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Edda Augusta Quirino Simões Klaus Bruno Tiedemann Psicologia da Percepção Sobre os Autores Edda Augusta Quirino Simões é graduada em Psicologia pela Universidade de Brasilia, mestre em Psicologia pela California State University e doutora em Ciências (Psicologia) pelo Insti tuto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É Professora Adjunta das Faculdades Metropolitanas Unidas, responsável pela disciplina Psicologia Geral e Experimental II (Percepção), e Chefe do 1 aboratório da referida disciplina. Foi Professora Assistente da Universí dade Federal do Ceará, ocasião em que coordenou a implantação do seu Departamento de Psicologia e respectivos Laboratórios. Realizou pesquisas no Institute of Medical Sciences do Pacific Medical Center e na Smith-Kettlewell Eye Research Foundation da University of the Pacific, em San Francisco, California (USA). Klaus Bruno Tiedemann é graduado e mestre em Psicologia e doutor em Ciências (Psicologia) pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. E Professor Assistente, responsável pela disciplina Psicologia da Percepção, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Fez cursos e pesquisas no Centro de Estudos Avanzados de Caracas (Venezuela), no Zoologisches lnstitut da Universidade de Munique (Alemanha) e no Instituto de Investigaciones Biológicas “Clemente Estable” e Faculdade de Medicina de Montevidéti (Uruguai). Capa: Paulo Hiss P. L ditoi Pedogógica e ti :i\ ersitaria Lida., São Paulo. 1955. iodos os dirc-iios esersados .. \ repiodução dcxii obra, no todo ou em parte, por qualquer meio, seisi 1iutori/açio expressa e po escuto da liditoia,sueitará o infrator, nos termos da leito 6.595, de 17—12—1950, ii penalidade prevista tios artigos 154 e 156 do Código Penal, ii saber: reclusão de um a quatro P Ir. - Telefone (0 II) 3549-6077 - J°ax. (0 II) 3X45-5S03 l’—1aiI: vendas(o epu.com.hr Site na Intcrnct: http: ‘.vs\ w.epu eom.br Rua Joaquni t-loriano, 72 6 andar eon(unto 65 65 0—1534 000 São ‘mio 5 P In p10550 no l3rasi 1 Printed is t5t ao Sumário Prefácio geral da coleção VII Prefácio IX 1. Bases sensoriais da percepção 1 1.1. O ambiente e sua percepção 1 1.2. Transdução sensorial e classificações dos receptores 2 1.3. Após a transdução 6 1.4. Sensibilidade cutânea 8 1.5. Sensibilidade cinestésica 13 1.6. Sentido vestibular 15 1.7. Olfato 16 1.8. Gustação 19 1.9. Audição 21 1.10. Visão 24 1.11. A interação dos diversos tipos de receptores 32 2. Psicofísica Medidas em percepção 35 2.1. Detecção 37 2.2. Discriminação 44 2.3. Reconhecimento 52 2.4. Formação de escalas 55 3. Atenção 60

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Edda Augusta Quirino Simões Klaus Bruno Tiedemann

Psicologia da Percepção Sobre os Autores Edda Augusta Quirino Simões é graduada em Psicologia pela Universidade de Brasilia, mestre em Psicologia pela California State University e

doutora em Ciências (Psicologia) pelo Insti tuto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É Professora Adjunta das Faculdades Metropolitanas Unidas, responsável pela disciplina Psicologia Geral e Experimental II (Percepção), e Chefe do 1 aboratório da referida disciplina. Foi Professora Assistente da Universí dade Federal do Ceará, ocasião em que coordenou a implantação do seu Departamento de Psicologia e respectivos Laboratórios. Realizou pesquisas no Institute of Medical Sciences do Pacific Medical Center e na Smith-Kettlewell Eye Research Foundation da University of the Pacific, em San Francisco, California (USA). Klaus Bruno Tiedemann é graduado e mestre em Psicologia e doutor em Ciências (Psicologia) pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. E Professor Assistente, responsável pela disciplina Psicologia da Percepção, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Fez cursos e pesquisas no Centro de Estudos Avanzados de Caracas (Venezuela), no Zoologisches lnstitut da Universidade de Munique (Alemanha) e no Instituto de Investigaciones Biológicas “Clemente Estable” e Faculdade de Medicina de Montevidéti (Uruguai). Capa: Paulo Hiss P. L — ditoi Pedogógica e ti :i\ ersitaria Lida., São Paulo. 1955. iodos os dirc-iios esersados .. \ repiodução dcxii obra, no todo ou em parte, por qualquer meio, seisi 1iutori/açio expressa e po escuto da liditoia,sueitará o infrator, nos termos da leito 6.595, de 17—12—1950, ii penalidade prevista tios artigos 154 e 156 do Código Penal, ii saber: reclusão de um a quatro P Ir. - Telefone (0 II) 3549-6077 - J°ax. (0 II) 3X45-5S03 l’—1aiI: vendas(o epu.com.hr Site na Intcrnct: http: ‘.vs\ w.epu eom.br Rua Joaquni t-loriano, 72 — 6 andar — eon(unto 65 65 — 0—1534 000 São ‘mio — 5 P In p10550 no l3rasi 1 Printed is t5t ao

Sumário Prefácio geral da coleção VII Prefácio IX 1. Bases sensoriais da percepção 1 1.1. O ambiente e sua percepção 1 1.2. Transdução sensorial e classificações dos receptores 2 1.3. Após a transdução 6 1.4. Sensibilidade cutânea 8 1.5. Sensibilidade cinestésica 13 1.6. Sentido vestibular 15 1.7. Olfato 16 1.8. Gustação 19 1.9. Audição 21 1.10. Visão 24 1.11. A interação dos diversos tipos de receptores 32 2. Psicofísica — Medidas em percepção 35 2.1. Detecção 37 2.2. Discriminação 44 2.3. Reconhecimento 52 2.4. Formação de escalas 55 3. Atenção 60 3.1. Vigilância 61 3.2. Atenção seletiva 61 3.3. Atenção dividida 64 V

4. Percepção de brilho ou luminosidade 67 5. Percepção da cor 74 5.1. Teoria tricromática, componente ou de Young Helmholt 75 5.2. Teoria oponente ou de Hering 78 5.3. Cegueira para cores 80 5.4. Visão de cores — Uma capacidade inata ou aprendida9 81 5.5. “Ver cores com as mãos” — Uma capacidade extra- sensorial’ 83 6. Percepção de espaço, distância, profundidade e tamanho .. 86 6.1. Percepção visual do espaço 87

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6.2. Percepção auditiva do espaço 97 6.3. Percepção espacial tátil 99 6.4. Percepção olfativa do espaço 100 6.5. Interação multi-sensorial 101 6.6. Percepção do tamanho 101 7. Percepção da forma 104 7.1. Neurofisiologia da percepção de forma 105 7.2. A percepção de forma pela teoria da Gestalt 109 7.3. O contorno como elemento constituinte da forma 110 Bibliografia básica para consulta do aluno 117 Lâminas coloridas 119

Conteúdo do volume 10-11 8 . Constâncias perceptivas 9 . Ilusões perceptivas 10. Percepção de tempo 11. Percepção de movimento 12. Percepção de eventos e causalidade 13. Percepção de pessoas, expressões faciais e emoções 14. Percepção do corpo 15. Desenvolvimento da percepção em bebês 16. O efeito da aprendizagem sobre a percepção 17. O efeito da motivação sobre a percepção 18. Percepção e cultura 19. Aplicações dos conhecimentos sobre percepção 20. Bibliografia básica para consulta do aluno VI

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1 Bases sensoriais da percepção 1.1. O ambiente e sua percepção Freqüentemente, a Psicologia é definida como a ciência que estuda o comportamento e os processos mentais. A Psicologia acadêmica aborda diversos assuntos, como bases fisiológicas do comportamento, desenvolvimento psicológico, aprendizagem, percepção, memória, motivação, emoção, inteligência, linguagem e pensamento, personalidade, psicopatologia, influências sociais sobre o comportamento e outros. O estudo da percepção é, talvez, o seu ramo mais antigo. Cabe à análise experimental compreender as bases sensoriais da percepção, a fim de desvendar o mistério de como nos é possível perceber o mundo que nos cerca através dos órgãos sensoriais. Você acha que a percepção que temos do nosso ambiente é perfeita? Antes de emitir sua opinião, convém lembrar que não somos capazes de ouvir sons de alta freqüência (ultra-sons) como os morcegos e os cães; não conseguimos ver o ultravioleta, como as formigas, as abelhas e outros insetos; não percebemos campos elétricos ou magnéticos, como o fazem os peixes elétricos e algumas aves migratórias; tampouco conseguimos sentir o cheiro deixado pelo corpo de uma outra pessoa, fato corriqueiro na vida dos cães. Algumas destas incapacidades serviram de inspiração para os escritores de ficção científica criarem seres fantásticos, dotados de uma percepção da realidade diferente daquela que conhecemos. Se você perguntar a dez pessoas quantos sentidos nós possuímos, a maioria responderá que o ser humano possui cinco sentidos: visão, audição, tato, olfação e gustação. Talvez alguns declarem que são dotados de um sexto sentido, cuja função raramente é definida com clareza, proporcionando-nos a vaga impressão de tratar-se de uma modalidade sen

sorial enigmática que a ciência ainda não conseguiu compreender. Poucos acrescentarão à lista dos sistemas sensoriais o sentido cinestésico. Ele nos permite perceber a posição dos membros e o sentido do equilíbrio do corpo, também conhecido como sentido vestibular. Muito raramente alguém menciona o sentido orgânico. Ele nos fornece informações sobre a hidratação (sede), nutrição (fome), condição hormonal (sexo) e oxigenação (ar). Além disso, convém lembrar que a visão, por exemplo, não é um só sentido. Compreende a visão de cores, forma, movimento e outros, como veremos posteriormente. De quantos sistemas sensoriais você havia se lembrado? Para um psicólogo, nem sempre é importante saber o número exato de modalidades sensoriais do ser humano. E imprescindível, no entanto, saber para que servem e como funcionam, a fim de compreender os comportamentos que dependem de uma correta percepção dos estímulos do ambiente e das condições físicas e orgânicas do próprio corpo. Todos os nossos órgãos dos sentidos têm características comuns: possuem receptores que são células nervosas especializadas, capazes de responder a estímulos específicos. Recebem, transformam e transmitem, para o restante do sistema nervoso, um grande número de informações existentes no ambiente, na superfície e no interior do nosso organismo. 1.2. ‘hansdução sensorial e classificações dos receptores A especificidade dos sistemas sensoriais não é dada apenas pela especialização das células receptoras. Também o é pelas vias ascendentes e suas conexões neurais com os centros específicos do sistema nervoso central (áreas sensoriais primárias), onde ocorre a integração da informação. Devido a esta especificidade, não somos capazes de ouvir música com os olhos, nem ver cores com os ouvidos ou através da pele. Os receptores são classificados de diferentes maneiras por diversos autores. Na tabela 1.1 foram reunidas duas das classificações mais freqüentemente encontradas. De acordo com a primeira, os receptores sensoriais podem ser classificados em quatro grupos, de acordo com o tipo de estímulo para o qual são especializados. Mecanorreceptores são sensíveis à energia mecânica (pressão); termorreceptores são sensíveis à energia térmica (calor e frio); fotorreceptores são sensíveis à energia eletromagnética (luz) e quimiorreceptores são sensíveis à presença de substâncias químicas. Mecanorreceptores são responsáveis pela audição, sentidos vestibular e cinestésico e pela sensação de pressão cutânea. Os termorreceptores encontram-se na pele e em outras regiões do corpo humano. São sensíveis às modificações de temperatura. Os quimiorreceptores são responsáveis pela olfação e gustação, acusando a presença de substâncias químicas na

mucosa nasal e na língua. Finalmente, a visão depende dos fotorreceptores presentes na retina. Alguns autores acrescentam um quinto grupo referente aos receptores da dor, denominados nociceptores, os quais se encontram espalhados por quase todo corpo. Trata-se de receptores que respondem à

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estimulação mecânica, térmica e química, desde que muito intensa, isto é, capaz de injuriar o organismo. Entre as poucas regiões que não possuem receptores para a dor, estão o cérebro e o colo do útero. A classificação acima é baseada na função dos receptores sensoriais. No entanto, existem classificações de outro tipo. Uma delas dá ênfase à relação espacial entre o organismo e os estímulos, sugerindo a divisão dos receptores sensoriais em três grupos: exterorreceptores, propriorreceptores e interorreceptores. Exterorreceptores são responsáveis pela captação de estímulos externos ao organismo. Podem estar distantes, como os estímulos visuais e auditivos, ou próximos, como os estímulos gustativos, olfativos e cutâneos. No primeiro caso, são denominados telerreceptores e, no segundo, proxirreceptores. Estes, entretanto, exigem o contato do organismo com o objeto ou moléculas de substâncias. Os interorreceptores, ou sentidos profundos, são receptores destinados à percepção do estado interno do nosso organismo, como, por exemplo, fome, sede e sexo. Trata-se de modificações de funções orgânicas, devidas a alterações na concentração de diversas substâncias no organismo. Por exemplo, sais minerais, oxigênio, gás carbônico e hormônios. Os propriorreceptores fornecem informações sobre o movimento, postura e equilíbrio do corpo, e consistem em receptores do sistema cinestésico e vestibular. Este conjunto de receptores é responsável por comportamentos como andar a pé ou de motocicleta, falar, assobiar, suspirar, afagar e beijar. Permitem-nos, também, tomar conhecimento de modificações que acompanham nossas emoções. Por exemplo, as batidas fortes do coração num momento de alegria, o “nó na garganta” e o “aperto no coração” sentidos em outras ocasiões. A classificação dos receptores de acordo com a localização dos estímulos, no entanto, não é óbvia. A olfação poderia ser considerada um telerreceptor, porque nos possibilita receber informações a respeito de objetos nem sempre próximos. Por exemplo, a presença de uma fábrica pode ser percebida a grandes distâncias através da poluição por ela provocada. E preciso considerar, porém, que tanto o cheiro agradável de uma flor quanto o cheiro aversivo de águas poluídas só poderão ser percebidos quando algumas moléculas do perfume e das substâncias poluentes entrarem em contato com as células receptoras olfativas alojadas em nossas narinas. O mesmo não acontece com os telerreceptores propriamente ditos. A visão e a audição proporcionam a percepção de objetos muito distantes. Não há necessidade de contato com os mesmos. Na tabela 1.1 podemos comparar as duas classificações descritas an 2

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Tabela 1.1. Classificação dos receptores sensoriais quanto à sua função e quanto à localização dos estímulos.

teriormente. Verifica-se que os mecanorreceptores consistem, na realidade, de receptores localizados em regiões bem diversas do corpo, como, por exemplo, na pele (tato), no ouvido (audição) e nos músculos (cinestésico). Os propriorreceptores consistem em um grupo bastante heterogêneo de receptores. Fornecem informações sobre o equilíbrio, o movimento dos membros e o perigo de ter o tecido de alguma parte do corpo injuriado. Por outro lado, verificamos que os receptores da audição foram classificados como mecanorreceptores, porque respondem à energia mecânica (pressão exercida pelo som), e telerreceptores, porque informam a respeito de coisas externas e distantes do organismo. No princípio do capítulo, vimos que as células receptoras são capazes de receber, transformar e transmitir, para o restante do sistema nervoso, informações a respeito do ambiente. Em que consiste o ambiente? Basicamente, em duas coisas: matéria e energia. Objetos, pessoas e animais são feitos de matéria; a luz do sol ou de uma lâmpada, o som que vem do rádio, a chama que aquece a panela no fogão são diferentes tipos de energia (eletromagnética, mecânica e térmica, respectivamente). Receptores reagem diante da energia existente no ambiente, seja ela energia refletida ou produzida pelos objetos, pessoas e animais. Isto é, quando olhamos para uma criança, as células receptoras dos nossos olhos captam a luz refletida pela superfície de seu corpo e de sua roupa; no entanto, quando olhamos para uma lâmpada, a estimulação dos receptores ocorre devido à energia (luz) produzida pela própria lâmpada. Dependendo do tipo de lâmpada, esta mesma energia eletro-

magnética será captada também por termorreceptores de nossa pele. Neste caso, sentiremos seu calor. Nós “ouvimos” um gato miar quando a energia mecânica, produzida por suas cordas vocais, é transferida para as moléculas existentes no ar e transmitida para nosso ouvido. Ela também atinge outras regiões de nosso corpo. Porém, como lá não existem receptores para este tipo de energia mecânica, só ouviremos o miar do gato com nossos ouvidos. Todas as células receptoras, não importa qual a sua especialização, transformam a energia por elas captada em um único tipo de energia, comum a todo o sistema nervoso: a energia eletroquímica, cuja

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principal característica é o fluxo de íons através da membrana celular, podendo dar origem ao impulso nervoso (fig. 1.1). Isto é, a resposta das células consiste em uma mudança no potencial de repouso de suas membranas. Por exemplo, tanto um fotorreceptor do olho quanto um termorreceptor da pele, quando estimulados, darão origem a uma mesma resposta: modificação do estado iônico e de suas membranas. Esta transformação, ou tradução de um tipo de energia em outro, é denominada transdução. E o processo que caracteriza as células receptoras dos órgãos dos sentidos.

Dendritos

Axônio Impulso Exterior lons positivos Na+ Na+

+ + + + +/ 4 + + + + + +j Membrana

ti:i tzi celular

1 lons negativos

Interior + + + + + k fZl LD rii tzt jzt zi Li rzi. LZ] E] [El [E] [El E]

+ + • + + ‘ 1 / í+ + + + + + ÷

Impulso nervoso em uma parte do axônio

Figura 1.1. Quando o neo ro n lo e a cio 1 epo o o. lii eq o i o ei te o i o n que se encontram nas vizinhanças da membrana celular: no exterior da célula, nas proximidades da membrana, encontram-se íons positivos e no interior, íons negativos. Por Outro lado, quando o neurônio está ativo, isto é, quando conduz um impulso nervoso, ocorrem modificaçôes iônicas no meio celular, dentre as quais destaca-se a migração de íons positi’,os (Na +) para o interior da célula. A migração destes fons através da membrana semipermeável altera momentaneamente as características eletroquímicas da célula. (llustração segundo McGuigan, 1974.)

4

5

‘Çiiizaçãodo Fun receptor

Exterorreceptores Interorreceptores Propriorreceptores

Telerreceptores Proxirreceptores

Fotorreceptores Visão

Mecanorreceptores

Audição Tato (pressão) Cinestésico Vestibular

Termorreceptores Temperatura

Quimiorreceptores Olfação Olfação Gustação

Nociceptores Dor Dor Dor

Funções orgânicas

Nutrição Hidratação Hormônios Oxigenação etc.

Para haver transdução, isto é, para podermos ver uma luz, ouvir um som, sentir a temperatura de um objeto, o cheiro e o gosto de uma substância, é preciso que o estímulo tenha uma determinada intensidade. O receptor não será excitado por estímulos demasiadamente fracos. No caso da olfação e da

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gustação, é a concentração, ou seja, o número de moléculas da substância que determina a intensidade do estímulo. 1.3. Após a transdução Depoís que o receptor transformou em energia eletroquímica (neural) a energia recebida do ambiente, ela será encaminhada para as células nervosas aferentes e a outras partes do sistema nervoso. No organismo, mais especificamente, no sistema nervoso, a energia elétrica é propagada na forma de impulsos nervosos através dos milhares de neurônios que o constituem. Convém lembrar que o impulso nervoso se propaga de um neurônio para outro através de estruturas funcionais denominadas sinapses. Em algumas destas sinapses, o impulso nervoso provoca modificações nas substâncias químicas que se encontram nestes pequenos espaços entre dois neurônios vizinhos. Estas modificações, por sua vez, desencadeiam um novo impulso na célula seguinte. E nestas sinapses que age a maioria das drogas capazes de alterar a sensibilidade e o comportamento, como os anestésicos, analgésicos, alucinógenos, estimulantes e calmantes. De sinapse em sinapse, a informação sobre o ambiente é transferida para o cérebro, onde, finalmente será integrada às demais informações provenientes do mesmo ambiente (fig. 1.2). Por exemplo, a presença de seu cachorro molhado pela chuva, entrando em sua sala, pode ser anunciada por vários receptores sensoriais, concomitantemente. Seu sistema visual permitirá que você veja o pêlo molhado e embaraçado; seu sistema auditivo permitirá que você ouça a respiração, os latidos e o ruído característico quando se sacode, espalhando gotas de água pela sala inteira. Seu sistema tátil permitirá confirmar que o pêlo do animal está molhado, frio e grudento. Finalmente, seu sistema olfativo fornecerá informações sobre o cheiro pouco agradável de seu cão molhado pela chuva. Só depois que todos estes dados chegarem ao cérebro, acrescidos da informação, dada pela memória, de que um cão limpo e seco é uma companhia mais agradável, você chegará à brilhante conclusão de que o seu cachorro precisa de um banho. E no cérebro que as informações sobre o ambiente são integradas com nossas experiências passadas (memória), nossas motivações e emoções presentes. Assim, você desiste de dar um banho de água fria com a mangueira do jardim, pois, subitamente, lembra-se dos banhos mornos recomen dado

na última visita ao veterinário. Você também se lembra que sua mãe proibiu terminantemente banhos mornos no chuveiro do banheiro. Agora, seu estado emocional oscila entre a pena sentida pelo cão molhado e frio e a preguiça de esquentar água no fogão para lhe dar um banho no tanque. Você resolve a situação, decidindo enxugar seu cachorro com a toalha e passar um pouco de perfume. No momento que você está lendo esta página, seu cérebro também está recebendo informações de outros estímulos do ambiente em que você se encontra. Por exemplo, a posição em que se encontra o seu pé esquerdo, os ruídos do motor da geladeira, de um carro passando na rua, do relógio mais próximo, a cor da pele de sua mão, a temperatura e o cheiro do ar. Sua atenção, no entanto, não estava igualmente voltada para todos esses estímulos. Alguns faziam parte de um fundo geral. Outros mereceram mais atenção; esta, no entanto, deveria estar primordialmente voltada à leitura deste livro. No capítulo 3, estudaremos melhor a natureza da atenção, para poder avaliar o papel que ela desempenha na percepção. Podemos adiantar, em resumo, que muitas coisas podem afetar a nossa atenção: nossas necessidades, interesses e valores. Obviamente, nossa atenção é voltada para os estímulos súbitos, novos e intensos. Estímulos intermitentes também são capazes de chamar nossa atenção. A seleção dos estímulos mais importantes para nossa sobrevivêncía em um dado momento é um fenômeno importante, pois, se prestássemos atenção igual a tudo que nos cerca, os estímulos mais importantes não seriam investigados de forma a assegurar um comportamento ajustado e bem-sucedido.

Córtex

Auditiva

Visual

Figura 1.2. As informações oriundas dos diferentes sistemas sensoriais são integradas em áreas sensoriais primárias do córtex, como as áreas visual, auditiva e somato-sensorial. A integração da informação proveniente de várias áreas sensoriais primárias ocorre nas chamadas áreas associativas do córtex, que ocupam vastas extensões do cérebro. (Ilustração segundo Schmidt, 1980).

motor

Somatosensorial

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Entre dois observáveis — o estímulo ao ambiente e a resposta do organismo — te uma grtnde variedade de mudanças complexas não diretamente observáveis. A análise experimental da percepção permitiu, por meio de um conjunto de experimentos criteriosamente controlados, que nós começássemos, finalmente, a compreender um pouco melhor o funcionamento do nosso próprio corpo. Assim, podemos avaliar em que circunstâncias um estímulo poderá ser percebido e quando é inútil esperar por uma resposta. Nas páginas seguintes, analisaremos o processo da transdução em cada um dos sistemas sensoriais. Começaremos pela sensibilidade cutânea (tato, temperatura e dor). Veremos, a seguir, a sensibilidade cinestésica, o sentido vestibular, o olfato, a gustação, a audição e, finalmente, a visão, a mais importante, uma vez que o ser humano pode ser considerado um ser primordialmente visual. 1.4. Sensibilidade cutânea Se alguém lhe perguntasse qual é o maior órgão do seu corpo, o que você responderia? O fígado, o pulmão, o cérebro ou o intestino? Fisiologicamente, a pele pode ser considerada o órgão mais extenso do ser humano. Para uma pessoa de estatura mediana, sua área corresponde à de um tapete de, aproximadamente, 1,50 m. Em quase toda a sua extensão, encontram-se pêlos. Relativamente, poucas regiões são desprovidas dos mesmos, como, por exemplo, os lábios, a palma das mãos, a sola dos pés e algumas áreas dos órgãos genitais. Esta vasta superfície que nos reveste possui três tipos de receptores: mecanorreceptores, termorreceptores e nociceptores. Sentimos cócegas, vibração e a pressão que os objetos exercem sobre nossa pele através dos mecanorreceptores. Os termorreceptores respondem quando ocorrem mudanças de temperatura na pele, acarretadas pelo contato com objetos mais frios ou mais quentes que ela. Os nociceptores são responsáveis pela sensação de dor causada por uma grande variedade de estímulos. Por exemplo, pressão e calor excessivos, frio intenso, cortes, picadas, pancadas, beliscões. Isto é, estímulos capazes de danificar o tecido atingido, podendo produzir lesões. A diferença psicológica entre um afago e um tapa é óbvia: um é agradável, o outro dói. A diferença física entre os dois, no entanto, é bem mais sutil: ambos são estímulos táteis que consistem de pressão exercida sobre a pele. A característica que os distingue é a intensidade do estímulo, o que leva à excitação de receptores cutâneos diferentes. A pele é o limite externo de nosso corpo. Sobre ela incide todo tipo de energia. Ela é iluminada pela luz que vemos com nossos olhos, é atingida pelos sons que fazem vibrar nossos tímpanos e pelas moléculas de

perfume que penetram pelas nossas narinas. Porém, nossa pele não capta estes detalhes de nosso ambiente. Ela nos proporciona, no entanto, informações importantes a respeito de outros aspectos da realidade que nos cerca. Pense, por um momento, na sua sensação quando uma minúscula abelha anda sobre seu braço. Ela é tão pequena e tão leve. Ainda assim, você a percebe. Isto ocorre porque as patas do inseto deformam a pele de seu braço e os pêlos nos quais esbarram. Esta leve pressão exercida sobre a pele e os pêlos é energia mecânica suficiente para estimular os mecanorreceptores. No caso de uma picada de abelha, sentimos dor devido às injúrias causadas pelo ferrão e pela substância química injetada na epiderme. O peso do inseto estimula os mecanorreceptores; a danificação e irritação do tecido epitelial estimulam os nociceptores. Se, em lugar da abelha, tivéssemos uma minhoca fria e úmida, você imediatamente perceberia a diferença. Porque, além dos mecanorreceptores, os termorreceptores, sensíveis à queda de temperatura, também seriam estimulados. O grande número de fibras nervosas que chegam até a pele, responsáveis pelo exuberante conjunto de sensações cutâneas, são basicamente de quatro tipos: terminações nervosas livres; terminações com extremidades expandidas ou dilatadas (discos ou corpúsculos de Merkel ou Ruffini); terminações encapsuladas (corpúsculos de Paccini, Meissner, Golgi e Krause); nas regiões dotadas de pêlos, encontra-se um receptor adicional, denominado terminação nervosa folicular ou peripilosa, que envolve a raiz dos pêlos (fig. 1.3). A princípio, supunha-se que cada um destes diferentes tipos de receptores fosse sensível a apenas um tipo de estímulo. Entretanto, por meio de experimentos criteriosamente elaborados, esta hipótese foi rejeitada. O contra-exemplo mais famoso foi fornecido pelos resultados obtidos com a estimulação tátil da córnea, uma região inervada apenas por terminações livres. Aplicando-se estímulos mecânicos térmicos e dolorosos sobre esta parte do olho, as pessoas relatavam todas as modalidades de sensação: pressão, frio, dor e calor. A sensibilidade da pele varia de uma região do corpo para outra. Isto é, um estímulo fraco, imperceptível em um determinado ponto da pele, pode ser suficientemente intenso para ser percebido em outras regiões. De forma muito simplificada, podemos dizer que a intensidade mínima necessária para que um estímulo possa ser percebido é conhecida como limiar (no capítulo 2 você encontrará informações detalhadas a respeito do estudo dos limiares do ser humano). Podemos afirmar, portanto, que quanto maior o limiar menor a sensibilidade. Na figura 1.4, encontram-se medidas de limiares, obtidas em diferentes regiões cutâneas. Neste experimento, empregando um compasso, os pesquisadores estimulavam, ao mesmo tempo, dois pontos da pele. Eles verificaram que em algumas regiões do corpo, como a ponta da língua, por exemplo, as pessoas

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eram muito sensíveis a este tipo de estimulação mecânica. Isto é, com uma distância minúscula de 1 mm entre as duas pontas

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9

Termina- Corpúsculo Discos Corpúsculos Receptores Discos ções de Meissner de de Pacini dos folículos táteis livres Merkel pilosos

Figura 13. Alguns dos numerosos tipos de mecanorreceptores existentes tanto na pele glabra (a) como na pele dotada de pêlos (b) foram ilustrados esquematicamente. Terminações livres e corpúsculos de Pacini podem ser encontrados em ambos os tipos de pele. No entanto, terminações nervosas foliculares ou peripilosas só ocorrem nas regiões dotadas de pêlos (b). (Ilustração segundo Schmidt, 1980.)

do compasso, os sujeitos já conseguiam relatar que haviam sido estimulados em dois pontos da língua e não em apenas um. No dorso, por outro

lado, as mesmas pessoas só eram capazes de tais proezas quando a distância entre as duas pontas do compasso atingia 70 mm. Trata-se, portanto, de uma região bem menos sensível, uma vez que, nas situações experimentais em que a distância entre as duas pontas do compasso era inferior a 7 cm, as mesmas eram percebidas como sendo uma única ponta exercendo pressão sobre a pele.

As diferenças de sensibilidade são devidas, principalmente, ao elevado número de receptores nas regiões mais sensíveis e a um número igualmente privilegiado de neurônios nas áreas corticais (áreas sensoriais primárias), para as quais convergem as informações oriundas destas regiões.

Figura 1.4. Limiares para discriminação de dois pontos de estimulação mecânica sobre a pele. Se a distância entre dois pontos de pressão sobre a pele é muito pequena, percebemos apenas um ponto de pressão. Isto pode ser verificado utilizando um compasso de duas pontas como está ilustrado em a. O gráfico de barras em b apresenta limiares assim obtidos para diferentes regiões da pele. Regiões muito sensíveis, como a ponta da língua, a ponta do dedo indicador e lábios, apresentam limiares baixos (os resultados foram ampliados no canto direito da figura). Regiões menos sensíveis, como o pescoço e o dorso, mostram limiares bem mais elevados. (Ilustração segundo Weber e Landois, no livro de Schmidt, 1980.)

