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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA As influências filosóficas relativas à consciência na prática da Gestalt-Terapia EDUARDO BUATIM NIÓN Itajaí, (SC) 2006

EDUARDO BUATIM NIÓNsiaibib01.univali.br/pdf/Eduardo Buatim Nion.pdf · 2008. 4. 11. · Gestalt-Terapia EDUARDO BUATIM NIÓN Itajaí, (SC) 2006. EDUARDO BUATIM NIÓN As influências

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  • UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

    CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

    CURSO DE PSICOLOGIA

    As influências filosóficas relativas à consciência na prática da

    Gestalt-Terapia

    EDUARDO BUATIM NIÓN

    Itajaí, (SC) 2006

  • EDUARDO BUATIM NIÓN

    As influências filosóficas relativas à consciência na prática da

    Gestalt-Terapia

    Projeto de pesquisa apresentado como requisito parcial para obtenção de créditos na disciplina Supervisão de Trabalho de Conclusão de Curso em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí. Orientador: Josiane Aparecida Ferraria de Almeida Prado

    Itajaí SC, 2006

  • Ler pelo não

    Ler pelo não, quem me dera!

    Em cada ausência, sentir o cheiro forte

    do corpo que se foi,

    a coisa que se espera.

    Ler pelo não, além da letra,

    ver, em cada rima vera, a prima pedra

    onde a forma perdida procura seus

    etcéteras.

    Desler, tresler, contraler,

    Enlear-se nos ritmos da matéria,

    No fora ver o dentro e, no dentro ver o fora,

    Navegar em direção as Índias

    e descobrir as Américas.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente gostaria de agradecer a minha orientadora Josiane Prado que graças a sua

    especial maneira de ser, marcada pela seriedade que conduz o trabalho evidencia uma

    personalidade ímpar, que através de seu afeto, abertura e dedicação contribuiu para a

    realização não apenas deste trabalho como conduziu com mais leveza minha jornada

    acadêmica.

    A grande e admirável amiga e mestra Geselda Baratto que graças a enorme pertinência que

    crivou minha vida possibilitou novos horizontes na forma de ver a realidade na qual me re-

    posiciono a cada dia, suas contribuições remetem aos milhares de agradecimentos que

    conduzo nessas palavras.

    A minha família, Eduardo Nion e Elisa Buatim meus queridos pais que representam minha

    maior honra e triunfo e que a seus amparos asseguram meu ser e meu fazer, assim como

    meus irmãos Ana Virginia Nion que esteve a meu lado em tantos momentos e Anderson

    Oliveira Matias amigo fraterno que iniciou juntamente esta jornada acadêmica e que da

    mesma forma seu nome acompanhará este trajeto de conclusão de curso impressos neste

    trabalho assim como em minha vida acadêmica e pessoal.

    A minha namorada Mary Hellen que pacientemente compreendeu e esteve em meu lado na

    construção deste trabalho e acima de tudo a presença inspiradora e razão de todos os meus

    projetos.

  • SUMÁRIO

    RESUMO ..................................................................................................................

    1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................7

    2 EMBASAMENTO TEÓRICO ..............................................................................10

    3 ASPECTOS METODOLÓGICOS .......................................................................25

    3.1 Delineamento da Pesquisa............................................................................25

    4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................28

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................36

    6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................38

    7 ANEXOS .............................................................................................................40

  • As influências filosóficas relativas à consciência na prática da Gestalt-terapia

    Orientador: Josiane Aparecida Ferrari de Almeida Prado

    Defesa: Junho de 2006

    Participantes da Banca: Josiane Aparecida Ferrari de Almeida Prado; Maria Celina Ribeiro

    Lenzi; Maria da Glória Ditrich.

    Resumo:

    A presente monografia consiste em percorrer a construção epistemológica acerca do conceito de

    consciência (awareness), bem como sua aplicação na prática psicoterapêutica em Gestalt-Terapia.

    Para atingir os objetivos propostos, foi realizado um estudo bibliográfico sobre as bases filosóficas

    que dão sustentação ao conceito. Awareness é uma palavra de origem inglesa e pode ser traduzida

    para a língua portuguesa como atento, cônscio, ciente, é utilizada como um conceito na Gestalt-

    Terapia para designar um contínuo de conscientização ou insigth. Objetivar, ampliar e desenvolver

    os conceitos chaves acerca da consciência em seu transcurso histórico, compreendendo as bases que

    sustentam a prática na ciência psicológica na contemporaneidade, buscamos identificar os

    pensadores mais representativos que contribuíram para o desenvolvimento epistêmico acerca do

    tema, conferindo ao longo do discurso histórico uma equivalência conceitual entre subjetividade e

    consciência.

    Palavras-chave: awareness - consciência – filosofia- Homem

    __________________________________

    __________________________________

    Josiane A. Ferrari de Almeida Prado Maria Celina Lenzi Ribeiro

    __________________________________ Maria da Glória Ditrich

  • 1. INTRODUÇÃO

    Tendo como apreensão a consciência na relação dialética entre homem-

    mundo, na qual a Gestalt se configura e se sustenta numa prática. Compreende

    um paradigma epistemológico que tem como arcabouço central à filosofia

    demarcando-se indissolúvel e constitutiva em seu espaço teórico e metodológico.

    Definindo uma construção teórica que postula fundamentalmente a

    consciência como principal agente regulador do comportamento humano. No que

    tange ao fenômeno psíquico, como compreender sua dinâmica no âmbito

    psicoterapêutico, mais especificamente na corrente da Gestalt-terapia?

    De acordo com a Gestalt-terapia o eixo nuclear de sua prática funda-se no

    processo de Awarenes e na sua relação dialética sujeito-mundo, na qual os

    pressupostos filosóficos vêm tanto a contribuir.

    E é através de sua gênesis filosófica que emerge e se articula a relação

    apolar entre cliente-terapeuta, portanto se faz mister conferi-la como tema

    fundamental para a compreensão do estudo na qual nos propomos.

    Desta forma no tocante de tal premissa exporemos no capítulo de

    Embasamento Teórico, os pensadores mais representativos que influenciaram o

    conjunto teórico da Gestalt-Terapia.

    Assim como denunciar de forma modesta o percurso que o conceito relativo

    à consciência perpassou o discurso dos pensadores ao longo da história.

