conversar sobre diversos assuntos, saber as "últimas" da comunidade, saber as notícias de Israel, fazer guisheft (negócios), fazer amigos, entre outras coisas...O Bom Retiro, ainda possui muitas caracteristicas judaicas, mas as novas gerações chegaram e algumas destas características infelizmente acabaram, inclusive o PLETZALE. Por isso Gustavo criou a PLETZALE, para que todos pudessem se encontrar e se conhecer virtualmente, para conversar e poder continuar algo que nossa geração não continuou no "mundo real".E parece que deu certo, pois, desde setembro de 1998 o objetivo foi alcançado e hoje podemos afirmar que a PLETZALE possui debates de alto nível e um público formador de opinião. Em dezembro de 2000 foi lançado o PLETZ.com (PLETZ é apenas um diminutivo de PLETZALE) aonde os diversos colaboradores fornecem um conteúdo de alto nível que sempre geram debates em nossa lista.

Analisando o discurso dos sites acima podemos notar que, apesar de defenderem sua

diferenciação, todos de alguma forma exigem e defendem o respeito à diferença: Afirma

- “para a promoção dos direitos humanos e de maior igualdade e diversidade racial e

de gênero”. OBM - “O objetivo desta página é lutar contra o racismo dirigido aos

brancos”. Índios on line – “Promovemos a paz e o respeito por todos os seres.

Valorizamos a diversidade.”. Também há o estímulo ao debate: PLETZ – “um lugar

onde a comunidade judaica pudesse debater todos os temas ligados a ela”. Índios on

line – “É um portal de dialogo intercultural”. Um outro aspecto abordado, comumente,

por sites de afirmação étnica é o novo espaço de expressão que a rede digital oferece a

setores excluídos da grande mídia: AFIRMA – “com a produção de conteúdos

alternativos preparados por aqueles grupos tradicionalmente excluídos da sociedade”.

OBM – “adotando uma clara política de discriminação racial, estes órgãos de

comunicação (a grande mídia) desde há muito declararam guerra à raça branca e

agora esta guerra está em pleno auge”. No entanto, estes espaços, além de oferecerem

arquivos de dados importantes para estas comunidades, buscam acima de tudo agregar

novos membros a suas causas e estimular algum tipo de colaboração.

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Os sites de organizações não governamentais se inscrevem como discursos produzidos de grupos identitários desvalorizados por um sistema cultural dominante, que são resultantes de modos de apropriação da superfície de inscrição do www, com o objetivo de resgatar uma memória cultural, um passado de exclusão e de reivindicação de direitos civis, em benefício da luta contra a discriminação e a intolerância ao sujeito de cor negra. Os discursos trazem, como característica principal, a necessidade de conquistar algum poder por parte da identidade marginalizada, trata-se de um modo de articulação de determinados contextos culturais permeados por relações de poder e de dominação, com a utilização/experimentação de uma tecnologia interativa que, no limite, prioriza a atuação do usuário no fluxo cultural propriamente dito. (PEREIRA, 2001)

Vejam que aqui no ciberespaço, negros, brancos, mestiços, índios, judeus, etc., todos de

alguma forma usam das mesmas estratégias discursivas, mesmo levando em conta

o contexto cultural destas representações, no caso o Brasil.

3.2 A Construção Digital da Identidade38

No começo de 2004, começou a ganhar fama no Brasil um software social de

gerenciamento de redes de relacionamento, o Orkut. O ingresso no sistema se dá através

de um convite, uma vez dentro do sistema você passa a fazer parte uma rede orgânica,

onde a navegação se dá através de pessoas. O sistema ainda está em fase experimental,

mas já tem 1.987.705 usuários39. Antes de começar a usá-lo, no entanto, se deve

preencher um cadastro. Mesmo não sendo necessário preencher todos os dados, há até

quem os invente. Para representar sua imagem, você pode usar uma foto ou uma gravura

(aqui surge uma das formas mais curiosas de auto-representação).

38 A busca por friends não se basta no nome e sobrenome, os homônimos pululam na rede. Em breve devem ser desenvolvidos searchs que cruzem dados como “friend to friends”. 39 Em 10/10/2004

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Figura 10 - auto-representação imagética no Orkut40

No Orkut você também pode criar comunidades de interesse e essas comunidades

acabam sendo um tipo de etnicidade, pois reúnem pessoas entorno de um

compartilhamento de sentido e de espaço (ainda que virtual). Podemos aqui visualizar

claramente como funciona a etnicidade digital, ou o e-tno.

Vejamos a descrição, as principais características e alguns trechos dos debates gerados

por algumas comunidades intencionalmente “étnicas”.

A Beleza Negra se descreve como “uma comunidade para aqueles que marcaram

Black no seu profile do Orkut”. Essa é uma excelente definição de etnicidade digital,

você é aquilo que você escolheu quando preencheu os dados de seu perfil (profile).

Apesar de estar na categoria de romance e relacionamentos, os temas de seus debates

nem sempre foram muito românticos. Criada e moderada por Garcia Black, ela é do tipo

público (todos podem ler), mas não permite posts anônimos. Foi criada em 10 de Junho

de 2004, tinha 65 membros em 11/06/2004 e em 10/10/2004 já contava com 1.238

40 Comunidade criada por mim para debater os assuntos dessa pesquisa. Fica aqui registrado meu agradecimento a todos.

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membros. É uma comunidade de ação-afirmativa e usa estratégias para a elevação da

auto-estima de seus membros.

Um dos tópicos (topic) mais polêmicos dessa comunidade foi o “Cotas para Negros nas

Universidades”41, iniciado pelo membro “Ricardo42” em 11/06/2004, que trazia a

pergunta: “O que vocês estão achando dessa "polêmica" com relação a esse assunto?”.

A partir de então desenvolveu-se o debate que pode ser visto no anexo. É interessante

observar a referência ao espaço criado pela comunidade - por exemplo quando

“Lisandra” diz que “Se aqui eu não for "acolhida com minha ignorância", onde vou

ser?” - ou ao fenótipo dos argumentos, quando “Ayra-on” diz: “É realmente ótimo ver

os argumentos dessa negritude”. Um momento particularmente significativo é quando

surge a referência a uma outra comunidade, a Anti-cotas para negros43. “Ayra-on” diz:

“O Anti-Cotas pra negros está cheinho de gente. Grante quantidade mais nenhuma

qualidade argumentativa. É bom evitar usar instrumental (ou seja, nossa eloqüencia)

em foruns assim, pois além de banalizar algo importantíssimo, deixamos forte o lado

contrário”. Isso ilustra um problema recorrente nas comunidades, parece que não existe

mais a possibilidade de convencimento argumentativo. Apesar de extensos debates,

dificilmente os oponentes mudam de opinião. Por exemplo, sobre isso “Spk” afirma:

“Eu participei daquela comunidade44 por algumas semanas, defendi o sistema de cotas

com unhas e dentes, mas cheguei a conclusão de que é uma briga inútil, pelo menos

aqui dentro do Orkut, pois eu não vou mudar a opinião deles e eles não mudarão a

minha. No máximo, vai rolar um bate-boca gratuito e nenhum entendimento a respeito,

pois para haver mudanças, é preciso estar com a mente aberta, fato que não ocorre

com determinadas pessoas daquela comunidade.” Logo a seguir “Leo” comenta

demonstrando grande abertura mental: “Eu ia entrar nessa comunidade, mas comecei a

ler os post e decidi q nao ia perder meu tempo com esses idiotas. Eles podem pensar e

escreverem o q bem quiserem, PQ AS COTAS VAO SER IMPLANTADAS SIM. Quero q

41 As cotas pretendem um tratamento diferenciado para os grupos étnicos historicamente desfavorecidos. A polêmica em torno de sua adoção é principalmente quantos aos critérios de inclusão. Cor, fenótipo, etnia ou classe social? Faremos algumas considerações sobre o tema mais a frente. 42 Nas análises que se seguem não incluímos as representações contidas nos perfis (profiles) dos sujeitos, pois o que tentamos analisar é o funcionamento dos discursos afirmativos no plano social. É claro que seria psicanaliticamente interessante cruzá-lo com suas auto-representações. Quem sabe em outro trabalho? A título de registro reuni alguns profiles no anexo.43 http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=40260&sid=326924266424009150244 Anti-cotas para negros.

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eles e seu pensamentinho racista se fodam”. É uma característica recorrente nesses

fóruns públicos o uso de palavrões e xingamentos, o que parece detonar uma variedade

etária nos debates, mas também uma inconseqüência, já que não existe o risco de

agressões físicas ou proteções legais.

Vamos ver agora o que pensam os membros da Anti-cotas para negros. A comunidade

se descreve assim: “SE VOCÊ TAMBÉM ACHA NOJENTO CLASSIFICAR GENTE

POR COR EM NOME DE QUALQUER CAUSA, ENTRE NESTA COMUNIDADE

DANÇANDO MICHAEL JACKSON”. Foi criada em 11 de abril de 2004, por Natércia

Pontes. Tinha 24 membros em 25/06/2004 e já contava com 2.888 membros em

outubro de 2004.

Nesta comunidade “Ayron-on” tem papel fundamental na contraposição às opiniões dos

outros membros. “Esse achismo de vocês não é o que está em questão aqui. Se lerão o

documento, lá tem explicação pras ações afirmativas. Quero debater idéias

fundamentadas, não achismos pré determinados”, desafia ele. Em outro momento

“Francisco” se irrita: “Como é fácil de se irritar quando se entende só o que se quer.

Isso aqui não é salinha de bate-papo, claro que não. Mas eu não conheço ninguém que

mude de opinião apenas porque viu um fórum no Orkut. Esse espaço serve para cada

um mostrar o seu ponto de vista, porque é a favor ou contra as cotas, explicar os

motivos e tudo mais. Agora, se tu quiser sair, é problema teu, meu caro. Mas eu

aprecio um bom debate, e enquanto se mantiver o nível da conversa, vai ser sempre um

prazer ler as tuas idéias”. “Ayra-on” rebate: “Então a tua finalidade aqui Chico é só

bater papo com teus amigos sobre o quanto é louco o governo federal e ignorantes os

que são a favor das cotas? Eu tenho vontade sim, de que, com argumentos embasados,

mude essa opinião. Se o objetivo aqui é só bater papo sobre coisas que já estão

soldadas... me avise que eu saio com prazer.” A dificuldade em se alcançar um

consenso é uma característica do debate digital, também observamos isso nas listas de

discussão. A questão se agrava quando não se quer nem ser associado a determinada

comunidade para não transparecer algum tipo e adesão. “Eva” sobre isso afirmou: “to

saido dessa comunidade pq to vendo q aqui tem um bando de gente q necessita de

ajuda psiquiatra e pq se alguem entra no meu perfil e ve o nome desta comunidade vai

pensar q eu estou contra as cotas, vai queimar meu filme”. Isso de alguma forma indica

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uma tendência no Orkut, muitos usuários aderem a algumas comunidades demonstrando

sua posição ou complementando seu perfil, através desse pertencimento.

A comunidade 4P - Poder Para o Povo Preto que se descreve como um “grupo para

discutir temas como racismo e outras formas de discriminação, estereótipo da raça

negra e as cotas de 'reparação histórica'. Os Afro-descendentes - descendentes dos

africanos trazidos como escravos - ainda hoje são vítimas da sociedade.

Historicamente, em tempos não tão longínquos, negros e mulheres foram impedidos de

ascender socialmente e isso ainda perdura. Este grupo será a voz do negro em um

sentido estrito e das minorias de uma forma geral. > Batendo de frente contra a defesa

branca do status; > Batendo de frente contra o racismo e todas as formas de

discriminação; > Batendo de frente contra os estereotipo atribuídos à raça negra; > A

favor das cotas de 'reparação histórica';”. Inclusive classificada como “atividade”

(Activities), ou seja “ação”. Criada por Ayra-on de Castro. Tinha 23 membros em 29 de

maio de 2004 e 665 membros em outubro de 2004. Seu fundador tem papel ativo em

diversas comunidades “opostas”, integrando grupos como TFP, 100% branco, orgulho

branco, anti-cotas para negros, etc.

Como a comunidade é composta predominantemente por “negros”, o “Saulo” comenta:

“Acho que a única forma real de promovermos a ascensão (ou inserção) social do

negro é atravéz da promoção da convivência entre as diferentes raças (etnias, melhor

dizendo).” Aqui, “Sônia” pode afirmar: “Ao meu ver as duas versões estão erradas.

Não gosto da história de cotas para negros, pra mim isso continua sendo um racismo

disfarçado e vai acabar piorando a situação. A solução seria outra, talvez um pouco

mais complicada, mas que ninguém do governo tá afim de meter a mão... enfim.”.

Como está entre “amigos”, ninguém lhe agride por manifestar uma posição contrária às

cotas, nem vice-versa. A sensação de estar entre “iguais” parece facilitar o diálogo.

A comunidade 100% Branco45 descreve-se assim: “Não é uma comunidade racista ou

com fins discriminatórios.Mas sim, uma comunidade para todas as pessoas que

representam a raça branca. Sabemos de pessoas que defendem os direitos dos negros,

dos indios. Pois bem esta é para defender os brancos, que de tanto medo das acusações

de racismo pararam de se defender para defender outros ideais, que nada tem a ver

45 http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=519712

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com seus descendentes”. Criada por Alexandre Lioncourt em 07 de julho de 2004. em

03/08/2004 contava com 176 membros e em outubro chegou a 212 membros.

Invertendo o argumento do movimento negro, os brancos agora também podem se

afirmar. Apesar de muitos membros confundirem o “orgulho branco” com nazismo e

discriminação, para alguns a defesa da etnia ou raça branca é também necessária.

Respondendo ao discurso nazista de um membro, “Bocasseca” diz: “Foi com um

imenso desprazer que li o seu post. Esse não é um grupo que prega a soberania de uma

raça em detrimento de outra. Muito menos um grupo de propaganda anti-semita. Peço

que você retire imediatamente esse tópico do site, pois branco não é o mesmo que

ariano, e o coloque em um grupo dedicado a isso. Como há muitos no Orkut, basta

procurá-los”. A defesa da branquitude, assim como a defesa da negritude, parece não

combinar com a mestiçagem. Veja o que “Bruno” afirma: “Se não tomarmos

providências, essa onda de miscigenação, grandemente influenciada pela mídia,

acabará com nossa raça. Aliás, não só com a nossa como também com as outras. É

triste ver casamentos interraciais... Eu nunca me casaria com uma mulher de outra

raça, teria filhos que nada teriam a ver comigo, não se pareceriam nem um pouco

comigo nem com a mãe, e com quem não me identificaria. Eu sou caucasiano pq todos

meus antepassados tiveram seus descendentes com caucasianos. Porque eu haveria de

mudar isso?? (...) Essa onda de miscigenação seria impensável até umas poucas

décadas atrás e hoje infelizmente parece se alastrar. E depois dizem que nós que somos

a maioria... Eu só quero minha raça e minha cultura preservada para o futuro e meus

descendentes”. Se não fosse trágico, seria cômico, mas ao que parece a afirmação de

uma cor ou raça justifica conceitualmente a afirmação de outra. Assim, não é de se

estranhar que vejamos argumentos dos negros sendo usado por brancos, mesmo

guardando-se as devidas proporções históricas.

No anexo estão registradas mais comunidades e discussões, será interessante revê-las

daqui a alguns anos. Inclusive, porque as comunidades mais agressivas acabam por ser

retiradas do ar. Existe um mecanismo de reclamação (report as bogus) e a intensidade

de reclamações é o termômetro usado pelos funcionários do Orkut para censurar uma

comunidade. É uma pena, pois assim perdemos a oportunidade preciosa de estudá-las.

Lembro aqui o que propõe o site FUSÃO RACIAL: “A censura é ineficaz no combate

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ao racismo. (...) práticas racistas devem ser punidas conforme a Lei, o que não deve ser

confundido com restrições a liberdade de expressão”. A distinção é válida, considero

de fundamental importância a possibilidade de saber o que o mais odioso racista pensa,

pois só assim poderemos descobrir, compreender e transformar os mecanismos que

sustentam o preconceito.

As cotas, por mais justificáveis que sejam seus motivos, podem ser equivocadas em sua

estratégia, pois ao invés de desestimular o racismo, talvez o estimulem. A base do

pensamento que me leva a tentar rever a proposta das cotas pode parecer banal, mas é

uma constatação incômoda. Como podemos eleger a cor como um critério se cegos

também podem ser preconceituosos? Qual o sentido de ter um de nossos sentidos como

elemento central de um problema conceitual? Como já diz a palavra, pré-conceito é

preconceber algo. O preconceituoso, um racista, por exemplo, não reconhece nenhuma

alteridade que não lhe espelhe a crença em seus próprios conceitos. Ele é incapaz de se

abrir para um novo significado, o seu enfeitiçamento (cf. STANGL, 2001) é tamanho

que não lhe ocorre em nenhum momento tentar perceber a nova possibilidade de

significação que o outro lhe oferece. Para ele, basta um estímulo visual, a cor negra,

para uma reação de estranheza. Agindo assim, o preconcebido ignora qualquer

renovação de seu entorno, reacionário cognitivo, ele empobrece sua existência. Mas

como combater essa visão torpe? Parece que de nada adiantaria reforçar o signo

sensorial da cor da pele, pois a questão não é consertar os sentidos. Mas sim estimular

uma nova percepção do sujeito negro, reconhecendo sua identidade como uma

construção complexa de significados sociais e culturais. Não limitada pela cor, mas

ampliada pela voz. Pelo cheiro, pela alma, pela emoção, pelo amor, pelo tato, pelo sabor

e pelo saber.

