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EDITORIAL Ao final de mais um ano de intensas atividades de pesquisa envolvendo paleotocas, a Equipe do Projeto Paleotocas deseja agradecer a todos pelo apoio que tem recebido, sem o qual seria impossível realizar as pesquisas. Um agradecimento especial se dirige a todos os proprietários de áreas com paleotocas, que confiaram na equipe e autorizaram o trabalho no local. A todos, pois, muita paz, muita saúde, muita felicidade, um FELIZ NATAL e um PRÓSPERO ANO NOVO ! PALEOTOCAS NA MÍDIA Nos últimos meses, principalmente na segunda metade de novembro, saíram várias notícias sobre a Paleotoca de Erechim nos jornais Bom Dia e Boa Vista, daquela região. Além disso, uma matéria curta no Jornal do Almoço da RBS na região de Erechim. Outras matérias serão publicadas na região de Sapiranga após contato com um jornalista de um jornal da cidade. Essa divulgação das paleotocas continua muito interessante, pois as pessoas acabam comunicando o surgimento de novas paleotocas à nossa equipe. MUITAS PALEOTOCAS NOVAS Fizemos bastante trabalho de campo e temos várias ocorrências novas, tanto no Rio Grande do Sul como em Santa Catarina. Apresentamos a partir da página 3 um texto sobre a paleotoca de Erechim. PALEOTOCAS EM EVENTO 1 No final de setembro transcorreu, no Campus I da Universidade de Passo Fundo (UPF), o II Congresso Internacional de História Regional, no qual foi apresentado um trabalho conjunto do Arqueólogo Fabrício Vicroski e do Geólogo Heinrich Frank, sobre “A Problemática das Galerias Subterrâneas na Arqueologia do Sul do Brasil”. Inicialmente, trata-se de definir o que é “galeria subterrânea”: são cavernas mais ou menos em formato de túnel, diferentes dos “abrigos subterrâneos” e das “cavernas”. Depois é abordado o fato de que tais galerias podem ter várias origens, uma das quais é a partir de paleotocas. Finalmente, define-se que uma galeria subterrânea apenas será um sítio arqueológico se houver evidentes sinais de ocupação humana, como arte rupestre ou artefatos líticos/cerâmicos. Boletim Informativo das Pesquisas do Projeto Paleotocas Número 28 – dezembro de 2013 Responsável: Prof. Heinrich Frank Site: www.ufrgs.br/paleotocas Contato: [email protected]

EDITORIAL MUITAS PALEOTOCAS NOVAS PALEOTOCAS EM EVENTO 1 FELIZ … · FELIZ NATAL e um PRÓSPERO ANO NOVO ! PALEOTOCAS NA MÍDIA Nos últimos meses, principalmente na segunda metade

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EDITORIAL

Ao final de mais um ano de intensas

atividades de pesquisa envolvendo paleotocas,

a Equipe do Projeto Paleotocas deseja

agradecer a todos pelo apoio que tem

recebido, sem o qual seria impossível realizar

as pesquisas. Um agradecimento especial se

dirige a todos os proprietários de áreas com

paleotocas, que confiaram na equipe e

autorizaram o trabalho no local. A todos, pois,

muita paz, muita saúde, muita felicidade, um

FELIZ NATAL e um

PRÓSPERO ANO NOVO !

PALEOTOCAS NA MÍDIA

Nos últimos meses, principalmente na

segunda metade de novembro, saíram várias

notícias sobre a Paleotoca de Erechim nos

jornais Bom Dia e Boa Vista, daquela região.

Além disso, uma matéria curta no Jornal do

Almoço da RBS na região de Erechim.

Outras matérias serão publicadas na região de

Sapiranga após contato com um jornalista de

um jornal da cidade.

Essa divulgação das paleotocas

continua muito interessante, pois as pessoas

acabam comunicando o surgimento de novas

paleotocas à nossa equipe.

MUITAS PALEOTOCAS NOVAS

Fizemos bastante trabalho de campo e

temos várias ocorrências novas, tanto no Rio

Grande do Sul como em Santa Catarina.

Apresentamos a partir da página 3 um

texto sobre a paleotoca de Erechim.

PALEOTOCAS EM EVENTO 1

No final de setembro transcorreu, no

Campus I da Universidade de Passo Fundo

(UPF), o II Congresso Internacional de

História Regional, no qual foi apresentado um

trabalho conjunto do Arqueólogo Fabrício

Vicroski e do Geólogo Heinrich Frank, sobre

“A Problemática das Galerias Subterrâneas na

Arqueologia do Sul do Brasil”.