  • À medida que iremos refazer o curso filosófico acerca da consciência

    forneceremos subsídios que irão configurar a ciência psicológica tal qual se

    apresenta na contemporaneidade.

    Já no capitulo de Análise dos Resultados, adentraremos mais

    especificamente na questão do ser e da consciência para melhor compreender o

    processo de Awareness, denunciando os devidos desdobramentos que os

    referenciais acerca da consciência se desenvolvem e se reconhecem ao longo das

    articulações filosóficas na contemporaneidade.

    Reforçando a necessidade epistêmica de resgate dos pensadores para além

    dos postulados cartesianos para assim demarcar uma prática voltada para as

    questões do ser consciente evidenciando-o na prática clínica na Gestalt-Terapia.

    O campo filosófico será o fio condutor que norteará as questões que nos

    interessam responder, construindo o fazer do psicoterapeuta nos referenciais

    teóricos na qual se apropria e demarca sua relação dialética de ver e estar no

    mundo.

    Circundado nas questões pertinentes do ser ao modo, que o mesmo se

    reinventa a partir da consciência de si, onde estes pressupostos serão os

    elementos centrais que objetivarei a trilhar e de axioma pertinente ao ato clínico e

    de instrumentação teórica necessária para a configuração deste setting e de sua

    prática.

    Portanto as questões relativas à base filosófica da consciência do ser, e de

    ser, passam a intercambiar-se num processo de resgate não apenas filosófico,

    mas conceitual desenvolvendo uma metodologia fundamentada na Gestalt-terapia

  • que abarca e reconhece em seus postulados filosóficos a gênesis de sua prática

    clínica.

    Sua metodologia, portanto encerra (não finaliza) todo um legado filosófico

    que culmina na awareness e na compreensão e desenvolvimento da consciência

    como arcabouço teórico a caminho da conscientização.

    Sendo este o objetivo nuclear da Gestalt-terapia, processo na qual os

    conceitos da awareness se articulam com os pressupostos que lhe dão origem.

    Assim tanto a prática quanto seu percurso de construção teórica serão orientados

    pelas questões do ser e da consciência na qual serão percorridos no presente

    trabalho.

  • 2. EMBASAMENTO TEÓRICO

    “Nenhum sistema filosófico é definitivo, por que a própria vida não é definitiva. Um sistema filosófico resolve um grupo de problemas historicamente dado e prepara as condições para a proposição de outros problemas, isto é, de novos sistemas. Sempre foi e sempre será assim”.

    Benedetto Croce

    A filosofia é o ponto de contato entre o homem e a compreensão de mundo

    na qual o mesmo se insere, assim, compreendendo e traduzindo o percurso deste

    desenvolvimento filosófico aos seus domínios de aplicação no âmbito clínico,

    remete inexoravelmente a um desdobramento histórico dialético onde este sujeito,

    ora marcado de inquisição ora se denuncia objeto de si mesmo.

    Realizar este percurso relativo à consciência implica situar o que se entende

    por consciência nos domínios filosóficos e do ponto de vista da ciência

    psicológica, segundo CHAUÍ (1997, p.117):

    A capacidade humana para conhecer, para saber que conhece e para saber o que sabe que conhece. A consciência é um conhecimento (das coisas em si) e um conhecimento desse conhecimento (reflexão). Do ponto de vista psicológico, a consciência é o sentimento de nossa própria identidade: é o eu, um fluxo temporal de estados corporais e mentais, que retém o passado na memória, percebe o presente pela atenção e espera o futuro pela imaginação e pelo pensamento. O eu é o centro ou a unidade de todos esses estados psíquicos.

    A prática clínica se apresenta, antes de tudo, como uma forma singular do

    cliente se pôr irremediavelmente em questão, uma maneira muito específica e

  • cotidiana de filosofar, recorrer esse homem a uma percepção debruçada sobre si

    mesmo, pois para BEAUFRET (1976, p.11):

    A filosofia tem por finalidade essencial expor o homem a si mesmo, de tal sorte que nela se reconheça autenticamente. (...) É visando-o na força mesma de seu “existir” que tentam arrancar da obscuridade sua condição uma verdade que, de imediato, esteja à altura de nossa nostalgia fundamental.

    As questões do Ser, do sentido e da percepção norteiam os pensadores

    desde tempos imemoriais, desde quando o ato de pensar crivou um lampejo de

    abstração ganhando espaço e formas na história.

    Da Grécia Pré-Socrática impregnando os pensamentos de Aristóteles aos

    seus herdeiros, outorgando a ontologia que determina os pensadores

    contemporâneos, desta forma o séc XX revela um estatuto que demarca a

    construção de correntes filosóficas fundamentais para a autenticação de um

    espaço cientifico definitivo.

    No entanto, se faz necessário percorrer as bases que determinaram não

    apenas o campo referente à filosofia e sim o campo de estudo do homem

    contemporâneo, legitimando o olhar específico para seu objeto de estudo, ou seja,

    a forma singular do homem compreender e ler a realidade do próprio homem,

    reprisar essa gênesis que outrora lhe outorgou o desenvolvimento e a

    configuração do mundo ocidental.

    Impossível remeter-se ao mundo contemporâneo e suas bases sem

    assegurar historicamente a fundação do pensamento grego, segundo Reale e

    Antiseri (1990, p.11): “sendo assim, a superioridade dos gregos em relação aos

    outros povos nesse ponto específico é de caráter não puramente quantitativo, mas

  • qualitativo, por que o que eles criaram, instituindo a filosofia, constitui uma

    novidade que, em certo sentido, é absoluta”.

    Ora se tomamos como absoluto o marco grego do séc. VI a.C. quanto ao

    alcance das motivações qualitativas do fenômeno humano tecemos

    aproximadamente um quadro, que fez do homem um objeto de estudo para si

    mesmo.

    Os princípios ontológicos recaem sobre os gregos, o Homem, voltando se a

    sua questão primordial: a consciência de si em toda sua totalidade reforça a

    premissa aristotélica: “A admiração levou inicialmente, como ainda agora os

    homens a filosofar. Mas, quem esta em dúvida e admiração sobre uma coisa, crê

    não conhecê-la. Portanto filosofa para sair de sua ignorância”. (RABUSKE, 1986,

    p.11).

