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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE EDUCAÇÃO COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Autoras: Profª Msc. Maria Aparecida Zanetti Profª Drª. Monica Ribeiro da Silva Profª Drª. Sonia Maria Chaves Haracemiv Profª Drª Tania Stoltz CURITIBA 2011

EDP 049 Processo Ensino EJA 1 Ed

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE EDUCAÇÃO

COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E

ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS

E ADULTOS

Autoras:

Profª Msc. Maria Aparecida Zanetti

Profª Drª. Monica Ribeiro da Silva

Profª Drª. Sonia Maria Chaves Haracemiv

Profª Drª Tania Stoltz

CURITIBA

2011

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Dilma Roussef

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Fernando Haddad

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

Diretor

João Carlos Teatini de Souza Lima

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Reitor

Zaki Akel Sobrinho

Vice-Reitor

Rogério Andrade Mulinari

Pró-Reitora de Graduação - PROGRAD

Maria Amélia Sabbag Zainko

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação - PRPPG

Sérgio Scheer

Pró-Reitora de Extensão e Cultura - PROEC

Elenice Mara Matos Novak

Pró-Reitora de Gestão de Pessoas - PROGEPE

Laryssa Martins Born

Pró-Reitor de Administração - PRA

Paulo Roberto Rocha Krüger

Pró-Reitora de Planejamento, Orçamento e Finanças - PROPLAN

Lucia Regina Assumpção Montanhini

Pró-Reitora de Assuntos Estudantis - PRAE

Rita de Cássia Lopes

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SETOR DE EDUCAÇÃO

Diretora Andrea do Rocio Caldas

Vice-Diretora

Deise Cristina de Lima Picanço

Coordenação do Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Américo Agostinho Rodrigues Walger

Coordenação de Tutoria Leziany Silveira Daniel

CIPEAD

Coordenação de Integração de Políticas de Educação a Distância Coordenação EaD - UFPR e UAB

Marineli Joaquim Meier

Coordenação Adjunta UAB Gláucia da Silva Brito

Coordenação de Recursos Tecnológicos

Sandramara Scandelari Kusano de Paula Soares

Revisão Textual Altair Pivovar

Produção de Material Didático

CIPEAD

CONTATO __________________________________________________________

Coordenação do Curso de Pedagogia

Fone: (41) 3360.5141 3360.5139

e-mail: [email protected]

www.educacao.ufpr.br

CIPEAD

Fone: (41) 3310-2761

e-mail: [email protected]

www.cipead.ufpr.br

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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Caras(os) alunas(os),

Nesta disciplina, buscaremos refletir sobre a importância do diálogo no processo

de formação docente, considerando que na medida em que formamos nossos educandos

da EJA (Educação de Jovens e Adultos) é que somos formados como professores, pois

professor não nasce pronto, ou não se torna professor ao assumir uma turma ou pela

obtenção de um diploma: professor se constitui professor diariamente, no exercício de

sua profissão. Dito de outra forma, é no espaço cotidiano da sala de aula, na interação

entre professores e alunos que nos tornamos sujeitos históricos da Educação de Jovens

e Adultos.

Educar é um modo de fazer, em um determinado lugar e em determinado

tempo, a construção de argumentos validados pela interação de sujeitos. O discurso

de Freire (1997) reafirma essa ideia de formação ao colocar que, o professor deve

assumir-se como sujeito da construção do conhecimento, sabendo que ensinar não é

transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua construção.

Portanto, formar e ser professor é uma relação de diálogo, de argumentos que

precisam ser construídos no diálogo em sala de aula, com a realidade empírica e com os

interlocutores teóricos, é aceitação de valores inerentes a cada sujeito de aprendizagem

envolvido nesse processo.

Nesse sentido, convidamos você a participar da elaboração do conhecimento de

formação do adulto docente de EJA, a qual entendemos como resultado de interações

entre sujeitos, educandos e educadores, a partir do discurso em movimento nos tempos

(inicial e continuado) e espaços (escola básica e superior). Esperamos ressignificar o

cotidiano do educador de EJA como sujeitos ativos da história da EJA na UFPR.

Bom estudo!

As autoras

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PLANO DE ENSINO

1 DISCIPLINA

PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

2 CÓDIGO

EDP - 042

3 CARGA HORÁRIA TOTAL

60 horas

3.1 CARGA HORÁRIA PRESENCIAL

3.1.1 Com professor formador: 6 horas

3.1.2 Com o tutor presencial no Polo: 6 horas

3.2 CARGA HORÁRIA A DISTÂNCIA

Quarenta e oito (48) horas de estudos com orientação presencial e a distância com os

tutores do Polo presencial e/ou tutores da UFPR. Esses estudos incluem a participação

em fóruns, chats e outros espaços virtuais.

4 EMENTA

Concepções de ensino e aprendizagem no processo de educação de jovens e adultos. A

relação existente entre as concepções epistemológicas e a prática pedagógica na EJA.

5 OBJETIVOS

5.1 OBJETIVO GERAL

Possibilitar conhecimento e reflexões sobre a teoria e a prática pedagógica na educação

de jovens e adultos: concepções e teorias, metodologias e estratégias didático-

pedagógicas visando o aperfeiçoamento do educador.

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5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Compreender as concepções e políticas de EJA no Brasil situados historicamente.

Identificar os aspectos legais que regem as políticas de EJA.

Refletir sobre a construção histórica dos sujeitos da EJA, identidade e especificidade da

modalidade.

Compreender a EJA a partir das relações com o mundo do trabalho.

Identificar as especificidades da aprendizagem de pessoas adultas.

Analisar os pressupostos teóricos norteadores da EJA.

Estudar as concepções e controvérsias entre alfabetização e letramento da EJA.

Refletir sobre a organização do trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos:

planejamento, currículo e avaliação.

Discutir diferentes metodologias e práticas pedagógicas em EJA.

6 PROGRAMA

1 CONCEPÇÕES, FUNDAMENTOS LEGAIS E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS

E ADULTOS NO BRASIL

1.1 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: HISTÓRICO

2 EDUCANDO JOVENS E ADULTOS E O EIXO CIÊNCIA, CULTURA E TRABALHO:

DIMENSÕES CONTEXTUAIS

2.1 SOCIEDADE E ESCOLA. CIÊNCIA, CULTURA E TRABALHO: REPENSANDO AS

RELAÇÕES CONSTRUÍDAS HISTORICAMENTE

2.2 CIÊNCIA, CULTURA E TRABALHO COMO EIXO DA ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICO-

CURRICULAR DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

3 FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO EDUCADOR DE EJA

3.1 DOCENTE DA EJA: FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA

3.2 IDENTIDADE DOS SUJEITOS DA EJA

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3.3 PROCESSO DE COGNIÇÃO, APRENDIZAGEM E INTERAÇÃO HUMANA ENTRE

EDUCADOR E EDUCANDO NA CONSTRUÇÃO DOS SUJEITOS DA EJA

4 TEORIA E PRÁTICA NA EJA

4.1 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO, PROPOSTA CURRICULAR E O PLANO DE

TRABALHO DOCENTE: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE AS CONCEPÇÕES E

AS PRÁTICAS

4.2 SALA DE AULA COMO ESPAÇO DE MEDIAÇÃO: ELEMENTOS CONSTITUINTES DA

AÇÃO PEDAGÓGICA

7 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

Recomendamos que você leia atentamente as informações referentes à disciplina e siga

as orientações sugeridas na realização das atividades. No caso de dúvida, faça uma

releitura, anote as questões e entre em contato com o(a) seu(sua) professor(a) tutor(a)

ou busque resolvê-las ampliando seu referencial teórico com novas leituras e na

discussão com os colegas.

7.1 ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Cada unidade didática está organizada em quatro sessões:

Seção Texto-Base – O texto-base procura introduzir o suporte conceitual que auxiliará

na realização das demais atividades de leitura e de produção de texto e busca apresentar

uma exposição teórica dos principais conceitos e concepções a serem tratados na

respectiva unidade.

Vamos trabalhar com um roteiro de ideias para reflexão e que serão aprofundadas em

outros momentos, com atividades de leituras complementares e atividades práticas,

como interpretação, análise e aplicação dos conceitos discutidos no texto de base, sendo

que este poderá apresentar exemplos para ilustrar os mecanismos de leitura e escrita a

serem trabalhados na unidade.

Seção Leitura Complementar – Consiste de um texto comentado que ilustra e

aprofunda o que foi discutido no texto-base, visando ressaltar e explicitar os mecanismos

tratados no referido texto, demonstrando sua função na construção do mesmo. Você

poderá aprofundar sua análise, identificando novas possibilidades de interpretação, e

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indicar outros textos para a leitura, que também ofereçam exemplos sobre os assuntos

em questão.

Seção Atividades Práticas e de Pesquisa – Destina-se a promover a reflexão criativa

e a aplicação dos conceitos discutidos nas seções anteriores. Ela apresenta trechos

selecionados para ilustrar os conceitos estudados, oferecendo leituras em diferentes

gêneros e linguagens (texto acadêmico, científico, literário, jornalístico, publicitário e

visual). Essa variedade visa ampliar sua fluência na leitura, interpretação e produção

de novos textos, que sejam de seu interesse, e promover variações das atividades

realizadas nessa seção, de forma a ampliar seu repertório de ferramentas

conceituais.

Seção Atividade de Produção de Texto – Nesta última seção será proposta uma

atividade final da unidade, na qual você irá construir um texto aplicando criativamente as

estratégias de produção textuais já estudadas, seguindo um passo a passo para o

planejamento e elaboração de um texto. Esta seção poderá apresentar mais de uma

proposta de produção de texto, para que você possa escolher a que mais o mobiliza.

Procure realizar as demais como um exercício adicional, dentro de suas possibilidades e

interesse.

7.2 ESTRATÉGIAS DE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA: AS ATIVIDADES NO AMBIENTE VIRTUAL

DE APRENDIZAGEM

Você estará em contato com os colegas e com os tutores presenciais (no Polo) e com os

tutores a distância (na Universidade) por meio de uma sala de aula virtual exclusiva para

a disciplina. Essa sala de aula virtual está sediada no Moodle, um programa

computacional conectado à Internet. Você terá acesso a nossa sala de aula virtual para

colocar suas atividades, baixar textos e outros materiais de estudo, bem como para

participar, com seus comentários, dos fóruns e espaços de interação coletiva com a

turma e com os tutores.

Em nossa sala de aula virtual no Moodle, você poderá utilizar as seguintes ferramentas

de comunicação e interação: fórum, chat, wiki, livro eletrônico, envio de mensagens

individuais e acesso de links para outros sites. Por meio dessas ferramentas via Internet,

você poderá realizar as atividades sugeridas e dialogar com os colegas de estudo, tutores

e professores.

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Durante os encontros presenciais com sua turma, serão propostas também atividades

para você resolver, seja individualmente, seja em grupo, com a supervisão do tutor do

seu Polo.

Tanto as atividades para serem feitas na sala de aula virtual do ambiente Moodle como

as atividades para os momentos presenciais são indicadas no material didático.

8 AVALIAÇÃO

Atividades presenciais com 75% de frequência (aula na UFPR e tutoria no Polo).

Atividades e exercícios sobre os textos e materiais de apoio.

Atividades como fóruns, pesquisa, produção de textos e outras que o professor

considerar.

Leituras complementares indicadas, com registro de análise crítica.

Exercícios de autoavaliação com produção de conhecimento.

Prova realizada ao término.

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SUMÁRIO

1 CONCEPÇÕES, FUNDAMENTOS LEGAIS E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL ...................................................

16

1.1 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: HISTÓRICO ............... 17

1.1.1 A constituição histórica da demanda por Educação de Jovens e

Adultos ..............................................................................................

17

1.1.2 Paulo Freire e a Educação de Jovens e Adultos ................................ 21

1.1.3 A Educação de Jovens e Adultos na década de 90 ............................ 23

1.1.4 Sobre a EJA na Lei nº 9.9394/96 ................................................... 26

1.1.5 Ainda a década de 90 .................................................................. 28

1.1.6 A Educação de Jovens e Adultos nos anos 2000 .............................. 28

2 EDUCANDO JOVENS E ADULTOS E O EIXO CIÊNCIA, CULTURA E

TRABALHO: DIMENSÕES CONTEXTUAIS ............................................

35

2.1 SOCIEDADE E ESCOLA. CIÊNCIA, CULTURA E TRABALHO:

REPENSANDO AS RELAÇÕES CONSTRUÍDAS HISTORICAMENTE .................

37

2.2 CIÊNCIA, CULTURA E TRABALHO COMO EIXO DA ORGANIZAÇÃO

PEDAGÓGICO-CURRICULAR DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ..........

43

3 FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO EDUCADOR DE EJA ........................ 47

3.1 DOCENTE DA EJA: FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA ...................... 50

3.2 IDENTIDADE DOS SUJEITOS DA EJA ................................................ 53

3.3 PROCESSO DE COGNIÇÃO, APRENDIZAGEM E INTERAÇÃO HUMANA

ENTRE EDUCADOR E EDUCANDO NA CONSTRUÇÃO DOS SUJEITOS DA EJA

58

4 TEORIA E PRÁTICA NA EJA ............................................................ 67

4.1 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO, PROPOSTA CURRICULAR E O PLANO

DE TRABALHO DOCENTE: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE AS

CONCEPÇÕES E AS PRÁTICAS ...............................................................

70

4.2 SALA DE AULA COMO ESPAÇO DE MEDIAÇÃO: ELEMENTOS

CONSTITUINTES DA AÇÃO PEDAGÓGICA ................................................

74

REFERÊNCIAS ................................................................................... 82

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UNIDADE

 

 

Maria Aparecida Zanetti

CONCEPÇÕES, FUNDAMENTOS LEGAIS E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS NO BRASIL

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1 CONCEPÇÕES, FUNDAMENTOS LEGAIS E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

Nesta unidade, vamos buscar compreender como as demandas por

Educação de Jovens e Adultos se constituíram historicamente e quais foram as

respostas ou ausência delas dadas pelas políticas educacionais e/ou projetos de

governos.

1.1 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: HISTÓRICO

1.1.1 A constituição histórica da demanda por Educação de Jovens e Adultos

O direito explicitado nas Constituições Brasileiras mostra que não é possível ler o

texto da lei sem inseri-lo ou compreendê-lo em seus contextos. Compreender, por

exemplo, que no texto legal, a partir de seus diferentes momentos históricos, a

concepção de cidadão brasileiro inclui alguns e exclui outros. Na Constituição de 1824,

por exemplo, eram excluídos de votar os “criados de servir” e os que não tivessem renda

líquida anual de cem mil réis, e na Carta Magna de 1891, os mendigos e os analfabetos.

Estes últimos são mantidos fora do direito de votar até a Constituição de 1988, que

passa a garantir esse direito de forma facultativa.

Desde a Constituição do Império (1824) até a atual Constituição (1988), esses

documentos hão demarcado em seus textos os direitos humanos, assumindo a educação

diferentes sujeitos em sua inclusão. Apenas na Constituição de 1934 é que temos um

título específico sobre a educação, na qual a etapa primária é gratuita e de frequência

obrigatória extensiva aos adultos. Nas demais Constituições (1937, 1946 e 1967),

embora se tenha um título específico sobre educação, o atendimento educacional da

população adulta não aparece. Somente em 1988 vemos retomado explicitamente o

atendimento educacional do adulto:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. (BRASIL, 2009)

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Estamos no ano de 2011. Em 1920, menos de um século de diferença, o

analfabetismo da população brasileira era de 75% – cerca de 23 milhões de brasileiros

eram analfabetos, numa população total de cerca de 31 milhões. Talvez alguns de

seus parentes, avós ou bisavós, estivessem incluídos nesse percentual. Pense nisso!

Essa extensão de tempo entre as Constituições, no sentido de não registrar

explicitamente em seus textos o dever do Estado no atendimento educacional à

população jovem, adulta e idosa, é fruto do processo de exclusão social destes e também

de seu não reconhecimento enquanto sujeitos que demandam políticas educacionais

públicas.

No estudo realizado por Moll (1996) em relação à constituição do analfabetismo

adulto, é possível compreender como, na trajetória de sua produção no Brasil, foram

sendo eleitos e excluídos os participantes dos processos de escolarização e também

como a produção e a manutenção do analfabetismo e dos baixos índices de escolaridade

têm sido legitimados pelo próprio sistema escolar.