Vamos combater a exclusão revendo absurdos como condicionar o mercado de trabalho

a canudos de papel, vamos repensar o papel da universalidade do saber. Quais são as

faculdades do pensamento que ainda não foram incluídas no seleto grupo dos saberes

socialmente aceitos pela academia? Qual é o valor social da verdade instituída? Como

podemos pluralizar essa verdade?

O problema é quando alguém é discriminado. Pois a causa da discriminação é a

justamente a justificativa usada pelo discriminador. Uma justificativa que nos confunde

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e embaça nosso alvo. O mal do racista não é sua crença na existência de raças, posso ser

“racista” e mesmo assim respeitar meu próximo. O alvo que esquecemos, quando

elegemos a justificativa como causa, é o desamor. Como alguém pode se iludir achando

que o desamor tem explicação ou justificativa? A beleza da poesia é que muitas vezes

ela não sabe a causa de sua beleza. Assim também é o desamor que não precisa de

explicação para ser horrível. Nosso alvo é então essa falta de carinho. Crenças,

conceitos e gostos não são suficientes para impedir o amor. Só o medo, a falta de

esperança e a solidão alimentam o desamor. Só a alegria, a tranqüilidade e o diálogo

podem reverter esse nebuloso prisma.

3.3 Fronteiras Digitais da Identidade

As novas expressões identitárias, que esse ambiente permite, chamei-as de e-tno, ou

etnicidade digital. Estas são re-afirmações discursivas, livres dos inconvenientes

fenotípicos ou das restrições geográficas. Nossa sociedade é estruturada simbolicamente

pela linguagem, sendo assim qualquer alteração no fluxo de informações que forma a

rede de pessoas moradoras de qualquer cidade no mundo, interferirá e transformará essa

própria estrutura. A percentagem de pessoas de uma cidade conectadas determina a

velocidade da transformação, quanto mais pessoas conectadas a nova informação maior

será o número de pessoas não-conectadas que poderão ser informadas por seus amigos,

parentes, colegas, etc. O sistema Orkut pode ser entendido como um espaço de

convivência onde podemos rever alguns amigos. No entanto há quem acredite que o

estimulo à amizade e às expressões públicas de carinho e amor, no Orkut, podem

influenciar na sociabilidade “física”.

A comunicação pressupõe a diferença. Não há comunicação na mesmidade. Quem

comunica se diferencia e entre o que ouve e o que fala se estabelece um elo. Um link de

memória como o que está representado no Orkut no scrapbook. Ali está expressa a

memória coletiva da comunicação entre seres que se diferenciam. Nas comunidades

estão as expressões daqueles que se identificam, é um espaço para se entrar em sintonia,

onde se afina o diapasão comum do sentido comunitário. Por isso nessas comunidades

se não existir variação de elementos ou participantes o assunto se esgota. Dando-nos a

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impressão de consenso implícito. Já nas comunidades onde se observa a renovação

constante de topics identificamos ou uma renovação de membros ou uma variação

também do objeto de reunião cognitiva (tema).

A comunidade de estatísticas do Orkut (Orkut Statistics)46 tem uma regularidade média

de topics, pois seu objeto varia medianamente. Quando ocorrem novos fatos, a

freqüência de topics aumenta proporcionalmente à relevância social do fato. O discurso

de afirmação identitária no ambiente do Orkut transmite um panorama da percepção

identitária do planeta, pessoas diversas arriscam-se diariamente expondo ao máximo os

motivos de suas escolhas estéticas, políticas ou sociais, listando músicas, filmes, livros,

comunidades e amigos.

No entanto, nem tudo é escolha. Muitas vezes somos forçados a pertencer a

determinadas comunidades por “educação”. Quando um amigo cria uma comunidade e

mesmo sem ser um assunto de seu interesse você se inscreve na mesma para prestigiar a

iniciativa. Assim, mesmo no Orkut, qual o grau de interferência do olhar do outro sobre

mim? Tudo o que fazemos no Orkut, fazemos por que o outro irá ver. Quando nos

conectamos a sistemas como o Orkut, assumimos que não estamos sós. Esse é o

princípio de toda conexão à rede, o reconhecimento de que alguém está lá do outro lado

alimentando a conexão, seja através de conteúdos ou de interações. Alguém responde ao

nosso chamado quando se clica em um link, não existe mais um vazio quando

perguntamos algo. Se algo dá errado, uma página fora do ar, uma linha congestionada,

percebemos novamente o vazio (notfound).

Tecnologias, como Orkut, estão aí para nos mostrar novamente a relevância da

existência do outro. Sem o outro não há rede. O sentido da rede é a colaboração, sem

essa consciência a rede perde sua dinâmica. A Inteligência Coletiva ou a sociedade de

rede, o que virá inegavelmente será uma imensa força de agregação social. Os

exclusivismos, os pequenos círculos de pertencimento enfraquecem suas fronteiras. A

partir do momento em que todos estiverem conectados, todas as relações estarão

explícitas, os seis graus serão públicos, a coerção solidária será mais forte que o

isolacionismo segregacionista. Parece que, apesar de tudo, ainda buscamos uma saída

46 http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=34264

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para o caos que as sociedades urbanas criaram. Acredito que fenômenos como o Orkut

representam nossa esperança nos rumos de uma sociedade mais justa e solidária.

Estamos, então, realizando a utopia da aldeia global, prenunciada por McLuhan? Qual

são, dentro desse novo/velho mundo, os rumos de nossa identidade cultural? Se não

separarmos mais cultura e natureza47 a noção de identidade perde seu caráter de

igualdade, A=A, pois aqui se abandona também o uso da referência (diga-se também o

abandono da distinção entre significado e significante), em prol da noção de identidade

como fluxo de consciência. O trânsito de nossa mente constrói o sentido da rede sócio-

digital, somos o que trilhamos. A rede é como uma imagem fractal, cada um dos nós

reflete o todo. A fragmentação do sentido é também distribuição do poder de

significação entre elos de sentidos. Cada nó reflete em si mesmo o sentido global da

rede. O sentido da conexão é a consciência do instante, pois é atualizando que sentimos

e é quando nos conectamos que atualizamos o sentido. Atualizar é andar sobre uma

piscina de signos. O mestre Heidegger já falava da potência civilizacional de um trecho

caminhado dentro de uma floresta escura, um rastro que guia o homem entre seu

passado e seu futuro. Ser é permanecer no sendo, estar em rede é ser múltiplo e o

múltiplo mantém vivo o uno. Nossa identidade enquanto seres da consciência é fruto da

visão dessa rede, dessa raiz (rizoma). Nietzsche já dizia que somos a ponte entre o

animal e o super-homem (ou pós-humano), uma ponte é uma passagem, assim como um

sentido.

O sentido da comunicação sempre espera pelo último signo para ser compreendido. Se

fizéssemos a etnografia do convívio social através das janelas dos centros urbanos

teríamos um interessante esqueleto do processo de socialização na Internet, pois em

uma janela urbana nunca sabemos com certeza se alguém na infinidade de janelas da

paisagem está agora a nos olhar. Como em um pan-óptico, existem apartamentos muito

devassados, neles agimos ouvindo o censor interno que age de acordo com os olhos

imaginários (ou não) da sociedade, um olhar que nos impõe um tipo de postura

comportamental baseada numa silenciosa imagem de consenso quanto ao que é certo.

Quando deveríamos sentir o que é certo em nossa própria consciência.

47 Artificial ou natural, sujeito ou objeto, real ou virtual, dicotomias cognitivas.

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O que nossa antiga independência ética impunha era uma implacável crise de

consciência pela eterna incapacidade de atender e conciliar os desígnios do coração com

os da razão. Na ética de hoje vivemos em busca da sobrevivência da imagem que

estimamos ser a nossa identidade na vida social.

O principal sistema operacional usado hoje no mundo também é uma janela, o windows.

A janela é um dos principais signos espaciais da civilização, uma espaço entre dois

ambientes distintos, o dentro e o fora. A experiência urbana nos ensina que podemos

usar as janelas para ver como está o lado de fora de nossas casas. Através dela também

vemos o que está dentro. Também usamos essa distinção entre dentro e fora para

compreender os nossos pensamentos, que estão “dentro da cabeça”. Alguns até dizem

que os olhos são as janelas da alma. Por analogia podemos dizer que a casa é um tipo de

corpo, onde se entra. Como a casa do caramujo (sua concha), nossas casas também são

extensões de nosso corpo, podendo ser inclusive extensões coletivas (por exemplo, as

casas de família, ou mesmo as repúblicas). Usamos metáforas semelhantes para

compreender os computadores e as mídias de comunicação. No uso de in e out nas tvs e

nos videocassetes, por exemplo, mandamos imagens para dentro do vídeo (in) ou

mandamos imagens para dentro da tv. Para conectar aparelhos diversos também

precisamos sempre sair de um (out) para entrar em outro (in). Aqui percebemos mais

claramente a diferença entre estar conectado e estar ligado (se pensarmos na gíria, muito

usada pelos jovens “ligado” também aqui é estar em atenção, pronto para a ação,

diferente de conectado ou “antenado”, ou seja, quem transita por informações e

conceitos). A conexão é mais percebida espacialmente, “entro” nos sites, “saio” das

salas de bate-papo, etc.

Superando, então, a oposição entre cultura e natureza, podemos desconsiderar também a

oposição entre artificial e natural. Assim podemos até humanizar as máquinas, amando-

as como outrora amávamos brinquedos. Conviver com artefatos é a própria essência da

idéia de cultura, cultivar a terra, alterá-la. Na etnicidade digital, a rede é entendida como

uma extensão de nossa consciência. Homens e animais interagem, com outros corpos

orgânicos ou não, no intuito de uma ação ou significação específica. Com uma pedra

posso cortar, moer ou escrever. Um João-de-barro molda o barro para a confecção de

seu ninho, símios usam ferramentas, o castor constrói represas. Não existe uma

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distinção conceitual profunda entre, por exemplo, uma pedra lascada e um palm-top. As

transformações do imaginário humano são espirais semânticas, não por acaso Lao Tse e

Heráclito reúnem a totalidade dos sentidos na universalidade da unidade.

Qual é o valor social da verdade instituída? Como podemos pluralizar essa verdade?

Como criar o espaço em nossa sociedade, para a coexistência de diversos paradigmas?

Sem excluir nenhuma negação e carinhosamente re-incluindo o terceiro excluído.

Compreendendo, assim, todas as possibilidades do pensamento como reflexos sociais da

sociedade. Sem relativismos, mas pela intensificação das relações humanas.

Reconhecendo o outro como bem supremo de nós mesmos. Talvez, assim, dê para

transformar toda forma de preconceito em apenas um, natural e saudável, instante de

estranheza que não dura mais que alguns segundos, como uma nuvem branca, ou negra,

enevoando por cima de nossas cabeças.

A relação com a natureza não traz nenhuma ambição de precisão, esse estudo sobre a

etnicidade na rede digital aposta numa transformação em curso. A etnicidade no mundo

real sofre fortes abalos em sua base epistemológica. No entanto parece que no espaço

semântico da rede digital, o ciberespaço, a etnicidade ressurge. Longe do paradoxo de

sua origem histórica, as etnias representadas na rede reafirmam sem receios sua pureza e

permanência. Na rede podemos realizar o desejo de ser, assumimos não somente o que

somos, mas o que queremos ser. No convívio face a face somos principalmente aquilo

que querem que sejamos, nossa identidade no mundo real depende do olhar do outro.

Assim, para ser reconhecido como integrante de um grupo identitário, devo dialogar

com os símbolos de identificação relacionados a esse grupo, sejam eles fenotípicos ou

estéticos.

Na rede trocamos o etnocentrismo pelo etnodescentrismo, ou seja, o pertencimento

identitário não é mais determinado pela coexistência geográfica. No entanto, a

delimitação espaço/étnica, a representação do que se é pelo onde se está e o

regionalismo restritivo dos países do chamado Primeiro Mundo se mantêm através da

ignorância da diversidade do mundo. Se eu assisto CNN, eles nem sequer conhecem a

existência da TV GLOBO. Ou seja, o sujeito do chamado Terceiro Mundo, nós por

acaso brasileiros, seja lá qual caso for, somos ironicamente mais informados que

qualquer sujeito do chamado Primeiro Mundo. Nós conhecemos a eles e a nós mesmos,

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enquanto que o sujeito do Primeiro Mundo só conhece a si mesmo, pois só consome a

informação que ele mesmo produz. Não vale aqui a versão estereotipada, pois o

estereótipo anula o diálogo com a cegueira do preconcebido conceito.

O fenômeno da Internet aparece como um símbolo absoluto da distância entre nossas

identidades, o espaço menor que zero. Vivemos o mesmo mundo desde de que o mundo

é mundo, mas isso só conseguimos perceber quando deixamos de lado aquilo que

pensamos ser nós mesmos. A identidade é um fetiche natural, precisamos dela para

construir casas, para assistir balé e para desmontar as peças do imenso quebra-cabeça

que vemos no espelho. A possibilidade de reconstrução identitária que o ciberespaço

oferece é a deixa que nosso personagem, na trama da convivência, esperava para sua

própria desconstrução.

A máquina mais antiga que o homem criou é o próprio homem – enquanto

descobríamos as ferramentas das mãos, já usávamos as ferramentas dos pés. Somos a

máquina vital, vivemos de “pilha48”. “Pilha” é um conceito que me ajuda a entender

porque precisamos teorizar sobre tudo, pois o sentido da teoria é ser consumida. Quando

consumimos teoria alimentamos nossos sonhos. Não podemos viver sem esse motor,

sem essa energia nossa engrenagem cessa o movimento (e esse sem dúvida é o belo

resultado de tudo isso).

Heidegger (cf. HEIDEGGER, 1977) espreitava o conhecimento de ser no movimento

fortuito das folhas ao longo de um caminho no mato. Conhecer o lugar é conhecer o

caminho que o ser percorre para ser. Isso nos leva ao conhecimento do ser, ser sendo.

Mas então como permaneço sendo e não sou? Não pense e será. Pensar é re-

apresentação do mesmo, é re-interpretar o que sempre é. O caminho deixa de ser

caminho quando tentamos limitá-lo. O pensar só tem sentido se for livre para trilhar a si

mesmo, valer-se de sua própria autopoiese.

48 Gíria muito usada na Bahia que significa tanto o “empilhamento” ou acúmulo de informação quanto o alimento dos seres sem vida ou autômatos: “robô é que come pilha”, “bla-bla demais é pilha”. McLuhan defendia que: “O estudante dos meios de comunicação não apenas deve ter em conta a gíria, como um guia para a percepção em transformação, mas também estudar esses meios enquanto introdutores de novos hábitos de percepção.” (MCLUHAN, 1964:10)

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3.4 O Universal Híbrido

one race, one world49, é assim o slogan da revista virtual BLED50. Ela e outras, como a

Mavin51, são revistas que tematizam a misturas de raças, ou melhor, a fusão das raças e

o fim das raças. Organizações como a SWIRLINC52 promovem o intercâmbio e

reafirmam aquela que parece ser a identidade do futuro. a mestiçagem. Se no próprio

Alcorão já estava escrito a união de todas as tribos, sem diferenças de raças, porque

ainda assim temos hoje o acirramento das diferenças? Segundo Said, a atual

efervescência das identidades é fruto do período colonial, onde o colonizado se viu

como diferença, justificada pela ambição do ocidente colonizador. A grande questão é:

como seremos “uma raça, um mundo”? Trabalho com a hipótese de que o

desconhecimento e a exotização acabam sendo ferramentas de reafirmação das

diferenças. As novas tecnologias de comunicação podem, ao invés disso, servir de

ferramentas de reaproximação, entendimento e reconhecimento entre povos e culturas

aparentemente díspares. A divulgação e compartilhamento da produção artística através

dos mecanismos de trocas de arquivos como Kaaza, Morpheu, etc. permitem inclusive o

aprimoramento de produções híbridas.

A Internet, por ser um espaço virtualizado, permite a etnicidade se atualizar. No mundo

físico assumir uma identidade étnica restringe a participação através do

compartilhamento de signos físicos (fenotípicos), ou comportamentais, o que muitas

vezes gera algum tipo de desconforto, pois reveste o sujeito da participação étnica com

o estigma, que é justamente o que ele está combatendo. Assim, se estivéssemos na

época da Segunda Guerra poderíamos dizer que para os judeus o estigma de

participação era a estrela de David presa no braço. Para os negros, a pele e o cabelo.

Para os mulçumanos, as roupas e os hábitos. Entretanto, na Internet, estes grupos

étnicos se mantém, mas nada garante que seus participantes precisem dos elementos

físicos para a participação. O que parece provável é que no ciberespaço o pertencimento

étnico depende apenas do querer ser, seja esse querer apenas semântico ou físico.