Na figura 1.5 encontra-se uma secção transversal através do córtex sensorial, mostrando as diferenças de tamanho das áreas desta região cortical

Epiderme

Tecido subcutâneo

b

Pele

0 Limiar de discriminação espacial simultânea

c

Termina - ções de Ruffinj

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b .

Ponta da língua Ponta do indicador Lábios Bordo da língua Palma da mão Fronte Dorso da mão Dorso do pé Pescoço Dorso

— —

o

1 2 3 4 5mm

O 10 20 30 40 50 60 7Omm

10

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destinadas ao processamento da informação tátil proveniente de diferentes lugares da superfície do corpo. Como se observa, áreas relativamente extensas de tecido cortical são reservadas para processar a informação enviada, pelos receptores, de regiões relativamente pequenas, como os lábios,

a língua, o pé, a ponta do dedo indicador e a palma da mão. Bem diversas são as condições de regiões de pouca sensibilidade, como, por exemplo, o tronco, a perna e o cotovelo. Esta representação distorcida da superfície corporal foi denominada de homúnculo sensorial ou homúnculo de Penfleld em homenagem ao pesquisador que descobriu este importante aspecto da diferença de sensibilidade tátil. A sensibilidade cutânea é de extrema importância para a sobrevivência da espécie humana. Permite-nos procurar abrigo do frio e calor, interagir fisicamente com o meio e nossos semelhantes e evitar estímulos que possam causar injúria ao nosso corpo. Os exaustivos estudos feitos por psicólogos dedicados ao desenvolvimento infantil não deixam dúvidas quanto à importância da estimulação tátil adequada durante a infância. Mesmo depois de adultos, homens e mulheres continuam buscando o contato com determinados estímulos que lhes proporcionam prazer. Te,tcntunho disto são as características táteis de determinados tecidos, corno a fc’fura da flanela e da lã angorá, a maciez da seda e do algodão, o elevado número de produtos cosméticos e farmacêuticos destinados a diminuir a aspereza da pele, e a proliferação das casas de massagem nos grandes centros urbanos.

1.5. Sensibilidade cinestésica

A sensibilidade cinestésica, ou simplesmente cinestesia, refere-se às sensações produzidas pelos movimentos dos membros e corpo. Isto é, a partir de estímulos fornecidos por regiões específicas do organismo, percebemos a postura e movimentos de nosso próprio corpo, bem como a força despendida em cada gesto. Esta modalidade sensorial difere, portanto, da sensibilidade cutânea. Esta é incumbida de captar, sobretudo, estímulos fornecidos pelo ambiente. Se pedíssemos a você para adivinhar onde se encontram os receptores da inestesia (proprioceptores), que regiões de seu próprio corpo você apontaria? Vamos considerar o gesto simples de estender a mão para cumprimentar um amigo. Ao executá-lo, você distende e contrai um conjunto específico de músculos e tendões do braço e da mão, modificando o ângulo formado pela articulação do antebraço com o braço (cotovelo), e do braço com a mão (pulso). Dependendo da posição em que você estiver e do entusiasmo ao cumprimentar seu amigo, você exercerá mais ou menos força ao apertar-lhe a mão. E precisamente nos músculos, tendões e articulações que estão situadas as células nervosas receptoras da cinestesia. Trata-se

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de receptores sensíveis à energia mecânica. Podem ser de três tipos: fusos musculares (fig. l.6a), órgãos tendinosos (fig. l.6b) e receptores articulares.

b)ferio

e maxilares

Figura 1.5. Com o consentimento e colaboração de pacientes adultos submetidos a cirurgia cerebral, foi possível estimular diferentes pontos do córtex somato-sensorial, observando as sensações resultantes. A ilustração acima, conhecida como Homúnculo Sensorial de Penfield, consiste no mapeamento das regiões do córtex somato-sensorial, mostrando a localização e a extensão das regiões corticais em que a informação proveniente da pele é processada. Observe como as informações provenientes de pequenas superfícies de pele muito sensíveis como a língua, dedo indicador e lábios, são processadas por extensas áreas do córtex. Por outrb lado, as informações sensoriais oriundas de grandes áreas cutâneas menos sensíveis, como as costas, ombros e quadris, convergem para regiões proporcionalmente menores do córtex somato-sensorial. (Ilustração segundo Penfield e Rasmissen, 1950, no livro de Shmidt, 1980.)

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Para o cérebro

• Extenso-receptor (terminações anulospirais)

Cápsula do fuso (tecido conjuntivo(

Placa terminal das fibras motoras

Durante a contração ou distensão muscular, a transdução nos fusos musculares consiste na transformação da energia mecânica sobre eles exercida em energia eletroquímica. Esta é transmitida, na forma de impulsos nervosos, através de uma cadeia de neurônios e sinapses, até o córtex sensorial e demais áreas do sistema nervoso. Nos órgãos tendinosos, alojados nos tendões, o processo desenvolve-se da mesma forma. Através destes dois tipos de receptores, é fornecida a informação a respeito da força desenvolvida pelos músculos em cada movimento. Os mecanorreceptores encontrados nas articulações proporcionam sensações posturais e cinestésicas (não de força) porque os impulsos nervosos, resultantes da transdução da

energia mecânica exercida sobre eles, preservam informações sobre a posição, velocidade e direção do movimento articular. Estes três tipos de receptores sensíveis à energia mecânica, situados nos músculos, tendões e articulações, fornecem informações sobre características qualitativas da propriocepção: sensibilidade postural (percepção da posição dos membros, mesmo no escuro), sensibilidade aos movimentos (percepção da direção e velocidade do movimento) e sensibilidade para força (percepção da for-

ça exercida em cada movimento). E fácil compreender, portanto, o papel importante da sensibilidade cinestésica no dia-a-dia de manequins, intérpretes, esportistas ou estivadores. Sua competência profissional depende, justamente, da percepção acurada de seu próprio corpo, de seus movimentos e da força despendida.

Para um psicólogo empenhado na compreensão do comportamento, o conhecimento dos processos sensoriais envolvidos nos movimentos do corpo é extremamente útil. Permite um exame mais detalhado das relações entre estímulos e respostas, proporcionando ao profissional maior probabilidade de acerto ao tentar auxiliar o ser humano em seu relacionamento

com seus semelhantes e com seu meio.

1.6. Sentido vestibular

Figura 1.6. Ilustração de mecanorreceptores encontrados em músculos (a) e tendões (b) responsáveis pela cinestesia. Nos músculos (a) os receptores encontram-se enrolados ao redor das fibras musculares contidas dentro da cápsula do fuso. Quando o músculo é estendido, aumenta a freqüência de impulsos nervosos enviados ao cérebro. O contrário ocorre quando o músculo é contraído. Desta forma, o sistema nervoso central recebe ininterruptamente informações sobre o comprimento dos músculos, isto é, a respeito da força

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por eles exercida. As ramificações da fibra sensitiva sobre o tendão (b) são conhecidas como órgãos ou fusos tendinosos ou ainda como órgãos de Golgi. Como no caso dos músculos, a freqüência de impulsos nervosos enviados ao cérebro aumenta à medida que o tendão é estirado, fornecendo desta forma informações a respeito da força exercida pelo músculo a ele conectado. (Ilustração a, segundo Schmidt, 1979; b, segundo McGuigan, 1974.)

Já vimos que o sentido da cinestesia é responsável pela percepção da posição e dos movimentos de nossos membros no espaço. O sentido vestibular refere-se à percepção e manutenção do equilíbrio do corpo como um todo. Isto é, informa-nos se estamos de pé, caindo ou de cabeça para baixo. A sensação de perder o equilíbrio depende da inclinação e do movimento da cabeça. Basicamente, há duas maneiras de perder o equilíbrio: cair em linha reta no chão (aceleração linear), ou cair lentamente para a frente ou para trás, enquanto nosso corpo descreve uma trajetória circular (aceleração angular). Estes dois tipos de aceleração são os estímulos captados pelos mecanorreceptores do labirinto ou aparelho vestibular.

Fibras motoras

Tendão Fibra muscular Órgão tendíneo de Golgi

Fibras musculares internas do fuso

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O órgão vestibular consiste em duas cavidades alojadas no osso temporal do crânio, nas imediações da cóclea, que se encontra no ouvido interno. Há uma de cada lado da cabeça e são repletas de fluido (endolinfa). Cada cavidade é constituída de duas partes distintas: três canais semicirculares e duas estruturas saculiformes, o sáculo e o utrícolo. As células receptoras encontram-se na cúpula de uma região dos canais semicirculares, denominada ampola. Respondem a movimentos circulares e rotatórios da cabeça e os impulsos nervosos resultantes da transdução propagam-se pelo nervo vestibular. Nas regiões das máculas do sáculo e do utrícolo, encontram-se células receptoras que respondem a movimentos retilíneos (para a frente — para trás; para cima — para baixo; para a direita — para a esquerda). Trata-se de células receptoras ciliadas, estimuladas através da energia mecânica proporcionada pela inclinação de seus cílios mergulhados na endolinfa. Esta é agitada com os movimentos da cabeça (fig. 1.7). Quando o dentista aumenta ou diminui a inclinação do encosto da cadeira (aceleração angular), são estimuladas as células receptoras dos canais semicirculares; quando, no entanto, ele eleva a cadeira a uma certa distância do chão (aceleração linear), são estimuladas as células receptoras do sáculo (sensíveis a movimentos verticais). Uma parada brusca no veículo (aceleração linear) no qual viajamos estimula as células receptoras do utrículo (mais sensíveis a movimentos horizontais). Obviamente, da estimulação conjunta destes três tipos de células resulta a percepção de movimentos muito sutis e complexos. Isto permitirá avaliar com precisão a posição da cabeça no espaço, em cada momento.

1.7. Olfato

O sentido do olfato permite-nos distinguir uma série de substâncias químicas pelo seu cheiro. As sensações olfativas são transmitidas por uma série de células sensoriais, alojadas em uma pequena região do epitélio olfativo, que reveste a cavidade nasal (fig. 1.8a). Estas células são estjmuladas por uma mistura de ar e moléculas. Estes se desprendem de objetos contidos em nosso ambiente. Isto é, a presença de um objeto-estímulo, de uma pessoa ou de uma substância, como um perfume francês, só poderá ser detectada por nosso olfato se algumas de suas moléculas atingirem as células sensoriais olfatórias sensíveis a elas. Compreende-se, portanto, por que substâncias muito voláteis, como, por exemplo, éter, álcool e gasolina são tão prontamente percebidas por estes quimiorreceptores. A volatilidade de uma substância é necessária, porém não é suficiente. E preciso também que suas moléculas sejam solúveis no muco que reveste a região olfa a

Figura 1.7. a) O aparelho vestibular é formado por três canais semicirculares, sáculo e utrículo. b) A ampliação no alto da figura mostra os mecanorreceptores, células ciliadas que se encontram nas ampolas dos canais semicirculares e nas máculas do saculo e utrículo. Nas ampolas, os cílios destas células reúnem-se formando a crista. Esta, envolta por uma substância gelatinosa, dá origem à cúpula, que fica mergulhada na endolinfa e oscila quando o líquido se agita em decorrência dos movimentos da cabeça. Desta oscilação resulta a deformação dos cílios que excita as células receptoras, desencadeando os impulsos nervosos que serão enviados para o cérebro. (ilustração a, segundo Alpern, 1971.)

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tória da cavidade nasal. Deste modo, podem entrar em contau’ com os cílios dos receptores olfativos que ali se encontram mergulhados (fi. 1 8b).

Ampola

vestibular auditivo

Sáculo

Ducto coclear

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1.8. Gustação

Figura 1.8. a) Os receptores do olfato encontram-se na parte superior da cavidade nasal e estão em contato direto com o bulbo olfatório, que é uma estrutura do cérebro. b) A ampliação no alto da figura mostra as células receptoras ciliadas, cujos cílios encontram-se mergulhados no muco que reveste a cavidade nasal, onde se dissolvem as moléculas das substâncias que excitam os cílios destas células. (Ilustração a, segundo Mcouigan, 1974.) A importância do olfato para a sobrevivência dos organismos pode ser avaliada, constatando-se que uma parte das substâncias odorosas naturais é produzida por flores e frutos, pela decomposição de organismos mortos e pelas glândulas de alguns animais. Isto é, desempenham o importante papel de estímulos discriminativos, que sinalizam a presença de alimento, perigo ou de parceiros sexuais. Porém, nem todas as substâncias dotadas de volatilidade e solubilidade são capazes de desencadear a sensação de cheiro. Para explicar por que determinadas substâncias são inodoras, enquanto outras possuem odor, isto é, para esclarecer a função olfativa, foram elaboradas diversas teorias. Dentre elas, a mais conhecida é a teoria estereoquímica desenvolvida por Amoore. Este pesquisador verificou que todos os odores podiam ser agrupados em apenas sete categorias: canfórico, almiscarado, floral, de hortelã, etérico, penetrante e pútrido. Verificou, também, que uma grande parte das substâncias percebidas como pertencentes a uma destas sete categorias possuía forma e tamanho molecular semelhantes. Este fato levou-o a estabelecer uma relação hipotética entre a forma e o tamanho da molécula de uma substância química e o seu cheiro.

relativamente grande o número de substâncias que diariamente levamos à boca. No entanto, para descrever o seu gosto, referimo-nos a apenas quatro tipos de sabor: doce, salgado, azedo e amargo. Sentimos o gosto dos alimentos, medicamentos e outras substâncias quando algumas de suas moléculas dissolvidas na saliva atingem as células receptoras. Estes quimiorreceptores são os corpúsculos gustativos, alojados nas papilas distribuídas pela superfície da língua (fíg. 1.9). Nossa sensibilidade a diferentes substâncias não é a mesma em toda a extensão da língua. Na ponta, somos mais sensíveis ao doce e, na base, ao amargo. Nas laterais, nossa sensibilidade é maior ao azedo, e nas bordas da língua somos muito sensíveis ao salgado (fig. 1.10). A magnitude das respostas dos corpúsculos gustativos varia de acordo com a intensidade do estímulo, permitindo a discriminação entre uma sopa gostosa e outra muito salgada. Na olfação, segundo a teoria estereoquímica, o cheiro de uma substância depende, aparentemente, da forma e do peso molecular. Ainda não são conhecidas, no entanto, as características responsáveis pelo gosto das substâncias. Sabe-se, apenas, que o sabor azedo dos ácidos, por exemplo do suco do limão e do vinagre, é devido ao íon H + (hidrogênio) de sua composição química.

Poro gustativo

Receptores gustativoS

Figura 1.9. Os corpúsculos gustativos encontram-se nas papilas gustativas da língua. São formados por um aglomerado característico de células receptoras, que lançam seus prolongamentos (microvilosidades) para o poro gustativo, onde entram em contato com moléculas de substâncias dissolvidas na saliva, resultando na excitação dos receptores. (Ilustração segundo McGuigan, 1974.)

Odor

Receptor olfativo Cavidade nasal

a

Superfície da língua

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Células-suporte

Para o cérebro

Fibras nervosas

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As modernas indústrias de medicamentos e gêneros alimentícios adicionam substâncias químicas aos seus produtos com a finalidade de controlar seu consumo. Assim, por exemplo, são acrescentados “flavorizantes” e aromatizantes às geléias e gelatinas que, em seu estado natural, não teriam gosto nem cheiro. Produtos destinados a diabéticos e a pessoas que estão se submetendo a dietas alimentares desprovidas de açúcar são adoçados artificialmente. Os medicamentos preparados para crianças merecem um cuidado todo especial por parte da indústria farmacêutica. Acrescentam-se a eles substâncias de gosto e odor agradáveis para garantir seu consumo. Por Outro lado, medicamentos muito perigosos, que poderiam ser ingeridos por engano pelas crianças, são acrescidos de substâncias amargas para que sejam rejejtados imediatamente. O emprego indiscriminado de substâncias aromatizantes e “flavorizantes” pode colocar em risco a saude do ser humano. Tomemos, por exemplo, uma sobremesa preparada com muitos ovos, portanto rica em proteínas. Se, no entanto, for preparada sem ovos e a ela se acrescentarem substâncias com gosto, cheiro e cor de gema de ovo, continuará sendo um saboroso “quindim”, porém, sem valor nutritivo.

1.9. Audição

Quando você liga um rádio portátil, a membrana de seu alto-falante começa a vibrar. Esta vibração é transferida para as moléculas de ar mais próximas. Estas, por sua vez, transmitem a energia mecânica assim recebida para as moléculas vizinhas, permitindo a propagação da energia a grandes distâncias. Se colocássemos o rádio em um recipiente do qual fosse retirado todo o ar, deixaríamos de ouvir o som porque a vibração de seu alto-falante não se propagaria no vácuo. O som se propaga em forma de ondas que se deslocam no ar a uma velocidade de, aproximadamente, 340 metros por segundo, e de forma mais rápida na água (fig. 1.11). Trata-se, portanto, de uma velocidade comparável à dos modernos aviões a jato, com exceção dos supersônicos capazes de se deslocarem a velocidades superiores à do som. As ondas sonoras podem ser divididas em ciclos. Sua freqüência depende do número de ciclos por segundo — cps — (ou Hertz) e é responsável pela diferença entre um tom grave e um tom agudo, uma nota Dó e uma nota Mi. A nota Lá, usada para afinar os instrumentos

Para o cérebro

Nervo glossofaríngeo’

Nervo facial

circunvaladas Papilas foliadas Papilas fungiformes

Ponta da língua

Figura 1.10. A sensibilidade às diferentes qualidades gustativas não é a mesma em toda superfície da língua. Na ponta da língua encontra-se a maior sensibilidade ao doce; no extremo oposto, na base da língua, a sensibilidade ao amargo é mais acentuada; a sensibilidade ao azedo é maior nas laterais e ao salgado, nas bordas. (Ilustração segundo Schmidt, 1980.)

4 4 Um ciclo

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Onda sonora - tom puro

Onda sonora complexa

Figura 1.11. As ondas sonoras podem ser simpLes, como no caso dos tons puros, ou complexas como a maioria dos sons que ouvimos no dia-a-dia. São medidas em ciclos por segundo (cps ou Hertz).

20

21

musicais, tem 400 ciclos por segundo. Tons de alta freqüência, acima de 700 cps, são percebidos como agudos. Tons de baixa freqüência, abaixo de 700 cps, como graves. Quanto maior a freqüência de um tom, maior a probabilidade de que seja percebido como agudo. O nosso ouvido não é igualmente sensível a todos os tons. Somos mais sensíveis a tons cuja freqüência oscila entre 20 e 20.000 ciclos por segundo. A sensibilidade não é a mesma para todos os animais dotados de audição. Cães e morcegos, por exemplo, são capazes de ouvir tons para os quais o ser humano é insensível. As ondas sonoras, vindas de longe ou de perto, encontram nossas orelhas, penetram pelo canal auditivo e, finalmente, atingem a membrana timpânica. Esta passa a vibrar na mesma freqüência que a fonte sonora. Nosso ouvido é constituído por três partes bem distintas: ouvido externo, médio e interno (fig. 1.12). A orelha e o canal auditivo fazem parte do ouvido externo, que é separado do ouvido médio pelo tímpano. No ouvido médio, encontra-se um conjunto de três ossos muito pequenos conhecidos como ossículos. O primeiro ossículo, chamado martelo, apóiase na membrana timpânica e transfere para os seguintes, denominados bigorna e estribo, a vibração recebida. O último ossículo apóia-se sobre uma membrana conhecida como janela oval, que separa o ouvido médio do ouvido interno. Ela é responsável pela transferência da vibração para a região mais interna do ouvido. O ouvido interno consiste de um canal repleto de líquido e enrolado como um caracol, denominado canal coclear. Dentro deste canal, ao longo de toda sua extensão, encontra-se a membrana basilar, com suas células ciliadas. Estas células são os receptores da audição. Eles respondem à deformação, tração ou torção produzidas pela vibração do líquido no qual estão mergulhados. Diferentes tipos de fontes sonoras, por exemplo, campainhas, instrumentos musicais (de corda, como o berimbau e o violão, ou aqueles dota-

dos de membranas, como o tambor e a cuíca), motores a explosão de veículos (como motocicletas e aviões), jatos de ar (como apitos e assobios), desencadeiam a vibração do ar e das estruturas do ouvido os quais terminam por deformar as células receptoras. Estas, por sua vez, transformam a energia mecânica sobre elas exercida em energia eletroquímica, isto é,

efetuam a transdução dos estímulos ambientais. Nossa sensibilidade é maior para tons de 2.000 a 3.000 cps. Isto significa que tons com esta característica qualitativa podem ser ouvidos em intensidades muito baixas (fig. 1.13). Por outro lado, os tons de 20 ou 20.000 cps deverão ser muito intensos, uma vez que somos pouco sensíveis a eles. Qualquer tipo de tom dentro da nossa faixa de audibilidade, no entanto, necessita sempre de um mínimo de energia para que possa ser ouvido. Es-

ta intensidade mínima necessária para se ouvir um som é denominada de limiar absoluto auditivo. Denominamos de subliminares aqueles estímulos cuja intensidade é mais baixa que o limiar absoluto.

Figura 1.12. a) O ouvido é composto de três partes: ouvido externo, ouvido médio e ouvido interno. O ouvido externo consiste no pavilhão auditivo (orelha) e no canal auditivo. Após penetrar no ouvido através destas estruturas, a onda sonora choca-se contra a membrana do tímpano, que separa esta parte do ouvido médio. A trompa de Eustáquio liga o ouvido médio à faringe, permitindo assim que a pressão do ar existente nesta parte do ouvido seja igual à pressão do outro lado da membrana timpânica. As vibrações provocadas pela onda sonora sobre o tímpano são transmitidas à cadeia dos três ossículos (martelo, bigorna e estribo), que por sua vez as transmitem a outra membrana, conhecida como janela oval, fronteira entre ouvido médio e ouvido interno. Esta última parte do ouvido contém a côdea, uma estrutura tubular dentro da qual se encontram outros tubos como o canal coclear, a rampa timpânica e a rampa vestibular. b) As células receptoras localizam-se sobre a membrana basilar, que se estende através de todo canal coclear. Trata-se de células ciliadas, cujos cílios, mergulhados na endolinfa contida no canal, estendem-se até a membrana tectória. Os cílios encontram-se, portanto, presos entre as duas membranas. A vibração das estruturas do ouvido, causada pelo som, provoca a flexão, torção e tração dos cílios, resultando na excitação das células receptoras e dando origem ao impulso nervoso que será enviado ao

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cérebro. Observe que as vibrações sonoras são transmitidas através de um meio gasoso no ouvido externo (ar), a seguir são transferidas para um meio sólido (ossículos) no ouvido médio, e finalmente no ouvido interno propagam-se através de um meio líquido (endolinfa). (Ilustração a, adaptada de McGuigan, 1974; b, adaptada de Mueller.)

a

Ouvido externo Ouvido médio Ouvido internv

22

23

31,5 125 500 2.000 8.000

Freqüência

Figura 1.13. A curva do gráfico corresponde ao limiar absoluto da audição e mostra que o ser humano não é igualmente sensível a diferentes tons (freqüências), uma vez que a intensidade mínima necessária para que possam ser ouvidos (limiar) é grande para os tons de freqüência muito baixa (20 Hz) e de freqüência muito alta (16.000 Hz). O contrário ocorre com tons compreendidos em regiões intermediárias da faixa de audibilidade (4.000 Hz), que são ouvidos com pouca intensidade, uma vez que é muito acentuada a sensibilidade a este tipo de freqüência. A faixa designada “Região da fala” corresponde ao conjunto de freqüências e intensidades das quais a voz humana se compõe. Observe que as freqüências contidas na fala correspondem aos valores aos quais somos mais sensíveis. (Ilustração adaptada de Schmidt, 1980.) Nos grandes centros urbanos, o barulho é cada dia mais intenso. Esporadicamente, surgem pesquisas feitas com seres humanos e animais, mostrando as conseqüências da poluição sonora para a saúde física e mental. No ser humano, a poluição sonora é responsável por distúrbios circulatórios gástricos e perda da audição. A saúde mental pode ser afetada quando o indivíduo não consegue dormir o número mínimo de horas necessárias para um repouso adequado, ou quando a poluição sonora o impede de raciocinar, dificultando a execução de tarefas que exigem concentração. Disto pode resultar um elevado grau de ansiedade que dificulta o ajustamento do sujeito ao seu ambiente.

de ondas muito longas (como, por exemplo, ondas de rádio, televisão e infravermelho) e ondas curtas (como, por exemplo, o ultravioleta, os raios X, raios gama e raios cósmicos) (lâmina 1.1, ver p. 119). Apenas as ondas de 450 a 750 nm (namômetros) são captadas e transduzidas pelos fotorreceptores do olho. Este pequeno conjunto de ondas corresponde a aproximadamente 1/100 de toda a energia eletromagnética conhecida. As ondas de 450 nm, quando captadas pelos receptores do olho, dão-nos a sensação de azul. Diante de ondas um pouco mais curtas, temos a sensação de ver o violeta. Ondas mais curtas ainda, da região do ultravioleta, não são percebidas, uma vez que nossa córnea e nosso cristalino filtram estes comprimentos de onda. Além disso, os fotorreceptores são pouco sensíveis a esta faixa do espectro. Existe porém, entre os animais invertebrados, uma infinidade de espécies que possuem receptores para esta faixa de espectro. Por exemplo, as abelhas, as formigas e outros insetos. Ondas de 500 nm dão a sensação de verde e de 750 nm, de vermelho. As ondas mais longas, denominadas infravermelho, não são captadas pelo olho. Elas correspondem a ondas térmicas que estimulam termorreceptores da pele e dão origem à sensação não de uma cor, mas de calor. Eis aí um dado intrigante: dois estímulos que, fisicamente, correspondem a ondas eletromagnéticas muito semelhantes (quanto a intensidade e comprimento de onda) nos proporcionam sensações muito diferentes — um é responsável pela sensação de “vermelho”

A sensação das cores, da claridade, da escuridão e do brilho dos objetos nos é proporcionada por um conjunto de células receptoras que revestem o interior do globo ocular. Trata-se de células nervosas especializadas, sensíveis a uma pequena faixa da energia eletromagnética existente no universo. Esta faixa da energia é denominada espectro visível (fig. 1.14) ou, simplesmente, luz. Além da luz, a energia eletromagnética compreen Figur

1.14. O espectro de radiações eletromagnéticas pode ser dividido em uma região visível e outras não visíveis. A parte inferior da figura mostra o espectro que é visível como luz de várias cores e corresponde a uma região muito pequena do espectro total ilustrado na parte superior da figura. Tanto ondas eletromagnéticas muito longas (ondas de rádio, radar e infravermelho), como ondas muito curtas (raios gama, raios X e raios ultravioleta) não são visíveis para o ser humano.

dB 100 80 60- 40 20

o

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co o o 0 o co o, O • cl)

Regilo da tala

20

63

1.10. Visão

Muito Muito longas curtas

Raios x

Raios gama

1 Espectro visível Vermelho Laranja Amarelo Verde Azul Violeta 700 600 575 525 450 400 —4 Comprimento de onda (nm)

24

25

— —,— —

— —.— —

z :z z ;::

:-1--

‘E

E

-

E

E

1 i.doo 1 4.000 16.000 Hz

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Ondas de rádio

1 1 I

1 Radar 1

1 Infra— I 1 vermelho

1

1 I Ultra— 1

1 violeta

1 I 1

e outro, pela de “calor”. Deve-se isto ao simples fato de serem captados e transduzidos por receptores pertencentes a sistemas sensoriais muito

distintos.

Nossos olhos são compostos por um conjunto de estruturas destinadas à captura e ao controle da luz que penetra em seu interior. Para facilitar a compreensão da localização e do funcionamento dessas estruturas, sugerimos que você consulte a figura 1.15. Como é possível ver, trata-se de um órgão bastante complexo, composto de diversos elementos. Alguns são transparentes, permitindo a passagem da luz — são conhecidos como aparelho dióptrico. A conjuntiva, por exemplo, é a parte anterior do glo Par

o cérebro

Figura 1.15. O olho é um órgão muito complexo, composto de diversas partes, algumas das quais são transparentes como a córnea, o humor aquoso contido na câmara anterior do globo ocular, o cristalino e o humor vítreo, substância gelatinosa que ocupa toda a câmara posterior. Depois que passou por estes elementos, a luz atinge e atravessa todas as camadas da retina, uma vez que os fotorreceptores se encontram na última, adjacente à membrana coróide. Esta é constituída por uma rede de vasos sanguíneos e encontra-se entre a retina e a esclerótica, que é a estrutura mais externa, responsável pela forma característica do globo ocular. Córnea e cristalino formam o sistema óptico responsável pela focalização da imagem sobre a fóvea, a região mais delgada da retina. A fóvea também é conhecida como mancha amarela ou mácula lútea. Há na região posterior do globo ocular um pequeno orifício, por onde penetram vasos sanguíneos e fibras do nervo óptico, conhecido como ponto cego, no qual não há receptores. O cristalino é mantido na sua posição por um conjunto de delicadas fibras que partem de sua borda e se inserem no músculo ciliar; são as fibras da zônula, estruturas responsáveis pela rcomodação do cristalino. L.ogo à frente do cristalino encontra- se o conjunto de músculos que formam a íris e a pupila, o orifício pelo qual a luz penetra no olho. (Ilustração adaptada de Schmidt, 1980.)

bo ocular, a primeira, portanto, a ser atravessada pela luz. A seguir encontra-se a córnea. Constitui-se numa lente poderosa, responsável pela convergência dos raios luminosos sobre a retina. Desprovida de vasos sangü mneos, torna-se muito vulnerável às infecções. Por outro lado, a ausência de vasos permite a perfeita passagem da luz e diminui o risco da rejeição de enxertos, o que torna o transplante de córneas uma operação bastante simples e segura. No Brasil, o transplante não é realizado com maior freqüência por falta de córneas no banco de olhos.