Inicialmente, trata-se de definir o que

é “galeria subterrânea”: são cavernas mais ou

menos em formato de túnel, diferentes dos

“abrigos subterrâneos” e das “cavernas”.

Depois é abordado o fato de que tais

galerias podem ter várias origens, uma das

quais é a partir de paleotocas. Finalmente,

define-se que uma galeria subterrânea apenas

será um sítio arqueológico se houver

evidentes sinais de ocupação humana, como

arte rupestre ou artefatos líticos/cerâmicos.

Boletim Informativo das Pesquisas do Projeto Paleotocas

Número 28 – dezembro de 2013

Responsável: Prof. Heinrich Frank Site: www.ufrgs.br/paleotocas

Contato: [email protected]

PALEOTOCAS EM EVENTO 2

O maior evento científico de 2014 foi o Congresso Brasileiro de Paleontologia em Gramado,

em outubro. Foi um evento muito bem organizado, com em torno de 800 pesquisadores inscritos,

apresentando um grande número de trabalhos orais, trabalhos em pôster, palestras, mini-cursos e

outros, com 4 salas funcionando ao mesmo tempo. O tempo colaborou e realmente foi muito bom.

O Projeto Paleotocas apresentou 5 trabalhos, todos disponíveis para download na página

www.ufrgs.br/paleotocas/Producao.htm. Além dos nossos trabalhos, havia apenas mais um trabalho

sobre paleotocas, de uma nova ocorrência em Rio Negrinho, SC. Abaixo algumas imagens do

evento.

A Paleotoca da Rua Florinda Fink, Erechim, RS 1. Introdução

O objetivo do presente texto é de transmitir aos interessados em geral as informações

pertinentes à paleotoca que foi encontrada em outubro de 2013 em uma escavação realizada na

Rua Florinda Fink, em Erechim, RS. Em novembro de 2013 uma equipe liderada por Heinrich

Frank (geólogo – UFRGS) e Fabrício Vicroski (arqueólogo - UPF) se reuniu para medir e

fotografar a paleotoca e alguns resultados são aqui apresentados.

2. Descrição da Paleotoca

A paleotoca apresentou-se composta basicamente de 2 túneis, conforme planta baixa

abaixo. O túnel da entrada até a extremidade direita inferior vamos chamar de “Corredor de

Passagem”. O túnel em semicírculo à esquerda vamos chamar de “Corredor dos Dormitórios”.

A atual entrada da paleotoca localiza-se no topo da imagem, junto à escavação.

Provavelmente o túnel estendia-se originalmente até o limite da coxilha. Isso representa da atual

entrada mais 15 metros até o limite da rua, mais pelo menos 8 metros até o outro lado da rua e

mais um trecho no restante da coxilha. No outro extremo, junto ao limite à direita em baixo, onde

atualmente está um desmoronamento, o túnel provavelmente continuava, bem como no túnel

pequeno desmoronado marcado com um ponto de interrogação. O sistema de túneis, portanto,

somava muito provavelmente pelo menos 100 metros de túneis. Paleotocas gigantescas desse

porte são uma exclusividade Sul-Americana, pois não ocorrem em outros continentes.

Esse é o local em que a paleotoca surgiu na escavação (abaixo da árvore junto à casa

rosa). Muito tipicamente, trata-se de uma encosta de coxilha voltada para um arroio, que hoje foi

canalizado e não mais pode ser visto. Essa proximidade das entradas das paleotocas a corpos de

água é quase constante e é uma das indicações de que os túneis foram escavados em um clima

muito mais seco (quente ou frio).

A entrada da paleotoca é o buraco maior. À direita da entrada observa-se uma reentrância

menor e, bem à esquerda, uma outra reentrância. Ambas são túneis preenchidos, cuja escavação

se mostrou muito difícil a impossível. Mas isso é típico de paleotocas: nunca surgem isolados,

sempre são redes de túneis; podem ocorrem 15 a 30 túneis juntos em um barranco extenso.

