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Rev. FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.119-127, jan./jun. 2004 | 119 Revista da F A E Economia ambiental, ecológica e marxista versus recursos naturais  José Edm ilson de Souza -Lim a* Resumo O presente ensaio toma como referências os recursos naturais e a racionalidade instrumental para promover um diálogo epistemológico e exploratório envolvendo três abordagens da economia: a ambiental, a ecológica e a marxista. Para tanto, recorre a alguns fundamentos das teorias econômicas, tentando resgatar as diferentes formas como essas teorias enfrentam os processos de apropriação dos recursos naturais. Ao final, demonstra que as abordagens ambiental e ecológica da economia, por fazerem concessões à racionalidade instrumental, não conseguem questionar as causas centrais da crise ambiental, as contradições internas à forma soc ial capitali sta de produção. Demons tra, ainda, que a abordagem marx ista consegue avanç ar na ex plicaç ão da crise ambiental porque enfrenta as referidas contradições. Palavras-chave : ec onomia ambie ntal; economia ec ológica; economia marxista; recursos naturais; racionalidade instrumental. Abstract  T he h e rein assay ta kes as re fer ence na tur al re s our c e s a nd ins tru me ntal rationalit y, promoting an epistem ological and ex ploratory dialogue of three economy approaches: environmental, ecological and Marxist. In doing so it falls back on some principles of economy theories, trying to rescue the different approaches these theori es had to face process es of appropriati on of natural resources. Closing, it shows that the environmental and ecological approaches of economy, in making concessions to the instrumental rationality, cannot question the main reasons of the environmental crisis, internal contradictions to the social capitalist means of production. Furthermore , it demons trates that the Marxis t approach is enhanced in the explanation of the environmental crisis as it confronts the above stated contradictions. Key words : environmental economy; ecological economy; marxist economy; natural resources; instrumental rationality. *Doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento, pela Universidade Fe deral do Paraná (UFPR ), e M es tre em Sociologia Política, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC ). Professor da FAE Business S chool. E-ma il: edm [email protected]

Economia ambiental

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  • 5/26/2018 Economia ambiental

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    Rev. FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.119-127, jan./jun. 2004 | 119

    Revista daFAE

    Economia ambiental, ecolgica e marxistaversus recursos naturais

    JosEdm ilson de Sou za-Lima*

    Resumo

    O presente ensaio toma como referncias os recursos naturais e aracionalidade instrumental para promover um dilogo epistemolgico eexploratrio envolvendo trs abordagens da economia: a ambiental, aecolgica e a marxista. Para tanto, recorre a alguns fundamentos dasteorias econmicas, tentando resgatar as diferentes formas como essasteorias enfrentam os processos de apropriao dos recursos naturais. Aofinal, demonstra que as abordagens ambiental e ecolgica da economia,por fazerem concesses racionalidade instrumental, no conseguemquestionar as causas centrais da crise ambiental, as contradies internas forma social capitalista de produo. Demonstra, ainda, que a abordagemmarxista consegue avanar na explicao da crise ambiental porque enfrentaas referidas contradies.

    Palavras-chave: economia ambiental; economia ecolgica; economiamarxista; recursos naturais; racionalidade instrumental.

    Abstract

    The herein assay takes as reference natural resources and instrumentalrationality, promoting an epistemological and exploratory dialogue of threeeconomy approaches: environmental, ecological and Marxist. In doing soit falls back on some principles of economy theories, trying to rescue thedifferent approaches these theories had to face processes of appropriationof natural resources. Closing, it shows that the environmental and

    ecological approaches of economy, in making concessions to theinstrumental rationality, cannot question the main reasons of theenvironmental crisis, internal contradictions to the social capitalist meansof production. Furthermore, it demonstrates that the Marxist approach isenhanced in the explanation of the environmental crisis as it confrontsthe above stated contradictions.

    Key words: environmental economy; ecological economy; marxisteconomy; natural resources; instrumental rationality.

    *Doutorando em Meio Ambiente eDesenvolvimento, pela UniversidadeFederal do Paran (UFPR), e Mestreem Sociologia Poltica, pelaUniversidade Federal de SantaCatarina (UFSC). Professor da FAEBusiness School.E-mail: [email protected]

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    Introduo

    A racionalidade que orienta as polticas de

    gerenciamento dos recursos naturais a mesma das

    economias ambiental, ecolgica e marxista?