A córnea transparente funde-se com a esclerótica, a parte branca e externa do globo ocular. Esta região não transparente é ricamente irrigada por vasos sangüíneos. Eles se tornam visíveis quando choramos, por exemplo. Há uma pequena região do nosso olho que foi cantada em prosa e verso por poetas de todo o mundo:

“Teus olhos (ão negros, tão belos, (ão puros, de vivo luzir “Olhos encantados, olhos cor do mar

Estamos nos referindo à fris. Encontra-se logo atrás da córnea. Consiste em um conjunto de músculos e células pigmentadas, responsáveis por

sua coloração característica: azul, verde, castanho ou preto. A íris tem forma de disco. No centro, há um orifício, por onde penetra a luz refletida dos objetos do ambiente. Esta abertura, que parece uma pequena mancha preta, é a pupila. Quando a luz é muito intensa, ela se contrai. Aumenta de diâmetro no escuro, chegando a ficar 7 vezes maior. Este fenômeno é facilmente observável. Peça para um colega de íris clara olhar para uma pare-

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de ou folha de papel branca bem iluminada, enquanto você observa o tamanho da pupila dele. A seguir, peça para ele cobrir os olhos abertos com as palmas das mãos por um breve período de tempo e depois retirar rapidamente as mãos, enquanto permanece olhando para o objeto claro. Você

verá nitidamente a pupila, que havia aumentado de diâmetro no escuro, diminuir, contraindo-se rapidamente. Trata-se de uma resposta reflexa dos músculos da íris que evita a entrada de quantidades excessivas de luz no olho. Na penumbra, por outro lado, é preciso que a pouca luz existente penetre no olho para facilitar a visão. Isto é favorecido pelo aumento da pupila. Entre a córnea e a íris encontra-se a câmara anterior do olho, repleta de fluido transparente, conhecido como humor aquoso. Atrás da íris, na câmara posterior, encontra-se o cristalino. Ele funciona como uma lente

elástica que, junto com a córnea, é responsável pela focalização precisa da imagem sobre a retina, fenômeno denominado de acomodação. A acomodação da imagem de objetos a diferentes distâncias é obtida pelas mudanças na espessura do cristalino. A medida que as pessoas envelhecem, o cristalino perde a sua elasticidade. A sua capacidade de acomodação

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27

fica reduzida (presbiopia). No entanto, isto pode ser contornado com o emprego de lentes corretivas capazes de restaurar a visão de objetos próximos. A leitura muito freqüente e o trabalho com objetos muito próximos dos olhos pode causar problemas semelhantes em pessoas jovens, O uso de óculos também é necessário quando ocorrem deformações do globo ocular. Ele pode tornar-se achatado (miopia ou hipermetropia) (fig. 1.16) ou apresentar uma córnea cuja curvatura não é perfeitamente esférica (astigmatismo).

Figura 1.16. Miopia e hipermetropia referem-se a deformações do globo ocular. O olho míope é alongado, não permitindo que se formem imagens nítidas de objetos distantes sobre a retina (a). Para corrigir este problema, a pessoa míope (sem óculos) costuma aproximar os objetos dos olhos (b). Com o uso de lentes corretivas (óculos), passa a ver normalmente (c). O oposto ocorre com o olho hipermetrope, que é muito curto, não permitindo a formação de imagens nítidas de objetos próximos sobre a retina (d). Para superar esta dificuldade a pessoa hipermetrope afasta os objetos dos olhos (e). O emprego de lentes corretivas devolve a visão normal (t).

Atrás do cristalino, encontra-se a câmara posterior. Ela é formada pelo espaço interno do globo ocular, ocupado por uma substância transparente e gelatinosa, o humor vítreo. Quase toda a superfície interna desta câmara é revestida pela retina, formada pelas células receptoras e outras células nervosas. A imagem dos objetos é focalizada com maior precisão sobre um ponto da retina denominado fóvea. Este se apresenta como uma pequena depressão, cujo diâmetro chega a ter um milímetro de extensão. E com esta minúscula região do olho que vemos as cores e os detalhes das coisas que nos cercam. Atrás da retina, encontra-se uma rede de vasos sangüíneos conhecida como camada coróide. Finalmente, a camada branca e mais externa do olho, a esclerótica, constituída de tecido de sustentação, é responsável pela forma característica do globo ocular. Na retina encontram-se diversos tipos de células. A camada de fotorreceptores é formada pelas células nervosas sensíveis à luz. Na figura 1.17 você encontrará uma ilustração esquemática da retina. Preste atenção a um detalhe interessante e muito intrigante: após atravessar todas as estruturas transparentes do olho, a luz atinge finalmente a retina; porém, antes de ser absorvida pelos fotorreceptores, terá que atravessar também todas as camadas da própria retina, uma vez que os receptores estão localizados na última camada e virados para trás. A primeira camada corresponde a fibras nervosas que darão origem ao nervo óptico. A seguir, a luz atravessa a camada das células ganglionares, amácrinas, bipolares e horizontais. Finalmente, na última camada da retina, a luz é absorvida pelos fotorreceptores que ali se encontram. A reação fotoquímica dos receptores dá origem a uma resposta neural, que é transmitida às células bipolares. Estas, por sua vez, transmitem seus sinais às células ganglionares, cujos axônios se agrupam. Formam, assim, o nervo óptico, que levará os impulsos nervosos ao sistema nervoso central. As células amácrinas e horizontais proporcionam a comunicação entre neurônios de uma mesma camada, permitindo uma sofisticada elaboração da informação captada pelos receptores. Na realidade, a atividade da retina é tão complexa que pode ser considerada um “minicérebro” Depois de tomar conhecimento de um conjunto tão complexo e elaborado de estruturas, talvez você se surpreenda com o fato de existir um ponto cego na retina, isto é, uma região que não dispõe de receptores.

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Trata- se do local em que o nervo óptico e os vasos sangüíneos chegam à retina. E conhecido como papua ou ponto cego. Com o auxílio do desenho da figura 1.18 você poderá convencer-se da existência de seu ponto cego e demonstrar a si mesmo que, em determinadas circunstâncias, uma pequena parte dos estímulos que nos cercam não pode ser vista. Um exame microscópico da retina mostra dois tipos de receptores: cones (6 milhões) e bastonetes (120 milhões), devido à sua forma aproximadamente cônica e cilíndrica, respectivamente. Os bastonetes localizam- se na periferia da retina e são excelentes detectores de luz graças à rodop Olh

miope

a

Olho hipermetrope

b

Aproximando-se do objeto

e

c

f

28

29

Célula horizontal

i— Células bipolares

Células ganglionares

Fibras nervosas

Para o cérebro

Figura 1.17. A retina é formada de diversas camadas de células nervosas. Na primeira camada a ser atravessada pela luz, encontram-se as fibras nervosas que formarão o nervo óptico. Na segunda camada, organizam-se as células ganglionares que dão origem a estas fibras nervosas. A seguir encontra-se um conjunto de neurônios, as células amácrinas, que através de sinapses múltiplas entre as células ganglionares permitem uma ampla difusão da informação recebida por cada uma delas, transmitindo o impulso nervoso a numerosas células vizinhas. A camada das células bipolares é formada de neurônios que recebem a excitação de diversos fotorreceptores e transmitem esta informação para as ganglionares. Entre a camada de células fotorreceptoras e as bipolares há uma camada de células horizontais que é responsável pela difusão da informação entre receptores vizinhos. Finalmente, a luz atinge a última camada de células nervosas, os fotorreceptores, onde é absorvida pelos cones e bastonetes para, após a sua transdução, dar origem ao impulso nervoso que se propagará para as demais células da retina. No seu trajeto para o cérebro, o impulso nervoso é transmitido das células bipolares para as ganglionares e finalmente através do nervo óptico deixa a retina e segue em direção ao cérebro. Por Outro lado, as camadas de células horizontais e amácrinas são responsáveis pela difusão de informação dentro de uma mesma camada. (Ilustração adaptada de Boycott e Dowling, no livro de Schmidt, 1980.)

Figura 1.18. Para você se convencer de que existe um ponto cego na retina do olho direito, proceda da seguinte maneira: segure o livro com o seu braço estirado, feche seu olho esquerdo e olhe fixamente para o ponto da figura. A seguir, aproxime lentamente o livro de seus olhos. Você notará que, em dado momento, o passarinho desaparecerá permanecendo, no entanto, as grades da gaiola. Isto ocorre porque o ponto cego corresponde a uma pequena área da retina, sobre a qual agora incide a imagem do passarinho, que não é percebido.

sina, substância fotossensível neles encontrada. Muito sensíveis à luz, são responsáveis pela visão na penumbra (visão escotópica), onde a detecção de pequenas modificações no nível de iluminação se torna importante. Se

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quisermos saber a cor ou detalhes de um objeto que surge na periferia do nosso campo visual, e cuja luz foi captada pelos bastonetes da periferia da retina, teremos que movimentar os olhos de tal maneira que sua imagem seja focalizada, com precisão, sobre a região central dos cones da fávea. Os receptores desta região, no entanto, somente reagem quando a luz

é mais intensa (visão fotópica).

A fóvea é a região de maior acuidade visual da retina, dotada exclusivamente de cones. Quando observados ao microscópio, anatomicamente parecem semelhantes. Sabe-se, no entanto, que de acordo com o seu funcionamento existem três tipos de fotorreceptores nesta região. Os três tipos de cones diferem quanto ao tipo de substância fotossensível neles contida. Um tipo de cone capta principalmente a luz de comprimento de onda curta, proporcionando-nos a sensação do azul. A substância química fotossensível que reage a estes comprimentos de ondas foi denominada cianolábio (do grego: ciano azul; lábio, do verbo lambdno = captador). O segundo tipo de cone reage, sobretudo, a comprimentos de onda intermediários, dando-nos a sensação do verde. A substância química nele encontrada foi denominada clorolábio (do grego: cloro verde; lábio, do verbo lambdno captador).

Epitélio pigmentado Bastonete Fotorre Con ceptores retiniano

. Célula amácrina

* Incidência da luz

30

31

Finalmente, o terceiro tipo de cone responde, principalmente, aos comprimentos longos de onda, e a substância fotossensível nele encontrada foi denominada eritrolábio (do grego: entro = vermelho; lábio, do verbo lambáno captador). Como o ser humano possui três tipos de receptores para a visão de cores, seu sistema visual é denominado tricomático. Já vimos que nos bastonetes apenas uma substância fotossensível é encontrada (a rodopsina). Trata-se portanto de um sistema visual monocromático que não participa da visão de cores. Conclui-se, portanto, que a retina do ser humano é dotada de quatro tipos de receptores: os bastonetes e três tipos de cones. Você certamente se recorda de ocasiões em que, depois de andar por uma rua ensolarada e entrar em um cinema, a princípio você não consegue ver nada além da imagem projetada na tela. Lentamente, é possível vislumbrar uma poltrona vazia. Somente muito tempo depois, é possível ver outros objetos e pessoas a seu redor com maior clareza. Passada uma hora, com os olhos completamente adaptados ao escuro, para grande surpresa sua, você consegue ver com nitidez até mesmo pessoas distantes. Em condições controladas de laboratório, é possível mostrar que os bastonetes precisam de mais tempo do que os cones para atingir a sua sensibilidade máxima. Mas, uma vez completamente adaptados ao escuro, sua sensibilidade à luz é mais pronunciada que a dos cones. Isto quer dizer que os bastonetes reagirão diante de estímulos luminosos bem mais fracos (de menor intensidade). Na figura 1.19 encontram-se os resultados obtidos em uma situação experimental deste tipo. Foram reunidas medidas obtidas em três situações distintas: projetando-se um diminuto feixe de luz numa região do olho dotada tanto de cones como de bastonetes, foi obtido o traço contínuo. Na realidade, este consiste em dois “degraus”: o superior corresponde à adaptação ao escuro dos cones e o inferior à dos bastonetes. A linha tracejada superior foi obtida projetando-se um feixe de luz sobre a fóvea. E a linha tracejada inferior foi obtida projetando-se um feixe de luz sobre os bastonetes de uma pessoa que não possuía cones; portanto, completamente cega a cores. Como se pode verificar, a curva de dois “degraus” corresponde à adaptação ao escuro de uma região mediana da retina, onde são encontrados tanto cones quanto bastonetes. Estes resultados mostram que os dois tipos de receptores se comportam de forma bem distinta

no escuro.

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1.11. A interação dos diversos tipos de receptores

A descrição das diversas modalidades sensoriais vista nas páginas anteriores deixa claro que os mecanismos de captação de energia do ambiente e a fisiologia da transdução são os mesmos em todos os seres humanos.

1

O 5 10 15 20 25 30min Período de adaptação ao escuro Figura 1.19. Curvas de adaptação ao escuro. A linha contínua (a) corresponde ao curso da adaptação ao escuro, numa região nas vizinhanças da fóvea de um indivíduo possuidor de visão normal, em que são encontrados tanto cones como bastonentes. Verifica-se que a curva é composta por duas partes bem distintas. A curva pontilhada (b) corresponde à adaptação ao escuro da fóvea, região em que existem apenas cones. Verifica-se que a curva corresponde perfeitamente ao primeiro degrau da curva anterior, mostrando que a adaptação ao escuro inicial do olho humano é devida ao aumento de sensibilidade dos cones, o que ocorre durante os primeiros 7 ou 8 minutos no escuro. A linha tracejada (c) foi obtida com uma pessoa cuja retina era dotada apenas de bastonetes. Isto é, desprovida de cones, era totalmente cega a cores (visão monocromática). Verifica-se que esta curva corresponde perfeitamente à segunda parte da primeira curva (a), demonstrando que a sensibilidade máxima do olho humano só é atingida após 25 ou 30 minutos de adaptação ao escuro, ocasião em que estímulos de pouquíssima intensidade podem ser vistos. Esta sensibilidade acentuada é devida à adaptação dos bastonetes e ocorre muito tempo depois da adaptação inicial dos cones. (Ilustração adaptada de Schmidt, 1980). O que difere de uma pessoa para outra, diante de uma mesma situação de estímulos, é a percepção. Ou seja, a seleção e interpretação dos dados sensoriais. Todo conhecimento que temos de nosso próprio corpo e do ambiente, constituído tanto de nossos semelhantes quanto de objetos inanimados, é fornecido por nossos órgãos dos sentidos. Eles transformam diferentes tipos de energia (mecânica, térmica, eletromagnética etc...) em energia eletroquímica, que chega ao nosso cérebro na forma de impulsos nervosos. No cérebro, serão integradas as informações provenientes dos diversos órgãos sensoriais. Isto, porém, não basta para nossa percepção do ambiente. Ela dependerá também de nossa experiência passada, de nosso estado emocional e motivacional, bem como de nossas atitudes, preconceitos e de nossas expectativas a respeito do futuro. O filósofo Immanuel

6- 5- 4- 3- 2- 1— 0-

co > co 5) 5) 0 co 0

c 5)

c

32

33

Kant, pensando neste assunto, chegou à conclusão de que “nós não vemos as coisas como elas são, porém como nós somos”. E graças à integração de todas as informações provenientes de um dado estímulo que pessoas portadoras de deficiências sensoriais, como, por exemplo, daltonismo ou surdez, vivem ajustadas em seu ambiente. Uma pessoa daltônica, cujos cones estão desfalcados de uma das substâncias fotorreceptoras, poderá, ocasionalmente, mostrar dificuldades para discriminar dois objetos pela cor. Porém, raramente terá transtornos maiores, uma vez que os objetos também diferem quanto ao brilho, forma, tamanho, aspereza, temperatura e outras características. O mesmo ocorre com uma pessoa parcial ou totalmente cega. Ela poderá perceber o espaço através da informação fornecida por outras modalidades sensoriais como, por exemplo, a audição e o tato. 34

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2 Psicofísica Medidas em percepção A Percepção é uma disciplina da Psicologia com ênfase muito grande em investigações científicas e em experimentos de laboratório e pesquisas de campo. Precisa, portanto, de alguma forma, preocupar-se com as medidas e a quantificação de seus resultados. Em geral, toda disciplina desenvolve técnicas específicas e especializadas para lidar com seus problemas particulares de medida. Assim, também o campo da percepção tem suas técnicas especiais de medida, geralmente estudadas sob a denominação de métodos psicofi’sicos. Inicialmente, os métodos psicofísicos foram desenvolvidos para uma disciplina chamada Psicofísica. Como o próprio nome sugere, a Psicofísica procura relacionar funcionalmente os estímulos ou eventos físicos e as sensações ou perceptos. De maneira ampla, é este o objetivo da disciplina Percepção. Originou-se com Gustav Fechner (1801-1887), um estudioso de Medicina, Física e Filosofia. Sua primeira preocupação em Psicologia Experimental foi medir as sensações (os perceptos), de forma acurada, em termos do referencial dos estímulos físicos. Mesmo que a Filosofia e a teoria psicológica que fundamentaram os estudos de Fechner hoje somente possuam valor histórico, os métodos psicofísicos desenvolvidos por ele são ainda amplamente utilizados. Na verdade, transcendem o campo da Percepção (e da Psicologia Experimental) inicialmente procurado: também são empregados em pesquisas de outras ciências, como a Sociologia ou a Fisiologia. De maneira mais abrangente, a Psicofísica busca a relação funcional entre as sensações provocadas por estímulos de diferentes magnitudes ou valores. Se houvesse uma relação simples e constante entre os valores físicos de um estímulo e as sensações provocadas, a questão não apresentaria maiores problemas. Não é assim. Isto pode ser facilmente intuído: em pri35

meiro lugar, as escalas físicas utilizadas para medir os estímulos são, em sua maioria, até certo ponto arbitrárias. Podemos medir uma distância em centímetros ou polegadas ou anos-luz; o brilho de uma lâmpada pode ser expresso em watts ou candeias ou Lamberts, e assim por diante. A maioria das escalas utilizadas para medir um estímulo físico é independente do observador humano. Mas há algumas notáveis exceções, como o brilho de uma luz expressa em lumens ou o volume de um som expresso em decibéis relativos à sensibilidade auditiva humana. Em segundo lugar, a sensação não corresponde sempre ao estímulo físico de uma forma simples, a ponto de o observador se dar conta disto: o mesmo observador olha o comprimento de uma escada deitada no chão e a altura do telhado; tem a nítida sensação de que a distância é a mesma. Mas ao encostar a escada à parede percebe que faltam alguns centímetros. Evidentemente, o relógio não deixa de fazer tique-taque quando o afastamos do ouvido: o estímulo físico continua presente, mas não há mais uma sensação correspondente. A Psicofísica, em sua busca da relação entre o valor do estímulo físico e a sensação, defronta-se, basicamente, com quatro questões. Estas podem ser distinguidas apenas artificialmente, uma vez que em nosso comportamento habitual nos deparamos, constantemente, com os quatro aspectos e os solucionamos de uma forma conjunta. A primeira questão é: qual é a energia mínima (ou grandeza) que um estímulo deve ter para provocar em nós uma sensação (ser percebido)? Isto é normalmente considerado como um problema de sensibilidade absoluta, e o valor físico desta magnitude de estímulo é chamado de limiar absoluto. Para que um médico possa detectar uma mancha na radiografia dos pulmões de seu paciente, que tamanho ela precisa ter? Se o filme estiver embaçado, será ainda mais difícil detectar a mancha: haverá elementos perturbadores. Para o observador, o limiar absoluto apresenta, portanto, uma questão de detecção. A segunda questão diz respeito à sensibilidade diferencial, ou seja, quanto dois estímulos precisam diferir entre si, para que provoquem sensações diferentes? A menor diferença entre os valores físicos de dois estímulos, que provocam sensações diferentes e que, portanto, podem ser discriminados, é chamada de limiar diferencial. Por exemplo, o médico tem diante de si a radiografia dos pulmões. Ambos os pulmões estão com uma mancha. Quanto uma mancha tem de ser maior que a outra para o médico decidir qual dos dois pulmões está mais afetado? Para o observador, trata-se de uma tarefa de discriminação. Ele precisa distinguir, isto é, discriminar, vários estímulos que variam entre si quanto a um mesmo aspecto físico. A terceira questão refere-se ao que representa, para o observador, uma tarefa de reconhecimento. O estímulo, depois de detectado, precisa ser reconhecido ou identificado. O médico detectou uma mancha na radiografia. Agora precisa identificar a mancha. Trata-se de um tumor, uma infec ção

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corpo estranho? O reconhecimento implica a comparação do estímulo detectado com outros perfeitamente definidos. Estes podem estar presentes (o médico pega um manual e compara os vários tipos de manchas). Mas, na maioria das vezes, o observador faz o reconhecimento em função de imagens que possui na memória. Quando reconhecemos que a pessoa que se aproxima é nosso irmão ou que a fruta sobre a mesa é uma maçã, valemo-nos de imagens de nossa memória. Por fim, a quarta questão nos transforma num instrumento de medida. Agora queremos, a partir da magnitude de nossa sensação, chegar ao valor físico de estímulo. A tarefa com a qual o observador se defronta é a da construção de uma escala. O médico que encontrou uma mancha nos raios X e a reconheceu como sendo um tumor, vai avaliar a profundidade deste baseando-se na densidade da mancha (que ele pode medir). Constantemente, estamos nos valendo de escalas de sensação. Por exemplo, quando estimamos a distância até uma árvore ou o tempo que passou desde que o filme começou. Estas quatro tarefas perceptivas, detecção, discriminação, reconhecimento e formação de escalas, são os temas principais da Psico física. Relacionam sensações com valores físicos do estímulo. Para o estudo científico destas tarefas, foram desenvolvidos os métodos de medição — métodos psicofísicos — que são utilizados na quantificação na maioria dos estudos de percepção. 2.1. Detecção O problema básico de qualquer sistema sensorial é detectar a presença de alterações de energia no ambiente, ou seja, a presença de estímulos, sejam estes olfativos, gustativos, visuais, auditivos etc. Para que ocorra a detecção da energia por algum de nossos sistemas sensoriais, é preciso haver um mínimo de energia presente, que corresponde ao limiar absoluto. O conceito de limiar absoluto foi introduzido, em Psicologia, por Johann Herbart, em 1824, ao escrever a respeito de limiar de consciência. Ou seja, uma “idéia” somente se tornaria consciente para o observador se tivesse uma certa “força”, do contrário permaneceria no inconsciente. Gustav Fechner retomou este conceito e o aplicou diretamente ao conceito de sensação, tal como é empregado ainda hoje. Portanto, um estímulo de energia inferior ao limiar absoluto nunca é percebido. E acima do valor de limiar sempre seria percebido. Observa-se, no entanto, que o valor do limiar não pode ser fixado tão precisamente. E impossível estabelecer um limite exato entre estímulos supra e subliminares. Valores de estímulo próximos ao limiar absoluto ora são percebidos ora não, o que implica dizer que o limiar absoluto flutua em torno de um valor, o que pode tanto ser devido a flutuações intrínsecas do limiar decorrentes de modificações na sensibilidade, como a lapsos de atenção por parte do sujeito que se sub-

36

37

mete ao experimento, fadiga e outras variações de cunho psicológico ou fisiológico. Devido a esta flutuação do valor de limiar, foi necessário para sua determinação desenvolver métodos específicos que envolvessem um critério estatístico. Os principais métodos psicofisicos são: método dos limites e método dos estímulos constantes. 2.1.1. Método dos limites A forma mais intuitiva para a determinação de um limiar absoluto seria apresentar a um sujeito, sob condições bem controladas, um valor de estímulo imperceptível (subliminar) e aumentá-lo, gradativamente, até que fosse percebido. O valor de transição seria o limiar absoluto. Pelo método dos limites, o limiar é determinado exatamente assim. Mas, devido à flutuação do limiar, não é suficiente se fazer apenas uma determinação, mas várias, obtendo-se, finalmente, a média de todas as determinações. Ainda como um controle adicional, também seriam apresentadas séries de estímulos iniciadas com valores bem acima do limiar e diminuídos gradativamente, até que o sujeito deixasse de perceber o estímulo. Como o valor do estímulo diminui nestas apresentações, elas são chamadas de séries descendentes. As primeiras são chamadas de séries ascendentes. Costuma-se alternar os dois tipos de séries, procurando apresentar pelo menos umas dez séries ao todo. Esta alternação de séries visa compensar os erros de habituação de série que podem ocorrer na determinação de um limiar pelo método dos limites. Há dois tipos de erros de habituação: 1) erro de antecipação, quando o sujeito sente uma pressão psicológica muito

grande para inverter seu julgamento, pelo simples fato de já ter emitido um mesmo julgamento repetidas vezes (por exemplo, o sujeito não percebe o estímulo numa série ascendente — pois está subliminar —, então, sabendo que a intensidade do estímulo está aumentando gradativamente, acredita que já deve ter chegado o momento de perceber o estímulo e, por isto, inverte seu julgamento; o inverso ocorreria numa série descendente). 2) Erros de persistência: o sujeito mantém o julgamento anterior por muito tempo, e só quando o estímulo, numa série ascendente, já está bem

perceptível, se dá conta de que já o percebe; ou, numa série descendente, que deixou de percebê-lo. O fato de o sujeito apresentar erros de antecipação ou persistência tem relação com sua personalidade, o que pode ser controlado em parte pelas instruções fornecidas pelo experimentador. A alternância de séries ascendentes e descendentes compensa os dois erros, uma vez que o sujeito apresente sempre um só tipo de erro. Na figura 2.1 estão apresentados os dados de um experimento de determinação de um limiar auditivo, com os respectivos cálculos estatísticos e a maneira prática de dispor a folha de registro para um experimento deste tipo.

Séries de apresentação

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Figura 2.1. Folha de registro, com dados, para a determinação de um limiar auditivo pelo método por limites. Como valores de estímulos a serem apresentados, foram escolhidos 10 valores, de modo que se tivesse certeza de que a menor intensidade (10 dB) nunca poderia ser ouvida, e a maior intensidade (100 dB), sempre. Desta forma, o limiar auditivo absoluto necessariamente cai entre estes valores. As séries de apresentação dos estímulos são alternadamente ascendentes e descendentes. As setas indicam a direção de apresentação dos estímulos. Dez séries correspondem a um número mínimo de séries, sendo que 10 a 12 valores discretos de estímulos devem ser utilizados. As séries de apresentação são interrompidas na primeira inversão de julgamento. Assim, numa série ascendente, os primeiros julgamentos serão “não ouço” (—), até atingir-se um valor no qual o sujeito dirá “ouço” (+). Neste momento, a série de apresentação pode ser interrompida, para se passar à próxima série. As séries não devem ser iniciadas todas nos mesmos valores, para evitar que o sujeito simplesmente inverta seu julgamento após um número fixo de apresentações. O limite de série corresponde ao ponto médio numa inversão. O limiar é calculado pela média aritmética dos limites de série. Pode-se, a fim de analisar o padrão de respostas do sujeito, obter separada- mente o limiar para as séries ascendentes e descendentes, ou para a primeira e segunda parte do experimento. A vantagem deste método está em sua simplicidade. Talvez o maior inconveniente do método dos limites, tal como foi apresentado aqui, seja o fato de que inúmeros estímulos apresentados na verdade não entram no cálculo do limiar, prolongando desnecessariamente um experimento. Por esse motivo, Cornsweet (1962) criou uma variante do método dos limites, denominada método da escada dupla. Neste mé Valore

do estimulo (intensidade sonora em dB)

limites de série (45+55+65+55+55+65+45+45+65+55) Limiar = = =

n 10 Limiar = = 55 dB lo

38

39

lo - -

20 - - - -

30 - - - - -

40 - - - - - -

50 + - - - - ÷ + - -

60 + - i- + - + - +

70 + + + + + + +

80 + + + + +

90 + + + +

100 + +

Limites da série (dB)

45

55

65

55

55

65

45

45

65

55

todo, também se utiliza uma série ascendente e uma descendente, alternadamente. Mas, de cada série, é apresentado um só valor de estímulo, alterando-se a direção da série após cada mudança de julgamento do sujeito (mudança de “perceber” para “não-perceber” ou vice-versa). O limiar é calculado simplesmente pela média aritmética de todos os valores apresentados após a primeira inversão de cada série. A figura 2.2 mostra um exemplo de aplicação deste método simples e rápido para a determinação de limiares.

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• 70÷70+80+60+70+80+60+90+70+80÷80+90÷70÷8O+80+90+70+80+60÷70 Limiar =

1.500 Limiar = 75 dB 20

Figura 2.2. Folha de registro com dados, para a determinação de um limiar absoluto pelo método da “escada dupla”. Este método, derivado do método dos estímulos constantes, também se vale de duas séries (a e b) em alternação simples (pode ser também alternação aleatória). De cada série é apresentado um só valor. Se a resposta a uma apresentação numa série a for “não”, a próxima apresentação para esta mesma série a será de um valor imediatamente maior (mais intenso). Por outro lado, se a resposta for “sim”, a próxima apresentação será de um valor imediatamente menor. Esta é a única regra que governa os valores apresentados. E preciso lembrar ainda que as duas séries, a e b, são totalmente independentes durante a apresentação. De forma análoga no método dos limites, deve-se partir de 10-12 valores de estímulos, O número de séries deverá ser acima de 30. O limiar é calculado pela média aritmética de todos os valores apresentados, sem levar em conta se são de séries a ou b, ou se tiveram resposta “sim” ou “não”, após o primeiro “contato” das duas séries. A vantagem deste método está no número bem menor de apresentações do estímulo para determinação do limiar.

