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Revista Estudos Amazônicos • vol. IX, nº 1 (2013), pp. 157-179 Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX) Francisco Pereira Smith Júnior * Rodrigo Fraga Garvão ** Resumo: Este artigo propõe uma leitura da economia e da política da Amazônia Brasileira no final do século XIX e início do século XX. Traz também discussões sobre o “boom” da economia gomífera e faz uma leitura da importância dos Presidentes de Província do Pará no que diz respeito ao desenvolvimento econômico da região, colocando em evidência os processos de contratação de imigrantes estrangeiros para vir trabalhar e povoar na região. Palavras-Chave: Economia; Migração; Espanhóis Abstract: This article proposes a reading of the economy and politics of the Brazilian Amazon in the late nineteenth century and early twentieth century. Also features discussions on the "boom" of rubber economy and does a reading on the importance of the Presidents of the Province of Pará, with regard to the economic development of the region, highlighting the processes of hiring foreign immigrants to come to work and settle in the region. Keywords: Economics; Migration; Spanish

Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

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Page 1: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

Revista Estudos Amazônicos • vol. IX, nº 1 (2013), pp. 157-179

Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

Francisco Pereira Smith Júnior*

Rodrigo Fraga Garvão**

Resumo: Este artigo propõe uma leitura da economia e da política da

Amazônia Brasileira no final do século XIX e início do século XX.

Traz também discussões sobre o “boom” da economia gomífera e

faz uma leitura da importância dos Presidentes de Província do

Pará no que diz respeito ao desenvolvimento econômico da região,

colocando em evidência os processos de contratação de imigrantes

estrangeiros para vir trabalhar e povoar na região.

Palavras-Chave: Economia; Migração; Espanhóis

Abstract: This article proposes a reading of the economy and politics of the

Brazilian Amazon in the late nineteenth century and early twentieth

century. Also features discussions on the "boom" of rubber

economy and does a reading on the importance of the Presidents

of the Province of Pará, with regard to the economic development

of the region, highlighting the processes of hiring foreign

immigrants to come to work and settle in the region.

Keywords: Economics; Migration; Spanish

Page 2: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

158 • Revista Estudos Amazônicos

A Amazônia no início do século XIX apresentava relações comerciais

ligadas à Europa, mas sua participação comercial no ambiente nacional

nesse momento ainda era quase inexistente. Quando se falava de

economia regional, limitava-se ao plantio de cacau, açúcar, algodão,

tabaco, arroz e café, com uma pequena exportação para países da Europa,

como França e Holanda caracterizando-se como uma economia

puramente extrativista. Com o tempo a Amazônia se tornou região de

relativa atração para imigrantes nacionais e estrangeiros. A descoberta de

riquezas naturais e a sua exploração fizeram do lugar, um eldorado

promissor. Milhares de pessoas vieram em busca de realizar o sonho da

riqueza e outros, apenas o da sobrevivência. O fato é que a partir da

segunda metade do século XIX com a descoberta da borracha, estados

como Pará e Amazonas passaram a desfrutar de riquezas que jamais se

imaginou, colocando-os entre os estados mais ricos e importantes da

região Norte do Brasil.

A partir de 1840 se percebeu o grande boom da borracha, que fez da

Amazônia um “lugar de estranhos”, ou seja, de brasileiro e “galegos”

(estrangeiros) oriundos de “todos” os lugares do mundo.

Segundo Maria de Nazaré Sarges a partir de 1870 temos na Amazônia

a maior explosão da economia local:

De 1870 a 1910, considera-se o maior surto

econômico já verificado na região, tendo-se como

principal indicador o crescente aumento da

produção de borracha, criando-se até a expressão

rubber reclaiming industry. Em 1871, o presidente da

província do Pará, Abel Graça, em sua mensagem a

assembléia legislativa provincial, anunciou o

primeiro lugar da borracha na pauta de exportação:

4.890.089 quilos contra os 3.381.246 quilos do

Page 3: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

Revista Estudos Amazônicos • 159

cacau. Neste período, a borracha constituiu-se no

principal produto voltado para o comércio

internacional, desta forma carreando recursos e,

conseqüentemente, permitindo um surto

econômico vigoroso na região.1

Ao mesmo tempo em que tudo acontecia na Região Amazônica, em

função da descoberta da borracha, concomitantemente passou-se a ter um

déficit de trabalhadores para atuar na extração do látex. Para solucionar o

problema de mão de obra que se instalava no Pará, percebeu-se um

discurso público de incentivo a migração por parte dos Estados

Amazônicos. Principalmente a partir do momento que a migração tomou

força na década de 70 do século XIX. Os governos amazônicos criaram

políticas de convencimento e tentaram estimular a migração de pessoas de

todas as regiões do Brasil e do exterior, fizeram o uso de propagandas e

promessas de concessões de passagem e hospedagem, além de uma

panfletagem de que a Amazônia seria a própria imagem do paraíso das

riquezas naturais e da riqueza do látex. Daí foi inevitável o surgimento de

colônias por todo o Estado do Pará, a exemplo a de Benevides e a de

Benjamim Constant.