    Esta foi a pergunta bsica que motivou o presente

    texto com seus respectivos desdobramentos epistemol-

    gicos. Cumpre destacar que o desenvolvimento da

    presente pesquisa ultrapassa a questo de partida,

    mas preserva sua preocupao eminentemente

    epistemolgica. Entenda-se por epistemologia, em

    primeiro lugar, o modo como se produz o conhecimentoe, em segundo, o modo como se acessa o conhecimento

    (FLORIANI e KNECHTEL, 2003).

    O conceito de racionalidade est sendo

    empregado aqui na mesma perspectiva de Floriani

    (1998), como conjunto de valores e crenas que

    orientam as decises humanas. J o conceito de

    racionalidade instrumental adaptado da reflexo

    de Marcuse (1996), ao explicitar o processo de

    unidimensionalizao tcnica da razo iluminista no

    lado Ocidental do Planeta. Em outros termos,

    Marcuse assinala que a razo emancipatria que

    emerge no Iluminismo do sculo XVII, ao longo dos

    dois ltimos sculos, tende a se reduzir aos seus

    aspectos tcnicos e instrumentais; da o conceito de

    racionalidade instrumental.

    O conceito de economia ambiental tem como

    pontos norteadores os fundamentos da economia

    neoclssica nas verses de Pigou e de seu principal

    discpulo, Keynes (CHANG, 2001). Toda explicaoproduzida aqui apreende a economia como estratgia

    alocadora de recursos escassos e o principal mecanismo

    alocador a mo invisvel do mercado.

    Se a economia ambiental constri seus

    argumentos a partir de leis econmicas, a economia

    ecolgica recorre natureza s leis fsicas da

    termodinmica para dar suporte a seu arcabouo

    terico-explicativo das realidades socioeconmica e

    ambiental. A economia ecolgica tenta apresentar-se

    como contraponto economia neoclssica-keynesiana

    ambiental aps aproximar os ecossistemas naturais do

    sistema econmico. O ponto de partida a primeiraescola econmica, a fisiocracia de Quesnay, cujo

    pressuposto bsico, como fonte geradora de valor,

    a terra (FOLADORI, 2001a).

    A abordagem econmica inspirada em Marx parte

    do princpio de que a relao do ser humano com a

    natureza externa sempre mediada por relaes sociais.

    Significa que, enquanto os recursos naturais forem

    propriedades privadas de poucos, as causas profundas

    da crise ambiental no tero sido enfrentadas de formacrtica. Trata-se, portanto, de uma abordagem que

    apreende a crise ambiental como reflexo das

    contradies de classes inerentes ao sistema capitalista.

    Da emerge a noo de crise socioambiental.

    Isso posto, perceptvel que tanto a economia

    ambiental quanto a ecolgica deixam de levar em conta

    o fato de que as relaes sociais so mediadoras da

    relao do ser humano com a natureza. Logo, a

    apropriao dos recursos naturais definida a partir de

    interesses que contemplam as preferncias de alguns

    grupos, no de toda sociedade, conforme os discursos

    vigentes nas duas abordagens econmicas.

    1 Economia ambiental erecursos naturais

    A relao da economia ambiental com os recursosnaturais est apoiada no princpio da escassez, que

    classifica como bem econmico o recurso que estiver

    em situao de escassez, desconsiderando o que for

    abundante. Alm dos princpios expostos, a noo de

    internalizao das externalidades outro pilar

    fundamental da economia ambiental. Na base desse

    conceito predomina a noo de que os recursos naturais

    devem ser reduzidos lgica de mercado, precisam ser

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    Rev. FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.121-127, jan./jun. 2004 | 121

    Revista daFAE

    privatizados, enfim, devem ter preos. Prope, ento,

    a privatizao dos bens pblicos como possibilidade

    objetiva e nica de proteg-los. importante ressaltar

    que este tipo de aporte terico possibilita aos atoressociais a transferncia de seus vcios privados para os

    espaos pblicos, permitindo a legitimao da

    privatizao do pblico em favor de interesses

    estritamente privados. Em se

    aceitando como verdadeiros os

    pressupostos da economia

    ambiental, a nica forma de

    gerenciaradequadamente os

    recursos naturais seria privatizando-

    os. Isso s possvel se houver uma

    drstica, porm planejada, reduo

    dos bens pblicos. A idia central

    internalizar as externalidades,

    estabelecer ou fixar preos nos

    bens pblicos em conformidade

    com a lgica de mercado. Na

    formulao de Foladori (2001b,

    p.198), [...] fijar cuotas de contaminacin, por ejemplo,

    es una forma de privatizar un cierto grado decontaminacin. Perceba-se que o raciocnio tende a