2.1.2. Método dos estímulos constantes

Consiste no segundo método clássico, ainda desenvolvido por Fechner. Neste método, apresentam-se, repetidas vezes, valores de estímulos muito próximos ao suposto limiar (que deve ser estimado previamente por algumas séries do método dos limites). Em geral, escolhem-se por volta de 10 valores próximos ao limiar. Num experimento ideal, os valores de menor magnitude serão subliminares (nunca serão percebidos no experimento) e os de maior magnitude serão supraliminares (e serão percebidos em cada tentativa em que forem apresentados). Cada valor de estímulo deve ser apresentado o maior número de vezes possível (nunca menos de 10), de maneira aleatória. Determina-se, então, a freqüência de percepção para cada valor. O limiar absoluto corresponderá ao valor de estímulo que foi percebido 50% das vezes. Este valor pode ser estimado estatistícamente ou determinado de forma gráfica, como mostra a figura 2.3, na qual se apresenta a determinação de um limiar pelo método dos estímulos constantes. O limiar determinado pelo método dos estímulos constantes seria muito preciso se a resposta do sujeito dependesse unicamente do valor de estímulo apresentado. Mas isto, infelizmente, não ocorre. Há outros fatores que influenciam a resposta do sujeito e nada têm a ver com a intensidade do estímulo. O que mostra que um limiar absoluto não é tão “absoluto” assim: é sempre “relativo” às outras condições que atuam sobre a resposta do sujeito. Os outros fatores que influenciam a resposta do sujeito, e, portanto, indiretamente, o limiar medido, são estudados pelo que se convencionou de teoria de detecção de sinais. O primeiro fator que influencia as respostas do sujeito é a sua motivação em dizer sim (percebo o estímulo) ou não (não percebo o estímulo). Num experimento de detecção, o sujeito, sabendo que o estímulo às vezes sub e às vezes supraliminar é apresentado em cada tentativa, pode dizer sempre “sim”, simplesmente por se sentir motivado, apresentando um limiar muito baixo e, assim, gabando-se de uma “supervisão” ou “superaudição”. E claro que o experimentador perceberia imediatamente a artimanha do sujeito e o repreenderia por sua falta de colaboração com o experimento. Uma maneira de “pegar” o sujeito mais facilmente nesse comportamento pouco simpático, é introduzir tentativas-armadilha, nas quais nenhum estímulo é apresentado. Se o sujeito disser um “sim” numa tentativaarmadilha, estará desmascarado, e o experimentador poderá “puni-lo” para extinguir este comportamento, pois, sem a punição, o sujeito poderá continuar neste padrão de respostas. Por outro lado, se o experimentador resolver punir somente as respostas “sim” às tentativas-armadilha, o sujeito poderá passar a responder sempre “não”, só para esquivar-se de todas as punições. Assim, novamente, o limiar medido não corresponderá ao real. O que o experimentador precisa fazer é punir as respostas “sim” em tenta-

Séries

valores após cruzamento = Limiar =

Cruzamento das duas séries

40

41

Intensidade luminosa (unidades arbitrárias)

b 100 90

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80 70 60

E a a o o. a e

Figura 2.3. a) Tabela de dados obtidos num experimento de determinação de limiar absoluto de intensidade luminosa. A intensidade luminosa está expressa em unidades arbitrárias, sendo que previamente foi determinado “a grosso modo” (fazendo-se algumas séries pelo método dos limites) que o limiar absoluto realmente se situa, para o sujeito estudado, entre as intensidades 10 e 90. Em seguida, os 9 valores de intensidade (10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80, 90) foram apresentados ao sujeito numa seqüência aleatória, até que cada um dos valores tivesse sido apresentado por 10 vezes. Portanto, ao todo foram apresentados 90 estímulos. Para cada valor de intensidade luminosa foi então determinada a proporção (porcentagem) de respostas “sim, vejo a luz”. b) Os resultados do protocolo a foram apresentados graficamente, a fim de que pudesse ser determinado o limiar absoluto. A curva contínua corresponde a uma ogiva interpolada “a olho” (naturalmente também é possível fazer-se uma determinação matemática utilizando-se o método dos quadrados mínimos para determinação da interpolatriz). O limiar corresponde ao valor de intensidade que é percebido em 50% (metade) das apresentações. Portanto, traçando-se uma linha na altura de 50% de respostas “sim” até a interpolatriz e verificando-se a que valor de intensidade corresponde, obtém-se o limiar absoluto. Este valor, determinado graficamente, pode também ser determinado matematicamente, bastando lembrar que corresponde à determinação da mediana.

Sim

a a a o o. a a Não

Figura 2.4. Resultados possíveis num experimento no qual o sujeito se depara com duas situações: presença de um sinal (s) ou ausência deste sinal (ruído-n). Em cada tentativa o sujeito deve dizer se o sinal foi apresentado ou não. A ausência de sinal é chamada de ruído, uma vez que sempre ocorre alguma estimulação ou ruído de fundo que pode provir da aparelhagem que produz o sinal, do ambiente externo ou do próprio sujeito com suas expectativas. Há dois resultados desejáveis - o acerto e a rejeição correta - e dois resultados indesejáveis - a omissão e o alarme falso. Observe e avalie se cada resultado tem seu valor intrínseco, pois em determinadas situações os acertos podem ser muito importantes, e as rejeições corretas-menos importantes, ou vice-versa. Ou, então, os resultados são indesejáveis se possuem valores diferentes. Além dos valores intrínsecos que os diferentes resultados possuem, pode- se criar valores artificialmente, através de uma matriz de pagamento que pune e reforça diferencialmente os resultados. As respostas do sujeito vão depender da matriz de pagamento.

a

a a ‘o c a a a a a. a a z

tivas-armadilha (chamadas de alarmes falsos) e reforçar as respostas “sim” quando efetivamente esteve presente um estímulo (chamadas de acerto). E preciso também estabelecer uma matriz de pagamento, pois, havendo tentativas com e sem estímulo (chamadas de sinal e ruído) e respostas “sim” e “não”, temos, ao todo, quatro situações possíveis, como na figura 2.4. Precisamos recompensar o acerto e a rejeição correta, e punir o erro e o alarme falso. Num experimento de laboratório, a matriz de pagamento é representada por fichas, dinheiro, pontos ou algo semelhante. Na vida real, é dada por outras motivações. Por exemplo, o custo de um alarme falso para um operador de radar na fronteira de um país é muito grande, pois, se o ponto luminoso observado na tela do radar não for um avião inimigo, milhões serão gastos no disparo de foguetes, pode ocorrer um incidente diplomático ou a destruição de um avião nacional. Por outro lado, o custo da omissão de um médico em detectar câncer numa radiografia é muito

Page 27: Edda Simões e Klaus Tiedemann - Psicologia da Percepção

alto, conquanto o custo de um alarme falso seja relativamente baixo (levaria o paciente a fazer alguns exames a mais). Portanto, em nossa vida diária, as inúmeras “detecções” são controladas por matrizes de pagamento inconscientes, na maioria das vezes. E bastante óbvio como a ma 40

30 20 10

Limiar

10 20 30 40 50 60 70 80 90

Estimulação

Sinal lsl

Ruído ln)

42

43

10

20

30

40

50

60

70

80 90

1 n n n s 5 n s s s

2 n n s n s s s s s

3 n n n s n s s n s

4 n s n s n ri n s s

5 n n n ri s n s s s

6 ri n s n n n s s s

7 ri n n n s s s s s

8 n ri n n s s ri s s

9 n n n s s s s n s

10 n n ri n n s ri s 5

% Sim

O 10

20

40

60

60

80

100

100

Acerto Alarme falso

Page 28: Edda Simões e Klaus Tiedemann - Psicologia da Percepção

Omissão

Rejeição correta

triz de pagamento influencia o limiar de detecção: o sujeito procurará otimizar seu ganho, adotando um critério de respostas mais ou menos rígido. Há formulações matemáticas que relacionam os diversos valores da matriz de pagamento para estimar o critério do sujeito. Não é somente a matriz de pagamento que influencia as respostas do sujeito num experimento de detecção, mas também o número de vezes que o estímulo é apresentado em relação às apresentações-armadilha, além, é claro, do limiar absoluto propriamente dito, que o sujeito tem para o estímulo em causa, ou seja, a intensidade real do estímulo. Em teoria de detecção de sinais, as tentativas-armadilha são denominadas ruído, isto é, há apenas estimulação aleatória, e não aquela que nós queremos detectar. Imagine que se queira detectar as luzes de um avião num céu estrelado. As estrelas serão o ruído e a luz do avião, o estímulo. Se num experimento, na maioria das vezes, for apresentado apenas o ruído, sem estímulo, o sujeito dirá “não” com freqüência cada vez maior, diminuindo desta forma a possibilidade de alarmes falsos. Ao contrário, se o estímulo quase sempre for apresentado, o sujeito tenderá a dizer sempre “sim” para evitar as omissões. Esta tendência é óbvia: se, sempre que ouvimos um som, também vemos uma luz, depois de algum tempo nem vamos olhar mais, pois iremos supor que a luz está presente, mesmo que não esteja mais. Portanto, a resposta do sujeito será determinada pela matriz de pagamento, pela probabilidade de, em uma tentativa, haver apenas o ruído ou o sinal e, obviamente, pela intensidade do estímulo. E possível relacionar estes três fatores matematicamente entre si, e a partir disto conhecer muito sobre o limiar absoluto e o próprio critério de respostas do sujeito. Na figura 2.5, apresenta-se um exemplo que elucida um pouco mais a teoria de detecção de sinais aplicada à Psicologia da Percepção.

2.2. Discriminação

A questão colocada pela discriminação é saber quanto dois estímulos devem diferir para que sejam percebidos como diferentes. E preciso definir em que dimensão se dá a diferença, pois duas luzes, apesar de terem a mesma cor, podem ter brilhos diferentes ou, ao contrário, podem ter cores diferentes e brilhos iguais. E preciso fixar todas as dimensões e variar apenas uma, como é feito nos experimentos de laboratório que estudam problemas de discriminação. Nestes experimentos de discriminação, o propósito geral é determinar o limiar diferencial, isto é, a mínima diferença, perceptível pelo sujeito entre dois estímulos. Para tanto, utilizam- se um estímulo padrão e vários estímulos de comparação, que são julgados como sendo mais intensos (maiores, mais brilhantes, mais pesados etc.), iguais, ou menos intensos. Alguns estudos mostram que é conveniente eliminar o julgamento de igualdade, pois este é muito susceptível às instruções dadas aos sujeitos. Pelas instruções, o sujeito pode ser compelido a

Figura 2.5. Na teoria de detecção, considera-se que a situação normal, isto é, ausência do estimulo, corresponde a uma situação de ruído n (noise em inglês). A presença de um estímulo corresponde à situação de sinal (na verdade a soma de ruído + sinal). Cada uma das situações provoca com certa probabilidade sensações ao longo do contínuo sensorial, o que é representado em a. A tarefa do sujeito é diferenciar em cada tentativa se se tratou de ruído (n) ou sinal (s). Esta diferenciação não é imediata, pois as duas curvas têm uma zona de sobreposição, isto é, onde a mesma sensação poderia ser interpretada tanto como n ou s. Nas figuras b e c estas zonas estão marcadas. Em b esta zona é grande, pois a curva de n sobrepõe em grande parte a curva de s, ou seja, o sinal pode ser diferenciado do ruído apenas com grande dificuldade. A distância entre as duas curvas é chamada de d’. Na figura e, sinal e ruído são muito diferentes, isto é, provocam sensações bem distintas. O valor de d’ conseqüentemente é grande. Do valor de d’ dependerá a facilidade com a qual o sujeito consegue distinguir o sinal do ruído. Mas como em todos os casos existe uma zona de sobreposição onde os estímulos podem ser confundidos, o sujeito procura estabelecer um critério (B) que fixa um valor de sensação a partir do qual emitirá o julgamento “sim” (isto é, “sim, percebi o sinal”) e abaixo deste valor emitirá o julgamento “não” (isto é, “não percebi o sinal’ trata-se portanto de um ruído). As figuras d e e ilustram isto, mostrando uma situação de critério relaxado ( na qual o sujeito julga muitos valores de sensação como provenientes do sinal, e portanto comete muitos alarmes falsos. Ao contrário, numa situação de critério estrito (e), o sujeito cometerá muitas omissões. Onde o sujeito vai posicionar seu critério depende de uma série de fatores, como a proporção de situações de sinal/ruído, a valorização de cada tipo de erro (omissão em alarme falso), as instruções que o sujeito recebe e sua própria atitude com o experimento.

b

Distribuição do ruído a Distribuição de

Page 29: Edda Simões e Klaus Tiedemann - Psicologia da Percepção

1 + ruído

b Contínuo sensorial e

d

Não...— —-Sim — critério relaxado

e

= critério estrito

44

45

Séries de apresentação

dizer “igual” sempre que não puder definir exatamente se um estímulo é mais intenso que o outro ou não (haverá muitas respostas “igual’ sempre que o sujeito estiver em dúvida). Ou, então, poderá, dizer “igual” apenas quando tiver certeza de que os dois estímulos são realmente iguais (haverá poucas respostas “igual”). Prefere-se, portanto, fazer um experimento de “escolha forçada”, obrigando o sujeito a optar por “mais” ou “menos” em cada tentativa. Os resultados de experimentos com escolha forçada se mostram mais precisos e facilitam o cálculo do limiar diferencial. Para a determinação do limiar diferencial podem ser utilizados os mesmos métodos empregados na determinação de um limiar absoluto. Na figura 2.6, há um exemplo de determinação de limiar diferencial pelo método dos limites, e na figura 2.7, um exemplo de limiar diferencial calculado pelo método dos estímulos constantes, deixando claro que o limiar diferencial é uma medida de variabilidade. O ponto onde a probabilidade de julgamento “maior” ou “menor” é igual, isto é, 50%, é denominado ponto de igualdade subjetiva (PIS). Corresponde ao valor que, subjetivamente, parece ao sujeito ser igual ao estímulo padrão. A diferença entre o ponto de igualdade subjetiva e o estímulo padrão é denominada erro constante. Admitia-se que o erro constante surge porque o estímulo padrão e o estímulo de comparação não eram julgados simultaneamente, mas sim, em geral, um após o outro. Quando um estímulo de comparação é julgado, a “imagem mental” do estímulo padrão já se esvaneceu um pouco. Por isto, o erro constante era chamado de erro de tempo. No entanto, a explicação do esvanecimento da imagem do estímulo padrão se mostrou falsa: o erro de tempo, ou erro constante depende, simplesmente, de fatores de configuração do estímulo padrão e de comparação que não são controláveis pelo experimentador. Os pontos onde a probabilidade de resposta “mais intenso” (ou “menos intenso”) é 25% e 75% correspondem a valores que são discriminados com 50% de probabilidade, ou seja, que são discriminados do estímulo padrão em 50% das apresentações, como pode ser visto na figura 2.6. A distância entre estes dois pontos corresponde ao intervalo de incerteza, cuja metade é o limiar diferencial, também denominado diferença apenas perceptível (DAP). Portanto, o sujeito é capaz de discriminar dois estímulos que distam entre si pelo menos uma DAP. A figura 2.8 apresenta duas curvas de discriminação, uma de discriminação precária (limiar elevado) e outra de boa discriminação, mostrando que a inclinação da curva de discriminação é um indicador do limiar de discriminação. Vimos que o limiar diferencial é determinado em função de um estímulo padrão, que é mantido constante no decorrer de um experimento. Parece óbvio que o valor do limiar diferencial varia em função do estímulo padrão. Se, por exemplo, conseguimos discriminar um peso de 1.000 g de outro de 1.100 g (limiar diferencial DAP = A 1 = 100 g), é óbvio que não conseguiremos discriminar 10.000 g de 10.100 g (A 1 = 100 g). Tal-

lx — x)2

LD desvio padrão dos limites de série = a = ‘4I 1 4,83 Figura 2.6. Determinação do limiar diferencial de intensidade luminosa pelo método dos estímulos constantes. A intensidade luminosa está indicada em unidades arbitrárias, O estímulo padrão (Sp) tem intensidade 25. Em cada apresentação os estímulos de comparação (Sc) são comparados ao Sp e julgados como menos intensos (m) ou mais intensos (M). No demais, o método é igual ao apresentado na figura 2.1 para a determinação de um limiar absoluto. A média aritmética dos limites de série corresponde agora ao ponto de igualdade subjetiva (PIS), que é o valor de estímulo que em média parece para o sujeito ter a mesma intensidade que o Sp. A diferença entre PIS e Sp dá o erro constante (EC). Neste exemplo em particular o EC é extremamente grande, mostrando que possivelmente houve um erro entre o Sp e os Sc, provavelmente decorrente da calibração do aparelho, ou, então, que o método de comparação deixava os Se parecerem muito mais escuros. O limiar diferencial (LD) corresponde a alguma medida de variabilidade dos limites de série. Para tanto há várias possibilidades, mas as mais comuns são a semi-amplitude de variabilidade e o desvjo padrão dos limites de série. Ambos os valores estão calculados acima. A semi-amplitude de variabilidade corresponde à metade da diferença entre o maior e o menor valor dos limites de série, O desvio padrão é calculado da maneira habitual. vez precisemos de 11.000 g (A 1 = 1.000 g) para notar uma diferença de peso. Ernst Heinrich Weber (1834) mostrou que havia uma relação constante entre o limiar diferencial (A 1) e o valor de estímulo padrão (ou intensidade do estímulo 1), ou seja, A 1 = KI (K

Page 30: Edda Simões e Klaus Tiedemann - Psicologia da Percepção

constante de proporcionalidade). Fechner denominou a relação K = A 1/1 fração ou constante de Weber. Ela corresponderia a uma função constante, ou seja, para discriminar dois estímulos entre si, é preciso diferenciá-los por uma proporção constante.

Intensidade luminosa (Sc)

t

Intensidade padrão (Sp)—’-25

m

m

m

m

m

m

m

m

m

m

Limites de série 32,5 37,5 27,5 32,5 37,5 42,5 32,5 37,5 32,5 42,5 Ponto de Igualdade Subjetiva = limites de séries n 10 Erro Constante = EC = PIS — Sp = 35,5 — 25,0 = 10,5 42,5 — 32,5 Limiar Diferencial = LD semiamplitude de variabilidade = = 5,0 2

46

47

5 m

10

m

m

m

15

m

m

m

m

m

30

m M m m m m

35

M m M m M m M

Page 31: Edda Simões e Klaus Tiedemann - Psicologia da Percepção

40

M M M m M m

45

M M M M M

50

M M M M

Intensidade luminosa Sp

‘1

a, ‘o a, ai ‘1 a, a, ai

z

b%

100

80

60

40

20

5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

Figura 2.8. Resultados de um experimento de discriminação (limiar diferencial) para unidades arbitrárias de um estímulo. A curva A corresponde aos resultados de um sujeito de pequena capacidade de discriminação uma vez que o LD, que seria a metade do intervalo de abscissa correspondente a 25¾ e 75¾ de respostas “maior”, é de mais de 2 unidades de abscissa. Já a curva B corresponde aos resultados de um sujeito de ótima capacidade discriminativa. O LD corresponde a 0,5 de unidade da abscissa. Os exemplos mostram claramente que a inclinação das curvas de discriminação indica a sensibilidade do sujeito em diferenciar os estímulos.

A figura 2.9 mostra o gráfico da fração de Weber, tal como assumida por ele e por Fechner, bem como os dados reais de um experimento. Fica evidente que a lei de Weber é válida para uma ampla gama média dos estímulos. Mas há desvios grandes da relação nos extremos da faixa de variação do estímulo padrão. Este resultado é esperado, pois, quando o padrão se aproxima do limiar absoluto, o aparelho sensorial em causa está operando no limite de sua sensibilidade. Por isto, para diferenciar dois estí Figur

2.7. Exemplo dc um e\perirnento no qual foi determinado o limiar diferencial de intensidade luminosa pelo método dos estímulos constantes, a) A intensidade luminosa é indicada em unidades arbitrárias de 5 a 50. O estímulo padrão (Sp), em relação ao qual foi determinado o limiar diferencial, tinha uma intensidade igual a 25. Cada um dos 10 valores de intensidade (5, 10, 15, 20, 25, 30, 35, 40, 45 e 50) foi apresentado por 10 vezes, sempre pareado com o Sp (25) em ordem completamente casual. O sujeito foi instruído a julgar o estímulo de comparação (Sc) em relação ao Sp, sendo que lhe eram permitidos três julgamentos: 1) Se tem menor intensidade que Sp (—); 2) Se tem intensidade igual a Sp(=), e 3) Se tem intensidade maior que Sp (+). Para cada valor de Se calculou-se a porcentagem de cada um dos três tipos de resposta, que aparecem nas três últimas linhas da figura a. b) Representação gráfica dos resultados. A determinação do limiar diferencial (LD), ponto de igual-

dade subjetiva (PIS) e erro constante (EC) pode ser feita matematicamente ou simplesmente de forma gráfica. O PIS pode ser considerado o valor de abscissa no qual as curvas (—) e (+) se cruzam, ou então o ponto máximo da curva (=). No caso, ambos os valores são coincidentes e iguais a 25, o que resulta num EC = O (EC PIS - Sp). O limiar diferencial pode ser tomado como o valor no qual o julgamento (=) seja igualmente frequente aos julgamentos (+) e (—). No exemplo teremos LD = 25 - 14 = 11 ou LD = 36-25 11. No caso os valores são coincidentes, mas poderiam não ser se os resultados não fossem simétricos. Neste caso pode-se tomar a média dos dois LDs calculados. O experimento também pode ser feito permitindo-se ao sujeito apenas julgamentos (+) e (—). Os cálculos e resultados são semelhantes. Neste caso, o LD é determinado em função dos valores da abscissa que correspondem respectivamente a 25% e 75% de respostas (+) ou (—). Estas percentagens são arbitrárias, mas comumente empregadas neste tipo de cálculo.

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a

5 10 15 20 30

35 40 45 50

2 3 4 5 6 7 8 9

100 90 80 .2 70 E 60 a a, 50 o • 40

ri

A

B

Intensidade do estímulo

Intensidade

48

49

1 — — = = = = + + +

— — = = = = = + + +

— — = — = + = + + +

— = — = = = = = + +

— — = = = = + = + +

— — — = = = = + + +

— — — = = + = + = +

— — = = + = = + + +

— — = — = = + + + +

10 — — = = — = + = = +

— 100 90 40 20 10 O O O O O

Page 33: Edda Simões e Klaus Tiedemann - Psicologia da Percepção

%= O 10 60 80 80 80 70 30 20 O

%+ O O O O 10 20 30 70 80 100

Figura 29. A curva A (no caso uma reta) representa a fração de Weber ±j ideal, ou seja,

trata-se de uma curva de um valor constante para todos os valores de intensidade 1. A curva B representa a curva da fração de Weber usualmente obtida para a maioria dos contínuos físicos (estímulos): para valores de intensidade (1) baixos, próximos ao limiar absoluto (LA), a fração de Weber torna-se muito grande, sendo que são necessárias diferenças grandes entre estímulos para que possam ser discriminados. Na região central do contínuo de estimulação a fração de Weber é aproximadamente constante. Próximo ao limiar terminal (LT) a fração de Weber assume novamente valores maiores.

Figura 2.10. O limiar diferencial para um contínuo sensorial qualquer pode ser determinado pela utilização de uma técnica da teoria de detecção de sinais, apresentando-se o estímulo padrão (que corresponde ao ruído n) e o estímulo de comparação (que se diferencia muito pouco do primeiro e corresponde ao sinal s). Em seguida, o sujeito em cada tentativa deve dizer qual é o estímulo menor ou maior, assumindo, por exemplo, 5 níveis de certeza: 1) se ele estiver absolutamente certo que é menor; 2) se tem alguma certeza que é menor; 3) se não sabe; 4) se tem alguma certeza que é maior e 5) se tem absoluta certeza que é maior. Cada um destes tipos e respostas corresponde a um critério B (veja fig. 2.5). Em seguida, com estes dados traça-se graficamente a relação entre a probabilidade dos alarmes falsos e acertos. Supondo-se que o número de tentativas de sinal e ruído seja idêntico, e que o sujeito não consiga discriminar os estímulos, a probabilidade de alarme falso é igual à probabilidade de acertos p (alarme falso) p (acerto), e disto resultará a curva d’ = O da figura. Quanto mais o sujeito conseguir discriminar os estímulos, tanto maior será o valor de d’ obtido. O valor de d’ corresponde ao limiar diferencial.

tempo de reação de escolha, quando há, por exemplo, vários botões, e o sujeito deve pressionar aquele que corresponde a determinado estímulo que, ao ocorrer, foi discriminado de todos os outros. Seja qual for o paradigma experimental utilizado, mostra-se que o tempo de reação diminui quanto mais diferenciáveis forem os estímulos entre si. O leitor mesmo pode comprovar isto, medindo o tempo que leva para separar um baralho, uma vez em naipes pretos e vermelhos e, na outra, em copas mais paus e em ouros mais espadas. Na figura 2.11, são apresentados dados de discriminação de comprimento de retas a partir do tempo de reação.

mulos, é preciso uma diferença muito maior que a prevista pela fração de Weber para um sistema sensorial em particular. A situação é idêntica quando o estímulo padrão atinge valores próximos ao limiar terminal (intensidade máxima à qual o aparelho sensorial responde normalmente — com valores maiores de estímulo pode haver lesão dos órgãos sensoriais, como na visão, ou dor, como na audição). A discriminação também pode ser encarada do ponto de vista da teoria de detecção de sinais, assim como o limiar absoluto (detecção), considerando que há tentativas nas quais é apresentado apenas o estímulo padrão (ruído) ou o estímulo de comparação (sinal). A figura 2.10 mostra um exempio com a devida explicação e as decorrêncías de um experimento deste tipo. Um outro modo de estudar a discriminação de estímulos é pelo tempo de reação. Esta é uma das formas mais antigas de medição em Psicologia da Percepção. Foi amplamente empregada por Herinann Helmholtz (1850) e por Wundt (1879). Pode-se diferenciar dois tipos de tempo de reação: tempo de reação simples, quando há, por exemplo, um botão que o sujeito deve pressionar sempre que discriminar um estímulo diferente, e

1,0

0,75

E 0

o t e o e 0 0 e e o o.

Page 34: Edda Simões e Klaus Tiedemann - Psicologia da Percepção

Fração de Weber

0,50

B

0,25

A

o 0,25 0,5 0,75 Probabilidade de alarme falso p(sim/n)

1,0

LA LT

1 (intensidade do estímulo padrão)

50

51

-.--_

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Diferença no comprimento (milímetros) Figura 2.11. Neste experimento os sujeitos tinham que separar cartões em pilhas, de acordo com o comprimento de duas linhas traçadas nos cartões. Uma das linhas sempre media 45 mm, e a outra, sempre mais longa, media de 1 a 11 mm a mais. Mediu-se o tempo total que o sujeito levava para fazer a separação de acordo com as diferenças de comprimento. O tempo total corresponde à soma dos tempos de reação frente a cada um dos cartões. Nitidamente se observa que quanto maior a diferença de comprimento, mais rapidamente o sujeito consegue formar as pilhas, pois o tempo de reação frente a cada cartão é menor. 2.3. Reconhecimento O observador constantemente se depara com a tarefa de reconhecer, isto é, identificar estímulos, saber do que se trata além de simplesmente detectar sua presença. O interessante é que, muitas vezes, antes de reconhecer um estímulo, detecta-se sua presença. Isto mostra que se trata, realmente, de dois processos distintos. Muitas vezes é preciso, por exemplo, olhar por mais algum tempo antes de reconhecer o estímulo detectado. Existe uma hierarquia da percepção. Há, inicialmente, a detecção do estímulo e depois seu reconhecimento, sendo que mais energia é necessária para que se atinja o estágio do reconhecimento. Intuitivamente, pode-se concluir que o número de alternativas, isto é, o número de diferentes estímulos possíveis determina a dificuldade de reconhecimento. Se o sujeito sabe que apenas um tipo de estímulo pode ocorrer, e ele observa (detecta) algo, saberá imediatamente que se trata daquele único estímulo que pode ocorrer. Mas, se existem duas alternativas, há 50% de probabilidade de acertar ao acaso qual estímulo foi detectado. Portanto, o reconhecimento é fácil. Se existem 100 alternativas, a pos-

sibilidade de acertar ao acaso se reduz para 1/100. Se o estímulo for corretamente reconhecido, pode-se ter quase certeza de que o sujeito não adivinhou, mas que extraiu do estímulo aquela porção de energia (ou informação) a mais que é necessária para passar da simples detecção ao reconhecimento. Portanto, se, num experimento, se quiser determinar o limiar para o reconhecimento, por exemplo, de uma letra, é preciso levar em consideração que existem 26 letras diferentes; se forem algarismos, são apenas 10. Por isto, o limiar de reconhecimento de algarismos será mais baixo, isto é, serão reconhecidos mais prontamente desde que mantidos constantes todos os outros parâmetros. Para lidar com este aspecto do reconhecimento, os psicólogos da percepção tomaram emprestada a teoria da informação desenvolvida por Shannon e Weaver (1940) e por Wiener (1948), que na realidade é um sistema da mensuração. Este sistema pode ser aplicado à percepção na medida em que perceber é extrair informação dos estímulos, isto é, quanto mais informação o observador obtiver do estímulo (observando por mais tempo ou com maior atenção; o estímulo sendo mais intenso etc.), maior número de detalhes será apreendido por ele. Portanto, cada estímulo possui dentro de si uma certa quantidade de informação que o diferencia de outros estímulos, e que não chega, necessariamente, ao observador em sua totalidade. E preciso, pois, quantificar a informação contida num estímulo e também a quantidade de informação transmitida ao sujeito (ou recebida). A teoria da informação utiliza,

para esta quantificação, exatamente o número de alternativas, como já foi apontado acima. No conjunto de letras A B, cada letra contém apenas pouca informação, pois são apenas duas alternativas. Já dentro do alfabeto completo, cada letra contará muito mais informação. No primeiro caso, a letra A precisa ser diferenciada apenas da letra B. No caso de todo o alfabeto, no entanto, a letra A precisa ser diferenciada de B, de C, de D e de todas as outras letras. A teoria da informação utiliza um sistema binário para medir a quantidade de informação. Ou seja, o número de

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questões que podem ser respondidas apenas por sim ou não, necessárias para especificar completamente determinado estímulo no conj unto das alternativas. Se existem apenas duas alternativas, A e B, uma só questão basta: E A? Se a resposta for “sim”, trata- se do estímulo A, e se a resposta for “não”, obviamente será o estímulo B. Se existirem quatro alternativas, A, B, C ou D, duas perguntas serão necessárias para identificar uma das alternativas: E A ou B em, oposição a C ou D? Se a resposta for “sim”, a próxima questão será: E A? Se a resposta tiver sido não, a próxima questão será: E C? Cada questão sempre deverá ser formulada de modo a eliminar exatamente a metade das alternativas. Cada questão define um “bit” de informação (bit = binary digit). Portanto, com duas alternativas temos um bit de informação. Com quatro alternativas há dois bits de informação. A quantidade de informação em bits corresponde ao logaritmo de base 2 (log2n) do número de al a

e 52

g’ 50 a o 48 ia

o. a 46 a e. a a 42 e e. 40 E

52

53

ternativas: 1og22 1, log4 2 etc. A quantidade de informação pode ser também um número fracionário, por exemplo, em 11 alternativas, cada estímulo possui 3,46 bits de informação. Uma vez conhecida a maneira de medir a informação contida num estímulo, pergunta-se qual a informação recebida quando o observador percebe o estímulo. Imaginemos que, num experimento a respeito de percepção auditiva, o sujeito deva identificar letras ditadas pelo experimentador, mas numa intensidade quase inaudível. O sujeito sabe que o experimentador pode dizer 8 letras diferentes: A, B, C, D, E, F, G, H. Cada estímulo contém, portanto, 3 bits de informação (log2 8 3). O sujeito, numa tentativa, ouve um som “...eeeeeeee. . . ‘. Conclui que a letra dita pelo experimentador foi 8 ou C ou D ou E, reduzindo as alternativas de 8 para 4; ou seja, foi recebido apenas um bit de informação e restam ainda 2 bits a serem transmitidos. Existe transmissão perfeita quando, em cada tentativa, o sujeito reconhece o estímulo, Nenhuma informação é transmitida quando as respostas do sujeito são totalmente aleatórias. Havendo um número de acertos (reconhecimentos) maior que o esperado pelo acaso, existe transmissão de alguma informação, que pode ser estimada a partir da proporção de acertos. No entanto, o observador nem sempre pode receber toda a informação transmitida ou contida num estímulo. Verificou-se, por exemplo, que observadores humanos conseguem receber apenas 2,3 a 3,0 bits de informação, ou seja, podem lidar, simultaneamente, com aproximadamente 7 estímulos diferentes. Esta é a capacidade de canal do observador. Foi determinada em experimentos nos quais o sujeito tinha de diferenciar um certo número de estímulos entre si. Estes variavam num determinado contínuo, isto é, numa única dimensão verificando-se que a capacidade de canal era aproximadamente a mesma para brilho, cor, som, forma etc. No entanto, todos sabem que qualquer observador pode diferenciar em sua vida normal mais do que 7 estímulos entre si. Isto ocorre porque os objetos variam em mais de uma dimensão, simultaneamente (brilho e cor e tamanho e forma etc.). As pesquisas mostram que, nestes casos, o limite de canal para cada dimensão combina-se com as outras dimensões. A combinação resulta num valor um pouco inferior à soma simples da capacidade de canal, para cada dimensão em separado. Um experimento mostrou que para estímulos variando em forma, cor e posição espacial há uma transmissão de 17 bits, o que corresponde a 131.072 alternativas. A medida de quantidade é apenas o aspecto mais simples da teoria de informação. Outros conceitos desta teoria também se aplicam, de forma bastante prática, ao problema da percepção. O importante é compreender que o reconhecimento de um estímulo depende do número de alternativas existentes, da capacidade de canal, do número de dimensões envolvidas e, por fim, de características próprias do sujeito, que constituem seu limiar de reconhecimento específico.