    Onde o Homem se torna objeto de si mesmo e redescobre um saber relativo

    a si, um saber dotado de qualidades essencialmente racionais, um saber

    consciente da totalidade de seu ser e de sua essência, princípios estes herdados

    às gerações ocidentais, estruturando-o como tal concebendo o Homem como

    centro basilar no universo.

    Esse ponto de estofo onde o Homem grego se localiza no espaço de suas

    dimensões universais remete-o a questões sublimes do pensamento racional, no

    que concerne ao ato reflexivo, esse mesmo Homem pergunta-se diante do

    universo na qual está inserido, tornando-se inexoravelmente, objeto de si mesmo,

    como retoma REALE e ANTISERI (1990, p. 23).

    Assim, a raiz da filosofia é precisamente esse ”maravilhar-se”, surgido do homem que se defronta com o Todo (a totalidade),

  • perguntando – qual sua origem e o seu fundamento, bem como o lugar que ele ocupa no universo. Sendo assim, a filosofia é inapagável e irrenunciável, precisamente por que não se pode extinguir a admiração diante do ser nem se pode renunciar a necessidade de satisfazê-la.

    Se o homem passa a situar-se como centro de sua reflexão, ele reconhece

    não fascínio da reflexão os meios para realizar os objetivos na qual propôs

    assegurar, princípio basilar, mas ainda primitivo do humanismo e por fim

    culminando no existencialismo, já que este ser que se maravilha com o

    pensamento consciente, o legaliza, como tutor de si mesmo.

    Retomando à filosofia antiga e à inauguração do ato reflexivo do Homem,

    compreendemos a antiga Grécia que outrora recebeu o título de berço da filosofia.

    O aparecimento de Sócrates (470-399 a.C.) culminaria num divisor de águas, uma

    fronteira tangível entre o velho pensamento, para o saber relativo ao Homem,

    assegurando seu caráter humanista, propondo respostas às novas questões que a

    partir de Sócrates iriam advir.

    Os naturalistas procuraram responder a seguinte questão: O que é a natureza ou a realidade última de todas as coisas? Sócrates, porém, procura responder a questão: O que é a natureza ou a realidade última do Homem? Ou seja, o que é a essência do homem? (...) Em breve: para Sócrates, a alma é o eu consciente, ou seja, a consciência e a personalidade intelectual e moral. (REALE e ANTISERI, 1990, p. 87).

    A partir desta máxima, Sócrates refere-se justamente a essa capacidade do

    Homem de apreender a si mesmo, convidando-nos a adentrar no campo da

    subjetividade, da consciência, a refugiar-se no eu moral, pleno e intelectual, mas

    acima de tudo num ato inquisitivo de reflexão, que sob a forma de um imperativo

    “Conhece-te a ti mesmo” (Brun, 1996, p. 84) que remete o Homem à própria

  • consciência influenciando todo o pensamento não só grego antigo, como também

    como o Europeu do séc. XIX.

    Sócrates inaugura um novo estatuto: a episteme, ou seja, situa

    historicamente o homem, deslocando seu interesse sobre o cosmos e

    centralizando na questão do Homem como objeto de compreensão racional e

    reflexivo sobre si mesmo.

    A consciência pensante e racionalmente operante situa o eu nas atividades

    morais e intelectuais, imprime um lócus altamente subjetivo, já que como já

    explicitado, ganha formas normativas e funcionais de adentrar no campo da

    interiorização do sujeito frente a si mesmo, ou melhor, da alma.

    Conforme Strenger (1998), os filósofos gregos posteriores a Sócrates como

    Platão e Aristóteles, referenciam o mestre como eixo paradigmático de seus

    discursos e interlocuções atribuindo-lhe a profundidade de suas doutrinas,

    reconhecendo-lhe como aquele que encarna a própria filosofia.

    O legado de Sócrates acerca do homem produz o desenvolvimento do

    pensamento filosófico grego, além da compreensão acerca da história ocidental e

    do modo na qual, reconhecemos a contemporaneidade e por assim dizer o fazer

    quanto legitimidade científica.

    Com o advento da cristandade séculos posteriores, a filosofia ganha novas

    configurações, Japiassú e Marcondes (1996), explicitam que a Patrística1 demarca

    a consolidação da igreja como instituição. Este período que originará a Escolástica

    ou “doutrina da escola” ministrados nas escolas eclesiásticas da Europa Medieval

    1 Patrística: Termo que designa, de forma genérica, a filosofia cristã nos primeiros séculos logo após o seu

    surgimento.

  • do séc. IX a XII, marcam uma profunda fusão entre os dogmas da igreja católica e

    as verdades reveladas das Sagradas Escrituras com as doutrinas filosóficas

    clássicas.

    As articulações entre teologia e filosofia remetem a discussões que visam

    associar o Ser a Deus com o objetivo de promover e legitimar as questões com o

    divino, como afirma Strenger (1998 p.115).

    No que concerne ao método escolástico, pode-se afirmar que emprega a razão para penetrar no fundo da crença, o máximo de luzes possível, a respeito da revelação, a fim de aproximar do pensamento íntimo do espírito humano a verdade sobrenatural, isto é, permitir uma representação de conjunto, sistemática, orgânica, da verdade da salvação e dissipar as objeções levantadas, do ponto de vista da razão, contra o fundo da revelação.

    De qualquer forma, a razão, fruto da implicação do Homem com a

    consciência nos indicam sobremaneira os pressupostos socráticos relativos ao ato

    reflexivo, a importância de salientar esses argumentos é de grande relevância

    para conduzir nosso estudo, as exigências filosóficas da Idade Média só foram

    possíveis graças aos pressupostos que outrora lhe subsidiaram e a precederam.

    Da mesma forma, podemos traçar os campos discursivos da história que nos

    representam quanto sujeito, porém, ao voltarmos à Idade Média, de acordo com

    os autores citados, a filosofia antropocêntrica dos gregos tornou-se pano de fundo

    das investidas humanas acerca do divino medievo.

    De acordo com Chauí (1997, p.114) Santo Agostinho (354-430), filósofo

    expoente do período Medieval, reconhece o Homem como uma pessoa dotada de

    consciência. Conceber o indivíduo como uma pessoa diz respeito ao legado

    Romano, que reconhece a pessoa como cidadã, Santo Agostinho amplia o

  • conceito afirmando “Nossa pessoa é nossa consciência, que é nossa alma dotada

    de vontade, imaginação, memória e Inteligência”.