    reduzir as mltiplas dimenses dos recursos naturais a

    uma nica dimenso: a do mercado. Tende ainda a

    abonar a culpa do poluidor privado uma vez que ele

    paga sempre que contamina e transferir para o espao

    pblico camada de oznio, mares, atmosfera, entre

    outros todos os problemas ambientais. Sendo assim,

    a economia ambiental termina propiciando vantagem

    econmica para os poluidores que tiverem condies

    de pagar pelos seus estragos, legitimando aapropriao e o uso de recursos ou espaos pblicos

    para contemplar interesses privados.

    A rigor, a internalizao das externalidades

    pressupe que determinado custo privado no

    corresponde aos custos sociais. Implica que algum evento

    impondervel que esteja margem do mercado, mas

    que o influencie de alguma forma, deva ser

    mercantilizado. Se no ocorrer a referida mercantilizao,

    o impondervel pode possibilitar conflitos, decises e

    impactos nocivos ao prprio sistema econmico,

    ameaando interesses dos grupos que querem preserv

    lo. Nesses termos, a internalizao das externalidadespressupe que uma das nicas formas de evitar conflitos

    econmicos com desdobramentos nos sistemas poltico

    e social no permitir que existam recursos no ambiente

    sem proprietrios privados. Esse

    raciocnio conduz afirmao de

    que a internalizao das

    externalidades atua como freio

    aos possveis abusos de

    determinadas pessoas ou grupos

    sobre outras(os); atua como

    possibilidade objetiva de educao

    dos desejos, das paixes e das

    vontades ntimas. Em uma frase, a

    internalizao das externalidades

    impe a todo indivduo ou grupo

    a percepo de que no pode

    fazer o que bem entender por uma

    nica e simples razo: tudo que est em volta tem dono

    e, sobretudo, preo.Seguindo a ordem do raciocnio exposto acima,

    a internalizao das externalidades, como base para

    polticas emancipatrias, evitaria invases de terras e

    de reas consideradas imprprias ocupao humana

    Isso porque os tericos da economia ambienta

    acreditam que as ocupaes indevidas ocorrem, em

    ltima anlise, porque so terras de ningum. Se no

    so de ningum, so de qualquer um que tiver coragem

    de ocup-las. Uma vez ocupadas, as dificuldades dereverter a situao aumentam consideravelmente em

    funo do conflito estar definitivamente instaurado

    Se reas de preservao ou de mananciais, por exemplo,

    so privatizadas fora por ocupantes irregulares,

    trazendo prejuzos para toda coletividade, por que no

    privatizar antes da ocupao irregular e abusiva? Essa

    a pergunta clssica que j contm a resposta de

    classe dos arautos da economia ambiental.

    A re lao da econ om ia

    amb ient al com o s recursos

    nat ur ais est apoi ada no

    p ri ncp io da escassez, qu eclassif ica com o bem

    econmico o r ecurso q ue

    est iver em sit uao de

    escassez, d esconsideran do

    o que for abundante

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    No que diz respeito apropriao de recursos

    naturais recursos hdricos, por exemplo , a economia

    ambiental apia-se no outro princpio da economia

    neoclssica, o da escassez. Ao classificar determinadosrecursos naturais como escassos, a nica forma de

    preserv-los caracterizando-os como bens

    econmicos. As implicaes advindas desse tipo de

    deciso so protetoras tanto dos interesses individuais

    quanto coletivos. A transformao dos recursos

    naturais em bens econmicos apaga a imagem de

    que os mesmos so abundantes, de que no existem

    donos, e que, em funo disso, podem ser

    desperdiados. Mais uma vez, esse tratamento que a

    economia ambiental confere aos recursos naturaistende a pleitear, ao menos na aparncia, a dimenso

    civilizatria de qualquer poltica pblica voltada aos

    temas socioambientais. A saber, educar as vontades

    dos usurios para que os mesmos conscientizem-se de

    que suas aes lesivas ao ambiente sero penalizadas.

