176
Economia no Setor Público

Economia no Setor Público - Jackson De Toni · dos bens e serviços providos pelo Estado, na administração do sistema judiciário, na segurança pública, no fornecimento de infraestrutura

Embed Size (px)

Citation preview

Economia no Setor Público 1 O papel do Estado na Economia de Mercado

Econ

omia

no

Seto

r P

úblic

o

2

Jackson De Toni

Economia no Setor Público 3 O papel do Estado na Economia de Mercado

Econ

omia

no

Seto

r P

úblic

o

4

Jack

son

De

Toni

© 2010, ULBRA.

1ª Edição.

ISBN 978-85-7697- 122-1

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá serreproduzida por qualquer meio, sem autorização prévia do autor, por es-crito. O Código Penal Brasileiro determina, no Artigo 184, pena e san-ções a infratores por violação de direitos autorais. Qualquer semelhançaé mera coincidência.

Coordenação EditorialKarla Viviane

Editora Imprensa Livre®

Rua Comandaí, 801Porto Alegre/RS - CEP 90830-530(51) [email protected]

Catalogação elaborada por: Evelin Stahlhoefer Cotta – CRB 10/1563

D278e De Toni, Jackson

A economia do setor público / Jackson De Toni. - Porto Alegre : Imprensa Livre, 2010.

ISBN 978-85-7697-122-1

1. Economia. 2. Administração pública. I. Título.

Obra coletiva organizada pela Universidade Luterana do Brasil.Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores aemissão de conceitos.

CDU 336.13

Economia no Setor Público 5 O papel do Estado na Economia de Mercado

6

Jackson De Toni

Economia no Setor P

úblico

7

O papel do Estado n

a Econom

ia de Mercado

Apresentação

Este livro trata de temas relacionados à economia dosetor público. Vamos debater ao longo das próximas páginasas grandes questões que envolvem o funcionamentoeconômico dos governos. Qual é o papel do Estado naEconomia? Por que há bens públicos e outros são providospelo mercado? Qual o tamanho ideal do Estado? E osimpostos, que todos pagamos, são altos ou baixos? Comopoderíamos, como cidadãos, entender melhor como funcionao governo e como podemos atuar para melhorar a situaçãoatual?

O objetivo do livro é responder essas e outrasperguntas, por isso foi escrito numa linguagem acessível edistante do “economês” inacessível, mas não menos rigorosae precisa nos conceitos.

Os capítulos foram desenhados de modo a apresentarnas partes iniciais os conceitos mais básicos defuncionamento do Estado e dos governos na sua dimensãoeconômica. A seguir entramos em temas mais complexoscomo o sistema tributário, o déficit público ou modo comofunciona (ou não) o planejamento público.

Ao final de cada capítulo algumas perguntas sãocolocadas para fixar conceitos, e uma referênciabibliográfica básica é sugerida para maior aprofundamento,

8

Jack

son

De

Toni

bem como alguns sites na rede mundial de computadores,que são referência fundamental para acessar dados epesquisas recentes sobre o tema.

*Jackson De Toni é economista e tem mestrado em Planejamento Urbanoe Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1994) comênfase em Planejamento de Transportes. É professor adjunto do cursode Economia da Universidade Luterana do Brasil e do curso de CiênciaPolítica da UniDF, em Brasília. Atualmente cursa o doutorado em CiênciaPolítica na Universidade de Brasília – UnB. Foi Técnico em Planejamentoda Secretaria de Coordenação e Planejamento do Rio Grande do Sul,onde foi Diretor-Geral e Secretário Adjunto entre 1999 e 2002. Foiprofessor da UFRGS (Economia) e da Universidade Estadual do Rio Grandedo Sul (Planejamento Estratégico). Tem ampla experiência em gestão depolíticas públicas na área de desenvolvimento, monitoramento e avaliaçãode projetos. Publicou artigos sobre planejamento estratégico egovernança no setor público, no Brasil e exterior. Foi assessor especialda Presidência da República (2004/06), responsável pelo monitoramento& avaliação de projetos estratégicos de Política Industrial e Tecnológica.É professor de Planejamento Estratégico da Escola Nacional deAdministração Pública (ENAP). Foi membro do Conselho Deliberativo eGerente de Projetos da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial(ABDI, www.abdi.com.br). Atualmente é Gerente de Gestão ePlanejamento da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos– APEX-Brasil (www.apexbrasil.com.br) vinculada ao Ministério doDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Contato:[email protected].

Jackson De Toni*

Economia no Setor P

úblico

9

O papel do Estado n

a Econom

ia de Mercado

Apresentação

Sumário

ApresentaçãoCapítulo IO papel do Estado na Economia de Mercado, 11

Capítulo IIAs falhas do mercado, 23

Capítulo IIIA questão distributiva, 33

Capítulo IVO processo político, 39

Capítulo VO Orçamento Público, 45

Capítulo VIPolítica Fiscal: Déficit Pública e Dívida Pública, 69

Capítulo VIIOs Principios e a teoria da tributação, 87

Capítulo VIIIO Planejamento no Setor Público, 111

Capítulo IXO debate sobre a Reforma Tributária, 137

Capítulo XA economia da regulação e o Estado regulador, 147

10 Jackson De Toni

Economia no Setor P

úblico

11

O papel do Estado n

a Econom

ia de Mercado

Cap. I

O papel do Estado naEconomia de Mercado

O papel do Estado numa economia de mercado deve serentendido primeiramente através do aspecto histórico. O Estadofoi sempre o parâmetro de ordem social, política e econômicaque resulta da forma como a sociedade se reproduz ao longodo tempo. Desde os tempos dos antigos gregos e romanos oEstado significa um campo onde há por excelência o exercíciodo domínio e do poder. Um dos primeiros pensadores a refletirsobre o papel do Estado Moderno foi Maquiavel (1469-1527).Maquiavel estudou a decomposição das cidades-estado italianase sua lenta unificação num único estado nacional.

O problema da origem do Estado pode ser abordado atravésde três vertentes: a chamada “formação natural”, a “formaçãocontratual” e a “formação derivada”. A primeira abordagem indicaque o Estado sempre existiu, a segunda nos diz que ele resultade um acordo entre indivíduos. A abordagem natural sobre aformação do Estado identifica na ampliação dos laços familiaresa formação da sociedade civil e do Estado, uma espécie deorganizador das comunas familiares existentes. Esta teoriacombina a figura do chefe de família com o chefe político. Já nateoria contratual o Estado surge de uma convenção entre

12

Jack

son

De

Toni

homens livres que abrem mão de parte de sua liberdade paraque o Estado cuide de aspectos coletivos como a segurançacoletiva, a ordem pública ou a defesa externa. Rousseau (1712-1778), autor do “Contrato Social”, dizia que o acordo significao fim do estado de natureza e início do estado de liberdade.

Outros autores, chamados contratualistas e jusnaturalistas,como Montesquieu e Hobbes, argumentavam na mesma direção,embora houvesse diferenças quanto ao que era o “estado denatureza” (situação anterior ao pacto estatal), os objetivos docontrato ou até onde iria o poder do Estado sobre o indivíduo.Foi Platão, filósofo grego da antiguidade, que estabeleceuoriginalmente a origem do Estado como resultado da necessidadede sobrevivência dos homens que, isolados, não bastam a simesmos. Mais modernamente, após a formação dos principaisEstados Modernos, muitos autores veem no Estado a funçãode organização de proteção da propriedade. Atualmente aformação dos Estados sob o enfoque jurídico-político ocorrepor derivação como foi o caso dos antigos Estados do lesteeuropeu e da antiga URSS. Mas, o que é o Estado? Qual seriauma definição apropriada? Muitos autores definem o Estadosimplesmente como uma ordem jurídica que organiza um territórioe uma nação de forma soberana. Mas este conceito ainda émuito simplificado, como veremos a seguir.

Hoje é impossível pensar uma sociedade complexa eglobalizada sem que haja múltiplas influências do Estado. Emúltima instância o bem-estar individual depende, de várias formas,dos bens e serviços providos pelo Estado, na administração dosistema judiciário, na segurança pública, no fornecimento deinfraestrutura ou energia, por exemplo. Muitos consideram oEstado muito pesado, extenso demais, outros consideram quesua capacidade de intervenção é limitada ou que é prisioneirode grupos e corporações. Falar do Estado e de suas funçõeseconômicas num mundo que muda rapidamente como nuncamudou na história da humanidade é necessariamente um temapolêmico que divide corações e mentes.

Quando debatemos até onde deve ir a “mão visível” doEstado é difícil fugirmos de uma perspectiva normativa, isto é,do debate sobre aquilo que deve ou não ser feito, que serviçospúblicos devem ser prestados, que impostos ou taxas devem

Economia no Setor P

úblico

13

O papel do Estado n

a Econom

ia de Mercado

aumentar ou baixar e para quê. Muitas vezes no debate doseconomistas esta dimensão se confunde com a perspectivapositiva, isto é, um tipo de análise mais técnica que apenasconstata como o fenômeno econômico se manifesta,aparentemente sem um juízo de valor sobre o que é certo ouerrado. Assim, um primeiro passo é estar atento sempre para adiferença entre um debate normativo e um debate positivosobre a economia em geral e do setor público em particular.

Economia normativa: analisa os impactos dos programas dogoverno em relação aos objetivos declarados. Se o governopretende limitar a importação de petróleo, por exemplo, serápreferível estabelecer um imposto sobre a importação do quequotas.

Economia positiva: descreve o efeito de ações e medidaspolíticas, sem julgamento de valor, sem avaliar se os objetivospropostos foram alcançados ou não. Por exemplo: a imposiçãode quotas sobre a importação de petróleo nos anos cinquentanos Estados Unidos provocou um aumento dos preçosdomésticos. Outro exemplo: indivíduos de baixa renda tendema gastar uma proporção maior de seus rendimentos comconsumo de cigarro e bebidas alcoólicas, um imposto sobreestes produtos terá impacto maior nesta faixa de renda.

Talvez o maior papel do governo em uma sociedade seja ode controlar e regular o funcionamento dos conflitos. A tradiçãohegemônica no campo da economia é a crença de que o setorprivado é intrinsecamente mais eficiente que o Estado. Portantoum sistema em que as empresas privadas operem livrementetende a trabalhar melhor que aquele com uma forte presençagovernamental. Os defensores desta posição na economiaaglutinam-se em torno de uma escola de pensamento conhecidacomo “teoria neoclássica” e mais recentemente como “economiado bem-estar”. O mercado por si só atingiria o nível de equilíbrio“paretiano” (máximo bem-estar para todos, simultaneamente).Este “equilíbrio ótimo”, com pouca ou nenhuma intervenção dogoverno, tem uma série de pressupostos:

14

Jack

son

De

Toni

a. Modelo de concorrência perfeita que supõe um mercadoatomizado (centenas de produtores e consumidores), compreço formado pela competição entre empresas.b. Todos os consumidores atuam em igualdade de condições(informação).c. O progresso técnico não é uma variável relevante paraexplicar a dinâmica econômica.

Esta visão idealizada do mercado é irreal porque na verdadeexistem diversos processos que impedem o funcionamento dessespressupostos. Estes eventos ou fenômenos econômicos sãoconhecidos como “falhas de mercado”, tais como a existênciade bens públicos, as externalidades, os mercados incompletos,a existência de desemprego e inflação, por exemplo.

O enfoque da “economia do bem-estar” defende aexistência de dois teoremas normativos. O primeiro deles afirmaque o nível ótimo de equilíbrio é aquele em que não se podemelhorar a situação de ninguém sem que alguém seja prejudicado,e o chamado “ótimo paretiano” (em homenagem a VilfredoPareto, 1848-1923). O segundo teorema nos diz que todo pontode equilíbrio nas diversas possibilidades produtivas de umaeconomia pode ser alcançado desde que haja uma corretadistribuição inicial de recursos.

Eficiente de Pareto, ou um ótimo de Pareto nas trocas, ocorrese uma das afirmações abaixo são satisfeitas: I. É impossívelmelhorar a situação de um agente sem piorar a de outro. II.Não há como fazer com que todos os agentes envolvidosmelhorem. III. Não existem trocas de bens mutuamentevantajosas para serem efetuadas. IV. Esgotaram-se (foramrealizadas) todas as trocas de bens mutuamente vantajosas.V. Todos os ganhos de comércio foram exauridos. VI. Osagentes igualaram suas taxas marginais de substituição entreos bens disponíveis na economia. VII. As curvas deindiferença dos agentes, plotadas na caixa de Edgeworth,são tangentes.

O Estado é necessário para evitar que as falhas de mercado

Economia no Setor P

úblico

15

O papel do Estado n

a Econom

ia de Mercado

inviabilizem, em última instância, a economia baseada na troca.Por exemplo, o Estado é essencial para evitar o caos resultanteda monopolização crescente da economia, para legitimar o direitode propriedade, para controlar as operações financeiras,regulando a atividade econômica mais sensível. O Estado temainda um papel fundamental no processo de desenvolvimentotecnológico. A mudança técnica é por si um mercado onde atendência do capital privado é o desinvestimento pela dificuldadede manter direitos de propriedade sobre a difusão doconhecimento técnico. Questões vinculadas à sustentabilidadeambiental do processo produtivo não representamhistoricamente um incentivo econômico à preservação, nãotem preço no mercado, faz-se necessária a intervençãoreguladora do Estado, acima dos interesses atomizados econflitantes dos agentes econômicos.

Nas economias mais modernas, sobretudo após a SegundaGuerra, durante os primeiros trinta anos de “Estado do Bem-estar Social” (um misto de alto nível de emprego, altos gastosdo governo e impostos e pacto social entre trabalhadores eempregadores), um terço da renda é pública. Em alguns paísesescandinavos a participação do Estado supera os 50% daeconomia. O governo pode atuar diretamente na produção ouindiretamente através do sistema legal, dos mecanismosregulatórios, subsídios diretos e indiretos, fomento de bancosoficiais, etc. Mesmo em países onde historicamente a ideia do“Estado forte” foi combatida, 1/3 da renda nacional advém deimpostos. Serviços importantes como a administração doscorreios e telégrafos, a gestão da política monetária (BancoCentral), etc. são serviços públicos, além de boa parte dainfraestrutura de estradas, portos e aeroportos.

Sem a intervenção do Estado dificilmente seria asseguradaa reprodução e expansão da poupança e investimento privadose, portanto, do próprio setor privado. Como disse um importanteeconomista inglês da primeira metade do século XX, cabe aoEstado proteger o capitalismo dos próprios capitalistas. Ele fazisto assegurando as condições de investimento, ao regular aforça de trabalho ou fazer estradas, manter a ordem social egarantir a reprodução da força de trabalho (educação, saúde,etc.) ou regulamentar a existência de cartéis e monopólios.

16

Jack

son

De

Toni

Nos anos 80 e parte dos anos 90 surgiu com força nosEstados Unidos e Europa a ideia de que o governo e o Estadodeveriam diminuir seu peso na economia. Havia razõesconjunturais para isso, relacionadas ao logo período conhecidocomo “welfare state” no pós-guerra quando se acumularamgigantescos déficits fiscais para financiar o bem-estar social.O resultado foi, na maioria dos países desenvolvidos, queda docrescimento econômico, inflação, desemprego e descontrolemonetário. Isto sem falar dos aumentos abruptos do petróleonos anos 70 e 80, o que gerou uma inflação de custos emmuitos países.

Outro motivo foi a força ideológica de governosconservadores, como foram os dois mandatos de Reagan (1981-1989) e Thatcher na Inglaterra (1979-1990), gerando umaonda de privatizações, desregulamentação do mercado detrabalho, eliminação de programas sociais e subsídios e aberturacomercial indiscriminada. Em 1989 ocorreu uma famosaconferência em Washington de economistas dos países ricosque propuseram um receituário de política econômica conhecidocomo “Consenso de Washington” assumido pelo Fundo MonetárioInternacional nos anos 90. Este movimento ficou conhecidocomo “neoliberalismo”, atualmente bastante enfraquecidoteoricamente.

O fato é que desde a grande crise de 1929, que mostrou ocaos do mercado deixado à sua própria sorte e das contribuiçõesde John Maynard Keynes sobre a necessária atuação do Estadopara combater as crises, não é possível ignorar o crescente eirreversível papel dos governos no funcionamento da economia.Keynes propunha simplificadamente que o governo deveriadirecionar suas despesas para aquecer a economia gerandomaior demanda (nível de compras públicas e privadas) egarantindo estabilidade para os investidores. Muitos paísesemergentes adotaram políticas keynesianas para impulsionar ociclo de industrialização básica, como será visto em detalhesmais adiante.

A crise do setor cafeeiro nacional que impulsionava aeconomia brasileira foi neutralizada, em parte, porque o Estadoresolveu garantir a efetividade da demanda, comprando oexcedente não vendido e queimando os estoques. Este episódio

Economia no Setor P

úblico

17

O papel do Estado n

a Econom

ia de Mercado

não representou um benefício indevido ao setor cafeeiro, masimpediu que o desemprego e a queda de investimentos sealastrassem para o conjunto da economia. O pagamento dessasaquisições foi feito através da fabricação de moeda, istorepresentou um aumento da inflação, assim o custo destapolítica acabou sendo pago pelo conjunto da população.

A economia moderna é um sistema complexo em que osetor público e privado interagem constantemente. Em muitaseconomias a participação do setor público ou da parte dogoverno (impostos e gastos públicos) atinge valores entre 50%e 60%, como é o caso dos países do norte da Europa, porexemplo. É impossível ignorar a ação dos governos na realidadeeconômica, pois a regulamentação de leis trabalhistas, adefinição de políticas fiscais ou tributárias, por exemplo, atingemfortemente todos os setores econômicos. Para tentar entendero papel complexo e preponderante do Estado na economiamoderna, tradicionalmente identificamos três funções básicaspara o Estado capitalista moderno: uma função alocativa, umafunção redistributiva e uma função estabilizadora.

A função alocativa se relaciona diretamente com acapacidade que o Estado tem (ou não) em prover determinadosbens e serviços à sociedade através do sistema de mercado(ou de formação de preços no mercado). Esses bens,denominados de “bens públicos”, são aqueles cujo o sistemade preço livre de mercado (interação entre a oferta e a procuraeconômica) é ineficiente para estimular a produção no pontomais otimizado. Por exemplo, as atividades relacionadas à defesanacional ou à produção de informações meteorológicas ou detráfego aéreo são de consumo amplo, não se pode excluirindivíduos do seu consumo, e este consumo não sinaliza aquantidade ótima de demanda desses bens ou serviço. Diz-seque o consumo de um bem público é “não rival”, isto é, o seuuso por um indivíduo não exclui ou diminui o potencial de usopor outro indivíduo qualquer. No caso de um bem privado, umautomóvel por exemplo, o consumo por um indivíduo excluiautomaticamente o consumo e o benefício para outrosindivíduos.

Nos bens autenticamente públicos não há esta relação de“rivalidade” ou de exclusão mútua dos benefícios pelos seus

18

Jack

son

De

Toni

consumidores. O consumo de um bem público gera benefíciosque são externalizados, ou seja, estão disponíveis à coletividade,ao contrário do consumo de bens privados, que sãointernalizados. Na economia privada, as trocas entre ofertantese demandantes acaba por formar preços que podem subir, baixarou permanecer estacionários. As oscilações de preço aconteceme sinalizam como termômetros os comportamentos deconsumidores e produtores. Nos bens públicos isto não acontecebasicamente porque os direitos de propriedade não vigoram damesma forma. Numa economia privada a propriedade sobre bens,fatores ou processos produtivos assegura a exclusão dos nãoproprietários que só podem usufruir destas mercadorias mediantepagamentos específicos. Os bens públicos não podem serexcluídos, imaginem por exemplo se seria possível excluir alguémdo consumo de iluminação pública, ou dos serviços de segurançapública, ou dos serviços de sinalização do trânsito e assim pordiante.

Em outras palavras, os bens públicos puros são “nãoexcludentes”, ou seja, é impossível excluir ou aplicar o “princípioda exclusão” em relação a um ou mais consumidores ouindivíduos. Os governos não podem então definir a quantidadeótima a ser produzida por determinado serviço a partir dosmecanismos de preços ou da aplicação do princípio da exclusão.O consumo de um bem público puro não afeta significativamenteo custo de sua produção. Portanto o consumidor de serviçospúblicos não tem nenhum estímulo para declarar aberta epublicamente qual o valor que determinado serviço público tempara ele.

Lembre-se que, numa relação mercantil qualquer, nós“declaramos” o valor que determinada mercadoria ou serviçotem para nós ao pagarmos uma quantia monetária específicapara ter o seu uso ou posse. Já que o serviço público seráoferecido independente do seu uso, a tendência do indivíduomédio é “usufruir sem pagar” ou atuar como um “free rider”,em inglês, ou seja, como um “carona”. Para resolver esteproblema, “o que” e “quanto” produzir de bens públicos puros,há outros mecanismos que a sociedade construiu através decentenas de anos de construção dos Estados que são outrasformas de sinalização e indicação de preferências, como os

Economia no Setor P

úblico

19

O papel do Estado n

a Econom

ia de Mercado

sistemas de voto, eleições, plebiscitos, etc.O sistema de votação acaba cumprindo um papel de

substituto para o sistema de mercado no caso dos bens púbicos.É claro que os sistemas de votação estão sujeitos a todo tipode imperfeição como a desigualdade no acesso à informaçãorelevante para decidir ou à heterogeneidade de preferênciasentre eleitores. Entretanto, supondo certas condições ele poderevelar as preferências de determinada comunidade em relaçãoa certo bem ou serviço público, ou alguma característicaespecífica deste serviço. As eleições, ao contrário do mercado,exigem porém um alto nível de conformidade com seus resultadosfinais. Não podemos sem arcar com consequências indesejáveis,por exemplo, recusarmos a construção de uma estrada ou deum hospital após o processo político que as definiu como obrasprioritárias. Em se tratando de bens privados podemos,teoricamente, decidir se compramos ou não, se nosconformamos ou não com determinada oferta de bens e serviços,enquanto consumidores.

Em determinadas situações a tecnologia para produzir ouo tipo de serviço a ser oferecido inviabiliza a produçãoeconomicamente rentável por mais de um ofertante. Nessecaso estabelece-se a condição de monopólio, geralmenteassociado aos ganhos de escala que se pode obter (reduçãode custos), a produção pode ser feita diretamente pelo Estado,pelo capital privado regulado, pelo Estado ou por um monopólioprivado. Outras vezes o Estado age determinando compensaçõesentre indivíduos que sofrem involuntariamente efeitos daschamadas “externalidades”. Uma externalidade econômica podeser positiva ou negativa, será positiva se os benefícios sociaisde determinada atividade forem maiores que os benefíciosprivados, do seu proprietário ou produtor.

Será uma externalidade negativa se os benefícios sociaisforem inferiores aos benefícios privados. Por exemplo, umafábrica que produz celulose e que para isso polui um rio que éfonte de captação de água para uma cidade ou de irrigaçãopara lavouras é um exemplo típico de externalidade negativa. Afunção do Estado se torna real e necessária para compensaros efeitos negativos, normalmente estabelecendo multas eimpondo medidas compensatórias para a fonte geradora de

20

Jack

son

De

Toni

poluição. As partes envolvidas dificilmente conseguirãoestabelecer um nível de transação por elas mesmas para corrigireste problema, os custos de transação, a assimetria deinformações e as desigualdades de poder seriam obstáculosintransponíveis.

Resumindo, a função alocativa demonstra que para umasérie de casos e situações não é desejável ou interessantepara a empresa privada produzir. O governo assume a funçãode prover no caso de bens de acesso livre e gratuito ou produzirbens e serviços, no caso da água tratada ou da eletricidade,cobrando tarifas subsidiadas através de empresas públicas.

Uma segunda função importante do Estado Moderno é afunção redistributiva. Todos nós sabemos que numa economiade mercado a renda pessoal está profundamente relacionada àposse ou à propriedade dos fatores produtivos, como empresas,terra, prédios, etc. Teoricamente o mecanismo de preço tenderiaa igualar a posse dos fatores de acordo com a produtividadedos mesmos, inclusive a produtividade do trabalhador quedepende do seu nível de formação, experiência, etc. Entretanto,a formação de preço no mercado ocorre em condiçõesimperfeitas. Por exemplo, há estoques de riquezas que sãoherdados, monopólios, acessos diferenciados a bens públicos,todo tipo de discriminação de origem não econômica (racial, degênero, social, etc.).

Esses processos produzem uma distribuição imperfeita darenda e distante dos padrões mais razoáveis de equidade ejustiça social. Em geral cada sociedade, em cada momentohistórico de sua evolução, adota valores e princípios morais eéticos sob os quais as políticas públicas de caráter redistributivovão operar. Sociedades de maturidade democrática maior, commaior grau de desenvolvimento e maior nível de escolaridade,tendem a adotar níveis de tolerância mais estreitos às diferençassociais e econômicas. Os mecanismos de “renda mínima”,subsídios ao consumo de bens e serviços para famílias de baixarenda ou incentivos fiscais diferenciados são exemplos deinstrumentos usados para esta finalidade.

A função estabilizadora está relacionada às ações dogoverno para estabilizar os principais preços da economia. Opleno emprego, a estabilidade de preços e o crescimento

Economia no Setor P

úblico

21

O papel do Estado n

a Econom

ia de Mercado

econômico são objetivos buscados pela estabilizaçãoeconômica. A política econômica, que em condições normaisatua através das políticas de cunho monetário e de cunhofiscal, relaciona-se à busca de objetivos macroeconômicos. Apolítica monetária, por exemplo, está vinculada à fixação dataxa de juros, ao mecanismo de redesconto bancário, ao controleda taxa de câmbio, ao volume de crédito disponível, etc. Já apolítica fiscal se relaciona com a gestão dos tributos cobradospelo governo e sobretudo ao modo como o governo gasta osrecursos públicos e os impactos desses gastos na economiacomo um todo.

A inclusão do governo no modelo de circulação de bens ede moeda (conforme ilustração abaixo) irá representar aintrodução de dois novos componentes: os tributos como umvazamento de renda do esquema, e os gastos e transferênciasdo governo como uma injeção no fluxo da renda de famílias eempresas.

Quadro 1

22

Jack

son

De

Toni

ReferênciasCORAZZA, G. Teoria Econômica e Estado (de Quesnay aKeynes), Porto Alegre: FEE, 1986.

FILELLINI, A. Economia do Setor Público. São Paulo:Ed. Atlas, 1994.

GENEREUX, J. Introdução à Política Econômica. SãoPaulo: Ed. Loyola, 1993.

GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. Finanças Públicas – Teoria ePrática no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

LONGO, C.A e TROSTER, R.L. Economia do Setor Público.São Paulo: Ed. Atlas, 1993.

MUSGRAVE, R. Teoria das Finanças Públicas. São Paulo:Ed. Atlas, 1974.

REES, R. A Economia da Empresa Pública. Rio de Janeiro:Ed. Zahar, 1979.

RIANI, F. Economia do Setor Público: uma abordagemintrodutória. São Paulo: Ed. Atlas, 1990.

SILVA, L. M. Contabilidade Governamental. São Paulo:Ed. Atlas, 1996.

VALÉRIO, W. P. Programa de Direito Tributário. PortoAlegre: Ed. Sulina, 1992.

Autoavaliação1. Qual é o papel do Estado na sociedade?

2. Qual a relação entre as funções básicas do Estado?

3. Explique com suas palavras o que é um “bem público”?

23

As falh

as do mercado

Economia no Setor P

úblico

Cap. II

As falhas do mercado

A economia de mercado, regulada pelo livre jogo de preços,pode estabelecer teoricamente condições de equilíbrio eotimização dos fatores de produção. Esta condição é conhecidana teoria econômica convencional como o “ótimo paretiano”,em alusão ao pensador italiano Vilfredo Pareto. Este princípionos diz que o sistema econômico atinge sua situação de equilíbrioquando não é possível mais melhorar a situação de um indivíduo(seu nível de utilidade ou bem-estar), sem que seja diminuído obem-estar de outro indivíduo simultaneamente. Neste nível aprodução de todos os bens e serviços seria máxima, comutilização plena e mais produtiva de todos os fatores deprodução (terra, trabalho, capital, tecnologia, etc.).

Não seria possível produzir mais quantidade de um bemsem que fosse diminuído a produção de outros bens. Todos osagentes econômicos, empresários, trabalhadores e governo,atuariam em harmonia, utilizando o máximo de seu potencial eprodutividade. Os consumidores obteriam o máximo de satisfaçãocom os bens e serviços à disposição, e os produtores o máximode lucratividade. Entretanto, essas condições só se encontramnaquilo que a teórica econômica chama de “concorrência

24

Jack

son

De

Toni

perfeita”, quando o livre jogo dos preços se ajustam aomovimento também livre da oferta e da demanda.

Nesta situação hipotética, os preços funcionam como“sinalizadores” ideais para os empresários sobre a quantidade aser produzida e ofertada e sobre as quantidades a seremconsumidas pelos consumidores. Na vida real não é isto queacontece. Uma série de eventos, processos e condiçõeseconômicas e outras não econômicas, de natureza social, políticaou institucional, impede este funcionamento ótimo ou“paretiano” do mercado. Este modelo funciona mais como umponto de referência teórico na teoria econômica do que adescrição de algo realmente existente.

As chamadas “falhas de mercado” são, portanto, situaçõesou eventos em que o equilíbrio e a otimização dos fatoresprodutivos não podem ser atingidos sem que haja umaintervenção externa. Esta intervenção externa é exatamentea origem da atuação do Estado na economia. Há basicamentetrês tipos de falhas de mercado: aquela relacionada à existênciade bens públicos puros, as economias de escala e indivisibilidadesde certos bens e serviços produzidos pelo setor privado e aquelarelacionada aos bens de propriedade comum, cujo consumonão permite exclusão, como os recursos naturais (petróleo,por exemplo). Vamos ver com mais detalhe como cada uma semanifesta.

Não rivalidade: o custo de inclusão é nulo ou muito baixo,isto é, o consumo por parte de um agente não impede oconsumo por parte de outro agente.

Já vimos que o consumo não rival e não excludente éaquele tipo de consumo que não reduz a disponibilidade daquelebem ou serviço para outros consumidores. Em outras palavras,para o provedor desses bens (o Estado) não há custo adicionalpara atender a demanda de um consumidor adicional. Pense,por exemplo, no fornecimento de iluminação pública ou namanutenção das forças armadas (o que poderia ser um “serviço”de defesa nacional), não há como individualizar o consumo ouexcluí-lo de outros consumidores, os serviços estãopermanentemente disponíveis para todos, independente de suas

25

As falh

as do mercado

Economia no Setor P

úblico

preferências, disponibilidades financeiras ou utilidade. Para essesbens as pessoas normalmente estão estimuladas a “usufruirsem pagar”, é a figura do “carona” ou do “free rider”.

Não exclusividade: o custo de exclusão é infinito ou muitoalto e portanto não existe um mecanismo de exclusão (acatraca) que impeça o problema do “carona” (FREE RIDER) eportanto sua provisão privada é ineficiente.

O raciocínio é simples: se um indivíduo qualquer podeusufruir os benefícios de um bem ou serviço sem que haja umpagamento individualizado pela parte consumida ou utilizada,por que ele deveria fazê-lo? Não é por outro motivo que opagamento de impostos e outros tipos de tributos sãocompulsórios, obrigatório para todos os indivíduos de acordocom sua renda, patrimônio, capacidade de pagamento, etc.,caso contrário, seria muito difícil e mesmo inviável para o Estadomanter esses bens e serviços conforme a sociedade demanda.Outro exemplo interessante poderia ser um serviço de vigilâncianoturna em determinada rua.

Se todos pagam pelo serviço, provavelmente os benefíciossejam proporcionais aos custos para todos os moradores. Comoneste tipo de serviço é impossível excluir os não pagantes dobenefício (o vigilante noturno produz um efeito de segurançapara toda a rua!), haverá uma tendência de aumento de custospara os pagantes que restam. Isto produzirá com o tempo umatendência de redução do serviço de vigilância em relação àsnecessidades dos moradores daquela rua. O mesmo processo,guardadas as devidas proporções, acontece com serviços ebens públicos de uma forma geral.

Uma comparação entre dois bens, um de natureza públicapura e outro de natureza pública não pura, pode ser viso natabela seguinte:

Bem ou serviço

Excludente

Rival

“Vigilância noturna” “Abastecimento de água”

Quadro 2

Não é, pois é impossível“cancelar” o benefício paraum consumidor individual.

É excludente, porque épossível interromper ofornecimento de água.

Não é, pois a quantia desegurança é dadaindependentemente dasdemandas individuais.

É rival, pois o consumo damesma água não pode sersimultâneo para duaspessoas.

26

Jack

son

De

Toni

Para um bem privado a eficiência de sua produção estárelacionada ao benefício que ele produz (ao ser consumido) emrelação ao custo de sua provisão, isto é, de sua produção oufabricação. No caso dos bens públicos, o benefício que elegera, a utilidade ou nível de bem-estar que ele proporciona, édado pela soma de todos os benefícios individuais. É umasituação em que o benefício coletivo ou social é sempre maiorque o benefício individual. A teoria econômica chama estefenômeno de “externalidade”, que pode ser positiva se obenefício social é maior, ou negativa, se o benefício social émenor. Nos bens privados os benefícios são internalizados, quemcompra uma casa para seu próprio uso “internaliza”, isto é,absorve todos os benefícios desta compra.

Bem público puro: (I) custo de inclusão zero, (II) custo deexclusão infinito, (III) não rival, (IV) não exclusivo, (V)indivisível.

Um bem público puro, ao contrário, produz no seu consumoexternalidades positivas que geram benefícios difusos para todaa sociedade. Imagine por exemplo um indivíduo que sejavacinado, o benefício pessoal é evidente, mas sua condição deimunidade contribui para a diminuição da propagação da doençae gera, portanto, um benefício social crescente. A oferta deeducação básica gratuita e universal é outro exemplo. Na medidaem que os indivíduos se escolarizam, as externalidades positivasse manifestam cada vez mais, no aumento da produtividade daeconomia, na melhoria dos níveis de renda e consumo, etc. Atabela a seguir resume esses argumentos.

Quadro 3

Características Bem Privado Puro Bem Público Puro

Divisibilidade Divisível Indivisível Exclusão Exclusivo Não Exclusivo Consumo Individual Coletivo Rivalidade Rival Não Rival Provisão Privada Pública Financiamento Preço Imposto Princípio Dominante Soberania Conformidade

27

As falh

as do mercado

Economia no Setor P

úblico

O problema das externalidades, uma das fontes das falhasno mecanismo de mercado, pode assumir uma complexidademaior. Imagine por exemplo o caso dos automóveis que produzempoluição. A poluição ao criar problemas respiratórios torna-seuma fonte de despesas para os cidadãos e para o Estado atravésdo incremento dos gastos com saúde pública. Como resolvereste problema? Teoricamente o Estado deveria imputar um custoaos proprietários de automóveis capaz de compensar ouestabelecer uma proporcionalidade entre o benefício queusufruem (a locomoção através do automóvel) e o custo socialque geram (as despesas públicas com saúde). Mas na práticaeste tipo de problema não é de fácil solução.