2.4. Formação de escalas Por fim, o observador não está apenas interessado em detectar o estímulo, discriminá-lo de outros e reconhecê-lo. Ele está interessado em fazer também um julgamento de magnitude ou intensidade do estímulo. Neste caso, ele enfrenta o problema de formação de escalas de sensação, pois o julgamento não será do estímulo propriamente dito, mas da sensação provocada pelo estímulo no sujeito. Há duas maneiras de abordar a formação de escalas sensoriais. Uma delas baseia-se na afirmação de Gustavo Fechner (1860) de que não é possível medir uma sensação diretamente, mas apenas de forma indireta, através de sucessivos limiares diferenciais ou diferenças apenas perceptíveis (DAP). A idéia

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de Fechner era determinar o limiar diferencial para cada valor do estímulo, desde o limiar absoluto até o limiar terminal, cobrindo toda a gama de variação do estímulo à qual o aparelho sensorial em causa é sensível. Uma escala de sensação assim construída incorpora três pressupostos básicos: que a DAP é a unidade de sensação; que diferentes DAPs correspondem a uma mesma sensação e que as DAPs podem ser somadas para formarem uma escala. E facilmente demonstrável que uma escala assim construída (o que é bastante trabalhoso) corresponde a uma função logarítmica do tipo R = K log S, onde R é a sensação, S o valor do estímulo e K uma constante de proporcionalidade.

O interessante é que esta função pode ser deduzida matematicamente, partindo da lei de Weber ( 1/1 K) e dos três pressupostos citados, e constitui uma das poucas deduções matemáticas encontradas em Psicologia (veja fig. 2.9). Em muitos experimentos de determinação de escalas sensoriais, realmente foi encontrada uma função logarítmica esperada pela lei de WeberFechner (R = K log S). Mas algumas críticas podem ser feitas a esta formulação. Em primeiro lugar, a função logarítmica deste tipo prevê sensações negativas (seriam sensações subliminares?; veja fig. 2.9). Além disto, as DAPs não são verdadeiras unidades de sensação, pois as sensações parecem ser contínuas. Por fim, as escalas construídas sob os pressupostos desta teoria são influenciáveis pelas condições do experimento, em especial pelos valores particulares de estímulo utilizados dentro da gama de variação. Uma escala de sensação deveria ser independente da situação, por ser intrínseca ao observador. Em contraposição, S. S. Stevens (1951) mostrou que é possível ao observador construir escalas diretamente a partir de julgamentos de magnitude. As escalas assim construídas não são susceptíveis às criticas feitas às de Fechner. Stevens mostra que, fazendo-se um julgamento direto de magnitude (pede-se ao sujeito que dê medidas em números aos diferentes estímulos, com ou sem unidades, baseando-se unicamente no princípio de que estímulos que parecem iguais devem receber números iguais, o que parece ser o dobro do outro, deve receber um número (magnitude) que

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seja o dobro, e assim por diante — veja fig. 2.12), obtêm-se funções do tipo R KS, onde R é a sensação, S o estímulo julgado, K uma constante de proporcionalidade e n um expoente constante para uma determinada dimensão sensorial, mas que assume valores diversos para cada dimensão sensorial. A figura 2.13 mostra que a forma da função R = KS pode variar bastante, conforme n < 1, n = 1 ou n > 1. A tabela 2.1 fornece uma relação de sensações e valores de n correspondentes. A diferença entre a escala de Fechner e a escala de Stevens pode ser definida no seguinte sentido: a primeira diz que a razões (proporções) iguais de estímulos correspondem djferenças iguais de sensações; a segunda afirma que a razões iguais de estímulos correspondem iguais razões de sensação. Na prática, podem-se obter escalas de razão (como também são chamadas as escalas de Stevens) pela estimação direta de magnitude, como foi explicado na figura 2.12, ou pelo método do fracionamento ou da mul 20

0 a •0 4- 16 e E a a E a uJ

10

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10

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12

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14

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S = 0,75 1 1,11

16

Magnitude física (II cm

b

18 20

18

14

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0 a c a E a a e E a ul

ti) o a a E a a E a a .3

b

a

b n=1

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c n< 1

Figura 2.12. Em a apresenta-se uma tabela dos resultados de um experimento, no qual o sujeito deveria julgar o comprimento de 6 linhas (1). A linha mais curta tinha 10 cm e a mais longa 20 cm. A diferença de comprimento entre elas era de 2 cm. O sujeito julgou os comprimentos diretamente em centímetros, sendo que cada linha foi julgada dez vezes. Os resultados que aparecem na tabela são as médias dos 10 julgamentos (S). Na figura b encontra-se a representação gráfica destes dados. A linha tracejada corresponde à curva (função de potência) interpolada aos dados pelo método dos quadrados mínimos. A expressão numérica correspondente é S = 0,75 1.11, mostrando que, para o julgamento de comprimento de linhas, o valor de n na função de S. S. Stevens (S = KIfl) é próximo à unidade.

Figura 2.13. a) Representação gráfica das 3 formas muito diferentes que a função de potência de Stevens, S Kl1, pode assumir para diferentes contínuos físicos e diferentes valores de n. Na curva A, n > 1, encontra-se o que ocorre, por exemplo, para o julgamento de magnitude de choques elétricos. Na curva B, n = 1, encontra-se o que ocorre, por exemplo, para o julgamento de compilmentos de linhas; na curva C, n < 1, o que ocorre para o julgamento de brilho. b) Apresentação gráfica da função de Stevens para quatro contínuos físicos diferentes que geram valores de n entre 3,6 (choque elétrico) e 0,3 (brilho). Observe que agora ambas as escalas (escala física de magnitude dos estímulos e escala das magnitudes julgadas) estão expressas em unidades logarítmicas, de modo que as curvas de potência da forma S = Kl geram retas para qualquer valor de n.

s

10 12 14 16 18 20

9,7 11,8 14,0 16,2 18,6 20,9

Magnitude do estímulo (1)

a

Log magnitude do estímulo (Iog 1)

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Tabela 2.1. Expoente da função de Stevens para diferentes Contínuos sensoriais.

E E o E a. E o Figura 2.14. O gráfico mostra os resultados de um experimento no qual o sujeito devia estimar a pressão exercida por um peso sobre sua palma da mão através do comprimento de linhas traçadas numa folha de papel. O procedimento era o seguinte: o experimentador aplicava um dos pesos sobre a palma da mão do sujeito e lhe pedia para traçar uma linha correspondente de qualquer comprimento. Em seguida, aplicava-lhe um segundo peso sobre a palma da mão, e o sujeito traçava uma outra linha correspondente ao peso, seguindo a regra de que ao dobro da pressão a linha deveria ter o dobro de comprimento; se a sensação de pressão fosse apenas 1/3 da pressão da primeira aplicação do peso, a linha também deveria ter apenas 1/3 do comprimento. Os resultados do gráfico mostram que a curva correspondente é quase linear, pois tanto a estimação de pressão como de comprimento de linhas resulta em funções de Stevens com o expoente n próximo da unidade. Como foi explicada no texto, a estimativa da magnitude entre modalidades sensoriais distintas resulta num coeficiente que corresponde à relação entre os coeficientes das duas modalidades sensoriais.

80

70

60

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30

tiplicação, no qual o sujeito é convidado a escolher ou formar estímulos que correspondem a uma fração (1/2, 1/3, 1/4 etc.) ou, respectivamente, a múltiplos (x2, x3, x4 etc.) de um estímulo padrão. Outra variação interessante na consrrução de escalas de Stevens é não utilizar julgamentos em números, mas sim sob forma de outras estimações de magnitude. Assim, o sujeito pode ser instruído a fazer corresponder, a diferentes intensidades de um som, diferentes intensidades de luz. O interessante é que se obtêm novas escalas de razão, nas quais a curvatura (n) corresponde à relação das curvaturas (n1/n2) de cada uma das dimensões dos estímulos (som e luz). A figura 2.14 mostra um exemplo de um experimento deste tipo.

20

10

100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Pressão (g*)

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59

Brilho 0,3

Gosto para sal (NaC1) 0,4

Cheiro para café 0,5

Volume sonoro 0,6

Gosto para açúcar (sacarina) 0,8

Vibração (60 Hz) 0,9

Comprimento linear 1,0

Temperatura (frio) 1,0

Abertura entre dedos 1,3

Gosto para açúcar (sucrose) 1,3

Peso 1,4

Temperatura (calor) 1,6

Saturação da cor vermelha 1,7

Choque elétrico (corrente contínua) 2,5

Choque elétrico (corrente alternada) 3,5

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3 Atenção Todos sabem o que vem a ser “prestar atenção”. Ao receber esta ordem, o interlocutor saberá o que deve fazer para “prestar atenção” e também que perceberá melhor os estímulos aos quais estiver “prestando atenção”. Com isto talvez deixe de perceber alguns outros estímulos presentes (aos quais não estará “prestando atenção”). Mas, afinal, o que, exatamente, é esta “atenção”, que parece atuar tão diretamente sobre nossa capacidade de perceber? Nos primórdios da Psicologia científica, na mudança do século, os manuais de Psicologia sempre traziam capítulos dedicados ao estudo da atenção. Mas, com a difusão do “behaviorismo’ a atenção deixou de ter a antiga importância. Segundo os behavioristas, atenção não é um comportamento, podendo ser inferida do comportamento global apresentado pelo animal. Se um animal respondeu a um estímulo, conclui-se que esteve atento a ele. Mas a atenção não pode ser definida, simplesmente, como a capacidade de responder a um estímulo, ou percebê-lo. Vejamos, por exemplo, o caso do estudante que está lendo um

livro e liga o rádio. micialmente, ele está lendo o texto e compreendendo o que lê. De repente, o rádio toca uma música da qual gosta muito. Ele começa a acompanhar mentalmente a letra. A despeito disto, continua lendo. Os estímulos que o estudante percebe continuam sendo os mesmos: de um lado, as palavras do texto; do outro, a música. Mas algo mudou completamente: o texto lido deixou de ser compreendido, pois sua atenção se deslocou do texto para a música. Não é possível prestar atenção a um grande número de estímulos ao mesmo tempo. Por isto, em geral não o fazemos. Quando estamos lendo, o estímulo principal deve ser a informação visual; a informação auditiva do rádio deve ser, no máximo, um “fundo musical”, como o avião que passa, as crianças que gritam na rua, o peso do relógio de pul so

nosso próprio peso sobre a cadeira e a mordida do mosquito. Isto nos faz voltar ao que foi dito no capítulo 1, onde mencionamos que há um limite na quantidade de informação que pode ser processada ao mesmo tempo pelo nosso cérebro, o que corresponde ao limite do canal de transmissão de informação. 3.1. Vigilância Chamamos de vigilância ao estado de atenção mantida. Experimentalmente, isto é, em laboratório, costuma-se estudar a vigilância, dando ao sujeito a tarefa de detectar um sinal que ocorre de tempos em tempos. Os experimentos clássicos utilizam o “teste do relógio de Mackworth”, onde o sujeito observa o movimento do ponteiro de um relógio que avança aos saltos. Os saltos são iguais, mas, de tempos em tempos, ocorre um salto duplo ao qual o sujeito deve responder apertando uma tecla. Este estímulo é muito óbvio, de modo que qualquer falha de reconhecimento é uma questão de “atenção” e não de “detecção”. Observa-se que, após aproximadamente 20 minutos, o desempenho do sujeito passa por um máximo, estabilizando-se logo em seguida num valor ligeiramente inferior. Quanto mais simples é a tarefa, mais rapidamente é atingido o máximo, e menor será o nível de desempenho médio estabilizado que ocorre em seguida. No entanto, este resultado não pode ser generalizado para todas as tarefas que envolvem vigilância. Pois, quando estão envolvidos vários estímulos e respostas diferentes, a queda de desempenho não ocorre após ter sido atingido um desempenho máximo. Outros estudos mostram que a vigilância muda com o estado de excitação do sujeito. Se o sujeito ouve, por exemplo, um sinal acústico, um pouco antes do estímulo visual que deve detectar, seu desempenho será significativamente melhor. O desempenho atingirá o máximo se o estímulo de “aviso” ou de excitação for apresentado entre 200 a 500 m antes do estímulo a ser detectado. Isto demonstra que a atenção é máxima dado um certo grau de excitação do organismo. Este fato levou à formulação da lei de Yerkes-Dodson, que estipula que o desempenho tem uma relação de Uinvertido com o nível de excitação do sujeito, conforme é esquematizado na figura 3.1. 3.2. Atenção seletiva Como já foi dito no item anterior, é difícil prestar atenção a um grande número de estímulos simultaneamente. Apesar disto, podemos, na maioria das vezes, escolher prontamente a que nós queremos prestar atenção. A isto chamamos de atenção seletiva. Na visão, a seleção se dá, basicamente, através do posicionamento de nossos olhos, quer pela orientação

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de nosso corpo ou cabeça, quer pelo direcionamento direto de nossos olhos. Em geral, prestamos atenção àque 60

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Nivel de excitação

Figura 3.1. O desempenho numa tarefa perceptiva aumenta com o nível de excitação geral até atingir um máximo. Com níveis de excitação ainda maiores, o desempenho decresce. Esta relação é conhecida como Lei de Yerkes-Dodson.

les estímulos visuais focalizados na região central de nossas retinas, a fóvea. Na verdade, é muito difícil prestar atenção a estímulos que se encontram na periferia de nosso campo visual. Olhe para a figura 3.2, mantendo o olho direito tapado com a mão direita, fixe o X e tente contar o número de pontos existentes em cada um dos agrupamentos à esquerda. Você notará que esta tarefa se torna mais difícil à medida que os agrupamentos de pontos estão mais à esquerda. Além disso, será difícil manter seu olhar fixo no X, pois o seu olho escapará repetida e involuntariamente para a esquerda. Empenhado na tarefa de contar os pontos, seu cérebro sinalizará que os agrupamentos de pontos são o foco de atenção e fará com que seu olho se volte diretamente para eles. A tendência de voltar o olho para aquilo a que se deseja prestar atenção corresponde ao reflexo de orientação visual. Ele não se limita ao movimento do olho, como neste exemplo, mas também leva a uma reorientação de toda a cabeça ou corpo. Os experimentos clássicos de atenção seletiva visual são feitos instruindo sujeitos para procurarem determinadas letras em listas extensas, nas quais as letras aparecem em ordem casual. Observa-se, então, o movimento de rastreio dos olhos, cobrindo todo o conjunto de letras apresentadas. Com treino, a velocidade com que a tarefa é executada pode aumentar de 6 a 10 vezes. Numa tarefa destas fica comprovado que a atenção é seletiva, pelo fato de o sujeito saber relatar unicamente as letras que foi instruído a procurar, e nada sobre as outras letras existentes (às quais não prestou

Figura 3.2. Mantendo o olho direito coberto, fixe o X com o olho esquerdo e procure discriminar o número de pontos em cada uma das distâncias, a, b,...f, sem desviar seu olhar do X. Sem dúvida, não é uma tarefa fácil!

atenção). As outras letras parecem ao sujeito apenas uma espécie de fundo desfocalizado. Desfocalizado não visualmente, mas cerebralmente. Outros pesquisadores, para estudar a seletividade da atenção, empregaram um taquistoscópio, aparelho que permite apresentar, controlada- mente, estímulos visuais por frações de segundos. Nestes estudos, o sujeito é convidado a reconhecer letras apresentadâs taquistoscopicamente, assinalando-as numa folha de respostas. Em geral, os sujeitos não marcam mais que 3 ou 4 letras com acerto, independentemente de quantas foram apresentadas (3 a 12 letras). Parece, pois, que num experimento destes a gama de apreensão dos sujeitos não ultrapassa 4 letras. Estes dados experimentais não nos permitem saber se é a atenção do sujeito que é limitada à percepção de 4 letras ou se a capacidade de sua memória é que não lhe permite lembrar-se de maior quantidade. Para responder a esta questão, aliás fundamental, pode-se fazer o seguinte: após apresentar, por 50 m, um conjunto de 12 letras, dispostas em três fileiras de quatro letras, faz-se soar um som. Conforme seu tom mais agudo ou mais grave, o sujeito deve relatar a primeira, segunda ou terceira fileira de letras. O interessante é que, neste caso, os sujeitos continuam acertando quase sempre três ou quatro letras. Como o sujeito, antes de ouvir o som indicativo, não sabe qual fileira deverá relatar em seguida, tudo indica que ele viu (percebeu) três ou quatro letras de cada fileira. Isto é, o sujeito terá percebido praticamente o conjunto total de letras. A limitação é, portanto, não só da atenção (apreensão dos estímulos), mas também da capacidade de relembrálos logo em seguida. Este tipo de resultado experimental parece sugerir que a percepção em si não é seletiva, mas sim o processo de memória (os processos de “ar o

c e o. E e e e

• • • • • • • .

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• • • • • • • • • • • • • • •

• • • • • • • •

x f e d c b a.

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quivar” o percebido no cérebro ou de chamar o percebido de volta). Segundo esta visão, o sistema perceptivo processa sempre toda a informação. Mas nem toda informação pode ser “arquivada” no cérebro. Deste modo, fica impossível ao observador relembrar todos os estímulos percebidos. A instrução de “prestar atenção” parece, então, atuar muito mais sobre a memorização do que sobre a percepção. 3.3. Atenção dividida Atenção dividida refere-se a certas situações nas quais o observador presta atenção, simultaneamente, a dois ou mais estímulos. Para poder dividir a atenção entre os estímulos, é preciso que estes tenham algo que os diferencie. Quanto maior a diferença, mais fácil será dividir a atenção entre eles. Se forem estímulos visuais, poderão ter brilho e cores diferentes, localizações diversas e, o que é mais importante e freqüente, conteúdos, isto é, significados diferentes. Estímulos auditivos podem originar-se de lugares diferentes, ter diferentes intensidades, alturas ou timbres. Também podem ter conteúdos distintos. Naturalmente, também existe divisão da atenção entre estímulos de modalidades diferentes, como, por exemplo, auditivos e visuais, o que constitui uma tarefa bem mais simples para o sujeito. Como já foi dito, na visão a atenção a um estímulo é geralmente indicada pela direção do olhar. Isto faz com que o estímulo a que se presta atenção caia sobre a fóvea dos dois olhos, o que constitui um reflexo. Fica difícil, portanto, prestar atenção a estímulos visuais que distam muito entre si. O interessante é que, na visão, os dois olhos funcionam conjunta- mente e a integração de suas imagens proporciona a percepção em terceira dimensão. O observador é quase sempre incapaz de dizer qual olho está recebendo a imagem (se forem imagens diferentes). A não ser que feche alternadamente um dos olhos, para se certificar das diferenças nas imagens. Em situações específicas de laboratório, é possível fazer com que os dois olhos funcionem individualmente. Estas situações são conhecidas como situações de rivalidade binocular. Apresenta-se a cada olho uma imagem completamente diferente, como, por exemplo, cores diferentes ou padrões de listras horizontais e verticais, semelhantes àqueles ilustrados na figura 3.3. Como o sistema visual não conseguirá integrar as duas imagens diferentes, para daí extrair informação de profundidade, o observador tomará consciência, alternadamente, de cada uma das imagens. A alternação é automática e prosseguirá enquanto o observador olhar para as imagens. Pelo menos para o ser humano, esta é uma situação

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completamente artificial (receber imagens diversas nos dois olhos), de laboratório. Por isso, esta situação não é relevante para a sobrevivência da espécie humana. Conseqüentemente, seu sistema visual não está programado para analisá-la. No entanto, em animais, como as aves, cujos olhos não estão dis Figur

3.3. Tente sobrepor as duas partes da figura forçando seus olhos. Provavelmente você não verá uma imagem fundida formada pela sobreposição das linhas horizontais e verticais, mas sim a alternância entre os dois padrões. Isto ocorre pelo fato de os dois padrões serem incompatíveis para uma fusão binocular. postos frontalmente como nos seres humanos, a percepção de imagens completamente diversas é constante. Certamente, seu sistema visual está programado para extrair informações desta situação. Já na audição, a situação é totalmente outra: apesar de igual integração entre os estímulos recebidos em cada um dos ouvidos, essa integração é importante para indicar a direção da origem do estímulo acústico. Assim, numa situação de estimulação dicótica, isto é, estímulos diferentes em cada ouvido, o sujeito saberá relatar a informação fornecida a cada ouvido separadamente. Além disso, poderá concentrar-se, isto é, prestar atenção à estimulação recebida em cada ouvido separadamente. Uma função primordial do sistema auditivo é separar a informação que atinge os dois ouvidos. Isto ocorre graças a um processo de inibição de um ouvido sobre o outro, processo que é hoje amplamente conhecido. Uma série de experimentos empregando estimulação dicótica mostrou ser mais difícil prestar atenção a uma seqüência de estímulos apresentada, alternadamente, a cada um dos ouvidos, do que se toda ela fosse apresentada a um só. A função biológica desta nossa capacidade de prestar atenção à informação proveniente de um só ouvido é exatamente proporcionar-nos a opção de prestar atenção a estímulos provenientes de uma fonte localizada, em detrimento de outros estímulos. Este é o conhecido fenômeno da “reunião social” (cocktail-party problem). Numa reunião

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social, podemos estar atentos à conversa de uma pessoa, apesar de inúmeras outras falarem ao mesmo tempo, inclusive gritando ou falando muito mais próximas de nós. Podemos também alterar nosso foco de atenção quantas vezes quisermos, apesar da diversa localização da fonte, onde os estímulos tiveram origem. Este é o fator principal. Outros, porém, também influenciam nosso comportamento de prestar atenção a estes estímulos. Dentre eles, podemos destacar: o timbre (se é uma voz feminina ou masculina) e o conteúdo (acompanhamos o conteúdo lógico do que está sendo dito). O fato de o timbre influenciar a focalização da nossa atenção auditiva é claramente demonstrado quando ouvimos uma orquestra ou uma banda de “rock”: podemos prestar atenção, por exemplo, somente ao som do piano ou da guitarra elétrica, apesar da execução dos instrumentos de corda ou da marcação da bateria. Numa orquestra, todos os sons vêm aproximadamente do mesmo lugar; isto se torna mais evidente ainda num toca- discos: todos os sons saem de um único alto-falante. Mesmo assim, podemos prestar atenção unicamente ao piano ou à guitarra, guiados pelo seu timbre. De todos os experimentos que utilizam a situação da “reunião social”, fica claro que o participante consegue prestar atenção a uma “conversa” definida. Ao mesmo tempo, perde quase toda informação das conversas paralelas. O curioso é que, no entanto, nem toda informação das conversas paralelas é perdida: se, repentinamente, for dito o nome do participante ou alguma outra palavra “especial” (o nome de uma pessoa que ele conheça e na qual esteja especialmente interessado, um “palavrão” ou então um termo de seu esporte preferido), ele toma consciência disto. Eventualmente, pode alterar seu foco de atenção. Portanto, alguma informação das outras conversas é captada, mas não levada à consciência, a menos que tenha um conteúdo especial (“interessante”). Todo este sistema de atenção parece ter um significado muito grande para a sobrevivência. Consideramos, por exemplo, um animal selvagem na floresta, à escuta: ele precisa ter a capacidade de dirigir sua atenção auditiva aos ruídos do predador que se aproxima, localizá-los espacialmente e acompanhar cada um destes ruídos. Mas, ao mesmo tempo, precisa “desligar-se” dos inúmeros ruídos “normais” de uma floresta, como aqueles provocados pelo vento nos galhos das árvores ou pelas águas do riacho. A não ser que, repentinamente, outro ruído “especial” denote a presença de outro predador, que agora deverá tornar-se o centro da sua atenção. 66

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Percepção de brilho ou luminosidade

Neste capítulo e nos seguintes estudaremos as principais capacidades perceptivas do ser humano, destacando-se entre elas a nossa capacidade de perceber o brilho e as cores dos objetos que nos cercam, seu tamanho e a distância ou profundidade a que se encontram, bem como a capacidade de perceber a sua forma e o movimento. Iniciaremos o estudo com a percepção de brilho ou luminosidade porque, aparentemente, depende em menor grau de aprendizagem e maturação do que a percepção visual de outras características dos objetos, como seu tamanho ou sua forma, e por isto pode ser considerada mais simples.

Textos mais recentes empregam o termo percepção de luminosidade, ao passo que nos mais antigos emprega-se apenas o termo percepção de brilho. Alguns autores mais cautelosos, refletindo este período de transição na nomenclatura, preferem manter os dois termos. Como o presente texto tem por objetivo uma introdução ao estudo da percepção, é conveniente que se mantenham os dois termos, percepção de brilho e percepção de luminosidade, a fim de alertar o leitor para a existência de ambos na literatura especializada. De uma forma muito simplificada e resumida, podemos afirmar que a percepção de brilho ou luminosidade refere-se à nossa capacidade de perceber a luz (daí a preferência pelo termo “luminosidade”) que emana ou se reflete dos objetos de nosso ambiente. Como estes objetos fornecem luz, são denominados fontes luminosas e podem ser de dois tipos: fontes emissoras e fontes refletoras. As fontes emissoras, como lâmpadas, velas, vaga-lumes e o Sol, emitem luz própria. As fontes refletoras são todos os objetos capazes de refletir parte, ou a totalidade, da luz que incide sobre eles. A intensidade da luz de fontes emissoras é medida em termos de iluminância, enquanto que no caso de fontes refletoras falamos de medidas de luminância (fig. 4.1).

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Figura 4.1. Existem dois tipos de fontes luminosas: fontes emissoras e fontes refletoras. Fontes emissoras como o Sol, lâmpadas, fogo e vaga-lumes emitem sua própria luz. Sua intensidade é medida em termos de iluminância. Fontes refletoras são todas as superfícies capazes de refletir total Ou parcialmente a luz que sobre elas incide. Sua intensidade é medida em termos de luminância. Esta depende tanto da intensidade da luz incidente quanto da proporção de luz que é refletida pelo objeto.

A luminância de um objeto depende de duas variáveis: em primeiro lugar da intensidade da luz incidente e, em segundo lugar, da proporção de luz refletida pelo objeto. A proporção de luz incidente que é refletida é sempre a mesma, e este índice de reflexão é denominado albedo. Albedo (do latim albus, que quer dizer alvo ou branco) é um termo freqüentemente empregado pelos astrônomos para designar o poder de reflexão de planetas e satélites. Trata-se, portanto, de uma medida que nos informa a respeito da proporção de luz incidente que a superfície de um objeto é capaz de refletir. O albedo (A) de um objeto pode ser calculado facilmente dividindo- se a intensidade da luz refletida por este objeto (R) pela intensidade da luz que sobre ele inside (1), isto é, aplicando a fórmula A = R/I. Uma superfície muito branca é capaz de refletir 80 por cento da luz que incide sobre ela, ao passo que uma superfície preta reflete apenas cinco por cento desta luz. Cada objeto tem seu albedo característico, que é, portanto, uma propriedade deste objeto. No período de 24 horas, as condições de iluminação do ambiente variam consideravelmente, como porém o albedo de todos os objetos permanece o mesmo, nossa percepção

da sua luminosidade, ou do seu brilho, permanecerá inalterada. Isto é, o meu tênis branco e o seu sapato preto sempre serão percebidos como branco e preto, respectivamente, não importa se caminhamos numa praia ensolarada, à sombra dos coqueirais ou sob o luar. Para avaliar melhor a magnitude da diferença de iluminação existente durante o passeio ao sol e o passeio ao luar, convém lembrar que a luz solar é 800.000 vezes mais intensa que a luz da lua cheia. No entanto, a variação da luz incidente não dificultará a percepção da luminosidade, ou brilho, dos nossos calçados, pois o seu albedo permanecerá constante, como permanecerão constantes os albedos da areia da praia, das folhas dos coqueiros e da pele. Cabe dizer que o sapato preto reflete mais luz de dia que o tênis branco de noite (isto é, tem iluminância maior), o que mostra claramente que nós reagimos à proporção e não à quantidade de luz refletida que atinge nossos olhos. Dissemos no princípio do capítulo que a percepção de luminosidade ou brilho pode ser considerada simples. Vejamos se você concorda. Tente fazer a seguinte experiência: procure um material transparente, que filtre uma parte da luz ambiental, como, por exemplo, óculos escuros. Cubra um de seus olhos com a

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lente dos óculos escuros e continue a leitura desta página com os dois olhos bem abertos (fig. 4.2 a e b). Em seguida, tire rapidamente a lente escura da frente do olho coberto e note que a página ficou muito mais clara, isto é, aumentou sua luminosidade (fig. 4.2 c). Isto é óbvio porque, quando você retirou a lente que filtrava uma parte desta luz, realmente aumentou a intensidade de luz que penetrava em seus olhos. Agora recoloque a lente no lugar em que estava, cobrindo novamente um dos olhos (fig. 4.2 d). Você notará que a página ficou mais escura. A seguir, com uma de suas mãos, cubra completamente o olho diante do qual se encontra a lente escura (fig. 4.2 e) e você perceberá uma coisa surpreendente: apesar da diminuição na intensidade de luz que chega a seus olhos, a página parecerá bem mais clara, isto é, você percebe um aumento de brilho ou luminosidade. Deixe a lente escura diante do olho e afaste a mão (fig.

4.2 O a página do livro parecerá mais escura apesar do aumento na quantidade total de luz que penetra em seus olhos. Este é o conhecido Paradoxo de Fechner e nos alerta para o fato de que a relação entre a intensidade da luz que atinge nossos olhos e a percepção de luminosidade ou brilho não é tão simples como a princípio poderia nos parecer.