A rocha na qual a paleotoca foi escavada é uma “brecha vulcânica”, como são chamadas

as camadas constituídas de fragmentos angulosos de rochas vulcânicas cimentados ou por areia

(“brecha basáltica arenosa”) ou por silte (“brecha basáltica siltosa”) ou por argila (“brecha basáltica

argilosa”). Esse último é o caso aqui: uma argila vermelha une os blocos angulares de rochas

vulcânicas. Na imagem percebe-se, logo acima do teto do túnel, um bloco grande marrom de

rocha vulcânica, cheio de cavidades alinhadas (= vesículas = antigas bolhas de gás da lava).

Essas camadas de brecha podem ser encontradas com certa freqüência entre os derrames de

lava empilhados que formam o Planalto gaúcho; às vezes as camadas de brecha atingem 20 m de

espessura. Sua origem é algo controversa, pois não existem eventos vulcânicos atuais que

possam nos servir de exemplo.

Na região essa situação aparentemente é comum: na entrada Leste de São Valentim do

Sul, no corte situado atrás da empresa de terraplenagem ali localizada, ocorre exatamente a

mesma situação: ali se visualiza várias paleotocas completamente preenchidas e um resto de

paleotoca aberto (apenas um metro) escavadas em uma brecha basáltica argilosa. Acima da

brecha há um derrame de lava com rocha maciça.

Rocha maciça há nessa ocorrência de Erechim também: dentro da paleotoca há

desabamentos de rocha maciça alterada. Portanto aqui os bichos cavaram ou abaixo da rocha

maciça, dentro da brecha, ou na própria rocha alterada, como parece ser às vezes.

Imagem da porção inicial do túnel (veja seta vermelha na planta baixa). A largura do túnel

aqui é de 2,4 m. Essa largura exclui como cavadores dos túneis os tatus gigantes da chamada

Megafauna Pleistocênica. A Megafauna era composta por animais de grande porte que habitavam

a América do Sul até sua extinção aproximadamente 10.000 anos atrás. Havia elefantes, uma

espécie de camelo, uma espécie de rinoceronte sem chifre, cavalos, lhamas, ursos, tigres de

dentes-de-sabre, gliptodontes (parece um tatu, mas a sua carapaça é rígida e o bicho é do

tamanho de um fusca), tatus gigantes (com até 270 kg de peso) e preguiças gigantes (com pesos

entre 800 kg e 5 toneladas). Sempre várias espécies de cada tipo. Por mais gigante que seja um

tatu, com 270 kg possui uma largura de corpo de aproximadamente 80 cm e não tem a menor

necessidade de cavar um túnel onde entram 3 de sua espécie lado a lado. Portanto, temos que

admitir a possibilidade do túnel ter sido cavado por uma das várias espécies de preguiças

gigantes: na imagem, um Mylodon. Um bicho com garras enormes, do tamanho de picaretas. Ágil

como um urso grande, nunca subindo em árvores como as preguiças atuais.

Nessa imagem a pessoa dá uma idéia do tamanho desse trecho da paleotoca: é enorme.

Aquele monte de terra à esquerda da pessoa é uma “fatia” da parede lateral que desabou,

desmoronou. Importante nessa imagem são dois aspectos: a bifurcação e o teto liso.

Paleotocas raramente são túneis simples. Via de regra, constituem um sistema de túneis,

com túneis que se bifurcam, túneis que se encontram em um salão; pode haver pilares e tal. E

aqui também: temos uma bifurcação com um túnel maior que é a continuidade do “Corredor de

Passagem” e um túnel menor que vai dar no “Corredor dos Dormitórios”.

E porque um teto liso? Levamos um certo tempo para entender esses tetos quase polidos

das paleotocas – em rocha arenítica a superfície da rocha também fica extremamente lisa. É que

as preguiças, em sucessivas gerações, usaram esses túneis durante décadas, talvez séculos. De

tanto passar esfregando as costas no teto do túnel, o teto ficou polido. Tem até a marca dos pelos

no teto, como veremos adiante.

Nesse trecho da paleotoca, aqui com 2,25 m de largura, temos 3 elementos: à esquerda, a

“fatia” de rocha da parede que desabou para dentro do túnel, o que pode ter acontecido há

centenas de anos. À direita, o túnel está com sua morfologia original, com as superfícies polidas,

algumas marcas e tal. A altura deve ser aproximadamente original: algo como um metro de altura,

talvez um pouco mais. E, é claro, nesse trecho está tudo escuro, todas a fotos aqui apresentadas

foram obtidas com uma máquina fotográfica semi-profissional, montada em tripé, acionada com

controle remoto e com a captação de luz aberta, iluminando o túnel com uma lâmpada especial

LED. A foto foi repetida pelo menos 10 vezes, essa é uma das imagens que ficou melhor.