Nem sempre é possível identificar a fonte dos custossociais, estabelecer claramente os direitos de propriedade,muitas vezes há dificuldade de individualizar o processo, quempagaria neste caso, os motoristas? Os proprietários dos veículos?As fábricas que produzem carros poluidores? Teoricamente opreço de venda dos veículos deveria incorporar este “custosocial” mascarado, elevando seu valor e provavelmente tendoimpacto na quantidade demandada de veículos. Questõeseconômicas, jurídicas e até políticas limitam a ação do Estado.Algumas vezes o máximo possível é criar um sistema deincentivos (positivos ou negativos), estabelecendo, por exemplo,normas produtivas, selos de certificação, multas para desviosdo padrão, etc.

Bem meritório ou quase-público: (I) Não Rival e Exclusivo.(II) Cuja provisão por parte do Estado não pode ser fornecidaem quantidade para todos. (III) De consumo obrigatório eportanto fere o princípio da soberania do consumidor (IV)Indivisível ou divisível com margens externas significativas

Num mercado competitivo normal a eficiência ocorre quandoo preço reflete uma igualdade entre o custo do último bemproduzido (o custo marginal) e a respectiva receita que estebem proporciona ao ser vendido (a receita marginal). Há,contudo, bens e serviços que estão sujeitos ao que a teoriaeconômica chama de monopólios naturais. Isso acontece porquenormalmente uma única empresa, fábrica ou indústria produzirá

28

Jack

son

De

Toni

esses bens e serviços com custo unitário (o custo de cadaproduto) menor do que em uma situação na qual houvessevárias empresas concorrentes.

Imagine, por exemplo, os serviços de saneamento básicoem uma cidade, cada empresa teria sua rede própria detubulações? Quanto isto iria repercutir no preço final para oconsumidor? Não é difícil deduzir que há serviços, como oabastecimento de energia, que precisam ser regulados peloEstado para evitar que a produção esteja aquém dasnecessidades da sociedade ou o preço acima do seu custo deprodução, admitindo-se uma margem socialmente aceita delucro ou retorno sobre o capital investido. Há casos em que ogoverno prefere operar diretamente na produção dessesserviços, em outros o governo estabelece um sistema deregulação do mercado, definindo preço dos insumos, margense quantidades a serem produzidas.

Uma das formas adotadas pelo Estado para resolver esteproblema, quando há custos decrescentes e economias deescala, é fazer uma discriminação de preços. É por isso que atarifa de energia elétrica, por exemplo, é diferenciada conformeo tipo de consumidor: para empresas e grandes consumidoresé uma, para consumidores residenciais é outra.

Outra fonte das falhas de mercado é a situação na qual éimpossível ou muito custoso atribuir um preço ou exercer odireito de propriedade sobre determinados benefícios que sãousufruídos, isto é, absorvidos, de forma livre pelo mercado. Oexemplo clássico é o caso do produtor de maçãs vizinho doprodutor de mel. A florada das maçãs gera uma externalidadepositiva sobre o produtor de mel porque a florada é um benefíciosem custo aproveitado pelo dono do apiário. O néctar é umbem privado, mas seu preço não incorpora o custo real e nãoincorrido que a florada de maçãs proporciona. Os economistasdizem que neste caso o néctar comandaria um “preço sombra”,isto é, um benefício não incorporado no preço, portanto, umatendência de aumento da oferta de mel.

Os produtores de maçãs não têm meios ou instrumentoslegais de receber alguma remuneração pelo néctar do vizinho,o mercado não lhes assegura este “preço sombra”. A propriedade“comum” deste benefício está por trás deste fenômeno. Esta

29

As falh

as do mercado

Economia no Setor P

úblico

situação conduz teoricamente a uma suboferta de maçãs, seas maçãs incorporassem o benefício que geram para o apiárioteriam um preço maior, estimulando mais produtores. A exclusãodo benefício para o apiário é impossível (não há como evitarque as abelhas tenham acesso às flores), neste caso o equilíbriode mercado (aquele ponto onde vigora um mesmo preço parademandantes e ofertantes) ocorrerá num ponto inferior ao ideal.E se os produtores de maçãs pudessem cobrar pelo néctar dasflores? Aí sim haveria um incentivo adicional (maior expectativade receita futura) para produzir mais maçãs e o ponto deequilíbrio deste mercado provavelmente seria maior. Os direitosde propriedade (o néctar) implicam exclusão e permitem arealização de trocas mercantis convencionais (a cobrança pelonéctar). Quando esses direitos são difusos ou impossíveis dedefinir, faz-se necessária a presença do Estado para equilibraro jogo entre compradores e vendedores e assegurar osbenefícios sociais e coletivos.

Rendimentos crescentes de escala: um aumento nos insumoscausa um aumento mais que proporcional na quantidadeproduzida, ou seja, se a firma duplicar seus insumos (usar odobro de mão de obra e capital) então a produção mais queduplicará; se triplicar seus insumos, então sua produção maisque triplicará. Se a função de produção for homogênea degrau maior que 1, então ela possui rendimentos crescentesde escala.

Uma empresa que opera em regime de monopólio comeconomias de escala tende a produzir uma quantidade menordo que a possível a um custo maior. O Estado deve assegurar acobertura desse déficit. Além da discriminação de preços, oEstado também pode adotar uma tarifa maior para os momentosde maior uso do serviço, supondo que há consumidores quevalorizam mais o consumo daquele serviço. Nos períodos depico, quando a demanda excede a capacidade de oferta, opreço final dependerá da demanda, nos períodos de entre-picoo preço será menor. O debate sobre as tarifas públicas envolveainda outros elementos importantes como a relação entreeficiência (cobrar pelo custo) e equidade (garantia de

30

Jack

son

De

Toni

atendimento universal), grau de essencialidade do serviço quemuda de acordo com a renda dos indivíduos, problemas deregulação dos serviços, etc.

Resumo das falhasde mercado» Externalidades: o exemplo mais fácil de entender é a

poluição. Quando dirigimos carros poluentes estamos consumindoum produto sem pagar um centavo pelos custos adicionais queoutros consumidores ou o governo terão com despesas nosistema de saúde. Podem ser negativas ou positivas e umaforma de diminuir seu impacto é criando mecanismos deincentivo e penalização econômica para os geradores deexternalidades, trazendo seus efeitos para dentro do mercadoonde terão um preço e preferências explícitas. O problematambém está relacionado à identificação dos direitos depropriedade em algumas atividades, daí a intervenção do Estadopara arbitrar perdas e ganhos entre os diversos grupos sociais.

» Mercados incompletos: no mundo real o equilíbrio éapenas uma utopia usada mais como ideologia do que ciência.A informação é imperfeita e há sempre custos de transaçãoque não entram nos preços daquilo que é comprado ou vendido.A ineficiência na alocação de recursos é generalizada e conduzao subemprego permanente.

» Assimetria de informação: os agentes econômicos nãosabem se a troca que estão fazendo ocorre em nível ótimo, aomelhor preço, com o máximo de benefícios. A presença deinformação imperfeita, ou seja, parcial, incompleta, distorcida,dá um poder adicional de monopólio a quem a controla. A nãorevelação de preferências ao consumir um bem público puro éum tipo de informação imperfeita.

» Oferta de bens públicos: o mercado privado nãogarante, e não é porque todos os cidadãos devem ter direitomoral à segurança pública, ao serviço judiciário ou informações

31

As falh

as do mercado

Economia no Setor P

úblico

meteorológicas. O motivo é menos nobre e mais calculista: nãoé possível estabelecer um preço vinculado ao custo de produçãodo serviço. Isto acontece porque não há exclusão ou rivalidadede consumo. O consumidor tende a ser um “carona”, usufruirsem pagamento. Em economia, dizemos que o custo marginal(o custo da última unidade produzida) de um bem público puro(indivisível) tende a zero, portanto seu preço também o será.

» Desenvolvimento, emprego e estabilidade:principalmente em economias em desenvolvimento, a açãogovernamental é muito importante no sentido de gerarcrescimento econômico através de bancos de desenvolvimento,criar postos de trabalho e buscar a estabilidade econômica.

» Falhas na competição: A economia atua em condiçõesde concorrência imperfeita. O que conduz ao surgimento depolíticas antitrustes, para evitar que as firmas formem conluiosou que firmas individuais não obtenham uma parcela suficientedo mercado em que atuam, o que tende a produção sub-ótimaa preços mais elevados. Nos monopólios, normalmente o customédio mínimo é muito alto, consequentemente, o produto deuma única firma deveria absorver uma grande parcela domercado. A fragmentação do mercado elevaria ainda mais oscustos. Exemplos de monopólio natural: telefonia e eletricidade.Nesses casos é fundamental a intervenção do governo, quetanto pode ser direta, como no caso da Inglaterra e Brasil, ouindireta, via regulação como nos Estados Unidos.

ReferênciasCORAZZA, G. Teoria Econômica e Estado (de Quesnaya Keynes). Porto Alegre: FEE, 1986.

FILELLINI, A. Economia do Setor Público. São Paulo: Ed.Atlas, 1994.

GENEREUX, J. Introdução à Política Econômica. SãoPaulo: Ed. Loyola, 1993.

32

Jack

son

De

Toni

GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. Finanças Públicas – Teoria ePrática no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

LONGO, C.A e TROSTER, R.L. Economia do Setor Público.São Paulo: Ed. Atlas, 1993.

MUSGRAVE, R. Teoria das Finanças Públicas. São Paulo:Ed. Atlas, 1974.

REES, R. A Economia da Empresa Pública. Rio de Janeiro:Ed. Zahar, 1979.

RIANI, F. Economia do Setor Público: uma abordagemintrodutória. São Paulo: Ed. Atlas, 1990.

REZENDE, F. Finanças Públicas. São Paulo: Ed. Atlas,1994.

SILVA, L. M. Contabilidade Governamental. São Paulo:Ed. Atlas, 1996.

VALÉRIO, W. P. Programa de Direito Tributário. PortoAlegre: Ed. Sulina, 1992.

Autoavaliação1. Relacione pelo menos uma das funções do Estado como problema das externalidades.

2. Por que o “consumo” de segurança pública é consideradoum bem público?

3. O que significa a expressão: “os preços funcionam comosinalizadores”?

33

Questão distributiva

Economia no Setor P

úblico

Cap. III

A questão distributiva

Uma das atribuições mais importantes do Estado no campoda economia é assegurar que a renda seja distribuída na formamais justa possível, respeitando os princípios da eficiênciaeconômica. Parece óbvio que a distribuição da renda, ou seja,o que cada indivíduo pode ganhar, depende diretamente daposse dos fatores produtivos, da propriedade desses fatores.As rendas auferidas pelo trabalhador, por exemplo, dependemdo conjunto de habilidades deste indivíduo (geralmente vinculadasao nível de escolaridade) e da disposição para o trabalho emdetrimento de outros usos para o tempo disponível, o lazer, porexemplo.

As rendas do capitalista, o proprietário da empresa derivada propriedade de instalações, máquinas e equipamentos, istopode ter sido decorrência de uma poupança prévia, herançasou outras origens. O problema é que na economia real aremuneração dos fatores está quase sempre longe de suaprodutividade marginal, isto é, não corresponde necessariamenteao benefício que proporcionam. Isto acontece porque háimperfeições no mercado, como já vimos, fatores institucionaiscomo a discriminação racional ou de gênero faz com que

34

Jack

son

De

Toni

trabalhadores negros e mulheres recebam remunerações médiasmenores do que brancos e homens para trabalhos equivalentes.

Quando o governo determina, por exemplo, um salário mínimo(que deveria ter a função de garantir a reprodução mínima dotrabalhador e sua família), está interferindo no sistema de preçose estabelecendo um preço mínimo para a força de trabalho,abaixo do qual teoricamente não poderia haver compra desteproduto, a capacidade de trabalho.

Na teoria econômica, um dos instrumentos utilizados paramedir esta distribuição da renda (salários, lucros, juros ealuguéis) é a chamada “Curva de Lorenz”. Ela expressamatematicamente uma relação entre as várias porcentagensde renda atribuídas a porcentagens de famílias, classificadasacumulativamente. Por exemplo, qual o percentual de rendaque é atribuído à faixa de 20% da população mais pobre? Qualpercentual da renda é atribuído a 40% da população? E assimpor diante. A seguir, uma tabela que permite expressar esteraciocínio.

Quadro 4

População 1200 1200 1200 1200 1200 Renda $ 60.000 $ 90.000 $ 26.000 $ 10.000 $14.000

Como a população total é de 6.000 indivíduos, cada colunarepresenta um percentual de 20% do total da população. Arenda total é a soma de todos os percentis, ou seja, $ 200.000.Assim podemos ver que os 20% mais pobres da populaçãoganham somente 5% da renda total, enquanto que os 20%mais ricos detêm 45% da renda. Se ordenarmos em ordemcrescente teremos:

Quadro 5

População 20% 20% 20% 20% 20% Renda 5% 7% 13% 30% 40%

A “Curva de Lorenz” é construída quando esses valoressão acumulados, por exemplo, para os 20% mais pobres a rendaserá de 5%, para os 40% mais pobres, a renda será de 12%,para 60% da população a renda será de 25% e assim por diante.

35

Questão distributiva

Economia no Setor P

úblico

O eixo horizontal representa o percentual da população enquantoo eixo vertical representa a renda acumulada até que 100% dapopulação corresponda, evidentemente, a 100% da rendarecebida.

Pode-se observar claramente que quanto mais próxima dovértice esquerdo inferior, quanto maior a “barriga” da curva,pior será a distribuição da renda. Os países com renda maisbem distribuída, como é o caso de alguns países do norte daEuropa, a curva de Lorenz se aproxima da diagonal (que divideo gráfico em partes iguais) que representa idealmente umadistribuição absolutamente igualitária da renda.

Quanto mais concentrada for a renda, um maior númerode pessoas receberá uma menor parte da renda. Infelizmente oBrasil é um dos países com pior distribuição de renda do mundo,de acordo com as pesquisas do Instituto de Pesquisa e EconomiaAplicada, o IPEA, pertencente ao Governo Federal. Apesar dasmelhoras recentes, o Brasil apresentava em 2005 a segundapior posição no ranking mundial, perdendo só para países muitopobres da África. De acordo com esta pesquisa, 1% dosbrasileiros mais ricos, aproximadamente 1,7 milhões de pessoas,detinham uma renda equivalente à da parcela formada pelos50% mais pobres (86,5 milhões de pessoas). Este é um dosprincipais fatores estruturais que explicam a pouca solidez domercado interno e por consequência nossa exposição maisvulnerável às oscilações da economia mundial globalizada.

O debate sobre qual seria uma distribuição justa de rendadepende de fatores históricos, sociais e políticos, além,

Curva de Lorenz

36

Jack

son

De

Toni

evidentemente, de questões puramente econômicas. Há desdea posição associada ao pensamento liberal que legitima esanciona as desigualdades de renda decorrentes de diferentescapacidades individuais de ganhos dos indivíduos até posiçõesmais humanísticas e igualitárias que postulam uma transferênciade renda entre aqueles indivíduos cuja utilidade marginal darenda seja menor para outros cuja utilidade marginal seja maior.Ou seja, a utilidade marginal da renda, o quanto um indivíduopode elevar seu bem-estar a partir de rendimentos maiores,seria um critério para sua distribuição. Os sistemas tributáriosdeveriam funcionar, entre outros objetivos, exatamente paracompensar estes desníveis, particularmente aqueles tributosque incidem sobre o patrimônio (renda na forma de estoqueacumulado) e a renda dos indivíduos (renda monetária, comofluxo). Apesar disso jamais saberemos a utilidade exata que osindivíduos atribuem à renda ou à combinação entre renda elazer, por isso os sistemas tributários estão sujeitos a muitasimperfeições.

Há de uma maneira geral na teoria econômica a ideia deque os mecanismos para diminuir a desigualdade na distribuiçãode renda geram um desincentivo indireto ao trabalho e portantotendem a reduzir a renda total da sociedade a ser redistribuídano futuro. Este debate entre equidade e eficiência é o temacentral na políticas distributivas. Teoricamente quando os custosda perda de eficiência econômica geral forem maiores que osbenefícios das políticas distributivas, estas devem ser ajustadasou readequadas. Deve-se notar que algumas medidasdistributivas visam diminuir ou eliminar gargalos e focos deineficiência econômica.

Neste caso as políticas de combate à desigualdade derenda são mais aconselháveis. Este é o caso por exemplo doschamados “programas de renda mínima” (imposto de rendanegativo), que garantem um piso de consumo para famíliaspobres que acaba repercutindo no aquecimento do mercado deconsumo interno e em seguida nas taxas de poupança einvestimento de toda a economia. As chamadas “políticas dequotas” ou subsídios agiriam no mesmo sentido ao discriminarpositivamente setores da população garantindo acesso mínimoa serviços públicos (produzidos diretamente pelo Estado ou

37

Questão distributiva

Economia no Setor P

úblico

não).Este debate é um dos mais polêmicos na teórica econômica,

exatamente porque envolve valores relacionados a temassubjetivos como a ética, os padrões morais e religiosos e fatoreshistórico-institucionais. As alíquotas progressivas dos impostos,as políticas de assistência social, os subsídios a gêneros deprimeira necessidade, as quotas, a tributação de grandesfortunas e sobre a herança, são todos temas polêmicos. Osmomentos eleitorais, quando as comunidades escolhem seuspolíticos, representam o melhor contexto para que essasescolhas coletivas sejam debatidas e processadas com clarezae legitimidade.

ReferênciasCORAZZA, G. Teoria Econômica e Estado (de Quesnaya Keynes). Porto Alegre: FEE, 1986.

FILELLINI, A. Economia do Setor Público. São Paulo: Ed.Atlas, 1994.

GENEREUX, J. Introdução à Política Econômica. SãoPaulo: Ed. Loyola, 1993.

GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. Finanças Públicas – Teoria ePrática no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

LONGO, C.A e TROSTER, R.L. Economia do Setor Público.São Paulo: Ed. Atlas, 1993.

MUSGRAVE, R. Teoria das Finanças Públicas. São Paulo:Ed. Atlas, 1974.

REES, R. A Economia da Empresa Pública. Rio de Janeiro:Ed. Zahar, 1979.

RIANI, F. Economia do Setor Público: uma abordagemintrodutória. São Paulo: Ed. Atlas, 1990.

38

Jack

son

De

Toni

REZENDE, F. Finanças Públicas. São Paulo: Ed. Atlas, 1994.

SILVA, L. M. Contabilidade Governamental. São Paulo:Ed. Atlas, 1996.

VALÉRIO, W. P. Programa de Direito Tributário. Porto

Alegre: Ed. Sulina, 1992.

Autoavaliação1. Por que os aumentos reais do salário-mínimo ajudam aredistribuir a renda?

2. Qual a relação entre a função redistributiva e o sistematributário?

3. Por que as políticas distributivas são geralmentepolêmicas? Cite um exemplo.

39

O processo político

Economia no Setor P

úblico

Cap. IV

O processo político

As decisões econômicas em muitos casos são precedidaspor escolhas políticas que a sociedade faz através dos processoseleitorais. Vamos analisar com mais detalhe como ocorre esteprocesso. Imaginemos para exemplificar os problemas envolvidosnuma escolha que uma comunidade hipotética vota através deum referendum direto, por votação individual, isto é, todosvotam todas as decisões sobre quais produtos ou serviçospúblicos produzir. Cada cidadão sabe que a decisão do grupo,após processo de votação coletiva, deverá ser imperativa eportanto acatada por todos. O indivíduo a princípio é estimuladoa participar para tentar influenciar a decisão de toda comunidadena direção mais próxima do seu próprio interesse individual.Nesse exemplo vamos adotar o critério da maioria simples paradecidir as votações.

Essa comunidade está dividida, por hipótese, em trêsgrandes grupos sobre a provisão de determinado serviço: umestação de tratamento de esgoto, uma escola e um hospital,por exemplo. Cada grupo tem um tipo de preferência único ediferenciado em relação ao serviço público, a provisão desseserviço trará níveis de bem-estar diferentes para cada grupo.

40

Jack

son

De

Toni

Em economia dissemos que cada grupo tem uma “curva dedemanda” específica para cada serviço. Esse raciocínio podeser estendido para cada eleitor individualmente. Ao decidir, osgrupos e eleitores comparam o benefício que receberão com ocusto correspondente do imposto que pagarão.

Obviamente se a percepção do benefício for inferior aocusto incorrido, a proposta não receberá votação. O resultadodas votações sempre expressará uma maioria, quase nuncauma unanimidade, alguns receberão um benefício superior aoseu custo, outros inferior, para cada nível ou quantidade doserviço oferecido pelo Estado. O jogo de votações acaba sempreconvergindo para o que seria o “eleitor médio”, os demais estãoabaixo ou acima do nível ofertado pelo governo. Somente quandoesse grupo intermediário mudar sua preferência haverápossibilidade de constituir uma nova maioria.

A simples decisão da maioria, assim, não garante que onível de eficiência econômica ótima (aquele onde o benefíciomarginal é igual ao custo marginal do serviço) seja atingidoautomaticamente. Podemos imaginar a seguinte situação, comodemonstrado na tabela a seguir:

Quadro 6

Tipo de serviço Grupo A Grupo B Grupo C

1. Rede de esgoto 1ª escolha 3ª escolha 3ª escolha2. Escola pública 2ª escolha 1ª escolha 2ª escolha3. Hospital público 3ª escolha 2ª escolha 1ª escolha

Se tivermos que escolher uma proposta por maioria simplese compararmos os três serviços públicos, fica evidente que aconstrução da escola pública (opção 2) será escolhida porquee compara às alternativas 1 e 2 ela tem mais preferência doseleitores. Se as prioridades, a ordem das escolhas dos grupossociais, mudarem, a maioria será outra, e na vida real aspreferências dos grupos sociais mudam constantemente. Essefenômeno é conhecido como “maioria cíclica”. Esse paradoxoda formação de maioria só se resolve quando as escolhas seestabilizam ao longo do tempo.

No mundo real os eleitores delegam o poder de decisão

41

O processo político

Economia no Setor P

úblico

para uma parte da sociedade eleita para fazer as escolhas, osparlamentares, por exemplo. Podemos ver os políticos competindoentre si para periodicamente receberem os votos dos eleitorese continuarem a exercer suas funções. Os representanteseleitos, sejam eles do Poder Executivo ou Legislativo, tendema agir de acordo com o interesse dos eleitores simplesmenteporque isso assegura sua permanência no “mercado” político.

Mas, se esse é o comportamento racional esperado, porque a cada eleição as “ofertas” dos candidatos são tãodiferentes? Por uma razão simples, nem todos os candidatosou partidos conseguem identificar as preferências médias doseleitores, nem sempre essas preferências são reveladas noprocesso de escolha. Há outros fatores com grande influênciacomo a propaganda, a ação dos lobbies de grupos econômicose sociais e o próprio nível de maturidade democrática dasociedade.

Muitas vezes no processo de votação parlamentar seformam coalizões onde dois grupos minoritários se unem paradefender propostas recíprocas, obtendo uma maioria casual ouconjuntural. Nesse caso o resultado final pode ser aimplementação de bens ou serviços públicos que terão seucusto suportado por todos, mas uma maioria efetiva de nãobeneficiários com os serviços . Os problemas relacionados àsimperfeições das votações majoritárias foram estudados e aosdesvios no financiamento das despesas públicas pelo efeito do“eleitor mediano” são conhecidos com a “teoria de Arrow”.

Teoria da impossibilidade de Arrow: nenhuma regra devotação por maioria garante a eficiência, respeita aspreferências individuais e é independente da agenda.

Outro fator importante para analisar o processo políticoque influencia as escolhas coletivas sobre os bens e serviçospúblicos é a atuação dos chamados “grupos de pressão”. O“lobby” pode ser feito por qualquer grupo social ou econômico,do sindicato das indústrias do aço até um conjunto de ONGsque trabalham com o tema indígena na Amazônia. No mundoreal dezenas de grupos de pressão atuam em todas as esferasdecisórias dos governos, nos três níveis da federação e em

42

Jack

son

De

Toni

todos os poderes.É evidente que, na ausência de práticas reguladas e

transparentes, os lobbies podem ser uma grande fonte decorrupção na gestão pública. Por outro lado, ao revelarexplicitamente preferências de grupos específicos dos lobbies,podem ajudar a alocar com mais eficiência os recursoseconômicos que o Estado usa para produzir bens e serviços.Em economia diz-se que os grupos de pressão ajudam a resolveros problemas na “não revelação de preferências”. Muitas vezes,porém, a força dos grupos acaba “capturando” parte dosdecisores públicos para defesa quase que exclusiva de seusinteresses específicos e singulares, recebendo privilégios ebenefícios (fiscais, por exemplo), custeados por toda asociedade.

ReferênciasCORAZZA, G. Teoria Econômica e Estado (de Quesnaya Keynes). Porto Alegre: FEE, 1986.

FILELLINI, A. Economia do Setor Público. São Paulo: Ed.Atlas, 1994, cap. 10, p. 10, 11 e 17.

GENEREUX, J. Introdução à Política Econômica. SãoPaulo: Ed. Loyola, 1993.

GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. Finanças Públicas – Teoria ePrática no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

LONGO, C.A e TROSTER, R.L. Economia do Setor Público.São Paulo: Ed. Atlas, 1993.

MUSGRAVE, R. Teoria das Finanças Públicas. São Paulo:Ed. Atlas, 1974.

REES, R. A Economia da Empresa Pública. Rio de Janeiro:Ed. Zahar, 1979.

43

O processo político

Economia no Setor P

úblico

RIANI, F. Economia do Setor Público: uma abordagemintrodutória. São Paulo: Ed. Atlas, 1990.

REZENDE, F. Finanças Públicas. São Paulo: Ed. Atlas,1994.

SILVA, L. M. Contabilidade Governamental. São Paulo:Ed. Atlas, 1996.

VALÉRIO, W. P. Programa de Direito Tributário. PortoAlegre: Ed. Sulina, 1992.

Autoavaliação

1. Por que o processo político é importante para entendera economia do setor público?

2. As decisões dos parlamentares sempre representam asmelhores escolhas para a sociedade? Por quê?

3. Na sua opinião o que pode ser feito para que o processopolítico seja mais representativo e eficiente do ponto devista das escolhas econômicas?

44 Jackson De Toni

45

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

Cap. V

O Orçamento Público

O orçamento público funciona como um grande sinalizadorpara a economia como um todo. Se há grandes investimentosgovernamentais no orçamento, então provavelmente haveráuma tendência de aumento significativo do número de empregospara o próximo período, assim deverá aumentar a renda nacional,haverá mais aquecimento da atividade econômica. Contudo,em compensação, um orçamento mais restrito que aponte paraa redução de gastos públicos provocará uma desaceleração daeconomia e um decréscimo do produto interno bruto maisadiante.

O governo pode provocar um orçamento expansionista ougerar um orçamento restritivo ou recessivo. As funções básicasdo orçamento público estão intimamente relacionadas comaquelas funções básicas da economia do setor público:

Função alocativa: garantir a oferta de bens e serviçospúblicos (bens públicos puros) que não vão ser ofertadosno mercado ou que seriam ofertados em condiçõesineficientes (também chamados de bens meritórios ousemipúblicos, como o abastecimento de água potável que

46

Jack

son

De

Toni

em tese pode ser operado pelo mercado, mas quenormalmente é feito por empresas sob controle público).As empresas privadas não se interessam na produção dessesprodutos pelos fenômenos já estudados: alto custo deinvestimento e longo tempo de retorno, o problema do“carona” que usa e não pode ser cobrado individualmente,o alto risco envolvido, etc.

Função distributiva: ao utilizar as rubricas orçamentáriaspara compensar desigualdades no acesso a bens e serviçospúblicos (que pode ser considerado como uma rendaindireta) para as camadas mais pobres da população. Efinalmente uma função estabilizadora porque através doorçamento público se manipulam as grandes variáveismacroeconômicas como o nível da dívida pública, oinvestimento público e outras que irão influenciardiretamente a política econômica (fiscal, cambial emonetária).

Assim o orçamento público é um instrumento de gestão derelevância absoluta para entender a economia do setor públicoe provavelmente um dos mais antigos na história do Estado. Osgovernos utilizam o orçamento para organizar seus recursosfinanceiros, tanto aqueles que entram através da arrecadaçãode tributos, por exemplo, como sobretudo onde e como serãogastos. No Brasil o orçamento possui uma série de formalidadeslegais e é regulamentado por princípios que estão na ConstituiçãoFederal. Assim ele é uma lei onde se estima a receita e se fixaa despesa para um exercício vindouro. É importante perceberque as despesas só poderão ser executadas pelo governo seestiverem previstas na lei orçamentária.

Uma das primeiras funções do orçamento é a do controlepolítico, além dela temos as funções administrativas, gerenciais,contábeis e financeiras. Em todas essas áreas o orçamento éuma importante ferramenta de gestão pública. Recentementeno Brasil foi incorporada a função de planejamento que serávista mais ainda , tornando o orçamento uma parte vital daestratégia de planejamento público, criando a modalidadeconhecida como “orçamento programa”. Em relação à

47

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

macroeconomia o orçamento pode ser compreendido como umespelho que mostra a situação fiscal do governo, como ogoverno está financeiramente. Essa função – a financeira –tem sido a mais importante, sobretudo num contexto de restriçãoorçamentária.

Desde o início dos Estados Nacionais o orçamento temdesempenhado um papel importante, como um controle “ex-ante”, isto é, antes de acontecer o fato em si, onde a populaçãopode controlar o governo e seus representantes. Historicamenteele surgiu como uma forma de limitar o poder do governante,porque impôs com antecedência a possibilidade de criação detributos e da arrecadação em geral. A experiência inicial deorçamento tem origem na história a partir da chamada “CartaMagna” do Reino Unido, estabelecida em 1217 pelo Rei Joãocom o ditame de que nenhum tributo ou auxílio seria instituídopelo reino senão pelo seu Conselho Comum. Este é o germe doorçamento moderno e já traz subjacente a ideia de que tudoque o governo arrecada permite ao Estado fazer maisinvestimentos púbicos, mas ao mesmo tempo representa umadiminuição da riqueza que está no setor privado.

Já no século XIX muitos orçamentos já apresentavam muitasemelhança com os orçamentos atuais. A Inglaterra, pioneiranesse assunto, desde 1822 já criava um relatório sistemáticode receitas e despesas para submissão ao parlamento. NosEstado Unidos, por exemplo, o Departamento do Tesouro, criadoem 1789, ficou incumbido de elaborar e fazer aprovar oorçamento que só adquiriu forma final em 1921 com a ediçãodo “Budget and Accountig Act”. No Brasil a Constituição Imperialde 1824 já estabelecia responsabilidades ao Ministério daFazenda, que deveria submeter o orçamento à apreciação da“Assembleia Geral” das chamadas “rendas públicas”. Na épocao orçamento era conhecido como a “Lei de Meios” e até aRevolução de 1930 era o Congresso Nacional que a elaborava,e após as mudanças políticas, foi centralizada pelo Ministérioda Fazenda. Junto com a formação dos estados nacionais, quefoi um processo de unificação dos reinados especialmente daEuropa ocidental a partir do século XIV até a época moderna,o orçamento é parte da história dos governos.

Talvez a principal atribuição orçamentária seja alocar os

48

Jack

son

De

Toni

recursos e chancelar as escolhas que a sociedade faz. Porexemplo, supomos que haja um interesse público em desenvolvero setor energético. A análise conduziu à decisão de construiruma hidroelétrica em determinada região do país. Tomada adecisão na esfera técnica e política, o orçamento deveráapresentar cifras substanciais alocadas em projetos deconstrução da obra civil, das linhas de transmissão ou outraqualquer. Inclusive deve registrar as despesas que são originadasem incentivos fiscais às empresas construtoras, por exemplo.Como as demandas de investimento sempre serão superioresàs disponibilidades orçamentárias e financeiras, o ponto centrala ser debatido é o chamado “trade off” (importância do que éescolhido versus a importância do que é renunciado), entrebens e serviços a serem provisionados.

Há várias técnicas para elaboração do orçamento, todaselas representam uma história de evolução dos meios de controlepara o uso gerencial do orçamento. Vamos detalhar um poucomais as mais conhecidas.

A primeira delas pode ser chamada de “orçamento clássicoou tradicional”. No Brasil a prática do orçamento que é anteriorà Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964, baseava-sena prática convencional da orçamentação. Ficava restrito àprevisão da receita e à autorização das despesas, não haviapreocupação com o atendimento de demandas ou necessidadescoletivas, nem estudos de viabilidade. O centro dessa tradiçãotécnica era o controle contábil e fiscal, sem maiores objetivoseconômicos e sociais, isso se refletia pela obsessão nodetalhamento da despesa em vário níveis subsequentes. Outracaracterística importante era a lógica incremental ou inercialde elaboração do orçamento, ou seja, para cada ano apenasse projetava uma taxa linear de crescimento para receitas edespesas conforme o histórico passado, sem vínculo comprojetos ou planos dos governos eleitos.

Uma segunda tradição técnica foi conhecida como“orçamento de desempenho ou de realizações”. Aqui o que ogoverno “faz” passou a ganhar o lugar da preocupação comaquilo que o governo “compra”. O destino da despesa e seuresultado começa a ter mais relevância que o controle simplesda despesa.

49

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

A terceira vertente e talvez a mais importante denominadade “orçamento-programa” foi traduzida formalmente no Brasilpelos princípios do Decreto-Lei nº 200 de 23 de fevereiro de1967. Esse decreto mencionava explicitamente o orçamento-programa como um plano de ação do Governo Federal. No seuartigo 16 chega a dizer textualmente que em cada ano seriaelaborado um orçamento-programa para pormenorizar a etapado programa plurianual que seria realizado no exercício seguintee serviria ainda de roteiro à execução coordenada do programaanual do governo.

Mais tarde a Portaria nº 9 de 1974 do Ministério doPlanejamento instituiu o que se chama de “classificaçãofuncional-programática” que estabelece um conjunto detalhadode categorias para classificação e organização das receitas edespesas de acordo com as várias funções exercidas pelogoverno. Essa portaria vigorou até 1999 quando foi substituídapela Portaria 42/99 que flexibilizou a classificação de acordocom as características e demandas de cada nível federativo,antes estados e municípios eram obrigados a aplicar a mesmataxionomia para as peças orçamentárias. A ideia central doorçamento-programa é a vinculação da lógica orçamentária efinanceira à lógica do planejamento. Assim, o orçamento deveconsiderar os objetivos que o governo pretende alcançar, asmetas das políticas públicas, as estratégias de execução dessaspolíticas e a relação entre meios e fins.

Segundo esta terceira visão, que é a forma atual deelaboração do orçamento, ele passa a ser um instrumento paraexecução do planejamento, dos planos e diretrizes do governo.Algumas vantagens notórias do orçamento-programa sobre asoutras técnicas de elaboração são:

a. melhoria do planejamento do governo com mais precisãona elaboração do orçamento e melhor responsabilizaçãodos gestores públicos;b. oportuniza redução de custos e mais transparência sobrea gestão financeira do governo;c. facilita a aplicação de ferramentas de controle,monitoramento e avaliação de políticas públicas, bem comoa melhoria dos sistemas gerenciais;

50

Jack

son

De

Toni

d. a ênfase passa a ser no impacto e resultado do gasto enão na sua mera contabilização.