    Porém, essa relação com o divino, centrando as vicissitudes do Homem em

    direção a fé cristã, apaziguaram o espírito de Sócrates rumo ao seu axioma

    fundamental, o Homem e a Consciência.

    A fé ditada pelos confinamentos da igreja promoveu uma investida sutil nas

    reflexões acerca do indivíduo, já que os preceitos cristãos se tornam celebres

    alvos de investimentos especulativos, do Homem às orbes transcendentais, porém

    a fé indiscutivelmente prevalecia diante da razão.

    As questões ontológicas do ser e da consciência perpassaram as questões

    relativas à existência de Deus, como mais uma vez esclarece Strenger (1998),

    graças à adesão do pensamento cristão ao campo filosófico, foi possível através

    da razão, legitimar a existência de Deus e sua relação do criado com a criatura,

    porém, a prática filosófica tornou-se restrita aos segmentos da ordem católica,

    unicamente nas suas escolas, já que apenas pela fé, a razão poderia sustentar a

    própria fé.

    Por sua vez, Freire (1997) confirma que os dez séculos que determinaram o

    discurso medieval e re-localizaram o Homem a margem de Deus, sendo que

    diante do período, que compreende do século V a XV como um todo, não

    apresentaram grandes produções acerca do homem e consciência, ou

    colaborações para o desenvolvimento da ciência psicológica.

    De acordo com a autora citada acima, a Idade Moderna inicia-se justamente

    em contraposição ao teocentrismo medieval, ou melhor, seu pensamento deixa de

    prevalecer – em busca de um resgate antropocêntrico dos períodos antigos.

  • As questões primordiais relativas à fé do séc. XI vão ganhar novas

    configurações discursivas no séc. XV a ponto da racionalidade consciente e

    pragmática ganhar novo espaço e sustentar-se de maneira que vai implantar todo

    um método, o positivismo cartesiano que vai perdurar todo o Ocidente no séc. XIX.

    René Descartes (1596-1650) foi um dos mais destacados filósofos do séc.

    XVI e seu pensamento vai povoar, senão inaugurar, toda a ciência moderna.

    Quinet (2000 p. 11) reescreve a trajetória de Descartes acerca da razão:

    Para responder a pergunta sobre ”o que sou eu”, Descartes, em suas Meditações filosóficas descarta de entrada os sentidos, pois estes são sempre enganadores, assim como o corpo próprio. O que vejo, o que ouço, apalpo ou sinto não me dizem o que sou; meu corpo tampouco me define. Descartes põem-se a duvidar da existência de tudo e concebe um Deus como um Gênio maligno cuja intencionalidade não é outra senão a de enganar o sujeito. Recusa assim qualquer autoridade externa mesmo divina, que garanta a existência das coisas. Esse Deus enganador faz parte da dúvida hiperbólica de Descartes, a qual após colocar toda a existência em suspenso e anular todo o saber atinge seu ápice em um único ponto de certeza: o pensamento.

    Assim, a definição cartesiana de sujeito se sustenta no ato definitivo do

    pensamento, convergindo o sujeito pela razão, na qual se origina a consciência

    reflexiva. O século XV reinscreve as preposições cristãs e busca-se resgatar os

    postulados clássicos gregos com o intuito de re-posicionar o Homem no Universo.

    Tornando-se novamente centro das questões oriundas da filosofia, Descartes

    suspende o saber para apropriar-se da verdade incontestável, o Homem quanto

    consciência pensante.

    Descartes legalizou o entendimento acerca do Homem, fundando-o e

    crivando sua existência ao pensamento consciente. Mondin (1980 p. 80) afirma

  • que René Descartes “foi o primeiro a considerar as idéias como ato imediato da

    consciência”.

    O pensamento e o saber, como objeto de compreensão do mundo recoloca o

    Homem medievo que outrora marginalizado como objeto de estudo e reflexão

    acerca de si, agora se reincide como centro de todo investimento filosófico.

    Beaufret (1976 p. 42) reafirma os passos de Descartes acerca da consciência

    “Nenhum objeto, pois, pode ser dado senão na claridade desta luz que só brilha

    por si própria e a que chamamos de Consciência”.

    O postulado cartesiano rejeita a percepção como condição fundamental para

    o dado, e prevalece a consciência como meio único de se chegar à verdade,

    Descartes demarca um novo meio de estudo e apreensão acerca da realidade.

    A consciência humana passa a ser concebida como a maior dádiva da

    natureza, há um esforço por parte dos pensadores do séc. XV em resgatar os

    postulados antropocêntricos e re-inaugurar o pensamento acerca do homem.

    Esse período foi reconhecido como Renascimento, de acordo com Mello e

    Costa (1990), o Renascimento, foi um movimento de transformações profundas,

    que doravante foi influenciado e influenciou todos os setores como o plano

    intelectual, artístico, literário, científico e filosófico Europeu, e caracterizou-se

    como a mais efetiva transição da Idade Média para a Idade Moderna.

    Mesmo compreendendo estas transições como graduais e progressivas o

    Renascimento implantou toda uma cultura na qual a filosofia referente ao Homem

    e a Consciência poderiam enfim se desenvolver e ganhar novas formas na

    história.

  • O Renascimento se desenvolveu outorgando ao mundo seu mais precioso

    legado, o movimento Humanista. De acordo com Japiassú e Marcondes (1996), do

    ponto de vista filosófico o humanismo se reconhece como ponto de resgate do

    pensamento greco-romano situando o Homem como o eixo de sua reflexão, na

    qual busca os meios para a realização deste.

    O cenário filosófico ganha novos atributos e formas de pensar o mundo, o

    estudo relativo ao Homem não garante mais a sua premissa fundamental, o

    movimento humanista agora visa à realização deste Homem.

    Como podemos perceber há toda uma tentativa de saída do pensamento

    escolástico anteriormente vigente, os pensadores baseados nos preceitos

    cartesianos contribuíram para a construção de uma ciência propriamente dita, na

    qual veremos posteriormente.