Os governos dos estados amazônicos, interessados

em resolver a questão da força de trabalho para

extração da borracha, organizaram serviços de

propaganda e concessão de subsídios para gastos de

transporte, além da criação de projetos de

colonização na Região Bragantina.2

O extrativismo do látex explodiu e fez da Amazônia, em específico

Belém e Manaus, regiões que passaram a gozar de luxo e riqueza até então

Page 4: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

160 • Revista Estudos Amazônicos

vistos somente na Europa. A prosperidade produzida pela borracha tanto

desenvolveu a região que todos os setores passaram por fortes

modificações. Em 1870, por exemplo, se viu a introdução a vapor na bacia

do Amazonas com a abertura do rio principal a embarcações de todo o

Brasil. Em virtude disso, foi inevitável a chegada de milhares de imigrantes

na Amazônia, fosse por rio ou por terra.

Em 1907, Belém contava com 192.230 habitantes.

No Pará, o termômetro da vicejante economia, o

vaivém de pessoas e mercadorias era grande: das

36.026 pessoas que entraram no estado naquele ano,

quase 11.600 permaneceram na capital, absorvidas

pelas atividades comerciais e pelos estabelecimentos

industriais.3

Sendo assim, a riqueza gerada pela economia da borracha foi um fato

que atraiu milhares de pessoas das mais diferentes regiões do mundo e

transformaram cidades como Belém e Manaus em metrópoles

consolidadas, detentoras de um precioso “ouro líquido e branco”, o látex.

No início do século XX, a região ainda registrou altos índices de

participação da econômica da borracha na economia nacional. Mas a partir

dos anos de 1920, temos um declínio acentuado na economia regional.

Belém que se caracterizou ao longo de tantos anos, como uma economia

com destino ao comércio internacional, tornou-se cada vez mais

empobrecida, em virtude de não ter fortalecido a sua economia, com isso

passa a vê seus cofres bancários se esvaziarem e os investidores pareciam

estar sumindo.

Todavia para tentar evitar a “decadência” da atividade econômica, a

partir dos anos de 1913 se percebe uma revalorização da borracha, com

uma medida emergencial, este foi o decreto 5.01.1912. Desta maneira,

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Revista Estudos Amazônicos • 161

percebe-se uma retomada ao glamour antes perdido, passa-se a ver o

retorno de grandes peças teatrais e companhias de luxo estrangeiras que

vinham a Belém e Manaus para se apresentar. Belém passou a ser capital

do prestígio, dos encontros noturnos, com festas e grandes recepções,

tudo no estilo europeu. A cidade mesmo com aspecto antigo, abrilhantava

os olhos de quem chegava, pois fosse estrangeiro ou brasileiro era inegável

a admiração por aquela emergente cidade no coração da Amazônia.

Nela, tudo parecia velho! Causavam-lhe espécie as

maneiras de trajar dos homens e mulheres no Pará:

vestiam-se pela última moda francesa, com caudas e

anquinhas, fraques e cartolas. Nas casas de família

havia sempre um piano e bandas marciais tocavam

hinos patrióticos, estas marcas do que Avé-

Lallement chamou de “europeização” acentuar-se-

iam nas décadas seguintes, com a ampliação do

número dos que a ela tiveram acesso. Poucos anos

após a estada de Avé-Lallement na cidade, Hasting,

um major americano responsável pela vinda de

confederados americanos para o Pará, foi mais

favorável em suas observações: ao passar por

Belém, impressionou-se com a imponência da

cidade, suas longas avenidas arborizadas com

mangueiras frondosas, numerosas praças públicas e

iluminação a gás.4

Ao lado de Belém, Manaus passou também a desfrutar de benefícios

trazidos pela riqueza produzida da borracha, conhecida também pela sua

grandiosidade no cenário econômico da Amazônia. Segundo Bradford

Burns em 1910, Manaus reinava como a capital mundial da borracha. Mais

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162 • Revista Estudos Amazônicos

de vinte anos de produção crescente, exportação contínua e de preços em

elevação, haviam criado a prosperidade, da qual a cidade era a evidência

mais ampla. Nesse ano, Manaus progredia, com os preços atingindo novas

alturas e toda a atmosfera da cidade altamente próspera.

Essa prosperidade e essa atividade alvoroçada,

jamais deixaram de impressionar os visitantes que

empreendiam a jornada de novecentas milhas

subindo o Rio Amazonas, para vê-la. Ficavam

invariavelmente surpresos, até assombrados, ao que

lhes deparava. E havia razão para esse entusiasmo.

Situada (ou como pensavam muitos “aprisionada”)

no meio da vasta e sedutora floresta, Manaus

alardeava com orgulho todas as civilidades de

qualquer cidade européia de seu tamanho ou

mesmo maior. Um excelente sistema portuário, um

serviço de coleta e disposição de lixo eficiente,

eletricidade, serviços telefônicos, belos edifícios

públicos, residências confortáveis, atestavam o

sistema de modernização da cidade.5

A dificuldade em encontrar dados mais concretos a respeito de

colônias de estrangeiros no território amazonense não permite informar

de forma precisa o número de imigrantes naquela região. O que existem

são referências isoladas de instituições consolidadas na época que

comprovam a presença desses imigrantes circulando pela metrópole de

Manaus. No período de 1910 a Sociedade Portuguesa Beneficente de

Manaus fez o registro de pacientes das mais diferentes nacionalidades, em

destaque para Portugueses, Espanhóis, Turcos, Italianos e Ingleses. Como

pode ser visualizado no quadro abaixo:

Page 7: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

Revista Estudos Amazônicos • 163

TABELA XIII

REGISTRO DA ENTRADA DE ESTRANGEIROS NA

SOCIEDADE BENEFICENTE PORTUGUESA PARA

TRATAMENTO MÉDICO NO ANO DE 1910

PORTUGUESES 1.505

ESPANHÓIS 72

TURCOS 42

ITALIANOS 34

INGLESES 15

Fonte: Burns, 1966. Adaptado pelo autor

Burns comenta que não existem dados oficiais sobre a colônia

estrangeira em Manaus. Mas a evidência indireta indica sua extensão e

composição. Em anúncios frequentes nos jornais locais, advogados

ofereciam assistência aos estrangeiros que precisassem regularizar

documentação para permanência no país ou nacionalização. Esses

anúncios não teriam aparecido se não houvesse uma colônia estrangeira

bastante numerosa e que permitisse um negócio lucrativo. Os espanhóis

não se dedicavam tanto ao trabalho com a borracha, mas sim a outros

serviços comerciais.

Pode-se deduzir que os imigrantes espanhóis de Manaus, bem como

os italianos, os sírios e os libaneses, estiveram envolvidos mais com o

comércio do que com a agricultura. O comércio de Manaus estava a “todo

vapor”, em função do “Ciclo da Borracha” e por isso a sociedade

manauara no início do século XX respirava os ares da modernidade

europeia, com isso já se formava um público local exigente e acostumado

com os requintes gerados pela belle époque.

Page 8: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

164 • Revista Estudos Amazônicos

O desenvolvimento da economia do látex na

Amazônia no período de 1870/1910 está

intrinsicamente ligado as transformações ocorridas

em nível de reprodução do capital e da sua

acumulação de riquezas pela burguesia

internacional.6

Portanto, o que se percebe é que a influência estrangeira foi

determinante para o crescimento econômico da Amazônia. Os

estrangeiros estavam em todos os lugares, era inegável sua presença, o

principal indicativo disto se manifestou principalmente no comércio das

grandes cidades, em virtude da exigência do público local. Essa mudança

de comportamento ocorreu de tal forma, que ao longo do tempo, se

percebem mudanças nas relações comerciais dessas grandes metrópoles

amazônicas. A necessidade de se ter produtos estrangeiros para suprir um

comércio exigente que se instalava em cidades como Belém e Manaus, fez

dessa nova sociedade consumidora, “quase primitiva” tornar-se

burguesamente moderna, com um mercado que aos poucos era crescente

e promissor para os estrangeiros.

A influência estrangeira evidenciava-se numa

variedade de formas. Anúncios indicavam a

existência de numerosos produtos estrangeiros que

devem ter dado forma a vida comercial e social da

comunidade: revólveres Smith and Wesson,

terçados Collins, gramofones Victor, sapatos Walk-

over, perfume Lubin, relógios Omega, Whiskey

Black and White, gin Both, manteiga da

Escandinávia, leite condensado Fussel , motores

Page 9: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

Revista Estudos Amazônicos • 165

Otto, licores Bardinet, máquinas Urderwood,

Wiskey White Label, etc.7

No histórico econômico da Amazônia não houve grande diferença

entre outros modelos existentes no passado da economia brasileira, como

a economia do ouro, do algodão, do café e do cacau. O reinado de poder

econômico dado a Belém e Manaus, em virtude da economia da borracha,

fez dessas duas cidades grandes pólos de prosperidade e até hoje

conservam sua exuberância herdada por anos de acúmulo de riqueza

material e cultural. Muito dessa riqueza deve ser tributada ao exercício

político dos Presidentes de Província. Em anos anteriores a 1854 já havia

no Norte do país uma preocupação constante e insistente por parte dos

Presidentes de Província em discutir a importância da colonização e

povoamento da região. Essa deveria ser feita principalmente por

imigrantes estrangeiros. Trazer imigrantes estrangeiros parecia ser um

ótimo negócio, por não serem tão custosos aos cofres públicos, mas

também por trazerem um conhecimento agrícola diferenciado do que já

existia. A Província de Grão-Pará tornou-se uma das terras que mais

discutia a validade desse movimento. Assim por anos seguidos muitos

desses homens políticos retomavam a necessidade de que a terra

necessitava ser ocupada e trabalhada por imigrantes, fossem eles de

natureza interna ou externa.

Desta forma, é comum observar que os discursos dos primeiros

Presidentes de Província entendiam que a liberdade dada aos negros nada

mais foi que um golpe à escravatura e consequentemente a agricultura local

e o final de tudo seria a bancarrota da economia nortista. Com o discurso

de que algo deveria ser feito diante da momentânea crise de culpa da

sociedade diante da escravidão que por anos perdurou no Brasil, o

Presidente de Província Rego Barros propôs em seu Relatório uma

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166 • Revista Estudos Amazônicos

negociação para introduzir 100 colonos portugueses na Província para

colonizar e realizar trabalhos agrícolas em colônias locais.