O analfabetismo, como uma das partes mais perversas do processo de exclusão

social, não é uma condição recente, estando presente desde o início da colonização

portuguesa. A tabela abaixo mostra que mesmo com o advento do século XX não se tem

avanços significativos na área educacional.

TABELA I – ÍNDICE DE ANALFABETISMO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA (1890, 1900, 1920)

Especificação 1890 1900 1920

Total 14.333.915 17.388.434 30.635.605

Alfabetizados 2.120.559 4.448.681 7.493.357

Analfabetos 12.213.356 12.939.753 23.142.248

% de analfabetos 85% 75% 75%

Fonte: RIBEIRO (1982 apud MOLL, 1986, p.21).

 

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Moll (1996) mostra as medidas estabelecidas pelos colonizadores portugueses

para manter o saber escrito em suas mãos, entre elas:

... o Alvará de 20 de março de 1720, proibindo letras impressas no Brasil; o Alvará de 16 de dezembro de 1794, proibindo o despacho de livros e papéis para o Brasil; (...) a ordem do governo português, em 1747, para destruir e queimar a primeira gráfica da colônia (MOLL, 1996, p.12).

A autora mostra também que, nos séculos XVI a XVIII e em parte do século XIX,

a língua escrita é monopólio dos jesuítas e da aristocracia, em regra, masculina, com a

sobreposição da cultura europeia – branca, cristã e alfabetizada – à cultura nativa –

índia, politeísta e analfabeta.

Além disso, do Império às Repúblicas, a estrutura social não valoriza a educação

escolarizada:

... estendendo conteúdos alienados e de concepção elitista, com um sistema esfacelado de aulas avulsas, fecundado pela ideologia da interdição do corpo (Freire, 1989), que exclui da escola o negro, o índio e quase a totalidade das mulheres (MOLL, 1996, p. 17).

Com a 2ª Guerra Mundial (1914-1918), levanta-se no Brasil uma onda de

nacionalismo e, além disso, divulga-se nos Estados Unidos uma pesquisa sobre o

analfabetismo mundial, segundo a qual o Brasil é o país líder, comprometendo o orgulho

nacional (PAIVA, 2003). Esse quadro, incentivado pelas Ligas Nacionalistas,

especialmente, a Liga Brasileira de Combate ao Analfabetismo, que traz como lema

“combater o analfabetismo é dever de honra de todo brasileiro”, expressa uma ideologia

da “inferioridade intrínseca do analfabeto” (FREIRE, 1989, p. 203).

Nesse mesmo viés, Miguel Couto, médico e membro da Academia de Medicina do

Rio de Janeiro, citado em Paiva (2003, p. 109), numa concepção higienista e sanitarista,

compreende o analfabetismo como uma doença social associada a uma chaga ou peste

que precisava ser erradicada do território nacional, reforçando o estereótipo da pessoa

analfabeta como incapaz e inculta:

O analfabetismo não é só um fator considerável na etiologia geral das doenças, senão uma verdadeira doença, e das mais graves. Vencido na luta pela vida (...) o analfabeto contrapõe o peso morto de sua indolência ou o peso vivo de sua rebelião a toda a ideia de progresso, entrevendo sempre, na prosperidade dos que vencem pela inteligência cultivada, um roubo, uma extorsão, uma injustiça. Tal a saúde da alma, assim a do

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Ainda segundo Miguel Couto:

“Analfabetismo é o cancro que aniquila o nosso organismo, com as suas múltiplas

metásteses, aqui a ociosidade, ali o vício, além o crime. Exilado dentro de si mesmo

como em um mundo desabitado, quase repelido para fora da espécie pela sua

inferioridade, o analfabeto é digno de pena e a nossa desídia indigna de perdão

enquanto não lhe acudirmos com o remédio do ensino obrigatório”. (PAIVA, 2003, p.

38)

Pesquise em jornais e na Internet, entre outros veículos, e registre os textos em que

aparece a terminologia erradicação do analfabetismo ou outras terminologias para se

referir à alfabetização de adultos.

Embora o uso na atualidade da terminologia erradicação do analfabetismo possa não

traduzir o sentido que se deu a ela nas primeiras décadas do século passado, é

importante repensar a referência que se faz às políticas públicas voltadas à

alfabetização de jovens e adultos. Entre os termos que têm sido utilizados em

substituição ao termo erradicação, estão:

superação do analfabetismo

redução do analfabetismo

território livre de analfabetismo

corpo; sofre e faz sofrer; pela incúria contrai doenças e pelo abandono as contagia e perpetua (...) o analfabeto é um microcéfalo: a sua visão estreitada (...); o seu campo de percepção é uma linha, a inteligência, o vácuo; não raciocina, não entende, não prevê, não imagina, não cria (PAIVA, 2003, p. 129).

Essa concepção de que a educação é o instrumento de combate a todos os males

(entusiasmo pedagógico) mascara a análise da realidade, pois compreende o

analfabetismo como uma doença e não como uma questão social que deve ser superada,

uma vez que se apresenta como reflexo das desigualdades sociais e econômicas no país,

associada também à insuficiente oferta de educação pública.

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1.1.2 Paulo Freire e a Educação de Jovens e Adultos

Não é possível passar pelo século XX, na sua referência histórico-educacional,

especialmente em relação à Educação de Jovens e Adultos, sem apresentar, mesmo que

brevemente, um pouco das contribuições desse pensador e indicar leituras necessárias

para a melhor compreensão e apreensão de suas reflexões.

Em primeiro lugar, é importante afirmar que Paulo Freire não é um metodólogo,

não criou um método de alfabetização, mas, sim, apresentou uma crítica à educação

brasileira e nesta criticou o formalismo mecanicista das práticas de alfabetização. O

“texto” a seguir é um exemplo desse formalismo:

O boi Biné

Dino é o dono do boi.

O boi de Dino é adoidado.

Dino dá nabo ao boi doido.

O boi Biné nadou no lodo.

Para Freire, a alfabetização de adultos é um ato político e um ato de

conhecimento e, por isso, um ato criador.

Se antes a alfabetização de adultos era tratada e realizada de forma autoritária, centrada na compreensão mágica da palavra, palavra doada pelo educador aos analfabetos; se antes os textos geralmente oferecidos como leitura aos alunos escondiam muito mais do que desvelavam a realidade, agora, pelo contrário, a alfabetização como ato de conhecimento, como ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra. (FREIRE, 1986, p. 35)

A educação, para ele, se faz através do diálogo. O educador e a educadora

progressistas necessitam estar cientes de que não sabem tudo e o educando tem o

direito de saber que não ignora tudo, que necessita saber melhor o que já sabe e

conhecer o que ainda não conhece. Nesse processo educativo dialético, fundado no

diálogo, educadores e educandos são sujeitos do ato de conhecimento, e a curiosidade

de ambos se encontra na base do aprender-ensinar-aprender.

Ler seriamente, porém não de forma sisuda, a Pedagogia da Esperança (FREIRE,

1997) em seu reencontro com a Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1986) é ser instigado

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Procure, na internet, em um endereço de busca como o Google, a biografia de Paulo

Freire.

Em <www.forumeja.org.br> você encontra vídeos de sobre Paulo Freire.

Produza um texto de pelo menos duas páginas sobre essa pesquisa.

pelas perguntas e respostas de Freire sobre a prática de educação popular que

expressam posições político-pedagógicas de quem, em sua história de intelectual

comprometido com as classes populares, sempre buscou uma educação democrática e

libertadora e não autoritária e castradora das possibilidades do homem e da mulher

“serem mais”. Ele nos instiga a pensar sobre:

... que conteúdos ensinar, a favor de que ensiná-los, a favor de quem, contra que, contra quem. Quem escolhe os conteúdos e como são ensinados. Que é ensinar? Que é aprender? Como se dão as relações entre ensinar e aprender? Que é o saber de experiência feito? Podemos descartá-lo como impreciso, desarticulado? Como superá-lo? Que é o professor? Qual seu papel? E o aluno, que é? E o seu papel? (...) Como superar a tentação basista, voluntarista, e como superar também a tentação intelectualista, verbalista, blablabante? Como trabalhar a relação linguagem-cidadania? (FREIRE, 1997, p. 135-136).

Em 1963, o Ministro da Educação e Cultura do Governo João Goulart convidou

Paulo Freire para presidir a Comissão Nacional de Cultura Popular e coordenar o Plano

Nacional de Alfabetização. Porém, em 31 de março de 1964, instaura-se um Golpe Militar

no Brasil. Começam as perseguições políticas. Paulo Freire e outros intelectuais e

militantes brasileiros são obrigados a procurar refúgio em outros países. Muitos são

torturados e mortos.

Paulo Freire é obrigado a ficar 16 anos no exílio. Retorna ao Brasil em agosto de

1979. “Voltava vivido, amadurecido, disposto a reaprender o Brasil” (BARRETO, 1998, p.

41).

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Curso de Pedagogia – Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR _________________________________________________________________________________ 

 

 23

Se você quiser saber mais sobre a biografia de Paulo Freire, leia o livro de Vera Barreto

Paulo Freire para Educadores (editora Arte e Ciência, 1998).

Leitura indispensável para educadores: Paulo Freire Pedagogia da Autonomia:

saberes necessários à prática educativa.

Várias análises críticas foram elaboradas sobre os modelos implantados ao longo

desses anos para a Educação de Jovens e Adultos, porém é inegável o crescente

reconhecimento social dessa modalidade educacional.

Por exemplo: o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização –, implantado

durante a ditadura militar, se propunha a ser o “método Paulo Freire desideologizado”.

1.1.3 A Educação de Jovens e Adultos na Década de 90

Haddad (1997) mostra, brevemente, que, ao longo do século XX, a Educação de

Jovens e Adultos no Brasil, antes dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso,

vinha obtendo reconhecimento social:

A educação de pessoas jovens e adultas veio sendo reconhecida como um direito desde os anos 30, ganhando relevância com as campanhas de alfabetização das décadas de 40 e 50, com os movimentos de cultura popular dos anos 60, com o Mobral [1971-1986] e o ensino supletivo dos governos militares e a Fundação Educar [1986-1990] da Nova República. (HADDAD, 1997, p. 106-107).

Além disso, as expectativas positivas em relação à Educação de Jovens e Adultos,

segundo Pierro (1992, p. 23), seriam estimuladas pela mobilização internacional

impulsionada pela Organização das Nações Unidas, que declarou 1990 o Ano

Internacional da Alfabetização, realizando-se no mesmo ano, em Jonthien, na Tailândia,

“a Conferência que aprovou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Plano

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Processo de Ensino e Aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos __________________________________________________________________________________ 

 

 24

de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, dos quais o Brasil é

signatário”.

“Fatos e atos se opuseram às expectativas geradas a partir de 1988. A Fundação

Educar foi extinta em março de 1990 pela Medida Provisória 251, logo no início do

governo Collor” (PIERRO, 1992, p. 23), e em 12 de setembro de 1996 promulga-se a

Emenda Constitucional nº 14, que modifica e dá nova redação a alguns artigos da

Constituição no que se refere à educação.

A Constituição promulgada em 1988 garantia no artigo 208, inciso I, “Ensino

Fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na

idade própria”. No artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, constava

o compromisso do Poder Público nos dez primeiros anos de promulgação da Constituição

de desenvolver esforços – com a mobilização de todos os setores organizados da

sociedade e com a aplicação de 50% dos recursos financeiros – para eliminar o

analfabetismo e universalizar o Ensino Fundamental.

Tratamos esses dois artigos no passado porque a Emenda Constitucional n° 14

suprimiu a obrigatoriedade do Poder Público de oferecer Ensino Fundamental para os que

a ele não tiveram acesso na idade própria e, ainda, suprimiu do artigo 60 o compromisso

de eliminação do analfabetismo no prazo de dez anos e o de vinculação dos percentuais

de recursos financeiros estabelecidos em Lei para esse fim.

O inciso I do artigo 208 ficou com a seguinte redação: “Ensino Fundamental,

obrigatório e gratuito, assegurada inclusive sua oferta gratuita [retira-se porém a palavra

obrigatória] para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria”.

Além disso, no mesmo artigo 60, a partir da Emenda 14, cria-se o Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

(FUNDEF), regulamentado pela Lei n° 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que dispõe,

em seu artigo 2°, que a distribuição de recursos dar-se-á “entre governo estadual e

governos municipais, na proporção do número de alunos matriculados anualmente nas

escolas cadastradas das respectivas redes de ensino”, considerando-se para esse fim

apenas as matrículas da 1ª a 8ª séries do Ensino Fundamental. A contabilização das

matrículas do Ensino Fundamental nos cursos de Educação de Jovens e Adultos, na

função suplência, foi vetada pelo Presidente da República. O que significa dizer que, além

do veto ao repasse de recursos do Fundo em proporção à quantidade de matrículas

efetuadas na Educação de Jovens e Adultos, vetam-se, também, as possibilidades de

implantação ou manutenção dessa modalidade de ensino.

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Curso de Pedagogia – Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR _________________________________________________________________________________ 

 

 25

Algumas das razões para esse veto, segundo o Presidente Fernando Henrique

Cardoso, divulgadas no Diário Oficial da União, foram as seguintes: (BRASIL, 1996)

a) a garantia de contabilização do alunado do ensino supletivo, para efeito de recebimento de recursos, poderá provocar, no âmbito dos governos estaduais e/ou municipais, uma indesejável corrida no sentido de se criar cursos dessa natureza sem rigor nem a observância dos critérios técnicos pedagógicos requeridos por essa modalidade de ensino, com o objetivo de garantir mais recursos financeiros ao respectivo governo, em detrimento da qualidade do ensino e, por conseguinte, da adequada formação dos educandos;

b) o MEC não dispõe de dados estatísticos consistentes que possam assegurar uma correta e fidedigna contabilização do alunado do ensino supletivo;

[...]

d) o aluno do ensino supletivo não será considerado apenas para efeito de distribuição dos recursos. Será, porém, destinatário dos benefícios que advirão da implantação do Fundo, conforme prevê o caput do artigo 2º do projeto.

O receio do Governo de que se criasse uma dicotomia entre qualidade e

quantidade que seria provocada com o recebimento de recursos advindos da contagem

das matrículas dos alunos da Educação de Jovens e Adultos acaba por justificar a

intensificação da exclusão social, da qual essas pessoas são vítimas cotidianamente.

Além disso, como afirma Haddad (1997, p. 111), o “governo contrariou o preceito

constitucional de assegurar a todo cidadão, independentemente da idade, o direito ao

Ensino Fundamental”.

O MEC, quando argumenta não dispor de dados consistentes sobre o alunado do

ensino supletivo, acaba afirmando, também, que não está cumprindo uma de suas

funções, que é levantar e disponibilizar dados sobre o atendimento educacional e, além

disso, está desconsiderando a existência dos dados contidos no censo escolar efetuado

por esse mesmo Ministério em 1996.

Ao mesmo tempo em que o veto retira a possibilidade de contabilização das

matrículas dos alunos da Educação de Jovens e Adultos para o recebimento de recursos,

considera o financiamento da educação na perspectiva de custo-benefício,

desconsiderando, nesse sentido, a especificidade da educação.

A Emenda Constitucional nº 14 suprime da Constituição o compromisso de

eliminação do analfabetismo no prazo de dez anos, e a nova LDB – Lei n° 9.394/96 – não

apresenta nenhum artigo que mencione a questão do analfabetismo, como se ele não

fosse um dos graves problemas da realidade brasileira.

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Processo de Ensino e Aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos __________________________________________________________________________________ 

 

 26

Darcy Ribeiro, em um pronunciamento no Congresso Brasileiro, organizado pelo

GETA – Grupo de Estudos e Trabalhos em Alfabetização –, reforçou esse descaso

governamental com os não alfabetizados, afirmando: “Deixem os velhinhos morrerem

em paz! Deixem os velhinhos morrerem em paz!” (citado por Haddad, 1997, p. 106).

Isso já havia aparecido no §2° do artigo 107 das Disposições Transitórias do Projeto de

LDB, apresentado em 1992 pelo mesmo senador, quando da primeira tentativa do MEC

em obstruir o Projeto de LDB que tramitava na Câmara dos Deputados: A erradicação do

analfabetismo se faz inclusive mediante cursos noturnos intensivos de recuperação

educacional para jovens de quatorze a vinte anos de idade.