Para estudar esta relação, geralmente são necessários experimentos que permitam um controle rigoroso de todas as variáveis que participam desta capacidade perceptual. A maioria dos experimentos feitos para estudar a percepção de brilho ou luminosidade ou a constância de brilho ou luminosidade (esta e outras constâncias serão estudadas no capítulo 8) obedece a um esquema básico que consiste em apresentar ao sujeito um estímulo visual padrão de um determinado tom de cinza, isto é, deter-

Fonte emissora

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Fonte refletora

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Figura 4.2. Mudanças na percepção de brilho. Olhe para a página deste livro (a). Cubra um olho com a lente de uns óculos escuros (b) e continue a leitura da página com os dois olhos abertos. Você notará que a página parece mais escura. Agora retire os óculos (e) e continue a leitura; você notará que a página parece mais clara ou mais brilhante. Cubra novamente um olho com a lente dos óculos (d) e você verificará que novamente a página parece mais escura. Deixe os óculos onde estão, e a seguir, com auxílio da sua mão, cubra completamente o olho diante do qual se encontram os óculos escuros (e). Apesar da menor quantidade de luz que chega a seus

olhos (um está coberto), a página parecerá mais clara. Retirando a sua (f) mão, você verificará que esta página do livro parecerá mais escura apesar do aumento na quantidade total de luz que penetra seus olhos.

minada luminosidade, e pedir que o compare com um conjunto de outros estímulos visuais de comparação, que podem variar desde o branco até o preto, passando por todos os tons de cinza intermediários da escala acromática. Trata-se de uma tarefa relativamente simples quando a iluminação é a mesma para os dois tipos de estímulos visuais, pois todos os sujei-

tos encontram pouca dificuldade para localizar, dentre os estímulos de comparação, aquele que é igual ao estímulo padrão. No entanto, quando é modificada a iluminação de apenas um dos estímulos visuais, o sujeito é confundido pelas diferentes quantidades de energia luminosa refletidas das duas superfícies, pois ele faz seus julgamentos supondo que todos os estímulos recebem a mesma quantidade de luz. Antes porém de analisar alguns trabalhos experimentais, façamos uma rápida recapitulação do que foi visto até agora. Na tabela 4.1 foram resumidos os principais conceitos mencionados até o presente momento.

Tabela 4.]. Principais conceitos empregados no estudo da percepção de luminosidade (ou brilho).

Vejamos agora como se procede para executar um experimento cujo principal objetivo é estudar a percepção de luminosidade ou brilho.

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No nosso ambiente normal, a mesma iluminação que atinge o objeto também incide sobre o ambiente no qual este objeto se encontra inserido. Da comparação entre a quantidade de luz refletida de cada objeto (“figura”) e aquela refletida pelo ambiente (“fundo”) no qual se encontram, o sujeito pode extrair informações adicionais sobre o objeto, isto é, seu albedo. O fundo desempenha o importante papel de referência, e isto foi demonstrado em experimentos nos quais os sujeitos eram convidados a comparar o estímulo padrão com os diversos estímulos de comparação sem que pudessem ver o fundo, isto é, o ambiente no qual os estímulos se encontravam. Isto foi possível, colocando entre o sujeito e a situação de estímulos um anteparo, ou tela de redução, que obriga o sujeito a olhar para os estímulos através de um minúsculo orifício por onde podia avistar apenas os estímulos (fig. 4.3). Nesta situação experimental, o julgamento das pessoas foi feito levando em consideração a quantidade de luz refletida dos estímulos e não seu albedo. Quando a tela era retirada, a percepção de brilho era novamente quase perfeita.

Diante destes resultados experimentais surge a pergunta a respeito do papel da aprendizagem nesta capacidade perceptiva. Um levantamento criterioso dos principais experimentos realizados com o objetivo de verificar a influência da aprendizagem sobre a percepção de luminosidade mostra que, aparentemente, trata-se de uma capacidade perceptiva inata, que pouco

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Conceitos Comentários

Luminosidade ou brilho Fator psicológico. Refere-se á percepção que se tem do estímulo.

Albedo OU reflectância Propriedade da superfície do estímulo (razão entre luz refletida e incidente)

Iluminância Refere-se à luz emitida.

Luminância Refere-se á luz refletida

Figura 4.3. Ilustração esquemática de uma situação experimental, vista de cima, a) Sem tela de redução (anteparo). b) Com tela de redução (anteparo). A: disco giratório branco; B: discos giratórios branco e preto superpostos que permitem obtenção de diversos tons de cinza para escolha daquele que parece igual ao disco A; TR: tela de redução; O: observador; J: janela. depende da aprendizagem para ser aprimorada. De um ponto de vista ontogenético, verifica-se que a percepção de luminosidade em crianças é muito semelhante à dos adultos. Filogeneticamente, experimentos feitos com peixes, pintainhos e macacos mostraram que a percepção de luminosidade nestes animais, como no ser humano, também depende do albedo dos objetos. Estes resultados são muito convincentes nos estudos feitos com pintainhos, animais

que logo após a eclosão já possuem comportamentos muito elaborados, como, por exemplo, sair em busca de alimento e preferir bicar grãos claros. Estes animais foram criados em completa escuridão até atingirem uma determinada idade e, em seguida, foram testados com grãos claros em ambientes de pouca luminosidade e grãos escuros em ambientes fortemente iluminados. Em todos os testes a que foram submetidos preferiram sempre os grãos

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claros, demonstrando que possuíam uma capacidade inata de perceber a luminosidade do seu alimento preferido. Para evitar a interferência de pequenas manchas e marcas que porventura possam existir sobre as superfícies dos papéis de várias tonalidades de cinza utilizados nos experimentos a respeito de percepção de brilho, alguns pesci’i.,adores preferem empregar um disco giratório que pode ser submetido a altas rotações e assim proporcionar um estímulo visualmente homogêneo. Em 1929, Gelb fez um experimento empregando este tipo de equipamento. Utilizou um disco completamente preto, sub-

metido a alta rotação, e iluminado por uma lâmpada, de tal forma que nenhuma outra parte do ambiente, ou do fundo, pudesse beneficiar-se da iluminação proporcionada por esta fonte luminosa. Os sujeitos eram convidados a se sentar bem em frente ao disco e a responder a uma única pergunta: “Qual é a cor do disco?” Os sujeitos foram unânimes. Todos responderam que sem sombra de dúvida o disco era branco. No entanto, quando Gelb pegava um pequeno pedaço de papel branco e o segurava por alguns segundos na frente do disco, os sujeitos, muito surpreendidos com o que viam, corrigiam-se imediatamente afirmando que haviam se enganado; tinham absoluta certeza de que o disco era preto. Quando Gelb retirava o pedaço de papel branco, afirmavam que não sabiam muito bem o que estava acontecendo, mas estavam certos de que o disco voltara à sua cor branca inicial. Todos os sujeitos foram incapazes de perceber a verdadeira cor do disco, isto é, preta, na ausência do papel branco, ou seja sem um estímulo de comparação. Não importa quantas vezes GeIb repetisse as duas situações experimentais, os sujeitos não conseguiram aprender a perceber a luminosidade do disco preto corretamente. Outros estudos, feitos com crianças de diferentes idades e adultos, mostram que, se houver alguma aprendizagem de percepção de luminosidade durante o desenvolvimento do ser humano, ela está completa aos sete anos de idade. E importante ressaltar que o mesmo não acontece com outras capacidades perceptivas, como, por exemplo, a percepção de tamanho e sobretudo a percepção de forma, na qual a aprendizagem desempenha um papel importantíssimo como veremos nos capítulos seguintes.

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5 Percepção da cor Antigamente, na época em que nossas bisavós criaram nossas avós, acreditava-se que o bebê, ao nascer, era quase incapaz de ver. Supunha-se que o recém-nascido não reconhecia fisionomias, tampouco distinguia formas e cores. Hoje em dia, em conseqüência das pesquisas realizadas na área da psicologia do desenvolvimento infantil, os conhecimentos a respeito das capacidades perceptivas do ser humano por ocasião do seu nascimento estão mudando. O trabalho realizado por inúmeros cientistas interessados no assunto mostra que, apesar da acentuada imaturidade e do prolongado período de dependência pós-natal, o bebê vem ao mundo bem mais preparado para perceber o que acontece ao seu redor do que nossas bisavós, provavelmente, estariam propensas a acreditar. No capítulo 15 o desenvolvimento perceptivo será discutido detalhadamente, mas podemos adiantar que dentre os principais resultados experimentais encontram-se as demonstrações de que nossa capacidade de perceber distância, profundidade, fisionomia e cor pode ser verificada logo após o nascimento.

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No princípio do século passado, Purkinje mostrou que nossa sensibilidade às cores se modifica quando passamos do escuro para a claridade ou vice-versa. Na lâmina 5.1, encontram-se as curvas obtidas nestas duas situações. Elas mostram que, no escuro (visão escotópica), o olho é mais sensível aos verdes (devido à maior sensibilidade dos bastonetes) e, no claro (visão fotópica), o olho é mais sensível ao amarelo (devido à maior sensibilidade dos cones). Esta sensibilidade é conhecida como Efeito de Purkinje. A percepção das cores foi alvo da atenção e curiosidade de numerosos estudiosos, que em diferentes épocas da história da humanidade tentaram explicá-la. Seus esforços resultaram na elaboração de teorias, algumas

das quais nos acompanham até hoje. Poetas, como Goethe, e físicos, como Newton, emitiram suas opiniões a respeito da visão de cores. Após a descoberta, em 1666, de que a luz solar, que é branca, na realidade é composta por todas as cores do espectro visível, o próprio Isaac Newton formulou algumas das primeiras hipóteses segundo as quais haveria no olho humano um receptor para cada cor. As contribuições mais valiosas partiram, no entanto, de fisiólogos como Thomas Young, Hermann von Helmholtz e Ewald Hering, autores das duas principais teorias sobre visão de cores. A primeira, teoria de Young-Helmholtz, também conhecida como teoria tricromática ou teoria componente, explica de forma satisfatória os resultados experimentais obtidos em pesquisas que tinham como principal objetivo desvendar o papel dos receptores do olho. A segunda teoria, de Hering, denominada teoria oponente, explica muito bem os resultados experimentais obtidos em pesquisas que tomam como indicadores respostas envolvendo atividade neural além do nível dos receptores propriamente ditos. 5.1. Teoria tricromática, componente ou de Young-Helmholtz Segundo a teoria tricromática (Young-Helmholtz), não precisaríamos de um receptor para cada cor, como havia sugerido Newton; apenas três tipos de receptores seriam suficientes para o ser humano perceber todas as cores do espectro visível, desde o violeta até o vermelho. Thomaz Young e Hermann von Helmholtz chegaram a esta conclusão a partir de um conjunto de experimentos de percepção visual criteriosamente controlados, com os quais conseguiram demonstrar que, misturando luzes de apenas três cores (azul, verde e vermelho), as pessoas relatavam ver todas as cores do espectro. Diante disto, desenvolveram a teoria segundo a qual o ser humanos deveria possuir três tipos diferentes de fotorreceptores: especializados em luzes de comprimentos de onda curtos, como o azul, intermediários, como o verde, e especializados em luzes de comprimentos de onda longos, como o vermelho. Somente um século e meio depois, em 1964, foram publicados os primeiros resultados experimentais obtidos com receptores da fóvea (cones) de retinas humanas, por duas equipes de pesquisadores norte-americanos: a primeira formada por MacNichol, Marks e Dobelle (fig. 5.1), a segunda, por Brown e Wald. De acordo com estes autores, os cones sensíveis ao azul possuem uma substância fotossensível denominada cianolábio (ciano em grego quer dizer azul), nos cones sensíveis ao verde há uma substância denominada clorolábio e nos cones sensíveis ao vermelho encontra-se uma substância denominada eritrolábio (“cloro” e “entro” são prefixos de origem grega que significam verde e vermelho, respectivamente). Estas

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pesquisas relatam apenas três tipos de cone, não sendo encontrados cones sensíveis às cores intermediárias, como cor de jerimum (cor de laranja) ou azul-piscina. Como então somos capazes de perceber todas as demais cores? Se você observar atentamente os resultados reproduzidos na figura 5.1 e na lâmina 5.2, verificará que na realidade existem três tipos de cones que absorvem “preferencialmente” luzes de uma determinada cor (comprimento de onda). Por exemplo, o cone especializado em azul absorve preferencialmente luzes de 450 nm, e absorve com eficiência cada vez menor luzes cujos comprimentos de onda se afastam deste valor, isto é, luzes cada vez mais violáceas (comprimentos de onda mais curtos) ou mais esverdeadas (comprimentos de onda mais longos). Isto quer dizer que os comprimentos de onda intermediários também são absorvidos por estes três tipos de receptores, só que menos prontamente, pois precisam de intensidades maiores para produzir o mesmo efeito neural. Figura 5.]. Absorção espectral (ou sensibilidade espectral) de cones em retinas de seres humanos (parênteses abertos) e macacos (números). Os resultados foram obtidos através da microespectrofotometria e mostram que, apesar de serem projetadosf!ashes de luz de quase todas as cores (comprimentos de onda) do espectro visível, os cones absorvem preferencial- mente três cores (Azul -

445 nm; Verde - 535 nm; Vermelho - 570 nm). Verificou-se também que cada um dos cones estudados absorvia preferencialmente apenas uma destas três cores (comprimentos de onda), o que prova a existência de apenas três tipos de cores na retina. Luzes de cores intermediárias são absorvidas menos prontamente por um (ou mais) destes três receptores. Isto pode ser visto pela forma característica das curvas e pela considerável superposição de algumas delas. Baseado em dados de Marks ei ah, 1964 (no livro de Alpern, 1971) e MacNichol, 1964 (no livro de Robinson, 1977).

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Se ao invés de analisar o comportamento de um determinado tipo de cone, como acabamos de fazer, analisarmos o que acontece com uma luz de um determinado comprimento de onda quando ela atinge nossa retina, talvez fique mais fácil ainda compreender a percepção das cores intermediárias. Tomemos, por exemplo, um verde-azulado cujo comprimento de onda é de aproximadamente 490 nm. Um estímulo luminoso com esta característica qualitativa será absorvido tanto pelos cones especializados em azul quanto pelos cones especializados em verde. Pelos resultados da figura 5.1, é possível verificar, no entanto, que esta cor, verde-azulado (490 nm), não é a mais eficiente para nenhum destes dois tipos de cones. Porém, ambos transduzirão este tipo de energia e enviarão ao cérebro impulsos nervosos. São precisamente as informações enviadas em conjunto pelos dois tipos de cones conjuntamente que serão processadas pelo cérebro e permitirão a percepção de uma cor intermediária entre o azul e o verde. As diferenças entre as informações provenientes dos dois tipos de cones deste exemplo seriam muito mais acentuadas se o olho fosse estimulado com um azul muito esverdeado ou então com um verde extremamente azulado. O mesmo tipo de mecanismo é empregado para a percepção do amarelo, uma cor intermediária entre o verde e o vermelho, sendo portanto sinalizada a sua presença pela reação, mais ou menos acentuada, dos cones que têm sensibilidade máxima no verde e no vermelho. A percepção das cores que ficam nos extremos do espectro visível, como o violeta, por exemplo, depende da reação mais acentuada de um tipo de cone. No caso, depende dos cones especializados em azul, que também reagem a comprimentos de onda menores, mas com uma eficiência cada vez mais reduzida. Para comprimentos de onda mais curtos ainda, que correspondem ao ultravioleta (que não é visível para o ser humano), nenhum dos três tipos de receptores fará a transdução, portanto não serão enviados impulsos nervosos ao cérebro. De modo análogo, o infravermelho, correspondente aos comprimentos de onda muito longos, não será transduzido. Como você percebe estes tipos de energia? Como escuro, ou seja, como ausência de luz, não é? No entanto, se você tivesse olhos iguais aos das abelhas, veria o ultravioleta como uma cor, porém seria cego. Não somente ao infravermelho, mas também ao vermelho. No caso do olho ser estimulado com uma mistura da luz de três cores —

azul, verde e vermelho — em determinadas proporções, os três tipos de cones reagirão, e os impulsos nervosos resultantes levarão o ser humano a perceber a luz como branca, semelhante à luz solar. Na lâmina 5.3a se encontra uma ilustração das conseqüências da mistura de luzes com estas três cores. Até aqui analisamos a percepção de cores a nível de receptores, porque estivemos destacando dados que podem ser explicados pela teoria tricromática. Há, no entanto, um outro conjunto de dados, perceptivos e neurofisiológicos, que não podem ser explicados por esta teoria.

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Azul 445 Verde 535 Vermelho 570 .-..-. ,:. . .. .:

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5.2. Teoria oponente ou de Hering Tente fazer a seguinte experiência: procure uma figura relativamente simples, como um pequeno círculo, triângulo ou coração, que seja de cor vermelha bem intensa; procure também uma folha de papel bem branco. Agora sente-se em um lugar bem iluminado, com o seu material. Olhe para a figura fixamente, sem se mover, durante meio minuto (tente contar lentamente até trinta). A seguir, substitua rapidamente a figura pela folha de papel branco. O que aconteceu? Olhando para o papel completamente branco você continua vendo a figura que acabou de tirar, só que agora não mais em vermelho e sim em verde, a sua cor oponente (complementar). Se você quiser proceder como Hering, procure outras figuras e você

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verificará que, se a figura fixada for verde, a sua pós-imagem será vermelha; se for azul, deixará uma pós-imagem amarela; e vice-versa, se for amarela, sua pós-imagem será azul. Foi por meio de experimentos como estes, criteriosamente controlados, que Hering formulou a sua teoria oponente, na qual afirma que a visão de cores ocorre graças a processos oponentes de três sistemas de cores que se opõem aos pares: vermelho-verde, azul- amarelo e preto-branco. Isto quer dizer que, quando ocorre a sensação de uma cor como o vermelho, concomitantemente ocorre uma alteração na sensação do verde. Por este motivo, nas experiências aqui sugeridas, quando se olha demoradamente para uma determinada cor, há uma diminuição da sensibilidade do receptor para esta cor. Assim, quando se olha para um campo neutro (branco ou cinza), que reflete todos os comprimentos de onda por igual, apenas os oponentes de cada cor seriam ativados, uma vez que o receptor que captou a luz refletida da figura vermelha encontra- se insensível. Após 1950, a neurofisiologia vive um grande avanço, fruto do desenvolvimento de microeletrodos que podem ser inseridos em uma única célula do sistema nervoso, permitindo registros incrivelmente detalhados e específicos. Em 1965, De Valois publicou um trabalho interessantíssimo, no qual relata ter encontrado no cérebro do macaco (núcleo geniculado lateral) neurônios cuja atividade correspondia ao processo de pares oponentes da teoria de visão de cores elaborada por Hering, no século passado. Na figura 5.2 você encontra a reprodução de um registro obtido por De Valois, correspondente à atividade de uma única célula no cérebro de um macaco anestesiado, cujos olhos eram mantidos abertos e estimulados com luzes de diversas cores. A célula mostrada da figura 5.2 é um neurônio do sistema vermelho-verde. Observe que na coluna “escuro” temos a atividade espontânea desta célula no escuro, o que corresponde a aproximadamente 6 ou 7 impulsos em um determinado intervalo de tempo. Quando o olho do animal é iluminado com uma luz vermelha (633 nm), a atividade desta célula aumenta consideravelmente, dobrando o número de impulsos nervosos durante o mesmo intervalo de tempo. No entanto,

Figura .5.2. Respostas de uma única célula nervosa do cérebro (núcleo geniculado lateral) de um macaco. Estas respostas foram obtidas inserindo-se um minúsculo microeletrodo no neurônio, enquanto o animal anestesiado recebia, através dos olhos mantidos abertos, os estímulos visuais de diferentes cores. E fácil observar que os registros correspondem a uma célula de atividade oponente do sistema vermelho-verde. Trata-se de um neurônio cuja atividade espontânea (no escuro) é de aproximadamente 6 ou 7 impulsos. No entanto, quando o olho é estimulado com luz vermelha (633 nm) sua atividade aumenta, chegando a dobrar o número de impulsos nervosos. Por outro lado, diante de estimulação com luz verde (533 nm), sua atividade diminui drasticamente, chegando a uma inibição quase total. quando, uma luz verde (533 nm) incide sobre o olho do macaco, acontece exatamente o contrário: as descargas do neurônio cessam quase que completamente, isto é, ocorre uma inibição da atividade eletro fisiológica da célula nervosa, O mesmo tipo de registro foi encontrado para células com atividade oponente para azul-amarelo.

Comprimento Cor de onda nm Luz acesa Escuro 1 III Ii

465 480 Verde 533 563 586 603 Vermelho 633 667 706

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Fundamentado nos resultados de pesquisas psicológicas e fisiológicas a respeito da visão de cores, pode-se afirmar, portanto, que na retina existem três tipos de cones, o que está de acordo com a teoria tricromática (componente), e que nos elos de integração seguintes (células ganglionares na retina, núcleo geniculado lateral e córtex visual no cérebro) encontram-se neurônios visuais que têm respostas antagônicas (excitação-inibição) às cores oponentes (vermelho-verde; azul-amarelo), o que está de acordo com a teoria oponente. A combinação das duas teorias (tri cromática ou componentes e oponente) não explica todo o processo da visão de cores, uma vez que apenas mostra como a partir das três cores primárias (verde, vermelho e azul) chega-se a quatro cores psicologicamente primárias (verde, vermelho, azul e amarelo). Sabemos, porém, que o ser humano é capaz de distinguir 128 cores espectrais (matizes). Como isto é possível? Os resultados experimentais mostram que a oponência dos neurônios visuais é cada vez menos acentuada. Isto significa que, a nível do olho, uma célula ganglionar responde com excitação quando os receptores são estimulados com uma luz de 630 nm (vermelho) e, com inibição, quando a estimulação corresponde a uma luz de 530 nm (verde), portanto é preciso que haja uma diferença de 100 nm para que esta célula passe do seu estado de excitação máxima para o estado de maior inibição. No cérebro estas diferenças são gradativamente menores à medida que se registra a atividade de células nervosas pertencentes a níveis progressivamente mais elevados do sistema nervoso central. No núcleo geniculado lateral — que corresponde a um elo intermediário do sistema visual — uma célula que responde com excitação quando o olho do animal é iluminado com 630 nm (vermelho) passa ao estado de inibição máxima quando sobre o olho incide uma luz de, por exemplo, 580 nm (amarelo). Neste caso a oponência corresponde a uma diferença de apenas 50 nm. Em um nível mais elevado ainda, como no córtex visual, a oponência ocorre entre, por exemplo, 630 nm (vermelho) e 610 nm (laranja), o que corresponde a uma diferença de apenas 20 nm entre as cores. Com oponências cada vez mais afinadas, o ser humano finalmente atinge a capacidade de discriminar 128 cores espectrais (matizes). 5.3. Cegueira para cores Agora você certamente já tem condições de saber o que é a cegueira para cores ou daltonismo. A que se deve esta anomalia que leva pessoas a confundir o verde com o vermelho e o azul com o amarelo? Anomalias no tricromatismo ocorrem, provavelmente, devido a proporções anormais dos três tipos de cones. Entre os tricromatas anormais, a grande maioria tem deficiência de clorolábio, pois para obter o amarelo no anomaloscópio precisam acrescentar muito mais verde a uma mistura de luzes vermelhas

e verdes do que as pessoas com visão de cores normal. O anomaloscópio é um aparelho empregado para diagnosticar a cegueira de cores. Consiste em um círculo, cuja metade é iluminada com um amarelo espectral específico. A outra metade do círculo é iluminada com duas luzes, uma vermelha e outra verde, que podem ser misturadas em diferentes proporções. A mistura do verde com o vermelho resulta na percepção de um amarelo. Comparando o amarelo espectral específico com o amarelo resultante da mistura de verde com vermelho, a pessoa pode produzir um amarelo que é percebido como igual ao primeiro. São poucos os casos de tricromatismo anômalo devido a deficiência de eritrolábio. Extremamente raros são os casos de deficiência de cianolábio. No caso de uma completa ausência de um destes tipos de cones, fala- se de dicromatismo, pois nestas circunstâncias o indivíduo fará discriminações entre cores com apenas dois tipos de cones. Estudos meticulosos, feitos tanto com tricromatas anômalos como com dicromatas, revelaram que, além da cegueira para cores, não apresentavam nenhuma outra anomalia, o que nos leva à conclusão de que os dicromatas desprovidos de cones sensíveis ao verde possuem um número proporcionalmente maior de cones sensíveis ao vermelho e ao azul. No caso de tricromatas anômalos, provavelmente há uma proporção diferente da normal dos três tipos de cones. Se a pessoa não tiver um dos três tipos de cones, ela será cega a uma das cores, mas também terá outras deficiências visuais resultantes do menor número de receptores. Quando apenas um tipo de cone é encontrado, falamos em monocromatas. Da próxima vez que você fizer uma visita a um oftalmologista, peça para ele lhe mostrar alguns dos testes para cegueira de cores. Um dos mais conhecidos é o teste de Ishihara e consiste em diversas figuras contendo pequenos círculos coloridos formando números. Trata-se de um teste muito prático e de fácil aplicação, pois, se a

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pessoa tiver visão tricromática normal, reconhecerá determinados algarismos, se tiver anomalia em um dos tipos de cones, por exemplo se for cega ao vermelho, reconhecerá outros algarismos. Evidentemente este teste só pode ser utilizado com pessoas alfabetizadas que saibam ler números. Existem, no entanto, outros testes que podem ser utilizados com crianças muito jovens e analfabetos. Dentre estes, um dos mais antigos foi desenvolvido por Alarik Holmgren, na Suécia, e consiste em uma coleção de fios de lã de diversas cores que deverão ser separados de acordo com a sua cor. 5.4. Visão de cores — Uma capacidade inata ou aprendida? A suposição de que somos capazes de perceber cores ao nascer fortaleceu-se com dados obtidos em pesquisas psicológicas e neurofisiológicas. Observando a preferência de bebês colocados diante de dois estímu 80

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los de cores diferentes, foi possível determinar que distinguem as diferentes cores e têm preferências bem determinadas, pois passam mais tempo olhando para as cores de comprimento de onda longo, isto é, as chamadas cores quentes. Por meio da eletroencefalografia (potenciais evocados), é possível registrar a atividade de uma dada região do cérebro. Assim, quando o olho de um ser humano adulto é estimulado sucessivamente com numerosos estímulos visuais, cada um de uma cor, observa-se uma resposta característica na região do córtex occipital (área sensorial primária da visão). Quando se faz o mesmo tipo de registro com bebês recém-nascidos, obtém-se, aproximadamente, o mesmo tipo de resultado, indicando que a estrutura neural da visão de cores, aparentemente, já está pronta quando nascemos. Significa que não precisamos aprender a discriminar as cores. O que aprendemos, mais tarde, é denominar as cores de acordo com os padrões da nossa cultura. Desta forma, um esquimó tem cerca de 10 nomes distintos para diferentes tonalidades de branco, que nós brasileiros aglomeramos entre o “branco” e o “gelo”. Para descrever tonalidades intermediárias, recorremos a adjetivos, sufixos e outros artifícios de linguagem, a fim de poder transmitir a nossa percepção: falamos de um branco “sujinho” ou de um gelo “claro” ou “muito clarínho”. Para o ouvinte, obviamente, estas explicações .nem sempre serão muito úteis. Pense, por um momento, na seguinte afirmação: “ a arara é azul”. Quando fazemos declarações deste gênero a respeito das cores dos objetos que se encontram em nosso ambiente, não temos consciência de que na realidade ocorre uma série de coisas muito interessantes entre a luz do Sol (que é branca, portanto, composta de todos os comprimentos de onda do espectro visível) que incide sobre as penas da arara, a luz que é refletida da superfície do corpo da ave e a minha afirmação de que o animal “é azul”. Na realidade, o que se verifica é que, de todos os comprimentos de onda que incidem sobre as penas da arara, todas as cores são absorvidas pelas penas, exceto a cor azul, que é refletida e atinge minha retina quando observo o animal. Quando misturamos nossas tintas para pintar, estamos misturando diversos pigmentos que têm a capacidade de absorver uma parte das luzes do espectro e refletir outras. Já vimos que misturando três cores de luzes — azul, verde e vermelha — obtém-se uma luz branca (lâmina 5.3a). O mesmo não acontece, porém, se misturarmos nossas tintas azul, amarela e vermelha, porque desta vez estamos misturando substâncias químicas (pigmentos) que têm propriedades próprias, e o resultado será uma tinta de cor preta. Estas três (azul, amarelo e vermelho) são as cores primárias (lâmina 5.3b). Para obter uma tinta de cor branca, precisamos de um pigmento que tenha a capacidade de refletir todos (ou quase todos) os comprimentos de onda da luz solar. A cor que percebemos como preta é precisamente a quase ausência de luz refletida da superfície de um objeto.

Vamos refletir a respeito dos termos empregados para designar as cores. Percebemos de imediato que temos apenas quatro termos básicos: vermelho, amarelo, verde e azul. Temos ainda dois termos relativamente distintos: marrom e violeta. Existem algumas cores que são designadas pela combinação dos termos acima mencionados, como, por exemplo, azul-esverdeado, verde-azulado, amarelo-esverdeado e assim por diante. Um grande número de matizes são descritos através da comparação com objetos característicos, como, por exemplo: azul-celeste, verde-garrafa, amarelo-ouro, vermelho-tijolo e cor de areia. Deve-se ter em mente, porém, que este tipo de designação não está completamente livre de ambigüidades, pois os “objetos característicos” podem ser incomuns, não existir ou apresentar coloração diferente em diferentes regiões geográficas. A designação “cor de laranja”, usual nos Estados do sul do Brasil é freqüentemente substituída por “cor de jerimum” no nordeste, pois nesta região as laranjas, além de menos freqüentes, têm usualmente uma coloração amarelo- esverdeada. Por outro lado, dar nomes cientificamente corretos às cores sempre foi um problema difícil, e dentre as propostas mais importantes para uma solução encontra-se a sugestão dada em 1915 por um retratista americano de nome Albert Munseli. Ele criou um sistema de representação tridimensional de cores que permite incorporar as variáveis brilho, matiz e saturação. O brilho refere-se à intensidade de cor. O matiz refere-se ao comprimento de onda e é a característica do estímulo que percebemos como cor; a saturação refere-se à pureza da cor. Tomemos o cor-de-rosa como exemplo: vermelho e cor-de-rosa têm o mesmo matiz, isto é, a mesma cor, o que os distingue é sua saturação, pois o cor-de-rosa é um vermelho diluído. O sólido elaborado por Munsell assemelha-se a uma laranja de 20 gomos, na qual cada gomo é reservado para uma determinada cor que pode variar de saturação, dependendo da distância a que ela se encontra do eixo central onde se concentram os tons mais acinzentados (menos saturados). Variações no brilho, que é outra variável das cores, são ordenadas de baixo para cima em cada gomo e dependem da quantidade de branco ou preto que foi adicionado à cor. Aproximadamente a mesma representação foi adotada por Geldard quando elaborou o fuso de cor mostrado na figura 5.3. Na lâmina 5.4, encontra-se um círculo de cores, ou círculo cromático, contendo as cores do espectro solar e a púrpura, que não faz parte deste espectro. 5.5. “Ver cores com as mãos” — Uma capacidade extra-sensorial?