Ao fundo, no 10º metro a partir da entrada, o primeiro grande desabamento de rocha:

observam-se grandes blocos de rocha angulares, algo alterados, formando uma pilha por sobre a

qual é necessário passar para seguir para dentro da paleotoca.

Aqui se faz necessário um comentário sobre o trabalho na paleotoca: é uma das mais

perigosas na qual já trabalhamos. Enquanto os poucos trechos originais são relativamente

seguros, as muitas porções com teto desabado se apresentam assim: é necessário rastejar sobre

grandes blocos angulares de rocha, com o teto formado por outros grandes blocos, muito

rachados, quase caindo e com um pouco de água percolando. Dentro da paleotoca, a tempo todo

a equipe ficava lembrando uns aos outros: “cuidado em cima, não bater nas pedras, cuidado

aquele bloco solto, olha a cabeça”. Um esbarro mais forte no lugar errado e a pessoa talvez seja

soterrada por centenas de quilos de rocha decomposta. E evidentemente estávamos trabalhando

o tempo todo com um duto de ar acionado por um exaustor de grande porte; caso contrário o

oxigênio dentro da paleotoca acaba e a pessoa pode desmaiar e morrer. Nesse caso até o

resgate do cadáver é complicado. Em função disso, desaconselhamos completamente uma visita

à paleotoca por questões de segurança.

A planta baixa que elaboramos da paleotoca, devido às condições do túnel (baixinho,

perigoso, muitos desabamentos), não foi feita com um teodolito, mas usando trena e bússola. Em

função disso, uma certa imprecisão está implícita: desvios de 2-3º nos alinhamentos, erros de 5 a

20 cm nas medidas. Mas a função da planta baixa é dar um retrato satisfatoriamente fiel da

estrutura, esse objetivo ela atinge sem problemas.

Essa imagem é do teto da paleotoca entre o 7º e o 10º metro a partir da entrada. Percebe-

se o teto completamente liso, todo ele riscado com umas ranhuras finas que sempre ocorrem em

grupos paralelos como logo à esquerda da mão. Essas marcas muito provavelmente são as

marcas da pelagem dos animaIs: como os animais eram grandes, raspavam as costas no teto. E

como eram peludos (foi encontrado um pelo de preguiça gigante em uma caverna fria e seca do

Chile), as marcas do pelo ficavam impressos. Essas marcas, portanto, devem ter milhares de

anos de idade.

Alguém poderia argumentar que são marcas de ferramentas humanas. Bem, o arqueólogo

Fabrício Vicroski, que integrou a equipe, confirmou que realmente não há qualquer vestígio

antropogênico na paleotoca. Já foram encontradas paleotocas reocupadas por indígenas, mas

nestas paleotocas há arte rupestre na parede e/ou artefatos líticos ou cerâmicos no piso. Nessa

paleotoca de Erechim nada disso foi constatado, por isso a interpretação dessas marquinhas

como marcas de pelo é bem confiável.

E aqui estão elas: as marcas de garra. A régua possui 15 cm de comprimento e essa

porção do teto está no ponto indicado pela seta vermelha. Como sempre nessas paleotocas

enormes, provavelmente usadas durante décadas e séculos por sucessivas gerações de grupos

familiares de preguiças gigantes, na maior parte das paredes e do teto o alisamento promovido

pelas preguiças destruiu todas as marcas. Mas nesse ponto elas sobreviveram e são um

testemunho da escavação da paleotoca pelas preguiças.

Já foi argumentado que as marcas podem ser de ferramentas. Nós já vimos, nas paredes

de outras cavernas, marcas de picareta, marcas de enxada e marcas de facão. Nenhuma delas se

parece com essas marcas de garra. O padrão é diferente, não há como confundir. E marcas no

teto são mais um testemunho da escavação da paleotoca por preguiças gigantes. Ou você

consegue imaginar um tatu deixando marcas de garra no teto do túnel? Viradinho de barriga para

cima?

Mais uma feição das paredes, mais ou menos perto das marcas de garra: uma crosta fina

de argila com fendas de ressecamento (rachadurinhas). Essa feição pode ter duas explicações:

geralmente ela se forma quando a paleotoca afoga com água da chuva que infiltrou por

rachaduras nas rochas, preenchendo a paleotoca completamente. Nesses casos a argila

deposita-se também nas paredes e depois, quando a água infiltrou mais para baixo ou escorreu

para fora, seca e acaba rachando, como a argila de uma poça de água de chuva em uma estrada

de chão.