Nesse sentido, aqueles que têm mais de vinte anos e são analfabetos poderiam

enquadrar-se na categoria “velhinhos” e, atendendo a solicitação do senador Darcy

Ribeiro, deveriam poder morrer em paz, nesse caso, sem o acesso ao domínio da

linguagem escrita como um dos direitos básicos de cidadania.

1.1.4 Sobre a EJA na Lei nº 9394/96

Embora o título da seção que trata desse assunto no texto da nova LDB (Lei

9.394/96) seja Educação de Jovens e Adultos, diferentemente do título da Lei

5.692/71, que era Ensino Supletivo, o conteúdo de ambas as leis muda muito pouco,

tendo em vista a ênfase nos cursos e exames supletivos. Porém, quando comparada ao

Projeto Jorge Hage (Projeto de LDB não aprovado), verificamos um grande retrocesso,

pois o conceito que permeava a educação de jovens e adultos era o de Educação Básica

Pública de Trabalhadores, articulada organicamente aos demais níveis de

escolarização.

No artigo 37 §2° da Lei 9.394/96, embora esteja previsto que “o Poder Público

viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante

ações integradas e complementares entre si”, essas ações não são explicitadas na Lei.

O Projeto Jorge Hage, por outro lado, além de explicitar essas ações, deixava

claro, também, quais as condições adequadas para a implementação da educação da

população trabalhadora, jovem e adulta: professores especializados, regime especial de

trabalho para trabalhadores-estudantes, programas sociais de alimentação, saúde,

material escolar e transporte, entre outros.

Nesse sentido, a nova LDB deixou de contemplar ainda, segundo Haddad (1997,

p. 116), “uma atitude ativa por parte do Estado no sentido de criar as condições de

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 27

Sobre idade para a EJA, você pode saber mais no endereço <www.forumeja.org.br>

nas audiências do Conselho Nacional de Educação para a construção das Diretrizes

Operacionais de EJA. Veja os documentos que subsidiaram as reflexões sobre idade,

TICs e mídias, exames e certificação. O Fórum Paranaense de EJA defendeu a idade de

18 anos para ingresso nos cursos de segundo segmento do Ensino Fundamental e do

Médio e 15 anos para o primeiro segmento do Ensino Fundamental. Além disso, a

gestão da EJA estadual (2003-2006) defendeu essa mesma posição e, na sua

impossibilidade, entendeu que a idade preferencial para a EJA seria 18 anos.

permanência de um grupo social que tem de realizar um esforço redobrado para

frequentar qualquer programa de educação”.

Enfatizando os exames supletivos, a nova LDB reduziu, substantivamente, em

relação à Lei 5.692/71, a idade para a realização destes – de 18 para 15 anos no Ensino

Fundamental e de 21 para 18 anos no Ensino Médio.

Saviani (1997) avalia que essa redução pode, por um lado, favorecer aqueles cuja

condição de vida impede ou dificulta a frequência ao ensino regular, viabilizando mais

cedo os estudos, mas que, por outro lado, pode estimular os adolescentes matriculados

no ensino regular a abandonarem a escola para obter certificado de conclusão via

exames supletivos. Considera, ainda, que a situação poderia ser vantajosa se as duas

vias fossem equivalentes – formação e certificação.

Haddad (1997), sobre a mesma questão e, tomando por referência o papel do

Estado, faz as seguintes considerações:

Deslocando a ênfase dos cursos para os exames (...) o Estado abre mão da sua responsabilidade de formação, garantindo apenas os mecanismos de creditação e certificação.

[...] no contexto da reforma do Estado e dos sistemas de educação, interessaria afastar do ensino regular os defasados. Isso permitiria uma diminuição da pressão da demanda, tornando o ensino regular menos custoso.

[...] outro aspecto diz respeito às pressões dos interesses privatistas, que perceberam o enorme presente que receberiam com uma simples mudança de idade na legislação. Um elevado contingente de jovens com defasagem de idade/série estariam potencialmente incluídos no mercado dos cursinhos preparatórios aos exames de massa. Também o número de consumidores do telecurso se ampliaria (HADDAD, 1997, p. 117,119).

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Processo de Ensino e Aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos __________________________________________________________________________________ 

 

 28

Acesse o endereço<www.forumeja.org.br> e pesquise mais sobre o histórico dos

fóruns de EJA e sobre os ENEJAs. Entre no relatório do ENEJA Paraná e veja quais

foram as deliberações e encaminhamentos construídos pelos Fóruns para a Educação

de Jovens Adultos nesse encontro.

1.1.5 Ainda a década de 90

Ainda sobre a EJA nessa década, evidencia-se um processo de articulação de

diferentes segmentos sociais – movimentos social e sindical, universidades, governos

municipais e estaduais, ONGs, organizações empresariais –, buscando debater e propor

políticas públicas em nível nacional, estadual e municipal para a EJA.

Provocados pelas discussões preparatórias e posteriores à V Conferência

Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA), realizada em julho de 1997, em

Hamburgo, Alemanha, esses vários segmentos iniciam sua articulação através da

constituição de Fóruns Estaduais de EJA, num crescente e importante movimento cuja

culminância vem ocorrendo em Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos

(ENEJAs), desde o ano 1999 (PARANÁ, 2005, p. 18).

1.1.6 A Educação de Jovens e Adultos nos Anos 2000

Em 2000, o Conselho Nacional de Educação estabelece, através da Resolução

01/2000, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.

Destaca-se o Parecer nº 11/2000, de Carlos Roberto Jamil Cury, que subsidia as

deliberações sobre essas diretrizes. Esse parecer possibilita o aprofundamento dos

fundamentos e funções da EJA, a compreensão das suas bases legais históricas, além de

fornecer subsídios para se compreender a organização da EJA em cursos e exames. Ele

trata também da formação de docentes e do direito à educação.

Na construção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mostramos que,

nos projetos em disputa, no Substitutivo Jorge Hage estavam garantidas as condições

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 29

Com base no histórico que construímos, observe as diferenças de tempos para o

atendimento de condições necessárias para o funcionamento da EJA. Lembre-se de

que todo TEXTO legal precisa ser compreendido em seu CONTEXTO.

Substitutivo Jorge Hage – 1989 >>> Lei 9.394/1996 >>>>>> Lei nº

11.494/2007 – FUNDEB >>> Resolução nº 18/2007 – PNLA >>> Lei nº

11.947/2009 – PNAE >>> PNLD EJA/2009 >>> Decreto nº 7084/2010 – PNBE.

básicas para a oferta da Educação de Jovens e Adultos e que no texto final da LDB essas

condições não aparecem.

As escolas e os educandos da Educação de Jovens e Adultos necessitam das

mesmas condições que os demais estudantes para retornar aos estudos. Só

recentemente temos algumas dessas demandas asseguradas. Vejamos:

Lei nº 11.494/2007 – FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e de Valorização dos/das Profissionais da Educação). Inclui, para

fins de repasse, os educandos da EJA.

Lei nº 11.947/2009 – PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), extensão

do programa para toda a rede de Educação Básica e de Jovens e Adultos e a garantia

de que 30% dos repasses do FNDE sejam investidos na aquisição de produtos da

agricultura familiar).

Resolução nº 18/2007 – PNLA (Programa Nacional do Livro Didático para a

Alfabetização de Jovens e Adultos).

Resolução n 51/2009 – PNLD EJA (Programa Nacional do Livro Didático para a

Educação de Jovens e Adultos).

Decreto nº 7084/2010 – PNBE (Programa Nacional Biblioteca na Escola) inclui a EJA.

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Processo de Ensino e Aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos __________________________________________________________________________________ 

 

 30

Na página <www.forumeja.org> você encontra o documento brasileiro e também os

documentos das Conferências Regionais Preparatórias à VI CONFINTEA. O Brasil

participou da Conferência Regional Latinoamericana e do Caribe.

a) VI CONFINTEA

Em dezembro de 2009, realizou-se no Brasil, em Belém/PA, a VI Conferência

Internacional de Educação de Adultos. É uma Conferência que acontece a cada 12 anos e

que orienta e direciona a Educação de Adultos em nível mundial. Pela primeira vez ela

aconteceu na América do Sul. As conferências anteriores aconteceram em 1949

(Dinamarca), 1960 (Canadá), 1972 (Japão), 1985 (França) e 1997 (Alemanha).

O Brasil se preparou para essa Conferência através de um amplo debate

envolvendo a sociedade civil (alunos de EJA, educadores/professores de EJA, fóruns de

EJA, gestores municipais e estaduais, universidades, movimento social e sindical), além

do governo federal e de organismos internacionais.

Nesse processo preparatório brasileiro, foram realizados, no primeiro semestre de

2008, cinco Oficinas Regionais de Formação em Organização e Análise de Dados para o

Diagnóstico da Educação de Jovens e Adultos, que produziram dados para o diagnóstico

estadual da alfabetização e da EJA; 27 encontros estaduais/distritais, nos meses de

março e abril, reunindo entre 80 e 600 participantes de diferentes segmentos

interessados na temática da EJA; cinco encontros regionais com cerca de 10 delegados

por estado, realizados no mês de abril; e um Encontro Nacional Preparatório à VI

CONFINTEA, com 300 participantes, entre delegados dos estados e do Distrito Federal e

representações do MEC, de outros ministérios, do Conselho Nacional de Educação e da

Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), realizado

em maio.

A partir de todos esses encontros, o Brasil produziu o Documento intitulado

“BRASIL – Educação e Aprendizagens de Jovens e Adultos ao Longo da Vida”.

Nele constam um diagnóstico nacional, os desafios e as recomendações para a Educação

de Jovens e Adultos brasileira.

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 31

b) Desafios da Educação de Jovens e Adultos

Quando analisamos os dados atuais de analfabetismo por categorias, vemos ainda

presentes enormes discrepâncias construídas historicamente no acesso à educação em

relação às regiões, às áreas urbana e rural, a gênero, raça e faixa etária.

TABELA 2 - TAXA DE ANALFABETISMO POR CATEGORIAS SELECIONADAS – POPULAÇÃO

DE 15 ANOS OU MAIS – 2004-2009, EM (%).

Categorias 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Brasil 11,45 11,13 10,47 10,09 9,96 9,70

Norte 12,71 11,55 11,30 10,84 10,73 10,57

Nordeste 22,43 21,89 20,73 19,93 19,41 18,69

Sudeste 6,62 6,58 6,01 5,78 5,81 5,68

Sul 6,29 5,93 5,70 5,47 5,45 5,46

Centro-Oeste 9,18 8,90 8,25 8,05 8,18 7,99

Localização

Urbano metropolitano

5,17 5,01 4,42 4,42 4,35 4,37

Urbano não metropolitano

10,81 10,48 9,93 9,48 9,36 9,10

Rural 25,88 25,10 24,27 23,42 23,51 22,75

Sexo

Masculino 11,67 11,38 10,75 10,34 10,16 9,83

Feminino 11,25 10,91 10,22 9,86 9,78 9,59

Raça ou cor

Branca 7,23 7,05 6,55 6,16 6,24 5,94

Negra 16,27 15,51 14,66 14,20 13,63 13,42

Faixa etária

15 a 24 anos 3,18 2,88 2,44 2,22 2,16 1,93

25 a 29 anos 5,89 5,78 4,80 4,44 4,18 3,63

30 a 39 anos 8,01 7,80 7,27 6,66 6,64 6,42

40 anos ou + 19,70 19,11 18,04 17,34 16,86 16,53

FONTE: PNAD/IBGE. Elaboração: Disoc/Ipea.

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 32

TABELA 3 - TOTAL DA POPULAÇÃO COM 15 ANOS OU MAIS SEM RENDIMENTO E COM

RENDIMENTO NOMINAL MENSAL DOMICILIAR PER CAPITA DE 1 A 70 REAIS

POR SITUAÇÃO DE DOMICÍLIO, ALFABETIZAÇÃO E GRUPOS DE IDADE.

Total da população

% Urbana % Rural %

Total da População 9.779.650 5.295.726 4.483.924

Não Alfabetizada 2.522.791 25,8 1.164.697 22,0 1.358.094 30,3

15 a 17 anos 1.173.007 607.516 565.491

Não Alfabetizada 72.426 6,17 31.769 5,23 40.657 7,19

15 a 24 anos 3.048.479 1.578.133 1.470.346

Não Alfabetizada 261.344 8,57 112.105 7,10 149.239 10,15

60 anos ou + 822.853 626.861 195.992

Não Alfabetizada 332.917 40,46 213.177 34 119.740 61,09

FONTE: IBGE, Censo/2010.

TABELA 4 - BRASIL – ALUNOS COM DIFERENÇA IDADE-SÉRIE (EM %).

1982 1991 1996 2006 2007 2008 2009 2010

1 série 71,9 59,5 40 17,5 28,2 22,2 23 24,4

4 série 76,6 62,7 46,6 28,5 32,1 25,8 27,5 28,3

5 série 80,4 70,2 55,6 37,4 31,6 24,9 25 25,7

FONTE: MEC/INEP, Censo Escolar

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 33

Analise cada uma dessas tabelas e produza um texto sobre a constituição das

demandas por Educação de Jovens e Adultos, considerando aspectos relacionados à

renda, local de moradia (urbano/rural), à faixa etário, sexo, raça/cor e reprovação.

Segundo Moll (1996), a instituição escolar tem se pautado numa lógica de

exclusão e seletividade, favorecendo, por vezes, a produção e a manutenção do

analfabetismo e da baixa escolaridade. Obviamente que concorrem para isso as políticas

educacionais vigentes ou ausentes para a garantia de educação para todos e todas, e

nestas as políticas de formação inicial e continuada de professores que destaquem a

diversidade dos sujeitos do processo de aprendizagem.

Fechamos esta unidade registrando os desafios e os avanços em relação à

garantia do direito à Educação de Jovens e Adultos presente no Documento Brasileiro

BRASIL – Educação e Aprendizagens de Jovens e Adultos ao Longo da Vida:

o ainda insuficiente nível de oportunidades e de condições oferecidos a jovens

e adultos dos setores populares para garantir seu direito à educação básica;

a persistência de desigualdades sócio-étnico-raciais, de gênero, do campo, das

periferias urbanas, entre outros, no processo histórico-estrutural na

sociedade;

a precariedade e vulnerabilidade dos direitos humanos básicos, o que

condiciona o direito à educação de jovens e adultos populares;

o avanço da consciência dos direitos humanos básicos e especificamente do

direito à educação, assim como as pressões pela igualdade do direito à

cidadania em nossa sociedade;

as crescentes pressões de coletivos populares e da diversidade de movimentos

sociais para que políticas públicas atendam a especificidade de comunidades

indígenas, quilombolas, negras, do campo, de periferias urbanas, de idosos e

de pessoas privadas de liberdade que lutam por direitos coletivos e por

políticas diferenciadas que revertam a negação histórica de seus direitos como

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Processo de Ensino e Aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos __________________________________________________________________________________ 

 

 34

Seguem algumas perguntas ou ideias EQUIVOCADAS que circulam sobre a

Educação de Jovens e Adultos sobre as quais precisamos refletir, pois fazem parte do

diálogo que construímos nesta UNIDADE I:

A EJA é provisória, é temporária, logo não será mais necessária?

A EJA é só alfabetização?

A única diferença da EJA para o Ensino Regular é que o seu tempo de

currículo é menor. Não é isso? São 2 anos para o segundo segmento do

Ensino Fundamental e 4 anos para o Ensino Regular, ou pelo ensino supletivo

o aluno não precisa de frequência, vai a escola apenas para tirar dúvidas?

A EJA não necessita de tanto recurso financeiro quanto o ensino regular.

Eu acho que os adultos deviam ter estudado quando eram crianças.

Escolha duas dessas ideias e escreva um texto argumentativo se contrapondo

a elas. Para tanto, você precisa revisitar a breve história da EJA que apresentamos,

compreender a composição da demanda por escolarização da população jovem, adulta

e idosa brasileira e as concepções inerentes à EJA. Essa reflexão ajudará a pensar na

especificidade da EJA e o que significa ser educador de jovens, adultos e idosos

trabalhadores.

coletivos;

os avanços que vêm acontecendo nas políticas públicas socioeducativas, de

qualificação, de geração de emprego e renda etc., articuladas especificamente

para a juventude e vida adulta populares, inaugurando formas compartilhadas

de gestão colegiada, notadamente com a participação dos Fóruns de Educação

de Jovens e Adultos em instâncias de representação nacional e na Comissão

Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos;

os avanços havidos [e ainda necessários] nas políticas de financiamento da

Educação Básica e particularmente da Educação de Jovens e Adultos.