49 Uma raça, um mundo.50 http://www.blendzine.com/51 http://www.mavin.net/52 http://groups.yahoo.com/group/SWIRLinc/

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Como vimos, o ciberespaço fomenta uma nova identidade étnica, mas esta ainda não é

consciente. A Internet, como território híbrido e policêntrico, pode reunir em suas teias

as mais diversas facetas da identidade étnica da humanidade, sejam grupos

essencialistas ou não. No plano microcósmico, a individualidade destes grupos se

mantém, mas dentro de uma perspectiva macro somem as características específicas

deixando transparecer ao invés disto a imagem fragmentária de uma cultura global

virtual. As transformações que esta perspectiva traz para a crescente sociedade de rede

são, ao que parece, uma radical transformação do modo como o indivíduo se percebe,

hoje, enquanto participante de uma cultura local.

A possibilidade de participação e contribuição efetiva nesse processo que a Internet

oferece são o diferencial de seu impacto, quando comparamos a conjuntura de hoje com

a de tempos atrás quando a tv e o rádio se expandiram pelo mundo. Nem a explosão da

imprensa foi tão democrática quanto, ao que parece, será a explosão das redes digitais

de comunicação pelo mundo contemporâneo. O sentido dos signos de nossa linguagem,

que Wittgenstein (cf STANGL, 2001) localiza como sendo dado pelo contexto de seu

uso, podia ser associado, e confundido, com o contexto geográfico e social. Assim o

local de emissão, de alguma forma, dizia algo do signo. O seu nome, sua origem e seu

remetente eram suas identificações, mas parece que no paradigma cognitivo da

sociedade de rede, o sentido, como diz Lévy (cf. LÉVY, 2000), tornou-se polissêmico,

pois não podemos mais determinar sua origem, seu remetente. A sua origem agora passa

a ser o momento em que é lido, o seu sentido, então, pode ser o que um acaso

determinar.

3.5 A Multiplicação do Sentido

Aqui faço um breve relato etnográfico53 de uma experiência que ilustra o sentido

múltiplo do hibridismo digital:

Era um domingo a tarde. Depois de muito tempo, resolvi esvaziar um pouco meu hd passando alguns arquivos de mp3 para cds. A recente aquisição de um aparelho de dvd, me possibilitou ouvi-los como arquivos ainda, sem a necessidade de convertê-los para wave (o formato que funciona em cd-plays normais). Joguei uma pasta de músicas de Debussy para o cd, no mesmo cd estão arquivos de Black Eyed Peas, Les Nubians, Wyclef Jean e Nitin Sawhney. Então, fui ouvir, pela primeira vez, a pasta de arquivos musicais de Debussy, sentado ao sofá de minha sala. Acompanhei três suaves peças do compositor francês,

53 A etnometodologia usa métodos etnográficos para o entendimento de fenômenos contemporâneos. (cf. COULON, 1995).

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no entanto, a quarta faixa, nomeada “benkai”, apesar das informações dadas pelo arquivo, não era uma música do autor francês, mas sim um punk rock.

Então, que parâmetros devemos usar para reconhecer um signo extraído da rede? Como

identificar autoria, quando a autoria deixa de ser signo? Os fenômenos gerados pela

rede, como por exemplo a audição de um arquivo musical mp3, esperam pela nossa

execução (.exe) e somente aí terão seu sentido atualizado. Para Vaidhyanathan,

sistemas de trocas de arquivos (p2p) estão reconfigurando culturalmente o planeta, em

um tipo de anarquia cultural, onde a contextualização dos signos culturais estaria na sua

atualização e não na remissão a sua origem (cf. VAIDHYANATHAN, 2003).

Por analogia também somos extensões, para uns somos extensões de Deus, para alguns

outros somos extensões de nós mesmos. Somos o meio pelo qual podemos realizar a nós

mesmos. Expressyourself, expresse-se, seja, torne-se, realize-se fazendo algo, dizemos

usualmente. Não basta estar aqui, com o que talvez alguns povos se contentassem. A

sociedade midiatizada de hoje extrapolou os limites do realizável. Se antes essa

expressão trazia algo da ética protestante, ou da lógica da Indústria Cultural, hoje, fazer

é ser, a tônica desvia-se do que fazemos, para o quanto nos tornamos notados pelo que

fazemos. Não adianta fazer sem ninguém ver. A rede traz um respiro de alívio a muitos

fazedores que lutavam para ser reconhecidos pelo que fazem, porque talvez exista

espaço suficiente para todos na rede (cf. MORCELLINI & PIZZALEO, 2002).

McLuhan falava em mensagens como o meio, ou seja, de forma semelhante a

Wittgenstein, para ele o que comunica o sentido é o contexto. Descrever a forma como a

mensagem foi vinculada é descrever o funcionamento de seu sentido. Para entender

aquilo que é dito nas comunidades virtuais precisamos antes descrever o ambiente que

estrutura essas conversas. Na definição de etnicidade, segundo Eriksen:

“A noção wittgensteiniana de jogo de linguagem, definida como ‘um campo intersubjetivo ligado a um contexto particular e reproduzido pelos indivíduos na interação, é utilizada para dar conta do caráter local e contextualizado da cultura vista como ‘produção e reprodução de significações compartilhadas’. Enquanto versão particular do mundo, aquilo que nós representamos como ‘uma cultura’ é aprendido e interiorizado, mas igualmente relacionado a outros sistemas de pertinência por regras de tradução e de conversão. Neste quadro, a etnicidade é vista como um idioma por meio do qual são comunicadas diferenças culturais em contextos que variam segundo o grau de significações compartilhadas. Não nos relacionamos, portanto, com grupos étnicos, mas com contextos interétnicos, nos quais os atores em interação utilizam jogos de linguagem que podem ser, segundo as situações, uniformes, imbricados ou incomensuráveis.” (POUTIGNAT e STREIFF-FENART, 1998:110-1).

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Talvez seja necessário, então, para compartilhamos os sentidos dos signos, elementos

gerais para uma nova ética, a nética. Um padrão multicêntrico para guiar não a ação,

mas a interpretação da ação, as múltiplas possibilidades do existir em uma pós-cultura

global. Se pegamos o caso das listas de discussão, fica ali explícito que não existe

conclusão possível para qualquer tema, quanto mais integrantes uma lista tem, mais

diverso fica o sentido das coisas. As discussões tendem a ser in-conclusivas. O tema se

cansa e a última palavra se perde. Então, em uma lista, vemos por analogia o

funcionamento semântico de uma mente coletiva. Algo que dentro de padrões mono-

cognitivos equivalia à loucura. Hoje, lidamos com mais tranqüilidade com nossa

imprecisão. Nestas listas de discussão ninguém vence ninguém, pois toda diferença é

igual.

Estamos revivendo alguns dos aspectos que configuravam uma mudança de paradigma

na época de McLuhan. Vivemos o medo e a redenção de ter com as máquinas uma nova

vida. Simbiose ou osmose, convivência ou invasão, não podemos desprezar que de

alguma forma a tecnologia interfere em nossas vidas. A diferenciação cultural também

sofre com isso, somos um mundo só, interligados pelas redes digitais. Como isso nos

remodela, ou homogeneiza? Talvez, por trás da idéia de uma padronização da cultura

global de nosso planeta, devêssemos rever a possibilidade de uma nova concepção de

humanidade. Porque a cultura assumiu nos últimos anos o status epistemológico de

realidade? Falamos de relativismo cultural, de perspectivismo, de fim da história e de

orientalismo. Mas o que sabemos do ser que se esconde quando o culturalizamos?

Podemos compreender o nosso pensamento como um diálogo entre o nosso eu e alguma

alteridade, a comunicação pressupõe uma diferença essencial entre quem ouve e quem

emite, só em nossa distância surge o meio comunicado. McLuhan dizia que o meio

comunica, o lugar da mensagem é seu sentido, o contexto é seu rosto. Mas o que

estaremos comunicando quando o mundo for um? Qual será o sentido de nos

comunicarmos quando o que eu digo é igual ao que eu ouço?

A atriz Bárbara Sukowa, no filme Urbania, faz o personagem de uma jovem senhora

desiludida com a sua vida no american way of life, ela reclama ao barman que nem

Caterine Deneuve sobreviveria a um marido americano e dois filhos da geração controle

remoto. Segundo ela, a mentalidade dessa geração lê a realidade como se estivesse

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zapiando54. Mudam de freqüência perceptiva quando o que vêem não está interessante,

como quem muda de canal em busca de algo melhor. A sua atenção não é fixa. Muito já

se disse sobre a fragmentação e a descentralização da atenção das novas gerações, não é

de hoje que os meios de comunicação interferem em nossa atenção.

Walter Benjamin já dizia que seria impossível se concentrar no século 20, mas o que

não aparece tanto no discurso sobre esse fenômeno é que ele representa uma nova

racionalidade. Talvez seja mais fácil compreendê-la se observarmos seu reflexo nas

artes, principalmente na música contemporânea, onde o uso de samples e a remixagem

de trechos de músicas de outros autores, a multi-referência de alguns desses produtos,

soam como zappings sonoros. Bandas como Avalances ou o Dj Shadows, em suas

polifonias, trazem um pouco do mundo em suas paisagens sonoras.

Também podemos notar essa diversidade nos hds. Via p2p, podemos bisbilhotar os

diretórios de mp3 alheios e ver que o consumo de música via Internet está livre das

barreiras geográficas, pode-se em tese baixar qualquer tipo de som do mundo. Não

existe nesse universo, no entanto, estatísticas padronizadas. Vemos abaixo, por

exemplo, as diversas possibilidades de construção de sentido do soulseek, além de

baixar músicas, pode-se bater papo, individual ou em chat, ver perfis e explorar hds, etc.

Tivemos a oportunidade de teclar com o usuário em questão, que afirmava gostar de

música brasileira, mas não sabia muito sobre o Brasil.

54 “Seqüência de mudanças rápidas de um canal para outro, por meio de controle remoto, e que ger. é feita para evitar os intervalos comerciais” (FERREIRA, 1999).

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Figura 11 - Os multiplos sentidos do Soulseek

McLuhan fala que nas sociedades "print"55 13789existia uma tendência a

desnacionalização, enquanto que com os meios eletrônicos de comunicação estaríamos

na eminência de uma retribalização do sujeito.

“A imagem de uma ‘aldeia global’ introduzida por Marshall McLuhan parece entrar em conflito com os crescentes regionalismos, separatismos e movimentos locais que aparecem todos os dias na televisão. Os críticos começaram por colocar-se contra a metáfora de McLuhan, mas no seu zelo deram um significado demasiado literal ao conceito da aldeia global. Originalmente era uma generalização para dar conta do complexo panorama das telecomunicações internacionais. Tal como a cidade se torna uma entidade com base no espaço, a aldeia global foi o primeiro nome dado à terra quando esta se constitui numa única comunidade que comunica à distância. O que induz em erro os críticos contemporâneos é a idéia de quietude rural que associam à de aldeia. Comparando-a com a prova do aumento diário do neonacionalismo, troçam de qualquer sugestão de que a terra tem sido bem sucedida na busca de equilíbrio.” (KERCKHOVE, 242)

As tecnologias de comunicação podem reaquecer velhas identidades, criar novas e

dissolvê-las todas numa nova totalidade. O que nos confunde quando falamos da

identidade no ciberespaço é a coexistência de todas as possibilidades, não existe terceiro

55 As sociedades “letradas” pós-Gutenberg (cf. MCLUHAN, 1964)

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excluído56, de fato o novo meio traz uma nova percepção do que diz. As novas

tecnologias não nos tornam menos racistas, o preconceito não diminui com o acesso as

redes digitais, mas em se tratando de um novo ambiente perdem o sentido os princípios

que davam sustentação ao preconceito fenotípico, à discriminação religiosa ou mesmo

ao prejuízo culturalizado, pois perdemos o referencial original das concepções em

questão. Se não vejo o meu interlocutor, se não percebo seu pertencimento a um espaço

determinado, se não vejo os signos de sua diferenciação, posso considerá-lo um igual.

Ao que parece, os discursos no mundo sofrem uma sintonização de sentidos, dizemos

coisas parecidas, trabalhamos com categorias analíticas semelhantes, chamo isso de

“com-tradução”, a possibilidade do entendimento pelo diálogo. Discordamos sobre o

que deve ser feito, mas concordamos sobre o que representa a discordância. Podemos

citar como exemplo a proibição ao uso de véus na França (cf. TOURAINE, 2004). Em

oposição a “com-tradução” temos a “com-tradição”, quando o valor da tradição supera e

oprime o diálogo. No caso dos véus, não se tratam de dois mundos diversos, as garotas

são francesas convertidas, mas querem sob uma mesma base de argumentação discordar

do veto. O conflito de opiniões ganha força na “com-tradição”, a escolha de um lado

oprime outro, no diálogo permanente (com-tradução) não esgotamos as possibilidades

de entendimento, só adiamos a decisão. E, assim, evitamos um conflito.

As Tvs a cabo nos ensinam a ver o mundo. Nessa pedagogia ainda persiste o recorte do

emissor, BBC, Discovery ou CNN. Vemos um mundo sob o prisma do sentimento de

culpa dos países ricos, o que vemos nos escandaliza e fascina: Índia, Malásia, México,

África, China, Indonésia, Sérvia, Grécia, etc. Mas todos os que não fazem parte do

mundo dos produtores da imagem/informação, na maioria destes documentários ou

reportagens podem perceber que ainda persiste um tom de estereotipada compreensão

para com os que são filmados e, por outro lado, uma estratégia argumentativa que tenta

conquistar a cumplicidade do telespectador. Por exemplo, enquanto come uma iguaria

exótica o mochileiro televisivo olha para a câmera com um ar contrariado: “Mas eu

tenho que comer mesmo?” Escorpiões fritos na China, larvas na Indonésia, gafanhotos

no México, etc. Nós nos identificamos com ele, o sabor deve ser estranho. O

estranhamento no caso, então, acaba sendo compartilhado. Mas se o programa, no

56 Princípio do Terceiro Excluído: o ser deve ser ou não ser, sem outra alternativa.

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entanto, fosse feito em uma praia da Bahia? Será que compartilharíamos o

estranhamento do apresentador ante uma panelada de caranguejo? Esse é o ponto frágil

do discurso globalizante das tvs a cabo, ao retratar o exótico sob uma perspectiva

mediana do público ocidental, restringe a cumplicidade a uma forma especifica de

percepção do mundo. A sua visão estereotipada não se deixa envolver e transformar

pelo que está mostrando.

Isso talvez se configure em uma vantagem perceptiva para o telespectador do Terceiro

Mundo, como dito anteriormente. Pois, alertado sobre a tendência superficializante dos

programas de tv a cabo, podemos somar à nossa percepção mundo o que eles vêem, mas

protegidos por um senso crítico de quem já foi retratado por eles de forma estereotipada.

Com os meios que eles oferecem, percebemos o mundo deles, o mundo que eles vêem e

o nosso mundo, enquanto que eles só conseguem, na maioria das vezes, perceber o seu

próprio mundo. Quando falamos de sociedades mestiças então a distância parece maior.

Acostumados à lógica do “ou” (isso ou aquilo) quando se defrontam com contextos

culturais mesclados, ou seja, a lógica do “e” (isso e aquilo), dicotomizam o que vêem,

separando em partes, como prediz o método cartesiano (cf. HALL, 2001).

4 CONCLUSÕES

Na Internet visualizamos com maior nitidez os elementos agregadores da sociedade. As

comunidades étnicas ou identitárias na rede se formam sob três tipos básicos de reação:

1- o compartilhamento de sentido (nós somos), 2- a negação do sentido (eles são, logo

eu sou) e 3-aceitação do sentido (vocês sabem o que sou).

Se entendermos a comunicação como uma forma reativa, sem construção de sentido

exclusivo - como queriam as teorias da argumentação, onde o resultado final de um

debate era o consenso -, o sentido polifônico que construímos nas redes de comunicação

digital subvertem esse destino clássico do diálogo humano. Nas redes sem divergência,

não há diálogo. Comunidades em comum acordo elegem seus opositores, em outras

comunidades, a citação ou a referência ao que foi dito em outros lugares alimenta o

diálogo dos que pensam de forma semelhante. Às vezes surgem algumas divergências

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internas, mas não tendem a persistir, sob risco de exclusão ou invalidação argumentativa

(os xingamentos, por exemplo).

A Internet nos oferece condições para um sentimento de pertencimento coletivo que não

está limitado ao espaço geográfico. Na etnicidade digital as fronteiras são nossos

discursos. Como diz Castells, a sociedade de rede reúne os mais diversos tipos de

socialização mediadas ou não por tecnologias digitais de comunicação. Mesmo as

populações que de alguma forma permanecem excluídas das facilidades

comunicacionais das novas tecnologias demonstram de alguma forma sofrer influências

de uma nova forma de compreensão de seu pertencimento a uma cultura global. Entre as

características principais da sociedade de rede preconizada por Castells, estariam a

descentralização das mobilizações politico-culturais. Segundo ele, uma das

reivindicações mais importantes e agregadoras são justamente as de caráter identitário

ou cultural. A rede, no entanto, que serve de elo agregador destes movimentos por sua

estrutura global acaba por dissolver os próprios argumentos de re-afirmação identitária

quando estas reivindicam o pertencimento local57 (cf. CASTELLS, 2002).

As comunidades de interesses, ou temáticas, conseguem ser trasnacionais, e-

tnodescentralizadas. Mas a rede global ainda não é reconhecida como território comum.