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Depois que duas repórteres americanas divulgaram o caso de uma camponesa russa que era capaz de discriminar cores com as mãos, verificou- se que muitas pessoas possuíam esta mesma capacidade, para a qual não

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Verde

Figura 5.3. Uma forma simples do fuso de cor. A dimensão de brilho é representada pelo eixo vertical, que vai do branco ao preto, passado por todos os cinzas discrimináveis. A saturação da cor é representada pelo raio do círculo central e seu perímetro representa o matiz. E no perímetro do fuso que se encontram todos os comprimentos de onda do espectro visível (cores), bem como as púrpuras que são cores não espectrais resultantes da mistura de cores das extremidades do espectro (violeta e vermelho). Trata-se, portanto, de cores que não são monocromáticas.

teloso conseguiu demonstrar que não se tratava de poderes misteriosos que estas pessoas possuíam. Seu primeiro cuidado foi medir a quantidade de calor que era absorvida ou refletida de superfícies de diferentes cores. A seguir, comparou estas medidas com os limiares diferenciais para temperatura e descobriu que a diferença entre a quantidade de calor refletida por uma superfície vermelha e uma superfície azul é muito maior que o limiar diferencial médio para temperatura do ser humano. Isto é, os receptores de temperatura da palma da mão têm sensibilidade suficiente para perceber o calor refletido pelos objetos. Depois que foram demonstradas as propriedades do sistema sensorial envolvido, o assunto passou da percepção extra-sensorial para a percepção sensorial.

havia uma explicação. Não se encontrava na pele destas pessoas nada que

se assemelhasse a um fotorreceptor. Alguns autores chegaram a afirmar que aproximadamente trinta por cento das pessoas teriam esta capacidade, e publicaram-se manuais ensinando as principais etapas para a aquisição desta discriminação. Após muita controvérsia, um cientista mais cau o

Branco

Preto

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6 Percepção de espaço, distância, profundidade e tamanho O espaço que nos cerca e os objetos nele contidos podem ser percebidos através de várias modalidades sensoriais. Por exemplo, você está lendo uma revista em seu quarto. De repente, ouve o choro de um bebê. O choro persiste. Você resolve ir até o berço instalado em outro quarto para ver o que aconteceu. Lá, você se depara com uma pequena criatura muito infeliz, que rapidamente se aloja em seus braços. Por meio da visão você pode comparar o bebê com o tamanho do berço e o comprimento de seus braços. Desta forma, avalia corretamente o tamanho do rebento. O corpo do bebê exerce pressão sobre a pele de seus braços e, para mantê-lo aconchegado em seu colo, os músculos dos seus braços se contraem. Esta pressão e contração fornecem informações adicionais a respeito do peso e tamanho do pequeno chorão. Ao afagá-lo, você sente a maciez da sua pele e verifica que sua temperatura está normal. Ao beijar-lhe a cabeça, sente aquele cheirinho característico de bebê novo.

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Neste exemplo, as informações foram captadas e transduzidas por, pelo menos, quatro modalidades sensoriais: audição, visão, tato e olfato. Pela audição você tomou conhecimento da presença do bebê chorão. A intensidade do som permitiu avaliar a distância a que se encontrava, isto é, se estava dentro da casa, no quintal ou no vízinho. A direção do som, por sua vez, forneceu informações sobre o local da residência em que o bebê se encontrava. Através destas informações auditivas, você foi capaz de identificar, com precjsão, uma parte do espaço ao seu redor. Avaliou alguns dos elementos nele contidos como, por exemplo, o local e a distância a que se encontrava a fonte sonora, e então deu início a uma seqüência de comportamentos que culminaram com a sua presença diante do berço. Através da visão, olfato e tato você pôde coletar mais informações a respeito do estado físico e emocional do bebê: não estava ferido (visão), não

havia vomitado (visão e olfato), não estava molhado (visão, tato e olfato) e não estava com febre (tato). Suas conclusões seriam bem diferentes se o bebê fosse membro da família dos seus vizinhos e estivesse acomodado na casa adjacente à sua. Nestas circunstâncias, as informações seriam, provavelmente, apenas auditivas. Freqüentemente, procuramos enriquecer nossas informações a respeito de objetos que nos cercam estimulando, adequadamente, o maior número possível de orgãos sensoriais. Há pessoas que, ao comprar arroz e feijão, no mercado ou na feira, não se contentam em olhar o produto. Antes de escolher o “melhor”, pegam os grãos na mão e os examinam com o tato, para verificar a sua consistência. Muitos dão uma cheiradinha; outros, no entanto, só conseguem decidir-se depois de morder um grão. Neste capítulo, analisaremos separadamente a percepção visual, auditiva, tátil e olfativa do espaço. E preciso lembrar, no entanto que, em nosso dia-a-dia, todos os órgãos dos sentidos estão simultânea e constantemente fornecendo um rico e complexo conjunto de informações a respeito do espaço que nos cerca, bem como do tamanho e distância das coisas nele contidas e, obviamente, de seu significado. 6.1. Percepção visual do espaço Para compreender melhor os aspectos visuais da percepção espacial, podemos iniciar nosso estudo com situações mais simples. Dediquemos nossa atenção a apenas duas dimensões do espaço: a verticalidade (para cima — para baixo) e a horizontalidade (esquerda — direita). O exame destes aspectos bídimensionais do espaço permite avaliar a largura, altura, forma e tamanho de figuras e objetos. O ser humano, no entanto, vive em um mundo tridimensional, onde a percepção da espessura ou profundidade dos objetos e a distância que deles nos separa também é fundamental. Veremos mais adiante a delicada relação entre a percepção visual do espaço bi e tridimensal, a percepção da contração e relaxamento de nossos músculos e a percepção do equilíbrio de nosso corpo. 6.1.1. Percepção do espaço bidimensional De 1930 a 1960, Witkin e outros pesquisadores realizaram uma série de experimentos que consistiam, basicamente, em pedir às pessoas que colocassem uma haste na posição vertical. A princípio, isto parecia muito simples. Mas começou a ganhar complexidade à medida que novas condições experimentais foram sendo investigadas. Por exemplo: a presença ou

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ausência de outros estímulos visuais além da haste vertical; a orientação espacial destes, como paredes e molduras verticais ou inclinadas; a variação das condições posturais, acomodando os sujeitos em cadeiras inclinadas; a alteração da estimulação proprioceptiva, pela força centrífuga e gravitacional resultante da rotação do cubículo em que o sujeito se encontrava. Estes experimentos mostraram que nossa percepção de verticalidade e horizontalidade (espaço bidimensional) é resultante da interação entre fatores visuais e proprioceptivos. Os indícios visuais são predominantes. Porém, à medida que são removidos, a percepção do espaço bidimensional passa a depender, cada vez mais, da estimulação proprioceptiva resultante da contração dos músculos e do equilíbrio ou desequilíbrio do corpo. E mais ou menos como diz o velho ditado “quem não tem cão, caça com gato”. Um resultado adicional, encontrado nestas pesquisas sobre percepção do espaço, mostrou uma relação entre características de personalidade e a maior ou menor dependência de indícios visuais ou proprioceptivos. Pessoas extrovertidas tendem a basear-se mais em indícios externos fornecidos pela visão, para colocar a haste na posição vertical. Pessoas introvertidas utilizam, predominantemente, indícios fornecidos pelo próprio corpo, através das sensações proprioceptivas. A contribuição dos indícios proprioceptivos torna-se evidente quando tentamos nos locomover num recinto completamente escuro. Apalpando aqui e ali, conseguimos recolocar em sua posição vertical correta móveis e objetos derrubados, tendo como único ponto de referência nossa própria postura e sensação de equilíbrio. Se você quiser testar sua capacidade de perceber a verticalidade de objetos, experimente, com os olhos venda- dos, recolocar na posição vertical um quadro anteriormente desalinhado na parede. A incrível interação entre indícios visuais e proprioceptivos pode ser avaliada nos

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relatos de pessoas que foram submetidas à gravidade próxima de zero, isto é, ficaram sem peso como os astronautas no espaço. A princípio, elas têm dificuldades de orientar-se, mas acabam se adaptando a um ambiente no qual tudo flutua. Documentários filmados durante os vôos espaciais e a caminhada dos astronautas na Lua mostram claramente esta capacidade de adaptação.

6.1.2. Percepção do espaço tridimensional

Além da verticalidade (altura) e horizontalidade (largura), percebemos uma terceira dimensão: a espessura (ou profundidade) dos objetos e a que distância se encontram uns dos Outros ou de nós. Há um fato interessante a respeito da percepção desta terceira dimensão: as imagens do mundo tridimensional são projetadas sobre a retina, que é uma estrutura bidimensional. Nosso comportamento, porém, mostra que percebemos cor-

retamente a terceira dimensão (distância e profundidade). Como esta informação é preservada? Resultados experimentais, obtidos de estudos diversos, permitiram reunir três tipos de indícios de profundidade responsáveis pela nossa percepção de distância: musculares, binoculares e monoculares.

6.1.2.1. Indícios musculares

Dois conjuntos distintos de músculos proporcionam informações sobre a distância. — Primeiro, os músculos que controlam a posição dos nossos olhos quando fitamos objetos próximos e distantes (fig. 6.1). Se você quiser sentir estes músculos, experimente a seguinte ginástica. Segure um lápis com o braço estirado à sua frente (fig. 6.2). Olhe para o lápis, prestando atenção ao tamanho e visibilidade dos objetos atrás dele. A seguir, olhando fixamente para o lápis, aproxime-o de seu nariz. Seus olhos estarão convergindo para uma posição gradativamente mais desconfortável. Quando estiver com o lápis bem próximo de seu nariz, preste atenção novamente ao tamanho dos objetos atrás do lápis. Você notará que parecem consideravelmente menores. Isto é, à medida que aumenta a distância entre o lápis

Músculo reto superior

Músculo elevador da pálpebra superior

Músculo reto interno

Músculo reto externo

Nervo óptico

Músculo reto inferior

Músculo oblíquo inferior

Figura 6.1. Músculos do olho.

Músculo oblíquo superior

Tróclea

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a

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e os objetos do fundo, estes parecem menores. Portanto, a convergência dos olhos proporciona informações tanto sobre a que distância se encontra o objeto que estamos observando, quanto sobre a distância entre ele e outros objetos do ambiente. Os indícios fornecidos por estes músculos proporcionam informações sobre objetos próximos (a menos de 25 metros). — Segundo, os músculos ciliares (fig. 6.3), responsáveis pela curvatura e espessura do cristalino, que, por sua vez, tem a finalidade de acomodar a imagem do objeto com nitidez sobre a retina. Para objetos que se encontram a distâncias superiores a 8 metros, estes músculos não fornecem indícios de profundidade. A esta distância, o cristalino já tem sua curvatura mínima. Os indícios provenientes destes dois conjuntos de músculos proporcionam informações a respeito da distância de objetos muito próximos de nós. São, portanto, indícios não mediados pelos fotorreceptores da retina, e sim pelos mecanorreceptores que se encontram nesses músculos.

6.1.2.2. Indícios binoculares

Você já pensou como deve ser o mundo visual das galinhas? Cavalos e algumas espécies de aves e peixes possuem olhos voltados para duas regiões completamente diferentes do ambiente. Disto resultam duas imagens retinianas bem distintas. Elas têm em comum apenas uma pequena parte do campo visual situada bem à sua frente. No ser humano, no entanto,

Figura 6.3. Músculos ciliares, responsáveis pela espessura do cristalino, a) Músculo relaxado - cristalino achatado (acomodação para longe). b) Músculo contraído - cristalino de curvatura aumentada (acomodação para perto).

os olhos estão na frente da cabeça, ambos voltados para o mesmo campo visual. A distância relativamente pequena (aproximadamente 6,5 cm) entre as duas pupilas dá origem a duas imagens retinianas levemente discrepantes. Para avaliar a magnitude das diferenças, faça a seguinte tentativa: pegue um lápis, feche um olho, e com o outro olhe para um objeto a uma certa distância, como um quadro na parede, por exemplo. A seguir estenda seu braço. Tente alinhar o lápis, de tal forma que ele cubra uma parte específica do quadro. Permaneça imóvel nesta posição. Agora, feche o olho que estava aberto e abra aquele que estava fechado. O que acontece? Parece que o lápis mudou de posição em relação ao quadro, o que não é verdade, pois o seu braço permanece firme e imóvel no mesmo lugar. Comece a piscar, fechando e abrindo os olhos alternadamente. Você verá o lápis “pulando” de um lado para o outro. Isto ocorre porque cada olho recebe uma imagem um pouco diferente dos mesmos objetos, isto é, há uma discrepância entre as duas imagens. Esta discrepância é conhecida como disparidade bin ocular, disparidade retiniana ou estereopsia. E precisamente da desigualdade das imagens projetadas nos dois olhos que o cérebro extrai a informação sobre a que distância o objeto se encontra do obser Acomodaçã

para longe

Acomodação para perto

Figura 6.2. A convergència dos olhos, a) Diante de objetos distantes. b) Diante de objetos muito próximos.

ciliar

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vador. Isto pode ser comprovado com o auxílio de aparelhos conhecidos como estereoscópios. O efeito é obtido tirando-se duas fotos do mesmo objeto, no mesmo momento, com duas máquinas fotográficas colocadas a 6,5 cm uma da outra, ou seja, à mesma distância de um olho para o outro. As duas fotos levemente desiguais são colocadas no estereoscópio, que projeta imagens separadas e diferentes em cada olho. Portanto, o observador encontra-se numa situação semelhante àquela verificada durante a visão normal. Da diferença entre a estimulação, resulta a impressão de profundidade. 6.1.2.3. Indícios monoculares Além dos indícios musculares e binoculares, há uma série de outros que permitem a percepção de espaço quando a observação é feita com um olho apenas. Os denominados indícios monoculares são comumente utilizados quando se deseja criar a percepção de espaço em fotografias, desenhos e pinturas. O cinema e a televisão, que nada mais são do que a projeção de imagens em telas, recorrem a estes recursos com muita freqüência. E difícil imaginar que, em outras eras da civilização ocidental, os artistas não tivessem conhecimento de muitas normas hoje consideradas elementares. L.eonardo Da Vinci (1452-1519), durante o Renascimento, foi responsável pela primeira descrição detalhada da perspectiva, um dos indícios monoculares de distância. Dentre os vários indícios monoculares, destacaremos alguns, como: tamanho relativo dos objetos, perspectiva linear, gradiente de textura e densidade, superposição ou interposição, luz e sombra, perspectiva aérea e paralaxe de movimento (fig. 6.4). Figura 6.4. Alguns dos principais indícios monoculares de distâncias. Tamanho relativo: objetos de mesmo tamanho colocados a diferentes distâncias projetam imagens de diferentes tamanhos sobre a retina - os próximos produzem imagens grandes e os distantes, imagens pequenas. Isto é, o tamanho relativo da imagem retiniana pode proporcionar informações sobre a distância a que o objeto se encontra. Uma imagem pequena pode significar um objeto grande distante ou um objeto pequeno próximo. Perspectiva linear: paralelas sâo retas que nâo se encontram. Porém, os trilhos da ferrovia e as marcas dos pneus na auto-estrada parecem convergir à distância no horizonte. Esta convergência aparente de paralelas é um dos sinais dos quais nosso cérebro extrai informações a respeito da distância. Gradiente de textura: sempre que nos deparamos com numerosos elementos semelhantes formando uma superfície como ladrilhos, tacos ou pedras no chão, aqueles que estão próximos projetam imagens retinianas maiores que os distantes. Esta diferença progressiva das imagens retinha- nas proporciona um gradiente de textura no qual os elementos distantes parecem gradativamente menores e mais numerosos. Superposição: dados dois objetos, se um oculta parcial- mente o outro, este é percebido como estando mais próximo. Luz e sombra: a maioria das fontes luminosas encontra-se no alto conferindo um conjunto característico de luz e sombras ao ambiente. Em geral a parte superior dos objetos é mais brilhante, havendo sombra na parte inferior. Se você virar o livro de cabeça para baixo, provavelmente a “bola” sobre a caixa parecerá uma cavidade, e a cavidade parecerá uma bola pendurada no teto. Perspectiva aérea: objetos muito distantes parecem embaçados e azulados.

Tamanho relativo Perspectiva linear

Gradiente de textura Superposição

Luz e sombra Perspectiva aérea

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• Tamanho relativo dos objetos Como vimos, quando um objeto se afasta do observador, sua imagem projetada na retina diminui gradativamente de tamanho. Portanto, dois objetos conhecidos e de igual tamanho, um próximo e outro distante, projetarão imagens de tamanhos diferentes na retina. E precisamente desta diferença de tamanho que o cérebro extrai informação sobre a distância a que se encontram os objetos. Como se vê, a percepção de tamanho e a percepção de distância estão vinculadas. A importância desta relação torna-se óbvia nas discrepâncias encontradas em descrições de objetos desconhecidos encontrados em lugares ermos ou mal iluminados, desprovidos de pontos de referência para o julgamento do tamanho ou da distância. • Perspectiva linear Você certamente já notou que os trilhos de uma estrada de ferro, apesar de paralelos, parecem convergir em algum ponto no horizonte distante. O mesmo acontece com os acostamentos das estradas de rodagem e com as árvores que ladeiam longas alamedas. A esta convergência aparente de linhas paralelas no horizonte damos o nome de perspectiva linear. Na representação bidimensional em desenhos e fotografias, os trilhos sempre aparecem como convergentes. Disto resulta a impressão de profundidade e distância. • Gradiente de textura e densidade Superfícies inteiramente lisas são raras. De um modo geral, a superfície dos objetos é irregular, possuindo

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estruturas que se distribuem de forma mais ou menos uniforme por toda a sua extensão, dando-lhe uma textura particular. E o que ocorre com a pele, a areia da praia, as pedras do chão, o veludo, um gramado ou uma parede de tijolos. Da próxima vez que você estiver no corredor da sua Faculdade, preste atenção ao chão, em particular ao piso de taco, ladrilho ou pedra. Verifique como, à medida que seu olhar se fixa mais longe, as pedras parecem menores e mais numerosas. Sua textura adquire um aspecto gradativamente mais fino ou mais denso. Portanto, a textura da superfície fornece informações importantes a respeito da distância a que se encontram as pessoas e objetos do nosso ambiente. Por exemplo, observe dois amigos jogando bola em um campo de futebol. Aquele que estiver sobre a região do gramado que se assemelha a um denso tapete de veludo parecerá mais distante do que o outro, que joga na região do campo mais próxima de você, onde ainda é possível discriminar folhas e falhas na grama. Estas modificações gra duai

formam um gradiente de textura em que objetos distantes são encontrados nas regiões do solo cujas projeções retinianas são pequenas. Nas regiões do solo que projetam imagens maiores, estarão os objetos mais próximos. Além das modificações na textura, é preciso lembrar que, na forma dos elementos da superfície, também ocorrem modificações aparentes, conforme as regras da perspectiva descritas anteriormente. Voltemos ao chão do corredor da sua Faculdade: além de parecerem menores e mais numerosos à distância, os ladrilhos (tacos ou pedras) que são quadrados (ou retangulares) parecem possuir uma forma trapezóide. Ou seja, o lado mais distante do ladrilho projeta uma imagem menor na retina do que o lado mais próximo de você. O gradiente de textura da superfície varia de acordo com a sua inclinação, fornecendo informações importantes sobre subidas e descidas de ruas, rampas e estradas e a presença de despenhadeiros ou degraus. Quando a superfície do chão é muito lisa, uniforme e mal iluminada, é difícil perceber degraus. Por esta razão, é prudente acrescentar faixas coloridas ou de material contrastante, para criar um gradiente de textura e assim evitar acidentes. E preciso não esquecer que estamos estudando cada um destes indícios, separadamente, com o intuito de conhecê-los melhor. Porém, quando nos movimentamos em nosso dia-a-dia, todos eles operam em conjunto, proporcionando-nos meios de julgar o ambiente pronta e precisamente. • Superposição, interposição ou oclusão Há uma lei da Física que afirma, muito acertadamente, que dois objetos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Na retina, as imagens dos objetos de um mundo de três dimensões são projetadas sobre uma superfície de apenas duas dimensões, na qual não existe a dimensão da profundidade. A informação sobre a distância e a profundidade é preservada por meio da oclusão parcial de uma imagem pela outra. Se estivermos observando três ou quatro objetos enfileirados à nossa frente, o primeiro projetará sobre nossa retina uma imagem que encobrirá parcialmente o segundo. Este, por sua vez, ocultará uma parte do seguinte, e assim sucessivamente. Esta interposição, superposição ou oclusão proporciona um forte indício para a percepção da distância relativa entre objetos. • Luz e sombra No mundo em que vivemos, a iluminação vem quase sempre de cima, do Sol, da Lua ou das luminárias do teto. Iluminação colocada em outras regiões do ambiente proporciona efeitos surpreendentes e por ve 94

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zes assustadores. Decoradores e diretores de filmes de terror utilizam-se deste recurso com freqüência. Experimente olhar-se no espelho, num recinto completamente escuro, tendo como única fonte de iluminação uma lanterna, colocada um pouco abaixo do seu queixo, iluminando seu rosto de baixo para cima. Que tipo de emoção você sentiu ao contemplar-se assim no espelho? Peça a participação de familiares e amigos. Verifique como a sua reação muda à medida que uma outra pessoa movimenta lenta- mente a posição da lanterna do queixo para a testa, onde a luz deverá ser apresentada de cima para baixo. Em parte, a beleza surpreendente do nascer e pôr do Sol é devida aos efeitos de luz e sombra criados nos objetos e paisagens, alterando seu tamanho e forma. Proprietários de casas noturnas de espetáculos aproveitam-se deste indício para criar climas especiais de entretenimento, instalando a iluminação no chão. Diretores de filmes de terror e técnicos de efeitos especiais, no cinema e na televisão, lançam mão deste indício para nos proporcionar espetáculos convincentes. Técnicas modernas de maquilagem oferecem à mulher a oportunidade de alterar o rosto, através dos efeitos de luz e sombra, permitindo ressaltar alguns aspectos de sua fisionomia e atenuar outros. E fácil entender que cosméticos mal empregados podem produzir drásticos efeitos, contrários aos desejados.

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Já vimos, no item anterior, que a oclusão parcial de imagens na retina é um indício da distância relativa entre objetos. Perspectiva aérea Eis aí um indício de distância muito conhecido de todos que vivem na zona rural e em cidades poluídas. Quanto maior a distância maior o número de partículas de água, pó e poluentes existentes no ar, entre observador e objeto observado. Disto resultam objetos que parecem progressivamente menos nítidos, mais azulados, violáceos ou acinzentados. Cor seqüentemente, menos detalhes poderão ser discriminados. O recurso c empregar figuras pouco nítidas e azuladas é freqüentemente utilizado por artistas que desejam criar a percepção de profundidade em seus desenhos, pinturas e filmes, O emprego de fumaça e vapor nos modernos shows de música alteram a percepção de distância nos palcos de pouca profundidade. • Paralaxe de movimento Este é o último dos indícios de profundidade que descreveremos, lembrando que ainda existem outros. Trata-se de um indício cinético, pois é produto da movimentação do próprio observador ou dos objetos observados. Da próxima vez que você estiver em um veículo em movimento,

preste atenção ao seguinte detalhe: objetos próximos, como postes, árvores, portões e porteiras, parecem movimentar-se rapidamente no sentido contrário ao seu. Ao passo que edifícios, casas e colinas distantes, além do seu ponto de fixação visual, parecem deslocar-se lentamente com você, isto é, no mesmo sentido. Esta aparente discrepância entre o movimento de objetos próximos e distantes fornece importantes indícios sobre a profundidade do espaço em que você se encontra. E denominada de paralaxe de movimento. Se, por outro lado, você não quiser esperar até seu embarque em um veículo, tente a seguinte experiência imediatamente: pegue dois lápis; segure um com a mão esquerda, próximo de seu rosto; o outro com a mão direita e com o braço bem esticado à sua frente. Olhe fixamente para o lápis próximo e mova a sua cabeça de um lado para o outro, sem perder o lápis de vista. Observe o que acontece com o lápis distante: ele parece mover-se na mesma direção que a sua cabeça. Agora faça o mesmo, olhando fixamente para o lápis distante. Mova novamente a cabeça de um lado para o outro. Você verá que, desta vez, o lápis próximo, para o qual você não estava olhando, desloca-se na direção contrária ao movimento lateral da sua cabeça. A paralaxe de movimento pode ser considerada o principal indício de profundidade, pois está presente em recém-nascidos mesmo antes que estes possam coordenar os movimentos de seus olhos. Adultos que possuem apenas uma vista funcional valem-se do mesmo indício, como é possível verificar pela movimentação característica de sua cabeça quando querem julgar a distância. E utilizada também por animais, como, por exempio, galinhas e cavalos, dotados de olhos cujos campos visuais são separados ou têm pouca ou nenhuma sobreposição. No transcorrer deste capítulo, analísamos a percepção do espaço bi e tridimensional separadamente. E óbvio, no entanto, que a percepção do espaço que nos circunda depende da interação de todos os indícios. Seguramente, esta riqueza tão grande de indícios visuais contribui para a sobrevivência e formidável adaptação do ser humano sobre o planeta. 6.2. Percepção auditiva do espaço Já vimos, no exemplo de nosso bebê chorão do princípio do capítulo, que a percepção do espaço é proporcionada por diversas modalidades sensoriais. Vimos o importante e complexo papel desempenhado pela percepção visual. Vale a pena acrescentar mais alguns detalhes úteis sobre a percepção auditiva do espaço. Por meio do sistema auditivo, muitos objetos e elementos do ambiente podem ser detectados, localizados e identificados, permitindo que sua natureza e trajetória no espaço sejam prontamente percebidas. Você, certamente, ainda se recorda da importância de possuirmos dois olhos e do fa 96

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to de que o cérebro extrai informação sobre a localização no espaço tridimensional da discrepância entre as duas imagens retinianas, parcialmente diferentes. Também possuímos dois ouvidos, e as diferenças temporais na estimulação de suas respectivas células receptoras fornecem informações sobre a localização da fonte sonora. Raramente as fontes sonoras em nosso ambiente se encontram à nossa frente. Freqüentemente, os sons são emitidos por objetos, animais ou pessoas que, como nós, movimentam-se pelo espaço. Assim sendo, atingem primeiramente um ouvido e a seguir o outro. Se você encostar um despertador a seu ouvido direito, você ouvirá o seu tique-taque primeiramente com este ouvido e, apenas meio milionésimo de segundo depois, poderá ouvi-lo também com o ouvido esquerdo. Não é apenas quanto ao tempo de chegada que o estímulo sonoro difere; quanto à intensidade também. O som que atinge o segundo ouvido é sempre menos intenso: é atenuado pela barreira do crânio.