    Porém, os conceitos baseados na consciência passam a amadurecer de

    acordo com as exigências históricas que perpassam os pensadores, assim o

    século XVIII apresenta pensadores inspirados por todo o percurso clássico

    culminando no renascimento e suas diversidades ideológicas assim derivadas.

    Um dos mais proeminentes pensadores deste período foi Hegel (1770-1831),

    que para Reale e Antiseri (1991), foi um dos filósofos que implantou os conceitos

    mais complexos acerca da consciência do século XVIII, tomando-a como

    arcabouço central de sua teoria. Os autores citados enfatizam a opinião de que

    Hegel elabora decididamente o termo Sujeito como aquisição própria dos tempos

    modernos.

    De acordo com Japiassú e Marcondes (1996, p.123) Hegel realiza uma

    análise acerca da consciência expondo-a da seguinte forma:

  • Sua filosofia parte da necessidade de examinar, em primeiro lugar, as etapas de formação da consciência, tanto em seu sentido subjetivo, no individuo, quanto em seu sentido histórico, ou cultural, representado pelo desenvolvimento do espírito (Geist). A fenomenologia do espírito (1807), subintitulada “ciência da experiência da consciência”, é a obra que inaugura esse pensamento (...) Hegel traça ai o percurso da consciência humana até chegar ao espírito absoluto, ou ainda, as etapas do caminho que o espírito percorre através da experiência humana ate chegar a si mesmo.

    No tocante a exposição acerca do pensamento hegeliano, podemos precisar

    que a partir de Descartes com sua fórmula Eu Penso, as questões referentes ao

    homem mais precisamente sobre o Eu e a Consciência tornam-se as bases

    propulsoras de todo o pensamento contemporâneo e a definitiva legitimização da

    filosofia quanto ciência psicológica.

    Para Japiassú e Marcondes (1996) Hegel amplia os conceitos considerando

    toda a realidade como objeto da própria consciência criando um sistema

    conceitual complexo e preciso, esboçando o percurso do homem ao espírito

    absoluto.

    Assim sendo, a partir deste modelo teórico Hegel traça um paralelo entre

    Consciência e Ser, já que só é possível chegar a si mesmo através da própria

    consciência na qual representa o próprio sujeito e a realidade que o circunscreve.

    No entanto, podemos traçar o pensamento de Hegel conceituando a

    consciência de forma complexamente sistemática. Sistemas conceituais pré-

    estabelecidos que irão amparar o individuo, referenciando o ser para o absoluto,

    ou seja, o indivíduo peregrina através do saber consciente até chegar a ontologia

    absoluta do ser.

  • Doravante, esse pensamento foi deveras criticado pelo filósofo Kierkegaard

    (1813-1855), reconhecido como um dos filósofos mais influentes do século

    passado. Este título lhe garantia não apenas o seu grau de importância, se não

    que lhe outorgava o título de precursor do Existencialismo2, de acordo com suas

    críticas Beaufret (1976) esclarece, pois suas queixas se dirigiam aos filósofos

    anteriores que preconizavam as construções especulativas acerca do homem em

    princípios, ou seja, em sistemas, e não se preocupam com o indivíduo, na sua

    condição de existência, na sua singularidade humana.

    Suas críticas atacavam a preocupação excessiva do Homem de divagar

    acerca do mundo ou fornecer respostas sobre os sistemas que lhe subsidiam a

    existência, atacando principalmente as técnicas sistemáticas relacionadas à

    consciência fundamentadas por Hegel.

    Conforme nos aponta Reale e Antiseri (1990): “A existência é o reino do

    necessário, cujas leis a ciência procura. A existência é o reino do devir, do

    contigente e, portanto, da história. Em suma, a existência é o reino da liberdade: o

    homem é o que ele escolhe ser, é o que se torna”.

    Como alude a citação, a existência humana em toda sua singular diversidade

    torna-se eixo paradigmático para Kierkegaard, ganhando uma característica de

    exigência científica, epistêmica, como o reino do necessário. Com respeito à

    consciência, a partir de Kierkegaard, a Fenomenologia3, corrente filosófica

    2 Existencialismo: Filosofia contemporânea segundo a qual, no homem, a existência, que se identifica com a

    sua liberdade, precede a essência. (Japiassú, Marcondes 1996, p. 95). 3 Fenomenologia: Método de fundamentação da ciência e da constituição da filosofia como ciência rigorosa.

    Seu projeto se define como uma “volta às coisas mesmas”, isto é aos fenômenos, aquilo que aparece na

    consciência, que se dá como seu objeto intencional. (Japiassú, Marcondes 1996, p. 101).

  • fundada por Husserl (1859-1938) ganhou notável aceitação pelos filósofos

    contemporâneos.

    De acordo com Japiassú e Marcondes (1996, p. 101): “Consciência é sempre

    consciência de alguma coisa”. A fenomenologia, no entanto, só pode se constituir

    a partir destes pressupostos. Acima de ser um conceito, a fenomenologia é um

    método, considerando a razão uma estrutura da consciência.

    O mundo ou a realidade é um conjunto de significações ou de sentidos que são produzidos pela razão. A razão é doadora de sentido e ela constitui a realidade enquanto sistemas de significações que dependem da estrutura da própria consciência. (...) Elas são as essências, isto é, o sentido impessoal, intemporal, universal e necessário de toda a realidade, que só existe para a consciência e pela consciência. A razão é razão subjetiva que cria o mundo como racionalidade objetiva. Isto é, o mundo tem sentido objetivo por que a razão lhe da sentido. (CHAUÍ, 1997, p. 82)

    Em outras palavras, para Husserl o fenômeno é a presença real, ou seja, é

    tudo aquilo que aparece, diante da consciência, e se apresenta diretamente ao

    sujeito. Fica a cabo da própria consciência dar significação e sentido a realidade

    dos objetos4.

    Já a partir de Husserl, seu aluno Martin Heidegger (1889 -1976) é

    reconhecido como o grande expoente do Existencialismo. Segundo Chauí (1997)

    Heidegger adotou uma nova ontologia, e fixou-se na questão do ser enquanto ser,

    ao ser existencial, ao ser consciente e posto no mundo, assim reafirma:

    A nova ontologia parte da afirmação de que estamos no mundo e de que o mundo é mais velho do que nós (...) que somos capazes de dar sentido ao mundo, conhecê-lo e transformá-lo. Não somos

    4 Intencionalidade: Conceito central da fenomenologia. A intencionalidade é a característica definidora da

    consciência, na medida que esta necessariamente voltada para um objeto. (Japiassú, Marcondes 1996, pg 101).