Veja que os sites (www) recriam a condição do pertencimento regional, através dos

sistema de registro e domínios (.br - Brasil, . jp - Japão, .it - Itália, etc.). Sistemas como

o Orkut identificam seus membros por nacionalidade, mesmo que esse dado sofra o

efeito dos boatos58. Mas em sistemas p2p a nacionalidade é secundária, o que importa é

o arquivo, a informação, não a origem. Segundo Rüdiger:

“o ciberespaço não é em geral, segundo tudo indica, uma nova realidade com que estamos acostumados. As contradições e conflitos sociais e políticos de nossa época, antes de encontrarem solução, tendem a ser reproduzidos eletronicamente através de seu funcionamento. As patologias históricas e culturais não são postas de lado neste contexto, mas redimensionadas, quer falemos de crime e demagogia, quer falemos de racismo e atividades terroristas.” (RÜDIGER, 2002:17)

57 E, mesmo assim, ainda existem muitos exemplos de radicalizações nacionalistas na rede (por exemplo, o número de brasileiros no Orkut).58 Muitos brasileiros mudaram seu país no profile por achar, segundo um scam que foi circulou, que assim navegariam mais rápido pelo Orkut, pois devido ao crescente número de brasileiros os norte-americanos “donos” do Orkut estariam intencionalmente prejudicando a navegação de quem se identifica-se como brasileiro em seu profile.

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Segundo Rüdiger (cf. RÜDIGER, 2002:100), estamos vivenciando na rede a

experiência de uma constituição coletiva de nossa própria identidade. Se antes o

conhecimento baseava-se no cartesianismo de nossa certeza sobre o pensamento, o ergo

sun, na rede a definição de nossa identidade dependerá de algum tipo de interação. Ao

escrever num blog, por exemplo, a reação ao que escrevemos pode ser vista nos

comentários. Um adolescente tem aí um espaço ímpar para testar suas escolhas

conceituais, estéticas ou identitárias. Se antes escrevíamos no silêncio de nossos quartos

em diários secretos, hoje podemos compartilhar o que pensamos e remodelar ou reforçar

nossas crenças numa contraposição muito mais forte e intensa.

No Orkut as comunidades temáticas servem como arenas públicas de discussão muito

mais envolventes que as já clássicas listas de discussão. A possibilidade de consultar

profiles de interlocutores enquanto elabora um argumento em um topic – pode-se

inclusive consultar a rede de relações do interlocutor – nos faz às vezes abrandar ou,

pelo contrário, exaltar nosso ponto de vista. Por outro lado, é comum ao final de debates

extensos e acalorados que nenhuma das partes mude o seu modo de pensar, como se o

fato de debater por si só bastasse, sem que fosse necessário uma conclusão ou um

consenso. Os debatedores esforçam-se apenas em expor o que pensam, derrubar o

argumento contrário, humilhar e ofender quando os conceitos não bastam. Mas mudar

sua própria perspectiva, isso geralmente não é nem cogitado.

Wittgenstein falava do poder de um método sobre seu objeto. Escolho como enxergar

aquilo que quero ver, "mas não seria uma imagem desfocada justamente aquilo que eu

quero ver?" A etnografia retrata nosso olhar no momento de confronto com o objeto

estudado. Heidegger chamava esse caminhar de pensamento. O pensar é uma narração

do que vemos com os olhos da mente. O pensamento etnográfico procura descrever o

que vê, seja aquilo que vemos com os olhos da razão ou do esquecimento (aletheia).

Uma característica curiosa da sociabilidade digital é sua nova linguagem, que se

esconde nos curtos caminhos da supressão de letras. Estamos fazendo um novo idioma,

seu território é o globo terrestre e qdo vc tb puder entender hacker, Internet, backup,

weblog, em simplificações digitais como hck, net, bkp, blog, etc., vc tb fará parte. As

redes no plural, buscando sempre o múltiplo do sentido. Multiplicar é caminhar na trilha

de um sentido, qualquer seja ele. Wittgenstein escreveu seus livros como se fossem

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blogs. Ele sabia das implicações do formato sobre o que é pensado, que a herança da

argumentação grega molda a estrutura narrativa de nosso pensamento. Se ao invés de

Platão e Aristóteles, só nos restasse do legado grego Sócrates e Heráclito, por exemplo,

um oral e outro via fragmentos, talvez o pós-modernismo não nos chocasse tanto.

Temos a tendência a confundir a história do pensamento com o próprio pensamento. O

passado não é uma cadeia, mas sim sua chave. Assim, como o presente e o futuro, o

passado se move.

As tribos contemporâneas se reúnem em torno de conceitos compartilhados, consenso,

escolhas. A tribo da música eletrônica demarca bem seu território semântico. Não é raro

ouvir djs falando em educar ouvintes. Como toda tradição comunitária, as tribos de e-

música propagam sua ideologia cultural quando celebram juntos suas escolhas.

O cd “Candyall beat”, de Carlinhos Brown e Dj Dero, quebra o consenso das tribos de

música eletrônica brasileira, pois seu conceito é híbrido, as fronteiras aqui não são

limites estéticos, mas sim o conteúdo de seu território. Esse cd, por exemplo, pode

representar uma afronta a toda noção de tribo e, portanto, de pertencimento, ao mesmo

tempo em que escolhe um lugar para representar o não-lugar: candyall beat. Brown

universaliza sua doçura, muitas vezes confundida com genialidade. Mas no universo de

Brown não se busca a genialidade, só a beleza. Os gênios, diga-se de passagem, às

vezes podem ser chatos. Brown não pode. A sua missão é integrar as pessoas, a sua

linguagem tenta ser acessível a quem ouvir. A perspectiva tribalista, no entanto, antes de

integrar, diferencia. Tribos diferentes tem linguagens diferentes.

Estariam então esgotadas as possibilidades do convencimento argumentativo? A esfera

pública de Habermas encontra aí a prova de sua impossibilidade? Ou estaríamos vendo

a criação de um novo tipo de consenso? O consenso inconclusivo, o sentido plural de

que fala Serres (cf. SERRES, 1983), uma pluralidade de possibilidades que mantêm

vivo o sentido. Os debates em rede mostram como funciona a construção coletiva do

sentido. Cada um dos argumentos apresentados nesse debate virtual leva a outras

perspectivas. Quem está certo não importa mais. O que importa é quem está falando.

Como é que esta pessoa vive? Do que ela gosta? Quem são seus friends? Quais as outras

comunidades que lhe interessam?

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Multiplicam-se Fóruns mundiais, encontros como Barcelona, Fórum Porto

Alegre/Bombai, o Fórum Mundial de Cultura, etc. Espaços onde o debate reina, mas

onde também percebe-se uma inconclusão. Não por mera coincidência estes mesmos

fóruns têm suas versões virtuais, ao que parece a esperança é manter viva uma tensão

cognitiva. Um estado de alerta, sim, pois sem dúvida temos sérios problemas de

convivência ainda por resolver. Guerras e ódios raciais também multiplicam-se mundo

afora, mas pelo menos no ciberespaço temos o privilégio de poder estudar a química

ebolitiva que alimenta o ódio, como foram os casos já citados: “Solange Big Brother” e

a “Marisa Orth”.

Ante a impossibilidade de sobrepor a lógica argumentativa, o preconceito age sob o véu

da ignorância. E é justamente mantendo esse véu que ele se sustenta. Não quer

conhecer, não quer descobrir, nem quer ouvir nada que não sustente seu próprio

limitado campo de percepção, seja estético, ético ou conceitual. Essa delimitação age de

forma semelhante à delimitação do espaço físico. O que é uma fronteira geográfica,

senão uma delimitação semântica, um sentido exclusivo, uma pré-concepção da

percepção espacial ali envolvida? Existem mais que semelhanças no funcionamento de

um atrito por questões territoriais e questões conceituais. Nossas escolhas culturais são

reforçadas por nossos sentimentos de pertencimento territorial, nossas verdades estão

dentro de cercas. A bandeira sobre nossas crenças indica o endereço de nosso sentido. O

policentrismo mostra uma saída às moscas dessa imensa garrafa chama cidade.

No ciberespaço também existem trilhas, percorremos um link, ou um profile, no caso do

Orkut. Navegar é percorrer um caminho semântico, caminhar, já nos dizia Heidegger,

constrói o sentido de nosso ser. A configuração do que penso ser eu, está descrita no

histórico de meu browser mental. Navegar é a própria experiência de pensar. Sim, eu

existo porque penso, o pensar é um fruto coletivo, logo minha existência depende de

alguém me reconhecer.

Os anônimos na net permitem-nos conhecer o que de fato alguns seres pensam. Por

exemplo, na comunidade de maconheiros no Orkut, um anônimo criou um topic:

“maconha é coisa de negro...”. Em qual espaço público seria imaginável alguém dizer

isso? Até mesmo não deixa de ser surpreendente a existência da própria comunidade.

No topic “você se assume”, as declarações são muito ricas para entendermos um pouco

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mais os mecanismo da convivência social. A poderosa microfísica das relações de poder

que induz comportamentos e posturas públicas, que retratam o abismo de desconfiança

que predomina nas relações sociais de hoje. Essa desconfiança induz o preconceito, não

existem tentativas de compreensão do outro, o rótulo e o estereótipo são atalhos

usualmente tomados numa sociedade que ainda insiste em consolidar-se através de

normalismos (cf. FOUCAULT, 1987). Nossos pan-ópticos ganham expressão e voz na

rede, lá podemos ouvi-los com todas as letras. As comunidades de ódio e censura

exprimem normalizações sobre o certo e o errado, o belo e o feio.

Hakim Bey, Nietzsche e Wittgenstein apontam caminhos para sairmos do estupor social

em que vivemos. A superação dos caminhos demarcados, dos comportamentos ditos

normais, a experimentação existencial é caminho para adicionarmos algum nexo ao

nosso percurso. Não sem mistério, devemos tentar manter incertas as nossas certezas.

Os flashmobs, as farsas, o humor, a poesia, a ironia, o terrorismo poético, a dança, a

rave, a terapia, o transe, o amor, o sexo, a loucura e a infância. Só o caminho trilhado é

atualizado, o inesperado é agora. O extraordinário no ordinário, como dizia Heráclito.

Mesmo que esse seja o melhor dos mundos possíveis, o que torna o mundo habitável

são as suas possibilidades. Esse é o pacto que assumimos para viver em sociedade. A

esperança de que nada seja eterno, só a mudança. A mutação, a divergência e a dialética

não seriam possibilidades sem o diálogo. A comunicação transforma o meio, como diz

Luhmann:

“Embora existam pressupostos evolutivos complexos para a formação de sentido, não existe nenhum portador privilegiado, nenhum substrato ontológico de sentido. Nem a consciência nem a comunicação se apresentam como candidatos para este papel. Apenas a forma de interconexão destaca a consciência ou a comunicação. Apenas apontando para algo diferente, a consciência pode se perceber a si própria, e o mesmo vale de maneira parecida para a comunicação. O ‘porta-dor’ de sentido é, portanto, uma diferença nas atribuições de sentido, e esta diferença tem por sua vez a sua causa no fato de todas as atualizações e atribuições de sentido terem que ser seletivas.” (LUHMANN, 1984, p.143 - apud, p.77)

Pois bem, sem a seleção não existe a escolha. O caminho de nossa consciência na

existência é o conjunto contingente de nossas escolhas. Sejam links, friends, músicas,

gênero, etnia ou cultura. As escolhas definem meu rosto no Orkut e os critérios dessas

escolhas são indetermináveis. Pois nada além de meu interesse imediato guia o meu

perfil. Interesse ou língua? Verdade ou cultura? Qual a maior limitação do diálogo?

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Sistemas são grupos auto-organizáveis, pessoas que se reconhecem quando estão juntas.

É na tribo que ganham sua identidade. Precisamos do reconhecimento, precisamos uns

dos outros. Não sobreviveríamos sós. Quem perceberia a própria existência sem o

parâmetro da existência do outro? Mas como compreender quem nega o outro, recusa a

diferença em prol de uma falsa noção de superioridade? De onde vem o medo/ódio de

perder-se no contato com o estranho/estrangeiro?

Alguém que despreze alguém merece desprezo? Àquilo que pode confrontar uma noção

já estabelecida, a cultura agredida pode demonstrar uma reação violenta. A violência

justifica a violência, ao menos esse é o argumento. A discriminação deve ser combatida,

mas será que proibi-la é um caminho? Ver sem máscaras quem nos odeia é o caminho

do reconhecimento. A única forma de dissolver o preconceito é permanecer

comunicativo. Se alguém odeia axé music ou heavy metal, o “axezeiros” ou metaleiros

devem se alimentar desse ódio e devolver paz.

Tom Zé fez uma brilhante reflexão sonora em seu cd defeito de fabricação: qual seria a

idéia por trás da noção de erro? Uma voz? Ou uma barreira entre o que o sujeito

determina como sendo seu objeto, o real, o certo, o verdadeiro? O erro, pelo contrário,

uma infeliz coincidência, um contra tempo, vazio de sentido. A crença na possibilidade

do erro traz em seu bojo a crença na possibilidade do acerto. No entanto, podemos

enxergar um sentido no erro, no defeito, o erro tem o poder de nos agregar. Sem a

insegurança e o medo, o egoísmo seria o grande vitorioso da modernidade. As aparentes

facilidades da vida modernas pareciam nos levar definitivamente para a total autonomia,

seria o fim da necessidade de conviver com outros humanos. A total automatização das

casas, a smarthouse, os sistemas de vigilância, os condomínios fechados, etc. A

distância entre os moradores de um grande prédio de apartamentos no centro de uma

grande cidade não é medida em metros. Se ainda precisamos uns dos outros devemos

isso ao defeitos/erros do mundo digital.

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Figura 12 - A conquista brasileira do espaço virtual

Os 60% de brasileiros no Orkut têm um significado importante. Em ambientes como o

p2p somos minoria, poucos brasileiros dispõem desse valor de troca (mp3, filmes, etc.),

a nossa indústria é carente de meios, faz até muitas coisas, mas não tem onde mostrar.

Ou pelo menos não tinha. Na www, conteúdo e serviços acabam sendo proporcionais às

populações que já são acostumadas a consumir informação e somados ao número de

usuários provenientes das novas gerações. No caso do Orkut, onde os brasileiros são

maioria, o valor de troca, por assim dizer, são as próprias pessoas. O que atrai pessoas a

uma rede como o Orkut é a possibilidade de trocar seu eu com outra pessoa,

individualmente, via profiles, ou coletivamente, via adesão a comunidades. Lá, ser

brasileiro não é um valor em si59, as redes de amizades ultrapassam barreiras

geográficas. Para conviver, não preciso compartilhar espaço físico. Em redes como o

Orkut o convívio se dá por identificação, explicitamos o que achamos uns dos outros.

Fãs, testemunhos, popularidade. Assim, o ser brasileiro se torna um diferencial nas

ações desse sujeito na rede, não por sua localização geográfica, mas por sua facilidade

em construir relações, sua crença no mito da brasilidade (cf. HOLANDA, 1947). A

realidade é o que nós queremos.

59 Podemos até trocar de nacionalidade no Orkut.

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Existe uma tendência a relacionar o atual processo de globalização informatizada com a

relativização das verdades estabelecidas. Se o sentido da mensagem é dado pelo

contexto de sua interpretação, de fato deslocamos muito mais facilmente no ciberespaço

a mensagem de seu contexto. Talvez isso lhe dê novos contornos, novas possibilidades,

mas paradoxalmente o que buscamos com as tecnologias de informação são certezas de

armazenamento e transmissão. Queremos na era digital mais precisão, velocidade e alta

resolução. Nossos hds são bancos de dados que nos permitem o armazenamento e o

compartilhamento de informações. Nossa certeza hoje está na maquina, digito ergo sun.

Superamos a desconfiança inicial, dos anos 60 e 70, quando as máquinas quase sempre

eram as vilãs da ficção científica. (vide Hall, do filme 2001, os estranhos aparelhos da

série “Quinta dimensão”, os discos voadores, o medo da Era Nuclear, etc. Os robôs

eram sempre ridicularizados em séries como “Perdidos no espaço”, “Jetson”, “Guerra

na estrelas”, etc.). Os poucos defensores ou pelo menos os poucos que reconheciam

possibilidades positivas muitas vezes foram marginalizados60. McLuhan foi um deles. A

sua teoria volta hoje reabilitada pelos fatos do presente, nossa percepção mudou. A

tecnologia não é mais nossa inimiga, talvez, pelo contrário, nossa redentora.

Não deixa de ser curioso relembrar Juruna e seu gravador (cf. JURUNA, 1982). A

simbiose entre eles era sustentada por uma confiança inabalável. Juruna não acreditava

nos brancos, mas confiava em seu gravador. O deputado sabia que a moral ocidental era

fraca, mas se rendia diante das máquinas. O homem é o lobo do homem, dizia Hermam

Hesse, pois tendemos a confiar mais no não-humano, sejam cães, divindades ou

máquinas. As novas gerações cada dia nascem mais certas disso. Tanto é que

multiplicam-se as amizades intermediadas pelas máquinas. Sim, as máquinas não são

estranhas, pois, como já dizia McLuhan, elas são nossas extensões. A tecnofobia

esconde uma subjetivação das máquinas, a compreensão de que as mesmas fazem parte

de nós, recoloca o receio do estranho na carne do outro que desconhecemos. As

tecnologias são tradutoras de nossas agonias, cada vez mais crescem as ferramentas de

segurança, cada vez surgem novos mecanismos de controle, as máquinas são as

testemunhas infalíveis de nossas desconfianças.