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Curso de Pedagogia – Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR _________________________________________________________________________________ 

 

 35

UNIDADE

 

 

Monica Ribeiro da Silva

EDUCANDO JOVENS E ADULTOS E O EIXO CIENCIA,

CULTURA E TRABALHO: DIMENSÕES CONTEXTUAIS

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2 EDUCANDO JOVENS E ADULTOS E O EIXO CIÊNCIA, CULTURA E TRABALHO:

DIMENSÕES CONTEXTUAIS:

Nesta unidade, buscaremos apontar fundamentos a partir dos quais a Educação

de Jovens e Adultos pode se organizar. De que concepções de indivíduo e sociedade

partimos para pensar a EJA? Que dimensões da vida em sociedade são significativas para

a Educação de Jovens e Adultos? O que essas dimensões trazem do ponto de vista da

organização pedagógico-curricular? O texto a seguir busca oferecer respostas para essas

questões, bem como indicar caminhos para os educadores e educadoras envolvidos com

o importante processo de escolarização de pessoas jovens e adultas.

2.1 SOCIEDADE E ESCOLA: CIÊNCIA, CULTURA E TRABALHO: REPENSANDO AS

RELAÇÕES CONSTRUÍDAS HISTORICAMENTE

Nos casos em que a cultura foi entendida como

conformar-se à vida real, ela destacou unilateralmente

o momento da adaptação e impediu, assim, que os

homens se educassem uns aos outros.

(T. W. ADORNO, 1996)

Álvaro Vieira Pinto (1997) argumenta no sentido de que a educação seja

compreendida como um processo histórico que se concretiza por meio de um duplo

movimento, ontogenético e filogenético. A educação, segundo esse autor, é um fato

existencial na medida em que, por meio dela, o homem adquire sua essência; enquanto

fato social, verifica-se como ação pela qual a sociedade reproduz-se a si mesma.

Segundo o autor, nesse processo está presente uma contradição, visto que a educação

gera, ao mesmo tempo, a conservação e a transformação do indivíduo e da sociedade. A

educação é sempre uma atividade de natureza teleológica, isto é, se realiza sempre com

vistas a um fim; é, ainda, um processo exponencial, posto que se multiplica por si

mesma com sua própria realização. Conquanto a educação seja um fenômeno cultural,

ela é, por natureza, contraditória, ou seja, implica simultaneamente conservação e

criação (PINTO, 1997, p. 23-34).

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Podemos entender a educação, ainda, como processo que gera, ao mesmo tempo,

a identidade e diferença entre os indivíduos:

A educação é o processo por meio do qual os indivíduos assemelham-se e diferenciam-se. Por meio dela tornam-se iguais, mas tornam-se também diferentes uns dos outros. A educação é o movimento que permite aos homens e mulheres apropriarem-se da cultura, estabelecendo com ela uma identidade, uma proximidade, que os leva a tornarem-se iguais; mas esse movimento, ao ser produzido, é mediado por condições subjetivas, o que faz com que os indivíduos tornem-se iguais e diferentes ao mesmo tempo. Tal movimento atribui à educação uma dimensão de realização social, e outra de realização individual. (SILVA, 2008, p. 15)

A educação é, portanto, ao mesmo tempo adaptação e emancipação dos

indivíduos em relação à sociedade. Esse processo, no entanto, não se dá sempre da

mesma forma. Ao longo do tempo, as sociedades vão estabelecendo os meios que

consideram adequados para formar as novas gerações. A definição desses meios se

institui, sempre, com base nas intencionalidades e nas relações de poder que se

estabelecem entre indivíduos e grupos. Isso evidencia o caráter nunca neutro do

processo educativo, bem como sua dimensão histórica.

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Assista ao filme A guerra do Fogo

Discuta com seus colegas e responda a seguinte pergunta: por que, a partir desse

filme, é possível identificar o caráter histórico-cultural da educação?

Sinopse: O filme se passa nos tempos pré-históricos, em torno da descoberta do fogo.

A tribo Ulam vive em torno de uma fonte natural de fogo. Quando esse fogo se

extingue, três membros saem em busca de uma nova chama. Depois de vários dias

andando e enfrentando animais pré-históricos, eles encontram a tribo Ivaka, que

descobriu como fazer fogo. Para que o segredo seja revelado, eles sequestram uma

mulher Ivaka. A crueldade e o rude conhecimento de ambas as tribos vão sendo

revelados. O filme foi elogiado por criar ambiente e personagens convincentes, por

meio da maquiagem (premiada com Oscar) e da linguagem primitiva (criada por

Desmond Morris e Anthony Burgess).

FONTE:<http://www.cineclick.com.br/filmes/ficha/nomefilme/a-guerra-do-fogo/id/

6909>

FICHA TÉCNICA

Diretor: Jean-Jacques Annaud

Elenco: Everett McGill, Rae Dayn Chong, Ron Perlman, Nameer El-Kadi, Gary Schwartz, Kurt Schiegl, Frank Olivier Bonnet, Brian Gill.

Produção: Michael Gruskoff, Denis Heroux, John Kemeny.

Roteiro: Gérard Brach.

Fotografia: Claude Agostini.

Trilha Sonora: Philippe Sarde.

Duração: 97 min.

Ano: 1981.

País: França/Canadá.

Gênero: Aventura.

Cor: Colorido.

(http://www.cineclick.com.br/filmes/ficha/nomefilme/a-guerra-do-fogo/id/6909)

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Nessa perspectiva, é esclarecedora a compreensão segundo a qual “do ponto

de vista antropológico, não teria sentido dizer, por exemplo, ‘levar cultura para o

povo’, posto que qualquer povo está inserido em sua cultura – ele não seria povo sem

ela. Mas é frequente que assim se designe a função dos Ministérios ou das Secretarias

da cultura. Tampouco teria sentido, exceto na acepção excludente e aristocratizante

apontada acima, falar de ‘produtores de cultura’ como uma classe à parte, diferente

daqueles que seriam seus meros consumidores. [...] Ora, não há seres humanos

vivendo em sociedade que estejam fora da cultura. [...] O uso excludente do termo se

reproduz quando se igualam os “produtores de cultura” à chamada “classe artística”.

[...] A cultura é a totalidade das formas em que um povo produz e reproduz suas

relações com os sentidos do mundo. Reduzi-la às indústrias cinematográfica, teatral e

fonográfica é reeditar a exclusão segundo a qual alguns produzem cultura e outros a

consomem” (AVELAR, 2011).

Na sociedade contemporânea, adquirem centralidade nos processos formativos

que compõem a educação as dimensões da ciência, da cultura e do trabalho. Desse

modo, fazemos a seguir uma discussão sobre essas dimensões, evidenciando sua

centralidade nos percursos formativos de jovens e adultos, dentro e fora da escola.

Ciência, cultura e trabalho constituem um legado da humanidade e, portanto,

aspectos relevantes da formação dos indivíduos. Compreender a perspectiva da ciência,

do trabalho e da cultura como dimensões da formação humana implica situá-los em

perspectiva histórica.

O trabalho é atividade humana que se manifesta em uma ação proposital. Nessa

ação, o homem adquire consciência de uma necessidade e age em resposta a ela. Nessa

perspectiva, dizemos que o trabalho possui uma dimensão ontológica. Na busca dos

meios para satisfazer suas necessidades vitais, o homem produz um conjunto de

atividades, estabelece relações com outros homens, desenvolve instrumentos, se comunica.

O trabalho é fundamento da existência humana na medida em que, por meio dele,

a humanidade produz as condições dessa existência; é o processo por meio do qual o

homem transforma o mundo natural e social e, nesse processo, transforma-se a si mesmo.

Derivado do fato do trabalho, porém não como mera consequência dele, o homem

produz outras práticas que fundamentam igualmente sua existência social e individual: a

linguagem, a arte, as crenças, em síntese, produz o que denominamos, em sentido

antropológico, cultura. Verifica-se, desse modo, intrínseca relação entre trabalho e

cultura.

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A cultura comporta toda forma de produção da vida, material e imaterial, e

compõe um sistema de significações envolvido em todas as manifestações da atividade

social (WILLIANS, 1992). No que se refere ao processo educativo, a cultura é o elemento

de mediação entre o indivíduo e a sociedade. Desse modo, a cultura é compreendida:

... no sentido mais ampliado possível, ou seja, como a articulação entre o conjunto de representações e comportamentos e o processo dinâmico de socialização, constituindo o modo de vida de uma população determinada (RAMOS, 2004, p. 45).

Na sociedade atual, adquire centralidade a ciência, derivada ela própria do

processo de produção da existência humana, material e imaterial. A ciência pode ser

definida como “conhecimentos produzidos e legitimados socialmente ao longo da história,

como resultados de um processo empreendido pela humanidade na busca da

compreensão e da transformação dos fenômenos naturais e sociais” (RAMOS, 2004, p.

47). Há, portanto, estreita relação entre a produção da ciência e a produção da

existência humana que se verifica no trabalho e na cultura.

Trabalho, ciência e cultura são produções históricas. Isso significa que se

transformam pela ação humana ao longo tempo. Assim, o trabalho possui uma forma

histórica que o situa, na sociedade atual, como forma de exploração do homem pelo

homem. A cultura passa, também ela, pelas tensões entre os diferentes interesses

presentes na sociedade, assim como a ciência que, convertida em tecnologia, beneficia a

uns e não beneficia a outros. Essa condição histórica situa o trabalho, a ciência e a

cultura como depositários dos conflitos e contradições sociais, contradições estas que se

entrecruzam nos processos formativos escolares e não escolares.

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Reflita sobre o poema de Cora Coralina (abaixo).

Que relações podemos fazer entre as palavras do poema e o caráter histórico-

cultural da educação? Trabalho, ciência e cultura expressam relações de dominação. O

poema versa sobre essas relações? Por quê?

Fazei, Senhor, presente

a razão dos que me julgam,

que enquanto os filhos de pais abastados

tinham escolas escolhidas,

alimentos, recreação, carinho e brinquedos,

eu, filho de pais ignorantes e pobres,

era criança marginalizada,

perdida pelas ruas,

detida no pátio das delegacias

driblando os guardas,

solerte a malandrim

às voltas com o Juizado de Menores.

Eu tinha fome.

Sonhava com bife bem grande.

Um pastel enorme, uma fruta.

Um doce sem tamanho.

Eu era Menor Abandonado.

Correndo dos guardas

sozinho, sem escola e faminto.

Meu Deus, acordai o coração dos meus juízes.

Senhor, dai idealismo às autoridades

para que elas criem em cada bairro

pobre de Goiânia

uma Escola conjugada Profissional

e Alfabetização para os meninos pobres,

antes que eles se percam pelo abandono

e por medidas inoperantes e superadas dos que tudo podem.

CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 10. ed. São Paulo: Global, 1985. p. 233 (1. ed.,1965). Parte do poema Oração do Pequeno Delinquente.

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2.2 CIÊNCIA, CULTURA E TRABALHO COMO EIXO DA ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICO-

CURRICULAR DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Mas se, do ponto de vista crítico, não é possível pensar

sequer a educação sem que se pense a questão do

poder; se não é possível compreender a educação como

uma prática autônoma ou neutra, isso não significa, de

modo algum, que a educação sistemática seja uma

pura reprodutora da ideologia dominante. As

contradições que caracterizam a sociedade como está

sendo penetram a intimidade das instituições

pedagógicas em que a educação sistemática se está

dando e alteram o seu papel ou o seu esforço

reprodutor da ideologia dominante.

(FREIRE, 1986, p. 28)

Uma das questões centrais quando nos ocupamos da educação e do processo de

organização curricular diz respeito à produção de experiências significativas para os

educandos, experiências que os conduzam à autonomia intelectual e moral, à capacidade

de reflexão e de crítica, à capacidade de localizarem-se no tempo-espaço em que vivem.

Quando se trata da educação de jovens e adultos, as dimensões do trabalho, da ciência e

da cultura constituem-se em eixo capaz de dotar de significado as práticas escolares.

As relações entre ciência, cultura e trabalho possibilitam ao educando jovem e

adulto a compreensão de conceitos fundamentais relacionados aos fenômenos naturais e

sociais e, ao mesmo, tempo, a compreensão dos desdobramentos da ciência em

tecnologia. Por essa razão é que se instituem em fundamento da organização

pedagógico-curricular.

Dito de outro modo, para que as experiências escolares na EJA sejam

significativas e constituam um modelo pedagógico apropriado aos sujeitos que a

frequentam, torna-se fundamental que tudo aquilo que for selecionado para ser ensinado

e aprendido esteja ancorado no eixo ciência-cultura-trabalho, visto ser esse eixo capaz

de atribuir sentido aos saberes e práticas escolares na medida em que são constituintes

das identidades desses sujeitos.

A proposição que relaciona trabalho, cultura e ciência como princípios

fundamentais e eixo na constituição do currículo da EJA visa salientar a necessidade de

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que a escola articule esses elementos em seu projeto político-pedagógico. A articulação

entre trabalho, cultura e ciência é proposta com o fim de permitir ao educando

reconhecer as transformações sociais decorrentes do mundo do trabalho, ao mesmo

tempo em que se viabiliza a democratização do acesso ao conhecimento acerca do

trabalho, da cultura e da tecnologia em sua forma histórica atual.

Diante do exposto, entendemos como adequado o conceito de currículo como

“seleção da cultura”, isto é, o currículo como:

... a porção da cultura – em termos de conteúdos e práticas (de ensino, avaliação etc.) – que, por ser considerada relevante num dado momento histórico, é trazida para a escola, isso é, é escolarizada (WILLIAMS, 1984). De certa forma, então, um currículo guarda estreita correspondência com a cultura na qual ele se organizou, de modo que, ao analisarmos um determinado currículo, poderemos inferir não só os conteúdos que, explícita ou implicitamente, são vistos como importantes naquela cultura, como, também, de que maneira aquela cultura prioriza alguns conteúdos em detrimento de outros, isto é, podemos inferir quais foram os critérios de escolha que guiaram os professores, administradores, curriculistas etc. que montaram aquele currículo. (VEIGA-NETO, 2002, p. 05)

Assim, é possível concluir que o currículo é portador, ao mesmo tempo, de

práticas que privilegiam a adaptação, mas que, contraditoriamente, trazem consigo a

possibilidade de emancipação. O reconhecimento dessa condição

permite tomar a escola como depositária das contradições que permeiam a sociedade. Possibilita localizar, nela, as relações entre indivíduo e sociedade como relações historicamente construídas. Permite conceber, ainda, que as escolas não são simplesmente alvos das proposições externas, presentes, por exemplo, nas reformas educacionais. O currículo e a escola não estão, tão somente, à mercê dos interesses da economia ou da política, o que exige que suas inter-relações sejam consideradas a partir das inúmeras mediações que se interpõem entre essas diferentes instâncias. (SILVA, 2008, p. 22)

O conhecimento veiculado na escola na forma de saber escolar resulta de um

processo de seleção da cultura. Por se tratar de uma seleção, importa discutir quais

critérios orientam esse processo de escolha. Além da articulação entre saberes e práticas

escolares ao eixo ciência-cultura-trabalho, indicamos como critérios norteadores do

processo de seleção e organização do conhecimento na Educação de Jovens e Adultos a

relevância dos saberes escolares frente à experiência social construída; os processos de

ensino e aprendizagem mediatizados pela ação docente, de modo a promover a interação

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Considerando os critérios acima apontados, reflita sobre o texto

abaixo, relativo ao planejamento de ensino, e responda à questão formulada.

“A questão do planejamento de ensino não poderá ser compreendida de maneira

desvinculada das relações entre escola e realidade histórica. Em vista disso, os

conteúdos trabalhados através do currículo escolar precisarão estar estreitamente

relacionados com a experiência de vida dos alunos. Essa relação, inclusive, mostra-se

como condição necessária para que, ao mesmo tempo em que ocorra a transmissão de

conhecimentos, proceda-se a sua reelaboração, com vistas à produção de novos

conhecimentos”. (LOPES, Antonia Osima. Planejamento de Ensino numa perspectiva

crítica de educação. In: CANDAU, Vera. Repensando a Didática. São Paulo: Cortez,

1992)

Você concorda com a autora? Por quê?