  • uma consciência reflexiva pura, mas uma consciência encarnada num corpo.

    Seu pensamento diz respeito ao Homem consciente, que interroga sobre o

    sentido do ser. Sendo assim, o homem é existência, e estar no mundo lhe

    assegura todos o meios para que este ser consciente se desenvolva, para

    Heidegger isso é liberdade. Beaufret (1976).

    Estudar o existencialismo significa adentrar no pensamento de Jean-Paul

    Sartre (1905-1980), reconhecido como o maior representante do existencialismo,

    sendo influenciado diretamente pela fenomenologia.

    Sartre postula que o Homem consciente diante sua condição finita, de morte,

    visa buscar um sentido a sua existência.

    Para Japiassú e Marcondes (1996, p. 95): ”O existencialismo é assim um

    humanismo. A consciência é, portanto o elemento central dessa busca de sentido,

    e é essa consciência só existe através daquilo de que é consciência. (...) Sartre

    defende a liberdade como uma das características mais fundamentais da

    existência humana”.

    Segundo Burow e Scherpp (1985, p.42), com relação ao movimento

    existencialista “Sartre e Camus chamam constantemente a atenção sobre a auto-

    responsabilidade do ser Humano. O ser humano é seu próprio Deus, seu próprio

    criador, encontra-se condenado a liberdade. Depende dele próprio fazer algo

    dessa liberdade”.

    Em outras palavras, para o existencialismo há uma associação entre o ser,

    consciência e responsabilidade, o Homem é livre já que é dono de si, e do vir-à-

  • ser, há uma potencialidade criante e responsável, através da consciência onde o

    Homem dirige sua existência, se auto-gerenciando na relação com o mundo.

    Assim, de acordo com os pensadores evocados no presente trabalho,

    destacamos os mais representativos filósofos que se preocuparam com as

    questões relativas ao Homem e a Consciência.

    Procuramos traçar os construtos teóricos que reconhecem e representam o

    Homem como ser consciente ao longo da história para assim objetivar nossos

    propósitos de pesquisa, compreendendo a Consciência do ponto de vista da

    psicologia na contemporaneidade, mais precisamente na Gestalt-Terapia.

  • 3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

    3.1 Delineamento da Pesquisa

    A metodologia utilizada para poder atingir os objetivos propostos foi à

    pesquisa bibliográfica, que consiste no levantamento de bibliografias publicadas

    em livros, revistas, artigos, periódicos e Internet, na qual tem como finalidade

    buscar as diferentes formas de contribuição científica que foram realizadas sobre

    o assunto escolhido, coletando o máximo de informações necessárias para

    responder as questões propostas.

    Segundo Marconi & Lakatos (1986, p.57), a pesquisa bibliográfica “trata-se

    do levantamento de toda bibliografia já publicada e que tenha relação com o tema

    em estudo. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo”.

    Primeiramente foi realizado um levantamento bibliográfico com a finalidade

    de identificar referências teóricas sobre o assunto em questão que, por sua vez,

    servirá de sustentação para a consolidação das informações obtidas. Este

    levantamento foi realizado na Biblioteca Central da UNIVALI, bem como a

    biblioteca particular do pesquisador e internet.

    Após o levantamento bibliográfico, foi realizado fichamentos dos livros e

    arquivamento do material encontrado.

  • Devido à pesquisa incluir uma extensa revisão bibliográfica, o delineamento

    considera algumas etapas organizada no modelo apresentado por Lakatos &

    Marconi (2001):

    Ψ Identificação: esta é a fase de reconhecimento do assunto pertinente ao

    tema escolhido para realização da pesquisa em questão. Seguindo estes

    procedimentos, realizamos nossa pesquisa, utilizando livros, artigos e outros

    materiais da língua portuguesa e que estejam embasados cientificamente.

    Ψ Fichamento: à medida que fomos adquirindo as referencias pesquisadas,

    fomos transcrevendo em fichas para organizar os dados obtidos. Neste trabalho

    realizamos a ficha do tipo resumo ou de conteúdos, que por sua vez, apresenta

    uma síntese das idéias principais do autor.

    Ψ Análise e interpretação: Reorganizamos um conjunto de idéias mais

    precisas a partir de uma idéia-chave geral. Analisamos criticamente buscando a

    validade baseada na objetividade, explicação e justificativa. A análise e

    interpretação deste trabalho foram realizadas juntamente ao professor

    orientador/supervisor desta pesquisa.

    Ψ Redação do texto: nesta etapa, colocamo-nos em contato direto com o que

    foi publicado com relação ao tema eleito.

    A seguir, elucidaremos a discussão a partir do levantamento bibliográfico

    pesquisado, a Fundamentação Teórica do capítulo anterior teve como objetivo

  • resgatar os pensadores mais representativos que influenciaram o conjunto teórico

    da Gestalt-Terapia.

    No capítulo de Análise dos Resultados dando continuidade a nossa

    pesquisa objetivamos centralizar o marco transitivo da filosofia à legalidade

    científica e a devida conceituação do conceito de consciência no campo teórico da

    Gestalt-terapia.

    Nas Considerações Finais buscamos realizar um fechamento sobre as

    conclusões a que essa pesquisa de iniciação científica se propôs, respondendo a

    curiosidade sobre o tema apresentado nos objetivos geral e específicos da

    mesma.

  • 4. APRESENTACÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

    O modelo que convinha a nova metafísica vai se obliterando: a ordem das idéias claras e distintas, a ordem dos mecanismos que devem ser encaixados uns dentro dos outros não bastam mais para explicar experiências que a reflexão precisa doravante, relatar. (...) Em suma, a racionalidade nova em seu combate pela razão, entra em luta contra o cartesianismo, em nome do próprio cartesianismo.(CHÂTELET, 1974. p.16)

    Podemos elucidar uma demarcação inusitada no legado científico, a razão

    dá lugar a postulados menos reducionistas, possibilitando a entrada de conceitos

    de abstrações distintas.