As fases do orçamento – programa obedecem a um roteirológico que deve ser – grosso modo – cumprido com algumasadaptações. Em primeiro lugar são determinadas as situações-problema e os diagnósticos identificando as causas dos problemasque atingem a sociedade ou determinado grupo social ou região.Em seguida são apresentadas propostas de soluçõesidentificando quais são as alternativas viáveis para solucionaros problemas. Após a definição política e técnica das prioridadese dos objetivos em cada programa, projeto ou atividade,determinam-se as tarefas concretas, as ações necessárias.Só então alocam-se os recursos disponíveis para os meioshumanos, materiais, institucionais e outros, necessários aoprojeto.

Recentemente tem sido difundida uma forma de elaboraçãoorçamentária com intenso envolvimento de grupos organizadosda sociedade civil, especialmente na esfera municipal e regional.As experiências com essa característica foram chamadas depráticas de “orçamento participativo”. A responsabilidade legalpela aprovação do orçamento continua sendo dos podereslegislativos (aliás é a origem histórica desse poder), entretanto,o processo de escolhas passa por um conjunto de eventos deconsulta, debate e decisão envolvendo comunidades e diversosgrupos de interesse.

É muito comum a realização de “audiências públicas”amplamente convocadas para essa finalidade, instituindo formasde participação direta ou o que alguns cientistas políticoschamam de “democracia deliberativa”. Apesar da naturezaabsolutamente meritória dessas iniciativas que, além do mais,promovem um grande processo social de aprendizagem sobreas contas públicas, a rigidez das despesas do orçamento (asdespesas fixas como a folha de pagamento e transferênciasobrigatórias) faz com que o percentual disponível para debatee decisão popular seja de fato muito pequeno.

51

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

As diversas formas de elaboração do orçamento público:

Quadro 7

Denominação Características Observações

OrçamentoTradicional

Orçamento deDesempenho

Orçamento-Programa

Processo orçamentárioem que é explicitadoapenas o objetode gasto.

Apresenta valores paraas despesas compessoal, material,serviços etc. semrelacionar os gastos anenhuma finalidade(programa ou ação).Também é conhecidocomo OrçamentoClássico.

Processo orçamentárioque apresenta duasdimensões do orçamento:» objeto de gasto;» um programa detrabalho, contendo asações desenvolvidas.Enfatiza o desempenhoorganizacional.

Também conhecidocomo OrçamentoFuncional.

Orçamento que expressa,financeira e fisicamente,os programas de trabalhode governo,possibilitando:a) a integração doplanejamento com oorçamento;b) a quantificação deobjetivos e a fixação demetas;c) as relações insumo-produto;d) as alternativasprogramáticas;e) o acompanhamentofísico-financeiro;f) a avaliação deresultados;g) a gerência porobjetivos.

Originalmente,integrava o Sistemade Planejamento,Programação eOrçamentaçãointroduzido nosEstados Unidos, nofinal da década de1950, sob adenominação PPBS(PlanningProgrammingBudgeting System).

52

Jack

son

De

Toni

Fonte:http://www.federativo.bndes.gov.br/bf_bancos/estudos/e0001618.pdf

A Constituição Federal de 1988 definiu o atual modeloorçamentário criando basicamente três leis diferenciadas cujaprerrogativa é do Poder Executivo, são elas: o Plano Plurianual(PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e a LeiOrçamentária Anual (LOA). Os projetos de lei de cada umadelas em nível federal são submetidos à apreciação das duascasas do Congresso Nacional (a Câmara dos Deputados e oSenado Federal). O Congresso pode propor emendas dentro dedeterminadas regras, após sua aprovação os projetos sãoencaminhados para sanção presidencial.

O Presidente poderá vetar total ou parcialmente, aoCongresso caberá acatar ou rejeitar o veto em sessão conjunta.Segundo o art. 165 da Constituição Federal de 1988, o PPAestabelecerá de forma regionalizada as diretrizes e metas paraa administração pública federal para as despesas de capital eoutras delas decorrentes e para as relativas aos programas deduração continuadas. As despesas de capital compreendemsomente aquele tipo de despesa que contribui para a aquisiçãode um bem de capital como a construção de instalações eequipamentos ou a aquisição de títulos de empresas. Comduração de quatro anos, o PPA é elaborado no primeiro ano do

OrçamentoParticipativo

OrçamentoIncremental(ou inercial)

Processo orçamentárioque contempla apopulação no processodecisório, por meio delideranças ou audiênciaspúblicas.Existência de umacoparticipação doExecutivo e Legislativo naelaboração dosorçamentos.Transparência doscritérios e informaçõesque nortearão a tomadade decisões.

Necessidade de umamaior discricionariedadedo governo na alocaçãodos gastos, a fim de quepossa atender osanseios da sociedade.Requer alto grau demobilização social.Deve haver disposiçãodo poder público emdescentralizar e repartiro poder.

Orçamento elaboradoatravés de ajustesmarginais nos seus itensde receita e despesa.

Repetição do orçamentoanterior acrescido davariação de preçosocorrida no período.

53

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

mandato do governante eleito e tem a vigência iniciada a partirdo segundo ano de mandato. O Projeto de Lei deve ser enviadoao congresso até quatro meses antes do final do primeiro anode governo e devolvido para o Presidente da República antesdo final da sessão legislativa.

Já a LDO define as linhas gerais da elaboração doorçamento, definindo prioridades e metas do PPA para o anoseguinte. Ela trata também das alterações na legislaçãotributária e orienta a elaboração da LOA, estabelecendo apolítica oficial das agências financeiras oficiais de fomento.Esse projeto é encaminhado oito meses antes do final doexercício financeiro para que o Congresso Nacional aprecie edelibere. A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar101/2000, incorporou novas atribuições vinculadas àmanutenção do equilíbrio fiscal (entre receitas e despesas).Por fim, a LOA compreende unificadamente três tipos deorçamentos: o fiscal (inclusive de órgãos e entidades daadministração indireta e as fundações), o da seguridade sociale o orçamento de investimento das estatais.

Impactos da Lei de Responsabilidade Fiscal:

» Princípio: transparência na elaboração e ampladisseminação dos documentos orçamentários e contábeis.» Acesso público – meio eletrônico – a todas as informaçõesnas três esferas de governo (PPA, LDO, LOA, prestaçõesde contas, parecer prévio e relatórios de gestão fiscal).» Relatórios resumidos de execução orçamentária (a cadadois meses) e Relatórios de Gestão Fiscal (a cada 4 meses).» Consolidação Nacional das Contas (STN).» Divulgação mensal por parte do Ministério da Fazenda,em meio eletrônico, da relação dos entes que ultrapassaramlimites máximos para dívida.» Sanções por descumprimento de prazos: vedação dastransferências voluntárias e das operações de crédito,exceto para refinanciamento da dívida mobiliária.

A elaboração do orçamento está sujeita a um conjunto deregras e princípios ditos fundamentais que funcionam como

54

Jack

son

De

Toni

guia e orientação. São um conjunto de proposições que balizama prática orçamentária, objetivando constituir mais estabilidade,consistência e transparência para o processo. Os princípios deelaboração orçamentária não são um dogma, eles são categoriasdefinidas ao longo da história e sujeitos a transformações nosseus significados. Podemos dividir os princípios em clássicos outradicionais e em modernos ou complementares. Os primeirosconsolidaram-se ao longo da prática histórica de orçamento,desde a Idade Média até nossos dias, muito influenciados pelosconceitos jurídicos. Os segundos surgem mais recentemente evinculam o orçamento à prática do planejamento e da gestãopública. A seguir vamos detalhar alguns dos principais princípios.

O princípio da anualidade recomenda que o orçamento deveter vigência limitada ao exercício financeiro. Ele reforça a noçãode que as obrigações assumidas no exercício sejam compatíveiscom os recursos financeiros obtidos no mesmo exercício,dificultando práticas populistas ou demagógicas de realizaçãoda despesa sem receitas compatíveis.

O princípio da “clareza” nos indica que a peça orçamentária(o conjunto de textos, tabelas e documentos) deve ser claro ede fácil compreensão, sem a qual a transparência e aresponsabilização são incompatíveis com as formas maiselementares de controle social.

O princípio do equilíbrio orçamentário é bastante simples,mas há enfoques distintos na teoria econômica sobre suainterpretação. No aspecto jurídico-contábil as despesas devemser compatíveis com as receitas e eventuais excedentes degastos cobertos com operações de crédito, por exemplo. Masdo ponto de vista macroeconômico há escolas de pensamentoeconômico que dão muita importância ao equilíbrio dos gastosdo governo, enquanto outras consideram essa variávelsecundária diante, por exemplo, da eventual necessidade doEstado manter o nível do produto (renda) criando déficitsorçamentários, veremos mais adiante esse tema.

O princípio da legalidade orienta o gestor público a cumpriruma série de quesitos ou condições previstas em lei. Porexemplo, não se pode criar tributo sem que a lei assim oestabeleça, não se pode tratar desigualmente os contribuintes,os tributos não podem ter o efeito de confisco (inviabilizar a

55

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

atividade econômica) ou estabelecer limites ao direito de ir evir, não se pode instituir tributo sobre templos religiosos ou arenda e patrimônio de partidos políticos e assim por diante.Deve-se respeitar portanto a legalidade vigente.

Um outro princípio muito interessante é chamado de “nãoafetação ou vinculação das receitas”. Ele orienta para que oadministrador público tenha alguma margem de manobra naadaptação do programa de trabalho do governo às regras deexecução do orçamento. Não se pode vincular uma receita,ainda que parcialmente, à execução de determinada despesa.Entretanto, por força de uma conjuntura que desvirtuou o papeldo orçamento e pressões corporativas diversas, inclusive comapoio eventual de setores do próprio governo, váriascontribuições tributárias têm sido criadas vinculando o produtode sua arrecadação com um tipo de despesa. O exemplo maisconhecido talvez tenha sido a extinta Contribuição Provisóriasobre a Movimentação Financeira, a CPMF, cuja arrecadaçãodeveria ter sido aplicada na área de saúde. A proliferação de“fundos orçamentários” ligados a setores diversos comotelecomunicações, energia ou desenvolvimento regionaltambém, em tese, contradizem esse princípio. Quanto maior avinculação da receita, menos flexível ficará a execução doorçamento.

Um último princípio digno de nota é o princípio da“responsabilização”. Entre os modernos, é aquele que chamaatenção para o fato de que os gestores públicos eadministradores devem assumir de forma personalizada aresponsabilidade pela execução de um determinado programaou projeto inserido no orçamento. Ainda há muitos princípiosque podem variar de acordo com a referência teórica adotada,para citar mais algum poderíamos enumerar o princípio daexclusividade, da publicidade (garantia de transparência), daunidade orçamentária (deve entrar todas as receitas e todasas despesas), da uniformidade, da universalidade, do orçamentobruto (os valores não podem ser líquidos ou deduzidos), dasimplificação e o princípio da descentralização (as ações devemser executadas no nível mais próximo dos seus beneficiários).

Em geral na tradição orçamentária brasileira predomina oenfoque fiscal sobre o orçamento que se diferencia do chamado

56

Jack

son

De

Toni

enfoque programático. Vamos ver melhor o que é o chamadoenfoque fiscal do orçamento.

O enfoque fiscal privilegia o aspecto macroeconômico doorçamento, como expressão maior da gestão de finançaspúblicas e da política fiscal. A política fiscal pode ser definidasinteticamente como a coordenação da tributação, da gestãoda dívida pública e das despesas governamentais, com o objetivode assegurar o desenvolvimento e a estabilização econômica.Os principais instrumentos de uma política fiscal são os tributossobre a renda e a produção, os incentivos e os abatimentos.Sob esse enfoque, majoritário na tradição brasileira, o respeitoàs restrições orçamentárias e a produção permanente deresultados fiscais compatíveis com a LDO são pontos estruturaise não negociáveis. Esse debate sobre qual seria e como financiardespesas do governo nos remete ao tema que os economistaschamam de “necessidade de financiamento do Setor Público”ou, simplesmente, NFSP.

O método adotado no Brasil para medir o resultado fiscal échamado de NFSP, que corresponde ao montante de recursosque o setor público não financeiro necessita captar junto aosetor financeiro nacional ou internacional, além das receitasque têm com os impostos, para enfrentar seus encargos edispêndios. Os resultados fiscais são calculados através dométodo chamado de “acima da linha”. Nesse critério de cálculoutiliza-se a estatística fiscal desagregada (mais detalhada),onde são considerados os fluxos das receitas e das despesasorçamentárias durante o exercício. Desse cálculo surgem doisresultados, o chamado “resultado primário” e o “resultadonominal”.

O resultado primário é apurado pela diferença entre asreceitas e despesas não financeiras, ou seja, não entram nocálculo as receitas de operações de crédito ou as despesascom juros e amortização da dívida, por exemplo. Podemos ter,assim, um superávit primário ou um déficit primário. Já o“resultado nominal” leva em conta o aspecto financeiro,particularmente os juros pagos da dívida pública. A partir daLei de Responsabilidade Fiscal as metas devem estar claras naprópria LDO, o que é válido também para estados e municípios.

Um dos fatores que mais influenciam o aspecto fiscal são

57

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

as estimativas de inflação futura que devem orientar aelaboração do orçamento. Antes do Plano Real (1994), as altastaxas de inflação impediam estimativas mais realistas da receitae da despesa tornando o orçamento uma autêntica “peça deficção”, distorcido pelo efeito do “imposto inflacionário”. Nessaépoca a previsão orçamentária esbarrava em muitos problemas,por exemplo, num contexto de alta inflacionária se o governofixa no seu orçamento um índice futuro de inflação acabacontribuindo para que todos os demais agentes econômicostentem remarcar seus preços antecipadamente, trabalhadorese empresários. Por isso a estimativa de inflação usadas nosorçamentos sempre ficou muito aquém da inflação real. Nesseperíodo era muito comum também os “excessos de arrecadação”,porque a previsão de receitas era baixa e a arrecadação deimpostos crescia, sobretudo daqueles que incidem sobre oconsumo de bens e serviços.

Imposto Inflacionário: é a perda de poder aquisitivo damoeda durante a inflação. O imposto inflacionário é o juroreal negativo pago pela base monetária. O impostoinflacionário representa uma transferência de renda daeconomia para o Banco Central. O imposto inflacionário édado pela incidência da taxa de inflação sobre os encaixesmonetários reais.

No caso das despesas, costumava ocorrer uma defasagemde custos porque os custos reais dos bens e serviços públicosquando eram efetivados superavam em muito a previsãoorçamentária. O período inflacionário desmoralizoucompletamente a prática e o uso do orçamento como ferramentade gestão e controle, as disputas alocativas ocorriam muitomais na fase da execução financeira, na “boca do caixa”. Aestabilização monetária advinda com a redução da inflação ataxas anuais civilizadas permitiu nos anos recentes que seretomasse progressivamente um outro enfoque para oorçamento, o enfoque programático.

Nessa visão o orçamento público é tratado comoinstrumento de programação das despesas. É uma expressãocristalina das prioridades de políticas públicas setoriais

58

Jack

son

De

Toni

(segurança, saúde, educação, abastecimento, transportes,etc.). Diferente do enfoque fiscal, agora a visão écomplementada e ampliada com a lógica das políticas setoriais.De fato só agora há condições para implementar um autêntico“orçamento-programa” vinculando metas e objetivos com osrecursos financeiros. No ano de 2000 houve uma grande reformana metodologia de orçamento e planejamento da União queredirecionou a elaboração orçamentária para dentro do PlanoPlurianual, como ferramenta integrada ao planejamento.

A principal categoria do orçamento passou a ser o“programa” (expressando uma política qualquer, por exemplo,“programa de erradicação do trabalho infantil”). Cada programapassou a ser o módulo de integração entre o Plano e osOrçamentos, usando as mesmas codificações, terminologias eprocedimentos metodológicos. Um “programa” no PPA representaum conjunto de ações que enfrentam algum problema, atendemalguma demanda social ou aproveitam alguma oportunidade daconjuntura. Os programas, por isso mesmo, passaram aidentificar causas dos problemas, ter objetivos tangíveis, clarose mensuráveis através de indicadores. Um conjunto de açõescompõe um programa.

A compatibilização do orçamento com os Planos Plurianuaisé ilustrada na figura a seguir.

Quadro 8

59

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

Um exemplo concreto do que é um “Programa Orçamentário”pode ser extraído do PPA 2003-2006, gerenciado pelo Ministériodo Trabalho e Emprego MTE. Algumas características doprograma de combate ao trabalho escravo no país:

• O Problema: a ocorrência do trabalho escravo.• O Programa: erradicação do trabalho escravo.• O Indicador de performance: Número de trabalhadoreslibertados.• Fórmula de cálculo do Indicador: Somatório do númeroabsoluto de trabalhadores em situação de trabalho escravolibertados no ano.• A Fonte: Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministériodo Trabalho e Emprego.• A Situação inicial x A Situação desejada: de 1.741trabalhadores libertados para 5.000 ao final do PPA, ouseja 2007.• Os Órgãos envolvidos: Justiça do Trabalho, Ministério doTrabalho e Emprego e Secretaria Especial de DireitosHumanos da Presidência da República.• As Ações e seus Produtos: (alguns).• Assistência Emergencial a Trabalhadores Vítimas deTrabalho Escravo.• Atendimento ao Trabalhador Libertado de TrabalhoEscravo.• Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo(fiscalização realizada).• Implantação de Vara do Trabalho Itinerante..• Pagamento do Seguro-Desemprego ao TrabalhadorResgatado.

Todo programa orçamentário deve possuir as seguintescaracterísticas:

• Órgão e Unidade Responsáveis• Denominação• Objetivo• Público-alvo• Objetivo setorial associado

60

Jack

son

De

Toni

• Justificativas• Tipo de programa• Estratégia de implementação• Horizonte temporal• Valor anual e somatório dos quatro anos• Indicador(es)• Ações

Eles podem ter uma natureza “finalística” quando resultaremem bem e serviços ofertados diretamente à sociedade. Podemser do tipo “gestão de políticas públicas” quando servirem paraplanejar e formular políticas setoriais, coordenação, avaliaçãoe controle dos demais programas. Os programas podem serainda do tipo “programas de serviço ao Estado” quandoestiverem relacionados ao fornecimento de um bem ou serviçoespecífico para o setor público federal, por exemplo, serviço deprocessamento de dados. Finalmente há ainda um tipo deprograma denominado “programa de apoio administrativo” quecontempla as ações e despesas de natureza tipicamenteadministrativa.

Já as chamadas “ações orçamentárias” são organizadasno interior do programa de tal forma que o objetivo do programaseja atingido. As ações podem assumir a forma de atividades eprojetos quando há um produto específico a ser ofertado àpopulação. Com a diferença de que o termo projeto é utilizadopara gerar um produto uma única vez (um hospital, p. exemplo)enquanto o termo atividade é utilizado para designar a realizaçãode um serviço contínuo e permanente (o serviço de emergênciado hospital, por exemplo). Além dessa categoria, a atualmetodologia orçamentária federal prevê a figura da “operaçãoespecial” que não tem produto associado, utilizada por exemplopara classificar as despesas com amortização e encargos dadívida, pagamento de sentenças judiciais, transferências,operações de financiamento e outras.

A elaboração anual do orçamento obedece a um ciclorelativamente simples. Apresentamos abaixo um diagrama comos principais eventos desse processo e em seguida comentamosaqueles de maior relevância.

61

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

Quadro 9

A primeira tarefa a ser feita é fixar a meta fiscal porque elavai condicionar a estimação das receitas e sobretudo a fixaçãodas despesa. A meta fiscal fixada pode resultar em orçamentoequilibrado, deficitário ou superavitário, dependendo da posiçãodo governo. No Governo Federal já há vários anos o objetivo éa busca de resultados primários positivos (superávits), visandoà estabilização da relação dívida/PIB.

Há uma crença muito forte na teoria econômica de que ocontrole da dívida pública é um importante fator para evitarque o governo tenha necessidade de aumentar impostos (ereduzir a riqueza do setor privado) e com isso, também evitaque o a taxa de juros aumente para financiar despesas extrasatravés dos títulos públicos (juros altos significam menos dinheirocirculando, menor ritmo da atividade econômica). Por exemplo,a LDO de 2008 prevê uma meta de economia do governo de3,8% do PIB, um valor que deve oscilar entre sessenta e setentabilhões de reais. Nesse ritmo a previsão para 2010 é que arelação dívida/PIB seja por volta de 30%, o que seria um marcona história das finanças públicas (em 2003 essa relação era de60%).

Em seguida outra tarefa importante é a previsão dasreceitas, que deve considerar fatores dinâmicos e complexoscomo o impacto da inflação futura sobre os preços da economia,

62

Jack

son

De

Toni

o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, que é o conjuntodas riquezas do país produzido no período de um ano), os efeitosda legislação tributária e fiscal, como a instituição de novostributos. A variação da produtividade e eficiência dos sistemasde arrecadação também deve ser levada em conta, por exemplo,a crescente automatização na cobrança de impostos.

A sigla NFGC significa “necessidade de financiamento dogoverno central”, diferente da NFSP que engloba todos os níveisdo Estado, esse cálculo só diz respeito ao Governo Federal. Olevantamento do NFGC sinaliza o montante de despesasobrigatórias do governo, um dado fundamental para configuraro orçamento. Essas despesas normalmente são as transferênciasconstitucionais para estados, municípios e entidades privadas,as despesas com pessoal e encargos sociais, o pagamento dadívida pública, precatórios (dívidas que o Estado é obrigado apagar mediante uma sentença judicial transitada em julgado),etc.

Feito isso o próximo passo é delimitar quais são as despesasdiscricionárias, isto é, como será gasta aquela parte da receitaprevista que não está comprometida com despesas obrigatórias.É aqui que a margem de manobra aumenta e que surge commais intensidade o problema alocativo no orçamento. Construir100 hospitais ou 300 escolas? Qual a escolha onde o recursoserá gasto com mais impacto positivo para a sociedade? Umrecurso técnico que auxilia a decisão (que é política em últimainstância) são os chamados estudos de viabilidade técnicacomparando os custos e benefícios de investimentosalternativos. Muitos desses recursos são, entretanto, umadespesa quase obrigatória, por exemplo, a manutenção dosequipamentos públicos já existentes, uma universidade, porexemplo. Esse é um ponto delicado porque normalmente osrecursos para manutenção futura daquilo que é construído équase sempre subestimado, gerando depreciação dos serviçospúblicos.

No estágio das propostas setoriais cada unidadeorçamentária, um Ministério, por exemplo, fornece o seuprograma de trabalho a partir dos limites de despesadeterminados previamente pelo Ministério do Planejamento. Éum momento de relativo conflito interno no governo entre os

63

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

diversos “demandadores” de recursos entre si, e destes com oórgão central de planejamento, todos invariavelmente tentandoampliar seus limites de despesa.

Após a aprovação do orçamento pelo legislativo atravésde um processo nem sempre transparente de negociações deemendas individuais e por bancada, inicia a etapa de exclusão.No início do exercício a programação orçamentária e financeiracompatibiliza o cronograma de liberações orçamentárias atravésdos processo específico de execução da despesa pública.Durante a execução do orçamento é muito comum a existênciade ajustes. A receita pode ser maior que a prevista gerandoum excedente que precisa ser realocado, ou o surgimento deum fato externo como uma seca exige aprovação de créditosadicionais para custear a ajuda às famílias atingidas.

Os créditos adicionais podem ter três naturezas distintas.Créditos especiais destinam-se a despesas sem dotaçãoorçamentária específica, os créditos extraordinários são usadosem situações de emergência pública e pode ser através deMedida Provisória do Presidente da República e, finalmente, ocrédito suplementar que existe para reforçar uma dotação jáexistente.

O procedimento para execução da despesa obedece semprea três momentos: empenho, liquidação e pagamento. O empenhoé a primeira fase, ele significa uma intenção de realizar despesae é formalizado pela emissão de um documento (em formatoeletrônico, normalmente), chamado “Nota de Empenho”. Essedocumento de pronto já compromete parte dos créditosorçamentários disponíveis em determinada rubrica, bloqueando-os para outra aplicação. A liquidação é o estágio de verificaçãodo direito adquirido pelo credor, o fornecedor do bem ou serviçopara o Estado, com base em documentos e certidões exigidaspara o pagamento e sobretudo validando a entrega do produtoconforme especificado. A liquidação é formalizada com outrodocumento, chamado “Nota de Lançamento”. Finalmente, opagamento é a fase em que se transfere ao credor os valoresmonetários correspondentes. Os pagamentos de fornecedoressão organizados e regulados pelo sistema de ProgramaçãoFinanceira, gerenciado pela área fazendária normalmente. NoGoverno Federal a Secretaria do Tesouro Nacional controla o

64

Jack

son

De

Toni

fluxo dos pagamentos, através de um órgão chamado“Coordenação Geral de Programação Financeira” (COFIN).

O COFIN controla a liberação de cotas e dos repasses àsdiversas unidades orçamentárias presentes nos órgãos dogoverno. Os pagamentos são feitos através do Banco do Brasil,que é o agente financeiro do tesouro nacional. Deve haveruma perfeita sincronia e harmonia entre o sistema de créditosorçamentários e o fluxo financeiro, para viabilizar isso umconjunto de sistemas informatizados atua normalmente, os maisconhecidos são o SIAFI, Sistema Integrado de AdministraçãoFinanceira do Governo Federal, e o SIDOR, Sistema Integradode Dados Orçamentários.

Existem várias formas de classificar a despesa orçamentária,de acordo com a funcional-programática, que diz “para que” e“em que” serão gastos os recursos, por elemento de despesapara dizer o que será gasto ou por categoria econômica paradefinir qual é o efeito econômico do dispêndio. A classificaçãopor natureza da despesa proporciona informações importantespara a condução da política econômica do país, indicando se ogoverno está ou não contribuindo para criar pressõesinflacionárias, por exemplo. Ela se divide em três níveis:

I - categoria econômica;II - grupo de natureza da despesa;III - elemento de despesa.

A classificação “categoria econômica” ainda se subdivideem despesas correntes (ou de custeio) e despesas de capital.Os “grupos de natureza de despesa” é a agregação em gruposcom a mesma natureza de gasto. As receitas também podemser classificadas em receitas correntes, as de origem tributária(Impostos sobre o Comércio Exterior, Imposto sobre aImportação, Imposto sobre a Exportação, Impostos sobre oPatrimônio e a Renda, Imposto sobre a Propriedade TerritorialRural e Imposto sobre a Renda e Proventos de QualquerNatureza) e as receitas de capital, oriundas de operações decrédito.

65

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

Quadro 10

Nos último dez ou vinte anos o processo orçamentárioavançou muito no Brasil, especialmente no Governo Federal.Aumentou substancialmente a capacidade de controle fiscaldos gestores e autoridades, a decisão sobre a alocação derecursos tornou-se mais transparente e democrática. Entre osprincipais avanços caberia citar:

a. A incorporação das antigas contas do “orçamentomonetário” no orçamento único a partir de 1985.b. A criação da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministérioda Fazenda para gerenciar a conta única do Tesouro.c. A extinção da conta movimento do Banco do Brasil, queinstituía processos paralelos de realização da despesapública, em 1986.d. A obrigatoriedade legal a partir da Constituição de 1988de autorização legal (legislativa) para todas as despesaspúblicas.e. A incorporação ao orçamento dos encargos da dívidapública federal.f. As condições de maior estabilidade de preços a partir de1994 conferindo aos orçamentos mais transparência,eficácia gerencial e efetividade.

A prática de fixação de metas fiscais, acordadas com oFMI no segundo mandato do presidente Cardoso acabaram por

66

Jack

son

De

Toni

permanecer ao longo dos anos e contribuíram para maiordisciplina e educação fiscal dos governos. Cabe mencionar aLei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que instituiu umasérie de inovações, tais como:

» as despesas com pessoal não podem ultrapassar os tetosdefinidos na Lei;» as despesas com pessoal de cada um dos três poderesdevem respeitar tetos específicos igualmente definidos naLei;» o Presidente da República deve propor ao Senado oslimites de endividamento público;»novas despesas só podem ser feitas com receitasadicionais ou corte de gastos;» fica vedada a alternativa de os governos estaduais oumunicipais renegociarem suas dívidas com o GovernoFederal;» as operações de Antecipações de Receitas Orçamentários(AROs) terão obrigatoriamente que ser liquidadas até omês de dezembro do ano fiscal em que foram realizadas enão poderão ser realizadas enquanto existirem outrasoperações similares pendentes.

ReferênciasCORE, F. Reforma Gerencial dos Processos dePlanejamento e Orçamento. ENAP. Texto para discussãonº 44, Brasília, 2001.

GARCIA, R. A reorganização do Processo dePlanejamento no Governo Federal: PPA 2000-2003.IPEA. Texto para discussão nº 726, Brasília, 2000.

GIACOMONI, J. Orçamento Público. 9ª ed. São Paulo:Ed. Atlas, 2000.

GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. Finanças Públicas – Teoria ePrática no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

67

O O

rçamento Público

Economia no Setor P

úblico

PIRES., V. Orçamento Participativo – o que é, para queserve, como se faz. 1ª ed. Piracicaba – SP, 1999. Ediçãodo autor.

REZENDE, F. Finanças Públicas. São Paulo: Ed. Atlas, 1994.

Autoavaliação1.Quais as principais diferenças entre orçamento-programae orçamento tradicional?

2.Qual a relação entre planejamento e orçamento?

3.Quais os elementos mais positivos da Lei deResponsabilidade Fiscal que impactam na elaboração eexecução do orçamento público?

68 Jackson De Toni

69

Política Fiscal: D

éficit Público e D

ívida Pública

Economia no Setor P

úblico

Cap. VI

Política Fiscal: DéficitPúblico e Dívida Pública

O gasto público é sempre uma matéria controversa, háaqueles que defendem uma drástica redução da despesa pública,outros acreditam que o Estado tem que gastar mais paramelhorar os serviços públicos como saúde, educação ouconstrução de estradas. Como quase tudo, entretanto, é maisfácil criticar do que ter que escolher entre dezenas de demandassociais e econômicas, onde gastar os poucos recursosdisponíveis. Em linhas gerais, se consolidarmos todo o setor –governo, teremos que o Estado no Brasil é responsável poraproximadamente 10% do emprego e 30% a 40% do PIB,dependendo do período ou da forma de cálculo.

Os gastos do Estado se distribuem nas funções alocativa,distributiva e estabilizadora analisadas com mais detalhe noinício deste livro. Além dessas funções, um gasto significativoé feito com a máquina administrativa. Essas despesas dizemrespeito basicamente ao funcionalismo ativo e inativo, àsinstalações públicas, à manutenção de serviços indispensáveiscomo o fornecimento de energia, transporte, material deconsumo e uma infinidade de outras despesas. Para a maioriaabsoluta de países os bens públicos puros como a segurança

70

Jack

son

De

Toni

pública ou os serviços do judiciário são custeados pelaarrecadação pública. Em outros bens do tipo semipúblicos oumeritórios, em que há possibilidade de individualização doconsumo (rivalidade e exclusão), a atuação do Estado mudade acordo com a tradição política e econômica, o grau dedesenvolvimento e até mesmo com os costumes, de país parapaís. Por exemplo, até bem pouco tempo a maioria das cadeiasde rádio e TV em diversos países desenvolvidos da Europa eratotalmente pública, uma situação impensável em países comoo Brasil ou os Estados Unidos onde esses serviços sãoconcedidos pelo Estado aos grupos privados mediante algumasregras e controles. Com a onda de privatizações dos anos 80 e90 diversos serviços foram privatizados em vários países, comoa telefonia, a energia elétrica e até o abastecimento de água.

Mas onde o governo gasta os recursos que arrecada? Aseguir apresenta-se uma tabela que evidencia a distribuiçãodessa despesa, como percentual do PIB, para o período de2000 até 2005. Pode-se ver que há um conjunto de despesascom maior peso nos gastos: pessoal, previdência, transferênciaa estados e municípios, investimentos (outras despesas), saúde,etc. Deve-se registrar ainda que as despesas do Estado sãoorganizadas de acordo com os níveis federativos. Os estados emunicípios assumem despesas de prestação de serviços próximosao cidadão e compatíveis com sua posição no sistema federativo,isto é, com suas funções e competências constitucionais,jurisdição, etc. Assim, por exemplo, o Governo Federal seresponsabiliza pelo ensino de nível superior, os municípios pelalimpeza urbana e os estados pela segurança pública.

71

Política Fiscal: D

éficit Público e D

ívida Pública

Economia no Setor P

úblico

Quadro 11

Historicamente o gasto público vem aumentando muito aolongo do século XX. Para os países desenvolvidos o esforço deguerra ocorrido durante as duas guerras mundiais elevou opatamar de gasto público para níveis superiores à situaçãoanterior. O fenômeno do crescimento das despesas dos governosnão é novo. Já no século XIX o economista alemão AdolphWagner analisando as tendências daquele período formulou oque veio a ser conhecido como a “Lei de Wagner” ou lei dosdispêndios crescentes. Basicamente ele identificou que acrescente modernização, urbanização e industrialização dassociedades acabam criando maior pressão e demanda socialpor serviços públicos novos, mais qualificados e com coberturamaior. Não são só as guerras que provocam mudanças depatamares no dispêndio público, mas a própria evolução ematuridade da sociedade. Uma das causas importantes estárelacionada aos fatores demográficos.

Na medida em que envelhece a população, crescem osgastos totais com assistência social, previdência e saúde. Outrofenômeno é a urbanização. Entre 1950 e 1980 a populaçãourbana brasileira passou de 36% para quase 70%. Uma série deserviços de saúde, educação, transportes, saneamento esegurança, por exemplo, são típicos de ambientes urbanos com

72

Jack

son

De

Toni

grandes aglomerações de pessoas. A urbanização favorece oaumento da renda per capita e da escolarização. Pessoas commelhor escolarização e renda tendem a reivindicar melhoresserviços prestados pelo governo. Mesmo em países de tradiçõeseconômicas liberais a participação do Estado na economia nuncafoi menor que 40% na Europa ou 30% no caso dos EstadosUnidos. A polêmica sobre os gastos públicos parece ganharmais relevância e importância quando analisamos especialmenteo impacto do gasto público no desenvolvimento econômico e omodo como o governo gerencia a dívida pública, como serávisto a seguir.

Lei de Wagner sobre a expansão das atividades doEstado: os gastos do governo crescem mais rapidamentedo que a renda nacional em qualquer Estado Progressista.A Lei de Wagner é uma constatação empírica sobre ocomportamento dos gastos públicos na Alemanha, EstadosUnidos, Japão e outros países da Europa.

Para Wagner o crescimento das atividades do governo eraum efeito natural e previsível do progresso social. O gastopúblico, de um modo geral, é uma variável que tem relaçãodireta com o comportamento do PIB. Outro modelo de gastospúblicos foi idealizado por Peacock e Wiseman ao estudar aevolução dos gastos públicos no Reino Unido no período de1890 até 1955. Duas hipóteses foram testadas: a relação dosgastos com a evolução da renda per capita e o comportamentodos mesmos em situações de distúrbios sociais.