    Os argumentos dos economistas ambientais

    podem ser discutveis em vrios pontos, mas so

    coerentes porque refletem claramente interesses de

    grupos alinhados com uma racionalidade

    instrumental (MARCUSE, 1978 e 1996) que prioriza,

    em ltima instncia, no as necessidades

    socioambientais, mas o lucro. No fundo, so propostas

    estribadas em princpios que, em momento algum,

    questionam as relaes sociais ou de interesse de classes

    que sustentam a sociedade capitalista. Seus

    argumentos, por mais coerentes que sejam, no

    permitem qualquer ao poltica alm do capital. O

    limite o mercado, depois a emancipao das pessoas.

    A rigor, quando os economistas ambientais falam

    em educao das vontades, preciso entender que,

    embora estejam impondo limites, estes no ultrapassam

    a lgica mercantil. Os recursos naturais tornam-se benseconmicos no necessariamente porque houve um

    arroubo de generosidade ou de altrusmo da parte das

    polticas orientadas pelos princpios da economia

    ambiental. Esta a causa aparente, pois nas entrelinhas

    est a principal motivao: o lucro. Eles comeam a

    perceber, para ficar com apenas um exemplo, que

    recursos hdricos contaminados ou gerenciados de

    maneiras inadequadas, alm de no proporcionar

    vantagens imediatas, no longo prazo, podero

    comprometer o sistema econmico. Uma populao

    contaminada tende a comprometer a produtividade do

    sistema econmico. Por conta disso, os recursos naturais

    no podem continuar sendo uma externalidade, uma

    ameaa reproduo do sistema capitalista.

    2 Economia ecolgica e

    recursos naturais

    Contemporaneamente, ao recorrer natureza

    para legitimar seus discursos, setores diversos,

    descontentes com as agresses socioambientais,

    transferem um valor intrnseco aos recursos naturais,

    conferindo-lhes uma subjetividade prpria, muito

    similar subjetividade humana. Essa talvez seja a base

    dos manifestos no apenas de alguns economistas, mas

    tambm de todos os ecologistas radicais contraDescartes. Para eles, Descartes foi o principal

    responsvel no pelo seqestro, e sim pela no

    admisso de que a natureza externa ao ser humano

    os outros sistemas vivos tambm tem direito

    subjetividade e a no ser dominada da forma como

    vem sendo (CAPRA, 1991; 1995 e 1996; MORIN, s/d;

    SERRES, 1991). Para Serres (1991), por exemplo, a questo

    ambiental contempornea , fundamentalmente, uma

    Quando os econ om istas amb ientais

    f alam em educao das von t ades,pr eciso ent end er q ue, embo ra

    estejam im po nd o l im i tes, estes

    no u lt rap assam a lg ica mercan t il

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    Rev. FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.123-127, jan./jun. 2004 | 123

    Revista daFAE

    questo de direito. Da sua sugesto de um outro

    contrato, desta vez diferente do contrato social de

    Rousseau (1999), um contrato natural como figura

    jurdica capaz de outorgar a todos os sistemas vivos no apenas aos seres humanos o direito vida.

    A gnese da economia ecolgica deve ser buscada

    ao longo do sculo XIX, perodo em que foi explicitada

    a Lei da Termodinmica por Sadi Carnot (1796-1832).

    A referida lei fsica tem como ponto de partida a noo

    de fluxos energticos liberados pelos sistemas

    econmicos em forma de calor. Apesar de tal

    descoberta ter sido muito festejada no mbito dos

    cientistas vinculados s pesquisas na fsica, na economiaela continuou marginalizada at os anos setenta do

    sculo XX, quando readquire fora poltica junto aos

    movimentos de questionamento da sociedade

    predatria industrial. As anlises do economista

    romeno Georgescu-Roegen (1971) so consideradas

    clssicas para essa discusso da economia que tem

    como base de referncia os fluxos de energia ou os

    princpios da entropia.1

    A partir do resgate da subjetividade dos recursos

    naturais, iniciado por filsofos, ambientalistas e outros

    ativistas simpticos Deep Ecology,2a economia

    ecolgica aproveita para elaborar suas crticas

    economia ambiental e projetar-se como alternativa

    terica para a crise daquele contexto histrico. Sua

    crtica economia ambiental apia-se no fato de esta

    construir suas explicaes a partir de imagens da fsica

    newtoniana, como se o sistema econmico fosse uma

    redoma de vidro fechada. Para os economistas

    ecolgicos, so insustentveis as explicaes doseconomistas ambientais e ainda servem de justificativas

    para as relaes abusivas da indstria com os demais

    sistemas vivos. A partir dessa crtica, os economistas

    ecolgicos sugerem que a economia seja apreendida

    no em si mesma, e sim envolta em um sistema mais

    amplo, o planeta Terra. Para eles, o sistema econmico

    pode at ser fechado em termos materiais, mas aberto

    ao universo no que tange captao de energia.