60 Por exemplo, imagine um show do Kraftwerk no Woodstook.

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Tive a oportunidade de etnografar, em 1999, um grupo de pesquisadores do ISC61 (cf.

STANGL, 2000). Uma das constatações que mais me surpreendeu foi a de que, entre

cientistas, a crença nas máquinas supera a própria confiança entre os pesquisadores. Ou

seja, a construção coletiva do conhecimento científico depende do testemunho isento

das máquinas. Elas estão nos registros, nos bancos de dados, nas comunicações, nos

transportes, nos pagamentos, etc. Seria impossível o desenvolvimento do conhecimento

científico sem formas precisas de registro, assim, na coleta de dados, o elemento

subjetivo de apreensão é posteriormente esquecido, em prol de uma imagem

reconstruída, mais nítida e definida. Como Juruna, nós não nos contentaríamos apenas

com a palavra dos pesquisadores.

Sabemos que o método cientifico chegou ao que é hoje vindo de um longo percurso, da

confrontação entre a lógica argumentativa e os mitos, passando pela retomada do sujeito

como mediador epistemológico da certeza em Descartes, ao abandono do paradigma

teológico, chegando ao paradigma racional cientifico e ao tecno-científico. A razão não

nos basta, nossos sentidos ampliados pelas máquinas enxergam o mundo subatômico,

as galáxias, o dna e a verdade. O universal sem totalidade pregado por Lévy é um

universal. Não foi esse o sonho de todos os iluministas? A universalidade traz no seu

bojo a verdade universal. A verdade deixa de ser a escolha pós-moderna e volta como

técnica. A técnica pode ser plural a verdade não.

Por isso quando vemos as manifestações da etnicidade no mundo digital, podemos

confrontar, sob sua perspectiva cultural, nossa visão de mundo, nossa realidade. Nossas

verdades, construídas coletivamente, hoje expandem seus sentidos pelo globo. Os

resquícios do fundamentalismo perceptivo (com-tradição), que ainda hoje causam tanta

dor no mundo, perdem sua razão de ser quando acreditamos no diálogo (com-tradução)

e no movimento do sentido na construção de um novo mundo.

61 Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

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TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos? Iguais e Diferentes. Petrópolis: Vozes, 1999.

TOURAINE, Alain. O véu e a lei. Folha de S. Paulo, 11/01/2004.

VAIDHYANATHAN, Siva. It’s a peer-to-peer world. In: The new information ecosystem: cultures of anarchy and closure. OpenDemocracy, 26/06/2003.

VAZ, Paulo. Esperança e Excesso In: COMPÓS 2000 – Anais do 9º Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social. Porto Alegre: FAMECOS - PUCRS, 2000. v.1.

VIANNA, Hermano. Fome e Tecnologia. In: Nação Zumbi. Rádio S.A.M.B.A.: Serviço ambulante da Afrociberdelia. Rio de Janeiro, Ybrazil?Music, 2000. (Cd com encarte).

VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro: Zahar/UFRJ, 1995.

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ANEXOS

I - LISTAS DE DISCUSSÃO

II - SITES

III – ORKUT (COMUNIDADES)

I - LISTAS DE DISCUSSÃO:

01 Cor & Atitude - 459 msg 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/coreatitude/Categoria: Outras Descrição: Grupo que troca informações e notícias de eventos relacionados a raça/etnia negra. Criado a partir de um projeto de mídia e cultura negra, desenvolvido no Centro de Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) em 2001 e 2002. Informações do grupo Associados: 77 Fundado em:Set 2, 2002 Idioma principal: Português

02 Mídia Étnica - 139 msg 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/midiaetnica/Categoria: Debates e Causas Descrição: Grupo de discussão sobre Mídia e Etnia. A proposta do grupo é aglutinar estudantes de comunicação, professores, profissionais de mídia, pesquisadores, cineastas e produtores culturais que queiram discutir novas perspetivas para a inclusão de minorias étnicas nos meios de comunicação. Informações do grupo

Associados: 41 Fundado em:Jan 13, 2004 Idioma principal: Português

03 Atabaque Virtual - 1552 msg 17/02/2004 http://br.groups.yahoo.com/group/atabaqueCategoria: Amigos Descrição: Atabaque é um grupo para a manifestação livre de opiniões e comunicados para o povo preto.É a versão digital do nosso boca a boca ancestral. É o nosso tambor cibernético. Informações do grupo Associados: 41 Fundado em:Jul 13, 2002 Idioma principal: Português

04 Literatura indigena - 4609 msg 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/literaturaindigena/ Categoria: Grupos e Culturas Descrição: Essa rede objetiva aglutinar escritores / pensadores indígenas que buscam o exercício de seus direitos humanos refletidos na área literária, enfocando temas diversos, assumidos como um agente transformador da vida como indígenas- primeiras nações do planeta terra_ , a agentes mobilizadores de opinião, multiplicadores de idéias, enfim fortalecedores da consciência indígena, um

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pensamento nacional desvalorizado na sua identidade por imposição cultural adversa.A rede objetiva ainda, dentro dos aspectos literários da escrita e da oralidade,intercambiar escritores indígenas nacionais e internacionais ou amantes sensíveis desse tipo de literatura e que possam não ser indígenas.A rede objetiva também fortalecer os elos ancestrais através da consciência maior de quem somos como povos indígenas no mundo, consciência essa que ecoa através dos tempos imemoriáveis.Os temas são os mais variados possíveis:conhecimento tradicional, propriedade intelectual,direitos indígenas,direito à terra, gênero, biodiversidade, saúde e direitos reprodutivos, educação, desenvolvimento e trabalhos INDÍGENAS.Os povos afro-descendentes, assim como povos ressurgidos, quilombolas, povos indígenas desaldeados e urbanos, todos sem discriminação são altamente aceitos nessa rede contra o sistema socio-político e racial que nos oprime como povos indígenas. "A PALAVRA DA MULHER INDÍGENA É SAGRADA COMO A TERRA" Informações do grupo Associados: 62 Fundado em:Jun 21, 2002 Idioma principal: Português

05 mulheresnegras · processo preparatório para a III Conferencia contra o Racismo - 12.252 msg 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/mulheresnegras/Categoria: Mulheres Descrição: Essa lista foi criada com o objetivo de circular informações sobre a III Conferência Mundial contra o Racismo(processo pré e pós-Durbam) bem como sobre o Movimento de Mulheres Negras Brasileiras. Fazem parte dessa lista as organizações de mulheres negras e pessoas interessadas na discussão do tema

numa perspectiva feminista negra. Pedimos a compreensão de tod@s no sentido de nos ajudar a manter essa importante ferramenta de comunicação dentro dos propósitos originais. Informações do grupo Associados: 180 Fundado em:Nov 27, 2000 Idioma principal: Português

06 Discriminação Racial - 10.079 msg 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/discriminacaoracial/ Categoria: Direito e Temas Jurídicos Descrição: Discute questões jurídicas ligadas a praticas discriminatórias contra minorias etnicas bem suas conseqüencias no processo de desenvolvimento social e econômico de nacionalidades. Propõe medidas legais e políticas visando aperfeiçoamento daquelas relações e superação da discriminação como componente das culturas nacionais Informações do grupo Associados: 218 Fundado em:Ago 9, 1999 Idioma principal: Português

07 Mulheres Indígenas - 56 msg 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/mulheresindigenas/ Categoria: Mulheres Descrição: Este grupo surgiu no II Encontro de Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, realizado de 30 de outubro a 01 de novembro de 2003. Dele fazem parte as mulheres indígenas e pretende ser um canal de informações e contato entre as mesmas. Informações do grupo Associados: 4 Fundado em:Dez 13, 2003 Idioma principal: Português

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08 DemocraciaRacial · Pela democracia - 795 msg 17/02/2004http://br.groups.yahoo.com/group/DemocraciaRacial/Categoria: Relações Raciais Descrição: INTRODUÇÃO - Considerando que a sociedade brasileira possui uma dívida mesomilenar para com as raças indígena e negra, que foram partes fundamentais para a construção cultural e material deste país, decidimo-nos por dedicar esforços no sentido de retribuir e privilegiar as vítimas da selvageria praticada pela elite dominante sobre nossos antepassados, a qual ainda repercute hoje, através da cultura deles herdada, e ainda modela, de forma negativa, o caráter de nosso povo. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE LONGO PRAZO - Organizar a luta pela democratização racial de tal forma a produzir resultados mais rápidos, mais eficazes e mais permanentes em Belo Horizonte, em Minas Gerais, no Brasil e no planeta. PLANEJAMENTO DE MÉDIO PRAZO - Unir prioritariamente os movimentos que defendem os interesses dos negros, por formarem a maioria racial mais oprimida, de tal forma a ampliar a participação dos indivíduos na luta por seus direitos e otimizar estes resultados, dentro do princípio de que, numa democracia, raças como a negra e indigena, e gêneros, como o das mulheres, vítimas históricas da injustiça social, política e cultural, devem estar proporcionalmente representados nos centros das decisões do Estado, seja nos governos municipais, estaduais ou federal. PLANEJAMENTO DE CURTO PRAZO - Defender o sistema de cotas nos colégios e universidades públicas e privadas, destinadas à classe mais pobre de nossa sociedade, reconhecendo que os negros compoem a sua maioria e sofrem duplamente com o preconceito racial e social, motivo pelo qual devem ser duplamente privilegiados.

Influenciar o Estado para que ele cumpra o seu papel de tratar de forma diferente os desiguais, privilegiando os que sempre foram prejudicados pela sociedade, com objetivo de fazer com que todos sejam iguais perante à lei..Informações do grupo Associados: 45 Fundado em:Mar 18, 2003 Idioma principal: Português

09 MAVIN Foundation - msg 1564 29/02/2004http://groups.yahoo.com/group/mavin/Category: Multiculturalism Description: MAVIN Foundation is a national nonprofit organization that celebrates the mixed race experience. We publish a national magazine, a Resource Book for parents and educators, and administer MatchMaker, the only national program dedicated to mixed race marrow donor recruitment and education. This list is meant as a forum for those of us in the mixed race and related community to interact and celebrate our unique and diversified experiences. Anyone who would like to get involved with the Foundation or in the actual writing and publishing of the magazine is also encouraged to participate. Group Info Members: 220 Founded: Aug 13, 1998 Language: English

10 SWIRLinc · Network for mixed families, mixed adults - 7943 msg 29/02/2004http://groups.yahoo.com/group/SWIRLinc/Category: Multiculturalism Description: Swirl, Inc. is a national non-profit organization that aims to build mixed race communities while providing support to mixed adults, mixed families, transracial adoptees, and inter-racial/cultural/faith

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couples, to celebrate and explore their heritages. Swirl is an organization for the whole family! Swirl began in NYC, but has recently added chapters in Arizona, the Bay Area, Boston, Denver, the Gulf Coast, Japan, Los Angeles, Minneapolis, Philly, and South Florida. Monthly events consist of dine-outs, writers' circles, book club sessions, film screenings, etc... Even if you are not in the vicinity of any of these chapters, this list is here for everyone to discuss issues relevant to the mixed experience, to exchange information, and to offer ideas to one another. Swirl is still young and needs your support and brainstorming! ~please visit us at www.swirlinc.org! join our announce-only list for event information at: http://groups.yahoo.com/group/SwirlANNOUNCE/ Group Info Members: 568 Founded: Oct 16, 2000 Language: English

11 Aaesgaard · Paganismo Nordico (Ásatrú) – 3777 msg 10/10/2004 Descrição Categoria: Mitologia e Folclore Lista de Discussão de Paganismo Nordico conhecido como Ásatrú ("lealdade aos Deuses" do nórdico antigo) e assuntos de interesse ao paganismo em geral. É importante lembrar que a palavra Ásatrú derivou-se do "As" (Aesir, família principal dos Deuses de Aesgaard) e "tru" (tru - true - verdade - confiança - lealdade).Lista 100% moderada! Nenhuma mensagem vai para lista sem antes ser autorizada por um dos moderadores! Portanto: assuntos offtopic, "guerrinhas" pessoais, discriminações em geral (racismo, sexismo, etc.), nada disso será tolerado.Permitido o envio de arquivos de até 100kb.

"Perguntar bem, responder corretamente, São as marcas de um homem sabio: Homens devem falar dos feitos dos homens. O que acontece não deve ser escondido" Havamal - As palavras do Altíssimo (Verso 28) Informações do grupo Associados: 145 Criado em:Out 17, 1999 Idioma principal: Português

II - SITES:

01 oneworldhttp://www.oneworld.net/OneWorld is the world's favourite and fastest-growing civil society network online, supporting people’s media to help build a more just global society. News from OWI's Governing Body The most recent OneWorld International Foundation Board of Trustees meeting took place in London on 16-18 November 2003. Meeting minutes will be posted shortly. Minutes of previous Board meetings are available. The next Board of Trustees meeting will take place in mid-2004. In 2003 OneWorld's Governance Group completed its first network-wide Governance Report (pdf) to review our internal democracy. We would welcome feedback on this report. Please email [email protected]. Latest media coverage In the media OneWorld’s co-founder Peter Armstrong will receive a British Academy of Film and Television Arts (BAFTA) Special Lifetime Award at its Interactive Awards on 19 February 2004 for his contribution to the digital industry. Full story. Latest press release London, 11 February 2004. OneWorld launches its new Sustainability Fund, with support from filmmaker Lord Puttnam and

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TV broadcaster Jonathan Dimbleby, in London on 11 February 2004. Latest Strategic Alliance OneWorld is delighted to have joined the Communications Initiative, working with 15 international organisations to improve communications thinking on development issues. New Support for OneWorld The Vodafone Group Foundation has announced support for OneWorld's pioneering work using mobile phones in Africa for sharing local knowledge. The system to be piloted in Kenya and South Africa will focus on vital information for local communities like market prices and HIV/AIDS. Newest Centre The first steering committee for a new independent OneWorld Southern Africa was held March 7-9th in Lusaka, Zambia. Board members came from organisations including SchoolNet Africa, MISA, Mwengo and UUNET. Technology Services Knowledge Management SolutionsOneWorld provides technology services to the not-for-profit sector. The team responsible for OneWorld.net are now helping organizations make technology work for them and their cause.

**********************************02 Radiochangohttp://www.radiochango.com/

La Historia del Chango A finales del año 2000, tres personas deciden crear un web-site porque quieren compartir con más gente, su afición por la música "mestiza"... esta mezcla de ritmos que no tienen fronteras y que grita contra las injusticias del mundoTres años y muchos esfuerzos después, www.radiochango.com se ha convertido en un portal musical de referencia para este

género musical con más de 250.000 páginas vistas por mes en 4 idiomas. Afincados en Barcelona donde la ebullición musical es permanente, a medida que la experiencia ha ido creciendo también se han ido multiplicando las actividades desarrolladas. Éstas son : DIFUSIÓN CULTURAL Un portal de difusión y promoción de música "mestiza", que cuenta con informes completos sobre varios artistas, una agenda con la mejor selección de conciertos y una webradio. Un portal de difusión de noticias político-sociales (la Conciencia) que cuenta con la colaboración de varios nombres prestigiosos. Una comunidad virtual, a través de cuyos foros y chat se encuentran y comparten experiencias gentes de todas las latitudes PRODUCCIÓN Y DISTRIBUCIÓN MUSICAL Un portal de distribución musical, que se encarga de la promoción, venta y envío de discos alrededor del mundo. Un sello discográfico que apuesta por los talentos que surgen de la escena mestiza. ORGANIZACIÓN DE CONCIERTOS Y MANAGEMENT DE GRUPOSUna propuesta musical y escenográfica europea: Las Noches Radiochango son una propuesta musical barcelonesa y mestiza de 2/3 grupos + 1 DJ que podemos llevar a Fiestas de Pueblo, salas y Festivales de toda Europa, llevando la organización global de los conciertos con estas entidades Un organizador de eventos musicales: organizamos fechas para tocar tanto en Catalunya como en el resto de España y de Europa, encargandonos de su promoción. CREACIÓN DE PÁGINAS WEBUn estudio de concepión, realización y mantenimiento de web-sites: gráfica y programación avanzadas para resultados de alta calidad y elevada personalización, que os permitirán poder actualizar de manera

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sencilla la información contenida en vuestro web-site y hacerlo vivir y latir como cualquier buena página interactiva. Las personas encargadas de este área tienen más de 8 años de experiencia en estas actividades, en el seno de importantes empresas del sector. > (más información en www.elchango.net) CONTACTOVincenzo Megale / Santi Montero / Laurent Jayr- Teléfono : (+34) 93 310 77 47 - Móvil: (+34) 669 34 43 02 - Email : [email protected]

**********************************03 Revitalizaçãohttp://www.bunkyo.org.br/Histórico das Revitalizações 21/3/2003 15:50:06 Histórico das revitalizações anteriores"Ao longo dos últimos sete anos, temas envolvendo o futuro das entidades nikkeis, a estruturação de lideranças, valorização da cultura japonesa e gestão do conhecimento têm sido apresentados e discutidos. A partir de 2000 o evento passou a contar com participantes provenientes de diversas partes do país” A Revitalização já teve sete edições desde 1996. Dentre os principais temas e assuntos discorridos ao longo destes sete anos de evento, podemos destacar:I Revitalização - 1996 “Presente e Futuro de Jovens nas Entidades Nikkeis”: Discorre sobre problemas relacionados à falta de participação dos jovens nas entidades e aspectos diversos ligados ao fator pessoal, profissional e cultural inerentes às mesmas.

