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EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Editora Martins Fontes, São Paulo – 2003, p(1-22).
Terry Eagleton, em Teoria da Literatura: uma introdução, traça a história do estudo da
literatura desde os estudiosos do século XVII até os pós-modernos das últimas décadas,
fazendo uma apresentação das principais correntes teóricas do nosso século. O autor
discute a questão do cânone literário, do que vem a ser literatura e do porquê de algumas
obras serem denominadas literaturas e outras não.
O livro é composto de seis capítulos. No primeiro deles o autor introduz o assunto fazendo
um percurso entre as literaturas de autores ingleses e franceses do século XVII para
demonstrar que o conceito de literatura como a “escrita imaginativa” não é verídico; expõe
o caso de obras que, no passado eram tidas como fatos e hoje são consideradas ficção e
chega ao conceito lançado pelos formalistas russos, que se posicionaram como puristas
ao invés de banalizar o conceito de arte.
Segundo eles, a literatura é uma transformação e intensificação da linguagem comum,
logo o conteúdo motivava a forma do texto literário e a especificidade da linguagem
utilizada no texto distinguia-a das outras formas de discurso. Esse conceito persistiu até a
chegada do Stalinismo, que via a literatura como propaganda, focando a atenção na
realidade material do texto. Os stalinistas negavam a crítica dialética por acreditar que a
literatura tinha leis específicas, estruturas e mecanismos próprios e que, portanto, deveria
ser estudada no âmbito individual.
De acordo com a teoria dos formalistas, o discurso literário modifica a fala comum e
fazendo isso, leva o leitor a experimentar, com maior intensidade, as reações habituais
que por vezes são instantâneas. Sendo assim, o caráter literário deriva das diferenças
entre os tipos de discurso e, portanto, a definição de literatura depende da forma pela qual
o leitor lê o texto e não da natureza do que ele está lendo. Logo, qualquer coisa pode ser
literatura e qualquer literatura pode deixar de ser, tendo em vista que as obras literárias
são passíveis de várias leituras e estão suscetíveis de várias modificações e/ou reescritas.
Alguns textos nascem literários, outros atingem a condição de literários, e a
outros tal condição é imposta. Sob esse aspecto, a produção do texto é muito
mais importante do que o seu nascimento. O que importa pode não ser a
origem do texto, mas o modo pelo qual as pessoas o consideram. Se elas
decidirem que se trata de literatura, então, ao que parece, o texto será
literatura, a despeito do que o seu autor tenha pensado. (EAGLETON, 1997,
p.12)
No segundo capítulo, Eagleton contextualiza a literatura na Inglaterra do século XVIII.
Nessa época, a literatura era considerada como todo o conjunto de obras que a sociedade
valorizava, e o que classificava uma obra em literária ou não era a ideologia da classe
dominante.
Os primeiros conceitos de literatura surgiram no Romantismo e até chegar à conceituação
a qual temos acesso atualmente, as formações discursivas da sociedade inglesa foram
demarcadas por novos discursos e reorganizadas de forma radical. Em meio ao
conturbado período da Revolução Industrial, os românticos utilizavam a literatura como
forma de evasão e de exposição - ainda que dissimuladamente, da realidade social
daquela época, bem como a ideologia camuflada dos autores e seus protestos às
ideologias impostas. Enfim, a obra em si passa a contrastar com o cenário social, por ser
espontânea e criativa.
À medida que isso acontece, os românticos passam a ser privados de toda e qualquer
adequação dentre os movimentos sociais. Essa atitude acaba por acarretar um recuo para
a solidão do autor e aguçar a sua criatividade; a arte passa a ser isolada das relações
sociais e promovida ao cargo de “fetiche solitário” - é nesse período que surge a filosofia
da arte.
Em meio ao caos instalado, era necessário algo que viesse humanizar e sufocar qualquer
tendência á ações políticas coletivas, transmitindo verdades atemporais e alimentando a
massa com um espírito de tolerância e generosidade; essa tarefa tornou-se função da
literatura inglesa. Até os anos 20, as universidades inglesas não reconheciam a literatura
inglesa como área de estudos acadêmicos, e tal disciplina era vista como uma matéria
apropriada para “mulheres e homens de segunda e terceira classes”. Era considerada um
tema amador em relação às disciplinas acadêmicas, "dificilmente capaz de concorrer em
termos de igualdade com os rigores da Literatura Clássica e da Filosofia.”
Ao longo do século XIX, o imperialismo inglês começou a se expandir e houve a
necessidade de um veículo que disseminasse os valores burgueses para as classes
operárias. Esse veículo foi a literatura inglesa, que fez o prestígio dessa língua subir. A
“falência da religião” é atribuída pelo autor como uma parcela significativa para esse
crescimento.
No entanto, o ingresso dessa disciplina nas universidades de maior prestígio – Oxford e
Cambridge, se deu com muita resistência. Foi somente com a derrubada da filologia
clássica – maior oponente da literatura inglesa, que a disciplina foi introduzida no quadro
das disciplinas acadêmicas dessas renomadas universidades. Os primeiros projetistas
dessa nova disciplina, liderados por F. R. Leavis formaram uma escola teórica
denominada Inglês de Cambridge, que influenciou decisivamente o estudo da Literatura
Inglesa, até o surgimento da Nova Crítica, que defendia que a literatura era um objeto
estético e não uma prática social.