    Eles partem de tais pressupostos para tentar

    demonstrar os limites fsicos do planeta e consideram

    que tais pressupostos so suficientes para questionar

    as teses do crescimento ilimitado. Note-se que se tratade uma crtica forma social de produo capitalista

    com nfase em seus aspectos fsicos, no nos aspectos

    sociais. Para a economia ecolgica, leis fsicas explicam

    os limites do sistema econmico. No foi por acaso

    que o famoso relatrio Meadows incio da dcada

    de 1970 tomou como pontos de partida variveis

    fsicas para formalizar suas crticas ao crescimento

    desenfreado em termos econmicos.

    Sendo assim, o enfrentamento dos temas

    ambientais por parte da economia ecolgica ocorre

    de forma crtica porque demonstra os limites fsicos

    do planeta.

    3 Economia marxista e

    recursos naturais

    A abordagem econmica inspirada em Marx parte

    do princpio de que a relao do ser humano com a

    natureza externa sempre mediada por relaes sociais.

    Essa afirmao condena por si mesma a economia

    poltica marxista, pois a torna incompatvel com o

    mercado. Este ltimo exclui ou elimina tudo que se

    apresentar como ameaa a seus totens sagrados, a livre

    iniciativa e a propriedade privada dos meios de

    produo. No mercado, no h espao para qualquer

    1A energia flui em uma s direo e tende a se dissipaem calor de baixa temperatura que no pode ser utilizadoChama-se entropia essa soma de energia no aproveitve(FOLADORI, 2001c).

    2 Deep Ecology ou Ecologia Profunda esto associadosnomes conhecidos, tais como Fritjof Capra e Michel SerresUm de seus pressupostos que o ser humano no o centroda Teia da Vida (CAPRA, 1996), mas apenas parte dela.

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    instituio que tente educar as

    vontades insaciveis dos atoreseconmicos em suas buscas de

    satisfao individual com esforos

    mnimos. Assim, no mbito do mercado

    no h espao para a tica se esta for

    apreendida como possibilidade de

    educao das vontades e dos desejos

    ntimos dos seres humanos. O

    mercado, com sua lgica intrnseca

    baseada no princpio da destruio produtiva epermanente, no pode tolerar qualquer obstculo que

    se apresente em sua trajetria. O que se quer reiterar

    que enquanto os pressupostos da economia poltica

    marxista no forem considerados funcionais talvez no

    sejam nunca ao mercado, ela continuar sendo uma

    ameaa em potencial, justificando-se sua marginalizao.

    A economia poltica marxista um obstculo

    economia de mercado porque, ao invs de priorizar ou

    ter o lucro como fim em si mesmo, projeta as necessidadessociais como objetivos fundamentais. Na perspectiva das

    teorias e polticas econmicas declaradamente

    subservientes ao mercado, no que tange aos recursos

    naturais, estes s sero tratados como fins em si mesmos

    medida que a populao em escala elevada

    contamina-se, tornando-se improdutiva. Os impactos de

    uma populao inviabilizada para a produo implica

    direta e necessariamente problema para o sistema

    econmico. A partir da, os recursos naturais tornam-seimportantes no porque atendem a necessidades sociais,

    mas porque, quando contaminados, pem em risco o

    xito econmico. Quando o mau uso dos recursos naturais

    afeta o sistema econmico, eles tornam-se fundamentais.

    Nessa ordem de raciocnio, acerca das polticas

    econmicas marxistas, pode-se afirmar que elas geram

    desconforto porque assumem deliberadamente que

    as relaes capitalistas de produo esto sempre na

    base, so causas centrais da

    degradao socioambientalcontempornea. Isso porque, na

    presente formulao, a relao

    do ser humano com o ambiente

    fsico sempre mediada por

    relaes entre grupos, que so

    determinados e balizados

    historicamente por interesses de

    classe. Interesses que nem

    sempre ou nunca so harmnicos ou universais. Noh relao do ser humano com a natureza externa

    que possa ser caracterizada como neutra. Toda e

    qualquer apropriao dos recursos naturais est

    sempre orientada por interesses particulares e,

    invariavelmente, abusivos aos interesses do pblico.