A primeira conclusão foi de que os gastos do governoaumentavam mais do que crescia o PIB e que as guerrasaumentavam drasticamente o gasto. A esse processo eleschamaram de “efeito deslocamento”. Após a passagem deproblemas sociais como depressões econômicas, guerras oudistúrbios sociais, a sociedade aumentava a tolerância à cargatributária e demandava um nível superior de gasto social paracombater iniquidades, esse processo foi denominado de “efeitoimposição”. Já o “efeito inspeção” resultaria na expectativa dasociedade por melhor nível dos serviços prestados pelo governo,o que havia sido obtido como efeito dos aumentos dos gastos

73

Política Fiscal: D

éficit Público e D

ívida Pública

Economia no Setor P

úblico

públicos em momentos de crise social.

Estudos de Peacock-Wiseman (efeito dedescolamento ou transação): os gastos públicosaumentam nos períodos de guerra (Efeito Deslocamento).O Efeito Deslocamento é uma constatação empírica sobreo crescimento dos gastos públicos no Reino Unido noperíodo de 1890 a 1955. O Efeito Deslocamento (efeitotranslação) é explicado por uma maior tolerância a umaelevação da carga tributária nos períodos de instabilidadeexterna ou interna. Uma maior tolerância à carga tributáriadurante períodos de paz pode ser explicada pelos efeitosimposição e inspeção. Efeitos Imposição: Representa umamaior tolerância à carga tributária por motivos de“igualdade” e “coletivismo”. Efeito Inspeção: Representauma maior tolerância à carga tributária motivada por umamelhoria nos serviços públicos.

O relacionamento entre crescimento da renda per capita egasto público foi focado também nos trabalhos de Musgrave,Rostow e Herber. Eles argumentaram que apesar da relação serválida, cada país define uma trajetória própria de crescimentoe dispêndio público. Musgrave, por exemplo, definia que aformação bruta de capital do setor público era muito importantenos primeiros estágios de desenvolvimento do país. Nesseestágio, o investimento público em relação ao total deinvestimentos da economia deveria ser bastante significativo.Haveria grande necessidade de infraestrutura social e econômicaque as empresas incipientes não deveriam ter escala ou capitalsuficiente para realizar. Num estágio intermediário, o papel dogasto público passa a ser de complementação do investimentoprivado.

Numa fase final, o investimento púbico decresce mas depoisvolta a se elevar para um novo patamar de renda edesenvolvimento social. Assim o ciclo se repetiria indefinidamenteem patamares cada vez mais altos. Rostow assinalava quenessas etapas mais maduras de desenvolvimento o queimpulsionaria o gasto público seriam os gastos sociais. Herber,por sua vez, retoma a “Lei de Wagner” para dar ênfase ao

74

Jack

son

De

Toni

processo de industrialização como motor do aumento dodispêndio governamental.

Em geral os três modelos guardam bastante identidade aoassociar o gasto público ao nível de desenvolvimento econômicoe social de um país. Há também a ideia de que se forma umciclo de gastos maiores no início do processo e menores nofinal, o ciclo é como um espiral ascendente, ou seja, ocorreriaem patamares superiores e sucessivos, conforme a sofisticaçãodas demandas da sociedade.

Modelo de Musgrave, Rostow e Heber: os gastos públicosaumentam nos períodos pré-industriais, mantêm-seconstante nos períodos de industrialização e tornam acrescer nos períodos pós-industriais.

Os gastos públicos podem ser classificados como despesascorrentes ou despesas de capital. As despesa correntesconstituem-se num conjunto de gastos operacionais realizadospelo governo com o objetivo de promover a execução,manutenção e o funcionamento de suas atividades. As despesascorrentes podem ser ainda subdivididas em custeio etransferências. As despesas de custeio são compostas com odispêndio com pessoal, manutenção dos serviços, diárias,gratificações, material de consumo, etc.

Já as transferências correntes representam as dotaçõesque não correspondem a prestações de serviço ou aquisiçãode bens de consumo pela unidade de governo que a realizou.Essas transferências podem ser as subvenções econômicas,as transferências a entidades privadas, encargos da dívida,etc. As despesas de capital, por sua vez, representam osdispêndios que contribuem para formar um bem de capital ougerar um acréscimo de valor a um bem já existente, realizadapor meio da compra, transferência ou outro meio de aquisiçãode propriedade. Nessas despesas enquadra-se, por exemplo,os investimentos, as transferências de capital e as inversõesfinanceiras.

No Brasil a tradição é de gerar déficits, ou seja, daarrecadação ser inferior ao nível de despesas. Quando issoacontece, o governo tem algumas alternativas básicas: emite

75

Política Fiscal: D

éficit Público e D

ívida Pública

Economia no Setor P

úblico

moeda gerando inflação, lança títulos públicos e toma dinheiroemprestado no mercado (para isso o juro tem que ser alto eatrativo aos investidores) ou aumenta a arrecadação deimpostos (mas além de um limite retira renda da sociedade). Ainflação, no caso da emissão monetária, acaba corroendo ovalor da moeda, num primeiro momento ela ajuda o governo amascarar as despesas, basta “jogar para frente” determinadadespesa (adiando a folha de pagamento, por exemplo) que ovalor real diminuirá. Por outro lado a inflação corrói o valor realda arrecadação, pois entre o fato gerador do imposto e aefetiva entrada no caixa do governo há uma deterioração dovalor real da moeda, é o chamado “Efeito Tanzi”.

Efeito Tanzi ou Oliveira-Tanzi: é a corrosão daArrecadação Real durante um processo inflacionário”. Aredução do poder de compra da arrecadação do governodurante a inflação é devida: (i) à corrosão de base dotributo (ii) à defasagem entre o fato gerador e lançamentodo tributo (iii) à defasagem entre o lançamento e orecolhimento do imposto.

Quando o governo emite títulos da dívida pública, a pressãoinflacionária não deve surgir imediatamente, pois o governoarrecada dinheiro (vendendo os títulos públicos) que já estáem circulação, em posse de pessoas que compraram, no nossocaso, dos bancos públicos e privados. A grande questão nessecaso é que para alguém comprar um título do governo brasileiro,um banco internacional ou nacional, com a certeza de que ogoverno vai pagar um juro adequado e devolver o dinheiroemprestado na data do vencimento, é preciso confiabilidade ejuros atrativos. No primeiro caso influem diversos fatores, ohistórico do país em relação ao pagamento de compromissos (orespeito aos contratos), o clima político e social interno e ofamoso “risco país”, que é uma espécie de “termômetro” daconfiabilidade dos investidores.

O risco país é um índice denominado “Emerging MarketsBond Index Plus” (EMBI+) e mede o grau de “perigo” queum país representa para o investidor estrangeiro. Esse

76

Jack

son

De

Toni

indicador se concentra nos países emergentes. É calculadopor agências de classificação de risco e bancos deinvestimentos, como o banco de investimentos americanoJ. P. Morgan. Analisa o rendimento dos instrumentos dadívida de um determinado país, principalmente o valor (taxade juros) com o qual o país pretende remunerar osaplicadores em bônus, representativos da dívida pública.O risco país é a sobretaxa que se paga em relação àrentabilidade garantida pelos bônus do Tesouro dos EstadosUnidos, país considerado o mais solvente do mundo, ouseja, o de menor risco para um aplicador não receber odinheiro investido acrescido dos juros prometidos. Sãoavaliados o nível do déficit fiscal, as turbulências políticas,o crescimento da economia e a relação entre arrecadaçãoe a dívida de um país. Ele é expresso em pontos básicos.Sua conversão é simples: 100 unidades equivalem a umasobretaxa de 1%. Quanto maior for o risco, menor será acapacidade do país de atrair investimentos estrangeiros.Em 2008 o risco país oscilou em 200 pontos, significandoque a taxa mínima aceitável pelos investidores deveria serdois pontos percentuais acima das taxas pagas pelo tesouronorte-americano. Esse valor já chegou a 2.400 pontos navéspera da posse do governo Lula em 2002, os bancosinternacionais apenas estavam precificando o temor deque o novo governo não honrasse seus compromissos como pagamento da dívida pública. O governo Lula não sómanteve a normalidade na gestão da dívida pública comoaumentou as metas de superávit fiscal e algum tempopagou a dívida externa de curto prazo herdada do governoanterior no valor de US$ 15,5 bilhões.

Parte expressiva do lucro dos bancos no Brasil, algunsapresentam os maiores lucros do mundo, deriva do valor dastaxas de juros pagas. Os bancos compram os títulos e revendemaos seus clientes através dos fundos de investimento,certificados de depósito bancário e uma infinidade de “produtos”financeiros. Se a dívida cresce muito os investidores ficamreceosos de ocorrer o “default”, ou seja, o não pagamento (oumoratória), por isso é importante manter a dívida pública até

77

Política Fiscal: D

éficit Público e D

ívida Pública

Economia no Setor P

úblico

certo limite do PIB, com prazos mais alongados a taxas menores.De qualquer jeito, um dos componentes da taxa de juros é orisco implícito do não pagamento, felizmente esse componentetem diminuído no Brasil, mas ele também é influenciado pelascondições da economia mundial, que está fora do nosso controle.

Não é por outro motivo que o equilíbrio das contas públicasé tão importante para a “saúde” financeira do Estado, é umdos chamados “fundamentos macroeconômicos”, tão caros àmanutenção de um ambiente interno favorável aosinvestimentos. O que importa não é tanto o tamanho da dívida,dentro de certos limites, mas sua “qualidade”, isto é, suacomposição interna, quais são os indexadores, os prazos deinvestimento e a capacidade do país em mantê-la sem afetar ocrescimento econômico doméstico, ou pior, induzir a umarecessão com estagnação da economia.

Quando um déficit em transações correntes na balança depagamentos (que mede as transações econômicas com oexterior) é financiado com empréstimos externos e altas taxasde juros e essas taxas aumentam a dívida interna, diz-se que opaís tem “déficits gêmeos”. Nessa situação, déficit internocombinado com déficit externo, surgem os chamados “ataquesespeculativos” contra a moeda nacional. O mais recente ataqueespeculativo que o real sofreu foi em 1999 e a moeda brasileirafoi fortemente desvalorizada.

Um ataque especulativo acontece quando os investidoresdesconfiam da solidez da economia do país e iniciam um processode saída ou venda de seus ativos em moeda nacional de formaprogressiva. A ação de desinvestimento contamina toda aeconomia e os “últimos a saírem” acabam assumindo toda aperda. O governo para evitar uma “sangria” maior de divisasexternas desvaloriza a moeda, ou seja, decreta que para cadadólar o investidor pode trocar por um número maior de reais,compensando em parte as perdas. Quando o país tem reservasem moeda forte ele consegue “bancar” a demanda por dólarespelos investidores que estão abandonando suas posições emmoeda local, em reais, e conter o preço do dólar, mas quandoas reservas estão baixas a crise se alastra. As reservas sãoacumuladas nos momentos em que o Banco Central compradólares, normalmente nos períodos em que o comércio

78

Jack

son

De

Toni

internacional gera saldos comerciais significativos.

O déficit público pode ser financiado por: aumento dabase monetária (emissão de moeda); aumento do estoqueda dívida líquida (emissão de títulos); imposto inflacionário;senhoriagem; aumento das operações ativas do BancoCentral; diminuição do passivo do Banco central; reservasinternacionais e crédito externo líquido.

Evolução recentedo déficit públicoDurante as décadas de 80 e 90 as contas públicas brasileiras

passaram por grandes transformações. A inflação persistentefoi durante muitos anos um dos principais obstáculos paraevidenciar os grandes desequilíbrios na arrecadação e naestrutura de gastos públicos. A inflação alta acomoda asdespesas porque diminui o valor real da despesa. A partir de1995, a diminuição drástica da inflação fez explodir a dimensãoreal das despesas públicas e evidenciou todos os problemas degerenciamento da dívida pública. Foi somente no final da décadaque o superávit nas contas adquiriu alguma sustentabilidade.

A estabilização ocorreu, entretanto, a um alto customonetário, a taxa nominal média de juros desde a estabilizaçãoem 1994 foi de 7% ao ano, um valor alto, mesmo para paísesemergentes. O impacto do risco país e outros fatores na taxada juros repercutiu em parcelas crescentes da riqueza nacionalcomprometida com o carregamento da dívida. Somente com osjuros pagos depois da estabilização comprometeu-se quase5% do PIB. Outros países no mesmo período apresentavamdívidas brutas de quase uma vez e meia seu PIB, como foi ocaso da Grécia, Bélgica ou Itália. Deve-se observar, entretanto,que boa parte da dívida pública está sob a forma de títulosemitidos pelo governo em posse de instituições públicas e aoutra parte nas mãos de bancos privados.

Em termos gerais, as tendências recentes das contaspúblicas demonstram uma aumento dos gastos públicos acimadas taxas de crescimento do PIB, particularmente com os

79

Política Fiscal: D

éficit Público e D

ívida Pública

Economia no Setor P

úblico

benefícios da seguridade social e dos benefícios relacionados àLei Orgânica da Assistência Social (LOAS – a Lei nº 8.742, de 7de dezembro de 1993, define que a assistência social é direitodo cidadão e dever do Estado, como política de seguridadesocial não contributiva, a assistência social deve garantir osmínimos sociais e ser realizada através de um conjunto integradode ações de iniciativa pública e da sociedade). Por exemplo, aentrada dos aposentados rurais, por idade, saltou de 1,9 milhãode pessoas em 1991 para quase 4 milhões em 1994. As despesasde pessoal com o funcionalismo passaram de 3,8% do PIB em1991 para 4,7% em 2007, basicamente devido ao aumento dedespesas com servidores inativos. As transferências legais paraestados e municípios, que eram 2,7% do PIB em 1991, passarampara pouco mais de 4% em 2007. Esse aumento ocorreu devidoàs várias concessões federais para estados e municípios, aoaumento dos tributos que são base para os fundos departicipação (com exceção do IPI que caiu), novos fundos detransferências (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento doEnsino Fundamental e Valorização do Magistério, o FUNDEF,por exemplo).

Déficit primário ou resultado primário deficitário: oDéficit Primário é definido como o excesso da despesassobre as receitas não financeiras, isto é, que não estãorelacionadas com o serviço (juros) da dívida pública.

O perfil das despesas do Governo Federal é muito rígido, amaior parte são de difícil compressão, como as transferênciaspara estados e municípios, gastos de pessoal, seguridade sociale outros itens. Cada subsídio ou subvenção tem sempre portrás um lobby no Congresso Nacional, particularmente nosmomentos de votação da peça orçamentária, todo ano. Osestudiosos do assunto admitem que dada a impossibilidade dediminuir as despesas com outros poderes restaria uma margemmenor que 1% do PIB para uma ação discricionária do PoderExecutivo.

Um dos maiores problemas nas despesas públicas são osgastos com seguridade social. O Brasil fez recentemente trêsreformas previdenciárias desde o Plano Real de 1994. Algumas

80

Jack

son

De

Toni

medidas implementadas: adoção do princípio da idade mínimade 60 ou 55 anos, criação do “fator previdenciário” vinculado obenefício à média de contribuição e à idade do segurado. Osproblemas parecem se localizar na desproporção dos recursosdisponíveis para aposentadoria de servidores públicos (ummilhão) e trabalhadores do setor privado (vinte milhões).

O crescimento das despesas com inativos na área públicatem se concentrado com os servidores militares. A proporçãode gastos com inativos de militares em relação aos ativos équase três vezes maior que os servidores civis. Atualmente osgastos com servidores militares ativos representa 16% dadespesa, mas os gastos com inativos passa de 34%. Assim oaumento das despesas com seguridade, que pulou de 3,4% doPIB em 1991 para 7,2% do PIB em 2007, pode ser atribuídosinteticamente à incorporação de segurados rurais, aos aumentosdo valor real do salário-mínimo (entre 1995 e 2008, subiu 110%),concessões diversas e falhas gerenciais (o número de auxílios-doença, por exemplo, pulou de 500 mil indivíduos/mês para 1,5milhão entre 2000 e 2005).

Déficit nominal ou resultado nominal deficitário: Odéficit nominal é definido como a soma do déficit primáriocom os juros nominais da dívida, isto é, o déficit nominal éigual ao déficit primário acrescido dos juros nominais doestoque da dívida pública. O déficit nominal inclui todas asreceitas e despesas e é muito distorcido pela inflação.

Em relação a estados e municípios podemos dizer que nosanos 90 também houve ma mudança de trajetória das dívidasestaduais. O conjunto de renegociações das dívidas estaduais,com a federalização das dívidas e pagamento em 30 anos comteto da receita estadual e garantias contra inadimplência, mudouo quadro para melhor na maioria dos casos. A própria Lei deResponsabilidade Fiscal reforçou a impossibilidade de revisõesposteriores das negociações. Além disso a maioria dos estadose municípios teve impactos positivos com o aumento da receitade ICM sobre telefonia e combustíveis, transferências de receitasfederais e melhorias dos processos de gestão.

81

Política Fiscal: D

éficit Público e D

ívida Pública

Economia no Setor P

úblico

Déficit operacional ou resultado operacionaldeficitário: O déficit operacional é obtido retirando-se dodéficit nominal a correção monetária e cambial da dívida,ou seja, o déficit operacional é igual ao déficit nominalmenos a correção monetária e cambial do estoque da dívidapública. Portanto a correção monetária e cambial da dívidanão está incluída no déficit operacional. O conceito dedéficit operacional foi criado para se ter uma medida dedéficit público menos influenciada pela inflação do que odéficit nominal. O déficit operacional também pode serdefinido como a soma do déficit primário com os juros reais(juros nominais menos correção monetária) do estoque dadívida pública.

A dívida líquida do setor público brasileiro já chegou a 56%do PIB nos anos 80. Com a inflação alta e déficits pequenos elachegou a 30% do PIB em 1994 baixando para seu mínimo de28% do PIB em 1995, retomando o nível de 52% do PIB em2003, baixando para os atuais 45%. Enquanto a parte externada dívida pública perdeu importância (hoje o Brasil inclusive éum credor externo líquido), não se pode dizer o mesmo aoproblema da dívida mobiliária federal que continua crescendoimpactada pela alta taxa de juros. A redução da dívida vinculadaà variação do câmbio decorreu da desvalorização cambial(iniciada em 1999) e seu perfil sofreu um alongamento maior,títulos de curto prazo foram substituídos por títulos de maislongo prazo com taxas menores.

Por exemplo, as Notas do Tesouro Nacional de até dezanos vêm substituindo as Letras do Tesouro Nacional de curtoprazo, hoje representam por volta de 30% dos títulos pré-fixados (o rendimento é conhecido antecipadamente), fazendocom que o prazo médio de liquidação desses títulos saltasse detrês para 18 meses. À medida que o ambiente interno seestabiliza e os fundamentos macroeconômicos se consolidam(inflação baixa, taxas positivas de crescimento e equilíbrioexterno) os prazos aumentam e o valor das taxas baixam. Paraexemplificar, o Governo Federal vendeu títulos (Notas do TesouroNacional – NTNs) em 2007 com prazo para 2017 (dez anos)pagando juros reais brutos de até 7%. A situação atual,

82

Jack

son

De

Toni

portanto, é de sensível melhoria na gestão da dívida pública,que adquire um perfil mais flexível, de mais prazo e menorvulnerabilidade aos choques de juro de curto prazo ou àsturbulências cambiais resultantes de crises externas.

Quanto aos desafios nesse campo é evidente que aindapersiste o problema do subinvestimento do setor público e dabaixa qualidade da carga tributária. A diminuição do investimentopúblico (que é complementar ao investimento privado) é semdúvida um dos motivos que explica a inconstância e a baixataxa de crescimento do PIB. Outro desafio é conter a dívidamobiliária federal, que passou de 12% do PIB em 1994 para46% do PIB atualmente. Isso também depende de condiçõesexternas já que a política de juros é fortemente influenciadapela política cambial e vice-versa.

Por exemplo, uma baixa na taxa de juros – desconsiderandoo efeito sobre o consumo doméstico – pode influenciar a saídade investidores externos. Essa medida isolada poderia repercutirnuma tendência à valorização do real, já que a oferta internade moeda forte ficaria menor. Outro desafio seria diminuir oritmo de expansão do gasto corrente, aquele relacionado ao“carregamento” da máquina pública, porque isso diminuiria apressão por aumento de arrecadação via elevação da cargatributária. Esse tipo de gasto se expandiu a uma taxa de 6% aoano entre 1990 e 2007 versus um crescimento médio de 3% doPIB.

Esses dados parecem indicar que a necessidade de umaagenda de reformas que repercuta positivamente sobre aqualidade e gestão da dívida pública ainda é uma tarefainacabada do governo e da sociedade brasileira. Os dilemassão as escolhas a serem feitas diante de benefícios difusos nofuturo. Por exemplo, como diminuir os gastos correntes semprejudicar estados e municípios ou diminuir a qualidade do serviçopúblico? Como conter gastos sem afetar os programas sociaisredistributivos que estão contribuindo fortemente para melhorara equidade social e fortalecer o mercado interno? Como diminuiros gastos da previdência e manter simultaneamente os impactospositivos de uma política de correção do valor real do salário-mínimo? Como reduzir despesas financeiras com juros eamortização da dívida sem quebrar contratos e afastar

83

Política Fiscal: D

éficit Público e D

ívida Pública

Economia no Setor P

úblico

investidores?

Necessidade de Financiamento do Setor Público(NFSP) – É o conceito de déficit que inclui as despesas dogoverno nas três esferas (federal, estadual e municipal) etambém as despesas das empresas estatais. O conceitode NFSP foi introduzido no Brasil para atender os critériosdo FMI de avaliação do setor público. A NFSP pode sercalculada nos conceitos primário, nominal ou operacional.

Entre esses dilemas, pouco debatidos publicamente, estáa enorme transferência do setor público para o setor privadofinanceiro através das amortizações da dívida. A origem desseproblema está nas opções de política econômica feitas durantea fase de estabilização monetária. Naquele período os policymakers, grosso modo, trocaram inflação por dívida. O mecanismofoi simples: a adoção do cambio fixo (administrado pelo governo)permitiu uma ampliação das importações, a manutenção dasaltas taxas de juro atraiu investimentos externos.

A primeira medida ajudava a coibir aumentos de preçosmediante a concorrência externa. A segunda, além de conter ademanda, atraía capital externo para equilibrar as contasexternas e financiar despesas do governo. A inflação caiudrasticamente, mas os efeitos colaterais não foram menosdramáticos: desnacionalização de alguns setores menospreparados para a abertura cambial, desemprego crescente emá gestão das despesas públicas. O resultado foi a quebra dopaís em 1998 e a necessidade de acordo e empréstimo doFundo Monetário Internacional em 1999. Para ilustrar, entre1998 e 2006 as aplicações externas no Brasil aumentaram porvolta de 600%. A tabela a seguir, elaborada pelo IPEA, ilustra ocrescimento da dívida mobiliária (títulos públicos) do GovernoFederal dos últimos anos.

84

Jack

son

De

Toni

Quadro 12

Para demonstrar o peso das despesas financeiras, seconsiderarmos o critério adotado pela Lei de ResponsabilidadeFiscal (LC 101/2000), elas atingem quase 70% da ReceitaCorrente Líquida da União, receitas correntes são basicamenteaquelas derivadas da arrecadação tributária. As despesasfinanceiras cresceram nos últimos anos mais do que qualqueroutra despesa. A seguir, para exemplificar, somente o pagamentode juros pelo governo salta de R$ 88,7 bilhões em 1998 para R$155,1 bilhões em 2006 (o PIB foi calculado pela metodologiaantiga do IBGE). O Brasil tem sido nos últimos 15 anos um“campeão” mundial de juros altos, essa é a causa fundamentalda financeirização da riqueza no país. Nesse mesmo período,como já vimos, a carga tributária aumenta significativamente.

Quadro 13

Para fazer frente a este esforço, o governo central vemmantendo desde 1999, como decorrência dos acordos com oFMI, o superávit primário que já chegou a 3% do PIB em 2004.O mecanismo econômico subjacente a esse processo é umagrande transferência do setor não financeiro (da renda gerada

85

Política Fiscal: D

éficit Público e D

ívida Pública

Economia no Setor P

úblico

por indústrias, serviços e agronegócio) para o setor financeiroda economia (bancos) intermediada pela política econômica doEstado. Os economistas chamam esse fenômeno de“financeirização” da riqueza. Ou seja, há uma parcela cada vezmaior da poupança fiscal destinada aos credores do Estado(aqueles que detêm títulos públicos, por exemplo), com reduçãoproporcional da parcela destinada a manter a máquina pública(despesas correntes) e – o mais preocupante – das despesasde capital, aquelas destinadas a ampliar a infraestruturaeconômica e social do país.

ReferênciaAFONSO, J. R.; BIASOTO Jr., G. Investimento público noBrasil: diagnósticos e proposições. Revista do BNDES,v. 14, nº 27, 2007.

ALÉM, A. C.; GIAMBIAGI, F. O ajuste do Governo Central:além das reformas. In: GIAMBIAGI, F.; MOREIRA, M. M.(1999) A economia brasileira nos anos 90. BNDES.

BARBOSA, F.; GIAMBIAGI, F. O ajuste fiscal de 1990-93:uma análise retrospectiva. Revista Brasileira deEconomia, v. 49, nº 3, jul.-set., 1995.

BICALHO, A. Teste de sustentabilidade e ajuste fiscalno Brasil pós-Real. Tese de Doutorado – Fundação GetulioVargas, Rio de Janeiro, 2005.

BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflationtargeting: lessons from Brazil. In: BANCO MUNDIAL.Brazil: fiscal policy for reduced vulnerability. 2004.

CAGAN, P. The monetary dynamics of hyperinflation.In: FRIEDMAN, M. (Ed.). Studies in the quantity theory ofmoney. Chicago: University of Chicago Press, 1956.

CASTRO, J. A.; MORAES, M.; SADECK, F.; DUARTE, B.;SIMÕES, H. Gasto social federal em uma dimensão

86

Jack

son

De

Toni

macroeconômica: 1995-2001. In: PINTO, M.; ALVES, P.;BIASOTO, G. (Orgs.) Política fiscal e desenvolvimentono Brasil. Editora Unicamp, 2006.

CYSNE, R. Contabilidade com juros reais, déficit públicoe imposto inflacionário. Pesquisa e PlanejamentoEconômico, v. 20, nº 1, Rio de Janeiro: IPEA, 1990.

FISHLOW, A. A economia política do ajustamentobrasileiro aos choques do petróleo: uma nota sobre operíodo 1974-1984. Pesquisa e Planejamento Econômico,v. 16, nº 3, Rio de Janeiro: IPEA, 1986.

FMI – Fundo Monetário Internacional Fiscalimprovement in advanced economies: how long will itlast? World Economic Outlook, cap. III, 2001.

Autoavaliação1. Quais os traços comuns nos diversos modelos de despesapública?

2. O que quer dizer “a qualidade” da dívida pública e porque é importante seu perfil?

3. No Brasil a dívida pública representou um gastonecessário ou um obstáculo para o desenvolvimento dopaís?

87

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

Cap. VII

Os princípios e ateoria da tributação

Para arcar com as despesas e funções estatais vistasanteriormente o governo demanda um quantum significativo derecursos. A principal fonte de receita do setor público é aarrecadação tributária. Um sistema tributário ideal deve levarem conta o conceito de equidade, ou seja, a ideia de que adistribuição do peso do tributo deva ser equitativamentedistribuída entre os diversos indivíduos da sociedade. Outroconceito é o de progressividade, um princípio que sugere atributação maior para quem tem maior renda ou patrimônio. Oconceito de neutralidade nos diz que os impostos devem serorganizados e cobrados de uma tal forma que minimizem ospossíveis impactos negativos sobre a eficácia econômica.

Os tributos se desdobram em: • Impostos: são tributoscuja arrecadação não tem destinação obrigatóriapredeterminada • Taxas: relacionam-se com a prestação,pelo poder público, de algum serviço identificável •Contribuições de Melhoria: constituem uma espécie detributo decorrente da valorização imobiliária particular,proporcionada pela realização de uma obra pública, e •

88

Jack

son

De

Toni

Contribuições Sociais: são tributos cuja arrecadação temdestinação específica obrigatória, a exemplo das“contribuições sociais de intervenção no domínioeconômico” e, em destaque, das contribuições sociais paraa Seguridade Social.

A aplicação de um imposto representa um custo e comotal desloca a curva de oferta para a esquerda, ou seja, diminuia quantidade ofertada de um bem ou produto, isso faz com queo nível de equilíbrio do mercado seja obtido abaixo do potencialreal. Por fim, o conceito de simplicidade recomenda que osistema tributário deva ser de fácil compreensão para ocontribuinte, sobretudo, e de fácil arrecadação para o governo.Vamos analisar com mais detalhes esses conceitos nas próximaslinhas.

O conceito de equidade relaciona a cobrança do tributocom a capacidade de pagamento do contribuinte. Cada indivíduoem tese deve contribuir com uma parcela justa de impostos.Um argumento diz que cada indivíduo deveria contribuirproporcionalmente aos benefícios gerados pelo consumo do bempúblico em questão. Esse princípio é simples do ponto de vistateórico, mas difícil de medir, porque o Estado não conhece apreferência do indivíduo que não é revelada no seu consumo,somente nos processos eleitorais, e, ainda assim, comdistorções como já vimos. Além disso, como cada indivíduo tempreferências diferenciadas conforme sua renda, posição social,cultura, etc., seria impossível definir um padrão de cobrançaválido para toda a sociedade.

O Princípio do Benefício vincula o ônus do tributo com obenefício dos gastos públicos. Os benefícios podem sertotais, proporcionais ou marginais. Benefícios Totais: Oimposto a pagar deve equivaler aos benefícios totais queo contribuinte recebe dos gastos públicos. BenefíciosProporcionais: A carga tributária deve ser distribuídaproporcionalmente ao benefício total recebido, ou seja, acontribuição deve ser proporcional aos benefícios totaisrecebidos. Benefícios: os impostos devem ser distribuídoscom base nos benefícios marginais recebidos. É o melhorentre os três concertos de benefícios recebidos.

89

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

Mesmo assim, a cobrança pelo benefício pode ser possívelno caso daqueles bens e serviços cujo consumo pode serindividualizado. A cobrança pode ser feita através de tarifas etaxas de utilização como no caso dos transportes. Os bensprivados fornecidos mediante concessão do governo oudiretamente por ele, cujo benefício é internalizado por quem oconsome, podem ser tributados como o processo de mercado,com princípios similares de formação de preços.

Um imposto ou taxa associado ao consumo de combustíveis,por exemplo, poderia ser organizado de acordo com esseprincípio. Esse tipo de tributo seria utilizado para construir emanter as rodovias. Os usuários que pagam o tributo, em tese,seriam os mesmos beneficiários pela sua aplicação. Resta oproblema de como diferenciar o uso que cada motorista fará darodovia, alguns utilizam mais, outros menos, o Estado não teriacomo discriminar uns dos outros. A contribuição social daprevidência seria outro tipo de tributo cobrado segundo oprincípio do benefício. As pensões e benefícios recebidos naaposentadoria teriam relação direta com as contribuições pagasdurante o período de vida ativa do trabalhador.

Princípio da capacidade de pagamento: “Paga mais impostoquem é mais capaz”: o princípio da Capacidade dePagamento fornece a base para a incidência dos impostos,pois surge a pergunta natural, quem é mais capaz?Resposta: Quem possui a maior renda, o maior patrimônioe riqueza ou quem consome mais.

O princípio do benefício, além de não ser operacional, podeser aplicado de forma muito restrita já que o total de gastosque devem ser financiados com tributos é muito superior aoque poderiam arrecadar os tributos somente dessa natureza.Além disso, a função redistributiva, transferir renda de um setorpara outro, não seria viável só com tributos organizados sob oprincípio do benefício. Uma outra forma de tentar garantir aequidade na cobrança de tributos é a adoção do princípio dacapacidade de pagamento que permitiria a formulação de umaregra geral válida para toda a sociedade.

Segundo essa regra, a carga do tributo deve ser tal que

90

Jack

son

De

Toni

os contribuintes com a mesma capacidade de pagamento devempagar o mesmo nível de impostos (equidade horizontal). Ascontribuições dos indivíduos devem ser diferentes conformesuas capacidades de pagamento (equidade vertical). O problemaimediato que se coloca é como definir o que é a capacidade depagamento de cada indivíduo. Poderia ser uma medida de fluxoeconômico como a renda ou consumo ou uma medida comoestoque, por exemplo, a riqueza ou patrimônio acumulado.

Impostos Diretos: São aqueles nos quais o ônus datributação recai sobre quem deve pagar o imposto. Sãoimpostos que incidem sobre a Renda e o Patrimônio. AsContribuições Para fiscais (CPF), tais como, PrevidênciaSocial, PIS – PASEP, salário-família, etc., estão incluídasnos impostos diretos. Exemplos: IRPF, IRPJ, IPTU,IPVA.Impostos Indiretos: São aqueles nos quais nãonecessariamente o ônus da tributação recai sobre quemdeve pagar o imposto, ou seja, é possível uma transferênciada carga tributária (paga mais imposto quem é maisinelástico – Tributação do Inelástico). A base dos impostosindiretos é o consumo e a venda de bens e serviços. Osimpostos indiretos são em geral regressivos. Exemplos: ISS,ICMS.

A renda, considerando todos os fluxos de renda naeconomia, é mais ampla que o consumo porque parte da rendapode não ser consumida e ser poupada. Alguns estudiososargumentam que a tributação sobre a renda como um todoconduz à incidência de impostos sobre a poupança e oinvestimento, que em tese não deveriam ser tributados porquesão benéficos ao crescimento econômico como um todo. Paraestes somente os atos de consumo deveriam ser tributados, e,ainda assim, os atos de consumo “egoísta” destinados à fruiçãodireta e pessoal do contribuinte. Para fins redistributivos,contudo, a renda parece ser a melhor alternativa, porque elapossibilita individualização da cobrança, aplicação de alíquotasdiferenciadas, isenções específicas a partir das característicasindividuais de cada contribuinte.

Na tributação sobre o consumo, os indivíduos pagam a

91

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

mesma alíquota sobre cada unidade consumidaindependentemente de sua renda ou patrimônio. Por isso osindivíduos com menos renda pagam relativamente mais natributação sobre o consumo do que os indivíduos de maiorrenda. A tributação sobre a riqueza não seria necessária, jáque a tributação abrangente sobre a renda que é gerada pelariqueza estaria garantindo o devido ônus aos detentores deriqueza. Mesmo a tributação sobre a renda apresentadificuldades de mensuração. Os sistemas tributários têmcombinado tributações sobre a renda, o patrimônio e o consumoem proporções variáveis.

Princípio da rentabilidade – A arrecadação não deve sernem menor e nem muito maior do que os gastos do governo.Princípio da elasticidade – Os incrementos (aumentos)na arrecadação devem ser ligeiramente maiores do que ocrescimento nos gastos públicos, ou seja, a elasticidadeda arrecadação tributária deve ser um pouco maior que aunidade.Princípio da economicidade – O volume arrecadado nãopode ser comprometido pelo custo da arrecadação.Princípio da simplicidade – A Legislação Tributária deveser a mais simples.