Os primeiros passos da migração estrangeira no Norte do país de

forma organizada ocorreram lentamente ainda no século XIX, nos anos

de 1855. Mas algo já se podia afirmar naquele momento: desse movimento

ocorrido nem todos os imigrantes estrangeiros que vieram para o Brasil

no século XIX tinham apenas a agricultura como principal objetivo de

trabalho, mas também o comércio e outros ramos. Como se pode observar

na leitura dos documentos acima havia preocupação constante dos

Presidentes de Província em resolver o problema da mão de obra da

Região Norte. De início a migração portuguesa pareceu ser a mais

adequada, visto que existiam características que aproximavam um país do

outro, a mais importante era o idioma. Cada vez mais se tornava comum

à prática do recrutamento, contratos para introduzir imigrantes na

Amazônia eram cada vez mais frequentes.

Sabe-se que muitos estrangeiros portugueses, espanhóis, italianos

fizeram do comércio seu campo de atividade, mas muitos se entregaram

ao serviço público. Este último ramo absorveu grande parte da mão de

obra imigrante para trabalhos em obras públicas na época, visto que a

havia necessidade de trabalhadores braçais para a construção civil. Assim

o Presidente de Província Rego Barros em 1855, assume a necessidade de

introduzir mais de mil estrangeiros por meio de contrato. A colonização

dava passos lentos para atingir sua regulamentação, a vontade dos

Presidentes de Província em dar continuidade na proposta de colonizar e

povoar a Amazônia ainda era fixa. Essa ideia parecia ser algo distante de

se tornar realidade, visto que existiam apenas poucas colônias militares,

mas que poderiam servir de “modelo” para o que seria futuramente uma

realidade para a imigração no Norte.

O medo do fracasso na lavoura fez com que muitos Presidentes de

Províncias autorizassem empréstimos com base na Lei número 226 de 15

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Revista Estudos Amazônicos • 167

de Dezembro de 1853 que criou no Tesouro Provincial uma caixa de

Colonização para dar apoio a uma política de colonização. Esta tentava

assegurar que os emigrantes deveriam dedicar-se ao trabalho da lavoura e

não desvirtuarem-se em outras formas de trabalho, visto que estava se

tornando comum encontrar imigrantes saídos da lavoura trabalhando no

comércio das grandes cidades do Norte do país. Esta era uma forma

paliativa criada para dar suporte a uma colonização que parecia estar longe

de ser regularizada. O receio de perder os braços da lavoura era constante,

porquanto entendiam que a colonização seria a única saída para salvar a

lavoura e a economia local, como pode ser interpretado no Relatório de

15 de Outubro, do Presidente de Província Pinto Guimarães, no qual

manifesta a necessidade de seguir o exemplo do Sul do Império em criar

movimentos organizados de colonização.

No discurso de Pinto Guimarães há o receio de ver a imigração tornar-

se uma banalidade, principalmente a estrangeira. Não se desejava que

existisse um simples movimento de entrada na região, mas sim que

houvesse uma programação ou um planejamento do que esses imigrantes

iriam fazer em terras brasileiras. Essa preocupação fez com que alguns

homens de política expusessem suas inquietações diante do processo de

que “fazer a América” era temeroso, pois não queriam ver no futuro a

imigração se tornar um fiasco ou uma falácia na história da Província. Um

dos medos era a propagada da “falsa ideia” do eldorado de riquezas que a

Amazônia parecia representar aos imigrantes estrangeiros, isto é um

exagerado juízo de que existiam grandes riquezas naturais prontas para

serem exploradas.

A propaganda imigratória era encantadora aos olhos do estrangeiro,

com uma linguagem que parecia oferecer grandes vantagens para aqueles

que escolhessem a Província do Pará. A capital paraense, Belém, deveria

ser descrita aos imigrantes como uma cidade prospera e moderna. A

propaganda migratória não poupou elogios à cidade, elevou a capital a

Page 12: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

168 • Revista Estudos Amazônicos

níveis de modernidade comparados a cidades europeias, faziam-se

descrições grandiosas das suas mais importantes obras públicas e exaltava-

se o quanto se pôde a suntuosidade de suas construções e a prosperidade

de suas indústrias e comércio. A descrição de palácios, como o do estado

e o do governo edificados por Marques de Pombal, edifícios, institutos,

hospitais, museus, mercados, quartéis, templos, cemitérios, teatros,

indústria, igrejas, dentre elas a do Carmo e a Catedral da Sé, praças, em

especial a da República e a da Independência. Esta última foi uma

homenagem aos paraenses mortos na guerra do Paraguai, representaram a

preocupação em criar imagem positiva e retratar uma cidade próspera e

organizada aos moldes europeus. Assim Belém entrou na rota migratória

de milhões de imigrantes europeus, encantados pela fabulosa cidade rica e

moderna e meio a floresta amazônica.

Havia apreensão por parte da Província de os imigrantes estrangeiros

não serem simplesmente “jogados” em terras paraenses sem o mínimo de

cuidado em prepará-los para receber a terra. Assim, criar uma nova

infraestrutura que ligasse as cidades do interior à capital deveria ser

prioridade, pois havia o medo de isolá-los de Belém, visto que se tratava

de uma das cidades de maior referência urbana para os estrangeiros

advindos da “moderna” Europa. Assim, à distância e a dificuldade de

locomoção poderiam gerar expectativas negativas nesses imigrantes que

estavam com a promessa de receber terras em núcleos distantes da capital.

Com receio de que a propaganda migratória não tivesse êxito no Norte do

Brasil, o Vice-Presidente de Província Leitão da Cunha em 1858 achou

necessário sugerir a possibilidade de criar uma estrada que ligasse a

Comarca de Bragança à capital para que o interior não ficasse tão isolado.