    Na perspectiva da lgica capitalista, os recursos

    produtivos, naturais ou artificiais, devem ser utilizados

    ostensiva e intensivamente. Desconsideram-se, sob tais

    critrios de uma racionalidade estribada nacontabilidade de preos, [...] las diferencias entre

    recursos renovables y no renovables, o los ritmos

    biolgico del resto de los seres vivos y la biodiversidad

    (FOLADORI, 2001b, p.209).

    4 Indicadores da crise ambiental

    O trecho citado anteriormente ajuda a explicitar

    que a crise ambiental mundial no est separada da

    forma social de produo capitalista nem, em

    conseqncia, da racionalidade instrumental que lhe

    sustenta. importante reconhecer que a crtica aqui

    presente no abona os abusos ambientais presentes

    nas experincias socialistas. Estende-se quelas

    A econom ia p olt ica

    marxi sta um obstcul o

    econom ia de mercadoporq ue, ao in vs de

    pr io r izar ou t er o lucro

    com o f im em si mesmo ,

    pr ojet a as necessidad es

    sociais com o o bjet ivos

    fundamenta is

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    Rev. FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.125-127, jan./jun. 2004 | 125

    Revista daFAE

    experincias por se tratar de uma crtica racionalidade

    instrumental que, historicamente, serviu de

    sustentculo aos regimes socialistas.

    Robert Kurz (1992), em O co lapso da

    m od er n i zao, um dos primeiros analistas a

    demonstrar que no h diferena entre o modo de

    produo capitalista e o socialista. Ambos esto ou so

    orientados pela mesma racionalidade, a instrumental,

    sendo, em funo disso, abusivos em relao ao

    ambiente. Por outro lado, h que se esclarecer que o

    presente artigo, por privilegiar aspectos epistemolgicos

    desse debate, limita-se a identificar como so produzidas

    algumas explicaes tericas na economia que

    enfrentam os temas ambientais.3

    A busca de lucro, acompanhada da reduo de

    custos, significa declarao deliberada de guerra a

    todos os sistemas vivos que compem a biosfera. Prova

    disso so os dados mundiais sobre as florestas, as quais,

    de acordo com o Worldwatch Institute, j perderam

    quase a metade de sua dimenso original, que era de

    62 milhes de km. Atualmente, elas cobrem 33,3milhes de km (tabela 1).

    No que diz respeito s terras cultivveis, a situao

    no diferente (grfico 1).

    desproporcional velocidade em que as terras

    cultivveis vo sendo utilizadas e degradadas, em

    comparao com o aumento da populao mundial.

    Em 1650, existiam 3,2 bilhes de hectares de terras

    cultivveis para uma populao de 0,5 bilho de

    pessoas; no ano 2000, elas foram reduzidas metade

    (1,7 bilho de hectares), com a diferena que a

    populao mundial saltou para mais de 6 bilhes de

    pessoas. A anlise crtica dos dados conduz seguinte

    concluso: as necessidades sociais esto longe de serem

    consideradas ou postas como prioritrias.

    No caso da desertificao, mais uma vez as

    necessidades sociais so colocadas em plano

    secundrio. Perto de um quarto da superfcie da Terra,

    habitado por aproximadamente um bilho de pessoas

    vive sob a ameaa crescente da desertificao. Por ano,

    11 milhes de hectares de florestas tm desaparecido,

    3Para maiores aprofundamentos acerca da destruiodo ambiente pelos regimes socialistas convm consultarPonting (1992) e Foster (1994), alm de Kurz (1992). Essesautores explicitam que os pases socialistas, orientados pelaracionalidade instrumental, estavam integrados economiacapitalista por via de comrcio exterior. Ressalte-se, aindaque o planejamento centralizado, ao excluir a amplaparticipao social, tende a ser abusivo em termossocioambientais em sistemas socialistas, capitalistasteocntricos, entre outros.

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    e 6 milhes de hectares de terras produtivas

    transformam-se em desertos. Na Europa, por exemplo,

    mais de 20 milhes de hectares j se encontram

    degradados, em conseqncia da poluio industrial

    e da chuva cida.