No terceiro capítulo, o autor discorre sobre o estruturalismo e toma como exemplo a
obra Anatomy of Criticism, de Northrop Frye para mostrar que a noção de estruturalismo
está ligada à estrutura do texto. Frye acreditava que o estudo da literatura deveria valorizar
a objetividade em detrimento do individualismo - no que se refere aos juízos de valores,
tendo em vista que a literatura era uma “estrutura verbal autônoma” e funcionava de
maneira sistemática. Para ele, esse sistema deve ser isolado de qualquer referência para
que nada de externo venha infiltrar-se e suas categorias não sejam prejudicadas. "O
sistema deve também expulsar qualquer história que não seja a literária: as obras literárias
são feitas de outras obras literárias, e não de qualquer material estranho ao próprio
sistema literário.” (EAGLETON, 1997, p. 127)
Eagleton, entretanto, manifesta sua opinião salientando que a literatura não pode ser
produto do isolamento, tendo em vista que “ela nasce do sujeito coletivo da raça humana”.
Sendo assim, a obra de Frye seria do ponto de vista do autor, fruto de uma utopia, uma
vez que demonstra aversão à sua história e medo do mundo social.
O autor ressalta ainda a importância da relação entre os signos – leia-se significante +
significado, presentes no texto e o seu caráter sincrônico. A partir dessas análises,
Eagleton passa a fazer fusão entre o estruturalismo e a semiótica, uma vez que esta se
ocupa de estudar sistematicamente os signos – tarefa cabível aos estruturalistas. Contudo,
o estruturalismo ao apresentar suas particularidades, acaba por se denominar anti-
humanista e chocar o mundo literário por sua indiferença ao individualismo.
“A obra não se refere a um objeto, nem é a expressão de um sujeito
individual; ambos são eliminados, e o que resta, pendendo no ar entre eles, é
um sistema de regras. Esse sistema possui existência autônoma, e não se
inclinará às intenções individuais.” (EAGLETON, 1997, p.154)
Sendo assim, o estruturalismo limita-se quando não relaciona a obra com a realidade da
qual está tratando, na qual está inserida e para qual está produzindo.
No quarto capítulo, o autor expõe o surgimento do pós-estruturalismo como autocrítica ao
estrutralismo. Segundo ele, esse movimento veio instaurar uma teoria da desconstrução
da análise literária e conseqüentemente, sujeitar o texto a uma pluralidade de sentidos.
Essa desconstrução seria entendida como “uma passagem da obra para o texto”, onde
não há nada que já não tenha sido escrito; tudo é fruto de uma intertextualidade; tudo é
reescrito.
Para fazer a exposição dessa corrente teórica, Eagleton faz referência aos estudos do
lingüista Ferdinand Saussure, com os quais ilustra a necessidade de separação entre o
significado do significante.
Seria ilusão pensar que poderia estar plenamente presente ao leitor aquilo
que digo ou escrevo, porque o uso dos signos sempre implica alguma
dispersão das minhas significações, implica sua divisão, e o fato de que
jamais serão idênticas a si mesmas em todas as ocasiões. (EAGLETON,
1997, p. 179)
Essa necessidade é procedente da suposta “instabilidade da linguagem” enquanto escrita,
proposta pelos pós-estruturalistas. Com isso, surge a idéia de que a linguagem não deve
ser concebida como um sistema estável e muito bem delimitado, pois todos os elementos
estão interligados. Passa-se então a privilegiar o uso da fala em prejuízo à escrita, tendo
em vista que através desta a impessoalidade toma conta do discurso e pode deturpar a
mensagem, enquanto que aquela transmite o discurso de maneira íntima e espontânea.
Daí surge a filosofia fonocêntrica – centrada na “voz viva”.
É no pós-estruturalismo que a crítica literária passa a ver a literatura como elemento capaz
de formar a consciência crítica do leitor sobre a realidade do mundo. Os antes preteridos –
negros, mulheres, pobres e homossexuais, passam a se fazer presentes na literatura
como centro, e as produções literárias ganham caráter popular.
O mais notável propagador dessa corrente teórica foi Jacques Derrida, filósofo francês que
utilizava a tática de crítica desconstrutiva para demonstrar como um texto pode embaraçar
seus próprios sistemas lógicos dominantes. Os preceitos desconstrutivistas disseminados
por Derrida não alcançaram o êxito desejado, mas, se tais preceitos não se concretizaram,
ficou a cargo da crítica literária pós-estruturalista garantir a validade e a constância desses
ideais.
No capítulo conclusivo, o autor questiona a finalidade da teoria literária e afirma que não
há purismo na teoria em questão; o que há é uma “narrativa do afastamento das
realidades.” Segundo ele, o papel da teoria é ponderar sobre a crítica literária e a natureza
da literatura; os teóricos, críticos e professores são encarregados de preservar, ampliar,
desenvolver, defender e iniciar novatos ao estudo do cânone literário.
Eagleton chega a conclusão de que não há motivos para debater a hipótese de a literatura
estar relacionada ou não com a história; há é que se faça uma releitura dessa própria
história. Trata-se de utilização de estratégia para analisar os efeitos ideológicos produzidos
por determinados significantes de um texto literário.
Nem é provável que os textos hoje classificados como “literatura” sejam
vistos e definidos da mesma maneira como o são hoje, quando tiverem sido
devolvidos às formações discursivas mais amplas e profundas de que são
parte. Serão inevitavelmente “reescritos”, reciclados, terão usos diferentes,
serão inseridos em diferentes relações e práticas.(EAGLETON, 1997, p.292)