Uma outra possibilidade é que a argila foi transportada pela água infiltrada e escorreu

lentamente pelas paredes, depositando-se através de um movimento basicamente descendente.

De qualquer maneira, mostra que as águas das chuvas em períodos muito úmidos infiltram na

paleotoca e acabam deixando suas feições.

Uma outra feição que ocorre em vários pontos das paredes são essas rochas com sulcos

verticais finamente espaçados, podendo chegar a 5 mm de profundidade. Ocorrem sempre em

paredes que não são mais originais, mas que são paredes formadas por desabamentos.

Analisando as feições, chegamos à conclusão de são marcas de escorrimento deixadas

por águas da chuva infiltradas que escorreram ao longo dessas rochas expostas. Como as rochas

estão bastante alteradas, as águas conseguiram sulcar a superfície erodindo o material que forma

as rochas.

Essas feições evidenciam que os desabamentos ocorreram há muito tempo, talvez

séculos. Já vimos esse tipo de sulcos em paleotocas escavados em arenitos e sempre ficamos

com a impressão que a geração dos sulcos implica em águas escorrendo pelas paredes por

longos anos e anos.

Pausa para esfriar o motor do exaustor e beber uma água.

Esse corredor entre a segunda bifurcação e o túnel pequeno de trás está cheio de blocos

desabados – alguns caíram de um desabamento na bifurcação, outros são do próprio túnel

naquele trecho e outros caíram da porção dos fundos. Em alguns pontos observam-se feições

originais como paredes lisas – quase polidas, mas de uma maneira geral nem as medidas são

muito confiáveis nem as paredes fornecem muito informação científica.

O que impressiona sempre de novo é o trabalho imenso que esses bichos tiveram para

escavar uma toca tão longa. Não podemos esquecer que se trata de rocha alterada, mas ainda

assim muito dura. Tocas atuais, cavadas por animais como o aardvark (na África), raposas e

texugos (no Hemisfério Norte), tartarugas (na Flórida, USA) e crocodilos (na África e nos USA)

nunca passam dos 15 metros de comprimento. Essa paleotoca de Erechim muito provavelmente

passava dos 100 metros....

Quase 30 metros dentro da coxilha encontramos um túnel menor, disposto quase

perpendicularmente ao “Corredor de Passagem”. O túnel está com muitos blocos desabados e

parcialmente entulhado, em função do grande perigo não investigamos em detalhe.

Na imagem observa-se nitidamente uma superfície original lisa à esquerda, enquanto o

resto das paredes é formado por grandes blocos desabados, evidenciando o perigo do trabalho

nessa paleotoca. Como o final da paleotoca também é um enorme desabado (veja na página

seguinte) não ficou claro se esse túnel pequeno era a saída da paleotoca desse lado da coxilha ou

se era apenas uma das várias saídas existentes para esse lado.

Assim se apresenta o final do “Corredor de Passagem”: um enorme desabamento entulhou

a possível saída ali existente, são blocos de rocha alterada por baixo, por cima e pelos lados. As

dimensões não são mais originais, as paredes não são mais originais, trabalhar ali é muito

perigoso – enfim, não há muito por fazer aqui. E, é claro, tudo completamente no escuro: por

vezes a equipe apagava todas as luzes para ter uma impressão do local – é uma escuridão

completa, nenhuma réstia de luz penetra nesse espaço. E você ali, rastejando de quatro ou

sentado com a cabeça quase encostando no teto formado por rochas rachadas. Não é um

ambiente recomendado para pessoas com claustrofobia!

Tendo percorrido o “Corredor de Passagem”, vamos agora inspecionar o “Corredor dos

Dormitórios”.

O “Corredor dos Dormitórios” possui dois acessos: o Acesso Norte e o Acesso Sul. Essa

imagem é do Acesso Norte: após poucos metros de túnel com superfícies originais lisas, um

enorme desabamento obstrui o túnel.

Inicialmente acreditávamos que não havia como passar, mas uma inspeção mais

cuidadosa revelou que, removendo alguns blocos, era possível subir por uma abertura de meio

metro de diâmetro para cima do monte de rochas desabadas. Uma passagem estreita, difícil e

perigosa. Sempre acompanhado do duto de ar, suprindo oxigênio para o espaço fechado que se

formou em cima do desabamento. Pela planta baixa dá para perceber que se formou um espaço

muito grande devido ao desabamento.