Responda ao roteiro abaixo:

1. Qual o significado da ideia de Álvaro Vieira Pinto de que no processo educativo está

presente uma contradição, a de que ele gera, ao mesmo tempo, a conservação e a

transformação do indivíduo e da sociedade?

2. Elabore um texto no qual você evidencie sua compreensão dos conceitos de

trabalho, ciência e cultura tratados na Unidade 2.

3. Que implicações o eixo ciência-cultura-trabalho traz para a organização

pedagógico-curricular da EJA?

4. Qual o sentido da afirmação de que o currículo é uma seleção da cultura?

entre saberes discentes e docentes; a integração entre diferentes saberes que favoreça o

acesso a manifestações culturais distintas e articule situações da prática social a

situações da prática escolar; com a prática social, a diversificação de ações pedagógicas

que integrem as várias disciplinas escolares “a partir de um quadro conceitual

(categorias, ideias etc.) e um quadro instrumental (aula expositiva, pesquisa etc.), a fim

de tornar vivos e significativos os conteúdos selecionados” (PARANÁ, 2006).

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UNIDADE

 

 

Sonia Maria Chaves Haracemiv

Tania Stolz

FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO EDUCADOR DE EJA

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3 FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO EDUCADOR DE EJA

Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se

alheada, de um lado, do exercício da criticidade que

implica a promoção da curiosidade ingênua à

curiosidade epistemológica, do outro (...) submetê-las à

análise metodicamente rigorosa

(FREIRE, 1997 p. 51)

Tomando como referência a fala do mestre, discutir a formação dos educadores

de jovens e adultos implica questionar no campo epistemológico as especificidades

pedagógicas, próprias da profissionalização desses educadores.

A formação dos educadores de EJA nas últimas décadas tem ocupado uma

dimensão mais ampla nas discussões pedagógicas, principalmente no espaço das

agências formadoras, as Instituições de Ensino Superior, como o prescrito no inciso VII,

art. 4º, da LDB 9.394/96, que estabelece a necessidade de uma atenção às

especificidades da educação de pessoas adultas, trabalhadores, exigindo uma formação

específica para atuar com educandos que já trazem consigo uma bagagem de saberes

construídos a partir das experiências vividas, o que está explicitado no Parecer CEB/CNE

11/2000: “Trata-se de uma formação em vista de uma relação pedagógica com sujeitos,

trabalhadores ou não, com marcadas experiências vitais que não podem ser ignoradas”

(SOARES, 2008 p. 58).

Nesta unidade, buscaremos refletir sobre a:

... formação docente ao lado da reflexão sobre a prática educativo-progressiva em favor da autonomia do ser dos educandos, (...) alinhar e discutir conteúdos obrigatórios à organização programática da formação docente (FREIRE, 1997 p. 14-24).

Iniciaremos abordando o tema formação inicial e continuada, com o objetivo de

fundamentar o processo de profissionalização do docente de EJA. Em seguida, será

discutida a constituição da identidade dos sujeitos da EJA no cotidiano da sala de aula,

buscando-se esclarecer como essas identidades vão se tecendo nas relações entre

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educandos e educadores. E, finalizando esta unidade, abordaremos o processo de

cognição, aprendizagem e interação humana entre educador e educando da EJA.

3.1 DOCENTE DA EJA: FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA

É um saber fundante da nossa prática educativa, da formação

docente, o da nossa inclusão assumida. O ideal é que, na

experiência educativa, educandos, educadoras e educadores,

juntos, “convivam” de tal maneira com este como com outros

saberes de que falarei que eles vão virando sabedoria (...). Não

tenho dúvida nenhuma de que inacabados e conscientes do

inacabamento, abertos à procura e curiosos e não puros objetos

do processo, programados, mas para aprender.

(FREIRE, 1997, p. 65)

Analisar a formação do educador de jovens e adultos implica explicitar

considerações acerca do que é ser professor. Para tanto, iniciamos esse estudo

questionando: o que significa ser professor de EJA no atual contexto brasileiro? Como

você se percebe ou se perceberia como professor de alunos trabalhadores, e como se

sente ou se sentiria percebido pela sociedade como professor de EJA?

É preciso pensar em um processo de formação que considere a construção

histórica social que articula um perfil profissional construído nas relações histórico-

sociais, portanto, que não é neutro e sofre influências. Nessa lógica, além de

compreender a construção histórica, há de se reforçar a importância do educador, ainda

que muitos apostem na sua desvalorização, na sua menos valia “na era da informação”

(ALARCÃO, 2003).

Na sua origem, a formação do professor articula-se ao ideário de sacerdócio,

missão, evolui para ideia de profissional liberal com uma independência que nunca se

consolidou e, atualmente, há uma tendência à proletarização, na qual o professor é

situado como um trabalhador assalariado que vende ao Estado o produto de seu

trabalho, consubstanciando, assim, a ideia de que o trabalho intelectual está inserido no

processo de produção (CUNHA, 1997).

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A formação do educador inclui em si a questão política, quando se evidenciam

lutas por melhores condições de trabalho e democratização, além da sua inserção junto

aos grupos populares, educando-se através das organizações de classes (GADOTTI;

ROMÃO, 2001).

Essa perspectiva é revelada por não neutralidade, que influencia o ato de ser

professor, determinando concepções e posturas pedagógicas ora evidenciadas nos

modismos, ora na ingenuidade praticista. Tanto a atividade docente permeada nos

“modismos contemporâneos” quanto no “praticismo” expressa um modo de ser política e

eticamente descompromissado com o educando e revela um perfil que precisa,

urgentemente, ser desconstruído (FREIRE, 1997).

Mais do que nunca o professor se torna um ator cujo papel é de inquestionável

importância na mediação entre o mundo das informações imediatistas e o conhecimento

historicamente acumulado, embora se presencie uma forte tendência à desvalorização

até mesmo dos conhecimentos universais.

No processo de formação do educador da EJA, é urgente considerar que

conhecimento é que propicia ao homem a desalienação, num mundo dominado por uma

elite que detém o poder do capital intelectual e material (PIMENTA, 2000). Isso requer

que a formação do educador da EJA esteja comprometida em desvelar o seu importante

papel no processo de transformação das condições subjetivas e objetivas do jovem e

adulto trabalhador. Logo, a formação do educador não pode desconsiderar a importância

histórica desse sujeito cuja ação consciente pode romper com os ideais dominantes.

Desse modo, pensar na importância do educador como agente que contribui para

processos de transformação social implica a compreensão da necessidade que se tem de

o professor não se formar professor na sua formatura da licenciatura, mas, sobretudo, na

sua vida docente. Isso pressupõe “a ideia de que o educador se educar na prática da

educação é fundamental” e que o processo de formação inicial amplia-se para a formação

continuada e, prioritariamente, que seja uma formação em serviço (CUNHA, 1997).

O processo de formação do professor educador de jovens e adultos é uma

exigência para essa modalidade de ensino, devendo ser construído como ação

permanente de percepções diárias da realidade e das mudanças de mundo, sendo a

educação continuada

... aquela que se realiza ao longo da vida, continuamente, é inerente ao desenvolvimento da pessoa humana e relaciona-se com a ideia de construção do ser. Abarca, por um lado, a aquisição de conhecimentos e aptidões e, de outro, atitudes e valores, implicando o aumento na capacidade de discernir e agir (HADDAD, 2005, p. 191).

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No texto intitulado Formação de professores em EJA, de Denise Maria

Comerlato, disponível em <http://www.ufrgs.br/faced/pesquisa/niepe-ja/pefjat/

formacao_professores_eja.pdf>, a autora apresenta características que deveriam ser

desenvolvidas nos cursos de educadores populares leigos, cursos de magistério ou

cursos de Pedagogia, na formação do professor de EJA. Para tanto, é necessário que,

nesses cursos, se tenha uma prática coerente com as características que desejamos

para o educador de Jovens e Adultos.

Após a leitura do texto, solicitamos que você, educando adulto, aponte e justifique,

segundo suas concepções, três características que foram desenvolvidas no processo

inicial de formação dos educadores, no Curso de Pedagogia.

Para tanto, no processo de formação, o educador deve sentir-se partícipe do

diálogo, um diálogo que articule teoria e prática e, acima de tudo, possibilite a reflexão-

ação-reflexão sobre essa prática que vai sendo construída ao longo da vida profissional.

Segundo Álvaro Vieira Pinto (1991), é um sair do plano da consciência ingênua,

rompendo com os conformismos, descobrindo-se explorado e oprimido, que se avança

para o patamar da consciência crítica. Esta deve revelar ao educador o fato de que está

nas suas “mãos”, ao passo que assuma tal compromisso, propiciar aos jovens e adultos

os momentos de reflexão, discussão, debate e a tomada de consciência, formando e

formando-se, transformando e transformando-se (FREIRE, 1996).

É necessário o compromisso do profissional com a sociedade, que ele tenha

consciência de seu papel no mundo, que seja capaz de refletir e agir, de pensar e se

reconhecer como sujeito, como aquele que se compromete. Não é capaz de assumir, de

se compromissar, aquele que não é capaz de dialogar, de se distanciar de sua prática

para que, assim, possa questioná-la e transformá-la com consciência de que é na

(...) inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram como inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança. (FREIRE, 2002, p. 64)

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3.2 IDENTIDADE DOS SUJEITOS DA EJA

(...) se reconstruir, ao transformar a percepção que

tinham de si e apreender-se enquanto sujeitos, com

capacidade para a mudança de si e de sua realidade.

Adquiriam novos elementos para entender a realidade e

para entender a si nesta realidade.

(FREIRE, 1985)

Refletir sobre o processo de constituição da identidade dos sujeitos envolvidos na

Educação de Jovens e Adultos é fundamental, em específico dos educadores e

educandos, possibilitando a compreensão de como esses sujeitos se constituem no

espaço educativo. A construção do sujeito é tecida com elementos apreendidos da

realidade na qual o sujeito está inserido. Freire diz ainda que se trata de um olhar sobre

a forma como ocorre a ação e reflexão no mundo, sobre o mundo e, em comunhão com

o outro, formando e formando-se, transformando-o e transformando-se (FREIRE, 1983).

Assim sendo, a construção do eu se dá necessariamente pelo reconhecimento do

outro. Nessa perspectiva, o educador de jovens e adultos e os próprios educandos

precisam se ver e se reconhecerem como sujeitos. É necessário se ter outras posturas,

como formas de ver/escutar/sentir diferentes (...), modificando-se também o modo de

apresentar aquilo que foi observado, as maneiras de “expressão do conhecimento

desencarnado de sujeitos, do espaçotempo” (OLIVEIRA; GERALDI, 2010 p. 26).

O sujeito se constitui nas e pelas interações com o outro, sendo nas inúmeras

possibilidades de relações sociais estabelecidas que os sujeitos vão se constituindo.

Trata-se de um contexto marcado pelo princípio dialético e evidenciado pela tomada de

consciência via linguagem (MOLON, 2003), que nesse caso ocorre reciprocamente, ou

seja, o educador de jovens e adultos se constitui como tal à medida que reconhece no

educando a sua condição de sujeito.

Engajar-se pela complexa totalidade de cada sujeito remete ao desenvolvimento

de espaços para falas e escutas, de modo a “prestar atenção nas emoções que as

palavras suscitam, como alterações de voz, sensação de conforto ao dizê-las. Escutar é

construir, juntos, um diálogo prazeroso” (BRUNEL, 2004, p. 24).

As práticas pedagógicas devem estar fundamentadas na prática do diálogo, da

participação ativa e reflexiva de todos, uma vez que:

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... a língua também é cultura, que o homem é sujeito: todos se sentem desafiados a desvelar os segredos de suas constituições, a partir da construção de suas palavras – também construção de seus mundos” (FREIRE, 1987, p. 12).

Considera-se, no entanto, que as palavras não se produzem para serem

colecionadas na memória, mas para que cada pessoa consiga “dizer e escrever o seu

mundo, seu pensamento, para contar a sua história (FREIRE, 1987, p. 13).

Na sala de aula, o educador deve estar atento à realidade escolar, pois ela é

“complexa, enredada e pouco transparente”, buscando identificar com que olhos os

educandos estão vendo o mundo do conhecimento escolar, identificando na fala deles o

significado do mundo compreendido como conhecimento escolar (PAIS, 2003).

No contexto da escola, a relação dialógica possibilita, ainda, estabelecer nova

relação de formação capaz de incluir o jovem e o adulto trabalhador para um

"saber/cultural sistematizado e torná-lo vivência de consciência crítica”. Por isso, o

diálogo é uma questão determinante para o encontro das vozes do educador e do

educando, isto é, uma condição de ensinar e de aprender e de constituir identidades.

Na Educação de Jovens e Adultos devemos reconhecer e respeitar os diferentes

tempos dos sujeitos, de forma a estabelecer relações necessárias à constituição de

conhecimentos e valores. Uma educação que reconhece os seres humanos como sujeitos

históricos os reconhece, também, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma

realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada (FREIRE, 1997).

Assim sendo, a construção de um mundo em que a ação transformadora dos

sujeitos resulta na sua humanização exige que o sujeito esteja predisposto à mudança, à

aceitação do diferente como ser inacabado e consciente do inacabamento próprio da

experiência vital, pois onde há vida, há inacabamento. Essa manifestação é puramente

humana, consciência enraizada, de forma permanente, gerada dentro da realidade dos

sujeitos (GADOTTI; ROMÃO, 2001).

A constituição da identidade, segundo os fundamentos sócio-históricos, se faz pela

diferenciação “eu–outro”, processo no qual a linguagem desempenha importante papel.

Conceber a linguagem não apenas como ato da comunicação, mas, sobretudo, como

prática de intervenção no mundo, como possibilidade de expressar sentimento, desejos e

anseios, de dialogar, implica também a assunção e reconhecimento da condição recíproca

de sujeitos (PAIS, 2003).

Ao falar, manifestar suas dúvidas e compreensões sobre conceitos, atividades de

textos e contextos, os educandos e educadores se veem imersos num processo dialético

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cuja essência se faz pelo reconhecimento recíproco de sujeitos que possuem

conhecimentos. Nesse sentido, a palavra, enquanto marca subjetiva, encerra o sentido

mais profícuo da condição do sujeito, sendo tomada como categoria de maior relevância

na capacidade do ser humano de estabelecer relações no e com o mundo (FREIRE,

1997).

Enquanto prática de comunicação e interação imbuída de significado, a palavra é

tomada aqui como elemento expressivo da prática social, configurada pela ação e

interpretação dos sujeitos no mundo através de processos socialmente partilhados e

constituídos em práticas cuja fertilidade se dá pelas significações da cultura (SÁEZ,

1974).

A linguagem manifestada pela palavra expressa tem sentido de pertença, está

articulada à condição do inacabamento humano, pois a cada palavra correspondem novos

conhecimentos, novas necessidades, sendo que o inacabamento humano se faz ao longo

da própria vida, por meio das experiências vividas e partilhadas. Considerando-se que

“não há homens sem mundo, sem realidade, o movimento parte das relações homens–

mundo”. Embora a possibilidade de se constituir sujeito passe pelo reconhecimento do

outro, é necessário salientar que essa constituição passa também pela tomada de

consciência de si mesmo, porém trata-se de uma consciência mediada (FREIRE, 1987, p.

74).

Constituir a identidade do educador de jovens e adultos é mais que constituir-se

professor, pois o compromisso com os oprimidos não lhes permite apenas serem

“professores auleiros”, senão agentes com a possibilidade de instigar processos de

conscientização que primem pela libertação em vez do aprisionamento junto aos seus

educandos nas mesmas correntes das injustiças sociais. Trata-se de um posicionar-se

que requer, acima de tudo, uma identidade conscientizada (PAIVA, 2009).

É por meio de um processo dialético que se efetiva uma tríade, ou seja, a relação

do sujeito com o outro sujeito e a mediação. Nessa lógica, o “eu” só é sujeito à medida

que, constituído como tal, na relação constitutiva “eu–outro” no próprio sujeito. Isso

implica que o educador não dê ao educando o conhecimento pronto e acabado, mas que

o instigue a pensar através da problematização. Em outras palavras, implica propiciar ao

educando que o conceito de “metro quadrado” expressa muito mais que unidade de

medida; expressa uma história que precisa ser desvelada, tomada para si, conscientizada

(FREIRE, 1980).