Os tributos podem ser progressivos ou regressivos. Aprogressividade de um tributo está associada à alíquota detributação que se eleva quando aumenta a renda. O quejustificaria uma tributação progressiva é justamente o princípioda equidade, quem tem mais renda deveria pagar mais do queaqueles de menor renda. Ao contrário, um imposto regressivo éaquele que implica numa contribuição maior da parcela dapopulação de mais baixa renda, vis-à-vis, a população de maisalta renda. Assim, o número de alíquotas de um imposto influenciadiretamente a sua natureza progressiva ou regressiva, quantomaior o número de alíquotas, mais progressivo ele será.

Imposto específico: é um valor constante adicionado aopreço. A imposição de um imposto específico retraiparalelamente a oferta, isto é, causa um deslocamento

92

Jack

son

De

Toni

paralelo da curva de oferta para trás. Imposto ad-valorem(t): é uma alíquota constante que incide sobre o preço. Aimposição de um imposto ad-valorem gira a oferta paratrás, isto é, causa uma rotação da curva de oferta paratrás.

Um sistema tributário ideal seria aquele cuja execução nãoprovocasse distorções no sistema econômico, particularmentena formação do preço de bens e serviços. Um imposto de renda,por exemplo, reduz a disponibilidade de renda dos indivíduos, oque implica na redução de suas possibilidades de consumo,mas de forma homogênea, para todos os bens e serviços. Jáum imposto sobre o consumo que é aplicado de forma seletivareduz a possibilidade de consumo de um bem ou serviçodeterminado, podendo afetar as decisões sobre quanto produzire diminuir a oferta num estágio futuro. Cabe registrar, entretanto,que em muitos casos um tributo específico sobre o consumovisa corrigir alguma falha de mercado, com por exemplo umaexternalidade negativa. Imagine por exemplo a função daspenalidades pecuniárias (multas e taxas) pagas por condutoresde veículos que agem no sentido de reduzir as condutas perigosase diminuir a probabilidade de acidentes.

Perda de “peso morto” (excesso de carga fiscal, excessode gravame ou de “deadweight loss”): a imposição de umimposto causa uma perda de bem-estar tanto para osconsumidores quanto para os produtores. Parte dessa perdaé apropriada pelo governo, porém uma outra parte é perdida,essa perda de eficiência, medida em termos de bem-estar,é chamada de perda de peso morto. A perda de pesomorto depende da elasticidade. Teoricamente quando umimposto é neutro ele não causa perda de peso morto, poisesse tipo de imposto (a tributação neutra) só possui efeitorenda, não possui efeito substituição e portanto não alteraos preços relativos. Na prática, todo imposto gera algumaperda de peso morto, de modo que alguns autores definemum imposto neutro como sendo aquele que, na prática,causa a menor distorção possível.

93

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

Os tributos devem ser simples. É importante que o tributo,seja ele um imposto, taxa ou contribuição de melhoria, sejaentendido pelo contribuinte. Sua cobrança, arrecadação egestão também devem ser simples para os órgãos arrecadadoresdo governo, facilitando a transparência e controle social sobreessa atividade. A simplicidade também se traduz pelos baixoscustos de administração dos tributos, não teria sentido manterum tributo cujo custo fosse próximo à sua arrecadação, não émesmo.

A elasticidade-preço da demanda mede a sensibilidadena quantidade demandada ( Qd ) quando se faz umavariação no preço ( P ) de um bem. A demanda de um bempode ser elástica, inelástica ou de elasticidade unitária. Ademanda é elástica quando uma pequena variação no preçocausa proporcionalmente uma grande variação no preço.A demanda é inelástica quando é insensível à variação depreço, isto é, uma grande variação de preço causaproporcionalmente uma pequena variação na quantidadedemandada. A demanda é de elasticidade unitária quandouma variação no preço causa uma variação na quantidadedemandada na mesma proporção. O coeficiente deelasticidade-preço da demanda é definido como a razãoentre a variação percentual na quantidade demandada e avariação percentual no preço.

A elasticidade-preço da oferta é a sensibilidade naquantidade ofertada ( Qs ) devido a uma variação de preço.A oferta pode ser elástica, inelástica ou de elasticidadeunitária. A oferta é elástica quando uma variação no preçocausa uma variação mais do que proporcional na quantidadeofertada. A oferta é inelástica quando as variações naquantidade ofertada são proporcionalmente menores doque as variações de preço. A oferta é de elasticidadeunitária quando uma variação no preço causa uma variaçãona quantidade ofertada na mesma proporção. O coeficientede elasticidade-preço da oferta é definido como a razãoentre a variação proporcional na quantidade ofertada e avariação proporcional no preço.

94

Jack

son

De

Toni

Nem sempre os indivíduos sobre os quais incidem os tributossão os que realmente pagam ou arcam com o ônus do tributo.Quando um imposto é aplicado sobre um bem ou produto, opreço daquele bem incorpora o todo ou parte desse novo custo,é a reação do mercado (oferta e demanda) que vai determinarquem arca com o tributo, se os produtores ou consumidores. Aestrutura de mercado e o nível de elasticidade-preço da ofertae demanda são essenciais para determinar quem paga e quantose paga o tributo.

Por exemplo, imaginemos um imposto cobrado sobre a folhade pagamento das empresas para financiar um programa qualquerdo governo e que o empregador e o trabalhador tenham quedividir igualmente o ônus do tributo. Esse imposto vai tornarmais cara a folha de pagamento, ou seja, o preço da força detrabalho que o empregador adquire. Portanto, uma das reaçõespossíveis do empregador é diminuir sua demanda portrabalhadores, isto é, reduzir o número de empregados.

Se a redução da demanda por trabalho reduzir o preço daforça de trabalho (isto é, os salários), então pode-se dizer queo ônus maior pelo pagamento do tributo recaiu sobre otrabalhador. Agora, se os empregadores decidirem repassar paraos preços dos produtos o imposto pago, então haverá umaumento do preço final desses produtos para o consumidor.Logo, parte do ônus tributário do empresário será pago peloconsumidor. O tamanho desse repasse dependerá de como sãoas elasticidades-preço da oferta e da demanda desse bem.Elasticidades, de um modo geral, são as sensibilidades doconsumidor ou do produtor às variações de preço.

Por exemplo, um produto cuja demanda tem elasticidade-preço elástica terá uma variação muito grande na quantidadedemandada dada uma variação proporcionalmente menor nospreços. Em geral são produtos com pouca essencialidade, muitosbens substitutos e preço normalmente muito alto com grandeparticipação no orçamento das pessoas. Um produto dedemanda inelástica o consumidor reage muito pouco naquantidade demandada, dada uma variação de preços. Então éfácil deduzir que, se o bem ou serviço tributado tiver umademanda inelástica, o peso do tributo será assumido peloconsumidor, que continuará comprando aquele produto, mesmo

95

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

com a majoração do imposto. Na demanda elástica, simplesmenteo consumidor reduz a compra e o produtor, então, terá umareceita menor, assumindo a maior parte do peso do tributo.

Já a elasticidade da oferta traduz a sensibilidade do produtor(o empresário) da quantidade a ser ofertada em relação àvariação de preços. Quanto maior for a inclinação da curva deoferta por um determinado bem ou serviço, menor será aelasticidade da oferta, isto é, menor será a reação da quantidadeofertada em função da variação dos preços, quanto menor fora elasticidade da oferta, menor será o repasse tributário paraos consumidores. Contrariamente, se a oferta for totalmenteelástica ou muito elástica (curva achatada ou quase nahorizontal), qualquer aumento de preço provocado pelo tributoserá repassado quase totalmente aos consumidores atravésdo aumento de preços.

Portanto, quanto mais elástica a curva de demanda emenos elástica a curva de oferta maior parcela dos tributosserá ônus dos produtores. Ao contrário, quanto menos elásticaa curva de demanda e mais elástica a curva de oferta, serámaior o ônus do tributo assumido pelos consumidores. Outraforma de colocar o problema das elasticidades é saber, porexemplo, sobre a essencialidade do produto para osconsumidores, quanto mais essencial e sem substitutos, maiorserá o ônus do tributo. Para os empresários, quanto menoseles puderem aumentar o preço do produto, maior será seuônus com o tributo.

Concorrência Perfeita: é o mercado caracterizado porum grande número de pequenas firmas. O lucro econômicode uma firma competitiva é zero. Monopólio: é o mercadono qual só existe uma única firma, um único vendedor.Oligopólio: é mercado no qual existe um pequeno númerode grandes firmas. Concorrência Monopolística: é ummercado no qual a firma possui no curto prazo um lucroeconômico positivo, porém no longo prazo o lucro econômicoé nulo, nesses mercados existe uma forte diferenciaçãodo produto. Monopsônio: é o mercado no qual só existeum único comprador. Oligopsônio: é o mercado no qualexiste um pequeno número de grandes compradores.

96

Jack

son

De

Toni

Em relação à estrutura dos mercados, normalmente emmercados mais competitivos os produtores tendem a assumirmaior parte do ônus dos tributos. O motivo é simples, numsistema de concorrência perfeita ou economia competitiva,qualquer aumento de preço pode não ser seguido pelosconcorrentes que assim “roubam” parte dos clientes daquelesque majoram os preços pela primeira vez. Em mercados maismonopolistas, com poucos produtores, a tendência de formaçãode preços quase sempre implica num repasse maior do ônustributário para os consumidores.

Curva de Lafer: há uma relação entre o valor arrecadadode um tributo e sua alíquota. Essa relação é nula quando aalíquota é zero ou 100%, ninguém trabalharia para transferirtoda sua renda ao governo. Há um segmento dessa relaçãoque é crescente até atingir um ponto máximo dearrecadação em uma alíquota determinada, após a qual aarrecadação tenderia a zero (alíquota de 100%).

Os tributos podem ser diretos ou indiretos. Os tributosdiretos incidem sobre o indivíduo e está normalmente associadoà capacidade de pagamento de cada cidadão. Os tributosindiretos incidem sobre as atividades ou serviços, isto é, sobreo consumo, as vendas ou propriedades independente dascaracterísticas do indivíduos que fazem as transações ou sãoproprietários. Os tributos de um modo geral podem incidir sobrea renda, o patrimônio ou o consumo. Vamos analisar com maisdetalhe cada um deles nas próximas linhas.

Impostos sobre a renda

O imposto sobre renda incide sobre as remuneraçõesgeradas no sistema econômico, ou seja, salários, lucros, juros,dividendos e aluguéis, é a uma forma de tributação direta epode incidir sobre a pessoa física ou sobre a pessoa jurídica.Esse imposto é cobrado com base nas características pessoaisdo contribuinte, com alíquotas e isenções específicas a cadacaso, normalmente, por classes de renda. A renda tributável éo resultado da renda total do contribuinte deduzida de

97

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

abatimentos como despesas médicas ou educacionais, porexemplo. A alíquota nominal do imposto mede o impacto doimposto sobre o total da renda, já a alíquota efetiva reflete opercentual do imposto devido sobre a renda tributável. A alíquotaefetiva será tanto menor quanto forem os abatimentos sobre arenda total.

Princípio da equidade: “O ônus da tributação deve serigualmente repartido entre os contribuintes”. A equidadepode ser horizontal ou vertical. Equidade Horizontal:Tratar igualmente os iguais. Equidade Vertical: Tratardiferentemente os desiguais. O princípio da equidade podeser implementado pelos princípios da capacidade depagamento e do benefício recebido.

O imposto sobre a renda é um imposto pessoal porexcelência, ou seja, é o que mais se adapta aos princípios daequidade e da progressividade, pois permite de fato umadiscriminação entre contribuintes no que diz respeito à suacapacidade de pagamento. Parte da arrecadação desse tipode imposto é feita no ato de recebimento das rendas na formade salários, é o chamado “recolhimento na fonte”. Esse tipo deprocedimento depende somente da existência de uma relaçãoformal de trabalho, não se pode sonegar, e a transferência dosrecursos para o tesouro é automatizada.

O imposto sobre a renda das empresas pode ser calculadoa partir de três métodos: lucro real, lucro presumido e lucroarbitrado. Na primeira hipótese o lucro é calculado pela diferençaentre as receitas e os custos da empresa, isso exige que aempresa mantenha um sistema de contabilidade segundo asexigências legais. O lucro presumido se baseia na aplicação deuma alíquota sobre a receita bruta, é o mais indicado erecomendado para as pequenas empresas que têm um capitalsocial e uma receita bruta anual bastante reduzida parainviabilizar a implantação de um sistema contábil caro esofisticado. Finalmente o método do lucro arbitrado aplica-separa empresas que não tenham registros contábeis exigidospara aplicação do lucro sujeito à tributação. O governo arbitraa base do imposto que pode ser calculado como percentual do

98

Jack

son

De

Toni

ativo total, do capital ou da receita bruta.Um dos problemas do imposto sobre a renda é que em

alguns casos ou mercados, de produtos essenciais por exemplo,sem substitutos, a empresa pode repassá-lo ao consumidor,incorporando parte ou todo o quantum tributado no preço final.Nesse caso se desvirtuaria o princípio da equidade e daprogressividade que são as melhores características dessetributo. Além do tipo de produto,o grau de repasse da empresadependerá em que tipo de mercado ela opera, se competitivoou de monopólio, por exemplo. Outra implicação do repasse aopreço final, ao invés de diminuir o lucro do produtor, é a perdade competitividade externa dos produto nacional que ficariamais caro em relação ao concorrente estrangeiro, se for mantidaa taxa de câmbio, é claro.

Imposto sobre o patrimônio

O imposto sobre o patrimônio pode ser imputadoregularmente em função do ato de posse ou propriedade deativos em um certo tempo ou período. Assim como no caso dosimpostos municipais que incidem sobre a propriedade urbana(IPTU) ou dos impostos sobre os veículos (IPVA). Há também ocaso em que o imposto sobre o patrimônio ocorre quando háuma transmissão jurídica de propriedade, seria o caso dosimpostos sobre transmissão de bens, por exemplo.

O tributo mais comum nesta categoria é de fato aqueleque incide sobre a propriedade imobiliária urbana. Nesses casoshá maior facilidade de cobrança e fixação de alíquotas. Emtese esse tipo, assim como o sobre a renda, respeita o princípioda equidade e da progressividade porque quanto maior opatrimônio do indivíduo, maior será seu pagamento de imposto.É claro que o proprietário sempre poderá repassar o imposto,parte ou totalmente ao preço do aluguel ou para os produtosvendidos, se o imóvel tiver uso comercial.

Cabe observar aqui que os tributos nem sempre sãoutilizados somente para fins arrecadatórios. Por exemplo, háprodutos cujo consumo gera externalidades negativas, é o casodo tabaco e do álcool, então é comum que as alíquotas sejamaltas para “compensar” os prejuízos que o consumo desses

99

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

produtos causa, por exemplo, ao sistema público de saúde. Emrelação ao IPTU, é comum em muitas cidades a cobrança detaxas progressivas de IPTU no tempo sobre áreas urbanasdesocupadas para evitar o processo de especulação imobiliáriae valorização artificial de ativos. Além disso, esses “vaziosurbanos” provocam indiretamente o encarecimento de custospúblicos para estender e ampliar as redes de serviços, comotransportes e saneamento. Esse assunto ainda é juridicamentemuito controverso, mas o chamado “Estatuto da Cidade” (LeiFederal nº 10.257/2001) previu esse dispositivo como um dosinstrumentos urbanísticos mais importantes.

Imposto sobre as vendas

São também conhecidos como impostos sobre o consumo,são impostos indiretos, ou seja, o consumidor paga o tributoque está embutido dentro do preço final. Em muitos países éobrigatório ao vendedor destacar no preço o que é imposto doresto dos custos, isso contribui para transparência do sistematributário e para a educação fiscal dos contribuintes, ajudandoa evitar também a sonegação. Esse tributo pode ser classificadoquanto à sua base de incidência, quanto ao estágio de produçãoe comercialização e quanto à forma de apuração da base paracálculo do imposto.

Princípio da neutralidade: “Um tributo é dito neutro quandonão interfere na tomada de decisão dos agentes econômicosem relação à alocação dos recursos, ou seja, não alteraos preços relativos e consequentemente não possui efeitosubstituição (só possui efeito renda) e portanto não causaexcesso de carga perda de peso morto”. Na prática atributação neutra é aquela que ao ser implementada causaa menor distorção possível. Exemplos teóricos: Imposto“lump-sum”, imposto per capita, imposto geral sobre oconsumo e imposto geral sobre a renda.

Quanto à amplitude, os impostos sobre vendas podem sergerais ou especiais. Os impostos gerais são aqueles cujaincidência ocorre sobre uma série de negociações ou transações,

100

Jack

son

De

Toni

como a compra de bens e serviços industriais ou de consumo.As alíquotas podem ser uniformes se todos os bens têm umaúnica alíquota ou seletivos se a alíquota é diferenciada deacordo com a natureza do produto.

Os tributos especiais são cobrados sobre determinadosprodutos, tais como o cobrado sobre combustíveis e as bebidasalcoólicas, tais tributos sobre vendas sempre terão uma naturezaseletiva. Em relação ao estágio de produção e venda, osimpostos sobre vendas podem ser cobrados dos produtores,dos vendedores (atacadistas ou varejistas) ou em todas asetapas do ciclo produtivo. Os impostos cumulativos, que incidemem várias etapas do ciclo produtivo, acabam estimulando aintegração vertical da produção (a mesma empresa passa aproduzir ela mesma partes dos insumos que utiliza, evitando atributação cumulativa).

Em relação à forma de apuração, o imposto pode sercalculado sobre o valor total da venda ou transação ou somentesobre o valor adicionado em cada estágio da produção.

O Valor Adicionado Fiscal é utilizado como um doscritérios para a Definição do Índice de Participação dosMunicípios na receita do Imposto sobre a Circulação deMercadorias e Serviços – ICMS. Ele é obtido, para cadamunicípio, através da diferença entre o valor das saídasde mercadorias e dos serviços de transporte e decomunicação prestados no seu território, e o valor dasentradas de mercadorias e dos serviços de transporte ede comunicação adquiridos, em cada ano civil. Em economiadenomina-se valor adicionado em determinada etapa deprodução, a diferença entre o valor bruto da produção eos consumos intermediários nessa etapa. Assim o produtonacional pode ser concebido com a soma dos valoresadicionados em determinado período de tempo, em todasas etapas dos processos de produção do país.

Um tributo cobrado sobre todas as transações econômicasno valor adicionado na venda ao consumidor final teria umefeito neutro nos sistema de preços relativos, não afetandoteoricamente a eficiência deste ou daquele setor. Já um imposto

101

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

geral sobre vendas – e não o valor adicionado em cada etapa –teria um efeito dito “em cascata” e provocaria mais distorçõesnos preços quanto mais etapas ou maior for o ciclo produtivodo produto. Os tributos indiretos, como este, não seguem oprincípio da equidade, porque não discriminam a capacidade depagamento dos contribuintes.

Um indivíduo de alta renda paga a mesma quantia de ICMSembutido no preço de um quilo de tomate que um indivíduo debaixa renda. Em termos econômicos, o impacto tributário emrelação à renda é muitas vezes maior sobre os cidadãos debaixa renda – que efetivamente pagam mais – que os de altarenda. Se ainda for considerado que o consumo representa umpercentual decrescente da renda (quanto maior a renda, menora proporção dela que é gasta em consumo), e se a alíquota fora mesma para todos, então o imposto proporciona umadistribuição regressiva da renda, que tende a agravar osproblemas de equidade social. Uma solução que diminui esseproblema é atribuir menores alíquotas conforme aumentar ograu de essencialidade dos produtos, como é o caso dealimentos, produtos de higiene básica, vestuário, etc.

Um obstáculo ou limite a esse tipo de decisão é que essesprodutos têm baixa elasticidade-preço da demanda. Isso querdizer que uma redução de preço não leva a uma redução deconsumo proporcional, ou seja, há uma tendência de queda dareceita arrecadada pelo governo. Além do mais, não seriacompensada pelo aumento das alíquotas de produtos de luxoou supérfluos, exatamente porque a elasticidade-preço dessesé mais alta, com preços mais elevados, a queda do consumodeverá ser mais que proporcional. Além disso produtos maissofisticados e supérfluos se concentram em regiões maisdesenvolvidas que eventualmente teriam um “plus” dearrecadação em detrimento de outras regiões.

Imposto Regressivo: são aqueles impostos nos quaisquanto maior a renda menos se paga proporcionalmente.Os impostos indiretos são em geral regressivos. O ImpostoInflacionário é regressivo, isto é, afeta mais as pessoas demenor renda. O imposto Inflacionário é uma maneira de sefinanciar o déficit público.

102

Jack

son

De

Toni

O Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) é considerado aforma mais avançada e a que menos distorce a economia. Nãoé por acaso que muitos países, a maioria dos nossos vizinhosna América Latina, adotam esse sistema. O IVA é neutro emrelação à estrutura das empresas porque não estimula aintegração vertical da empresa, ele não afeta a competitividadeporque é uma proporção constante do valor adicionado emcada fase da produção e é facilmente identificável. Há aindamaior dificuldade para a evasão e sonegação porque o grossodo tributo se concentra na fase inicial do ciclo produtivo, nopré-varejo, facilitando a fiscalização. Fiscalizando poucasempresas atacadistas o governo monitora, por exemplo, 70%do valor adicionado. Outra vantagem da tributação pelo valoradicionado é a autofiscalização. O imposto pago pela empresavendedora só é transformado em crédito fiscal para a empresacompradora se o montante do tributo arrecadado estiver lançadodevidamente nas notas fiscais, não há incentivo aosubfaturamento. Se o valor estiver lançado a menor, a segundaempresa pagaria mais imposto.

Metodologia de cálculo: certos tributos indiretos têm umametodologia de cálculo por dentro (tributo incluso no preço)e outros têm uma metodologia de cálculo por fora (tributoadicionado ao preço), dependendo de qual seja o impostoou a contribuição cobrada. Os tributos cobrados por dentro(inclusos no preço) compõem sua própria base de cálculoe a metodologia para calculá-los é comparada a umraciocínio circular; sua carga tributária efetiva é maior doque a carga tributária nominalmente informada. Os maiscomuns são o ICMS, o ISSQN, o PIS e a COFINS.

O ideal é manter uma estrutura tributária que a um sótempo tenha equidade, progressividade, neutralidade esimplicidade. Entretanto, geralmente a escolha de uma qualidadeimplica na diminuição de outra. Por exemplo, um imposto únicosobre todas as vendas seria simples de controlar, mas regressivoe em cascata. Uma alíquota sobre o valor adicionado, mesmoque não tenha efeito cumulativo, também seria regressivo. Semfalar da possibilidade sempre real do efetivo pagador do tributo

103

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

“passar adiante” o ônus da carga tributária, repassando aospreços ou por simples fraude. Esses dilemas estão na base dodebate sobre a reforma do sistema tributária, e, no caso doBrasil, considerando nossas disparidades regionais, o assuntoimpacta diretamente no equilíbrio do sistema federativo.

O sistema brasileiroO sistema tributário brasileiro sempre foi muito dependente

do comércio exterior. Desde a época do império as importaçõeschegaram a representar quase 70% do total da arrecadação. Aconstituição de 1891, já na época republicana, introduziu osistema de competências tributárias separando o que era daesfera da União daquilo que pertencia aos estados. Para oGoverno Federal caberia o imposto de importação, os direitosde entrada e saída de navios, as taxas de correios e telégrafos;aos estados caberia taxar a exportação, os imóveis rurais eurbanos, a transmissão de propriedade e sobre indústrias eprofissões. Tanto a União como os estados (as antigasprovíncias) tinham poderes para criar receitas tributárias.Durante a fase anterior à Constituição de 1934, no primeirogoverno Vargas, o imposto de importação ainda foi a principalfonte de receita do Governo Federal. É uma situação típica deeconomias agro-exportadoras que tem forte dependência deprodutos manufaturados importados.

Depois da “Revolução de 30”, os estados foram dotadosde atribuições para criar impostos sobre vendas e consignaçõese proibido o imposto interestadual sobre exportações, limitadoa uma alíquota de 10%. Os municípios também ganharam maiorautonomia tributária. Desde esse período o imposto sobre vendastornou-se a principal fonte de receita estadual. Em nível federala arrecadação do imposto sobre importações cedia espaço aocrescente volume de recursos garantido pelo imposto sobre oconsumo. A partir de 1937 com a nova constituição, os estadosperderam a competência privativa para tributar o consumo decombustíveis, e os municípios, a tributação da renda daspropriedades rurais. Na década de 40 o imposto sobre vendasjá respondia por um terço da arrecadação dos estados enquantoo imposto sobre exportações se reduzia a níveis menores que

104

Jack

son

De

Toni

5%.As alterações trazidas pela constituição de 1946 foram

mais significativas. Aumentou-se a receita dos municípios coma inclusão de novos impostos (do selo municipal e o impostode indústrias e profissões). Começou-se também a formalizaçãoda discriminação de receitas entre os níveis federativos. Apartir dos anos 60 os municípios ficaram com 10% da arrecadaçãodo imposto de consumo e 15% de participação no impostosobre a renda. Nesse período aumentou a importância dosimpostos internos sobre os produtos, o Brasil iniciava seu ciclode industrialização por substituição de importações e a economiagradativamente adquiria uma dimensão urbano-industrial. Em1956 é criado um imposto sobre o valor agregado, um impostosobre o consumo.

Nos anos 60 o sistema tributário passou por uma reformasignificativa para aumentar a capacidade de arrecadação doEstado e objetivar encontrar uma solução para o problema dodéficit fiscal permanente. Além disso, objetivou-se melhorar acentralização no Governo Federal, apoiar o crescimentoeconômico e incrementar a qualidade do sistema tributário. Oprincipal aspecto a ser destacado foi a mudança da sistemáticade arrecadação, priorizando a tributação sobre o valor agregadoe não cumulativos. Houve uma racionalização do sistematributário com a redução do número de tributos, umareformulação dos impostos e do modo como eram divididosentre as unidades federativas.

Os fatos geradores passaram a ser baseados em processose eventos econômicos e não a conceitos jurídicos. Esse aspectogarantiu maior vínculo entre o sistema tributário e a lógicaeconômica, pois os impostos também servem para regular setoresespecíficos. Nessa época foi criado o Imposto sobre ProdutosIndustrializados, o IPI, e o antigo Imposto sobre Circulação deMercadorias, o ICM, mais tarde agregando a tributação sobreserviços. Inicialmente o ICM foi definido com alíquotas uniformes,evitando a competição entre estados e gerando um efeitoneutro.

Na reforma dos anos 60 os tributos foram divididos emquatro tipos diferentes. Impostos sobre o comércio exterior,que foram transferidos para o âmbito da União para servir como

105

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

instrumento de política econômica. Os impostos sobre opatrimônio e a renda, reunindo o IPTU o ITBI (imposto detransferência de bens imóveis), o ITR, Imposto Territorial Rural.O ITR tinha uma função adicional ou “extra fiscal”, ele deveriaapoiar a correção dos desvios na estrutura fundiária do país,recém proposta pelo Estatuto da Terra.

Os impostos sobre a produção e a circulação, com destaquepara o “Imposto sobre serviço de transportes e comunicações”(o ISTC) e os impostos sobre operações financeiras (IOF),ambos de competência da União, e o imposto sobre serviços (oISS) no âmbito municipal. Os impostos únicos cobrem energia(IEE), sobre combustíveis e lubrificantes (IUCL) e sobre minerais(IUM), na esfera federal. Finalmente, as “receitas extra-orçamentárias”, neste grupo estavam incluídos a contribuiçãodo empregador para o FGTS, fundo de garantia por tempo deserviço e as contribuições para a previdência social, que incidiamsobre a folha de pagamento salarial. Apesar da maiorcentralização no Governo Federal, foram criados os fundos departicipação dos estados e municípios e as partilhas dos impostosúnicos. Ao longo do tempo foram criados uma série de incentivosfiscais abrangendo o IR e o IPI sobre os quais o governo nãotinha muito controle e só mais tarde essas práticas foramrevistas.

Apesar dos avanços da reforma, havia problemas localizados.Por exemplo, o IR numa situação de alta inflacionária prejudicavaos contribuintes na medida em que a restituição do impostopago a maior (para aqueles cujo desconto era na fonte) porquelevava algum tempo entre o cálculo do imposto e o efetivorecebimento pelo contribuinte da parte restituída. O IPI aolongo do tempo foi sendo modificado nas suas alíquotasproduzindo distorções casuísticas e clientelistas. O próprio ICMganhou uma heterogeneidade de alíquotas entre os estadosgerando uma disputa pela localização de plantas industriais. Apartir de 1970 para compensar a concessão exagerada deincentivos, o governo cria o Programa de Integração Social(PIS) financiado pela contribuição mensal resultante dofaturamento das empresas. Foi criado também o Programa paraformação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), custeadopela contribuição mensal de entidades de natureza pública.

106

Jack

son

De

Toni

Esses recursos do PIS/PASEP, cujo agente financeiro ela oBNDES, eram destinados a projetos especiais dedesenvolvimento.

A carga tributária brasileira evoluiu lentamente entre 1946e 1958, passou de quase 14% para um valor próximo a 19% doPIB. Após as reformas dos anos 60, que aumentaram muito aeficiência e a racionalidade dos impostos, ela saltou para 25%do PIB, valor que perdurou até o final da década de 70 e 80,mantendo-se neste patamar, apesar das diversas recessõesdos anos 80. Em 1990, ela atinge 29% do PIB devido ao PlanoCollor e após o Plano Real em 1994 ela ultrapassa o patamardos 30% do PIB na década de 90. Os estudiosos avaliam que ocrescimento da carga tributária reflete as condições gerais deevolução da economia brasileira, entretanto o crescimento dosanos 90 ocorreu basicamente nos tributos indiretos ecumulativos, que não contribuem para a racionalidade do sistemaarrecadatório, como já vimos.

Os responsáveis por esse crescimento foram a Contribuiçãopara o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), o PIS, oISS e o IPMF a partir de 1994 (tornou-se depois a CPMF). Cabeassinalar a baixa participação dos tributos sobre o patrimônio(entre os mais justos), chegando a 1% da arrecadação totalnos anos 80 e a 2% nos anos 90, em média. Os tributos sobrea renda atingiram uma média de 17% a 18% da receita total.Esse perfil reflete duas dimensões do nosso sistema tributário,a centralização federal que concentra a arrecadação em tributoscuja partilha com estados e municípios é pequena e a preferênciapelo “produtivismo fiscal” do que impostos de controle maiscomplexo, porém mais racionais. A seguir uma estimativa dacarga tributária para ilustrar a proporção entre os diferentestributos, note-se a preponderância dos impostos sobre oconsumo.

107

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

Quadro 14

Há sempre uma diferença entre receita bruta e receitadisponível porque cada nível federativo recebe e deduz osrepassas para os outros níveis. A União concentra tributossobre o consumo, sobre a renda e outros que incidem naeconomia como um todo, especialmente para regular a atividadeeconômica. Estados e municípios têm como competência tributosvinculados à propriedade urbana e à prestação de serviçoslocais. Dentro desse tema tem surgido com muita polêmica oproblema do federalismo fiscal brasileiro. Durante o império, oBrasil era um Estado unitário, dividido em províncias.

108

Jack

son

De

Toni

A partir de 1834 iniciou-se um processo dedesconcentração, mas continuava politicamente centralizado.A República a partir de 1891 manteve a mesma estruturatributária do Império, com tributação tríplice da União, estadose municípios às vezes sobre os mesmos processos econômicos.Foi só a partir do movimento de 30, com Vargas, que o modelodualista começa a se distender, mas durante toda a fase agro-exportadora não houve desconcentração tributária.

No início da década de 60, a participação dos três níveisera respectivamente 64%, 31% e 5% da arrecadação total.Com o regime militar a partir de 1968 houve uma retomada dacentralização tributária e uma maior restrição das transferênciasa estados e municípios. Por exemplo, as transferência de IR eIPI para estados e municípios foram reduzidas de 20% para12%. Além da redução de repasses, os governos militaresimpuseram vinculações e restrições à natureza dos gastos,mesmo na esfera municipal e estadual. Após o final da fase deexpansão econômica do início dos anos 70 (o chamado “milagreeconômico”), o sistema se enfraquece pelos crescentes“vazamentos” de receita provocados pela proliferação deincentivos e pela reação dos estados e municípios à baixaautonomia. Em 1975 uma emenda constitucional recuperaparcialmente recursos para o Fundo de Participação de Estados(FPE) e o equivalente dos municípios (FPM). No final dos anos70, o Governo Federal assumiu o valor das isenções de ICMrelacionadas às exportações dos estados. Com aredemocratização do país a partir de 1984, é retomada atendência de descentralização dos tributos. O FPE chegou a12,5% e o FPM a 13,5% da partilha das receitas tributárias,enquanto a União perdia capacidade de arrecadação.

A nova constituição de 1988 consagrou o princípio dastransferências federativas, o repasse do IPI e IR superaram opatamar dos 20% a partir desse momento. Isso criou umasituação em que as entidades subnacionais tiveram suadependência de transferências da União aumentadasignificativamente, estimulando um baixo esforço de arrecadaçãoprópria. A descentralização tributária não foi acompanhada dadevida descentralização de encargos e despesas quecontinuaram concentrados no âmbito federal, com impactos

109

Os prin

cípios e a teoria da tributação

Economia no Setor P

úblico

diretos na qualidade dos serviços públicos federais.A partir desse período os estados receberam autonomia

para fixação de alíquotas próprias de ICMS (que acrescentou atributação sobre serviços a partir da eliminação de cinco outrosimpostos). A União não poderia mais alterar o regime de isençõesou estabelecer vinculações de gasto com impostos estaduais emunicipais. A reação do Governo Federal, obrigado a fazer umajuste fiscal severo e a manter ou ampliar os serviços públicos,foi progressivamente aumentar sua arrecadação recompondosua receita com outros tributos, que não o IR e o IPI, já queesses estavam quase todos comprometidos com astransferências constitucionais. Nessa linha, diversascontribuições sociais foram instituídas, como a ContribuiçãoSocial sobre o Lucro Líquido (CSLL) em 1989, aumento dasalíquotas do COFINS, do IOF e a criação da CPMF. Note-se quesão mecanismos não sujeitos à partilha com os demais níveisda federação. Essa situação piorou a qualidade do sistematributário, aumentou a sua regressividade e o grau de impactonas distorções do sistema econômico.

ReferênciasCORAZZA, G. Teoria Econômica e Estado (de Quesnaya Keynes). Porto Alegre: FEE, 1986.

FILELLINI, A. Economia do Setor Público. São Paulo: Ed.Atlas, 1994.

GENEREUX, J. Introdução à Política Econômica. SãoPaulo: Ed. Loyola, 1993.

GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. Finanças Públicas – Teoria ePrática no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

LONGO, C.A. e TROSTER, R.L. Economia do Setor Público.São Paulo: Ed. Atlas, 1993.

MUSGRAVE, R. Teoria das Finanças Públicas. São Paulo:

110

Jack

son

De

Toni

Ed. Atlas, 1974.

REES, R. A Economia da Empresa Pública. Rio de Janeiro:Ed. Zahar, 1979.

RIANI, F. Economia do Setor Público: uma abordagemintrodutória. São Paulo: Ed. Atlas, 1990.

REZENDE, F. Finanças Públicas. São Paulo: Ed. Atlas, 1994.SILVA, L. M. Contabilidade Governamental. São Paulo: Ed.Atlas, 1996.