Leitão da Cunha, além de Vice-Presidente, era também um idealizador

da imigração estrangeira para o Norte. Estava apreensivo com o futuro da

Província, acreditava que a imigração estrangeira somente funcionaria e

daria certo se acontecesse de forma organizada e planejada. Desta forma,

Page 13: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

Revista Estudos Amazônicos • 169

pensou em mudanças na política local, pois se lutasse por melhorias dos

núcleos, asseguraria a permanência dos imigrantes na região e manteria o

equilíbrio da economia local, impedindo a saída em massa de colonos para

cidades mais desenvolvidas. Sendo assim, Leitão da Cunha demonstrou

em seu relatório que deveria existir uma política de desenvolvimento local

para que o imigrante percebesse os ares de progresso também aos

arredores de sua colônia, pois apenas o atrativo da riqueza natural não

asseguraria que o imigrante se estabelecesse no local, mas também a noção

de que eles não estavam isolados e muito menos abandonados. Para isso,

defendeu a existência de reformas na infraestrutura local, possibilitando

ao imigrante o direito de ir e vir de seu núcleo. Uma das suas maiores

defesas contemplava a melhoria da comunicação entre o núcleo e a capital.

Até então, o que se sabia de colônia civil no Pará era a existência da de

Nossa Senhora do Ó, localizada na Ilha das Onças. Já em processo de

colonização iniciada, mas com certos problemas estruturais. Em virtude

de não ser uma terra adequada para o plantio, os alagamentos eram

constantes, visto que havia proximidade muito grande do rio. A falta de

saneamento adequado ocasionava sérios problemas de saúde à população

local. Os casos de febre, malária pareciam se tornar constantes e muitos

morriam por não conseguir o atendimento adequado a tempo, já que o

deslocamento para a capital era de barco e além da dificuldade existia a

escassez de transporte adequado para os enfermos. Mesmo assim, diante

de tantos entraves o Tenente-Coronel Manoel Farias de Vasconcelos,

então Presidente de Província em 1º de Outubro de 1859 a descreve com

entusiasmo e crente de que seria uma alternativa viável também para a

migração de estrangeiros.

Após o ano de 1862, a Colônia Agrícola de Nossa Senhora do Ó parece

não obter o sucesso desejado. Talvez a escolha equivocada da terra para

fundá-la teria sido um dos fatores principais para seu fracasso. O discurso

a favor da colonização europeia (imigração) é continuado. Os relatórios de

Page 14: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

170 • Revista Estudos Amazônicos

Província é um exemplo disso, pois agora há toda uma defesa em dizer

que as terras são férteis, apesar do clima que “por vezes” pudesse não

colaborar. Mas logo esse agravante é compensado pela farta cobertura

florestal e grande nível de água encontrado nos rios e lagos da região. O

discurso de 15 de novembro de 1889, da propaganda distribuída na

Espanha parecia se repetir, todavia mais consciente de seus limites.

A rediscussão a respeito da migração é retomada em vários relatórios

de Província. O desejo em fazer dessa terra um lugar de realizações não

somente dos imigrantes, mas também do Império parece não cessar. O

desejo por transformar a Província do Pará tão produtiva quanto às do Sul

tornava-se quase uma obsessão pelos homens de política e a insistência

pela colonização estrangeira torna-se um assunto quase que corriqueiro

nos documentos oficiais. Um discurso marcante foi o de Francisco Carlos

de Araújo Brusque, que em 1º de setembro de 1862 fez um desabafo aos

seus confederados: defende a ideia de entender as colônias da Província

do Império a partir de uma realidade local.

Afirma também que a Província paraense é próspera apesar de todos

os fracassos já vistos anteriormente, como foi o exemplo da colônia

agrícola de Nossa Senhora do Ó. Defende que um movimento a favor da

colonização seja organizado, para que não se cometa os mesmos erros do

passado. Para Francisco Carlos de Araújo Brusque os europeus que aqui

chegassem deveriam ser tratados em pé de igualdade diante dos colonos

já existentes, sem privilégios e exageros, visto que esses possuíam certos

méritos, como o direito a trabalhar na própria terra.

A imigração estrangeira dava passos lentos. Dentre os estrangeiros

encontramos portugueses, italianos e espanhóis chegando às terras

amazônicas, empolgados e ávidos por encontrar uma terra rica e próspera.

Apesar da inexistência de um movimento organizado a favor da imigração

europeia para o Norte do Brasil, já havia uma expressiva chegada de

imigrantes no Pará; mesmo assim, os problemas referentes à carência de

Page 15: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

Revista Estudos Amazônicos • 171

mão de obra para o trabalho na lavoura não parecia ter sido resolvido,

visto que muitos desses imigrantes estrangeiros acabavam sendo atraídos

pelo comércio e não pela agricultura, como desejavam os incentivadores

da migração. Francisco Carlos de Araújo Brusque comenta no relatório de

1º de novembro de 1863 a presença de aproximadamente 3.160 imigrantes

europeus no período de janeiro a setembro do ano corrente.

