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EDITORIAL A investigação de paleotocas é algo que não dá para fazer sozinho. Algumas pesquisas preliminares até se consegue fazer sozinho, mas lá dentro dos túneis uma equipe é imprescindível. Vários colegas do Projeto Paleotocas trabalham agora em outras cidades e estados e, assim, nosso desafio nesse início de 2014 será a formação de um grupo novo aqui em Porto Alegre para dar continuidade às pesquisas. Já achamos várias ocorrências novas, fantásticas, daquelas de cair o queixo, cada uma delas exigindo muita dedicação, trabalho e, principalmente, trabalho em equipe. PALEOTOCAS NA MÍDIA Em janeiro gravamos uma matéria sobre paleotocas com a equipe do canal de TV da Assembléia Legislativa do RS. Para tanto, visitamos a paleotoca da Fazenda Refúgio, em Viamão. É um túnel longo, com mais de 30 metros, muito erodido pela água, o que permite que a gente entre caminhando de pé na toca. Desta vez não havia mais vampiros (morcegos hematófagos) na toca, apenas 4 morcegos pequenos, provavelmente insetívoros, completamente inofensivos. PESQUISA A 40ºC ? NÃO, OBRIGADO. No verão geralmente se consegue fazer um pouco mais de pesquisa de campo, já que não há aulas na Universidade. Mas esse verão de 2014 foi diferente, com as temperaturas tórridas entre 35 e 40 graus durante várias semanas. Não como trabalhar com temperaturas dessas. O que se consegue a 40ºC é uma desidratação bem instalada. Portanto fizemos pouco esse verão. Alguns trabalhos iniciando bem cedo e terminando perto do meio dia ou nos poucos dias nublados. O mais interessante foram as paleotocas das obras de duplicação da BR- 116, como descrito na próxima página. PALEOTOCAS EM CAMBARÁ DO SUL Passeando com a família em Cambará do Sul (e sempre alerta!), encontramos várias paleotocas preenchidas em um barranco da RS-020. Paleotocas grandes, com larguras de mais de 2 metros. A história está aqui: http://turismocambara.wordpress.com/2014/0 2/04/descoberta-revela-existencia-de-animais- milenares-em-cambara-do-sul/ Boletim Informativo das Pesquisas do Projeto Paleotocas Número 29 – março de 2014 Responsável: Prof. Heinrich Frank Site: www.ufrgs.br/paleotocas Contato: [email protected]

EDITORIAL PESQUISA A 40ºC ? NÃO, OBRIGADO. · A investigação de paleotocas é algo que não dá para fazer sozinho. Algumas pesquisas preliminares até se consegue fazer sozinho,

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EDITORIAL

A investigação de paleotocas é algo

que não dá para fazer sozinho. Algumas

pesquisas preliminares até se consegue fazer

sozinho, mas lá dentro dos túneis uma equipe

é imprescindível. Vários colegas do Projeto

Paleotocas trabalham agora em outras cidades

e estados e, assim, nosso desafio nesse início

de 2014 será a formação de um grupo novo

aqui em Porto Alegre para dar continuidade às

pesquisas. Já achamos várias ocorrências

novas, fantásticas, daquelas de cair o queixo,

cada uma delas exigindo muita dedicação,

trabalho e, principalmente, trabalho em

equipe.

PALEOTOCAS NA MÍDIA

Em janeiro gravamos uma matéria

sobre paleotocas com a equipe do canal de

TV da Assembléia Legislativa do RS. Para

tanto, visitamos a paleotoca da Fazenda

Refúgio, em Viamão. É um túnel longo, com

mais de 30 metros, muito erodido pela água, o

que permite que a gente entre caminhando de

pé na toca. Desta vez não havia mais

vampiros (morcegos hematófagos) na toca,

apenas 4 morcegos pequenos, provavelmente

insetívoros, completamente inofensivos.

PESQUISA A 40ºC ?

NÃO, OBRIGADO.

No verão geralmente se consegue

fazer um pouco mais de pesquisa de campo, já

que não há aulas na Universidade. Mas esse

verão de 2014 foi diferente, com as

temperaturas tórridas entre 35 e 40 graus

durante várias semanas. Não há como

trabalhar com temperaturas dessas. O que se

consegue a 40ºC é uma desidratação bem

instalada.

Portanto fizemos pouco esse verão.

Alguns trabalhos iniciando bem cedo e

terminando perto do meio dia ou nos poucos

dias nublados. O mais interessante foram as

paleotocas das obras de duplicação da BR-

116, como descrito na próxima página.