Contudo, o educando precisa perceber nas ações do outro sujeito, o educador, a

afirmação da sua condição de “eu”, o sujeito educando. É preciso ser, então, o outro de

si mesmo. Logo, é necessário reconhecer o eu constituído no outro, e o reconhecimento

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do outro como eu próprio. É neste processo que se constata o reconhecimento do eu

alheio e do eu próprio, e também o conhecimento como autoconhecimento e o

conhecimento do outro enquanto diferente de mim (MOLON, 2003).

No processo de constituição do sujeito não há prevalência do interpsicológico ou

intrapsicológico (MOLON, 2003), senão um movimento dialético que se efetiva na

expressão do semelhante e do diferente, considerando-se que:

...esse processo pode ser caracterizado como um curso de transformações pelas quais competências emergem e se diferenciam no plano intersubjetivo, configurado pelas ações do sujeito mediadas pelo outro, e passam ao plano intersubjetivo, configurado pelo processo de internalização. Isso significa que, dependendo das condições de aprendizagem, essas transformações vão conduzir à autonomia do sujeito em relação a algumas competências e abrir possibilidades para o surgimento de outras. (SMOLKA, 2001, p. 53)

Esse fato afirma a condição interativa gerada na relação “eu–outro” e a mediação,

que se realiza pela consciência, e exige a busca dos significados que não são observados

diretamente. A sala de aula, nosso contexto-referência de estudo, deve ser

compreendida como espaço coletivo de encontro de seres humanos com diferentes

histórias de vida, concepções de mundo e sonhos. Na educação escolar, devemos

considerar a diversidade expressa no cotidiano, considerando que ela:

... engloba todo e qualquer indivíduo, independentemente de sua condição existencial (estrutura física, psíquica e/ou emocional, cor, etnia, religião etc.), e começa a incomodar a diversos setores da sociedade, já que a luta pela aceitação do outro é travada por grupos diferenciados, objetivando a incorporação de um pensamento libertador. (FREIRE, 1987)

O desrespeito à diversidade de visão de mundo nega a possibilidade do

desenvolvimento da autonomia crítica e da dignidade conferida como um direito no ato

de ser e estar no mundo. Configura-se na transgressão do direito de ser sujeito, em

qualquer espaço social (FREIRE, 1997). Esse fato pressupõe a efetivação do diálogo. O

inigualável processo do conhecer humano se faz pela articulação das contradições −

esforços pessoais às condições de interdependência.

Educando e educador devem se perceber como agentes ativos do seu próprio

desenvolvimento, e a partir da reflexão sobre o mundo é que eles vão se construindo a si

próprios, partindo-se do pressuposto de que a constituição da identidade se dá pela

possibilidade de se constituir sujeito no meio em que está inserido.

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Após a leitura do texto-base sobre a constituição da identidade dos sujeitos, educador

e educando da EJA, discuta no Fórum, com seus colegas, um dos textos produzidos

pelos alunos da Universidade Federal de Goiás, na disciplina Núcleo Livre: EJA

Educação de Jovens e Adultos de EJA, da Professora Maria Margarida Machado, em

2010/1. Acesse o texto no endereço:

<http://forumeja.org.br/go/sites/forumeja.org. br.go/files/entendend.pdf>.

Após a leitura e discussão, produza um texto de, no máximo três laudas, sobre o perfil

dos Sujeitos da EJA.

Sugerimos que visitem os endereços abaixo, para tomada de conhecimento sobre o

tema EJA, e repensassem as TICs e os vínculos que se estabelecem, e a contribuição

no processo de formação continuada do professor de jovens e adultos.

Agenda Territorial

Saiba mais sobre a Agenda Territorial

Relatos de Goiás

Centros de Referência

Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos

EJA e Educação Profissional

Portal EJA e Educação Profissional

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3.3 PROCESSO DE COGNIÇÃO, APRENDIZAGEM E INTERAÇÃO HUMANA ENTRE

EDUCADOR E EDUCANDO NA CONSTRUÇÃO DOS SUJEITOS DA EJA

Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social

e historicamente, nos tornamos capazes de aprender.

Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma

aventura, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que

meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é

construir, reconstruir, constatar para mudar, o que se

faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.

(FREIRE, 1997 p. 77)

A fala de um adulto, educando do Centro Estadual de Educação Básica de Jovens

e Adultos Potty Lazzarotto, no ano de 1986, pode contribuir para melhor refletirmos e

compreendermos a fala do mestre, quando afirma que aprender não é “repetir a lição”

memorizada mecanicamente. Aprender está diretamente relacionado à função social que

o sujeito exerce e às experiências individuais, intimamente relacionadas com o modo de

pensamento que o sujeito possui. Nesse sentido, o grau de abstração e generalização são

resultantes do modo de vida e das experiências derivadas. Então vamos ao diálogo.

A professora questionou aos educandos: qual o solo próprio para o plantio?

O sr. João respondeu: Que coisa mais fácil, só de pegar, de sentir e de cheirar eu

sei que o solo tá bom pra prantar.

A professora imediatamente interrompeu, dizendo: acabei de ensinar que o solo

próprio para o plantio é o humífero. Ele tem uma composição adequada para a semente

germinar. E está no livro de vocês, não estudaram?

O educando mostrou suas mãos e disse: Olha, professora, quem tem mãos

calejada de lidar no solo, criado na roça de Terra Roxa, basta olhar, ou no muito pegar a

terra, sabe que pode semear. Ninguém é louco de colocar semente nas pedras.

A professora questionou novamente o nome do solo.

O sr. João respondeu: Olha, professora, o nome que a senhora deu para o seu solo

ainda não guardei na cabeça, mas pra mim ele é o meu solo estrumado, tá preparado

pra semeadura, pra pegar e vingar a pranta.

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Questionamos, a partir da relação pedagógica apresentada na sala de aula de EJA,

como o educando pode ter acesso às explicações científicas da realidade sem a relação

entre a linguagem da realidade e a da escola? E por que as explicações científicas seriam

importantes para a compreensão do conceito?

O entendimento de uma realidade exige conhecer e entender os seus

determinantes. E para se entender a realidade a partir de seu processo de

transformação, é preciso interagir com ela conscientemente, e não ser manipulado por

esta realidade. É por isso que o conhecimento científico é tão importante, permitindo

superar uma visão ingênua e acrítica da realidade, para poder ser agente, sujeito em seu

contexto e não objeto de exploração dos que dominam o conhecimento e os

instrumentos disponíveis na sociedade (VYGOTSKY; LURIA, 1996).

O conhecimento científico representa a explicação elaborada da realidade de que

se dispõe. Ao lado desse conhecimento, coexistem outras manifestações culturais, que

também falam da realidade, mas com outra linguagem, como as artes, as mais

avançadas das criações humanas, que nos permitem compreender a realidade a partir de

seu processo de transformação (VYGOTSKY, 1994).

A atividade humana não é imediata, ela é mediada por instrumentos físicos e

instrumentos psicológicos. A mediação diz respeito a uma intervenção de algo na relação

homem–mundo, ampliando as capacidades de aprendizado e desenvolvimento humano

(VYGOTSKY, 1988).

O contexto cultural vai significando a realidade para o sujeito e, dependendo do

contexto, as possibilidades de acesso aos bens da cultura são maiores ou menores. Se

esse contexto permite o acesso ao que de melhor a humanidade já criou em termos de

conhecimento, como nas produções da ciência, tecnologia e arte, maior a possibilidade

de o sujeito se desenvolver como humano (VYGOTSKY; LURIA, 1996).

A origem do desenvolvimento das características humanas está na aprendizagem

que o sujeito faz a partir de um contexto social e cultural. O homem é um ser

dependente de convívio, de se inteirar com outros homens, bem como de ter acesso aos

instrumentos construídos por eles para melhor atender às suas necessidades. É isso que

determina o desenvolvimento do caráter humano (VYGOTSKY; LURIA, 1996). Só os seres

humanos são capazes de lidar com sua realidade, utilizando instrumentos para

transformá-la e passando esse conhecimento para as gerações mais novas (OLIVEIRA,

1997).

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Pode-se perceber que as pessoas aprendem a atuar cognitivamente nos

ambientes específicos onde vivem, em ambientes em que elas desempenham,

repetidamente, tarefas significativas que envolvem capacidades cognitivas. Nesse

processo há que se considerar a importância da relação intersubjetiva para o crescimento

individual, sendo que o ato de educar só pode ser vivenciado pelo homem e se realiza

apenas e somente no meio social, ou seja, numa interação que realmente seja partilhada

(FREIRE, 1980).

Dessa forma, as identidades dos indivíduos vão sendo formadas a partir das

inúmeras e constantes interações dos indivíduos com o meio, compreendido como

contexto físico e social, que inclui as dimensões interpessoais e culturais. Nesse processo

dinâmico, ativo e singular, o indivíduo estabelece, desde o seu nascimento e durante

toda a sua vida, trocas recíprocas com o meio, já que, ao mesmo tempo em que

internaliza as formas culturais, as transforma e intervém no universo que o cerca

(FREIRE, 1986).

Dessa forma, deve-se levar em consideração aspectos histórico-sociais e

diferenças individuais do educando, uma vez que ele é um ser histórico e se constrói nas

relações com os outros homens e com o mundo, partindo do pressuposto de que cada

sujeito possui uma configuração única das experiências vivificadas (FREIRE, 1986).

Podemos identificar, no evento apresentado no CEEBJA, que as experiências de

vida em um determinado meio podem favorecer o desenvolvimento da compreensão do

conceito, visto que o aluno de EJA era oriundo do meio rural, logo, possuía experiência

naquele mundo, mas sente dificuldade em reconhecer os códigos da leitura e da escrita

mediada por símbolos da escola, que estão distantes das suas memórias de mundo. Ele

até reconheceu não saber o nome do solo para a escola, mas isso não é obstáculo para a

aquisição e domínio dos referidos códigos (DERVAL, 2002).

O processo de aquisição da escrita a partir da perspectiva sociointeracionista é

concebido como um processo discursivo, no qual a interação tem papel fundamental

(VYGOTSKY, 1988). Sendo assim, as experiências de vida no meio social irão favorecer

ou não a compreensão da linguagem letrada, dependendo do meio em que a pessoa está

inserida, pois, segundo Luria (1990), as racionalidades estão intimamente relacionadas

com as vivências e práticas culturais dos sujeitos.

Na perspectiva da concepção em que a leitura de mundo precede a da palavra,

Freire (1986) já argumentava que a construção de um sujeito que conhece e que

aprende contribui para uma leitura diferenciada de mundo, considerando que o grau de

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abstração e entendimento da realidade depende da organização de estruturas mentais

mais complexas.

As características do funcionamento psicológico, como o comportamento de cada

ser humano, são, nessa perspectiva, construídos ao longo da vida de cada indivíduo,

através de um processo de interação com o contexto, que possibilita também a

apropriação da cultura elaborada pelas gerações precedentes.

O que a natureza lhe dá quando nasce não basta para viver em sociedade. É lhe preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana (LEONTIEV, 1978, p. 267).

A mediação implica o reconhecimento da importância do outro no processo de

aprendizado. Na educação de jovens e adultos, a mediação será responsável pelo acesso

ao conhecimento científico e artístico e a instrumentos para compreender e transformar a

realidade, sendo esse o desenvolvimento do homem de ser biológico para sócio-histórico

(MOLL, 1996).

O educador é entendido como mediador quando organiza e significa o real para o

educando adulto. A forma como ele organiza o real está imediatamente relacionada ao

aprendizado e consequente desenvolvimento do adulto. A apropriação que o adulto faz

de sua realidade está relacionada intimamente com o trabalho desenvolvido na sala de

aula, envolvendo conhecimentos e o acesso a novos instrumentos (COLAÇO, 2004).

Numa perspectiva ontológica, pode-se dizer que a escolarização significa colocar o

indivíduo em contato com os sentidos que circulam em sua cultura, para que ele possa

assimilá-los e nela viver. Isso não significa que estará assimilando todas as informações

com uma atitude passiva, ao contrário, para que se tenha uma boa aprendizagem, é

necessária uma atividade que seja consciente, participativa e transformadora da

realidade interna e externa do indivíduo. Ao interagir com esses conhecimentos, o ser

humano se transforma.

Aprender a ler e a escrever, obter o domínio de formas complexas de cálculos, construírem significados a partir das informações descontextualizadas, ampliarem seus conhecimentos, lidar com conceitos científicos hierarquicamente relacionados, são atividades extremamente importantes e complexas, que possibilitam novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio. (...) Como consequência, na medida em que o sujeito expande seus conhecimentos, modifica sua relação cognitiva com o mundo. (REGO, 1996, p. 104)

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Nesse sentido, a educação, tendo o seu papel de desenvolver pensamentos

superiores, auxilia no desenvolvimento psíquico do sujeito, pois a intersubjetividade

existente nesse espaço e as relações ali estabelecidas ampliam o horizonte e a

consciência, ou seja, modificam o modo de ver e se relacionar com o mundo. É um fator

de enriquecimento para o desenvolvimento do ser humano. Em várias partes do mundo,

o tema tem ocupado papel de destaque, mobilizando a atenção não somente de

pesquisadores, especialistas e responsáveis pela definição de políticas públicas, mas

também dos cidadãos que, de modo geral,

... parecem concordar que, na chamada sociedade do conhecimento, a escolarização tem um valor inquestionável, já que é capaz de proporcionar ao indivíduo experiências e informações de sua cultura. A escola é então vista como portadora de uma função social, porque compartilha com as famílias a educação de crianças e jovens, uma função política, pois contribui para a formação do cidadão, e uma função pedagógica, na medida em que é local privilegiado para a transmissão e construção de um conjunto de conhecimentos relevantes e formas de pensar intelectualmente segundo padrões desse contexto social e cultural. (REGO, 2002, p. 48)

As possibilidades que o contexto oferece vão sendo internalizadas pelo sujeito,

sendo que o processo de internalização é a passagem dos processos interpsíquicos,

realizados entre as pessoas, para os processos intrapsíquicos, ou desencadeados dentro

do sujeito. Tudo o que somos tem antes a sua origem em aprendizados que fazemos em

determinado contexto social e cultural (VYGOTSKY, 1994). O momento interpsíquico, o

de troca entre as pessoas, envolve uma regulação pelos outros de nossas ações. Os

outros significam as nossas ações e esses significados é que são interiorizados. Portanto,

o olhar que o outro exerce sobre nós é fundamental na construção do que somos. A

construção da subjetividade se dá pela interação entre as pessoas, por processos

intersubjetivos (SAWAIA, 2001).

Em uma situação escolar, deve ocorrer a mediação de significados entre

educadores e educando, porque os significados que o estudante traz a partir de seu

contexto não são os mesmos que o professor trabalha (o conhecimento científico). A

mediação entre o já sabido, adquirido pelo adulto, a partir das suas vivências, possibilita

a criação do novo conhecimento, de novas possibilidades, sentidos e significados da

realidade (COLL et al., 1995).

Muitas vezes questionamos: por que isso é tão difícil na educação de jovens e

adultos? Porque se imagina que esse adulto necessita tão somente ser preenchido de

informações, e que estas, por si só, irão desencadear novos processos de

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desenvolvimento nesse adulto. Nada mais distante daquilo que realmente acontece

(FREIRE, 1980).

A compreensão e apreensão estão relacionadas, como já foi explicitado, aos

conhecimentos e aos instrumentos de que o adulto teve a possibilidade de se apropriar. É

preciso considerar, principalmente, a atividade do adulto a partir dos conhecimentos a

que teve e tem acesso. De que tipo era ou é a atividade que ele desenvolveu ou

desenvolve? Do tipo prático ou do tipo crítico reflexivo? A capacidade de pensar para

além da prática foi ou é desenvolvida no adulto a partir de um contexto que possibilitou

ou não possibilitou o pensamento prático desse adulto?

A grande responsabilidade na Educação de Jovens e Adultos é que estamos

lidando com pessoas que têm passados e presentes, que não tiveram condições de

acesso a um conhecimento para além do prático, concreto e cotidiano. O problema está

em que a situação de aprendizagem da escola se limita no desenvolvimento das funções

psicológicas superiores (LURIA; LEONTIEV; VYGOTSKY, 1991).