O presidente Leão Vellozo foi outro administrador público que se

manifestou totalmente a favor da migração estrangeira, o discurso de 9 de

abril de 1867, considerou os imigrantes estrangeiros como fundamentais

para povoar a Província, eram importantes como braços servis na

agricultura, pois além de serem acostumados como o trabalho do campo

teriam muito a oferecer aos nativos com essa experiência. Passou a

controlar migração para ter conhecimento dos números de imigrantes

nacionais e estrangeiros que vinham e ficavam em terras paraenses.

Contabilizou um número expressivo e significativo de estrangeiros no

porto da capital da Província. Entre os discursos de Presidente de

Província há um que chama atenção: o do Dr. Couto de Magalhães. Este,

em 15 de agosto de 1864, fez um discurso violento a respeito política de

migração no Pará, afirmando não acreditar em uma economia fortalecida

que aguentasse uma empreitada tão grande quanto era a política de

migração estrangeira. Considerava a colonização uma utopia, visto que

não incentivaria uma colonização sem que antes não existisse uma

consciência do homem local pelo trabalho agrícola, o nativo deveria

trabalhar, assim produziria e se transformaria em um agente participante

da economia local. “Viver apenas aguardando a misericórdia de Deus”, lhe

parecia ser um pensamento de um homem preguiçoso, acomodado diante

da gentileza da natureza em lhes ser generosa ao fornecer seu alimento.

Couto Magalhães cita os exemplos das colônias imperiais do Sul, em

que se tem uma consciência do agricultor no que diz respeito a sua

participação na economia. Como exemplo expôs a existência de uma

Page 16: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

172 • Revista Estudos Amazônicos

classe de trabalho em que nas Províncias do Pará inexiste. Trata-se do

pequeno-lavrador, um agente da economia que garante que não haja

importação de produtos em larga escala, diferente do Pará que necessitava

importar quase tudo. O Presidente acreditava que o nativo, o paraense,

deveria passar por uma mudança de pensamento sobre o trabalho, mas

para isso seria necessário que a sua lavoura fosse fixa, sem intervalos, para

que o nativo se acostumasse com a rotina do trabalho. Somente assim,

retiraria este indivíduo daquele marasmo no qual parecia estar imposto há

séculos. A rotina de uma vida acomodada a certas facilidades que a

natureza lhes proporcionava, parecia tê-los transformado em um povo

avesso e resistente ao trabalho braçal. Daí o problema dos paraenses vez

por outra serem chamados em Relatórios de Província como preguiçosos

e sem instrução, além do problema de não terem capital para investimento.

O Presidente Abel Graça em 15 de agosto de 1871 garante que a

entrada de imigrantes na Província do Pará era algo positivo, assegurava

que o imigrante estrangeiro seria bom para a economia local, visto que

poderia participar de forma mais ativa na produção local se o mesmo fosse

incluído como dono da terra. Comenta haver necessidade de assegurar que

esses estrangeiros pudessem ter direito a concessões de terras e nelas

pudessem aplicar suas economias para garantir que o dinheiro não saísse

do país, haja vista existirem rumores de que as economias desses

estrangeiros estavam sendo remetidas para seus países de origem. Abel

Graça informa em seu relatório a existência de imigração estrangeira com

certo número de estrangeiros em terras do Norte; no mesmo se preocupa

em contabilizar a entrada e a saída de galegos a partir do sexo, quantos

saíram do país e quantos mudaram apenas de região dentro do país.

Entende-se que o homem de política se importava com o controle de

entrada e saída desses indivíduos por achar que eram importantes para o

crescimento da economia local e para a ocupação do território, visto serem

Page 17: Economia e política na Amazônia brasileira (séculos XIX e XX)

Revista Estudos Amazônicos • 173

bons de trabalho, bons investidores e sabiam comercializar aquilo que

produziam.

Em 25 de novembro de 1885 um documento é produzido pelo

Presidente Alencar Araripe referente a um discurso realizado em 17 de

novembro do mesmo ano. Como Presidente da mesa, direcionou sua fala

em prol da criação de uma sociedade paraense de imigração. Havia muito

orgulho e muita felicidade em sua exposição e grande parte dos poderes

locais naquele momento se fazia presentes para ouvi-lo discursar, dentre

estes estava à imprensa local, religiosos, políticos, representantes da

sociedade paraense. Todos com o desejo e a ânsia por criar um novo

momento para a sociedade nortista, essa era a grande obra: fundar a

sociedade paraense de imigração. As palavras não foram economizadas

por Alencar Araripe, falou da sociedade de imigração como uma grande

obra divina, encomendada por uma benção celestial que só traria grandes

ganhos à sociedade, dentre eles estava um grande alcance moral a

população. Apontou necessidades para que existisse desenvolvimento na

região Norte, dentre estes estava à melhoria das comunicações e da

colonização. Suas sugestões giravam em torno do desenvolvimento das

comunicações tanto por água como por terra, com investimentos que

implicariam em melhorias no sistema fluvial e na abertura de estradas que

dessem acesso as grandes cidades do Norte. Assim seu discurso seguiu

promovendo a migração estrangeira como um artefato necessário para o

desenvolvimento da região, dito como de “suprema importância”. Um dos

momentos marcantes do discurso de Alencar Araripe é quando faz

referência a um documento de 1843, escrito por um Presidente de

Província considerado “estadista”, pois em voz firme Araripe considera

“errônea” a afirmativa de que “o Brasil deveria colonizar o Sul, e o Sul

colonizar o Norte”, a afirmativa gerou a ideia de que o Norte sempre

estaria à mercê das vontades governamentais da região Sul do país. A

polêmica afirmativa o fez relembrar que no início do século XVIII já havia

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174 • Revista Estudos Amazônicos

ocorrido imigração estrangeira para o Norte, mesmo quando existiam

apenas “brenhas e pântanos”.