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Destas diferenças temporais e de intensidade, o cérebro extrai informações sobre a localização da fonte sonora no espaço. A informação visual e auditiva do ambiente é captada por dois órgãos sensoriais simetricamente localizados na cabeça. Os impulsos nervosos oriundos de um olho (ou ouvido) diferem ligeiramente daqueles oriundos do outro. Desta diferença não resulta nenhuma confusão na percepção, como poderíamos esperar. Muito pelo contrário, a discrepância fornece ao cérebro elementos para uma correta percepção do espaço visual (distância e profundidade) e auditivo (localização). Quando, por exemplo, olhamos para uma pessoa que está falando conosco bem na nossa frente, a discrepância de vermos com os dois olhos e ouvirmos com os dois ouvidos é mínima. Disto resultará um julgamento correto a respeito do local e da distância em que se encontra nosso interlocutor. A intensidade do som também nos fornece informação sobre a distância em que se encontra uma fonte sonora conhecida. A experiência nos ensina que os sons diminuem de intensidade à medida que se distanciam as suas fontes sonoras. Em recintos grandes, como cinemas, teatros, igrejas e salas de conferência, é preciso tomar providências para que a platéia possa ouvir bem em qualquer lugar. Atualmente, é possível superar muitas dificuldades com o auxílio das modernas soluções eletrônicas, empregando amplificadores e alto-falantes. No passado, uma parte do sucesso dos cantores de ópera, corais e das grandes orquestras e bandas era devida à grande intensidade dos sons emitidos nestes espetáculos. Durante muitos séculos, arquitetos de todo o mundo vêm desenvolvendo normas para construção de grandes espaços que favoreçam a propagação do som, evitando, porém, a formação de ecos. De um modo geral, estes recintos têm um teto muito elevado que não é paralelo ao chão. As velhas e famosas catedrais européias e nossas igrejas coloniais fornecem exemplos de soluções arquitetônicas bem-sucedidas. Há situações em que o eco é propositadamente criado e empregado para a percepção de objetos no espaço. Este procedimento é freqüente por

parte das pessoas portadoras de deficiências visuais. Elas se utilizam do eco de seus próprios passos para obter informação sobre a presença de objetos próximos. Neste caso, os ecos desempenham um papel importante em sua locomoção. Um mecanismo de orientação espacial semelhante é utilizado pelos morcegos enquanto voam. Através do eco de sons gerados por eles mesmos, caçam mjnúsculos insetos. Evitam colisões com objetos do ambiente, voando com espantosa agilidade e precisão. O “sonar” provoca eco no meio líquido e permite detectar, com auxílio de aparelhos especiais, cardumes e objetos submersos. Na Medicina, sua aplicação oferece a oportunidade de obter informações sobre as características e funcionamento de estruturas anatômicas, como o coração e os órgãos genitais do feto, muito antes de seu nascimento. Desta forma, o médico avalia o desenvolvimento do feto e, também, os pais são auxiliados na escolha do nome e da cor do enxoval do bebê. A ecografia é uma descrição muito útil da forma e funcionamento do coração. O ser humano não tem receptores adequados para captar os sons empregados no sonar. Estes são emitidos e captados por aparelhos especiais que os transformam em estímulos visuais. A percepção auditiva é apenas um aspecto da complexa percepção espacial do ser humano. Informações audiovisuais a respeito de objetos e pessoas são comparadas com informações táteis, cinestésicas, olfativas e gustativas. Portanto, quanto mais abundantes forem as informações, maior a probabilidade de um julgamento correto do espaço e dos objetos nele contidos. 6.3. Percepção espacial tátil Dizem que “tamanho não é documento”. Convém lembrar, no entanto, que a pele é o maior de nossos órgãos sensoriais. E prontamente empregada pelo bebê recém-nascido, ao iniciar sua interação com o ambiente. De certa forma, a pele se assemelha à retina do olho e à cóclea do ouvido. Nos três órgãos sensoriais, os receptores encontram-se agregados, um ao lado do outro, em uma superfície sobre a qual incide a energia existente no ambiente. Por meio da visão e da audição, freqüentemente tomamos conhecimento de objetos muito distantes, como, por exemplo, um avião a grande altitude. As vezes, o tato também nos auxilia a perceber melhor objetos distantes. E o que ocorre quando passamos em frente de uma geladeira cuja porta está entreaberta. O ar frio que sai da fresta é prontamente percebido pelos receptores térmicos da pele. A intensidade da temperatura permitirá avaliar se estamos próximos ou distantes do aparelho. Quando adormecemos sobre a esteira, na praia ou na beira da piscina, os receptores térmicos não permitirão que o sol seja esquecido. De um mo 98

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6.5. Interação multi-sensoríal

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do geral, no entanto, o tato fornece informações sobre objetos que já estão em contato com nossa pele. Um exame mais detalhado pode fornecer informações importantes a respeito da temperatura, forma e tamanho do objeto. O tato contribui para tomarmos consciência de nosso próprio corpo, auxiliando-nos a discriminar o “Eu” do “Não Eu”, isto é, diferenciar nosso corpo dos demais objetos do ambiente. A interação entre tato e cinestesia permite a obtenção de informações importantes e detalhadas sobre objetos próximos, ao alcance da mão. Percebendo a temperatura, a textura dos tecidos que nos envolvem e a posição de nossos braços, mãos e dedos, somos capazes de puxar o lençol e descartar o cobertor, sem precisar acender a luz do quarto nas noites quentes de verão. O tato permite discriminar um do outro. Através da cinestesia, afastamos o cobertor indesejável a uma distância adequada de nosso corpo. A percepção do espaço imediato e distante é perfeita, graças à sofisticada interação múltipla das modalidades sensoriais. 6.4. Percepção olfativa do espaço Enquanto escrevíamos estas linhas, sentimos o cheirinho da carne assando sobre a brasa da churrasqueira de um de nossos vizinhos. Com um leve movimento de cabeça, foi fácil localizar a fonte do conhecido odor: estava na direção do quintal. Portanto, sem sair do gabinete, foi possível tomar conhecimento de objetos relativamente distantes, como a churrasqueira, carvão e carne de casas vizinhas. A intensidade do cheiro permitiu avaliar a distância do churrasco. Para maiores informações sobre a localização exata, forma, cor e tamanho do churrasco, precisamos da visão. Para saber se o tempero estava bom, bastou felicitar o vizinho aniversariante e aceitar o prato que nos ofereceram. Estava delicioso! Temos duas narinas pelas quais o odor das substâncias penetram. Portanto, se o odor está sendo propagado por uma brisa que vem da direita para a esquerda, atingirá primeiramente uma narina e, depois de fração de segundos, a outra. Como na audição, o resultado é uma diferença temporal entre a estimulação olfativa proveniente dos receptores. Porém nós não percebemos dois cheiros; percebemos um odor que vem de um lado. Isto é, a discrepância temporal entre os estímulos permite perceber a localização da fonte de estimulação. Através do olfato, recebemos informações sobre determinadas características qualitativas do espaço, imediato e distante. Por exemplo, podemos avaliar se o local em que nos encontramos é arejado ou se está abafado, se a água da piscina contém cloro, se há ou não vazamento de gás no fogão. Estas informações a respeito do espaço e dos objetos nele existentes são fundamentais para a nossa sobrevivência. Não poderiam ser fornecidas pela visão e audição. ,.--

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Graças à riqueza de informações existentes a respeito do espaço e à extraordinária interação entre todas as modalidades sensoriais, somos capazes de perceber e viver adequadamente, mesmo quando ocorrem deficiências temporárias ou permanentes em uma destas modalidades, como por exemplo, na cegueira e surdez. 6.6. Percepção do tamanho Nossa percepção de tamanho é excepcional. Vejamos se você concorda: coloque sobre uma mesa um objeto qualquer, como um copo ou este livro. A seguir, dê um passo para trás. Olhe bem para o objeto e diga, em voz alta, quantos centímetros você acha que ele tem de altura (ou comprimento). A seguir, dê mais um passo para trás e faça um novo julgamento de seu tamanho que seja independente do julgamento anterior. Continue procedendo da mesma maneira por mais uns cinco ou seis passos, sempre observando atentamente o objeto. Você verificará que, à medida que você se afasta do objeto, sua percepção de tamanho permanece inalterada. Esta singela experiência pode parecer uma tolice. Mas é justamente a constância de seu julgamento sobre o tamanho do objeto que é intrigante. Tente repetir a mesma experiência. Porém, desta vez, sejamos mais cautelosos. Afaste-se mais ou menos um ou dois passos do objeto e feche um olho; com um lápis na mão, estenda o braço bem à sua frente. Tente marcar a altura do copo ou do livro com o polegar sobre o lápis, como fazem os desenhistas e pintores quando querem medir o tamanho de objetos. A seguir, dê um passo para trás e torne a medir o tamanho do copo com o seu lápis; proceda desta maneira a cada passo que se distanciar. E agora, o que você verificou? Quanto maior a distância entre você e o copo, menor o tamanho assinalado com o seu polegar no lápis. A imagem projetada na retina sofre modificações semelhantes. Com o aumento gradual da distância, verifica-se a correspondente diminuição do tamanho da imagem. E é desta imagem na retina que resultarão os impulsos nervosos que serão enviados para o cérebro. O que intriga, no entanto, é que seu julgamento a respeito do tamanho do objeto corresponde ao tamanho real e imutável. Isto é, apesar da redução do tamanho da imagem na retina você não percebe o objeto como se estivesse encolhendo. Como explicar esta excepcional capacidade de perceber corretamente o tamanho dos objetos? Movidos por esta curiosidade, vários pesquisadores dedicaram seu tempo e interesse ao estudo da percepção de tamanho. Verificaram que ela depende da percepção da distância (ou profundidade) e dos demais objetos próximos. Tudo indica que a correta percepção de tamanho só é pos101

sível porque respondemos a uma relação entre objetos. Isto é, objetos e demais elementos do ambiente, próximos do objeto observado, determinam a nossa percepção de seu tamanho. Disto se aproveitam diretores de cinema, televisão, teatro e companhias de propaganda, confeccionando mobília e outros

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objetos de grandes dimensões, para dar a impressão de que o personagem da história é muito pequeno. Quando o efeito contrário é desejado, ou seja, proporcionar-nos a impressão de que determinado modelo de automóvel ou poltrona é grande e espaçoso, esses objetos são inseridos entre outros objetos pequenos, ou, então, são contratados apresentadores muito charmosos, porém de baixa estatura. Já vimos que um dos indícios de tridimensionalidade do espaço, o gradiente de textura, informa sobre a que distância se encontram partes diferentes de grandes superfícies, como o solo e as paredes, uma vez que os seus elementos, como pedras e tijolos, localizados a grandes distâncias, projetam imagens retinianas muito pequenas. A conhecida ilusão visual de Ebbinghaus, apresentada na figura 6.5, ilustra claramente a importância da relação entre elementos diversos do ambiente. Consiste de dois círculos de igual tamanho; um circundado por círculos pequenos e outro por círculos grandes. Os círculos pequenos e suas respectivas imagens retinianas proporcionam indícios de objetos distantes; as imagens retinianas dos círculos grandes proporcionam indícios de objetos próximos. Conseqüentemente, os dois círculos centrais iguais são percebidos como sendo de tamanhos diferentes, pois este julgamento é produto da interação entre todos os elementos presentes na figura.

Figura 6.5. Ilusão de Ebbinghaus.

Quando somos convidados a julgar o tamanho de objetos, em circunstâncias nas quais não é possível compará-los com outros objetos, nem julgar a distância, verifica-se que, se o objeto é conhecido, nossa percepção do seu tamanho é correta porque o julgamos de memória. Se, porém, o objeto é desconhecido, cometemos erros perceptivos. Esta é uma das causas prováveis das discrepâncias entre os relatos de pessoas que alegam terem visto discos voadores. Os erros perceptivos serão obviamente maiores quando as circunstâncias forem pouco propícias para o julgamento da profundidade, isto é, quando forem vistos em céu aberto, em praias ou campos desertos, ou na penumbra. Quando a distância entre observador e objeto for muito grande, a percepção de tamanho pode ficar comprometida. Por isto nos surpreendemos que automóveis vistos do alto de arranha-céus pareçam brinquedos e pessoas se assemelhem a formiguinhas. Existem, no entanto, relatos de pedreiros e limpadores de janelas, acostumados a trabalhar a grandes alturas, mostrando que a experiência desenvolve uma correta percepção do tamanho dos objetos e pessoas observadas no solo. Estes profissionais não relatam a sensação de ver miniaturas. O tamanho dos objetos também pode ser percebido pela interação entre tato e cinestesia. Para pegar uma chave escondida sobre um guarda-roupa, em um quarto completamente escuro, dependeremos do tato e da cinestesia para encontrar o guarda-roupa. Levantando os braços a fim de alcançar o alto do móvel, os receptores cinestésicos nos informam se ele é mais ou menos da nossa altura. Se precisarmos ficar na pontinha dos pés, os receptores cinestésicos das pernas permitirão um julgamento mais seguro de que se trata de um objeto bem mais alto que nós. Ao esbarrar com a mão na chave, tato e audição fornecerão informações conjuntas sobre as suas características. Resumindo, podemos afirmar que nossa percepção de espaço, distância, profundidade e tamanho depende da interação de muitos indícios captados por várias modalidades sensoriais, principalmente visuais e cinesté o

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7 Percepção da forma Em todos os objetos que percebemos visualmente, o que mais nos chama a atenção e o que nos parece mais importante é a sua forma. Em geral, quando solicitados a descrever um objeto, definimos em primeiro lugar sua forma, só depois descrevemos sua cor, seu brilho e, talvez, por último vamos nos referir a um seu possível movimento. Por ordem de importância, esta é a seqüência que as qualidades de um objeto têm para nós. Mas de modo algum corresponde à seqüência da percepção mais elementar à mais complexa. Como veremos no capítulo 11, referente à percepção de movimento, é este o percepto mais primitivo. Muitos animais apenas vêem um objeto quando está em movimento. A habilidade que os seres humanos têm em olhar para um objeto estacionário e perceber até os mínimos detalhes de sua forma é reservada apenas aos animais que se encontram nas posições mais elevadas na escala filogenética. A habilidade de ver formas estacionárias envolve um alto grau de atividade e desenvolvimento cortical. Certamente, envolve algumas das funções mais complexas do sistema visual. Ao estudar percepção de forma, o pesquisador de comportamento se preocupa basicamente com um problema: como é que um objeto em nosso campo visual — com seus inúmeros elementos constituintes (ângulos, contornos, áreas contínuas, padrões repetitivos, curvas etc.) projetados pelo sistema ótico sobre a retina — passa a ser visto como um objeto integrado, dotado de significado? Em outras palavras, como emerge a forma (no sentido mais amplo possível), a partir dos elementos constituintes do objeto? Este problema único pode receber explicações em várias abordagens, num primeiro instante completamente diferentes, mas que talvez se unam, um dia, sob uma teoria única. Aqui abordaremos apenas duas linhas de ataque ao problema de percepção (visão) de forma: uma tomando

como ponto de partida recentes descobertas fisiológicas a respeito do sistema visual, e outra, uma teoria clássica, a teoria da Gestalt. Esta última é tradicionalmente considerada a psicologia da forma por excelência, tendo constituído uma escola. Nascida na Alemanha no início do século XX, com Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Kõhler, em oposição ao behaviorismo dos Estados Unidos, mantém adeptos até os dias de hoje. 7.1. Neurofisiologia da percepção de forma A imagem luminosa projetada pela córnea e cristalino sobre a camada de receptores — primeiro elo neural do sistema visual — apenas representa um padrão claro-escuro sem significado algum. Vamos neste momento deixar de considerar os matizes (cores), uma vez que a percepção de forma pode ser entendida totalmente desvinculada da percepção de cores. (Aliás, o próprio sistema visual faz esta separação.) O padrão claro-escuro (a imagem) estimula diferencialmente os receptores, de acordo com a iluminação que cai sobre cada receptor “e seus vizinhos”. Esta última expressão — “e seus vizinhos” — é extremamente importante. Na verdade,

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é a chave da percepção de forma: se cada receptor reagisse somente à intensidade da luz que cai sobre ele mesmo, jamais poderia ser extraída alguma informação a respeito do conjunto de elementos do objeto. O objeto como um todo nunca poderia ser percebido. Mas se a resposta de cada receptor depende também da iluminação incidente sobre os receptores vizinhos, obtém-se informação da parte e do todo, pois a resposta neural do receptor será diferente se a iluminação a seu lado for totalmente diversa (mais brilhante ou mais escura), determinando um contorno, ou se a iluminação é exatamente igual, determinando, portanto, uma área homogênea. Esta atuação recíproca entre neurônios no sistema visual não se limita aos receptores e outros neurônios da retina, mas se verifica também entre os neurônios de todos os elos de integração do sistema visual. Já no segundo neurônio após os receptores — as células ganglionares —, mas ainda na retina, pode-se verificar nitidamente o início da percepção de forma. Foi demonstrado que, em retina de gatos, as células ganglionares já diferenciam linhas retas de diferentes inclinações. O mesmo ocorre ao nível do corpo geniculado lateral, onde existem neurônios que respondem, de forma muito nítida, a linhas em diferentes orientações. Investigando os neurônios do sistema visual do córtex visual de gatos (córtex estriado, área 17), Hubel e Wiesel encontraram neurônios que respondem a características cada vez mais específicas de forma. Chamaram a estes neurônios de “simples” ou “complexos”, de acordo com a especificidade a que respondiam. Ao nível das áreas do córtex pré-estriado (áreas 18 e 19), que são elos na integração da informação visual, foram encon 104

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tradas células, muitas vezes denominadas de “super e hipercomplexas”. Respondiam a estímulos mais específicos ainda, isto é, não só a linhas e bordas, mas já impondo restrições ao comprimento máximo das linhas. E claro que uma linha com um comprimento limitado ainda não é uma forma ou um objeto, como o vemos no dia-a-dia. No entanto, um segmento de linha já constitui um elemento que compõe uma forma. Sem dúvida, aponta para a maneira como o sistema visual consegue extrair, de um estímulo visual dotado de forma complexa, os elementos constituintes para proceder à análise do percepto. E importante notar também que, quanto mais “complexas” as células neurais do sistema visual, isto é, quanto mais específicos devam ser os estímulos visuais para que ocorra uma reação máxima da célula, maior é seu campo receptivo na retina. Por campo receptivo, entendemos o conjunto de receptores que se conectam a um neurônio do sistema visual, em qualquer um dos níveis de integração da informação visual, O campo receptivo corresponde a uma área da retina, sobre a qual se projeta a imagem de uma região específica do campo visual. Deste modo, se os campos receptivos se tornam maiores para os neurônios visuais mais complexos, estes responderão a partes maiores do campo visual. Isto significa que, para “perceber a forma” em causa, há uma dependência cada vez menor de localizar o objeto no campo visual. O significado é realmente adaptativo, pois uma árvore deve ser reconhecida como tal, independentemente de onde esteja no campo visual, isto é, da área específica da retina sobre a qual é projetada a imagem desta árvore. Outros pesquisadores, dentre os quais o brasileiro Rocha Miranda, estudando o sistema visual de macacos, procuraram neurônios visuais num nível de integração ainda mais elevado que o córtex estriado e pré-estriado, ou seja, no córtex ínfero-temporal. Enquanto os córtex estriado e pré- estriado ainda correspondem a áreas exclusivamente visuais, isto é, todos os seus neurônios possuem função visual, o córtex ínfero-temporal já é, nitidamente, uma área de integração poli-sensorial, na qual ainda podem ser encontradas muitas células visuais. Nesta área foram encontradas células que emitiam sua resposta máxima diante de estímulos visuais extremamente específicos e complexos, como, por exemplo, uma pata de macaco. A pata de macaco podia ser apresentada com igual efeito em qualquer parte do campo visual e em tamanhos diversos, mostrando que a célula era responsável apenas pela visão da forma do objeto e não de sua localização no espaço ou de seu tamanho. Já a posição dos dedos da pata e a direção em que apontavam influenciavam a intensidade da resposta deste neurônio. Estas alterações correspondiam a uma mudança da forma do estímulo. Pode-se, pois, conjecturar que o circuito neural visual é arquitetado de maneira a, inicialmente, desdobrar as imagens visuais em linhas de diferentes inclinações, depois limitar o comprimento das linhas, combinan do-a

entre si, até que cheguem a combinações quase únicas, como uma pata de macaco ou, até, a face específica do experimentador. Se, de um lado, já podemos entender como se forma, da combinação de várias células simples, uma de campo complexo, por Outro lado ainda nos são totalmente desconhecidos os circuitos neurais para obter as combinações mais específicas. Entretanto, inúmeros trabalhos de pesquisa da atualidade abordam o problema. Vamos recordar: da simples projeção da imagem ótica (luminosa) sobre os receptores da retina, é extraída a forma como um todo, pelas sucessivas convergências da informação, gerando combinações (padrões) únicas. Sobreposta a esta convergência existe também uma divergência do fluxo de informação visual. A convergência se evidencia pelo fato de que o objeto, como um todo, estimula um grande número de

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neurônios da retina e, ao nível do córtex ínfero-temporal, neurônios individuais são responsáveis pela percepção da forma deste objeto. Por outro lado, devido à divergência, nos primeiros elos de integração, o local de estimulação da retina é importante. No entanto, nos níveis corticais superiores, a localização já não importa mais. Na verdade, a divergência é muito maior que a convergência, pois o número de receptores na retina é bem inferior ao número de neurônios visuais no córtex visual e no córtex de integração poli-sensorial. Na figura 7.1 estão representadas, esquematicamente, a convergência e a divergência neural do sistema visual, que leva à análise e à percepção integral das formas.

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7.2. A percepção de forma pela teoria da Gestalt

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Esta segunda abordagem, que procura explicar como ocorre a percepção de formas, é totalmente oposta à primeira, pois não parte de dados fisiológicos do sistema visual mas sim, partindo de perceptos de formas, procura, pela formulação de certas regras, mostrar como se chegou

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A teoria da Gestalt é bastante conhecida daqueles que estudaram história da Psicologia. Certamente, tomaram contato com as leis e princípios da Gestalt para a percepção de forma. De imediato, parecem muito óbvios e explicativos. Mas, em geral, não é explicitado o que realmente sigiiificam para o problema da percepção de formas, assim como o formulamos no princípio deste capítulo. O que preocupou os psicólogos da Gestalt foi: como, a partir de elementos isolados, poderia ser percebido um todo que representava algo de novo, isto é, não a simples soma das partes? Como, das partes, pode surgir um todo com um significado próprio? Como este todo pode se impor mais ao sujeito que as partes? Foi para responder a estas perguntas que foram formuladas as leis da Gestalt. São leis a posteriori, ou seja, sempre que era possível se perceber um determinado todo, verificava-se que seus elementos guardavam entre si uma certa relação. Os psicólogos da Gestalt acreditavam que havia, nos organismos, algo (uma estrutura representativa das leis da Gestalt) que os levava a organizar as partes de certo modo. Obviamente, as leis da Gestalt não podem, na maioria das vezes, explicar a percepção dos elementos no percepto total. Seria como que postular, para estes elementos, a existência de um mecanismo pré-programado de percepção. A lei básica que governa a percepção de uma forma, segundo a Gestalt, é a Lei da Boa Forma ou Lei da Pregnância. Todo objeto é visto de modo a apresentar uma forma “harmoniosa”, “boa”, “estável”, que se imponha, que seja mais regular, mais simétrica ou mais simples. Para tanto, a Lei da Boa Forma pode ser dividida numa série de leis secundárias que regulam o agrupamento dos elementos, a fim de que a forma total seja “boa”. Na verdade, estas regras pouco ajudam o pesquisador. O que realmente dirá se uma forma é “boa” ou não é seu efeito sobre o observador. As principais regras que levam a uma “boa forma” são as seguintes: 1. agrupamento por proximidade — elementos próximos uns aos outros parecem fazer parte de um mesmo todo; 2. agrupamento por similaridade — elementos semelhantes ou iguais parecem fazer parte de um mesmo todo; 3. boa continuidade — elementos que estão na mesma direção de partes do padrão regular são a ele integrados, dando continuidade a este padrão;

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4. fechamento — os elementos são agrupados de modo que o todo forme uma figura fechada. A figura 7.2 ilustra, através de exemplos clássicos, estes princípios da Gestalt. Sua insuficiência para explicar a percepção de uma forma complexa, como a pata de um macaco, parece óbvia. Para um estudo mais pormenorizado da percepção, sob o ponto de vista da Gestalt, é interessante combinar estes vários princípios e observar a rivalidade entre eles. A figura 7.3 ilustra a rivalidade entre o princípio de proximidade e de similaridade: na medida em que os elementos semelhantes se afastam um do outro, deixa-se de perceber colunas de elementos iguais para perceber fileiras de elementos diferentes, mas próximos entre si. Este exemplo mostra como as leis atuam em conjunto, proporcionando a percepção de um padrão global. Há uma terceira maneira de analisar a percepção de formas, sem reduzir o sistema visual ao nível fisiológico, nem enquadrar em princípios ou leis as maneiras que temos para agrupar elementos de um percepto: verificar como, de modo geral, ocorre a percepção de uma forma, quando um observador olha para um objeto. Um elemento básico necessário para a percepção de uma forma visual é a presença de um contorno. Este poderia ser definido como uma variação, ou alteração abrupta de luminância, em nosso campo visual. Uma área completamente envolta por um contorno, em geral é vista como uma forma distinta (ou figura). Contornos, ou seja, variações repentinas de luminância no campo visual, são necessários para que ocorra percepção de qualquer forma. São bastante conhecidos os estudos feitos com campos homogêneos, muitas vezes designados pela palavra alemã Ganzfeld, nos quais o sujeito não percebe coisa alguma. Por exemplo, bolas de pinguepongue são ótimos difusores de luz. Permitem que nossos olhos recebam uma iluminação homogênea, sem a possibilidade de vermos formas ou contornos. Se cobrirmos nossos olhos com metades dessas bolas e olharmos para uma luz vermelha, verificaremos que esta cor se esvanecerá, em poucos minutos, tornando-se um campo incolor. Se sobre cada bola traçarmos uma linha escura, introduzindo, portanto, um contorno em nosso campo visual, a cor se manterá por muito mais tempo. Na verdade, somente desaparecerá quando a própria linha se dissolver no campo homogêneo. A cegueira provocada por campos extensos de neve não é nada mais que um exemplo natural deste fenômeno.

7.3. O contorno como elemento constituinte da forma

c d Figura 7.2. Exemplos de princípios de “Boa Forma” da Gestalt. a) Por “agrupamento”, os pontos são reunidos e separados em quatro grupos distintos. b) Por “similaridade”, o quadrado de elementos (visto como um todo por “agrupamento”) é separado em quatro quadrados menores, cujos elementos se juntam por “similaridade”. c) A “boa continuidade” faz o observador ver uma figura fechada e uma linha curva. d) As três figuras são vistas como um círculo, quadrado e triângulo pela lei do “fechamento’ que faz o observador ignorar as interrupções nos lados destas figuras.

ELILILILIEI ii•i•• DE LI LI Figura 7.3. Pela lei da proximidade devemos ver colunas verticais de elementos. Pela lei da sim ilaridade devemos ver carreiras horizontais. E possível construir esta figura de tal maneira que as distâncias horizontais e verticais possam ser alteradas. Com uma figura destas, torna-se possível determinar exatamente a distância entre os elementos, para que as duas leis atuem com igual força. Neste caso o sujeito verá uma oscilação entre os dois perceptos.

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Mas por que é necessário um contorno para que ocorra visão de formas? Já respondemos no princípio deste capítulo. Dissemos que a função mais primitiva do sistema visual é a percepção de movimento e que, na verdade, a percepção de formas estáticas é uma conquista da evolução fi logenética

Quando há algum contorno em nosso campo visual, a movimentação contínua de nossos olhos (nistagmo) transforma a variação de iluminação numa variação temporal para cada sítio da retina. Isto ativa o sistema visual e permite a visão contínua do contorno, O contorno é

visto como estando parado, devido a processos que veremos no capítulo dedicado à visão de movimento. Se não houver variação de iluminação no campo visual (isto é, um contorno), por mais que ocorra movimentação dos olhos, a estimulação visual não adquire uma variação temporal, o que leva à desativação do sistema visual. E o que ocorre no Ganzfeld. Uma linha pode ser considerada a forma mais simples, isto é, um único contorno que divide o campo visual em duas partes. Mas a maioria dos objetos com que nos deparamos no nosso dia-a-dia são compostos por unidades integradas, que chamamos de figuras. Figura é, portanto, um grupo integrado de contornos. Nossa experiência pessoal mostra que a percepção de figuras é básica. Ou seja, a percepção de uma figura, na maioria das vezes, impõe-se ao observador, destacando-se do restante a que chamamos de fundo. O livro em cima de uma mesa é percebido como uma figura e o tampo da mesa como o fundo; o tampo da mesa, por sua vez, é figura em relação ao chão. Estas sensações se impõem de maneira inquestionável. Mas nem sempre o problema é tão simples, como pode ser visto na figura 7.4, que mostra o clássico exemplo do vaso e dos dois perfis de Rubin. Este tipo de figura é chamada de reversível. Olhando-a por algum tempo, veremos alternadamente os dois perfis ou o vaso, isto é, alternadamente, partes diferentes de nosso campo visual se tornam figura ou fundo. Em outras palavras, às vezes será figura a região branca e o fundo será a região preta; e às vezes acontecerá o inverso. Nunca veremos simultaneamente as duas regiões como figuras! O contorno, que define a figura como dissemos acima, será visto sempre fazendo parte da região que, naquele momento, vemos como figura.

Mesmo numa figura reversível, pois, o contorno continua sendo o determinante da figura. Só que o que é visto como contorno não é determinado, unicamente, pelo arranjo espacial das bordas, mas também por uma interpretação visual do estímulo. Existem alguns parâmetros que tornam maior a probabilidade de uma parte ser vista como figura: a forma se parece mais com alguma “coisa’ é mais fechada, é menor, tem um significado, é mais brilhante, é simétrica, e assim por diante. Mas a percepção de uma figura reversível também é influenciada por algumas variáveis, como a expectativa do observador ou o treino que ele possa ter tido. A figura 7.5 mostra alguns contornos que se impõem como figuras, indicando quais os parâmetros mais prováveis para que isto ocorra.

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Figura 7.4. a) O famoso vaso de Rubin, que pode ser visto como sendo um vaso sobre um fundo branco ou como dois perfis sobre um fundo escuro. Os dois perceptos podem flutuar entre si, se olharmos demoradamente. Mas também podemos “querer” ver um ou outro. b) Figura modificada por Gombrich, enfatizando tanto o vaso através das flores como as faces pelas orelhas. Se mantivéssemos apenas um destes indícios, o percepto correspondente tornar- se-ia bem mais pronunciado e estável.

altllb fleflf Figura 7.5. Exemplos de princípios que determinam a percepção de formas, a) O losango é visto como figura por ser menor, mais brilhante, simétrico e central. b) As colunas escuras

são vistas como figuras por serem simétricas. e) O perfil escuro é visto como figura por ser dotado de um

significado. d) O coração é visto como figura por ser simétrico, fechado e dotado de significado. e) O triângulo é visto como figura por ser menor. J) O retângulo todo é visto como figura por adquirir o significado de um quadro pendurado num prego.

a

b

e

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Recentemente, receberam muita atenção figuras que não possuem contornos reais, isto é, são determinados por uma variação abrupta de luminância, assim como havíamos definido contornos no princípio. São figuras que possuem contornos subjetivos, pois seus contornos sobressaem de uma região totalmente homogênea. As figuras 7.6 e 7.7 mostram alguns exemplos. E fácil verificar que os contornos subjetivos podem ser retos, curvos, podem aparecer numa região clara ou escura e delimitar uma figura com ou sem significado. Na verdade, ainda não se conhece exatamente o mecanismo que faz surgirem os contornos subjetivos. Supõe-se que, de alguma forma, o mecanismo de percepção de contornos é ativado pelos elementos contidos no padrão da figura, eliciando contornos subjetivos. Normalmente, são os contornos que determinam a figura. Aqui, no entanto, é a figura que determina os contornos. Neste fato, provavelmente, reside a explicação de sua origem: trata-se de figuras tão “óbvias”, que se impõem ao sujeito. Este vê contornos inexistentes, mas que deveriam existir para completar a figura. Os contornos subjetivos guardam muitas propriedades dos contornos verdadeiros, como pode ser visto na figura 7.8.

a Figura 7.6. As figuras a e b mostram respectivamente contornos subjetivos claros e escuros. Observe que o triângulo formado pelos contornos subjetivos em ambos os casos parece estar à frente, num outro plano. Ele parece mais branco em a e mais preto em b. Até hoje não existe uma explicação convincente e definitiva sobre o mecanismo que nos leva a ver contornos subjetivos.

Figura 7.7. Alguns exemplos curiosos de contornos subjetivos, a e b) Estes dois exemplos de figuras formadas por contornos subjetivos mostram que estes também podem ser curvos, isto é, são adequados ao contexto e não seguem uma regra de menor distância. c) O fenômeno dos contornos subjetivos não está limitado a figuras geométricas simples: no caso, é formado o contorno de uma pêra. d) Esta figura mostra claramente que os contornos subjetivos não podem ser considerados um simples prolongamento

das linhas formadas pelos círculos interrompidos, e) Há também contornos subjetivos que não formam uma figura fechada. J) Aqui

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ocorre a formação de um contorno subjetivo circular, sem haver elementos circulares formadores. Observe que o disco “branco” formado pelo contorno subjetivo parece mais “brilhante” que o disco formado pelo contorno real.

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Figura Z8. Dois exemplos que mostram que os contornos subjetivos agem como linhas reais. Em a, a ilusão de Poggendorff, que faz as linhas oblíquas parecerem desencontradas, é provocada pelas duas linhas subjetivas paralelas induzidas pelos três semicírculos negros. Em b, a ilusão de Ponzo, que faz a linha vertical direita (próxima ao vértice) parecer mais longa que a esquerda, é produzida dentro de um triângulo de contornos subjetivos.

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