II Revitalização – 1997 “Por que freqüento a entidade?”, “Por que meus amigos freqüentam a entidade?” e “Por que outros amigos não freqüentam a entidade?”: Enfoque na Busca do perfil das entidades, levantamento de suas principais

dificuldades, a questão da evasão de associados e seus motivos, busca de alternativas e soluções para os problemas das entidades e de fatores que as permitam crescer de forma sólida. III Revitalização - 1998 “A sua entidade continuará existindo no século XXI?”: Busca a conscientização de todos para questões como: o “para quem” servirá a Associação e questiona o papel que cada líder desempenha para que a entidade realmente possa continuar existindo. IV Revitalização – 1999 “Afinal, para que existe sua entidade?”: Conscientiza a importância de delinear um propósito claro e objetivo para as entidades, aborda a questão dos Dekasseguis, no desenvolvimento de uma atitude mais crítica dos jovens em relação à situação atual de sua entidade e debate a importância de ter missão, metas e objetivos claros e definidos para a entidade. V Revitalização – 2000 “O novo perfil dos líderes das Entidades nikkeis. Você tem esse perfil?”: Foco no desenvolvimento de lideranças para a busca de alternativas que contribuam para o crescimento de suas entidades; Trabalho com as temáticas de Negociação, Motivação, Comunicação e Trabalho em equipe através de uma simulação da administração de uma entidade desde sua origem. VI Revitalização – 2001 “Século XXI – As Entidades rumo a novas conquistas”: Valorização da busca incessante de interações concretas e duradouras, através de um bom planejamento e integração das entidades; Estabelece como Fórum de discussões e planejamento das entidades para a formação de uma rede de intercâmbio cultural, esportivo e social; Discussões de temas ligados à Estruturação, Planejamento e Comunicação entre as entidades. VII Revitalização – 2002 “A era do conhecimento já começou. Sua entidade

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valoriza o conhecimento?”: Esta temática foi concebida em função da necessidade de conscientizar as entidades nikkeis sobre a importância da “Gestão do Conhecimento” para a fortificação e integração das entidades. Assim, este tema ressaltou um conjunto de estratégias que visa colocar o conhecimento em ação, através de sistemas e processos que possibilitem as pessoas contribuírem para o conhecimento coletivo, para o seu desenvolvimento e para e aperfeiçoamento das entidades.

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04 Afirmahttp://www.afirma.org.br/A instituição Afirma Comunicação e Pesquisa é uma organização não-governamental, suprapartidária, sem fins lucrativos e sem vinculação religiosa. Sua missão institucional é a produção e a democratização de informação e dados relevantes para a promoção dos direitos humanos e de maior igualdade e diversidade racial e de gênero. Afirma Comunicação e Pesquisa nasce a partir de uma experiência pioneira de mídia eletrônica e racial, a publicação Afirma Revista Negra Online , fundada em fevereiro de 2000, e que tem se tornado uma publicação de referência sobre o trabalho e a reflexão de ONGs e pesquisadores negros e não-negros no Brasil e no exterior. Para o biênio 2002-2004, Afirma Comunicação e Pesquisa organiza-se em torno de um eixo temático - Mídia, Racismo e Direitos Humanos - que busca disseminar a idéia de que o racismo e a discriminação racial devem ser entendidos, de fato, como violações aos direitos humanos fundamentais.

Tendo este eixo como elemento aglutinador e organizador de nossas atividades, Afirma Comunicação e Pesquisa está estruturada em torno de três programas: Comunicação e a mídia; Tecnologias de Comunicação e Informação (TCIs); Políticas públicas.Comunicação e a mídiaAfirma Revista Negra Online, a primeira revista eletrônica negra no país, representou uma inovação em termos de produção de informação a partir da vivência das comunidades e organizações negras brasileiras. O aprimoramento desta experiência traduz-se na expansão de sua cobertura (assuntos relacionados à mulher, crianças e adolescentes, direitos humanos, etc.) em atualizações diárias, na utilização de elementos multimídia, no monitoramento da mídia e na contínua produção crítica sobre as políticas públicas e a mídia brasileiras em seu tratamento da questão racial. As atividades no programa de comunicação são complementadas pelos projetos Arquivo Online da Imprensa Negra do Brasil e Afirma Livros, um selo editorial em parceria com a Editora Pallas para a publicação de obras brasileiras e estrangeiras sobre temas de interesse dos afro-brasileiros. Tecnologias de Comunicação e Informação (TCIs)As atividades neste programa destinam-se a promover projetos, debates e formulação de propostas sobre segregação digital, conectividade e acesso às TCIs. A principal atividade para o próximo biênio é a elaboração de um plano estratégico para a abertura de um Centro Tecnológico Comunitário (CTC) onde, além de se promover o acesso à Internet, também se ofereça treinamento em produção de conteúdos para a Internet. Acreditamos que a segregação digital (digital divide) deve ser combatida não somente com a promoção do acesso, mas principalmente com a produção de conteúdos alternativos

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preparados por aqueles grupos tradicionalmente excluídos da sociedade.

Políticas públicasO debate sobre a formulação e implementação de políticas públicas anti-racistas no Brasil é fundamental. Embora as ligações entre políticas públicas e racismo no Brasil ainda seja incipiente, é necessário entender as relações sociais e políticas entre grupos raciais e étnicos distintos no país, condição essencial para a elaboração de políticas públicas efetivas e eficazes. As atividades principais incluem a promoção de debates sobre racismo e políticas públicas, a divulgação de iniciativas de organizações da sociedade civil e análises dos impactos de programas anti-racistas.EquipeAfirma Comunicação e Pesquisa é formada por uma equipe de profissionais negros qualificados, com experiência nos setores não-governamental, privado e cultural no Brasil e no exterior.

*********************05 Bisharat!http://www.bisharat.net/intropt.htmUma iniciativa em línguas, tecnologia e desenvolvimentoBisharat* é uma ideia em evolução, baseada na importância de línguas maternas no desenvolvimento sustentável e no enorme potencial das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) para beneficiar esforços nas áreas de línguas e desenvolvimento. Prevendo a introdução progressiva de computadores e da Internet nas comunidades rurais de África, o foco actual de Bisharat é na pesquisa, advocacia, e na elaboração de redes relacionados com o uso de línguas Africanas na programação informática e desenvolvimento de conteúdos de páginas na Internet.

Esta página está sempre em construção... Os seus comentários e sugestões serão sempre bem-vindos.Para contactar Bisharat, envie uma mensagem para: [email protected]* Palavra árabe para "boas notícias"

************************06 CEPAIAhttp://www.uneb.br/org_suplementares/cepaia.htm

O Centro de Estudos das Populações Afro-Indo Americanas propõe-se a estimular uma sede de relações e intercâmbios entre as lideranças comunitárias, pesquisadoras e instituições voltadas para a afirmação e a expansão dos valores que constituem os patrimônios civilizatórios africano e aborígenes nas Américas.Dentre as suas funções, destacam-se a formação de um banco de dados e a realização de eventos científicos e culturais no âmbito do seu escopo temático.Pretende também o CEPAIA, dentro deste contexto, promover debates, pesquisas, estudos, publicações e outras atividades similares, ancoradas na riqueza etno-cultural que constitui a formação das populações afro-indo americanas, considerando nesse contexto, a reconstituição histórico-etnográfica das relações estabelecidas entre povos da África, América e Europa.Há também a preocupação em indicar novas percepções sobre as sociedades contemporâneas nas Américas, destacando a pluralidade cultural que se origina da reposição e afirmação dos valores e visão de mundo africano e da continuidade das tradições aborígenes.ABORDAGEM TEMÁTICANegros e índios: filantropia, solidariedade, organização intracomunitária e contribuição acadêmica.Tendo como referência toda trajetória histórica desses contingentes

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populacionais, a abordagem temática pretendida tem como foco a realidade atual deste universo, destacando as contribuições de algumas matrizes ou intervenção social cujas ações, em nome do compromisso de melhoria da qualidade de vida, as conduzem a desenvolver projetos em variadas vertentes.São instituições de naturezas diversas porém atuando em um mesmo universo social (índios e negros) tais como: instituições populares oriundas do seio das próprias comunidades, ONGs de filantropia voluntária, movimentos sociais e os centros de produções acadêmicas que têm essas comunidades como referência.Assim sendo, a abordagem temática é pois dirigida ao confronto de idéias desses segmentos institucionais, cujas concepções transmitam desde as mais concordantes até as antagonicamente divergentes, tanto do ponto de vista teórico quanto prático.Esperamos que o CEPAIA, desta forma, crie a oportunidade para inaugurar esse produtivo e salutar debate.

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07 Contemporary Africa Databasehttp://people.africadatabase.org/A base de dados da Africa Contemporânea e um projecto participativo online em contínuo dessenvolvimento, disenhado para fornecer de forma simples informação relativa a pessoalidades e organizações Africanas, assim como das datas importantes no calendário Africano.

******************08 Crossing Cultureshttp://www.digitrends.com/crossingcultures/Some Thoughts on Cultural IdentityCultural identity may be clearer to some people than it may be to others. Although many Americans, for example, identify with their Irish, West African, Chinese, or

Mexican roots (among many others), they may still know themselves to be American.In this article, as in the magazine Crossing Cultures, the issue is more one of the present experience of identity confusion due to integration into more than one culture and/or language. This is a common occurrence, but rarely written about. As I have started looking at cultural identity in my own life, I have been able to discuss this topic with others of mixed cultures and have found some common ground that has lead to discussions: 1. a feeling of being an outsider2. a sense of cultural schizophrenia 3. an enhanced cultural perception4. not knowing for certain where the home country is Once we haved moved away from the place of our original culture and begun the process of adapting to another culture, we broaden our perceptions, noticing things that are done differently or similarly between the two cultures. We learn a whole new set of culturally and linguistically defined rules and value systems with the result that our own perception of the culturally induced life experience is expanded. After speaking with many people on this topic, I have found that once people have started to adapt to a second culture, they are able to adapt more quickly to a third culture and begin to feel more part of a multicultural construct than citizens of only one culture. Exceptions to this rule have been found in people who have not yet returned to live in the original country; the country that they still feel a complete citizen of. If they do go back and stay long enough, they might notice that they are no longer the same person culturally as they were when they left originally and they also might notice that people are seeing them as being influenced by the other culture in some way.

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These returnees can sometimes feel like outsiders in the country that all along, they may have felt was home. Atsushi Furuiye the founder of a club that supports Japanese people who have returned to Japan after living in foreign countries, tells his own experience of being culturally confused after growing up in Mexico, attending an American school there, and returning to Japan after many years. This topic actually refers in part to the phenomenon of reverse culture shock, another experience shared by those who have felt cultural confusion.Lastly, the feeling that I like to refer to as cultural schizophrenia is especially strong among those who have had to learn a new language along with the new culture. It seems that there is a feeling attached to speaking one language that is slightly different than that which is felt when speaking the other. In those who have emigrated while still quite young, speaking the original language may make one feel more like a child for example. Unconscious reflexes may be attached to the speaking of one language as well. For example, I find myself kissing people "goodbye" if I have been speaking French with them, and hugging them if we have been speaking English and I am often surprised to see that I might have done this completely unconsciously. Between bilingual people, there is often the question of which language is primary. Most people can identify which language is the most dominant, and can say which one they dream in. Some people might dream in whichever language they have heard during the day. Whether these language experiences are purely linguistic or whether they are a clue to understanding the complexities surrounding cultural identity could well be an interesting investigation.Links to stories (essays and interviews) on this topic:

"Where Are You From?"DriftingMitra Dancing Through ChangeGoretti, World CitizenIn Praise of Cultural PolyamoryCrossing Cultures encourages all discussion on cultural identity and invites its readers to write with their reflections and input on this topic. Please write us at:[email protected]

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09 El lugar de las lenguas latinas en Internethttp://www.unilat.org/dtil/LI/Realizado entre agosto de 2000 e junho de 2001. Publicado em 1/08/2001 Direitos autorais e editoriais ©, 2000-2001, Funredes, União Latina. Com o apoio da Délégation générale à la langue françaiseEste estudo dá seguimento aos trabalhos realizados entre 1995 e 1998 (http://www.unilat.org/dtil/lenguainternet/pt/l_latinas_pt.asp), sobre o lugar das línguas e culturas latinas na Web, sendo que esta edição concentra-se no estudo das línguas. O princípio metodológico de base, que mostrou sua solidez quando da edição anterior, foi conservado. Trata-se de proceder à medição, em certos espaços da Internet, da quantidade de menções ou ocorrências de 57 palavras ou termos, que possem um significado e um alcance equivalente nas línguas estudadas (espanhol, francês, inglês, italiano, português, romeno) e de analisar e comparar, em seguida, os resultados para, a partir do método estatístico, chegar a porcentagens de presença de cada uma delas. Uma primeira extensão do estudo ao alemão (com a intenção de ampliar, posteriormente, a outras línguas) começou a ser considerada. O ambiente dos motores de busca evoluiu muito desde o estudo realizado

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anteriormente, o que levou a uma análise das implicações das mudanças em nossa metodologia e das melhorias sensíveis verificadas com relação aos trabalhos anteriores: Aplicação de vários sistemas de busca a partir dos quais foi feita uma seleção ponderada com o objetivo de obter os resultados mais rigorosos possíveis. Automatização da contagem e dos cálculos a partir de um software que funcionava como interface entre os termos a serem medidos, organizados em bases de dados, e os sistemas de busca. No futuro, este investimento possibilitaráa publicação dos resultados em intervalos regulares, constituindo, assim, um verdadeiro observatório. Sistematização do processamento das homografias interlingüísticas através de uma administração automatizada, mais sólida no plano metodológico.

As dois ultimas medidas em % sobre a presencia das línguas latinas no Internet (outubro 2001/fevreiro 2002)Estudo diponível em formato Word Estudo diponível em formato htm

******************10 UNIÃO LATINAhttp://www.unilat.org/

O QUE É ? Os povos de língua românica, de origens muito diversas, têm em comum, no entanto, um património linguístico e um sistema de referências históricas e culturais. É natural, portanto, que essa família, mesmo dispersa e extensa, se haja dotado de uma instituição dedicada à promoção e à difusão da herança comum e das identidades do mundo latino. No momento em que se reforçam os laços entre os países ibero-americanos, em que se edificam as relações institucionais entre

os Estados lusófonos e hispanófonos, bem como entre os Estados francófonos, em que se constrói o Mercosul, em que se constitui uma Comunidade dos países da língua portuguesa, em que se elabora a Europa das culturas, que deve obrigatoriamente completar a Europa económica e monetária, compete à União Latina assumir um papel cada vez mais significativo na percepção dessa solidariedade cultural entre os latinos que ela simboliza. Fundada em 1954 pela Convenção de Madrid, a União Latina existe como instituição a partir de 1983. Nos dezassete anos de existência funcional, o número de Estados que se tornaram membros pela ratificação da Convenção de Madrid ou por adesão passou de 12 a 35, atingindo hoje quase que a totalidade do universo dos Estados que a podem integrar. São estes, segundo as recomendações interpretativas estabelecidas em 1992, aqueles países que respondem a um ou mais dos seguintes critérios: critérios linguísticos (língua oficial neolatina - língua de ensino neolatino - língua neolatina utilizada como meio de comunicação na vida quotidiana e na mídia); critérios linguístico-culturais (existência de uma literatura significativa em língua neolatina - imprensa escrita na sua maioria em língua neolatina, tanto em termos de tiragem como de número de títulos - televisão com forte proporção em língua neolatina, rádio amplamente em língua neolatina); critérios culturais (herança directa ou indirecta de um património da Roma antiga ao qual os Estados manifestam a sua fidelidade e que perpetuam, pelo ensino do latim e das línguas estrangeiras neolatinas, pelos intercâmbios culturais com outros países latinos, e pela organização da sociedade, nomeadamente no plano jurídico, no respeito às liberdades fundamentais e aos princípios gerais dos direitos do homem e da democracia, da tolerância e da liberdade de cultos).

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A União Latina está presente em quatro continentes compreendendo, actualmente, Angola, Argentina, Bolívia, Brasil, Cabo Verde, Chile, Colômbia, Costa de Marfim, Costa Rica, Cuba, Equador, Espanha, Filipinas, França, Guatemala, Guiné-Bissau, Haiti, Honduras, Itália, México, Mónaco, Moçambique, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, República Dominicana, República Moldova, Roménia, São Marinho, Santa Sé (estatuto especial), São Tomé e Príncipe, Senegal, Uruguai e Venezuela. As línguas oficiais da União Latina são o espanhol, o francês, o italiano, o português e o romeno. As quatro primeiras são utilizadas como línguas de trabalho. Todos os textos de difusão geral são traduzidos nestas quatro línguas e alguns também em romeno. Assim, a Organização vive e demonstra constantemente o seu ideal cultural pan-latino.