O discurso de Alencar Araripe foi pontual “o Norte do país jamais será

contrário à migração estrangeira” e ainda excitou os políticos do Norte a

não se calarem diante da política do Sul e que jamais aceitassem a ideia de

que a migração europeia para estas paragens não fosse próspera e bem

vinda. Assim termina sua fala propondo a união, nada de separação, mas

sim a unificação entre Norte e Sul, sem diferenças e sem desigualdades.

Foram muitas as discussões em torno da fundação da Sociedade Paraense

de Imigração, um dos pontos mais importantes contemplava sua criação

com objetivo de promover o Pará fora do país, fazendo-se reconhecida

por toda a Europa por meio de uma propaganda imigratória. A ata trouxe

nomes de importância na sociedade paraense da época, como Barão de

Igarapé Mirim, o cônsul italiano Enrico Schivazapa, Ignácio de Moura e

José Quintino de Castro Leão. Tudo isso, para garantir aos estrangeiros a

ideia de que a migração para a América do Sul era segura, confiável, íntegra

e honesta.

A ata representou uma vitória não somente para o presidente Alencar

Araripe, mas para toda a Província do Pará, pois conseguiram afirmar uma

conquista que por anos parecia se arrastar sem qualquer possibilidade de

realização prática. Mas estes foram apenas os passos iniciais de uma

política de imigração que estava longe de ser considerada uma realidade na

região Norte do país. Após a criação da Sociedade Paraense de Imigração,

a esperança era de que aparecessem imediatamente os primeiros resultados

da política empreendida. Em princípio há um lento interesse por parte dos

estrangeiros na Amazônia, mas é somente no início do século XX, após

uma maciça campanha de atração de imigrantes no exterior, que se

desencadeou uma invasão de estrangeiros na Amazônia, muitos pela

contratação de agentes que atuavam em países europeus, principalmente

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Revista Estudos Amazônicos • 175

na Espanha (Francisco Cepeda, Antunes dos Santos, Emílio Adolfo de

Castro, dentre outros agentes da época) outros de forma clandestina.

O procedimento de contratação de agentes para introduzir imigrantes

estrangeiros na Amazônia foi adotado por muitos Presidentes de

Província, um exemplo disso é o relatório de Jose Cardoso Júnior de 04

de março de 1888. Há a aprovação do contrato do agente Frederico José

de Sant’Anna Nery para realizar a propaganda de introdução de imigrantes

no Pará aprovada na lei do orçamento de 1887, com isso, aos poucos vão

surgindo os primeiros estrangeiros interessados a migrar para a Província.

De acordo com o contrato do agente Santana Nery, o mesmo deveria

obedecer a cláusulas importantes para assegurar a introdução de cinco mil

imigrantes europeus de diferentes nacionalidades no Brasil de forma

segura. Estes poderiam ser oriundos do Norte da Itália, Espanha ou

Portugal, quer do continente, quer das Ilhas. Os imigrantes deveriam estar

com boa saúde, podendo ser mecânicos, operários, dados aos serviços da

lavoura, mas com idade de até quarenta e cinco anos, com exceção àqueles

que fossem chefes de família. Todos os imigrantes eram devidamente

registrados por classificação de nome, profissão e religião. O agente

contratante ainda poderia ter comunicação direta por telegrama com o

Presidente da Província, este direito era um dever, pois era de sua

responsabilidade informar a dia de partida das embarcações e o número

de imigrantes com destino à Província.

Logo após a chegada da expedição, o agente deveria deixar uma lista

de imigrantes na Secretaria do Governo da Província e a outra deveria ser

enviada para a Inspetoria Geral de Terras e Colonização. Os meios para

transportar os recém-imigrantes deveriam ser navios de primeira classe,

com acomodações convenientes, com higiene, comodidade e boa

alimentação. Estes imigrantes deveriam sair direto dos portos para a

capital da Província, sem nenhuma parada. Havia sido também obrigação

do agente Sant’Anna Nery que fosse realizada uma propaganda imigratória

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176 • Revista Estudos Amazônicos

por toda a Europa, para que se garantisse o interesse dos estrangeiros para

a Província paraense, então, foi produzido um “Guia do Imigrante”, uma

espécie de guia informativo que descrevia a Província e suas colônias, além

de dados Gerais para que o interessado pudesse ter informações a respeito

do Norte do Brasil.