PALEOTOCAS EM

CAMBARÁ DO SUL

Passeando com a família em Cambará

do Sul (e sempre alerta!), encontramos várias

paleotocas preenchidas em um barranco da

RS-020. Paleotocas grandes, com larguras de

mais de 2 metros. A história está aqui:

http://turismocambara.wordpress.com/2014/0

2/04/descoberta-revela-existencia-de-animais-

milenares-em-cambara-do-sul/

Boletim Informativo das Pesquisas

do Projeto Paleotocas

Número 29 – março de 2014

Responsável: Prof. Heinrich Frank

Site: www.ufrgs.br/paleotocas

Contato: [email protected]

AS LIÇÕES DA DUPLICAÇÃO DA BR-116

Estamos acompanhando, desde julho de 2013, as obras de duplicação da BR-116 entre

Guaíba e Camaquã, visando detectar eventuais paleotocas. A rodovia está sendo alargada para

Leste, o que significa a escavação de 40 cortes de estrada de grandes proporções ao longo de 75

quilômetros que selecionamos. Estamos percorrendo o trecho em intervalos de algumas semanas,

à medida que os cortes avançam. Há cortes prontos e outros que nem iniciaram ainda.

A duplicação representa uma oportunidade única de pesquisa de paleotocas nessa região.

Toda a região é essencialmente agrosilvopastorial e cortes grandes nas coxilhas são

extremamente raros; uma oportunidade dessas a gente só tem uma vez na vida e nunca mais. Em

Geologia fala-se de um “perfil”, que é um alinhamento ao longo do qual se obtêm uma

amostragem representativa do objeto de pesquisa. Um perfil com 75 km de comprimento é

altamente representativo, é algo imperdível.

As sistemáticas inspeções nos ensinaram que as paleotocas da BR-116, quase sempre

completamente preenchidas(!), se tornam visíveis de maneira altamente aleatória:

1. Tem paleotocas que já estão lá no corte antigo (pré-duplicação), mas encobertas por

vegetação (grama alta cobrindo a paleotoca). Durante a execução do corte elas são removidas.

2. Algumas paleotocas se tornam visíveis durante a abertura do corte de estrada. Quando

o corte está pronto ou se tornam muito menos nítidas ou desaparecem.

3. Outras paleotocas você não percebe durante a execução do corte, aparecem só quando

o corte está pronto. Com o corte recém-finalizado essas paleotocas são bem visíveis.

4. Mais outras paleotocas se tornam visíveis nem durante a abertura do corte nem depois

de sua finalização, apenas depois que uma chuva forte lavou o corte finalizado e a erosão iniciou.

5. Em outros casos as paleotocas preenchidas você vê apenas imediatamente após a

conclusão do corte, depois são cobertas por poeira, desaparecem e nem com chuva reaparecem.

6. Cuidado! Nos cortes prontos, a erosão da água da chuva pode formar buracos que

parecem pequenas cavernas e que de longe são facilmente confundidas com paleotocas.

Quando todos os cortes estiverem prontos, ao longo do primeiro semestre de 2014,

teremos coletados dados suficientes para escrever um artigo científico inédito e de boa qualidade.

Até agora, sempre correndo contra o tempo,

antes dos cortes serem cobertos por grama, já

achamos quase uma centena de paleotocas (8

dessas abertas) como a paleotoca ao lado,

completamente preenchida com argila em

baixo e com areia em cima.

SERÁ QUE SÃO PALEOTOCAS ?

Pesquisando na internet, se

encontra imagens de cavernas

cuja forma sugere fortemente que

sejam paleotocas. Ao lado, a

“Cueva Pintada de Ayasta” em

Honduras, que se alcança depois

de uma hora de caminhada. Uma

caverna com arte rupestre. Tem

muita cara de paleotoca.

No Peru, em Huarochiri, estão as

“Cuevas Tres Ventanas”. São 3 cavernas

lado a lado, situadas a quase 4.000

metros de altura. A imagem ao lado é do

interior da caverna do meio. O autor da

foto informa que “foi escavada

aparentemente por megatérios e usada

por humanos”. O formato das paredes é

idêntico àquele das paredes da Gruta de

Santa Cruz do Sul (RS), essa com certeza

uma paleotoca.

No Uruguai, um pouco ao Sul de

Rivera, está a “Piedra Furada”. É

um afloramento de arenito com um

túnel que ramifica em 3 túneis bem

pequenos ao seu final. As poucas

fotos que temos não permitem

conclusões, mas há uma boa chance

dessa caverna ser uma paleotoca.

MAIS EVENTOS PALEONTOLÓGICOS SEM PALEOTOCAS

Recentemente foi lançado pela Sociedade Brasileira de Paleontologia o Boletim

“Paleontologia em Destaque” no. 66 (disponível em http://www.sbpbrasil.org/pt/paleontologia-em-

destaque). É uma coletânea dos 175 trabalhos apresentados nas reuniões regionais PALEO de 2012.