QUE FAZ A UNIÃO LATINA ?A União Latina empenha-se na tomada de consciência da importância das culturas e das línguas latinas, em face de sua fragilidade no mundo de hoje, agindo em três áreas: a promoção das culturas latinas, nomeadamente nos domínios das belas-artes e da literatura, a promoção do ensino das línguas neolatinas nos países membros, e o desenvolvimento da terminologia científica e técnica em línguas neolatinas. Uma atenção especial é dada ao domínio do audiovisual. A Direcção Cultura e Comunicação (DCC) tem por vocação a promoção da ideia de uma comunidade cultural latina, facilitando o acesso a um melhor conhecimento recíproco das riquezas culturais dos países

latinos e favorecendo a recriação de laços culturais entre os povos latinos. A Direcção da Promoção e do Ensino das Línguas (DPEL) tenta valorizar a presença das línguas românicas no seio dos países membros da Organização a fim de renovar os laços ancestrais que os unem e que os colocam perante um destino comum. A participação dos países latinos em comunidades económicas de grande escala deve ser acompanhada, paralelamente, de acções no plano educativo que conduzam os cidadãos a partilhar suas identidades linguísticas e culturais numa perspectiva mais ampla. A Direcção Terminologia e Indústria das Línguas (DTIL) tem como objectivo contribuir para o enriquecimento das terminologias científicas e técnicas das línguas latinas, estimular a cooperação em matéria de indústrias da língua nos países latinos e favorecer o progresso e a utilização das redes telemáticas no quadro da latinidade. A DTIL detecta ou antecipa necessidades e suscita iniciativas dentro do quadro da sua acção nos Estados membros e atende às solicitações que lhe são dirigidas por organismos que desejam obter apoio material, metodológico ou técnico.

Além dessas actividades, a União Latina também se propõe alargar as acções a favor do Audiovisual, mais particularmente a favor do cinema, mas também da rádio e da televisão (emissões radiofónicas; um festival retrospectivo, a constituição de uma rede de salas de cinema; uma sessão de formação destinada a jovens profissionais; a valorização do património cinematográfico; o apoio a festivais europeus e latino-americanos). *********************11 everyome is an expert :: make world tuor http://www.expertbase.net/

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15.Sep.03) Over the past months, activists and artists with different backgrounds ranging from indymedia centers to the noborder-networks, from the Free Software movement to community media, from grassroots campaigns to hacker collectives, have been discussing how to intervene in, outside of, counter to, or as an alternative to the agenda and organisation of the World Summit on the Information Society (WSIS) from December 10th to 12th in Geneva, Switzerland. WHAT IS WSIS? SIS is the first of two global summits dealing with information and communications to be held by the United Nations in Geneva. But the Summit is a smokescreen. Although it talks about the digital divide, knowledge dissemination, social interaction, political engagement, media, education, and health, this language is used to mystify the continuing use of information to protect and advance the interests of global capital. GENEVA-03 Geneva-03 is an open, loose and temporary association of groups and individuals who are currently preparing a series of events around the WSIS. Its common goal is to create autonomous physical and network spaces for diverse tactical, grassroots, activist and community media actions and discussions in and around the WSIS meetings. The issues at hand are many: • Shaping and subverting the information technologies that are now part of everyday life. • Refusing both war and infowar. • Countering the exploitation of immaterial work and informalized labor. • Resisting border management and digital rights management. • Defending our commons of ideas, including indigenous knowledge, scientific data, free software, educational systems

and creative expression against the immense pressures of privatization. • Fighting for freedom of movement and freedom of communication for all people, not just those who promote and benefit from capital. The actions taking place at WSIS? WE SEIZE! will seek to promote new ways of communicating, what is communicated, by who and for whom: to create new social formations that can address the systems of domination that surround and inform our world. The struggle takes place from the local, regional and global infrastructure (radio and TV spectrum, wireless frequencies, cable rights of way, satellite orbital paths) to the content that traverses those structures. These networks should be for the benefit of and use by all the world's people, organised to nurture and sustain social cooperation. WSIS? WE SEIZE! The event will work around these areas: • A strategic convention before the UN summit in Geneva, comprising discussions, panels and presentations. • A polymedia lab to share tools, skills, experiences, and knowledge. • A three day netcast which will follow the revolution of the earth, streaming independent media activism and community media projects from across the globe. Geneva-03 is asking all interested people to get involved with this initiative. We are working to establish venues and schedules, as well as options for accomodation and general survival in the expensive city of Geneva. There will be a further preparation meeting at the European Social Forum in Paris in November. For all people interested in the Geneva-03 project, this is the open working list: http://lists.emdash.org/mailman/listinfo/prep-l and the website: http://www.geneva03.org/. The

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Geneva03.org website is an open publishing forum where you can post your proposals, ideas and contributions.construction site section of the geneva03 collective

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12 Infovillehttp://www.infoville.es/El desarrollo progresivo de las Tecnologías de la Información y de la Comunicación (TIC) viene generando cambios fundamentales en el funcionamiento de las economías y las sociedades en su conjunto. Estos cambios han incidido a su vez en los estilos de vida y los hábitos de los ciudadanos. Cada día se avanza un paso más hacia la denominada Sociedad de la Información y el Conocimiento. Consciente de ello, el Gobierno Valenciano diseña y promueve anualmente numerosos proyectos que ( articulados dentro de los denominados Planes de Modernización: PEMAV -año 1999- y Moderniza.com -año 2000-), están orientados a fomentar y diseminar la Sociedad de la Información por todo el territorio de la Comunidad Valenciana.(subir) Infoville 21 forma parte del 2º Plan de Modernización de la Comunidad Valenciana, Moderniza.com, y ofrece al ciudadano a través de internet, por un lado, una comunicación con la Administración más interactiva estableciéndose cauces nuevos, como la consulta electrónica, la cual le dará la oportunidad de expresar directamente sus intereses e intervenir en las decisiones que le afecten, y por otro le ofrece, servicios de muy diversa índole que le proporcionará el disfrute de sus derechos y el cumplimiento de sus obligaciones.La coyuntura social y tecnológica, en la que nació el proyecto Infoville en el año 1996, y su proyección en la sociedad valenciana han cambiado en estos últimos años. La generalización de la conexión

gratuita a internet, la aparición de numerosos portales y servicios, la mayor penetración de los ordenadores y de internet en los hogares, la tarifa plana y la aplicación de nuevas tecnologías son algunos de los aspectos, que la Fundación OVSI ha venido considerando en los diferentes procesos de evaluación del desarrollo del proyecto, que han sido realizados hasta el momento, por esta entidad encargada y responsable de la implementación del mismo. (subir) El proyecto Infoville en su naturaleza sigue manteniendo sus objetivos estratégicos: acercar la sociedad de la información al ciudadano, construir un nuevo ámbito de relaciones interpersonales y colectivas sobre base telemática, crear una plataforma de servicios de la administración pública y de los agentes socioeconómicos que proporcionen contenidos a la sociedad, y anticipar el futuro como fuente de ventaja competitiva para impulsar la competitividad mediante la extensión progresiva de la Sociedad de la Información en la Comunidad Valenciana, sin embargo, los objetivos operativos del proyecto han debido ajustarse a la nueva dimensión del mismo y al cambio tecnológico que se ha experimentado en los últimos años, como ya se ha dicho.Con la redefinición de los objetivos operativos se ha conseguido abordar el proyecto desde una perspectiva global, que ha permitido unificar las diferentes intranets municipales creadas por Infoville, y ha facilitado además el aprovechamiento de sinergias con los diferentes proyectos impulsados por la Generalitat Valenciana y la rápida incorporación de los contenidos municipales de los Ayuntamientos de nuestra Comunidad (subir)

La meta, por tanto, de Infoville 21 es crear un portal único, orientado hacia las personas, accesible al conjunto de ciudadanos de la Comunidad Valenciana,

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sin que para ello sea necesaria la participación en el proyecto de los Ayuntamientos correspondientes, con la oferta generalizada de servicios de conexión gratuita a internet y de correo electrónico, con la oferta de servicios que permitan incorporar contenidos a los ciudadanos y empresas, y, por último, con la oferta de un sofisticado plan de integración de servicios de información y de teleadministración, que conceda especial importancia a los servicios interactivos.(subir)Por otro lado, la nueva reingeniería de Infoville 21 ha contemplado la incorporación de diferentes portales verticales, desarrollados por la Fundación OVSI y sus socios estratégicos, que permiten la aportación continuada de contenidos al portal (Infosoft 2003, Infocampus, Infocole, Infopress, e-FirmaGV, Euroinfomarket,...), la utilización de servicios de formación, y aulas permanentemente abiertas y accesibles desde cualquier ubicación, como pilar estratégico para la construcción de la Sociedad de la Información, aprovechando las nuevas posibilidades que ofrece Internet en el ámbito de la teleformación, y el acceso a servicios o paquetes orientados al mundo de la empresa y los profesionales.Se podría destacar como novedad de gran relevancia en el nuevo Infoville, entre otras, la integración del proyecto Infosoft 2003, que, a través del portal, permitirá desarrollar en los diversos municipios de la Comunidad Valenciana los contenidos derivados de la gestión de los propios Ayuntamientos y desarrollar, a su vez, aplicaciones municipales, de forma que se convierta éste para toda la sociedad valenciana en portal único de acceso a los servicios públicos y privados.

En resumen, reestructurando Infoville se ha pretendido mejorar y ampliar los beneficios del proyecto, y alcanzar así su extensión a toda la Comunidad Valenciana de una forma ágil, con una adecuada oferta de servicios y un coste de implantación y mantenimiento sostenible.(subir) *******************************13 Swirlhttp://www.swirlinc.org/MISSIONSwirl aims to unite the mixed community by providing support to mixed families, mixed individuals, transracial adoptees, and inter-racial/cultural couples. Through a Big Sibling/Little Sibling Program, various social events, and educational lectures and discussions, Swirl will be a meeting place for members of the mixed community to celebrate and explore their heritages

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14 INSTITUTO CULTURAL STEVE BIKOhttp://www.stevebiko.org.br/

O INSTITUTO CULTURAL STEVE BIKO, nome dado em homenagem ao líder negro sul-africano Bantu Stephen Biko - Steve Biko -, principal idealizador do movimento de Consciência Negra, que morreu em 12 de setembro de 1978 por consequência das torturas sofridas nas prisões do Estado Racista do Apartheid na África do Sul, surgiu em julho de 1992, por iniciativa de professores e estudantes afro-brasileiros, com o objetivo de fortalecer a luta contra a discriminação racial através de uma ação concreta: criar e oferecer as condições possíveis e necessárias para a ascensão social da comunidade negra de baixa renda. Para auxiliar nesse processo, vem desenvolvendo atividades buscando a reconstrução da identidade étnica, da auto-estima e cidadania dos afro-brasileiros em

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um contexto de formação política e educacional. Trata-se de uma proposta autônoma e independente, não tendo vínculo orgânico ou político com nenhuma outra entidade; aliando-se ideologicamente, no entanto, com todas as organizações ou pessoas que trabalham pela eliminação das desigualdades étnico-sociais.MISSÃO Promover a ascensão social da comunidade afro-descendente através da educação e do resgate de seus valores ancestrais. VISÃO DE FUTURO Até 2010, construir o Centro Cultural e Educacional Steve Biko, e torná-lo reconhecido como um Instituto de referência nacional de estudos, assistência e capacitação da comunidade afro-descendente, desenvolvendo diversas atividades de qualidade no campo da educação, cultura, arte e outros serviços, respeitando a diversidade e buscando o bem-estar social.

************15 THE MULTICULTURAL SKYSCRAPER http://www.multicultural.net

Online/More Colour in the Media presents: the European website on minorities and the media.Online/More Colour in the Media is a network of broadcasters, training institutes, and multicultural organisations set up to improve the representation of ethnic minorities in broadcasting, and has initiated projects in the fields of employment, training, production and research. It has created the Multicultural Skyscraper to serve you as information gateway on all things multicultural about the media: step inside, and find resources rooms on a range of themes and project rooms on the network’s efforts thusfar. Keep in touch with Online/More Colour in the Media! ************************

16 38e Rugissantshttp://www.38rugissants.net/The 38e Rugissants Festival has been exploring the diversity of contemporary musical languages since 1989, linking up artistic creation with the main currents of 20th century music, confronting tradition and modernity, marrying acoustic instruments with new musical technologies.The festival fosters the meeting of cultures, creating openings for improvised, traditional and extra-European musics. The meeting of written and oral composing traditions has developed in the course of creative works hybridizing contemporary western practice and traditional music forms from Africa, the Middle East and Asia.With the 1997-98 season the festival started organizing Musiques Nomades, a specific programme devoted to world music, focusing on more formal strains but also in a spirit of innovation and enrichment of traditional musics. The Musiques Nomades programme features a monthly rendezvous in and around Grenoble.

**************************17 Lusotopiehttp://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/Desafios contemporâneos nos espaços lusófonosRevista internacional de investigação política em ciências do homem, da sociedade e do ambiente sobre os sítios, países e comunidades de história e língua oficial ou nacional portuguesa e luso-crioula

**********************18 MACUA DE MOÇAMBIQUEhttp://www.macua.com/BEM VINDO. SINTA-SE EM CASA!

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Noticias de Moçambique, constantemente actualizadas *****************************19 AfricaNethttp://africanet.hypermart.netBem vindo!! O Melhor site africano em Portugal !!! (cada vez mais lindooo !) com muito prazer que estamos a inaugurar no nosso novo servidor AfricaNet'98. Com este projecto, estamos determinados a construir o melhor site Africano em Portugal, graças ao apoio de um grupo de pessoas que dedicam diariamente no desenvolvimento deste magnífico projecto. ******************20 Mavinhttp://www.mavin.net/Welcome to the online home of MAVIN Foundation, the nation's leading organization addressing multiracial issues. Here you'll find more information about MAVIN magazine, the Multiracial Child Resource Book, and the MatchMaker Bone Marrow Project. For new visitors, read a special message from MAVIN founder and president, Matt Kelley.

Redefining DiversityMultiracial children are redefining America. Today, more multiracial babies are born in states like California and Washington than any other race except Caucasian. Census 2000 was the first time that Americans could identify as multiracial, and seven million did so. However, multiracial youth are rarely recognized on forms requesting racial information, or in diversity curriculum. The lack of resources that address their unique challenges is one reason why multiracial children have the highest rates of physical and sexual abuse of any racial group, and are among the fastest growing segments entering the juvenile justice system.

Growing up biracial for me was at times, both isolating and exciting. As a college freshman in 1998, I created MAVIN magazine to end the chronic shortage of resources celebrating multiracial young people. Today, MAVIN Foundation is the nation’s leading 501-(c)3 nonprofit organization that is redefining diversity by celebrating multiracial and transracially-adopted youth. Through our programs, we are helping to create a cohesive, multicultural society. We are the recipients of President Bush's "Points of Light" award and the "Heroes of Health Care" award for our innovative approach to race and diversity issues.

Our innovative programs like MAVIN magazine, our MatchMaker Bone Marrow Program and our Multiracial Child Resource Book each address the unique issues facing multiracial children in our race-conscious society. Undoubtedly, multiracial Americans are redefining the way our society sees race, and I am proud that MAVIN is at the forefront, nationally, in addressing this trend.

But we need your support. I hope that after learning more from our Web site, you will consider becoming a member and making a tax-deductible donation. Because we do not receive any federal or state support, it is only with your support that our programs are made possible. Thank you for your consideration and for advocating on behalf of multiracial youth and families!