    Tecendo um arcabouço filosófico de tamanhas articulações e implicações,

    que delineiam no seu desenvolvimento um reconhecimento no mérito da ciência

    convencional. O saber sobre si deliberado a partir de reflexões racionais acerca de

    si mesmo impôs limitações que doravante o desenvolvimento da própria linha de

    pensamento relativa ao homem já não mais se sustenta.

    De acordo com Beaufret (1976), a filosofia existencial decorrente das

    articulações de Kierkegaard, Heidegger, Sartre, e outros ganham novas

    configurações expressas assim como no humanismo, e na teoria da consciência

    como Kant e Husserl demarcando posteriormente a fenomenologia.

    Assim os estudos relativos ao ser e da consciência implicam-se derivando

    um desdobramento no estudo da ciência humana e de sua psique.

    Numa perspectiva compreensiva e hermenêutica, a consciência (premissa ontológica – modo de entendimento de uma substância ou realidade) se dá a conhecer através de sinais na forma de gesto e fala (fronteiras descritivas de uma substância ou realidade). Tal reconhecimento, do ponto de vista de sua extensão, satisfaz as exigências do principio do empirismo. (GOMES apud GREIMAZ e CORTÉZ,1979.)

  • Tal reconhecimento derivado de aspirações fundamentadas, os processos

    filosóficos ganham modelos conceituais, as interrogações de caráter filosófico com

    relação ao Ser se consolidam em fundamentações teóricas relativas a uma ciência

    psicológica, recriando uma metodologia que condiz com as necessidades

    cartesianas.

    Como já elucidado, o cartesianismo sofre exigências internas propiciando

    novas formas de intervir no campo científico, dando como respostas

    epistemológicas e por fim empíricas, mudanças dramáticas no curso de sua

    atuação e de seu método.

    Com relação à ciência psicológica, o movimento humanista põe em cheque

    alguns princípios que até então vigoravam em sua organização científica,

    confirmando uma independência de pressupostos e técnicas associadas aos

    elementos que definiam a ciência do comportamento no início do séc. XX.

    Tal definição de ciência assegurava seu status de experimental tanto na

    observação quanto na técnica, assim, os protestos relativos ao pensamento

    positivista ganham configurações teóricas e conceituais inusitadas.

    Resgatando os princípios filosóficos, eclodindo epistemologicamente a

    questão do homem quanto consciência e subjetividade.

    Portanto, da questão inerente do ser assumindo um corpo teórico na

    abordagem gestáltica, os precursores da Psicologia da Gestalt Wertheimer, Kofka

    e Köhler, nos anos vinte do século passado, restabeleceram as ligações dos

    preceitos filosóficos relativos à consciência e a totalidade do ser, articulando-os ao

    processo de subjetivação da aprendizagem, a respeito disso Shultz (1981, pg.

    295) explicita:

  • Os psicólogos da Gestalt aceitavam o valor da consciência, mas criticavam a tentativa de analisá-las em elementos; os comportamentalistas se recusavam até a reconhecer a existência da consciência para a psicologia (...). Além disso acusavam os Wundtianos de afirmar que a nossa percepção dos objetos consiste apenas na acumulação ou soma de elementos em grupos ou coleções.

    A visão de um Homem capaz de se auto-gerir, consciente de si, são

    conceitos que refletem e englobam os pensadores desde a gênesis filosófica

    grega.

    Chegando até a contemporaneidade a partir de pressupostos existenciais,

    refletindo a preocupação do homem consigo mesmo e no mundo onde está

    inserido.

    A partir da década de 50, apresenta-se demarcada essencialmente pela

    filosofia humanista existencial conferindo ao homem um estatuto de centro do

    universo, segundo Ribeiro (1999). Para Yontef (1998) três princípios definem a

    teoria, baseando-se na fenomenologia, tendo tanto como objetivo como

    metodologia a awareness; no existencialismo dialógico, ou seja, no

    contato/afastamento Eu–Tu; na visão de mundo gestaltica baseando-se no

    holismo e na Teoria de Campo. Teoria esta que evidencia os aspectos dinâmicos

    da vida, exigindo a interação entre fatos, acontecimentos, sentimentos,

    envolvendo o organismo e o meio.

    A visão de Homem para a Gestalt, é delineando a partir da compreensão da

    totalidade, integridade e profundidade. De acordo com estes princípios, Burow e

    Scherpp (1985), confirmam que emerge um homem na qual a totalidade é

    reconhecida e deve ser percebida para a manutenção da própria saúde:

  • “Este conceito quer exprimir que o organismo do ser humano forma uma

    unidade. Corpo, alma e mentes estão numa situação de influências recíprocas e

    não são, por conseguinte, separáveis ou hierarquizáveis” (Ibidem, p 59).

    Há uma concordância entre os autores em salientar que a doença seria a

    ausência desta totalidade, segundo Spangenberg (1996) a neurose é um impasse

    vivenciado pelo sujeito no qual não há dissociação do passado e futuro, tão

    quanto no campo das relações, a fronteira de contato não apresenta

    diferenciações entre o outro e a si mesmo.

    Assim a consciência seria o agente perceptivo de reconhecimento que,

    regula, organiza, delimita, integra e se expande, promovendo a saúde.

    Outro conceito determinante para a compreensão de saúde dentro da

    abordagem é de Hycner e Jacobs (1997 p.150) afirmando que “a auto-realização é

    uma decorrência da relação”. A relação da pessoa com o mundo fornece

    subsídios para a auto-regulação crescimento e desenvolvimento, a percepção

    configura um modo pela qual a pessoa se reconhece realidade interna e externa.

    Através do campo da consciência a pessoa pode evocar sentimentos, afetos,

    sensações, ou seja, o modo particular de perceber e estar no mundo há uma

    relação intercambiável entre o eu e o meio. A saúde implicaria nessa relação de

    homeostase com o ambiente.

    A consciência como agente regulador e perceptivo desempenham papel vital

    no processo de integração sentimentos, mente, corpo e ações no holismo que

    representa a esfera humana.

    Ginger (1995) aponta que esta relação da pessoa para com o meio

    caracteriza-se como fronteira de contato onde a pessoa reconhece-se na

  • alternância, alteridade e semelhança nas relações, situando a pessoa no presente

    permitindo o ajustamento.