São consideradas funções psicológicas superiores: a atenção voluntária, a

memorização ativa, o pensamento abstrato, o comportamento intencional, a consciência

propriamente humana, a afetividade humana, a linguagem e a consciência. Elas

diferenciam o homem dos animais e só são desenvolvidas pela interação com outras

pessoas (LURIA; LEONTIEV; VYGOTSKY, 1991).

Por que essas funções seriam importantes? O desenvolvimento dessas funções no

homem está relacionado ao fato de este ser menos explorado e manipulado pelo

contexto em que vive e trabalha. Está relacionado ao fato de ser mais autorregulado e

consciente. Possibilita, então, o acesso ao conhecimento, o que é vital para o

desenvolvimento desse adulto (VYGOTSKY; LURIA, 1996).

O desenvolvimento psíquico é resultado da ação da sociedade sobre os indivíduos: a atividade que os sujeitos desempenham, seu modo de vida e demandas impostas em seu cotidiano são fatores que interferem no modo como os sujeitos lidam com problemas lógicos. (...) Porém parece haver um consenso entre os pesquisadores desse campo de que um fator crucial na explicação dos diferentes modos de operar de sujeitos pertencentes a diferentes sociedades é a escolarização. (VÓVIO, 1999, p. 138)

Para que isso ocorra, deve-se ampliar a criticidade, a autonomia e a valorização

dos saberes dos educandos. Deve-se possibilitar o acesso à cultura letrada que leve o

sujeito a participar ativamente da esfera política, cultural e do trabalho. Isso implica

necessariamente a revisão do papel da escola, do professor, das diversas concepções de

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Entreviste três professores de jovens e adultos, sendo um professor da 1ª etapa (1º

ao 5º ano) e o outro da 2ª etapa (6º ao 9º ano) do Ensino Fundamental, e o terceiro

do Ensino Médio noturno. Apresente as seguintes questões:

Como os adultos aprendizes constroem os saberes? Qual a fonte desses saberes? Em

que medida eles se relacionam com as memórias, as subjetividades e os processos de

aprendizagens do adulto educador?

Registre as respostas e analise-as frente aos fundamentos do texto-base, buscando

identificar as relações entre as concepções dos entrevistados e dos autores.

ensino e aprendizagem e dos conteúdos a serem abordados nesses processos. Quanto

mais autônomo for o aluno, maior a capacidade para tomar decisões e articular normas e

limites da atividade de aprendizagem, assim como será maior a capacidade de

autogestão e de aprender com a própria experiência.

É um desafio para todos os educadores pensar continuadamente o sentido do

conhecimento e das relações com o saber acumulado em constante transformação nas

sociedades contemporâneas. É uma porta aberta para repensar a função da escola no

século XXI, o que constitui assumir que a mudança deve ser constante e a aprendizagem

contínua. Não se trata apenas de como ensinamos a ler e escrever, ou da otimização dos

programas de alfabetização, mas, sim, de como essas práticas estão direcionando nossos

educandos jovens e adultos no exercício pleno da cidadania.

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Segundo Freire (1989), a escola aumenta a distância entre as palavras que lemos e o

mundo em que vivemos. Nessa dicotomia, o mundo da leitura é só o mundo do

processo de escolarização, um mundo fechado, isolado do mundo onde vivemos

experiências sobre as quais não lemos. O ato de ler é essencial para atuar, agir e

refletir, e não somente para aprender a ler. A leitura visa ao ensino da escrita e dos

conteúdos através de uma prática social, inserida em situações relevantes do cotidiano

dos educandos, de forma que possa compreender criticamente a realidade em que

vivem e nela inserir-se de forma mais consciente e participativa.

Levando em consideração as recomendações do mestre, solicitamos que, em grupo,

assistam ao filme “O Carteiro e o Poeta”, acessando o endereço abaixo:

<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Profa/cat_res.pdf>.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fundamental. Programa de

Formação de Professores Alfabetizadores. No Catálogo de Resenhas de Filmes, p. 41,

vocês encontrarão a ficha do referido filme e uma resenha.

Selecionem cenas do filme que retratem, para vocês, diálogos educativos reflexivos

entre o carteiro e o poeta, quanto ao entendimento da palavra, dialogando sobre a

vida, a subjetividade, a interlocução com o mundo para além da visão ingênua e a

preocupação com o outro na construção de seres humanos com consciência crítica,

autônomos e politizados.

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UNIDADE

Sonia Maria Chaves Haracemiv

TEORIA E PRÁTICA NA EJA

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4 TEORIA E PRÁTICA NA EJA

É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem

que se pode melhorar a próxima prática. O discurso

teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal

modo concreto que quase se confunda com a prática

(FREIRE, 1997, p. 43-44).

A recomendação do mestre é que a prática deve ser repensada cotidianamente à

luz da teoria, de modo que formem um amálgama na qual teoria e prática se constituam

elementos substantivos, que haja uma aproximação epistemológica quando a prática for

objeto de análise (FREIRE, 1997).

Nesta unidade iremos refletir sobre os aspectos teórico-práticos das relações de

trabalho do educador de jovens e adultos. Como modalidade da Educação Básica, a EJA

não pode ser pensada como oferta menor, mas como um modo próprio de fazer a

educação, modo esse determinado pelos envolvidos no processo, educandos e

educadores, ambos adultos.

A EJA emerge de um movimento de lutas, desafios e conquistas, dado que se

revela importante, uma vez que permite a compreensão das condições limitadoras

impostas pelo modelo rígido da educação formal quando se pensa na demanda da EJA.

Diante disso, é necessário indagar que teoria orienta as práticas dos docentes da EJA. Do

ponto de vista das políticas e investimentos para a formação do educador da EJA, poucos

esforços têm sido verificados. Contudo, as práticas têm acontecido, restando analisar sob

quais formas e pró-formas essas práticas se constituem.

Os questionamentos são necessários, por um lado, para se refletir sobre as

dimensões que alicerçam a atuação docente, e, por outro, instigar a reflexão teórica

sobre as necessidades que se fazem presentes. Desse modo, tomamos como objetivo

central a proposição teórico-prática, de modo a subsidiar ao educador da EJA a reflexão

acerca de seu fazer docente para a formação do educando jovem e adulto.

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4.1 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO, PROPOSTA CURRICULAR E O PLANO DE

TRABALHO DOCENTE: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE CONCEPÇÕES E

PRÁTICAS

O domínio escolar das palavras só quer que os alunos

descrevam as coisas, não que as compreendam. Assim,

quanto mais se distingue descrição de compreensão,

mais se controla a consciência dos alunos.

(FREIRE; SHOR, 1986 p. 165)

A fala do mestre nos leva a refletir e analisar as práticas escolares que acontecem

na EJA, com vista a se pensar essa escola como um espaço sistemático de críticas das

práticas cotidianas dos profissionais da educação que nela e na sociedade interagem,

para que se estabeleça a compreensão cada vez mais aprofundada do contexto social.

Também pode-se evidenciar, em seu texto, a escola como espaço de instrumentalidade

do aprender para saber e produzir conhecimento.

A descrição é uma forma de falar de um mundo abstrato, independente do

educando e inacessível ao seu poder de transformação. A dialogicidade visa e leva à

compreensão e valorização do educando, de forma que ele tome consciência da

importância de sua participação na construção e reconstrução da realidade em que vive.

Mas de qual realidade a escola fala e se organiza para atender?

Para que a compreensão seja atingida, é necessário um permanente perguntar,

num sentido de problematizar o conteúdo da realidade. Esse perguntar não tem resposta

pronta nem para o educador, nem para o educando. É um perguntar como forma de

compreensão dos mundos do professor e do educando. Se o professor souber a resposta,

a pergunta não é verdadeira. É abrir espaço para que o educando fale e expresse o

mundo segundo suas representações. Os saberes vivenciados e explicitados por esses

sujeitos são frutos, em sua maior parte, da experiência, não do saber livresco, não da

leitura de situações de ensino formal.

As práticas pedagógicas que atendem os aspectos objetivos e subjetivos

possibilitam formar conscientemente os sujeitos envolvidos na escola, a aprendizagem

dos conteúdos, o repensar os modos de estar no mundo, de aprender novas coisas do

interesse do educando. É o desejo de saber mais do que certificar, de progredir, ou não,

nos/pelos estudos.

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Pensar numa proposta pedagógica fundamentada no perguntar, questionar e

problematizar exige refletir sobre a ação docente em função do momento histórico atual

de EJA, possibilitando compreender a escola de jovens e adultos e suas dimensões

contextuais.

Em termos da legislação, as recomendações direcionam para a necessidade de se

repensar condições alternativas e currículos adequados à realidade dos jovens e adultos,

ou seja, currículos que levem em conta os saberes e conhecimentos até então produzidos

e as experiências no mundo do trabalho.

Nas Diretrizes Curriculares de Educação Básica, no Capítulo II, nominado

Modalidades da Educação Básica, na Seção I, Educação de Jovens e Adultos, o Artigo 28

coloca que a Educação de Jovens e Adultos

... destina-se aos que se situam na faixa etária superior à considerada própria, no nível de conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

§ 1º Cabe aos sistemas educativos viabilizar a oferta de cursos gratuitos aos jovens e aos adultos, proporcionando-lhes oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos, exames, ações integradas e complementares entre si, estruturados em um projeto pedagógico próprio. (BRASIL, 2010)

Considerando o exposto na legislação, a proposta pedagógica da EJA, segundo

Marques (1986), deve evidenciar os princípios das relações educativas que levem os

indivíduos a descobrir suas próprias potencialidades, criando formas individuais e

coletivas de organização de vida, como sujeitos conscientes de sua liberdade e com

inserção ativa na história humana, com participação criadora na construção de si e do

mundo, como ser social e político. Nesse sentido deve caminhar também a organização

da escola quanto à gestão da prática pedagógica e serviços escolares, de forma crítica e

questionadora da totalidade da realidade, objetivando a prática de tornar políticas as

questões técnicas.

Outro princípio é o do ensino ativo na construção do conhecimento, a partir da

participação reflexiva e dos conhecimentos prévios dos educandos, no nível de

compreensão, via processos de ensino e aprendizagem que respeitem as fontes dos

conhecimentos curriculares que viabilizem a interdisciplinaridade. O docente deve

selecionar estratégias pedagógicas visando o desenvolvimento de atividades

dialógicas, críticas, com posicionamentos pessoais, possibilitando a ampliação

permanente dos limites das linguagens de educadores e educandos. É de suma

importância a escolha de recursos didáticos que possibilitem o acesso à informação de

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diferentes fontes e diversificadas visões, implicando a não adoção de um único material

didático.

A matriz curricular, com fundamentos de ação pedagógica pensada e

desenvolvida pela comunidade escolar, deve ser reconstruída permanentemente, de

forma a atender a diversidade que caracteriza a escola de Jovens e Adultos, levando em

consideração os eixos ciências, cultura e trabalho.

Repensar a questão da reconstrução curricular permanente, como movimento,

exige organização do trabalho pedagógico escolar fundamentada e discutida

previamente, de forma a desenvolver a consciência de que o mundo da escola de EJA é o

mundo dos envolvidos, educando e educadores.

Numa pesquisa realizada nas escolas de EJA em Curitiba, foram identificados, nas

vozes de educandos e educadores, elementos que podem contribuir para repensar a

reconstrução da proposta pedagógica. Os educandos colocaram que o conteúdo

trabalhado não tem nada a ver com nada, enquanto a fala dos educadores é de que os

alunos não têm base e por isso, por mais que expliquem o conteúdo, eles não aprendem

e não fazem articulações entre os conteúdos (HARACEMIV, 2007).

O aluno constata, com outras palavras, que o saber da escola se distancia de seu

mundo social e intelectual e não contribui para sua formação. Já o docente deixa

expresso que não percebe que seu fazer pedagógico se distancia do proposto pelas

Diretrizes Curriculares Nacional da EJA, sendo preocupação o jogo de culpa na história de

vida escolar dos educandos, que em sua grande maioria têm estudos descontinuados e

sem continuidade, ou nos docentes que o antecederam. Fica evidenciado que as práticas

docentes não atendem as expectativas dos educandos, desvelando uma concepção de

currículo:

... das escolas tradicionais, nas quais se dá uma forte ênfase aos conteúdos apresentados em pacotes disciplinares, e não conseguem que os alunos e alunas sejam capazes de ver esses “conteúdos como parte de seu próprio mundo”, ou seja, os conteúdos são trabalhados de forma estanque, fragmentados e sem contextualização, de modo de que os alunos não percebem o significado dos mesmos, o que dificulta a aprendizagem, pois sabemos que só se aprende o que tem sentido e significado. (SANTOMÉ, 1998, p. 3)

Isso implica que o educando precisa saber o que está aprendendo e por que está

aprendendo. É importante que o educando seja preparado para o presente, que tenha

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condições de formular hipóteses, buscar respostas para diferentes situações, interagindo

e expondo seu ponto de vista, fazendo críticas e indagações acerca do mundo.

A inovação curricular não consiste apenas em mudar, ou tentar mudar, o que se ensina e se aprende na escola. Tão importante quanto o que se ensina e se aprende é como se ensina e como se aprende. Na verdade, hoje sabemos que ambos os aspectos são indissociáveis. O que finalmente os alunos aprendem na escola depende em boa medida de como o aprendem; e o que finalmente nós professores conseguimos ensinar aos nossos alunos é indissociável de como lhes ensinamos. (COLL, 1999, p. 30)

Dessa forma, o currículo, segundo análise de Moreira (1999), constitui

significativo instrumento utilizado por diferentes sociedades tanto para desenvolver os

processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente

acumulados como para socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como

desejáveis.

Portanto, nessa linha de raciocínio, o currículo é uma construção social, na medida

em que está diretamente ligado a um momento histórico e a uma determinada sociedade

nas relações que esta estabelece com o conhecimento.

Percebe-se que é urgente e necessário repensar coletivamente a proposta

pedagógica, o currículo e a organização dos trabalhos pedagógicos, como planejamento,

desenvolvimento e avaliação na escola. Essa organização coletiva é uma forma de

repensar as condições de trabalho docente nas perspectivas teórica e prática. Assim

considerando,

... é imperativo examinar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para o que desejo chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência de reduzir os professores ao status de técnicos especializados dentro da burocracia escolar, cuja função, então, torna-se administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos. (GIROUX, 1997)

Pensar na organização da escola de EJA implica explicitar a concepção de

educação, de sujeito, de escola, de currículo, de conhecimento, de ensino e de

aprendizagem coerentes com as especificidades cotidiana dos educandos.

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A fala de Giroux (1997) em relação à função docente de “administrar e implementar programas

curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam

objetivos pedagógicos específicos”, em outras palavras, recomenda que o docente seja autor de

um projeto de trabalho, construído coletivamente numa sequência didática voltada para a realidade

da escola de EJA e grupo/classe onde atua. Para tanto, é preciso refletir sobre as ações

pedagógicas desenvolvidas no cotidiano da sala de aula, redesenhando o caminho (projeto de

trabalho) sempre que necessário e descobrindo novos caminhos e formas de caminhar.

Com base na letra da música “Cotidiano”, de autoria de Chico Buarque de Holanda, e do vídeo da

referida canção, encontradas no endereço <http://letras.terra.com.br/chico-buarque/82001/>,

façam em grupo uma análise do cotidiano do trabalho do professor da EJA, observado nos

estágios dos anos iniciais do Ensino Fundamental no Curso de Pedagogia EaD. Caso, no grupo,

ninguém tenha estagiado em EJA, solicitamos que os grupos sejam redistribuídos.

Produzam um texto parodiando a letra da música, de modo que ele retrate o cotidiano na

organização do trabalho pedagógico em diferentes tempos da escola de EJA.

4.2 SALA DE AULA COMO ESPAÇO DE MEDIAÇÃO: ELEMENTOS CONSTITUINTES DA

AÇÃO PEDAGÓGICA

Uma das tarefas mais importantes da prática

educativo-crítica é propiciar as condições em que os

educandos em suas relações uns com os outros e

todos com o(a) professor(a) ensaiam a experiência

profunda de assumir-se (...) como ser social e

histórico, como ser pensante, comunicante,

transformador, criador.