Very truly yours,Matt KelleyFounder/President

***************21 no border networkhttp://noborder.org/presentation of the no border network

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The no border network is a tool for all groups and grass root organizations who work on the questions of migrants and asylum seekers in order to struggle alongside with them for freedom of movement, for the freedom for all to stay in the place which they have chosen, against repression and and the many controls which multiply the borders everywhere in all countries. This network is different from lobbying groups and NGOs because it is based on groups of grass root activists and intends to stay so.The coordination between the groups is done through two meetings every year and a working list on e-mail.The no border network is born of the convergence of campaigns in various European countries at the moment when undocumented foreigners had started to get self organized to get together and become visible to all (occupations, especially of churches, actions, demonstrations), to take their struggle in their own hands, in short to be autonomous. Freedom of movement, documents for all, abolish racist laws, no deportations were the main slogans of these sans-papiers.The no border network was created in 1999. The European summit of Tampere in October 1999 was one more step toward the constitution of "corporation Europe" with its level of control adapted to the level of exploitation. Various European groups called for demonstrations against this summit, under the motto: "this actually means more controls, more arrests, more deportations". Actions and demonstrations took place in eight countries.The first no border meeting took place in Amsterdam in December 1999. It's there that a mailing list was established. It enables many grass root groups, including out of Europe, to coordinate actions, to exchange information and to discuss about migrations and borders. Within the noborder network, we aim to work against

all forms of exploitation and division, by working together to create new forms of collaboration and resistance. We aim to create a platform for exchange of information and experience among groups and individuals involved in different political struggles with an emancipatory anti-capitalist perspective. We also aim to work together with self organized groups of migrants. We aim to interconnect people working from different political practices and coming with different regional experiences.Among the no border activities, one can mention five major axes.1 the deportation alliance - It links the campaigns against airlines which take part in the deportation business: many successful actions were done against the main ones (Lufthansa, Air France, Swissair, Sabena, British Airways, Iberia ...) In several countries actions took place at the airports to prevent deportations, especially by talking the passengers into imposing that the migrant be disembarked. Some airlines renounced, at least officially, to accept forced deportations on their flights.www.deportation-alliance.com2 the border camps - Many camps have been organized near the borders of European countries: Poland, Ukraine and Slovakia, Germany and Poland, Sicily, Spain, and also at the Mexico-US border. In 2001 more than 1000 people took part in a camp near the airport of Frankfurt. The aim of these camps is to act against the border regime which allows for the deportation and sending back of migrants; they are also an opportunity to create relations between vaious groups through debates and cultural and festive activities. In July 2002 a camp has been organized, where at least 2000 people gathered in Strasbourg, the city which houses the Schengen Information System (SIS), a data base for search and control, with tens of

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thousands of terminals all over Europe. It targets not only migrants, but every "suspected" individual. This camp was the scene of various demonstrations and actions and a platform of exchange between groups and individuals who struggle toward emancipation.www.noborder.org/camps3 the international action days around October 15th - They give rise to simultaneous actions in as many countries as possible on a common theme of the network (of course, there are also actions of the various groups on these themes at other moments). The first one has been at the time of the Tampere summit and was at the origin of the network.4 The Campaign to combat global migration management- The presence of many countries of Eastern Europe in the network has made it possible to put on the agenda the problem of the IOM (International Office of Migrations) and beyond it the problem of the international management of migrations. The IOM presents itself as a manager of migrations: policy of internment and deportation of immigrants undesired for the governments, of recruitment and exploitation of the workers who are cansidered economically (and temporarily) "useful". It reigns over the control of migrants in Ukraine and other East European countries and also has an activity in other countries in the world. (See the rubric IOM on this website)www.noborder.org/iom 5 The struggle against deportations and against detention centres and other forms of privation of freedom - prisons, closed centres, imposed residence placeÉ Various actions have been done in various countries in and out of Europe (demonstrations at airports and detention centres, evadings, destruction of centres, struggles against the construction of new centres).Moreover, many initiatives and calls for actions in various countries circulate on the

mailing list and we try to coordinate common activities. This particular approach to coordinate actions as an expression of a fundamental criticism of migratory policies is a major issue in the no border project. It implies a permanent work of networking and exchange of information, for or project is aimed at creating structures for a practical and effective resistance.Self presentations of (some) member groups of the networkOld (pre-march 2003) self presentation of the noborder network

*******************************22 Pan Asia Networkinghttp://www.panasia.org.sg/

About Pan Asia Networking IDRC : Pan Asia Networking is an initiative of the International Development Research Centre (IDRC), a public corporation created by the Parliament of Canada to help researchers and communities in the developing world find solutions to their social, economic, and environmental problems. IDRC connects people, institutions and ideas to ensure that the results of research it supports and the knowledge that research generates are shared equitably among its partners, North and South. Mission: The Pan Asia Networking (PAN) program pioneers information networking in Asia, linking together people and computer-based information resources on sustainable development from Asian organisations. PanAsia's aim is to promote electronic networking in Asia; the use of Information Communication Technologies (ICT); the development and sharing of information resources; and the research and development of Internet systems, technologies and policies. By promoting collaboration in research and development through information use and exchange,

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PanAsia is connecting individuals and institutions for knowledge sharing across Asia and the world. Four cornerstones:Internet access through telecommunications connectivitycontent building and dissemination through websitesaccess, communication, linking, sharing and exchange through networkingdevelopment of Internet policies, technologies and systems through applied research

***********************23 The MestiZa Projecthttp://www.themestizaproject.com

The MestiZa Project is an ambitious multi-media endeavor put forth to document the often-overlooked histories and experiences of mixed race Pilipino Americans.The MestiZa Project seeks to create a space for mixed race Pilipino Americans in various ways. Themestizaproject.com, which is soon to be released, will house resources for mixed race Pilipino Americans, as well as pictures, stories, message boards, and other opportunities for mixed race Pilipino Americans to connect and interact with one another.The MestiZa Project also includes a book that is currently in progress, in addition to a documentary film. This research seeks to validate and empower the polyvalent identities of mixed race Pilipino Americans by exploring intersections of race, class, sexual orientation, and gender as it relates to the Pilipino American mestiza/o.The MestiZa Project is a WIP (work in progress).If you have one Pilipino parent and one non-Pilipino parent, and are residing in North America, The MestiZa Project is looking for you!The MestiZa Project is looking for mixed race Pilipinos of all ages, genders, sexual

orientations, geographic locations, and class backgrounds.Click here or on "Join TMP!" to get involved!mes-ti-za (me-'stE-z&) n. A woman of mixed racial ancestry.The MestiZa Project is not limited to womyn, however it is consciously womyn centered.It is called "The MestiZa Project" because it's creator most closely aligns her own ethnic identity with the word MestiZa. You do not have to identify as mestiZa or mestiZo to be a part of The MestiZa Project.The MestiZa Project is the brainchild of Miriam R. Isip Warren, a Pilipina MestiZa who comes from German and Pinoy roots. As the author, creator, and sole conspirator behind the Project, Miriam is the womyn behind the camera, and the person who will recive your submissions, call you on the phone, and hopefully one day, meet and interview you in person. The MestiZa Project was born after it's creator recognized the lack of resources and writing by and about mixed race Pilipinos.

*******************************24 Etnias de Colombiahttp://www.etniasdecolombia.org/

Nuestra Visión Ser una organización comprometida, eficiente y eficaz, que con un equipo humano de óptimo perfil profesional se consolide como dinamizadora de una cultura que respete y asuma la diversidad como fundamento de la identidad nacional.Nuestras líneas de acción Investigación y Pedagogía Social y CulturalProyectos de Comunicación y Desarrollo

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Diseño de Proyectos Sociales y de Desarrollo.Producción y asesoría de Medios: Televisión y Radio étnica, comunitaria e institucional.Banco de imágenes e impresos. ¿Quiénes actúan en Hemera? Somos un grupo interdisciplinario de profesionales con formación en las áreas del Derecho, la Antropología, la Economía y la Comunicación para el Desarrollo. Un grupo de personas que comparten la creencia de que en este país bien vale todo intento por construir una sociedad más justa, plural y tolerante, que procure el bienestar y una convivencia con humanidad.

*******************************25 Organização Branca Nacional (OBN)http://libreopinion.com/members/obn/princip.htm

O objetivo desta página é lutar contra o racismo dirigido aos brancos, originado de todas as fontes, em especial da mídia (jornais, revistas, televisão, etc.). Não nos referimos a jornalecos ou revistinhas, nem a redes de televisão de pequena abrangência, mas sim a jornais influentes como a Folha de S. Paulo ou O Estado de S. Paulo; revistas renomadas como Veja, IstoÉ, Época; e redes de televisão do porte da Globo, SBT, Bandeirantes.Adotando uma clara política de discriminação racial, estes órgãos de comunicação desde há muito declararam guerra à raça branca e agora esta guerra está em pleno auge. Não apenas a raça branca tem sido incessantemente acusada sem direito de defesa, como outros grupos raciais que ao longo de sua história e mesmo atualmente apresentam comportamento indiscutivelmente racista e cometem crimes da mais horrenda barbárie são privilegiados com uma estranha

imunidade a críticas e até mesmo elogiados!!!As armas que têm sido usadas nesta guerra são a manipulação de informações, a mentira, a calúnia e a hipocrisia!!! (Clique nos links para ver exemplos.) Mas, como tudo que sobe tem que descer, nós, como a vanguarda da raça branca, nos insurgimos na defesa de nossos direitos e liberdades, a começar pelo direito de defesa e liberdade de expressão, para levar essa onda que vem se intensificando desde há décadas mas que tem origem no fim do século XIX, e que agora atinge seu ápice de insanidade, à sua queda inevitável. Nem que para isso seja preciso mover montanhas!!!

III – ORKUT (COMUNIDADES)

[01] - Flávia Moura é uma oreba description: A imbecil da Flávia Moura criou uma comunidade de ódio à Bahia. Provavelmente porque algum baiano (ou baiana) a deletou em algum momento da vida. Esta comunidade é dedicada a quem tem certeza de que naturalidade não se confunde com caráter, como sugere a v... ops, moça. E para mostrar que a Bahia tem muito mais inteligência do que a serpente do inferno acha. Isso tudo na paz e com muito educação, claro. Para conhecer a comunidade da moça e deletá-la da sua vida, basta ir aqui: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=64220 category: Cultures & Community owner: Chico Fireman type: moderated forum: anonymous language: Portuguese location: Brazil

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created: Wednesday, June 23, 2004 size: 41 members

[02] - Baiano bom é baiano morto description: Nada mais a dizer! Baiano bom é baiano morto e pronto! category: Health, Wellness & Fitness owner: Robson Caetano1 type: public forum: anonymous language: Portuguese location: Brazil created: Tuesday, June 22, 2004 size: 11 members

[03] - Viva o mestiço brasileiro! description: No Brasil é até engraçado falar em raças, pois somos mestiços, e isso é que faz nossa originalidade. Não pretendo discutir aqui se bom é ser branco, negro, índio, asiático, nem os problemas de preconceito, nem se os negros devem entrar na Universidade só por sua cor de pele. Queria simplesmente saber qual é a sua mistura, caso você saiba um pouco sua genealogia. Quanto ao Darcy Ribeiro, achei na Internet esta foto com a frase que eu queria, e como ele foi um grande homem, fica aqui minha homenagem. E então. Qual é a sua mistura? category: Cultures & Community owner: Paloma Amado type: public forum: non-anonymous created: Saturday, June 12, 2004 size: 32 members

[04] - Beleza Negra description: Enfim uma comunidade para aqueles que marcaram Black no seu profile do orkut. :) Sejam bem-vindos! category: Romance & Relationships owner: Garcia Black type: public

forum: non-anonymous language: Portuguese location: Brazil created: Thursday, June 10, 2004 size: 11/06/200465 members

10/10/20041238 members

[05] - 4P - Poder Para o Povo Preto description: 4P - Poder Para o Povo Preto é um grupo para discutir temas como racismo e outras formas de discriminação, estereotipo da raça negra e as cotas de 'reparação histórica'. Os Afro-descendentes - descendentes dos africanos trazidos como escravos - ainda hoje são vítimas da sociedade. Historicamente, em tempos não tão longínquos, negros e mulheres foram impedidos de ascender socialmente e isso ainda perdura. Este grupo será a voz do negro em um sentido estrito e das minorias de uma forma geral. > Batendo de frente contra a defesa branca do status; > Batendo de frente contra o racismo e todas as formas de discriminação; > Batendo de frente contra os estereotipo atribuídos à raça negra; > A favor das cotas de 'reparação histórica'; category: Activities owner: Ayra-on De Castro type: public forum: non-anonymous language: Portuguese location: Brazil created: Saturday, May 29, 2004 size: 23 members [06] - ANTI-COTAS PARA NEGROS description: SE VOCÊ TAMBÉM ACHA NOJENTO CLASSIFICAR GENTE POR COR EM NOME DE QUALQUER

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CAUSA, ENTRE NESTA COMUNIDADE DANÇANDO MICHAEL JACKSON. category: Other owner: Natércia Pontes2 type: public forum: non-anonymous location: Brazil created: Sunday, April 11, 2004 size: 25/06/2004240 members

10/10/20042148 members

[07] - 100% Branco description: Não é uma comunidade racista ou com fins discriminatórios.Mas sim, uma comunidade para todas as pessoas que representam a raça branca. Sabemos de pessoas que defendem os direitos dos negros, dos indios. Pois bem esta é para defender os brancos, que de tanto medo das acusações de racismo pararam de se defender para defender outros ideais, que nada tem a ver com seus descendentes. category: Cultures & Community owner: Alexandre Lioncourt3 type: public forum: non-anonymous language: Portuguese created: Wednesday, July 07, 2004 size: 176 members

**********************************[08] Orgulho Branco description: Esta comunidade é direcionada para os brancos brasileiros(isto é, pessoas de descendências européias), especialmente os de SP e do Sul do Brasil que têm orgulho de seu sangue(sangue que possui uma história bela e honrosa) e de suas tradições e que não suportam ver o genocídio de seu próprio povo, que é destruído ao passo que se mistura com outras raças perdendo, assim, a nobreza do

seu sangue, sua cultura, sua moral e seus bons costumes num país onde negros e homossexuais podem livremente falar de orgulho enquanto o povo branco, o povo que mais tem motivos para se orgulhar, é totalmente desencorajado de ter qualquer manifestação deste tipo, como é "decretado" pela mídia sionista que tenta manipular mentalmente a todos e consegue inclusive fazer muitos brancos ainda acharem que estão cometendo um crime ao sentir orgulho de sua raça, pelo fato de viverem num país dito "multiculturalista". --- Aqui não pretendemos fazer apologia ao nazismo, portanto, críticas desse tipo a nossa comunidade não serão bem-vindas. category: Countries & Regional owner: Rudolf Eichmann type: moderated forum: non-anonymous language: Portuguese location: Brazil created: Monday, July 19, 2004 size: 42 members

*************************[09]!!!!!!!!!FUCK BRAZIL!!!!!!!!!! description: . Were you ever unfortunate enough to come close to one of these lower life forms? Were you ever flabbergasted by this peculiar species lack of inteligence? Were you ever witness to this sub-human creatures immorality, stupidity or dishonesty. So please join us, and spill your guts, pour your heart out and tell us why you hate these pitiful, clueless amoebas (not that you actually NEED a reason, it might be just a hobby). -- BRAZILIANS OBVIOUSLY UNWELCOME HERE -- -- THIS COMMUNITY IS SO POPULAR THAT A NEW ONE HAS BEEN CREATED JUST TO OPPOSE IT. --

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"FERRANDO C/ GRINGOS ANTI-BRAZIL"

http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=280654 category: Countries & Regional owner: SchlongMaster Fuck-A-Drome type: moderated forum: non-anonymous language: English location: United Kingdom created: Wednesday, August 04, 2004 size: -4 members

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[10] NEGROS description: Se voce soubesse o valor que o preto tem....tu tomava um banho de pixe ,branco ....e ficava preto tambem ...(O Rappa) category: Cultures & Community owner: DIEGO FERNANDES FERNANDES type: public forum: non-anonymous language: Portuguese location: Brazil created: Thursday, July 01, 2004 size: 652 members

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[11] 100% Negro description: 100% Negro - Vista nossa camisa Se vc quer aprender mais sobre nossa cultura, assim como eu, levantar e discutir temas polêmicos, dar destaque às nossas beldades... VISTA NOSSA CAMISA... Preto é cor, Negro é RAÇA... 100% NEGRO -> 100% BRASIL Observações: -> A inserção de novos membros deverá ser aprovada;

-> Nossa comunidade não é só para negros... Qualquer um que queria integrá-la será muito bem vindo!!! -> As pessoas que postarem comentários racistas, fugindo ao objetivo da comunidade, serão removidas da mesma, assim como tópicos racistas serão excluídos; -> As opiniões aqui postadas, são de exclusiva responsabilidade de seu autor, para tanto,são proibidos tópicos e posts anonimos; -> Como estamos crescendo muito e rapidamente, gostaria de lhes informar que tópicos repetidos serão deletados. Por isso, não esqueçam de dar uma olhada no que esta rolando aqui rs rs...e o principal, NÃO esqueçam de se APRESENTAREM no tópico - Apresente-se!!! category: Cultures & Community owner: Mateus Da Silva (Black) type: moderated forum: non-anonymous language: Portuguese location: Brazil created: Saturday, June 19, 2004 size: 523 members

***********************[12] Orgulho Negro details description: Comunidade voltada para o negro. Para aqueles que curtem a cor de sua pele e que têm orgulho de ser o q é! Desenvolveremos temas que envolvem todas as questões raciais, eventos e cultura negra em geral. Mas tb não significa q se vc tem a pele clara não possa participar viu?! Somos abertos a todos sem preconceito! category: Cultures & Community owner: Patricia Regina type: public forum: non-anonymous language: Portuguese location: Brazil created: Wednesday, June 23, 2004

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size: 266 members

*****************[13] Consciência Negra description: Difundir e divulgar a cultura da raça negra este é nosso objetivo,esta é nossa luta. category: Cultures & Community owner: Léco-IAV * type: moderated forum: non-anonymous language: Portuguese location: Brazil created: Friday, June 11, 2004 size: 220 members

[14] Mundo Negro description: CONSCIÊNCIA NEGRA Ter consciência negra, significa compreender que somos diferentes, pois temos mais melanina na pele, cabelo pixaim, lábios carnudos e nariz achatado, mas que essas diferenças não significam de modo algum inferioridade. Ter consciência negra, significa que ser negro não significa defeito, significa apenas pertencer a uma raça que não é pior e nem melhor que outra, e sim, igual. Ter consciência negra, significa compreender que somos discriminados duas vezes: uma, porque somos negros, outra, porque somos pobres, e, quando mulheres, ainda mais uma vez, por sermos mulheres negras, sujeitas a todas as humilhações da sociedade. Ter consciência negra, significa compreender que não se trata de passar da posição de explorados a exploradores e sim lutar, junto com os demais oprimidos, para fundar uma sociedade sem explorados nem exploradores. Uma sociedade onde todos tenhamos, na prática, iguais direitos e iguais deveres. category: Cultures & Community owner: Rachel Cabral

type: moderated forum: anonymous language: Portuguese location: Brazil created: Wednesday, July 14, 2004 size: 157 members

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