Esse é um aspecto do “salão”, como chamamos o espaço sobre o desabamento. Não há

uma única parede original lisa, não há marcas de garra, nada. Apenas blocos de rocha desabados

em baixo e blocos expostos no teto. Analisando a ocorrência, chegamos à conclusão que

provavelmente um trecho longo do corredor desabou, como representado na página seguinte.

O que chama muito a atenção nesse ponto é a existência de 3 túneis curtos sem saída que

existem nos limites do desabamento. Esses túneis curtos provavelmente são os dormitórios, onde

os bichos se acomodavam para dormir. Por isso o nome “Corredor dos Dormitórios”. Na página

seguinte apresentamos uma reconstrução desse trecho da paleotoca e as imagens de dois

desses dormitórios.

A situação original no “Corredor dos Dormitórios” provavelmente era essa: um túnel que

dava passagem aos três dormitórios, que são os túneis curtos sem saída no interior do complexo

de túneis que formam a paleotoca.

C

A

Dormitório C:

A boca possui 1,74 m de largura

e sua profundidade é de 3,0 m.

O monte de terra à esquerda foi

lentamente lavado para dentro

desse espaço através da água da

chuva que infiltrou por uma

fratura na rocha.

Dormitório A:

Apresenta a forma típica, com

1,2 m de largura e 1,5 m de

profundidade, inclusive

preservando várias marcas de

garra nas paredes.

B

O Acesso Sul do “Corredor dos Dormitórios” é o segmento mais típico, mais preservado e

mais bonito da paleotoca. As paredes são praticamente originais e muito polidas devido ao

constante uso. A altura atual é de um metro; o piso está um pouco aterrado com argila.

Fica muito nítido nesse trecho que as paredes possuem alguns “arcos” sucessivos. Tanto

as paredes laterais como o teto não são retas, mas formadas por uma sucessão de superfícies

côncavas; o encontro de duas superfícies côncavas forma um arco como se fosse um reforço na

estrutura do túnel.

Os arcos muito provavelmente representam etapas de escavação, porque os bichos

certamente não cavavam um túnel desse tamanho de uma vez só, mas aos poucos. O bicho

cavava um trecho e depois tinha que tirar da paleotoca ao redor de 2 toneladas de rocha por

metro cúbico escavado. Depois de tanto trabalho, ele fazia uma pausa (semanas?, meses?,

anos?) e depois retomava a escavação. Cada arco representa uma pausa, como na figura abaixo.

Pois são esses os principais aspectos da paleotoca da Rua Florinda Fink. Sem se expor a

perigos, sem sujar a roupa, sem ficar se arrastando ou engatinhando por espaços escuros e

tortuosos, você acaba de realizar um passeio na paleotoca.

Com a quantidade de dados que coletamos, podemos escrever sem problemas um artigo

científico de boa qualidade; isso será feito quando tivermos o tempo necessário. Artigos científicos

são um trabalho demorado: meses para escrever, meses para fazer a revisão pelos especialistas

procurados pela editoria da revista, meses esperando até o artigo sair publicado. Se tudo for muito

rápido, um ano, provavelmente mais. Mas o processo é uma garantia de uma certa qualidade,

pois vários especialistas lêem seu texto antes dele ser publicado; os principais erros são filtrados.

3. Agradecimentos

Agradecimentos são devidos a Doglas Pavan, proprietário da área e que permitiu o acesso

sem restrições à paleotoca. Também agradecemos à equipe que possibilitou o trabalho: Bruna

Thaís Campos de Oliveira, Alysson Bündchen, Júnior Bündchen, Anselmo Bündchen e Rosana

Bündchen.

4. Declaração

As informações e as imagens contidas no presente texto apenas foram obtidas devido a

um investimento maciço de verbas públicas, materializadas no salário dos professores

universitários do Projeto Paleotocas, nas verbas de manutenção das respectivas universidades e

na verba de pesquisa (CNPq) que adquiriu alguns dos equipamentos usados. Em função disso, as

informações e imagens são públicas e podem ser usadas sem qualquer restrição. Diga não às

revistas que apenas disponibilizam seus artigos através de pagamento

(www.thecostofknowledge.com).

5. Contato

Qualquer dúvida, pergunta ou comentário pode ser encaminhado pelo email

[email protected] que responderemos em seguida.