VALÉRIO, W. P. Programa de Direito Tributário. PortoAlegre: Ed. Sulina, 1992.

Autoavaliação1. Por que os impostos indiretos são mais injustos que osdiretos?

2. Qual a relação entre o regime tributário e a organizaçãofederativa do Brasil?

3. Qual o significado de “produtivismo fiscal”?

111

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

Cap. VIII

O Planejamento noSetor Público

Os grandes processos econômicos derivados da ação doEstado no Brasil e em outros países emergentes resultou quasesempre de ações relacionadas à prática do planejamento público.Especialmente naqueles países de industrialização tardia, naperiferia do sistema capitalista, a presença do Estado foifundamental para impulsionar a industrialização e odesenvolvimento econômico.

Ao contrário do que muitos pensam o planejamento sempreteve uma tradição sólida na história econômica brasileira, eleestá associado aos primeiros movimentos em direção àindustrialização. Vamos começar no pós-guerra e naquilo queos economistas convencionaram chamar de “processo desubstituição de importações”, o PSI.

Durante toda a expansão do café – nossa principal culturaexportadora – houve crises de superprodução, uma ofertasempre maior que a demanda, o que deprimia os preços eprovocava ciclos de instabilidade. O Brasil chegou a produzirsozinho mais do que todo o consumo mundial de café. Em 1906na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, celebrou-se umacordo entre os grandes produtores e o governo. O acordo

112

Jack

son

De

Toni

estipulava que o Governo Federal compraria os excedentes daprodução de café para manter elevado o preço no mercadointernacional. Essas compras seriam bancadas (custeadas) porempréstimos externos, a dívida criada seria paga pela imposiçãode um impostos sobre a sacas de café que seriam exportadas.A política deu certo, pelo menos durante vinte anos, mas em1929 a crise mundial, originada com a quebra da bolsa de NovaIorque, mudo todo o cenário.

A depressão no mercado internacional de café derrubouos preços internos e externos, o governo interveio, comprou equeimou café excedente, desvalorizou o câmbio, tudo paraproteger o setor, sobretudo a renda e o emprego. Nesseambiente de crise de um modelo baseado na exportação agrícola,começam a surgir as primeiras iniciativas para industrializar opaís. Mudanças na política já aconteciam, o chamado“movimento de trinta” imprimia ainda que por via autoritária amodernização do aparelho de Estado, abrindo caminho paranovos atores políticos pró-industrialização. A passagem docentro dinâmico da economia cafeeira para a indústria éconhecida como o processo de substituição de importações,simplesmente porque o Brasil iniciou a produção local de bensque antes eram importados. Essa fase durou até os anos 60,representou a passagem do país para uma economia moderna,mas houve um preço a pagar, suas principais característicassão:

(I) gera-se uma onda de investimentos nos setoressubstituidores de importação, produzindo-se internamente partedo que antes era importado aumentando a renda econsequentemente a demanda;

(II) desvaloriza-se a taxa de câmbio, aumentando acompetitividade e a rentabilidade da produção doméstica, ouseja, nossos produtos passam a ser mais “baratos” para ocomprador no estrangeiro, dado o encarecimento dos produtosimportados;

(III) estrangulamento externo – a queda do valor dasexportações com manutenção da demanda interna, mantendoinalterada a demanda por importações. Isso gera uma escassezde divisas, o que significa a perda da capacidade importadorado país.

113

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

A seguir um esquema que ilustra a visão keynesiana dacrise econômica:

Quadro 15

O dilema desse modelo era o seguinte: na medida em queo investimento para produzir bens locais avançava, gerava maisaumento da renda e o maior poder aquisitivo gerava mais comprasde outros produtos no mercado externo. Muitas empresas novas,por exemplo, passavam a comprar matérias-primas oucomponentes industriais que antes não estavam na nossa pautaimportadora. Como as exportações se retraíram, faltavam divisaspara essas compras. Então o modelo funcionava com base emfreios e contra-freios. Em cada “onda” de substituição deprodutos importados vencia-se uma etapa, primeiro foram osbens de consumo leve, depois os de consumo durável, emseguida os bens intermediários e por fim os bens de capital, demaior valor agregado e maior complexidade. Apesar do vasto ediversificado parque industrial consolidado, nossos padrões de

114

Jack

son

De

Toni

competitividade (tecnologia e qualidade) sempre ficaram abaixodos países de industrialização mais antiga.

Pode-se observar claramente que a intervenção do Estado,planejada ou não, faz parte dos ciclos econômicos normais nocapitalismo, geralmente o governo intervém para manter ademanda durante a crise ou para contê-la quando os preçosdisparam. A seguir uma figura ilustrando os ciclos econômicos.

Quadro 16

Os planos econômicosFoi nesse contexto que o governo desencadeou o primeiro

plano econômico com maior consistência: o Plano de Metas(1956/1961). O Plano de Metas foi adotado pelo PresidenteJuscelino Kubitschek e pode ser considerado o ápice do PSI.Seu principal objetivo era estabelecer as bases de uma economiamais madura, voltada para bens de consumo duráveis (como a

115

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

indústria automobilística) e bens de capital. A base racional doplano estava num diagnóstico da Comissão Econômica para aAmérica Latina (CEPAL), organismo vinculado à ONU com grandeinfluência na região, de que havia uma demanda reprimida porbens de consumo duráveis e sobre os efeitos interindustriaisdessa produção.

O plano visava estimular novos setores industriais, decomponentes a matérias-primas processadas. Ao mesmo tempoestimulava-se a concentração nas camadas médias dos centrosurbanos para que houvesse um mercado com escala mínimapara as novas indústrias. O setor de infraestrutura também foipriorizado, particularmente transportes e energia. Os bensintermediários priorizados eram necessários ao novo cicloprodutivo, como o carvão, o aço, cimento, zinco, etc. O custodos investimentos era bancado em parte com incentivos aoinvestidor estrangeiro, isenções fiscais, mercados protegidos eoutras facilidades.

Um dos principais problemas do Plano de Metas foi o modelode financiamento. A emissão monetária foi recorrente na época,gerando surtos inflacionários. A dívida externa cresceusignificativamente, a renda foi concentrada e o desenvolvimentoda agricultura praticamente relegado a um segundo plano. Aprimeira grande crise econômica na fase industrial coincide comos governos de Jânio Quadros e João Goulart, com aumento dainflação e queda nos investimentos. O golpe militar de 1964não deixou de ser também uma resposta, autoritária e trágica,à turbulência econômica que ameaçava o padrão de vida dascamadas médias da população.

O Plano de Ação Econômica do Governo (1964/1967), oPAEG, foi a primeira resposta da nova tecnocracia abrigadanos governos militares às necessidades de ajuste da economiabrasileira. O governo Castelo Branco buscava atuar sobre alinha de conjuntura imediata combatendo a inflação e, numaoutra vertente, atuando sobre problemas mais estruturais daeconomia brasileira. A inflação havia subido para mais de 80%ao ano em 1963, segundo os teóricos do governo, era umainflação de demanda, gerada pelo excesso de procura, pelodescontrole do crédito, ao déficit público e aos aumentosexcessivos dos salários do período anterior.

116

Jack

son

De

Toni

As metas eram naturalmente cortar despesas (o déficitpúblico chegou a 1% do PIB em 1966), reformar o sistematributário, aumentar tarifas públicas e um forte aperto na políticamonetária. Em relação à política salarial, o PAEG determinou aoGoverno Federal a fixação de uma “política salarial” nacionalcom o objetivo velado de reduzir os aumentos reais de salário.Paralelo às medidas econômicas houve um conjunto importantede reformas institucionais: lei do inquilinato, reforma monetária,reforma tributária, reforma do setor financeiro, etc. A reformafinanceira, por exemplo, introduziu a indexação na economiacom a correção monetária (Obrigação Reajustável do TesouroNacional, a ORTN). Na parte tributária, como já vimos, a criaçãode uma discriminação de receitas entre entes federados, osimpostos sobre valor adicionado e os fundos para fiscais, foramavanços que merecem ser registrados.

A criação de um indexador oficial (ORTN) visava darcredibilidade ao sistema financeiro e ao mercado de títulospúblicos, estimulando a canalização de parte das rendas paraa poupança e o investimento. O mercado de títulos financiavaas despesas do governo sem gerar inflação como antes. Aindanesse período foi criado o Conselho Monetário Nacional, o BancoCentral, o Banco Nacional da Habitação (BNH), a Lei do Mercadode Capitais e outros dispositivos para modernizar a economia.Em relação ao comércio exterior, o período foi caracterizadopor minidesvalorizações da moeda para priorizar acompetitividade dos preços nacionais e o nível das exportações.Todas essas reformas e medidas geraram o que ficou conhecidomais tarde como “milagre econômico” quando a taxa do PIBindustrial chegou a ultrapassar os 13% anuais, em média.

O final do “milagre” marca um fim de um ciclo de grandestransformações institucionais, que tem efeito ainda hoje esobretudo da internacionalização definitiva da economiabrasileira, particularmente seu lado financeiro. Em 1973 ocorreua primeira elevação unilateral do petróleo pelos paísesprodutores, gerando uma inflação de custos e um aumentocom importações. O déficit comercial foi somado à dificuldadede honrar empréstimos em moeda forte feitos na época do“milagre econômico” (1968/1973). A resposta do governo militarfoi continuar a editar planos de desenvolvimento. É nessa data

117

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

que foi implantado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), retomando os princípios do PSI na área energética (edesse período a construção das usinas nucleares), nos setoressiderúrgico, químico e petroquímico, em bens intermediários comoa celulose, fertilizantes e defensivos agrícolas.

O quadro institucional que amparava o grande investimentodireto do Estado foi uma ampla e variada gama de empresasestatais criadas na época. Boa parte dos investimentosnecessários foram viabilizados pelas estatais através deempréstimos externos. Esses empréstimos foram feitos à taxade juros flutuantes, buscados no mercado de “petrodólares”(receitas extraordinárias dos países árabes, recicladas porbancos europeus e americanos), o que provocou mais tardeuma deterioração das contas externas. Em 1979 outro choquedo petróleo, ele aumenta em 84% e a inflação dobra no Brasil.A situação se agrava com a elevação dos juros internacionaise o descontrole das contas públicas. O resultado é um começode hiperinflação no início da década de 80. Em 1982 o governointerrompe o pagamento da dívida e pede uma moratóriainternacional, somos obrigados a ir ao FMI para tomar dinheiroemprestado. O preço é alto, o FMI recomenda um ajuste duroe recessivo e voltado para gerar saldos nas exportações.

Em meados dos anos 80 o país entra num novo ciclo,retoma-se a normalidade democrática, a recessão de 1982 haviasido superada pela retomada de investimentos públicos dasestatais e de alguns setores privados que haviam racionalizadoseus negócios para sobreviver à crise. Mas a inflação persistee em janeiro de 1986 o Ministro Dilson Funaro anuncia mais umPlano Econômico, o “Plano Cruzado”, nome derivado do novopadrão monetário que substituía o cruzeiro. Congelamento depreços, salários e aluguéis, câmbio fixo e tabela de preços. Ogoverno perde credibilidade rapidamente, surge um “mercadoparalelo” de bens e produtos, os investimentos estataisdiminuem devido ao congelamento de tarifas públicas e odesabastecimento foi generalizado. Para recuperar as finançaspúblicas é criado o “imposto compulsório” sobre combustíveis(25%), aumento do IR sobre a pessoa física nas aplicaçõesfinanceiras.

Depois do “Plano Cruzado” uma série de pequenos planos

118

Jack

son

De

Toni

tentaram em vão os mesmos objetivos: combater a inflaçãoinercial (a memória da inflação) através de políticas monetáriasou fiscais. O “Plano Bresser” (Ministro da Fazenda Bresser Pereira)não durou um ano, congelou preços e salários, aumentouimpostos e suspendeu a moratória. A inflação chegou a 366%e o plano não deu certo. O “Plano Verão” iniciou em janeiro de1989 criando uma nova moeda, o Cruzado Novo, e extinguiu acorreção monetária. O “Plano Collor” foi o mais dramático,congelou 80% dos depósitos bancários, eliminou a maioria dosincentivos fiscais, fechou muitas agências governamentais einiciou um brutal processo de privatizações e abertura econômicaindiscriminada.

Inflação de Demanda: quanto mais próxima do plenoemprego dos fatores quaisquer distúrbios que aumentemrepentinamente a demanda – sem que haja aumentoproporcional da oferta de bens – podem provocar inflação.O excesso de demanda pode ser causado por expansão dabase monetária (gerada pelo financiamento do déficit públicoou pela esterilização de divisas, por exemplo).

Inflação de custos: quando a demanda não é elástica e oprodutor não pode absorver aumento de custos a tendênciaé aumento de preços por repasse de custos: matériasprimas, desvalorização cambial, aumentos de salário acimada produtividade, elevação da taxa de juros que aumentao custo financeiro.

Inflação por causas estruturais: são consequências delongo prazo e de natureza mais complexa: distorção naalocação de recursos, gargalos em setores ou fatores deprodução (escassez permanente), dependência tecnológica,estrutura da renda pessoal, etc.

O “Plano Real” em 1994 foi o mais bem construído de todosos planos. Não produziu choques traumáticos, nem sequestrouativos dos agentes econômicos. Aproveitou uma situação deliquidez favorável nos mercados externos e de estabilidadecambial. A estabilidade política e o apoio do Congresso foram

119

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

cruciais para continuidade do governo (dois mandatosconsecutivos de FHC). Combinou políticas monetária e fiscalpara isolar a inflação na moeda antiga (a Unidade Real de Valor,URV) e criou um novo padrão monetário onde os preços relativosjá estavam acomodados. A inflação anual foi de três dígitos em1994 – 929,32%, chegando a dois dígitos em 1995 – 21,98% eum dígito em 1996 – 9,12%.

Um novo planejamentono século XXIEntre 1980 e 1993, no espaço de 13 anos tivemos: 05

moedas diferentes, 05 congelamentos de preço, 09 programasde estabilização, 11 diferentes índices de inflação, 12 ministrosda fazenda e 16 políticas salariais diferenciadas. A taxa deinflação entre janeiro de 1980 e janeiro de 1993 foi de50.000.000.000 % (bilhões). Se um cafezinho custasse Cr$10,00 em 1980, em 1993 custaria Cr$ 5 bilhões (cruzeiro, Cr).Esses números impressionantes evidenciam os erros de umametodologia de planejamento público baseada numa visãotradicional e convencional. Nas próximas páginas vamos vercom mais detalhes a origem dessa tradição, como ela semodificou radicalmente no século XXI e as possibilidades denovos avanços metodológicos.

Na tradição da economia o abandono do laissez-faire estávinculado à ciência de que a flexibilidade de preços não conduzautomaticamente ao pleno emprego. A crítica ao “ótimoparetiano” à visão clássica implicava em assumir que os preços,num mercado não competitivo, não serviam mais comoalocadores ótimos das forças produtivas. Com o fim das hipótesessobre concorrência perfeita, a percepção de externalidades eo conceito de escala, a teoria econômica foi construindo osinstrumentos necessários para justificar e legitimar oplanejamento econômico, em sociedades capitalistas. Na maioriadas experiências de planejamento econômico fixa-se metas paraa renda per capita ou crescimento do PIB, estima-se a evoluçãoda demanda e projeta-se o crescimento setorial necessário.Para isso são usadas funções matemáticas especializadas,

120

Jack

son

De

Toni

modelos econométricos diversos (como a matriz de insumo-produto) e outros instrumentos basicamente quantitativos ede natureza determinística.

No Brasil, o movimento conhecido como a “Revolução de30” – transição de uma sociedade oligárquica-exportadora paraoutra do tipo urbano-industrial – pode ser considerado como oinício da incorporação do planejamento como uma função pública“moderna”. Do próprio movimento consolida-se a ideia entre aselites do conceito de Estado como o único ente capaz desuperar os particularismos de uma sociedade desagregada,subdesenvolvida e marginalizada. Porém, desde já, o regimeresultante não será o democrático, o Estado assumirá feiçõesbonapartistas, constituído num complexo e sutil mecanismopolítico e social de controle sobre as massas emergentes. Essasduas características, a bifrontalidade e a sedimentação passivaforam construídas desde as reformas da Revolução de Trinta eperduram como marcas genéticas do Estado brasileiro. ConformeNogueira,

Disso resultou um Estado precocemente hipertrofiado e todomultifacetado, cujas diversas camadas constitutivas –superpostas por sedimentação passiva –, acabam poralimentar a formação de uma macrocefálica bifrontalidade:ligadas aos múltiplos interesses societais por inúmeros emuitas vezes invisíveis fios, duas avantajadas cabeças – umaracional-legal, outra patrimonialista – iriam se comunicar e seinterpenetrar funcionalmente em clima de recíproca competiçãoe hostilidade, impedindo a imposição categórica de uma sobrea outra, retirando coordenação do todo e fragilizando ocomando sobre as diversas partes do corpo estatal. Doimpério... aos anos 30, da “democracia populista” ao regimemilitar autoritário, essa seria uma componente inelimináveldo Estado Brasileiro (1998, p. 93)

Foi no contexto do pós-guerra, entretanto, que oplanejamento se consolida como um procedimento comum degoverno, uma prática universalmente aceita vinculada ànecessidade de racionalização permanente dos serviços e damáquina pública. O planejamento como organizador da ação

121

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

pública nasce, assim, da necessidade permanente de suportee estímulo à atividade econômica privada. A solução deproblemas tais como o estímulo aos setores econômicos, aformalização do mercado de fatores de produção no país ou ocontrole das relações sociais de produção já constituíam temade debate no governo Campos Salles (1898-1902).

Na possível função mediadora dos conflitos (reguladoradas tensões dos conflitos intercapitalistas e compensatóriadas “falhas de mercado”) se consolida a visão de planejamentono período. Em 1942 foi criada, então, a Coordenação deMobilização Econômica e o Setor de Produção Industrial com oobjetivo expresso de elaborar o planejamento industrial do país,situação em que se consolida na estrutura administrativa afunção do planejamento como instrumento estatal deorganização social e econômica. Conforme Ianni (1986), atrajetória do desenvolvimento brasileiro sempre foi submetida aduas grande macro-tendências, a crescente participaçãoestatal na economia e uma política econômica planejada ouvoltada para objetivos de estabilização macroeconômica. Nasestratégias gerais de construção de um modelo dedesenvolvimento para o país, o conceito de planejamento semprefoi associado ao de organização e disputa das relações depoder, por dentro e por fora do Estado. Nas palavras de Ianni.

Não há dúvida de que o planejamento governamentaldiscutido aqui compreende, sempre e necessariamente (aindaque em graus variáveis), condições e objetivos econômicos,sociais, políticas e administrativos. Entretanto, as duas facesconexas do planejamento são a estrutura econômica e aestrutura de poder. Mas os planejadores não tratam, em geral,senão das relações e processos relativos à estruturaeconômica. Aliás pode-se dizer que, em última instância, oplanejamento é um processo que começa e termina no âmbitodas relações e estruturas de poder” (Ianni, 1986, p.309)

Desse período histórico anterior ao fim dos governosmilitares os maiores processos de planejamento estatal sãocaracterizados pelos planos de viés tipicamente macroeconômicocom objetivos centrados no desenvolvimento e mais

122

Jack

son

De

Toni

recentemente na estabilização monetária e fiscal (gestão dadespesa).

No período que vai do pós-guerra até o fim do regimemilitar, com certeza o processo mais significativo de planejamentoestatal foi a elaboração do Plano de Metas (1956-1961) nogoverno Kubitschek. Pelo menos três fatores fizeram desseprocesso um ponto notável: (a) estabilidade institucional econtexto democrático favorecendo a participação, (b) amploconsenso sobre o tema do desenvolvimento nacional e (c)acertos de política externa e interna viabilizando recursoseconômicos. Segundo Nunes (1999), o governo JK foi umgoverno notabilizado pelo sincretismo político, garantindo apermanência de uma coalizão partidária durante todo o mandatoque começava no PTB de João Goulart e o controle do Ministériodo Trabalho, passando pelo PSD dele mesmo, com fortes vínculosrurais até o apoio parlamentar da UDN. Essa estratégia política,flexível, por vezes dúbia, apoiada na fragilidade da estruturapartidária garantiu viabilidade para o plano. Nas palavras deNunes (1999):

ao mesmo tempo que se apoiava nas agências insuladas pararealizar as tarefas do desenvolvimento, Juscelino utilizava apolítica tradicional de empreguismo para consolidar apoiopolítico: protegia as agências insuladas e lhes garantia acessoaos recursos, enquanto geria o resto do sistema político demodo a reduzir potenciais contestações às metasdesenvolvimentistas e às suas formas de alcançá-las (Nunes,1999, p. 112).

JK optou por montar uma rede de órgãos paralelos àadministração direta, com base na avaliação de que executaruma reforma administrativa seria custoso demais (Lafer, 1997).A capacidade de governo repousava, basicamente, na naturezaágil e flexível da estrutura administrativa (as “ilhas de eficácia”),na autonomia financeira e orçamentária dos órgãos envolvidosna execução das metas setoriais e na neutralização dainterferência parlamentar no processo. Como vimosanteriormente, nos anos 80 e 90 o Plano Cruzado (1986), oPlano Bresser (1987), o Plano Verão (1989), o Plano Collor

123

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

(1990) e o Plano Real (1994) foram notabilizados muito maispor representarem medidas fiscais e monetárias-cambiais decombate imediato à inflação – com metas quantitativas maisou menos definidas – do que profundos processos deplanejamento econômico onde o foco central poderia ser a(re)construção de medidas estruturantes de um modeloeconômico ou de um projeto alternativo de nação. Pode-se,seguramente, sem a pretensão de esgotar um tema que seconfunde com a própria formação do Estado no Brasil, apontaralguns elementos de síntese que servem para organizar o debatesobre as alternativas possíveis ao planejamento democrático eparticipativo no setor público.

O planejamento público tem sido ao longo da tortuosaconstrução do Estado brasileiro fundamentalmente normativoe linear na sua concepção teórica e metodológica de aplicação.Quase todo ele inspirado e nucleado por problemas de inspiraçãono campo da macroeconomia. Reduzir o planejamento público aum conjunto de técnicas de racionalização ou de alocaçãoeconômica foi o resultado mais visível desse período. SegundoGarcia (2000), os anos de autoritarismo e economicismo deixarammarcas profundas inclusive na Constituição Federal de 1988:

(...) A Constituinte (...) não consegue superar a concepçãonormativa e reducionista do planejamento governamentalherdada dos militares e seus tecnocratas (...) mesmo com ademocratização do país; com a política a ganhar espaço eimportância, com a multiplicação dos atores sociais, com oritmo de produção e difusão das inovações tecnológicasacelerando-se; com o conhecimento e a informaçãoconquistando relevância; com a comunicação ascendendo àcondição de recurso de poder e integração; e com a clarapercepção de que se ingressara em uma época de rápidamudança de valores culturais; ainda assim, o planejamentogovernamental foi concebido sob um enfoque normativo eeconomicista. (Garcia, 2000, p. 8)

As sínteses possíveis que resumem a construção doplanejamento como procedimento público até a transição paraa democracia nos anos 80 poderiam ser resumidas nos seguintes

124

Jack

son

De

Toni

pontos:

(1) O planejamento é subordinado a uma ótica reducionistado ponto de vista teórico que o limita ao manejo e operaçãode ferramentas de organização estatal e/ou regulação demercados privados ou setores sob concessão federal ouestadual. Um dos exemplos mais nítidos desseenquadramento teórico é a confusão comum entre oconceito de planejamento no setor público com técnicasde racionalização de trabalho ou processos produtivos,com o simples uso de ferramentas gerenciais ou técnicasde organização e métodos transplantadas para a áreapública.

(2) O viés econômico-normativo praticamente organiza todoprocesso de planejamento. Apesar da ampliação dasfunções do IPEA nos anos 80 e da criação de uma Secretariade Planejamento e Coordenação vinculada diretamente aocentro político do Governo Federal (Presidência daRepública), o tema permanece fortemente vinculado àracionalidade econômica e corporativamente atrelado aoquadro e às carreiras dos profissionais de economia. Ostraços dessa característica podem ser identificados emtodos os planos de estabilização e crescimento Econômico(“planos” Salte, Trienal, PAEG, PNDs, etc...) e na limitaçãoda atividade burocrática (produção de política pública) àconfecção da peça orçamentária anual, sendo estaprofundamente normativa e formal. O antigo “OrçamentoPlurianual de Investimentos” (Lei nº 4.320/64 e Constituiçãode 1967) foi praticamente a única “estratégia” deconcretização e materialidade do processo de planejamentoestratégico público.

(3) O planejamento no setor público, como de resto asdemais políticas públicas têm a marca genética da exclusão,da não participação e da ausência absoluta de controlesocial sobre seus meios e fins. A nossa cultura políticaimpregnada de golpismos e práticas autoritárias que seexpressam na cidadania restringida e regulada, na

125

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

fragmentação do aparelho de Estado e no enorme fossoque separa sociedade civil da sociedade política, fez daspráticas de planejamento reduto inatingível aos gruposorganizados ou aos simples cidadãos. O economicismo, aausência de metodologias mais flexíveis, o jargão tecnicistaem muito contribuíram para excluir qualquer possibilidadeparticipativa na prática de planejamento público, mesmonaquele estritamente vinculado ao tema urbano-espacialna esfera municipal.

No decorrer dos anos 80 a redemocratização do país e oaprofundamento da crise econômica expuseram totalmente acrise do Estado. As principais características do funcionamentoestatal no regime militar deixavam de atender às novasdemandas sociais: centralidade excessiva, pouca capacidadegerencial, ineficiência na prestação de serviços, ausência demecanismos democráticos de controle e participação, corrupção,burocracias “feudalizando” setores públicos, etc. O padrão dereforma do Estado nesse período foi caracterizado pelo“reformismo reducionista e quantitativo” (Nogueira, 1998)centrado na redução de cargos, normas, salários, competênciase no formalismo de suas medidas, quase todas sem resultadospráticos ou permanência institucional.

Temas como o planejamento público ou a política derecursos humanos foram relegados à margem da agenda dedebates. Entretanto, a saída para a “crise do Estado” não seresolveu no campo da ampliação da cidadania, da radicalidadedo controle democrático ou, talvez, num novo tipo deplanejamento público que pudesse descortinar os “segredos”do Estado para amplas parcelas da população. Ao contrário, aprimeira saída hegemônica foi jogar a favor da corrente, aselites dirigentes do país optaram pela via da globalização semcondicionamentos, da internacionalização maior da economia eda destruição definitiva do que ainda restara da antigacapacidade estatal de planejamento, coordenação ou induçãodo desenvolvimento. Mais uma vez, nas palavras precisas deMarco Aurélio Nogueira (1998, p.155):

(...) a crise do Estado no Brasil tinha raízes, era de longa

126

Jack

son

De

Toni

duração e só poderia ser enfrentada a partir de múltiplasoperações políticas e societais, fundadas sobre consensosprogressivamente consolidados. Tratava-se, portanto de pôrem curso iniciativas direcionadas para recuperar a capacidadede coordenação e planejamento do Estado (grifo do autor),para o que seria necessário tanto uma reforma daadministração – de modo a adequar o aparato estatal aoimperativo de plena racionalidade em seu funcionamento edar suporte efetivo aos atos de governo – quanto, acima detudo, uma reforma do Estado, de modo a passar em revistaas práticas, as funções e as instituições políticas, bem comoas relações Estado-sociedade civil, cujo padrão históricosempre foi de baixa qualidade. Em outros termos, a questãoera política; dizia respeito à democracia, à criação de grandesconsensos nacionais, à participação da cidadania, não apenasa um mero enxugamento administrativo.

O país passou pelo processo de impeachment, ultrapassoua “década perdida” e uma nova hegemonia foi estabelecida.Apesar de demarcar na linguagem e nas intenções com oreceituário neoliberal, a nova administração persegue os mesmosobjetivos. Busca pragmaticamente transferir competências parao setor privado ou para o terceiro setor, reduzir o déficit públicomesmo que às custas da precarização dos serviços e subordinara reforma do Estado e da administração pública ao cumprimentodas metas fiscais contratadas com o FMI.

Na incapacidade de (re)construir um novo projetoestratégico de desenvolvimento nacional, substituído pelamanutenção da estabilidade monetária no curto prazo, com adesconstrução da capacidade de intervenção do Estado, numcontexto de vulnerabilidade externa e aderência aos ritmos daglobalização, restou ao planejamento quase uma função rituale formalizada, menos que indicativa ou regulatória.

Esse cenário foi sinalizado na esfera nacional nos últimoslampejos do planejamento público restrito à elaboração do PlanoPlurianual (PPA), dispositivo previsto pela Carta de 1988. Oprimeiro PPA (1991/1995) foi tão ineficaz quanto emblemáticodo estágio final do planejamento na esfera pública, 94,6% dosinvestimentos foram paralisados durante o plano (Garcia, 2000).

127

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

O segundo PPA (1996/1999), segundo o mesmo autor “alcança,quando muito, o caráter de um plano econômico normativo demédio prazo” (Garcia, op. cit., pág. 14), quando somente 20%dos programas atingem mais de 90% execução.

Alguns fatores conjunturais fizeram da elaboração doterceiro Plano Plurianual (2000-2003) da União um momentoqualitativamente diferenciado. As causas da renovaçãometodológica positiva podem ser identificadas nos seguintesfatores: (a) a formação de um Grupo de Trabalho no Ministériodo Planejamento, em 1997, mais amplo e representativoenvolvendo entidades não governamentais como a AssociaçãoBrasileira de Orçamento Público (Abop) e o Instituto deAdministração Municipal (Ibam), (b) a experiência recente doExecutivo federal de melhoria da eficácia gerencial com oprograma “Brasil em Ação” em 1996 (que pinçou 42 projetosespeciais do PPA anterior), (c) uma conjuntura de estabilidademonetária favorecendo o uso gerencial do orçamento e dacontabilidade pública, num governo que já acumulava quatroanos de mandato, e – fator fundamental – (d) o uso de técnicasmais potentes e modernas de planejamento estratégico no setorpúblico.

Entre as principais modificações conceituais e operacionaispodemos listar (a) a categoria “programa” foi considerada oelo entre plano e orçamento, (b) desenho de programas a partirda identificação de problemas, (c) aprofundamento da naturezagerencial do planejamento – simplificação da taxionomiaorçamentária, flexibilidade na classificação funcional-programática, uso da categoria “função” e “sub-função”definindo políticas governamentais –, e (d) identificação deprodutos e metas por projetos e ações, com indicadores,gerentes específicos por programa. A seguir um esquema doprocesso decisório que embasa a elaboração dos PlanosPlurianuais a partir de 2000.

128

Jack

son

De

Toni

Quadro 17

Além disso, na preparação do PPA foi produzido um estudodenominado “Estudo dos Eixos Nacionais de Integração eDesenvolvimento” (parceria entre o Ministério do Planejamentoe o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –BNDES) com o objetivo de orientar o planejamento estratégicofederal. O objetivo desse estudo era produzir um grande portfóliopara investimentos públicos e privados (obras estruturantesno valor de US$ 317 bilhões) em cinco grandes eixos (regiõesde planejamento) nos quais o país foi dividido. Os eixos foramdefinidos com base no critério da acessibilidade (rede viáriaatual e potencial) e na presença de atividades econômicasmarcantes. A inovação foi o uso de uma lógica de maiorintegração das economias regionais, ainda que o produto finaltenha sido pouco debatido com estados da federação e quetenha permanecida intacta a visão privatista.

O terceiro PPA nacional previu a execução de 365 Programascom gastos totais de R$ 1,11 bilhões em quatro anos. A Lei deDiretrizes Orçamentárias, a LDO, teria o papel, nesse arranjoinstitucional, de mediação entre a estratégia mais genérica doPPA e os orçamentos anuais. Estes passariam a ter maiorvinculação com o Planejamento Governamental. A seguir umafigura ilustrativa das dimensões do PPA e a forma de articulaçãoentre as mesmas. Observe que a “visão de futuro” deve serproduzida na alta direção do governo, na Presidência daRepública, por exemplo.

129

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

Quadro 18

Em síntese, apesar do avanço metodológico e conceitualdos instrumentos de planejamento federal, a ausência demodificações profundas nas relações políticas internas e apermanência das práticas de gestão tradicionais, com apermanência do desenho organizacional normativo, ainda fazemdesse processo uma tarefa inacabada.

Passadas já três edições do Planejamento Plurianual doGoverno Federal, após as grandes modificações metodológicasda década de 90, é possível fazer uma síntese dos principaisdesafios e problemas a serem superados.

Problemas no campo da concepção e da metodologia:

» A adoção de um formato único de organização da açãogovernamental – a categoria “Programa” –independentemente da natureza de cada atividade semostrou útil para projetos de desenvolvimento(infraestrutura, por exemplo), mas ineficaz para açõesrotineiras. As diferenças de competência, função e lógicaorganizacional entre as entidades públicas federais parecemnão ter sido consideradas pelo modelo de programação.

» A conversão de todas ações em Programas com o mesmostatus orçamentário, sejam elas de rotina, como a

130

Jack

son

De

Toni

manutenção das aposentadorias, ou um projeto estratégico,como a formulação de uma nova política para a pós-graduação, gerou em cada um dos PPAs mais de trêscentenas de programas sem maiores preocupações com afixação de hierarquias e prioridades.

» Por isso, também, a tramitação da lei do plano noCongresso Nacional se tornou lenta, suscetível a inúmerasbarganhas pulverizadas, resultando não raro em programascarentes de sentido, lógica ou funcionalidade. O PPA 2004-2007, por exemplo, só foi aprovado em 13 de Julho de2004 numa sessão esvaziada, seis meses após o prazoconstitucional estabelecido.

» A metodologia de elaboração dos diversos PPAs pós-Constituição de 1988 foi fragilizada sob o ponto de vistada geração de consensos consistentes entre os atoressociais envolvidos na produção de políticas públicas nopaís: governos estaduais, municipais, representaçõesnacionais de empresários, trabalhadores, organizaçõessociais diversas, etc. Essa debilidade tem se refletido nobaixo grau de consenso e unidade quanto aos objetivosestratégicos, sobretudo entre os vários entes federativos.A fragilidade dos consensos federativos afeta sobretudoaqueles programas ou políticas cujo funcionamentodemanda ações combinadas e integradas, como é o casodo Sistema Único de Saúde, ou ações integradas naSegurança Pública.

» A subordinação conceitual do orçamento ao conceito deprograma, a despeito da maior transparência, fez com quemuitos gestores usassem a categoria “programa” comoabrigo para rubricas orçamentárias diversas, adquirindo maisflexibilidade na execução financeira, mas perdendo o focogerencial e a prioridade para geração de resultados. Os“Programas do PPA”, pensados como a síntese superiorentre o protagonismo do dirigente democraticamente eleito,uma agenda política legítima com legitimidade de propósitose a mais moderna ferramenta gerencial possível, se tornam

131

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

paulatinamente uma “coleção” de rubricas orçamentáriasfeitas pela conveniência da micro-política.