    Portanto, nota-se queno casual o fato de os

    trs principais sistemas biolgicos que ajudam a

    sustentar economicamente a sociedade mundial

    florestas, campos e terras cultivveis estarem em

    progressivo estgio de decadncia e degradao. Onde

    h florestas, campos e terras cultivveis, h recursos

    naturais no apenas como necessidade social, mas

    principalmente como necessidade econmica, no

    sentido mais reduzido e instrumental que se possa

    conferir ao conceito de econmico.

    Consideraes finais

    A economia ambiental, ao sobrevalorizar a

    internalizao das externalidades, tende a eliminar

    da natureza qualquer valor intrnseco que esta possa

    ter. Essa sobrevalorizao acaba servindo de justificativa

    para toda e qualquer apropriao abusiva dos recursos

    naturais, medida que transforma tudo em mercadoria.

    A lgica de mercado emerge como soluo inevitvel

    para a crise ambiental.

    A economia ecolgica, ao tentar explicar o sistema

    econmico a partir de leis fsicas as da termodinmica tende a admitir que as possveis solues para a crise

    ambiental so fundamentalmente tcnicas. Com isso,

    a presente abordagem exclui as relaes sociais, todas

    orientadas pelos mais distintos interesses de grupos.

    Em outros termos, preservar os recursos naturais sem

    questionar a forma social de produo capitalista

    permite a reproduo de indivduos apenas resignados

    a servir ao mercado.

    Nesse particular, as duas abordagens, em suas

    relaes com os recursos naturais, no levam em conta

    as relaes sociais como mediadoras da relao do ser

    humano com a natureza (FOLADORI, 2001b).

    Tal como a economia ambiental, a economia

    ecolgica, a despeito de sua crtica incisiva ao

    crescimento ilimitado, no se constitui como

    perspectiva que aponte para alm do sistema de

    mercado, porque no enfrenta o ncleo duro da forma

    social de produo capitalista, as contradies internas

    ao sistema.

    Das abordagens tericas apresentadas, somente

    a economia marxista vislumbra sadas que se propem

    a ir alm da forma social de produo capitalista. A

    economia ambiental insuficiente por limitar-se a

    incorporar externalidades que esto fora do sistema

    econmico por meio de solues tcnicas. A economia

    ecolgica igualmente insuficiente, por querer que

    regras externas como a termodinmica regulem o

    sistema econmico, negligenciando o fato de este

    ltimo ser regulado por relaes sociais. A abordagem

    marxista parte do pressuposto de que os problemas

    ambientais derivam do sistema social, logo as possveis

    solues precisam ser buscadas nele, no no sistema

    tcnico ou fsico-energtico. preciso, portanto,

    mergulhar no sistema social para explicitar e

    demonstrar as causas profundas que acentuam a crise

    ambiental contempornea. Enquanto as contradies

    intrnsecas forma social de produo capitalista no

    forem enfrentadas, as explicaes permanecero em

    nveis considerveis de superficialidade.

    Por um lado, a abordagem marxista, ao eleger as

    necessidades sociais como eixos civilizatrios para suas

    aes polticas, torna-se uma visvel ameaa para um

    cenrio global dominado pela instrumentalidade das

    polticas subservientes ao mercado. Por outro, a crtica,

    por si mesma, atua como freio para os possveis abusos

    do mercado e como possibilidade de aperfeioamento

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    Rev. FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.127-127, jan./jun. 2004 | 127

    Revista daFAE

    do prprio sistema capitalista. Em certa medida, esta

    uma das concluses de um dos principais defensores

    do sistema capitalista, Lester Thurow (1997), em seu

    polmico livro O Fut uro do Capit alismo. Para ele, oque sofisticou e consolidou o sistema capitalista como

    modo de produo hegemnico, sobretudo ao longo

    do sculo XX, foram seus inimigos viscerais, com

    destaque para o comunismo. Com a derrocada deste

    Referncias

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    ltimo, que atuou como verdadeiro limite tico,

    elevaram-se a nveis incontrolveis os desmandos do

    capital. A ameaa comunista obrigava o capitalismo a

    tomar decises priorizando as necessidades sociais commais freqncia. Isento dos perigos iminentes, o capita

    volta ao seu estado de natureza: s considera as

    necessidades sociais importantes se estas ameaarem

    o sistema econmico.

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