(FREIRE, 1997 p. 46)

Os jovens e adultos chegam à escola e esperam continuar aprendendo, embora

muitas vezes venham com uma expectativa forjada na imagem que a vida social projeta

da escola: calados, sentados, emudecidos diante de uma autoridade professoral que tudo

ensina, porque tudo sabe, a quem nada sabe. Ensinam de uma determinada maneira

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coisas que, por reprodução da sua aprendizagem na docência infantil, continuam

“sabendo”, determinando o que o adulto deve aprender.

O que se constata na realidade são práticas direcionadas às crianças,

infantilizando os adultos e limitando o processo de aprendizagem, não proporcionando

discussões e reflexões e tampouco criticidade. Isso nada mais é que o reflexo do

processo educativo pelo qual passou o próprio educador, que se reproduz a cada ano

letivo. As práticas desenvolvidas são caracterizadas basicamente como adaptações do

modelo tradicional de ensino.

Essas vivências de práticas distanciam-se dos procedimentos de uma prática

emancipadora, pois, como afirmam Gadotti e Romão (2005), esta forma de educação

acontece quando as competências e habilidades dos docentes atendem as exigências de

sensibilidade e conhecimento da realidade, contando com conteúdos que fazem parte do

cotidiano dos alunos.

O processo de ensino poderia ser enriquecido com a compreensão e adoção de

práticas nas quais o professor ensina os conteúdos colocados, mas sempre os

relacionando com a realidade do contexto de seus alunos, sendo ele quem faz a

mediação na superação dos conhecimentos anteriores (senso comum) em direção ao

saber mais elaborado e crítico. Contudo, essa prática tão almejada, teoricamente, na EJA

está distante de se tornar realidade.

O agravante é que os docentes sequer percebem a necessidade de

aprofundamento do saber sistematizado, de modo a poderem relacionar esse saber com

a sociedade e com vida dos alunos. A princípio, essa forma passiva frente à realidade faz

com que esses jovens e adultos se neguem na sua condição de pessoa aprendente,

capaz e apto a apreender o que é de direito. Ao negarem-se, expressam certa “aderência

ao opressor [que] não lhes possibilita a consciência de si como pessoa, nem a

consciência de classe oprimida” (FREIRE, 1987, p. 33). Trata-se de um ‘eterno’

acomodar-se às condições, tais quais elas estão sendo apresentadas.

A relação explícita nessas práticas são tão apassivadoras, do pondo de vista do

conhecimento, que, quando solicitados, em situações esporádicas, a posicionarem-se

como sujeitos, os educandos não se sentem à vontade para isso. E não raro os

argumentos do professor à negativa dos alunos em participar de práticas nas quais

tenham que falar, opinar, limita-se a que “os alunos não têm habilidade para isso, não

estão acostumados” (HARACEMIV, 2007). O professor mal percebe que a prática

emancipadora numa sala de aula se faz na proposição de desafios e na crença de que os

alunos são sujeitos de aprendizagens e não meros objetos de uma modalidade de ensino.

Portanto, o desafio consiste em instigar a participação ativa do aluno frequentemente,

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ainda que isso seja objeto de resistências, inicialmente (FREIRE, 1987). Nesse sentido,

cabe ressaltar que a:

... luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como ‘seres para si’, não teria significação. Esta somente é possível porque a desumanização, embora seja um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultante de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos. (FREIRE, 1987, p. 30)

Nesse contexto, cabe ao educador da Educação de Jovens e Adultos perceber a

realidade social, a necessidade de seus alunos, proporcionando-lhes um ensino que lhes

possibilite reflexão, criticidade, no processo de entendimento da sociedade, de suas

condições, de mudanças que podem ser possibilitadas a partir de mudanças e de ações

conscientes perante a realidade posta, pois, conforme afirma Álvaro Vieira Pinto (1991),

o progresso não consiste na aquisição de novos dados de saber, mas muito mais na

aquisição da consciência de sua realidade como servidor social, de seu papel como

interlocutor necessário no diálogo educacional.

Portanto, o educador, mediante sua formação, deve possibilitar muito mais que

saberes sistematizados, proporcionando a valorização da cultura, das necessidades do

indivíduo, num processo de liberdade de pensar, questionar, acompanhando sempre os

movimentos da realidade, onde educador/educando estarão juntos no processo de

aprendizagem.

Em se tratando da aprendizagem de jovens e adultos, esse fato será

consubstanciado à medida que se possa “ver o homem na sua totalidade, no seu fazer-

ação-reflexão, que sempre se dá no mundo e sobre ele” (FREIRE, 1983, p. 23).

Esse fato deve levar à conclusão de que a relação amistosa verificada em todas as

turmas poderia se constituir em fator positivo à aprendizagem, contudo, os professores,

por negarem esse fato ou mesmo por desconhecimento, não se utilizam dessa grande

influência sob os alunos para instigá-los, fazer com que pensem em sua posição e

percebam sua importância social. Não se percebe, nas falas dos professores, a

consideração desse fator, ao contrário, em sua maioria, os professores comentam que

não podem exigir muito dos alunos, pois eles não conseguem acompanhar o raciocínio.

Essa constatação pode ser analisada sob o seguinte aspecto: o tempo em que

estão no magistério indica que possivelmente não tiveram acesso aos estudos mais

recentes sobre o assunto.

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Seria isso de fato? Que tal pararmos um pouco e pensarmos no

nosso processo de formação? Estamos fazendo diferente?

Do ponto de vista dos movimentos sociais, a relação entre educação e cidadania

tem sido reclamada sob a ótica da estratégia política. A busca centra-se na construção de

noções de cidadania fora dos parâmetros aos quais estamos habituados. A educação e a

escolarização, nesse cenário, tornam-se instrumentos para a compreensão crítica dos

direitos e deveres estabelecidos, na tentativa de fazerem valer socialmente suas

definições de cidadania, pois, a despeito de um ensino bancário ao qual estamos

habituados:

... o educando a ele submetido não está fadado a fenecer; (...) o educando a ele sujeitado pode, não por causa do conteúdo cujo ‘conhecimento’ lhe foi transferido, mas por causa do processo mesmo de aprender, dar a volta por cima e superar o autoritarismo e o erro epistemológico do ‘bancarismo”. (FREIRE, 1997, p. 279-280)

Essa passagem nos lembra que não é só o conteúdo de ensino propriamente que

dará conta da formação de uma pessoa com tendências cidadãs e críticas, mas toda a

possibilidade de ação-reflexão propiciada na sala de aula.

No processo educativo, devem ser incluídos, também, os conteúdos de natureza

atitudinal, que incluem normas, valores e atitudes, permeando todo o conhecimento

escolar. A escola é um contexto socializador, gerador de atitudes relativas ao

conhecimento, aos educandos e educadores, às disciplinas, às tarefas e à sociedade.

Atitudes são bastante complexas, pois envolvem tanto a cognição (conhecimentos

e crenças) quanto os afetos (sentimentos e preferências) e as condutas (ações e

declarações de intenção). Para isso, é imprescindível que o educador adote, em sala de

aula, uma posição crítica em relação às atitudes e valores éticos e culturais.

Nas relações interpessoais vivenciadas no contexto escolar, o grande desafio é

conseguir se colocar no lugar do outro, compreender seus pontos de vista e motivações e

desenvolver a capacidade de conviver com as diferenças.

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Nesse sentido, somente as informações do dia a dia, apesar de necessárias para

concretizar uma atitude de forma eficaz, não são suficientes para ensinar valores,

atitudes e normas em sala de aula.

Na abordagem didática dos conteúdos atitudinais, é necessário que a equipe

escolar vivencie essas práticas por meio de atitudes cotidianas, para que o educando

possa observá-las e incorporá-las em seu convívio social.

Com essa percepção, os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais

devem ser contemplados de maneira integrada no processo de ensino e aprendizagem, e

não em atividades específicas, uma vez que eles já interagem no dia a dia da sala de

aula e na mediação do conhecimento escolar.

Os estudantes devem aprender e compreender as possibilidades transformadoras

da experiência, e, para tanto, os professores têm que tornar o conhecimento escolar

relevante para a vida de seus estudantes, de forma que eles possam ter “voz” (GIROUX,

1997).

O autoritarismo, que corta as nossas experiências educativas, inibe, quando não reprime, a capacidade de perguntar. A natureza desafiadora da pergunta tende a ser considerada, na atmosfera autoritária, como provocação à autoridade. E mesmo quando isso não ocorre explicitamente, a experiência termina por sugerir que perguntar nem sempre é cômodo. (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 47)

Portanto, é imprescindível que as práticas pedagógicas estejam fundamentadas na

prática do diálogo, da participação ativa e reflexiva de todos os seus alunos, uma vez

que:

... o alfabetizando já sabe que a língua também é cultura, que o homem é sujeito: sente-se desafiado a desvelar os segredos de sua constituição, a partir da construção de suas palavras – também construção de seu mundo” (FREIRE, 1987, p. 12).

Nesse sentido, considera-se que as palavras não se produzem para serem

colecionadas na memória, mas para que cada pessoa consiga “dizer e escrever o seu

mundo, seu pensamento, para contar a sua história” (FREIRE, 1987, p. 13).

Engajar-se, pela complexa totalidade de cada sujeito, remete ao desenvolvimento

de espaços para falas e escutas, de modo a “prestar atenção nas emoções que as

palavras suscitam, como alterações de vozes, sensação de conforto ao dizê-las. Escutar é

construir, juntos, um diálogo prazeroso” (BRUNEL, 2004, p. 24).

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Nesse sentido, o sujeito constituído numa visão histórica exige o reconhecimento

do outro para se constituir enquanto sujeito, em um processo de relação dialética. Trata-

se de um sujeito que tem o que dizer, fazer, pensar e sentir. Em se tratando de adultos

que vivem numa sociedade mediatizada pela relação de trabalho, cabe à escola despertar

nos sujeitos a consciência da necessidade de instruir-se e favorecer, pelo conhecimento,

a passagem da consciência ingênua para a consciência crítica (FREIRE, 1987).

Nesse direcionamento, a palavra se constitui num significativo instrumento

mediador, no entanto, é necessário considerar que, para cumprir a função de

instrumento à expressão do pensamento, a relação entre educador e educando deve

pautar-se em espaços de confiança, os quais se originam nas condições sócio-históricas

dos sujeitos, pois:

... a confiança implica o testemunho que um sujeito dá aos outros de suas reais e concretas intenções. Não pode existir, se a palavra, descaracterizada, não coincide com os atos. Dizer uma coisa e fazer outra, não levando a palavra a sério, não pode ser estímulo à confiança. Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanismo e negar os homens é uma mentira. (FREIRE, 1987, p. 82)

A educação, considerada um ato político, não é neutra (FREIRE, 1989) e, por ser

assim, pode constituir um significativo alicerce para o desenvolvimento e a estruturação

do sujeito. Essa estruturação se faz, necessariamente, pela possibilidade do diálogo.

É nessa possibilidade que se pode experimentar o que esses jovens e adultos

pensam e sentem, uma vez que, ao dizer a sua palavra, não raro constatamos o que

Freire (1987) denominou “um anúncio – uma denúncia”. Para o educador mais atento, a

palavra não expressada também anuncia e denúncia.

Nesse sentido, se considera que a palavra é essência e:

... o significado é uma parte inalienável da palavra enquanto tal, pertencendo, portanto, tanto ao domínio da linguagem como ao do pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio, já não fazendo parte do discurso humano. Como o significado das palavras é, simultaneamente, pensamento e linguagem, constitui a unidade do pensamento. (VYGOTSKY, 1991, p. 188)

Os seres humanos apreendem a realidade e a constroem na medida em que se

relacionam com o outro, atribuindo, assim, sentido ao seu próprio viver, permeado pelo

exercício efetivo da linguagem, a partir do confronto dos diversos discursos, a partir de

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temáticas do cotidiano, com ênfase na polifonia, dialogismo e polissemia. A polifonia é a

constituição das diversas vozes do discurso oral e escrito e o dialogismo, a interação do

“eu” com o “outro”. A polissemia compreende os diferentes significados da palavra, de

acordo com a vivência sociocultural de cada sujeito (BAKHTIN, 2003).

Nessa perspectiva, a prática pedagógica deve se dar, numa relação dialógica,

entre os sujeitos envolvidos no processo ensino e aprendizagem. A relação pedagógica

consiste no diálogo entre educador e educando, como sujeitos mediatizados pelo mundo,

com diferentes linguagens, vozes e entendimentos (FREIRE, 1987).

Com o fim de tecer um breve diagnóstico das relações teórico-práticas vivenciadas

nas salas em que a observação foi realizada, pode-se concluir que as aulas transcorrem

no mais explícito tradicionalismo, embora, na contramão dessa lógica, se perceba que

alguns dos professores apresentam certo conhecimento teórico, o que possibilitaria

práticas diferentes das observadas.

A ideia defendida pelo autor traz à tona outras ideias e reforçam o fato de que o

ser humano aprende e ensina em meio às experiências, em meio às relações que

estabelecemos na escola. Contudo, esse aprender em meio às relações não descarta a

necessidade de que seja organizado, pensado, planejado, ou seja, não é algo que

acontece de qualquer jeito, mas, bem ao contrário, o professor deve ser mediador pela

ação mediada e compromissada ética e politicamente com o educando, desde o

planejamento até a efetivação do plano em sala.

A ação de planejar implica escolhas, as quais descartam qualquer forma de

neutralidade. Nesse sentido, trata-se de escolhas permeadas por interesses de caráter

político, mas ao mesmo tempo ideológico. Refere-se à formação de um determinado

perfil de pessoas para ocupar este ou aquele lugar na sociedade, para lutar ou não contra

as condições de opressão (FREIRE, 1987).

Nesse sentido, o processo educativo não se caracteriza pelo recebimento, por

parte dos educandos, de conhecimentos prontos e acabados, mas pela reflexão sobre os

conhecimentos que circulam e que estão em constante transformação, considerando

todos como produtores de cultura, que todos aprendem e todos ensinam, como sujeitos

da educação, e que estão permanentemente em processo de aprendizagem.

O fazer docente deve levar ao questionamento da realidade, formulando

problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a

criatividade, a intuição e a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e

verificando sua adequação.

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A professora Vera Barreto coordenou a elaboração da coleção Trabalhando com a

Educação de Jovens e Adultos, composta de cinco cadernos temáticos, junto ao

MEC/SECAD, Departamento de Educação de Jovens e Adultos.

Leia o caderno temático 2, intitulado “A sala de aula como um grupo de vivência e

aprendizagem”, da autoria de Elisabete Costa e Vera Barreto, acessando o endereço:

<http://www.forumeja.org.br/files/eja_caderno2.pdf>

Esse caderno da coleção apresenta algumas estratégias que visam repensar a sala de

aula como espaço de aprendizagem, apresentando estratégias no desenvolvimento de

vínculos entre educador/educando e educandos entre si. Dessa forma, com base na

leitura e análise desse material didático voltado à formação do professor de EJA,

solicitamos as seguintes atividades pedagógicas:

a) No seu entendimento, qual das estratégias você recomendaria para trabalhar o

tema Cultura e identidade, diversidade cultural e conflitos? Elabore um plano de

trabalho para EJA com esse tema.

b) Sendo estudante adulto do Curso de Pedagogia, como você avalia a aprendizagem

na sala de aula presencial e virtual, como espaços de vivências e aprendizagens na

EJA, de modo que você se reveja como educando e se veja como educador?

Isso não significa que se deva fazer uma mera adaptação de uma transposição

didática realizada para alunos do chamado “ensino regular”. Essa transposição didática

dos saberes “científicos” para saberes escolares deve ser construída tendo em mente

alunos com experiências específicas de vida, como os alunos da EJA.

Desse modo, os desafios da Educação de Jovens e Adultos exigem do professor

um olhar cuidadoso sobre as questões que norteiam a relação entre professor, aluno e

conhecimento e podem interferir no sucesso escolar dos alunos. Implicam a consideração

de fatores importantes no processo de ensino e aprendizagem, como o contrato didático,

a gestão do tempo, a organização do espaço, os recursos didáticos, a interação, a

cooperação e a interação da escola com as práticas sociais.

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REFERÊNCIAS

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AVELAR, I. Sobre o conceito de cultura. Revista Fórum, set. 2011. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_materia.php?codMateria=9253>. Acesso em: 23/9/2011.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1981.

BARRETO, V. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte e Ciência, 1998.

BRASIL. Mensagem de Veto n. 1.439, de 24 de dezembro de 1996. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 dez.1996.

BRASIL. Lei nº 9.394. Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

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