» A responsabilização pelo gasto do governo acontece deacordo com a estrutura organizacional existente, ao vincularde forma absoluta planejamento e orçamento. O modeloatual induziu os gestores a priorizarem o segundo emdetrimento do primeiro. Esse aspecto explica em parte agrande dificuldade que os organismos de controle (Tribunalde Contas da União e Controladoria Geral da União) têmpara auditar Programas Interministeriais, que exigemsofisticados mecanismos de negociação.

» Mesmo nos países onde a estrutura de orçamento-programa domina, é muito difícil fazer com que a estruturaburocrática e intercompetitiva de governo se subordine àlógica gerencial do planejamento, em parte, por inaptidãoda cultura burocrática weberiana clássica dos quadros(inaptos para processos inovativos).

Problemas no campo da gestão e da implementação:

» A impossibilidade de previsão do ritmo de execuçãoorçamentária, num ambiente fiscal onde o superávit fiscalse tornou dogma de política econômica, e a crescenterigidez na execução da despesa, consideradas as crescentesvinculações constitucionais da Receita Corrente Líquida(despesas obrigatórias na área da saúde e da educação,por exemplo), reduzem sobremaneira a naturezaestratégico-discricionária do plano. Há que se levar emconta, também, que o serviço de pagamento da dívidainterna e externa consome, conforme o ano fiscal, de 70%a 75% dos recursos orçamentários previstos.

» A definição de políticas de um modo geral (Diretrizes,Metas, etc.), como a Política Industrial, Tecnológica e deComércio Exterior, a Política Nacional de Direitos Humanos,as Diretrizes Nacionais de Desenvolvimento Regional ou oPlano Nacional de Recursos Hídricos, não sendo ações

132

Jack

son

De

Toni

tipicamente orçamentárias, está excluída do escopo doplano. Isso ajuda a reduzir a capacidade de formalização eunificação das ações governamentais.

» Debilitado na sua capacidade preditiva e antecipatória,particularmente nos setores de maior complexidade,relevância e carência de intervenção pública, oplanejamento governamental em nada contribui paraprevenir (e antecipar soluções), diminuir ou minorar oimpacto de crises ou identificar gargalos potencialmentegraves. Para citar alguns exemplos mais recentes, a recentecrise no tráfego aéreo do país em 2006 que paralisou osistema aero-portuário, a crise na defesa sanitária comreaparecimento da febre aftosa em 2005 que cortou doisterços das exportações do setor ou a crise deabastecimento de energia elétrica em 2001. Seria normalsupor que um sistema de planejamento efetivo pudesse,de alguma forma, recomendar preventivamente açõesdissuasivas ou desenhar planos de contingência exequíveis.

» O PPA não suporta a decisão estratégica do Presidenteda República. O centro de governo (a Presidência daRepública e órgãos vinculados) adota um sistema diferentede seleção e monitoramento de metas, diferente eincompatível daquele estabelecido pelo PPA, contribuindopara que este último se torne mais um ritual burocráticoque instrumento gerencial estratégico. Além disso, aprecariedade de implementação do plano também pode serinferida através da existência de diversas “agendasestratégicas” concorrentes entre si no centro de governo.

» Apesar dos grandes avanços em monitoramento &avaliação de políticas públicas realizados no Brasil nosúltimos anos, incluindo os programas do PPA, a gestão doplanejamento governamental está cada vez mais distanteda gestão real e concreta do dia a dia dos ministérios.Tornou-se lugar comum assistir na mídia nacional ministroslançando programas e metas governamentais como se nãohouvesse algum sistema integrado e formalizado deplanejamento.

133

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

Um exemplo eloquente da ritualização do plano é a evidênciade que no próprio Ministério do Planejamento (o centro irradiadore coordenador do sistema) somente 25% dos programasdaquele Ministério (PPA 2004-2007) utilizam o Sistema deInformação Gerencial e de Planejamento (SIGPlan) paramonitoramento do PPA. Essas e outras informações estãodisponibilizadas no próprio sítio do Ministério do Planejamento.O SIGPlan é o sistema de gestão por excelência do PPA, de usoobrigatório para toda entidade pública federal e mantido peloMinistério do Planejamento (fonte: Relatório da Secretaria dePlanejamento e Investimentos Estratégicos, 2006).

Orientações Estratégicas do PPA federal, 2008-2011

» promover a inclusão social e a redução das desigualdades;» promover o crescimento com sustentabilidade, geraçãode empregos e distribuição de renda;» propiciar o acesso da população brasileira aoconhecimento em seus diversos níveis e modalidades, comequidade e qualidade;» fortalecer a democracia e a cidadania com garantia dosdireitos humanos;» implantar uma infraestrutura eficiente e integradora doterritório brasileiro;» reduzir as desigualdades regionais a partir daspotencialidades locais do território nacional;» fortalecer a inserção soberana internacional e a integraçãosul-americana;» elevar a competitividade sistêmica da economia, cominovação tecnológica;» promover um ambiente social pacífico e garantir aintegridade dos cidadãos;» promover o acesso com qualidade a serviços e benefíciossociais, sob a perspectiva da universalidade e da equidade,assegurando-se seu caráter democrático e descentralizado.

Talvez o exemplo mais eloquente e recente de divórcioentre o planejamento proposto pelo PPA e o processo real degoverno tenha sido o conjunto de medidas denominadas “Plano

134

Jack

son

De

Toni

de Aceleração do Crescimento” (PAC), lançado em 2007. Comações diversas, o “plano” abrange a infraestrutura energéticae rodoviária até a atualização dos percentuais de isenção doImposto de Renda. Coordenado diretamente pela Presidênciada República (Casa Civil) e não pelo Ministério do Planejamento,as ações, que preveem gastos de R$ 500 bilhões para execuçãoaté 2010, foram anunciadas publicamente em 22 de janeiro de2007. Inclusive com diversas medidas legislativas propostas aoCongresso Nacional (no formato de Medidas Provisórias) e oitomeses antes que o Poder Executivo entregasse para exame eaprovação do Poder Legislativo o próximo Plano Plurianual (oPPA 2008-2011), que – em tese – deveria ser o instrumentouniversal e abrangente de planejamento federal.

Quadro 19

Previsão de Investimentos do Programa deAceleração do Crescimento – PAC

(Fonte: Mensagem Presidencial do PPA 2008-2011)

A capacidade de planejamento do Estado brasileiro nãoreside exclusivamente na elaboração e execução dos PPA, aindaque esse instrumento seja por excelência o organizador geraldas ações estratégicas. Há exemplos recentes, alguns bem-sucedidos no plano setorial, como a “Política, Industrial,Tecnológica e de Comércio Exterior” (PITCE), lançada em 2003

Região Logística Energia Infraestrutura Total

Norte 6,3 32,7 11,9 50,9

Nordeste 7,4 29,3 43,7 80,4

Sudeste 7,9 80,8 41,8 130,5

Sul 4,5 18,7 14,3 37,5

Centro-Oeste 3,8 11,6 8,7 24,1

Nacional(*) 28,4 101,7 50,4 180,5

Total 58,3 274,8 170,8 503,9

* Nessa categoria reúnem-se obras que se estendem por mais de uma região ou ainda nãoidentificadas geograficamente.

Social e urbana

135

O P

lanejamento no Setor P

úblicoEconom

ia no Setor Público

e a atual “Política de Desenvolvimento Produtivo” (PDP), lançadaem 2008, ambas sob responsabilidade do Ministério doDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) ou o“Plano de Ação 2007-2010: Ciência, Tecnologia e Inovaçãopara o Desenvolvimento Nacional” do Ministério de Ciência eTecnologia (MCT). Além disso, diversos estados da federaçãovêm aprimorando seus sistemas de planejamento público nosúltimos anos.

ReferênciaGARCIA, R. C. A reorganização do Processo dePlanejamento no Governo Federal: PPA 2000-2003.IPEA. Texto para discussão nº 726, Brasília, 2000.

IANNI, O. Estado e Planejamento Econômico no Brasil.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.

KON, A. Planejamento no Brasil II. São Paulo: Ed.Perspectiva, 1999.

LAFER, B. M. O Planejamento no Brasil. 5ª edição. SãoPaulo: Editora Perspectiva, 1997.

MATUS, C. Política, Planejamento e Governo, Tomo I eII. Brasília: IPEA, 1993.

MATUS, C. Adeus Senhor Presidente, Governantes eGovernados. São Paulo: Ed. Fundap, 1996.

MIGLIOLI, J. Introdução ao Planejamento Econômico.São Paulo: Brasiliense, 1983.

NOGUEIRA, M. A. As possibilidades da Política, Idéiaspara a Reforma Democrática do Estado. São Paulo: Paze Terra, 1998.

NUNES, E. A Gramática Política do Brasil, Clientelismoe Insulamento Burocrático. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEditor, 1999.

136

Jack

son

De

Toni

Autoavaliação1. Qual a relação entre o planejamento no setor púbico eas funções econômicas do Estado?

2. Quais foram os avanços mais recentes do PlanejamentoPlurianual do Governo Federal?

3. Qual a diferença entre planejamento tradicional eplanejamento estratégico?

137

O debate sobre a R

eforma Tribu

táriaEconom

ia no Setor Público

Cap. IX

O debate sobre aReforma Tributária

O tema da reforma tributária é recorrente na agenda políticado país, sobretudo após o movimento pragmático de recuperaçãoda arrecadação fiscal que a União empreendeu pós-constituintede 1988. Já vimos que o arranjo federativo estabelecido pelaConstituição de 1988 inviabilizou a função redistributiva doEstado. Isso aconteceu porque a distribuição desigual da ofertade serviços públicos no território faz com que a presença doEstado seja extremamente desigual. O resultado foi, grossomodo, serviços federais deteriorados, guerra fiscal entre estadose municípios e esvaziamento do planejamento federal. Assim oGoverno Federal operou uma recentralização de recursos,através do uso indiscriminado de contribuições sociais.

Uma dimensão importante do contexto que envolve areforma tributária é o próprio pacto federativo ou o federalismofiscal brasileiro. Nosso sistema federativo, ao contrário do norte-americano, por exemplo, foi definido por decreto (o Decreto nº01 de 15/11/1889). Na Proclamação da República havia juristase políticos que pleiteavam autonomia integral para as províncias,como Rui Barbosa. Mas a federação brasileira formou-se deforma “centrífuga”, como uma concessão do poder central,

138

Jack

son

De

Toni

antes na forma de Império, ou seja, as diferentes regiões jánasceram sob o signo da dependência. Para continuar acomparação, no caso norte-americano foi o inverso, um punhadode estados já soberanos e independentes abriram mão de partedessas faculdades para criar um poder central.

O regime tributário da Constituição de 1891 manteve amesma feição que o sistema imperial foi adotado o regime decompetência tributária exclusiva. Esse regime estabelecia queao governo central caberia o imposto de importação, os direitosde entrada, saída e estadia de navios, taxas de selos, taxas decorreios e telégrafos federais. Já aos estados competia decretarimposto sobre exportações, sobre imóveis rurais e urbanos,sobre transmissão de propriedade e sobre industriais e profissões,além de taxas de selos e contribuições concernentes a seuscorreios. Já os municípios não tinham autonomia, cabia aosestados a responsabilidade de fixar os impostos municipais. Sóem 1922 foi criado o imposto sobre venda mercantil, mais tardedenominado imposto sobre vendas e consignações, decompetência estadual.

Cabe mencionar a existência do imposto sobre vencimentospagos pelos cofres públicos e sobre benefícios distribuídos pelasSociedades Anônimas, uma forma aproximada de renda. Com aevolução do sistema, rendas de outras fontes foram sendoincorporadas à base tributária, mas só a partir de 1924 o governoinstituiu o imposto geral sobre a renda. Podemos observar queo regime tributário se modifica para acompanhar a evoluçãoprópria do sistema econômico. No início grava as exportaçõese importações basicamente, com a industrialização começa asurgir a tributação sobre o consumo interno, mais tarde a rendae a propriedade e só num estágio avançado se criam tributosespecíficos e sobre o valor adicionado.

Quando o foco volta-se para os estados, podemos identificarque a principal fonte de arrecadação era o imposto sobreexportações (40% de recursos dessa esfera de governo). Esseimposto era cobrado tanto das exportações para o exteriorcomo nas operações interestaduais. A Constituição de 1934 –já sob a modernização do “Estado Novo” – criou outros tributoscomo o imposto de transmissão de propriedade e o impostosobre indústria e profissões. Essa Constituição promoveu a

139

O debate sobre a R

eforma Tribu

táriaEconom

ia no Setor Público

descentralização: os estados passaram a ter maior autonomiapara decretar o imposto sobre vendas e consignações, aomesmo tempo em que foi proibida a cobrança de impostos sobretransações interestaduais, cuja alíquota foi limitada a 10%; osmunicípios, por sua vez, passaram a ter competência paradecretar alguns tributos.

Essas medidas resultaram na descentralização daarrecadação tributária, a participação de estados e municípiospassou de 34,5% em 1900 para 49% em 1931. Foi nessa épocaque os municípios ganharam bases autônomas de competênciastributárias, pela primeira vez na história. As medidas dedescentralização só serão confirmadas pela Constituição de1946, registrando, inclusive, a necessidade de adaptação dapartilha de tributos às demandas das regiões menosdesenvolvidas como o Norte, Nordeste e o Vale do São Francisco.

Já comentamos que a reforma de 1967 foi bem-sucedidaao racionalizar o sistema tributário e recuperar a capacidadede arrecadação federal (que passou de 8,6% em 1962 para20% da arrecadação total em 1970). Mas do ponto de vistafederativo houve um retrocesso claro com redução detransferências e restrições de competências. Na verdade oprincípio básico de um sistema federativo, que é a autonomiarecíproca dos estados e da União e a previsão de umacorrespondência entre a distribuição de serviços e de recursos,nunca foi de fato cumprido.

A Constituição de 1988, em ambiente democrático, apesarde tentar retomar o princípio federativo e combater osdesequilíbrios regionais, não foi totalmente bem-sucedida. Houveavanços evidentes na repartição de tributos e na instauraçãoda progressividade fiscal para garantir mais equidade no sistema.Entretanto a manutenção dos critérios de rateio não permitiuuma distribuição mais uniforme entre receitas e encargos,sobretudo para os municípios maiores onde a demanda deserviços é muito maior. A constituição estabeleceu um regimetributário complementar, evitando a sobreposição dos impostos,mas permitindo a estados e municípios a criação de taxas e acontribuição de melhoria, bem como o custeio da previdência eassistência social para os seus servidores.

140

Jack

son

De

Toni

As contribuições de melhoria são um tributo relacionado àconstrução de obras públicas que valorizam imóveis, demodo que todos aqueles que se beneficiam da construçãode uma obra pública devem pagar um tributo em razãodesse benefício, que no caso é a valorização imobiliária.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que 21,5% daarrecadação com o imposto sobre a renda e 20% do impostosobre produtos industrializados pertencem aos estados e que22,5% do IR e do IPI cabem aos municípios, além de 50% doimposto sobre a propriedade territorial rural, 25% da arrecadaçãodo Estado com ICMS sobre transporte interestadual eintermunicipal e de comunicação e metade da arrecadaçãoestadual com o imposto sobre propriedade de veículosautomotores, o IPVA. A distribuição, apesar de melhorar, aindafoi efêmera. E esse continua sendo um dos principais problemasno debate da reforma tributária: como reorganizar o regimetributário e fiscal para recuperar a autonomia dos entesfederativos distribuindo equitativamente receitas e despesas?

Outro problema grave é a priorização da capacidadearrecadatória do tributo em detrimento de sua qualidade e lógicaeconômica. O resultado é a proliferação de contribuiçõesparafiscais e o predomínio de uma estrutura regressiva sobre arenda, com domínio de impostos sobre o consumo. As entidadesfederadas, por conta do nosso federalismo desequilibrado,buscam atrair investimentos sacrificando seus próprios regimestributários, numa profusão de isenções e renúncias fiscais queacabam debilitando ainda mais sua capacidade de financiamento.Essa verdadeira “guerra fiscal” acaba definindo os limites parauma reforma tributária, os Estados mais industrializadosdificilmente concordarão com uma reforma que diminuía suaarrecadação no médio ou longo prazo.

Poderíamos resumir os principais problemas da nossamatriz tributária nos seguintes itens:

a. Complexidade: vários tributos incidem sobre a mesmabase. Há altos custos burocráticos para manter e assegurarqualidade ao aparelho arrecadatório e sobretudo para a

141

O debate sobre a R

eforma Tribu

táriaEconom

ia no Setor Público

administração fiscal e tributária das empresas. Os tributosindiretos e contribuições parafiscais têm grande diversidaderegulatória, muitas vezes, mudam radicalmente de estadopara estado.

b. Cumulatividade: os tributos incidem em cada etapado processo de produção e circulação de mercadorias,sem possibilidade de compensação com o que é pago naetapa anterior.

c. Aumento do custo dos investimentos: acumulatividade e o longo prazo de ressarcimento oucompensação pelos impostos pagos sobre bens de capital,por exemplo, chega a 48 meses no caso de ICMS pago nacompra de uma máquina e 24 meses no caso do PIS e doCOFINS. Esses prazos entram negativamente no cálculode viabilidade dos investimentos.

d. Administração do ICMS: hoje o maior imposto individualdo Brasil é regido por dezenas de alíquotas em legislaçãosubnacional, ao contrário das melhores práticasinternacionais. Como é cobrado no estado de origem doproduto há muita resistência dos estados exportadoresem ressarcir o imposto pago em outra unidade da federação.Além disso a “guerra fiscal” vem provocando um diminuiçãoda capacidade de arrecadação de estados e municípiosque nela se envolvem.

e. Tributação sobre a folha de salários: a pesada cargafiscal sobre a contratação da força de trabalho funcionacomo um inibidor à formalização dos contratos e um estímuloà informalização da economia e das relações de trabalhono Brasil. Além disso a informalização gera uma baixacontribuição à previdência social. Estima-se que metadedas pessoas ocupadas não contribuam para a previdênciasocial.

Em 2008 o governo Lula fez uma proposta de reformatributária através de um projeto de emenda constitucional (a

142

Jack

son

De

Toni

PEC 233). Nessa proposta o Governo Federal propõe os seguintespontos.

» simplificar o sistema tanto no âmbito dos tributos federaisquanto do ICMS, eliminando tributos e reduzindo edesburocratizando a legislação tributária;

» acabar com a guerra fiscal entre os estados, com impactospositivos para o investimento e a eficiência econômica;

» implementar medidas de desoneração tributária,principalmente nas incidências mais prejudiciais aodesenvolvimento;

» corrigir as distorções dos tributos sobre bens e serviçosque prejudicam o investimento, a competitividade dasempresas nacionais e o crescimento econômico;

» aperfeiçoar a política de desenvolvimento regional;

» melhorar a qualidade das relações federativas, ampliandoa solidariedade fiscal entre a União e os estados;

» desonerar significativamente a folha de salários com:eliminação da incidência da “contribuição ao salárioeducação”sobre a folha (hoje de 2,5%), que seria substituídapor uma parcela do IVA-F; e redução da contribuição dasempresas ao INSS, a ser efetivada através de futuroProjeto de Lei a ser encaminhado ao Congresso Nacional.

A criação de um imposto sobre o valor adicionado émeritória em todos os sentidos, ainda que mantenha a estruturaregressiva do regime tributário, o grau de regressividadedependerá da alíquota a ser cobrada. Acabar com as 27legislações diferentes de ICMS é outra medida que merece serapoiada. A compensação das perdas para os estados produtores(que irá perder com a tributação no destino) é um artifícioimportante para diminuir as resistências políticas à proposta.

Não se pode ignorar que os estados mais industrializados

143

O debate sobre a R

eforma Tribu

táriaEconom

ia no Setor Público

e, portanto, aqueles com mais poder de pressão e representaçãopolítica no governo e no Congresso Nacional, serão os maisafetados. Por isso a importância de um “Fundo de equalizaçãode Receitas” e uma transição relativamente longa (sete anos).A proposta sinaliza também uma redução para zero do tempode ressarcimento do ICMS pago para empresas que comprambens de capital (hoje o prazo é de até 48 meses), assim comodo PIS e do COFINS. Sobre a desoneração da folha de saláriosa proposta avança na eliminação do “salário-educação” (2,5%),na redução da contribuição patronal de previdência (de 20%para 14%).

Em 1996 o Governo Federal criou um dispositivo paradesonerar as exportações e ressarcir os estados. O grandeproblema é que a falta de regulamentação da chamada “LeiKandir” (do artigo 91 do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias, ADCT, da Constituição Federal de 1988), faz comque o ressarcimento em valores reais seja muito defasado poisdepende de alocação orçamentária a cada ano. No orçamentoda União para 2008, por exemplo, estão previstos R$ 5,2 bilhõespara essa finalidade. Como se trata de questão orçamentária,todo ano esse valor está sujeito a disputas regionais,divergências entre governadores e parlamentares, metas decontigenciamento do Poder Executivo, enfim, um cenário deimprevisibilidade.

A Lei Kandir, criada em 1996, isenta do pagamento doImposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)e do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) osprodutos primários e semielaborados destinados àexportação. Para compensar os estados pelas perdasdecorrentes da isenção desses impostos, a legislação prevêque a União repasse 50% dos valores desonerados, a títulode compensação pelas perdas.

Além da carga tributária elevada (se comparada à qualidadedo gasto público) e da falta de equidade (quanto menor arenda, maior o peso dos tributos), nós temos sérios problemasde competitividade. Esse problema acontece quando os tributosindiretos cumulativos têm forte peso e não são passíveis de

144

Jack

son

De

Toni

desoneração total. Se comparados às exportações de outrospaíses, surge uma desvantagem competitiva, pois os bens eserviços brasileiros tornam-se mais caros diante dosconcorrentes estrangeiros. Com o aumento do grau de aberturada economia brasileira e a consolidação do Mercosul, os efeitosdesse tipo de tributo ficaram mais visíveis. As decisões deprodução e investimento das grandes empresas multinacionaissão afetadas pelos diferentes regimes tributários, além disso,começam a surgir assimetrias muito grande entre países domesmo bloco econômico, gerando tensões e protestos dos maisdesfavorecidos.

Para ficar num exemplo simples, imaginemos a cargatributária que incide sobre a folha de pagamentos no Brasil,várias vezes superior a de muitos outros países com os quais oBrasil mantém relações comerciais ativas. É evidente que, adepender do tipo de produto e mercado, cria-se um diferencialde produtividade que provoca desvios e distorções no comérciointernacional, canalizando rendas de comércio para os mercadoscom menor carga tributária. A adoção de um “imposto único”não resolveria esse problema, posto que continuaria penalizandoaqueles produtos de cadeias produtivas mais longas e nãopoderia ser subsidiado para as exportações devido às restriçõesda Organização Mundial do Comércio, a OMC. Parece inevitávelque a reforma tributária caminhe para uma integração nacionalmaior do regime tributário, centralizando a nível nacional políticasde alíquotas e coordenação fiscalizatória. O setor produtivo épenalizado ao “exportar impostos”, em compensação asimportações não são restringidas.

O contexto desse debate não se limita apenas em definirquais estados ganham ou perdem, se a receita da União vaiaumentar ou diminuir, se os tributos sobre a renda e o patrimônioserão majoritários, se o efeito “cascata” e as contribuiçõesparafiscais vão acabar... De fato, o verdadeiro debate que asociedade política e civil precisa fazer é que tipo de Estadoprecisamos para desenvolver o país? Qual nosso projeto dedesenvolvimento? Quais serviços o governo deve manter, comqual nível de qualidade, quanto custa para a sociedade? E,finalmente, quem vai pagar por eles? Como? Nesses termospouco importa saber se teremos meia dúzia de tributos ou

145

O debate sobre a R

eforma Tribu

táriaEconom

ia no Setor Público

sessenta, como temos hoje, mas até onde a sociedade estádisposta a pagar pelos serviços públicos e se poderá controlarreceitas e despesas com a transparência necessária.

Colocando o debate nesses termos parece que a ReformaTributária será menos um ato único e episódico e mais umlongo processo de negociação e pequenas reformas,incrementais e progressivas.

ReferênciasAFONSO, J. R.; BIASOTO Jr., G. Investimento público noBrasil: diagnósticos e proposições. Revista do BNDES,v. 14, nº 27, 2007.

FILELLINI, A. Economia do Setor Público. São Paulo: Ed.Atlas, 1994.

GENEREUX, J. Introdução à Política Econômica. SãoPaulo: Ed. Loyola, 1993.

GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. Finanças Públicas – Teoria ePrática no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

LONGO, C.A. e TROSTER, R.L. Economia do Setor Público.São Paulo: Ed. Atlas, 1993.

LONGO, C.A. Caminhos para a reforma tributária. SãoPaulo: FIPE/USP, 1986.

MUSGRAVE, R. Teoria das Finanças Públicas. São Paulo:Ed. Atlas, 1974.

REES, R. A Economia da Empresa Pública. Rio de Janeiro:Ed. Zahar, 1979.

RIANI, F. Economia do Setor Público: uma abordagemintrodutória. São Paulo: Ed. Atlas, 1990.

SILVA, L. M. Contabilidade Governamental. São Paulo:

146

Jack

son

De

Toni

Ed. Atlas, 1996.

VALÉRIO, W. P. Programa de Direito Tributário. PortoAlegre: Ed. Sulina, 1992.

VARSANO, R. A evolução do sistema tributário brasileiroao longo do século: anotações e reflexões para futurasreformas. Pesquisa e Planejamento Econômico, IPEA, 1997.vol. 27, n° 1.

Autoavaliação1. Quais os pontos mais críticos do atual sistema tributáriobrasileiro?

2. Por que a reforma tributária pode impactar diretamentena eficiência do sistema econômico?

3. Entre as propostas em debate, na sua opinião, qual amais importante? Justifique.

147

A econ

omia da regu

laçãoe o Estado R

egulador

Economia no Setor P

úblico

Cap. X

A economia da regulaçãoe o Estado regulador

Um novo e importante capítulo na teoria da economia dosetor público vem sendo escrito nas últimas décadas: é aeconomia da regulação. Ela se propõe a estudar os vários temasrelacionados ao processo de regulação, ou seja, de controledo Estado sobre as empresas que produzem bens ou serviçosde natureza pública ou coletiva. A economia da regulação sedesenvolveu paralelamente ao processo de privatizaçõesocorrido, primeiro nos países desenvolvidos e depois no restodo mundo, a partir dos anos 80 e 90. Neste capítulo vamosabordar os principais temas relacionados a esta importanteparte da economia do setor público.

A tendência de diminuição do Estado foi muito acentuadaem países como a Inglaterra no início dos anos 80, desde esseperíodo os capitais privados puderam operar nas áreas de gás,eletricidade, água, telecomunicações e transportes. Os EstadosUnidos, por sua vez, reorganizaram os setores de infraestruturaque já contavam com presença de investidores privados. NaAmérica Latina um dos pioneiros foi o Chile, o primeiro país aprivatizar o setor elétrico. Outros países onde a tradição estatalé muito grande, como a Noruega e a Dinamarca, reorganizaram

148

Jack

son

De

Toni

seus serviços sem diminuir ou acabar com a participação doEstado.

As razões do processo de desestatização são muitocomplexas e variam de país a país. Razões políticas ou históricas– como os países do leste europeu – combinam-se com motivospuramente econômicos de combate ao déficit público eracionalização das despesas. Na Inglaterra o Partido Conservador,liderado por Margaret Thatcher, tinha como objetivo, além dosmeramente econômicos, enfraquecer as bases do PartidoTrabalhista, no poder desde o pós-guerra. Na ampla maioriados casos, o argumento oficial foi baseado na melhoria daeficiência e eficácia na prestação dos séricos. Característicasque só seriam obtidas se o aparato produtivo estatal fosseimerso num ambiente competitivo de concorrência de mercado.

Na América Latina, considerando a trajetória de cada país,as privatizações foram influenciadas principalmente porproblemas de desajuste fiscal e endividamento externo. Comojá foi visto antes, o Brasil chegou a pedir uma moratória dospagamentos de compromissos internacionais em meados dosanos 80, precedido do México, que o fez em 1982. Na basedesse endividamento, um conjunto de fatores:desregulamentação financeira mundial com o fim do “tratadode Bretton Woods”, pagamento de empréstimos (“hot moneys”)a juros crescentes, choques do petróleo, recessão com quedada receita fiscal, etc. No plano político, esse contexto favoreceua difusão de ideias e princípios liberais, entre os quais aintervenção mínima do Estado na economia.

Acordo de Bretton Woods: Conferência Internacionalrealizada em Bretton Woods em New Hampshire, estadonorte-americano, que decorreu em julho de 1944. Aquidiscutiram-se propostas alternativas relacionadas com osproblemas dos pagamentos internacionais do pós-guerra.Essas propostas foram sugeridas pelos Governos do ReinoUnido, do Canadá e dos Estados Unidos. Desse acordoresultou a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI)e do Banco Internacional de Reconstrução. O padrão-ouro,sobre o qual fora construída a Nova Ordem, foi desmanteladoem 1971, o dólar tornou-se a moeda hegemônica de reservamundial.

149

A econ

omia da regu

laçãoe o Estado R

egulador

Economia no Setor P

úblico

Após as primeiras privatizações, sobretudo no setor deinfraestrutura, o problema que ocupou gestores e dirigentes foide como seria feita a regulação desses serviços. A regulaçãodeve coibir o domínio exercido agora pelos novos monopóliosprivados, protegendo, de um lado, os usuários e consumidoresde tarifas abusivas e garantindo, por outro lado, um nível deremuneração para as empresas operadoras que viabilizeinvestimentos e melhoria da qualidade e cobertura dos serviçosprestados. A regulação compreende assim o controle de custose preços, a qualidade do produto ou serviço, o controleambiental, a estrutura de mercado, o acesso às informações, aconduta e a performance empresarial, entre diversos temasrelacionados. A regulação é uma política pública que utilizavários dispositivos administrativos para monitorar, controlar eavaliar uma atividade privada.

No debate sobre regulação, devemos fazer uma distinçãoentre “poder concedente” e “ação regulatória”. O poderconcedente é, e sempre será, o titular da obrigação de prestaçãode serviço. É ele, o Estado, responsável por dimensionar, planejare decidir sobre qual será a melhor política de oferta do serviçoe os meios para realizá-la. Após realizada a concessão do serviçopara uma empresa privada, cabe ao poder concedente garantirque as condições do contrato serão cumpridas. A açãoregulatória não é responsável pela prestação do serviço, mastem o dever de garantir que as regras estabelecidas pelo governoserão cumpridas pelos operadores privados, remunerados poruma tarifa justa.

As tarefas básicas do órgão regulador são a defesa daaplicação das regras de concessão, a definição em níveloperacional de itens da prestação do serviço como adiscriminação de tarifas ou os repasses de produtividade e ainvestigação, denúncia e combate às práticas anticompetitivas.Os objetivos da regulação, assim, são a melhoria da eficiênciaalocativa, distributiva (evitando que o produtor se aproprie detodo o excedente econômico que a condição de monopólionatural gera) e produtiva, utilização da capacidade instaladano seu máximo. Os instrumentos que as agências reguladorastêm para exercer sua função são, em síntese, o controle dastarifas, das quantidades produzidas, as restrições à entrada e

150

Jack

son

De

Toni

à saída de novos operadores privados e a definição emonitoramento de padrões de desempenho. As condições deeficiência desse sistema são a estabilidade de uma políticatarifária, a definição formal de direitos e obrigações de todosos envolvidos no processo, um mecanismo ágil de solução decontrovérsias, sobretudo entre o poder concedente e o operadorprivado, alguma garantia para a operadora contra riscos políticose econômicos. Entretanto, nada disso é operacional se o órgãoregulador não for dotado de capacidade técnica consolidadaum grau de autonomia suficiente.

A regulação basicamente evita que o custo social domonopólio produza perda de eficiência geral para a economia.O instrumento mais comum utilizado são as leis antitrustes,evitando combinações de preço, partilhas de mercado ou outroexpediente de concentração. Ao limitar o poder dos vendedoresou dos compradores, as leis antitrustes evitam o que oseconomistas chamam de “deadweight welfar loss” ou “perdade peso morto”, significando a tendência que os monopóliostêm a operar com preços acima do nível ótimo e custos maiores.Além disso, o excessivo domínio do mercado acaba gerandoproblemas de equidade e imparcialidade que anulam ouinviabilizam os processos competitivos. É por isso que os “preçosde conluio”, a discriminação de preços ou preços predatóriossão práticas combatidas pelas agências reguladoras.

A regulação não induz a concorrência, mas a substitui pormecanismos e protocolos regulatórios que determinamparâmetros para custos, preços, tamanho de mercado,governança corporativa, investimentos, padrões de qualidadee atendimento ao consumidor. A regulação busca atingir aeficiência econômica, traduzida na eficiência produtiva,distributiva e alocativa, e atualmente seus princípios são usadosnuma gama crescente de atividades econômicas, do controlede medicamentos à produção de petróleo. A regulação tambémobjetiva corrigir os problemas gerados pela informaçãoassimétrica, pelas externalidades econômicas e existências debens públicos (veja capítulos iniciais).

Os mecanismos de regulação estabelecem incentivos paraos agentes econômicos tomarem decisões que contribuam paraos objetivos regulatórios. Esse objetivo nem sempre é possível

151

A econ

omia da regu

laçãoe o Estado R

egulador

Economia no Setor P

úblico

porque o agente possui informações mais precisas sobre oscustos do negócio, por exemplo. Diz-se que os mercados ondeoperam esses monopólios naturais têm baixa “contestabilidade”,cabendo ao Estado mudar essa característica. Quando o órgãoregulador não consegue determinar os custos exatos do reguladoe fixa tarifas acima daquelas do nível de eficiência (simulandoum mercado competitivo) diz-se que o órgão regulador foi“capturado” pelo agente. Por isso que a independência eautonomia do órgão regulador (uma agência estatal, porexemplo) é vital para o desempenho de suas funções.

A relação “principal/agente” é fundamentalmente umarelação contratual. Um contrato que seja eficiente deve resolvera falta de incentivos do agente para cooperação com osobjetivos da regulação (preços módicos e investimento noserviço, por exemplo). Um contrato (marco regulatório) capazde dar conta desses aspectos tem que possuir algumascaracterísticas. Em primeiro lugar, o agente (a empresaoperadora) tem que ver a possibilidade do contrato regulatóriocomo algo que trará mais benefícios com sua adesão do querecusa ao contrato, esse aspecto é chamado de “restrição departicipação”. Um segundo aspecto se relaciona aobalanceamento entre punição e incentivo. Se o agente adereao contrato, ele deve ter mais benefícios se esforçando paracumprir as metas previstas do que o contrário.

Mercado Contestável é definido como aquele em que tantoos concorrentes efetivos como os potenciais têm acessoàs mesmas tecnologias e consumidores, e no qual nãoexistem barreiras à entrada e nem custos de saída. Umentrante potencial que deseje estabelecer-se terá acessoà demanda de mercado, a partir da tecnologia que estásendo utilizada, em igualdade de condições com as firmasjá estabelecidas. A entrada, além de livre, é totalmentereversível e sem ônus.