Essas Reuniões PALEO ocorrem sempre no final do ano. O Boletim lista os trabalhos apresentados

na PALEO-NE (Nordeste), PALEO-Minas (Minas Gerais), PALEO-RJ-ES (Rio de Janeiro e

Espírito Santo), PALEO-PR-SC (Paraná e Santa Catarina) e a PALEO-RS (Rio Grande do Sul).

Apesar do elevado número de trabalhos não há nenhum trabalho sobre paleotocas. Dada à

abundância de paleotocas, isso implica em duas conseqüências: (1) estamos perdendo oportunidades

de registrar a ocorrências de paleotocas, estamos perdendo a memória dessas tocas e (2) estamos

perdendo oportunidades de apresentar trabalhos paleontológicos em eventos. Como as paleotocas

geralmente surgem em obras, uma vez a obra pronta ou o corte de estrada leivado, a chance de

registrar uma paleotoca, mesmo preenchida com sedimentos, se perdeu para sempre. Se é uma

região onde raramente se executam obras grandes, podem se passar décadas até que seja possível

registrar paleotocas nessa região outra vez. É uma vez na vida e nunca mais.

MAIS PALEOTOCAS EM DUPLICAÇÃO DE ESTRADAS

Acompanhamos durante 2 anos a duplicação da BR-386 de Tabaí até Lajeado, definimos um

trecho representativo de 17 km e achamos paleotocas em 4 dos 15 cortes. Acompanhamos a

duplicação da RS-239 de Taquara até Rolante e achamos paleotocas em 2 dos 5 cortes. Estamos

acompanhando desde julho de 2013 a duplicação da BR-116 entre Guaíba e Rolante, definimos um

trecho de 75 km e já achamos paleotocas em 21 dos 40 cortes, sendo que 6 nem iniciaram ainda.

Agora em 2014 inicia a duplicação da BR-290 entre Eldorado do Sul e Pântano Grande, em

um trecho de 105 km (http://wp.clicrbs.com.br/estamosemobras/2014/02/19/definidos-vencedores-

de-todos-os-lotes-da-licitacao-da-duplicacao-da-br-290/?topo=52,1,1,,171,e171). O que você acha,

será que haverá paleotocas? Pode apostar, claro que sim, basta inspecionar os cortes em intervalos

regulares. Ainda mais que o trecho tem muitas coxilhas e, portanto, muitos cortes de estrada.

Provavelmente a grande maioria (mais de 90%) estará completamente entulhada com areia e argila,

nesses casos só se consegue obter uma imagem de boa qualidade e a posição no GPS.

Portanto, vamos nos programar para fazer esses campos. Em 2015, quando todos os cortes

estiverem finalizados, podemos escrever um artigo sobre essa ocorrência e o artigo correspondente

provavelmente será publicado em 2016 ou 2017.

O mistério das “Grutas Del Palacio”

Uma das conhecidas atrações turísticas do Uruguai são as “Grutas del Palacio”, um nível

oco com em torno de uma centena de colunas com ao redor de 2 m de altura, lembrando um palácio.

A origem dessas grutas é um mistério. Naturais? Cavadas? Por quem? Para que? Quando?

Novas investigações principalmente nas gigantescas cavernas em quartzito da Venezuela

oferecem uma explicação bem plausível. Aparentemente é possível se forme em uma rocha silicosa

(quartzito ou arenito) um nível horizontal cuja porosidade está saturada com um gel de sílica

formado por processos intempéricos. Esse gel pode, em alguns pontos dentro da rocha, escorrer

para baixo e endurecer. Entre os “escorrimentos” a rocha continua friável, solta. Mais tarde ocorrem

processos de erosão, removendo essas porções friáveis e deixando para trás os “escorrimentos”,

muito mais duros, na forma de colunas. As imagens abaixo ilustram bem esse processo em duas

escalas. Imagem da esquerda de Branislav et al., a outra de http://www.theitinerant.co.uk/tag/caves/

Branislav Nmída et al., 2010. Geomorphology of the largest sandstone caves in the world on the Proterozoic table-mountains Churí and Roraima (Gran Sabana, Venezuela) and their research in the years 2002 – 2009. In: Proceedings of the 11th International Symposium on Pseudokarst, 12-16 Maio 2010, Saupsdorf, Alemanha, p. 103-107. Essa é uma explicação bem plausível para a origem das Grutas del Palacio. Um nível

superior onde se gerou o gel, colunas que representam antigos “escorrimentos” verticais do gel e

espaços abertos criados pela remoção da rocha ainda friável existente entre as colunas. E as Grutas

del Palacio com certeza não são uma paleotoca. ☺

Obrigado pela leitura.