O guia possuía uma linguagem com tom de elevação ao valor da terra

e de suas qualidades naturais, mostrava um lugar de beleza exuberante com

terras ricas e férteis, o discurso prezava pela liberdade em que o imigrante

não deveria se sentir obrigado a migrar. Assim, Ernesto Cruz comenta que

seguindo os conselhos do Dr. Santana Nery, o governo do Estado

mandou editar um guia para os emigrantes espanhóis, sob o título:

“Amazonia. Escritório de emigracion da España y lãs islas Baleares y

canárias al estado del Pará – Informacion a los españoles que desean

emigrar al Estado del Pará” e onde estavam contidas valiosas informações

de natureza histórica, geográfica, política e social.8 Foi desta forma e com

esse tom de prosperidade que milhões de europeus se sentiram motivados

a apostar tudo nessa nova terra de felicidade. O documento de 04 de

março de 1888 descreve em detalhes as normas do contrato do agente

Sant’Anna Nery. Apesar da insistência pela legalização da imigração na

Província, ainda havia certos entraves que não garantiriam todos os

direitos ao imigrante. Mesmo com a criação da Sociedade Paraense de

Imigração criada em 1885 era necessária uma comunhão política em prol

da imigração na região Norte. Foi então que, somente em 1894 é aprovada

a lei Nº 223, de 30 de junho de 1894, com o propósito de assegurar a

existência de uma imigração estrangeira dando-lhes direitos de habitantes

da Província, como alimentação, terras, moradia, proteção do estado e

auxílio saúde.

Mas, a política paraense de imigração e colonização iniciada pelos

Governadores de Província no Império que teve prosseguimento no início

da República, nos governos de Lauro Sodré (1889-1906) e Paes de

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Revista Estudos Amazônicos • 177

Carvalho (1897-1901), sofreu significativa mudança de rumo a partir de

Augusto Montenegro (1901-1909). Uma das primeiras medidas do novo

governo foi a rescisão dos contratos com os agentes de imigrantes,

alegando que eles não cumpriam todas as cláusulas do contrato, além do

que o governador considerava que os gastos com a imigração eram

vultuosos e os resultados esperados não apareciam. O ponto mais

marcante de sua mensagem de setembro de 1901 foi o que finalizou o

texto quando trata do assunto da imigração como um “mal” que necessita

de remédio. E a cura proposta seria a rescisão dos contratos de agentes,

mesmo diante de números expressivos de imigrantes estrangeiros no

Estado. Montenegro avaliava que a imigração estrangeira era um equívoco

de seus antecessores. Considerava que os gastos eram grandes e os

resultados não apareciam e isso justificaria a rescisão dos contratos.

E eis com que bases se pretendeu construir o nosso

serviço de immigração estrangeira: os resultados só

podiam ser os constatados, todos atribuíveis a quem

fez tão vexatórios e extraordinários contractos. Para

tão grandes males só há um remédio: a rescisão.9

Em 7 de setembro de 1902, o governador Augusto Montenegro enviou

mensagem ao Legislativo dando prenuncias de como seria seu novo

projeto de colonização. Comunica sua decisão de interromper o serviço

de imigração. Deixa clara sua discordância com a política migratória de

seus antecessores:

A imigração estrangeira, do modo por que foi

tentada entre nós, constituiu o maior dos erros de

que a iniciou, por meio de onerosíssimos contratos

então assinados. Dela pouco resta e com certeza

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178 • Revista Estudos Amazônicos

cada vez mais se apagarão os seus vestígios, ficando

somente para atestá-la os enormes dispêndios do

Tesouro.10

O Estado se retira da administração e os lotes são concedidos aos

colonos que os ocupavam e a migrantes nacionais que viessem a ocupá-

los. O governador Augusto Montenegro por não entender a migração

estrangeira como algo positivo se manifestou várias vezes contrário a

forma pela qual havia sido iniciada e pôs fim ao processo de colonização

no Estado por acreditar que os contratos de imigração eram caros aos

cofres públicos e que o peso da imigração estrangeira não se justificava,

haja vista que o Estado não obtinha retorno que justificasse o

investimento feito nesse projeto.

Artigo recebido em fevereiro de 2014

Aprovado em meio de 2014

NOTAS

* Doutor em Desenvolvimento Sustentável do Trópico úmido – PDTU – NAEA. [email protected] ** Mestrando em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente – Universidade da Amazônia – UNAMA. [email protected] 1 SARGES, Maria de Nazaré. “A Cidade de Belém no tempo da borracha”. In: FONTES, Edilza Joana Oliveira. (Org.). Contando a História do Pará – Os conflitos e os Grandes Projetos na Amazônia Contemporânea (Séc. XX). Belém: E. Motion, 2002, v. II, p. 3-25. 2 Idem. 3 DAOU, Ana Maria. A Belle Époque amazônica. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 4 Idem.

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Revista Estudos Amazônicos • 179

5 BURNS, Bradford. Retrato de uma cidade em expansão. Separata do Jornal de Estudos Interamericanos, Coral Gables, Florida, USA: Universidade de Miami, v. 7, n. 3, jul. 1965. 6 SARGES, Maria de Nazaré. Os portugueses na cidade: trabalho e cotidiano (Belém - 1900). In: SOUSA, Fernando; MARTINS, Ismênia; MATOS, Izilda. (Org.). Nas Duas Margens: os portugueses no Brasil. Porto: Edições Afrontamento, 2009, v. 01, p. 177-187. 7 BURNS. Op, cit. 8 CRUZ, Ernesto. A Estrada de ferro de Bragança. Belém: SPVEA, 1955. 9 Veja-se: trecho da mensagem de Augusto Montenegro em 10 setembro de 1901. http://www.crl.edu/brazil/provincial/par%C3%A1. 10 Veja-se: trecho da mensagem de Augusto Montenegro em 7 setembro de 1902. http://www.crl.edu/brazil/provincial/par%C3%A1.