Parece evidente, então, que a necessidade de marcosregulatórios diminui na medida em que se consolida aconcorrência no setor regulado. No setor de aviação civil, porexemplo, a necessidade de regulação econômica é visível, na

152

Jack

son

De

Toni

medida em que ele se configura hoje no Brasil com uma estruturapróxima ao oligopólio. Já o modelo regulatório criado para aárea de telefonia fixa e celular induz a uma competição relativaentre as várias operadoras.

A informação é uma variável-chave na teoria da regulação.Nem sempre os compradores têm o mesmo nível de informaçãosobre a qualidade, o tipo do bem que está sendo transacionado,vendido pelos produtores. Em certos contratos, por exemplo,os contratos de seguro, as seguradoras não possuem informaçõescompletas sobre a conduta (o comportamento) dos segurados.Nesses tipos de mercados, as informações são sempreassimétricas ou imperfeitas. Essas assimetrias na teoriaeconômica são chamadas de “seleção adversa”, quando umdos lados não observa a qualidade, o tipo ou a característicado produto ou serviço, e de “perigo moral” (ou “moral hazard”),quando um dos lados do mercado não observa a conduta, aação ou o comportamento do outro lado do mercado.

Seleção Adversa ou tipo oculto: um dos lados do mercadonão observa a qualidade, o tipo, a característica do outrolado do mercado.“Moral Hazard” (ou Perigo Moral) ou ação oculta: um doslados do mercado não observa a conduta, a ação, ocomportamento do outro lado do mercado.

A existência de informação imperfeita induz o mercado àprática de preços médios, então os melhores serão expulsos domercado. O problema pode ser resolvido através de umasinalização. Os produtores podem sinalizar a qualidade dos seusprodutos oferecendo garantias maiores ou selos de qualidade ecertificação. Num problema de “perigo moral”, oucomportamento oportunista, os incentivos devem funcionar pararevelar o comportamento para o mercado, eliminando o “gap”de informação.

Relação Principal / Agente: O problema do Principal e doAgente é a questão do sistema de incentivo. Considereuma situação envolvendo dois atores: o principal e o agente.O principal quer induzir o agente a fazer alguma coisa par

153

A econ

omia da regu

laçãoe o Estado R

egulador

Economia no Setor P

úblico

si (o principal) mas que para o agente acarreta um custo eo principal não pode observar a ação do agente, mas podeobservar a quantidade produzida. Trata-se portanto dedesenhar um contrato que satisfaça tanto aos interessesdo principal quanto aos interesses do agente. A relaçãoPrincipal/Agente é uma relação contratualista. As situaçõesabaixo caracterizam uma relação principal/agente: Estado(principal) x burocrata (agente), governo (principal) xagência reguladora (agente), agência reguladora (principal)x firmas prestadoras do serviço (agentes) e firma (principal)x vendedores (agente).

No Brasil a regulação de serviços públicos tem tido umahistória de instabilidade e grandes vazios institucionais. A crisede abastecimento de energia elétrica, no início da atual década,a crise mais recente na prestação de serviços de transporteaéreo e as constantes tensões entre as agências reguladorase o Poder Executivo demonstram que nosso modelo de regulaçãoainda padece de muita instabilidade. Essa instabilidade influenciana capacidade de planejamento de longo prazo dos investidorese rebaixa a posição do país nos principais rankings decompetitividade internacional. Os pontos de maiortensionamento entre o Poder Executivo e as agênciasreguladoras são:

a. Divisão de competências: o governo propõe que aslicitações e contratos fiquem sob a alçada dos diversosministérios setoriais como parte da política de governopara os setores (elétrico, do petróleo e gás, transportes,etc.). As agências deixariam de controlar este quesito.

b. Transparência na prestação de contas: maior publicidadesobre as decisões das agências, institutos de consulta eaudiências públicas, com obrigatoriedade de apresentaçãode relatórios ao Congresso Nacional. Um dos maioresproblemas na regulação é a informação assimétrica, oscidadãos/clientes têm extrema dificuldade em acessar osreais custos e formação de preços e tarifas. As agênciasdeveriam equilibrar essa disparidade, mas não conseguem.

154

Jack

son

De

Toni

c. Contrato de Gestão: o governo propõe a elaboração deum “contrato de gestão” (que fixa direitos e deveres dasagências), entre a agência e o ministério setorial (porexemplo, entre a Agência Nacional do Petróleo, a ANP, e oMinistério das Minas e Energia). O contrato definiria critériospara avaliação de desempenho, sanções para odescumprimento de metas e outros dispositivos deavaliação e controle.

d. Criação de ouvidorias nas agências: para reforçar ocontrole social e acesso dos cidadãos sobre as operadoras.

e. Mandatos das agências: atualmente os mandatos dosdirigentes das agências não coincidem com os do PoderExecutivo, teoricamente para garantir independência noprocesso decisório e evitar soluções de continuidade naspolíticas regulatórias (fator importante para o ambiente denegócios). A proposta do governo é fazer coincidir omandato sob o argumento de que evitaria eventuaisdivergências de condução da política pública setorial, oque prejudicaria, também, a qualidade do ambienteregulatório.

A teoria econômicada regulaçãoA teoria econômica da regulação teve início com o

economista norte-americano chamado Stigler, que publicou umartigo em 1997, denominado “The Theory of EconomicRegulation”. As premissas básicas de Stigler eram as seguintes:um recurso básico do Estado é o poder de coerção em que umgrupo de interesse pode convencer o Estado a usá-lo paramelhorar seu bem-estar; os agentes são racionais no sentidode escolher ações que maximizam sua utilidade; e a terceirahipótese é de que a regulação é ofertada em resposta àsdemandas dos grupos de interesse que agem para maximizarsuas rendas.

Um dos modelos teóricos mais conhecidos é o denominado

155

A econ

omia da regu

laçãoe o Estado R

egulador

Economia no Setor P

úblico

“Modelo de Stigler/Pletzman”. Esse modelo parte de trêshipóteses básicas: (a) a legislação da regulação distribui riquezaentre diversos agentes, (b) o comportamento dos legisladoresé levado pelo seu desejo de permanecer no cargo, a legislaçãoé desenhada para maximizar seu apoio político e (c) os gruposde interesse competem entre si por meio do oferecimento deapoio político em troca de uma legislação favorável. O resultadodisso é que a legislação será distorcida para favorecer os gruposde interesse (os “lobbies”) que se organizam melhor e têm maisa ganhar com a legislação favorável. As preferências dessesgrupos são mais bem definidas quanto mais reduzidos foremseus participantes, com grandes grupos de interesses osbenefícios individuais não são facilmente identificáveis.

Um outro modelo conceitual, denominado “modelo deBecker”, focaliza a competição entre grupos de interesse,deixando de lado o papel que o regulador ou o legislador exerce.O regulador apenas transmite a pressão sofrida pelos gruposde interesse, a regulação é usada para aumentar o bem-estardos grupos mais influentes. Nesse modelo a transferência deriqueza depende da pressão que os grupos exercem sobre oslegisladores, essa pressão é determinada pelo número demembros em cada grupo e do montante de recursos utilizados.Nessa visão o que importa é a pressão relativa que cada grupoexerce, pois sua magnitude irá determinar quanto da rendaserá transferida. No modelo de Becker, o equilíbrio político éobtido como um par de níveis de pressão (um para cada grupo),em que nenhum grupo tem incentivo para mudar de posição. A“pressão ótima” de cada grupo é dependente do nível de pressãoexercida pelos outros grupos, o que determina a políticaregulatória é a influência relativa de cada grupo.

Outro aspecto importante da economia da regulação é achamada “teoria da captura”. A teoria diz basicamente que aregulação acaba favorecendo as empresas, produzindo preçosacima dos custos de produção, impedindo a entrada de novasfirmas e aumentando os lucros acima do que seria razoávelsupor. Ela surgiu no contexto dos Estados Unidos, que hádécadas possuem uma forte experiência regulatória já que amaioria dos serviços púbicos são providos por operadoresprivados desde o século XIX. Nos EUA a teoria tentava explicar

156

Jack

son

De

Toni

a captura de legisladores para os interesses privados,modernamente isso se aplica às agências reguladoras. Há váriasformas de captura, desde as mais explícitas como o suborno ea corrupção para modificar legislações e enfraquecer afiscalização até formas mais sutis como a alternância deempregos de funcionários, ora pertencentes às agênciasreguladoras, ora às operadoras reguladas. O problema dainformação, já referido, atua sempre pró-empresas porque elaé a principal fonte, quando não a única, de informações sobreos custos operacionais. Essas informações são essenciais paradeterminar o nível tarifário.

A “teoria da captura” nos remete ao problema do “principal/agente”. Esse debate surgiu no âmbito da “economia dainformação” e se relaciona basicamente ao problema dainformação desigual entre ambos. O problema pode assumirtanto o formato de “seleção adversa” ou de “risco moral” jácomentados. A questão mais importante é definir quaisincentivos a agência reguladora terá que adotar para evitarseleção adversa ou risco moral das operadoras. Por exemplo,uma operadora de telefonia não tem nenhuma razão aparentepara divulgar para a ANATEL (Agência Nacional deTelecomunicações) uma redução drástica de custos deoperação (resultante de uma nova tecnologia adotada) porqueesse ganho de produtividade deverá ser repassado parcialmentepara os consumidores através da redução de tarifas finais.Para evitar esses problemas, vários sistemas de tarifação sãodescritos na teoria: tarifação pelo custo do serviço, tarifaçãopelo custo marginal e tarifação pelo sistema de “teto de preço”ou “price cap”, em inglês.

O primeiro método, que é mais comum e utilizado, objetivaprincipalmente a eficiência distributiva porque, ao igualar custose receitas, evita que o operador se aproprie de lucrosextraordinários. Nessa metodologia os preços devem remuneraros custos totais e conter uma pequena margem que viabilizeuma taxa interna de retorno atrativa para o investidor. A taxainterna de retorno é um percentual sobre o capital investidoque seja superior a investimentos alternativos, normalmente oparâmetro de comparação são as taxas de remuneração detítulos no mercado financeiro. Se a taxa de retorno encontrada

157

A econ

omia da regu

laçãoe o Estado R

egulador

Economia no Setor P

úblico

for superior a esta taxa, então a operação é viável, casocontrário haverá prejuízo, considerando o custo de oportunidadecrescente.

Custo de oportunidade: corresponde à taxa de retornosobre a melhor alternativa de investimento que não foiselecionada. Por exemplo, o custo dos fatores para umaempresa (força de trabalho, tecnologia, capital, etc.) éigual aos valores desses mesmos fatores em seus melhoresusos alternativos. Ou seja, o custo de uma unidade dequalquer recurso usado por uma firma é o seu valor em seumelhor uso alternativo. O custo de oportunidade nem semprese constitui de dinheiro. Por exemplo, se o dono do capitaladministra o seu empreendimento, ele deverá computar nocusto do produto o salário que poderia ganhar como gerentede outra empresa similar. Portanto o custo alternativo serefere ao custo das oportunidades a que se renuncia, ou,em outras palavras, uma comparação entre a política quese elegeu e a que se abandonou.

Os principais problemas associados ao método de cobrançapelo custo do serviço são a maior dificuldade de avaliar oscustos que servem como base para o cálculo do preço, aspolêmicas envolvidas na definição de custos e as definições apriori sobre quais são as taxas de retorno mais razoáveis eapropriadas a serem adotadas. A experiência internacionaldemonstrou que essa metodologia não incentivou a firma aminimizar custos e gerou ineficiências produtivas com aremuneração garantida ao operador. Muitas vezes o consumidorarcou com repasses de custo de investimentos desnecessários.Essa metodologia foi amplamente adotada nos Estados Unidose deu origem a muitas críticas que estimularam a busca deoutros métodos de remuneração.

O segundo método é baseado no custo marginal (o custoda última unidade produzida). O objetivo aqui é aproximar ospreços dos produtos aos seus custos específicos, transferindoao consumidor os custos incrementais necessários. As tarifasnesse caso são diferenciadas de acordo com os vários segmentosde consumidores (por exemplo, residencial, industrial, comercial)

158

Jack

son

De

Toni

e com características do próprio sistema, como a distribuiçãogeográfica dos serviços, os horários de maior e menor consumo,a quantidade consumida, etc. A vantagem desse método éviabilizar maior eficiência alocativa e melhor aproveitamento dacapacidade instalada, pelo gerenciamento da demanda e demercados “spots” e de nichos de competição. As dificuldadesdesse sistema são semelhantes ao primeiro método.

Uma terceira metodologia foi introduzida quando daprivatização do setor elétrico inglês, o teto de preço ou “pricecap”. O mecanismo funciona como um índice de preços aplicadoregularmente e descontando-se um coeficiente que traduz orepasse de benefícios ao consumidor decorrente do aumentode produtividade. A maior vantagem dessa metodologia é quea fixação de um valor máximo para a tarifa estimula o aumentoda eficiência produtiva. Partindo de um preço previamenteespecificado, as empresas tendem a minimizar os custos paraaumentarem a margem de excedente. Mesmo nesse método, ainformação continua sendo essencial para determinar a realidadedos custos da empresa. Independentemente da forma decálculo, é cada vez mais importante o uso de formas alternativassempre tentando definir um sistema tarifário capaz de remuneraros investidores, sem penalizar os consumidores.

Uma outra abordagem regulatória diz respeito ao tema dasparcerias público-privada. A implantação das parcerias público-privadas, ou simplesmente PPPs, no Brasil se insere no contextode incapacidade do Estado em financiar sobretudo grande obrasde infraestrutura. Obras que no caso do Brasil foram construídasno processo de industrialização como os grandes portos erodovias nacionais, portanto, já com a vida útil avançada ecarecendo de ações drásticas de reforma e manutenção. Aliás,esse problema é um viés de decisão política, a propensão dosgovernantes a bancar novos investimentos é quase sempremaior do que aquela necessária para alocar recursos para suamanutenção. Deve-se considerar também que muitosinvestimentos exigem pesadas somas de recursos e um caráterde irreversibilidade da quantia investida (em economia fala-sede “custos afundados”) para os setores privados que, sozinhos,não poderiam assumir todo o ônus e o risco.

No Brasil, a Lei nº 11.079 de 2004 criou a possibilidade das

159

A econ

omia da regu

laçãoe o Estado R

egulador

Economia no Setor P

úblico

PPPs e incorporou instrumentos utilizados em outros paísespara favorecer a transparência das operações. Nosinvestimentos públicos convencionais, o governo realiza oscontratos com o setor privado para a construção de algumaobra pública, como uma estrada ou uma hidroelétrica. Após aconstrução, o governo assume o comando do investimento, oprojeto e o financiamento ficam a cargo do próprio governo.Um contrato de PPP ocorre para prestação de serviço a serprovido pelo setor privado, que fica encarregado de executar aconstrução da obra pública. O setor privado projeta e constróie não raro também financia o empreendimento. A remuneraçãopor esse serviço pode ser paga pelo governo ou por este e osfuturos usuários desse serviço. Ao final do término do contratoa obra pode ser repassada ou não para o governo.

O sucesso das PPPs depende muito da estrutura contratuale da distribuição dos riscos da operação. Há uma multiplicidadede riscos financeiros, da variação dos custos, mudançascambiais, disponibilidade dos serviços, etc. Outros riscos sãomais complexos ainda, como por exemplo, a incerteza associadaà previsibilidade da demanda futura daquele bem ou serviçoque está sendo construído. Imagine, por exemplo, a construçãode uma rodovia nova com pedágio. A receita futura dependedo volume de tráfego dessa estrada, o tráfego depende deuma infinidade de variáveis como o desenvolvimento econômicoregional, o preço do combustível ou a rede de transporte.Normalmente o governo pagará parte do valor do pedágio atravésde um subsídio ao operador privado, caso a demanda não sejasuficiente para garantir modicidade de tarifa e retorno ao capitalinvestido. Em muitos países, como a Inglaterra por exemplo, seo parceiro público suporta a maior parte do risco o ativo a serconstruído é contabilizado com um ativo público, assim como opassivo dele decorrente. Uma das alternativas para diminuir osriscos é a criação de “fundos garantidores” por parte do governono caso de inadimplemento do pagamento ao agente privado.

No caso brasileiro os contratos de PPP implicam na criaçãode Sociedades de Propósito Específico (SPE), que são espéciede empresas criadas somente para a finalidade de executaraquela obra pública prevista pela parceria, após a qual ela serádesfeita. Essa modalidade também é conhecida como “Special

160

Jack

son

De

Toni

Purpose Company”, em inglês. A União só poderá contratarquando a soma das despesas continuadas decorrentes doconjunto das parcerias já contratadas não exceder no anoanterior 1% da receita corrente líquida. A primeira PPP federalprevê a restauração e aumento de capacidade da BR 324 naBahia e a BR 116 entre Minas Gerais e Bahia. Diversos estadosjá tem programas de PPPs como São Paulo, Minas Gerais e RioGrande do Sul.

As parcerias podem assumir várias características conformea disponibilidade de investidores e os marcos regulatórios. Elapode ser do tipo “BOT, Build – Operate – Transfer”, onde oparceiro privado constrói, opera o serviço e no final do prazodevolve os ativos para o governo. Pode ser também do tipo“BTO, Build – Transfer – Operate”, nesse caso o ativo é público,mas é operado pelo privado. O famoso “bondinho do Pão deAçúcar” no Rio de Janeiro é um caso clássico de BOT, no finaldo prazo a prefeitura recupera a posse e o direito de exploraçãodo serviço, pode renovar a concessão, repassar para outrooperador (mediante licitação pública) ou operar diretamente oserviço. O modo de financiamento desses projetos costumaser chamado de “Project Finance” quando dois ou maisinvestidores constituem uma SPE para compartilhar riscos eresolver o problema das garantias. Um projeto dessa naturezapode, por exemplo, captar recursos no mercado financeiro apartir de títulos que são emitidos tendo como garantia a receitafutura do empreendimento. Esse mecanismo é chamado de“securitização de recebíveis” e apesar do nome complexosignifica apenas a transformação de um crédito em um título,que pode ser negociado a uma determinada taxa de juros,como outro qualquer.

A tendência para provimento de grandes ativos públicos éuma combinação de obras e serviços providos diretamente peloEstado, parcerias com setor privado, concessões e permissõesem outros casos. De qualquer forma todos os serviços serãosempre regulados pelo governo porque são revestido deinteresses coletivos e portanto afetam o bem-estar social doconjunto da sociedade.

161

A econ

omia da regu

laçãoe o Estado R

egulador

Economia no Setor P

úblico

ReferênciasFARALI, M.F.S. Parcerias, novos arranjos institucionaise políticas no nível local de governo. Revista deAdministração Pública (RAP), 35 (1): 119-44, jan./fev. Riode Janeiro, 2001.

FERREIRA, P.C. & MALLIAGROS, T. G. Investimentos,Fontes de Financiamento e Evolução do Setor de Infra-Estrutura no Brasil: 1950-1996. Ensaios Econômicos –Fundação Getulio Vargas, 1999.

FILELLINI, A. Economia do Setor Público. São Paulo: Ed.Atlas, 1994.

FRISCHTAK, C. Regulatory policies and reform: acomparative perspective, Private Sector Department,Banco Mundial. 1995.

GENEREUX, J. Introdução à Política Econômica. SãoPaulo: Ed. Loyola, 1993.

GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. Finanças Públicas – Teoria ePrática no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

LONGO, C.A. e TROSTER, R.L. Economia do Setor Público.São Paulo: Ed. Atlas, 1993.

MUSGRAVE, R. Teoria das Finanças Públicas. São Paulo:Ed. Atlas, 1974.

REES, R. A Economia da Empresa Pública. Rio de Janeiro:Ed. Zahar, 1979.

RIANI, F. Economia do Setor Público: uma abordagemintrodutória. São Paulo: Ed. Atlas, 1990.

RIGOLON, F. Regulação da infra-estrutura: aexperiência recente no Brasil. In Revista do BNDES, vol.

162

Jack

son

De

Toni

4, n°. 7, Rio de Janeiro, 1997.

SILVA, L. M. Contabilidade Governamental. São Paulo:Ed. Atlas, 1996.

VALÉRIO, W. P. Programa de Direito Tributário. PortoAlegre: Ed. Sulina, 1992.

Sites recomendados:

Anuário Estatístico da Previdência Social:www.mpas.gov.br

Ministério da Fazenda/Tesouro Nacional:www.stn.fazenda.gov.br

Contas Nacionais: www.ibge.gov.br

BNDES: www.federativo.bndes.gov.br

Banco Central do Brasil: www.bcb.gov.br

Tribunal de Contas da União: www.tcu.gov.br

Ministério do Planejamento: www.planejamento.gov.br

Dados e pesquisas sociais e econômicas: www.ipea.gov.br

Autoavaliação1. O que é uma parceria público-privada?

2. Por que a regulação de serviços públicos é sujeita àassimetria de informações?

3. Explique por que as agências reguladoras de serviçospúblicos concedidos devem ter autonomia e independência?

163

Apêndice

Economia no Setor P

úblico

Apêndice

Determinação daRenda e Política FiscalNa economia o debate sobre as condições de equilíbrio é

um dos mais importantes. Os economistas buscaram sempreidentificar quais as condições que favoreceriam odesenvolvimento econômico sem o desbalanceamento dasprincipais variáveis macroeconômicas como a renda, o emprego,o gasto do governo, etc. Vamos analisar agora rapidamenteque implicações esse debate, de inspiração keynesiana, tempara nossa abordagem da economia do setor público,particularmente dos gastos públicos.

O nível de equilíbrio da renda em uma economia fechada,sem transações com o exterior e sem governo (sem despesas,nem impostos do governo) seria a Demanda Agregada (DA),soma de todas as demandas individuais da economia, igualadaàs despesas de Consumo (C) e de investimento (I).

DA = C + I

164

Jack

son

De

Toni

A renda, Y, (“yield”, em inglês) é igual à soma de todas asdespesas de consumo e poupanças (C + S). Essas relaçõessão pressupostos do modelo de Keynes: toda renda é gasta ouem poupança, S, (“saving”, em inglês) ou consumo (C).

Y = C + S

A condição de equilíbrio do modelo keynesiano é que arenda seja igual à demanda agregada:

Y = DA

Y = C +I

C + S = C + I

S = I

Para a renda estar em equilíbrio, a poupança planejadapelas famílias deve igualar as despesas de investimento planejadopelas empresas. Quanto ao nível de consumo, que é o maiorcomponente da demanda, Keynes evidenciou a existência deuma “lei psicológica fundamental” que diz que à medida que arenda disponível das pessoas aumenta, o consumo tambémaumenta, mas a fração da renda destinada ao consumo diminui.A renda disponível é a parcela da renda nacional queefetivamente é canalizada para as famílias, depois da deduçãode impostos e da adição das transferências. Essa renda éutilizada para o consumo ou poupança. Na primeira fase dessemodelo, portanto, a renda disponível é igual à renda total.Imaginemos agora um nível de renda igual a 1.000 unidadesmonetárias e a despesa correspondente de consumo igual a900 unidades monetárias. Denomina-se propensão média aconsumir a relação entre C e Y (C/Y) que no nosso exemploseria igual a C/Y = 900/1000 = 0,90.

Imaginemos agora que ocorra um aumento da renda de100 unidades monetárias, os motivos não importam, pode serum programa de renda mínima do governo ou a instalação denovas empresas. O consumo também cresceria, digamos, para

165

Apêndice

Economia no Setor P

úblico

80 unidades monetárias. Denominamos propensão marginal aconsumir a relação ? C / ? Y (variação do consumo divididopela variação na renda). No exemplo seria 80/100 = 0,80. Issosignifica que para cada acréscimo de uma unidade na renda,haverá simultaneamente um acréscimo de 0,8 unidades deconsumo.

Observe o seguinte: a renda cresceu de 1000 para 1100unidades monetárias enquanto o consumo cresceu de 900 para980. A propensão média a consumir depois do aumento ficariaassim: C/Y = 980 / 100 = 0,89. A fração da renda destinada aoconsumo caiu de 0,90 para 0,89, o que confirma a lei keynesiana.O consumo cresce menos do que proporcionalmente aocrescimento da renda.

A relação não proporcional entre renda e consumo podeser representada pela equação:

C = Ca + cY

Onde:

Ca = consumo autônomo em relação à renda, depende deoutras variáveis como a taxa de juros, os costumes, a riquezaexistente, etc.

cY = parte do consumo induzido pela renda, ou seja, “c” éa propensão marginal a consumir.

Geometricamente o consumo é uma função linear, uma reta:

166

Jack

son

De

Toni

Se considerarmos uma função consumo do tipo:

C = 100 + 0,8Y

O consumo autonomia é igual a 100 e a propensão marginala consumir é igual a 0,8. Ao nível da renda igual a zero oconsumo será 100. Qual seria o nível de renda que iguala oconsumo?

Y = CY = 100 +0,8YY – 0,8Y = 1000,2Y = 100Y = 500

Qual o nível de consumo, quando a renda é igual a 1.000?

C = 100 + 0,8 . 1000 = 900

Se a renda não é toda consumida, o seu excesso é a fonteda poupança (S):

S = Y – C

A função-poupança tem origem na função-consumo vistaanteriormente:

S = Y – (Ca + cY)S = Y – Ca – cYS = – Ca + (1-c) YS = Ca + sY

A propensão marginal a poupar (o quanto é poupado decada unidade a mais de renda) é dada por “s”. Se

C = 100 + 0,8Y então S = -100 + 0,2Y

Poderíamos perguntar: qual o nível de poupança que asociedade precisa fazer para uma renda equivalente a 1.500

167

Apêndice

Economia no Setor P

úblico

unidades monetárias?

S= -100 + 0,2 . 1500 = -100 + 300 = 200

O segundo componente da Demanda Agregada é a demandade investimento, definido como o dispêndio com a aquisição demáquinas e outros equipamentos (chamados de bens de capital).Esses produtos resultam em maior capacidade de produzir outrosprodutos. Em primeiro lugar, devemos considerar que uma partedo investimento (I) é autônomo em relação à renda (Y), isto é,depende de outros fatores para ocorrer, que não a renda. Se Y= DA e Y = C+ I, então:

Y = Ca + cY + IaY – cY = Ca + IaY (1-c) = Ca + IaY = (Ca + Ia) . (1/1-c)

Considerando que a função consumo é C = 100 + 0,8Y e I= 30, qual seria a renda de equilíbrio?

Y = (100 +30) . (1/1-0,8) = 130 . 5 = 650

O valor de 650 significa que a renda e a demanda agregadase igualam neste valor:

C = 100 + 0,8 . 650 = 620I = 30C + I = 620 + 30 = 650

O que ocorreria na economia se a renda fosse maior doque o nível e equilíbrio? Quando a renda for igual a 1.000 unidadesmonetárias a demanda agregada será:

C + I = 100 + 0,8. 1000 + 30 = 930

A demanda agregada será 930, portanto insuficiente paraabsorver toda a produção de 1.000 (Produção = Renda). Oexcesso produzido de 70 unidades monetárias constitui uma

168

Jack

son

De

Toni

variação de estoques, ou seja, um investimento não planejadopelas empresas. Por isso a produção vai cair até atingir o pontode equilíbrio em 650u.m. Como a poupança vai exceder oinvestimento planejado de 70 (100 – 30 = 70), então temos:

S = Ip + Inp100 = 30 + 70

Ip = Investimento planejadoInp = Investimento não planejado

A renda está em equilíbrio quando o investimento nãoplanejado é nulo, ou seja, quando a poupança iguala oinvestimento planejado que o nosso investimento autônomo(S = I). Podemos, mais uma vez, calcular a renda de equilíbrio:

S = I-100 + 0,2Y = 300,2Y = 130Y = 650

Se o investimento também depender da renda (I = Ia +eY), onde “e” é a propensão marginal a investir e “Ia”, oinvestimento autônomo. Nesse caso o investimento deve crescerà medida que a renda cresce, mais renda, mais investimento.Por exemplo, vamos retomar nossas funções de exemplo:

169

Apêndice

Economia no Setor P

úblico

S = -100 + 0,2YI = 30 + 0,1Y

A renda de equilíbrio corresponde à igualdade entrepoupança e investimento. Então o cálculo seria:

S = I- 100 + 0,2Y = 30 + 0,1Y0,1Y = 130Y = 1300

Observe que enquanto a poupança é uma função da rendadisponível, o investimento é uma função da renda nacional.Keynes afirmou que a insuficiência da demanda poderia diminuirse o consumo aumentasse (o que depende de um aumento darenda disponível), ou aumentassem os investimentos, que, porsua vez, dependem da expectativa dos empresários sobre ofuturo. Se aumentam os investimentos, aumenta a demandaagregada, gerando mais renda e empregos. Ou seja, dado umnível de variação do investimento, a renda vai variar mais queproporcionalmente. Isso acontece pelo simples fato de que aofazer investimentos os empresários (ou o governo) comprammais máquinas e equipamentos, aquecendo a indústria de bensde capital. Essa indústria ao produzir gera por sua vez maisrenda e mais consumo. Esse é o conceito de “multiplicadorkeynesiano” ou multiplicador da renda. Vejamos,matematicamente, se as empresas aumentarem o investimentopara 50 (a posição inicial era 30):

Função consumo: C = 100 + 0,8YInvestimento: I = 30

Renda de equilíbrio:

Y = (Ca+Ia) . (1/1-c) = (100+50) . (1/1-0,8) = 750

A renda aumentou de 650u.m. para 750u.m., ou seja,aumentou cinco vezes mais que o aumento de investimento(�I = 20 e � = 100). A intensidade do aumento da renda

170

Jack

son

De

Toni

provocado pelo aumento do investimento vai depender dapropensão marginal a consumir (neste exemplo é de 0,8). Quantomaior for a propensão a consumir, maior será o efeitomultiplicador sobre a renda. Agora estamos prontos paraintroduzir o governo no nosso modelo, o governo entra comgastos (G) e com tributos (T), a renda das famílias será compostaassim:

Y = C + S + T

Os tributos representam um vazamento da renda, ou seja,uma parte da renda que não é destinada à demanda agregada(consumo ou poupança), mas os gastos do governo representamum injeção de recursos na economia porque quando o governogasta ele compra mais bens e serviços, aumenta a demandaagregada:

DA = C + I + G

A renda nacional de equilíbrio ficaria então:

Y = DAC + S + T = C + I G

Eliminando os termos iguais (C) dos dois lados da igualdade:

S + T = I + G ou I = S + T – G

(o investimento é igual à poupança privada mais a poupançado governo).

Essa equação mostra que a renda está em equilíbrio quandoo total de injeções se iguala ao total de vazamentos e é umadas identidades keynesianas básicas para entender comofunciona a economia. Foge ao escopo deste livro aprofundarmais esse modelo. Entretanto, dessas equações básicaspodemos deduzir gastos autônomos e multiplicadores para G epara T, do mesmo modo como fizemos para as outras variáveis.Podemos também acrescentar os efeitos das transferências

171

Apêndice

Economia no Setor P

úblico

que vão aumentar a renda disponível. Teríamos assim asseguintes equações:

1º modelo fiscal: os tributos também são consideradosautônomos da renda.

Y = (Ca - cTa + Ia + Ga) . ( 1 / 1-c) [cTa, tributosautônomos, diminuem a renda ]

2º modelo fiscal: são consideradas as transferências comocomponente autônomo da renda.

Y = (Ca - cTa + cRa + Ia + Ga) . (1 /1-c) [ cRa,transferências autônomas, somam a renda]

3º modelo fiscal: as receitas do governo são tambéminduzidas pela renda

Y = (Ca - cTa + cRa + Ia + Ga) . 1 / (1 - c +t)

Onde “t” é a propensão marginal a tributar.

Se considerarmos que a economia se relaciona com o mundo,então temos que as exportações representam uma injeção narenda e que as importações representam um vazamento poiscriam renda e emprego no exterior. O Modelo ficaria assim:

Y = C + I + G + X - M [ X, exportações e M, importações]

Ou (S - I) + (T - G) = (X - M)

Se ocorrer um superávit externo (X-M)>0, significa que osetor privado (S-I) ou o governo (T-G) está com superávit.Se ocorrer um déficit (X-M)<0, então o setor privado devefinanciar esse déficit (S) ou o governo (T). Se houverdéficit no setor privado (I>S), então deve-se “importar”poupança externa.

A teoria keynesina nos diz que os gastos e impostos

172

Jack

son

De

Toni

governamentais têm um papel importante na estabilização daeconomia, sobretudo em épocas de crise. A insuficiência dedemanda agregada deveria ser, assim, corrigida pela elevaçãodos gastos do governo. A redução dos impostos também provocao mesmo efeito. Se a economia estiver muito aquecida o efeitoé contra-cíclico, ou seja, aumentos de preços podem sercombatidos com diminuição de gastos e aumento de impostos.

A análise mais detalhada das relações entre políticamonetária (L, demanda de moeda e M, oferta de moeda) com apolítica fiscal (I, investimento e S, poupança) é dada pelomodelo conhecido como “IS-LM”. Uma política monetária é ocontrole da moeda em suas diversas formas (depósitos nosbancos, em poder do público, no Banco Central, etc.), essecontrole depende basicamente da taxa de juro da economia,do nível de redesconto bancário (que define o quanto os bancospodem seguir emprestando de cada real que recebem comodepósito) e do nível geral de atividades da economia. Porexemplo, uma queda nos juros pode estimular um aumento dedemanda, quando o Banco Central compra títulos do governo,ele injeta mais dinheiro na economia que assim fica aquecida.

A política monetária pode ser expansionista (diminuir odesemprego, aquecer a economia) ou contracionista (diminuirpreços e inflação). A política fiscal é a utilização da despesaou receita do governo para expandir ou contrair a atividadeeconômica. O que o modelo nos diz é que as duas políticas,monetária e fiscal, devem se integrar, pois a aplicação de umadelas pode resultar em efeitos não desejados na outra. Porexemplo, o Congresso Nacional decide aprovar um programa deinvestimentos em infraestrutura, pelo modelo IS-LM, isto deveaumentar a taxa de juros (maior nível de transação econômicadeve provocar maior demanda por moeda, se a oferta monetárianão cresce proporcionalmente, os juros sobem). Com os jurosaltos, os investimentos ficam inibidos, os empresários prefereminvestir no mercado financeiro do que no setor produtivo. Ogoverno decide aumentar os impostos, pelo modelo IS-LM arenda e os juros devem cair, para aumentar a renda o BACENpode querer aumentar a quantidade de moeda em circulação(pol. monetária expansionista), mas tal política pode diminuir ataxa de juros a tal ponto que desestimule a poupança.

173

Apêndice

Economia no Setor P

úblico

A seguir é apresentada uma tabela-síntese dos principaisefeitos de uma política monetária e uma política fiscal sobre oPIB, a inflação, a demanda agregada, o déficit público e a taxade juros, com os respectivos instrumentos. O objetivo édemonstrar a profunda relação entre essas duas políticas.

Abordagem do Modelo IS – LM

Representação Gráfica do Modelo IS – LM: uma política fiscal expansionistadesloca a curva IS para a direita aumentando a renda e os juros, uma políticamonetária expansionista desloca a curva LM para a direita, a renda sobe osjuros (r) caem. Diz-se que IS é o mercado real e LM o mercado monetário. Aeficácia da política monetária e fiscal vão depender da elasticidade(sensibilidade) das curvas em relação à taxa de juros (r).

174 Jackson De Toni

175

ApêndiceEconomia no Setor Público

176 Jackson De Toni