    Portanto, só há percepção de si na relação com os demais, é que possibilita

    a construção do campo subjetivo, corporal e social que se dá no limite dessa

    fronteira de contato, do eu para o tu.

    Mais uma vez, de acordo com os preceitos anteriormente destacados sobre

    o homem no mundo, responsabilidade, valorização do humano quanto sujeito

    auto-consciente, é que podemos salientar e compreender com mais precisão as

    fusões decorrentes do humanismo ao existencialismo.

    A partir destes preceitos filosóficos temos como resultado seu herdeiro mais

    legítimo: a gestalt-terapia onde RODRIGUES (2002, p. 55) esboça em linhas

    gerais a visão gestáltica acerca do homem:

    O homem é um ser no mundo, agindo ativamente sobre o mundo e o transformando e recebendo dele também suas influências, em uma relação recíproca.(...) Na medida em que se detém ao que se descreve, percebe-se que a realidade é mutável, processual, fluindo continuamente em novas situações que nunca se repetem. Não há controle e, sim, acompanhamento, “estar junto”, reagindo adequadamente ao que se apresenta, na medida em que se apresenta. Atua-se sobre o que está consciente, óbvio e passível de compreensão.

    Assim expomos questões centrais da teoria que derivam dessa visão de

    homem, na qual as emoções, os pensamentos e os comportamentos assim como

    a percepção de si e também da importância que o meio exerce sobre ser, formam

    uma unidade na qual compreende-se a esfera humana.

    Podemos então destacar que para a GT sujeito é compreendido como uma

    unidade consciente, conceito primordial que ao longo da história prolonga-se e

    desenvolvendo-se.

  • Assim, a Gestalt-Terapia apresenta a consciência, entendida em seu

    constructo como awareness, como um processo central no re-posicionamento do

    Homem no mundo, como meio no qual este Homem pode se redescobrir e se

    reconhecer.

    Redescoberta e reconhecimento implicam na percepção do ser enquanto

    estar consciente, ou de acordo com a técnica de presentificação, segundo Perls

    (apud Burow e Scherpp, 1999, p. 66): “Para mim não existe nada a não ser o

    agora. Agora = experiência = consciência = realidade. O passado não existe mais

    e o futuro ainda não existe. Só o agora existe”.

    Há certa equivalência conceitual entre presente, consciência e realidade,

    porém o saber consciente não se apresenta como um saber dotado de qualidades

    essencialmente racionais, mas de um saber consciente da totalidade de seu ser e

    de sua essência.

    De acordo com Loffredo (1994) o processo de awareness perpassa essa

    relação do eu com o meio, focalizando a tomada de consciência na totalidade do

    indivíduo, a integração e o envolvimento emocional, afetivo corporal e sensorial

    vivenciado no aqui e agora.

    E ainda complementa, “O que caracteriza a awareness é contato, sensação,

    excitação e formação de Gestalt. A normalidade e a patologia são definidas a

    partir da presença ou ausência do funcionamento adequado destes fatores (...)

    Contato é condição de awareness” (Ibidem, p. 130).

    Descrevendo a importância do contato para a Gestalt-Terapia, Yontef (1998)

    aponta que contatar é o processo de reconhecer tanto o Self como o Outro,

    buscando tanto o fundir como o se diferenciar, sendo este a base de todos os

  • relacionamentos. Contato é condição de awareness, nem todo contato promove a

    awareness, mas não existe awareness sem contato (LOFFREDO, 1994)

    Para a teoria é definitiva a determinação da pessoa frente a si mesma e para

    além dela, ou seja, é através da percepção de si na relação, a via direta para a

    organização da experiência.

    Princípios estes, como vimos foram herdados das correntes existenciais-

    humanistas, da fenomenologia, como também recebeu contribuições das filosófias

    orientais na construção de suas bases teóricas.

    Deixar emergir a experiência presente, esvaziando a mente, o paradoxo (mudar é tornar-se o que já é; o árido é fértil; não tentar dominar uma dor pela supressão, mas acompanhá-la atentamente, é um meio para não ser dominado por ela; permanecendo no vazio; encontra-se o pleno; o momento do caos pronuncia uma nova ordenação desde que não se tente impor a ordem), são conceitos do pensamento oriental que permeiam toda a linguagem de Perls (DIAS VIEIRA, apud TELLEGEN, 1984, p. 05).

    Tais pressupostos ganham formas conceituais inusitadas expressadas pela

    Gestalt-Terapia como o processo de awareness denunciando preceitos relativos a

    presentificação, tornar-se consciente e conscientização, com respeito a este

    processo. A awareness é:

    (...) mais do que percepção, diferente de tomar consciência: tem a ver com um estado de presença quase meditativo. Assim sendo um contato com a característica inerente do homem, tomando em sua abrangência holística como (...) o processo de estar em contato vigilante com os eventos mais importantes do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensorimotor, emocional, cognitivo e energético. (...) A pessoa que esta consciente, aware, sabe o que faz, como faz, que tem alternativas e escolhe ser como é. (YONTEF, 1998, p.31).

  • Estes elementos que, associados entre si, dão como resultado este

    processo, que está para além de um saber cognitivo, e passam a restabelecer

    uma nova configuração existencial.

    A partir destas apresentações ficam claros os conteúdos filosóficos que dão

    origem à teoria e que consagram a consciência compreendida como awareness,

    como estatuto fundante e fundamental na visão de Homem para a Gestal-terapia,

    denunciando seu objetivo mais preciso no arcabouço de sua técnica: o Homem

    em toda sua integridade a caminho da conscientização.

  • 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O presente trabalho objetivou o resgate epistêmico acerca do modo

    particular pelo qual o Homem foi compreendido nos diferentes contextos

    históricos, conferindo ao longo do discurso cultural que este foi submetido uma

    equivalência conceitual entre subjetividade e consciência.

    O conceito de consciência se desenvolveu de acordo com os anseios

    necessidades e respostas dentro do seu cunho social legitimado pela ciência na

    atualidade.

    Promovendo semelhanças e divergências teóricas no que diz respeito a

    subjetividade, colaborando para as especificidades que permeiam a ciência

    psicológica nas últimas décadas.

    Dentre a sofisticação das teorias que norteiam a psicologia, a Gestalt-

    terapia se evidencia por um marco que a priori revela um arcabouço filosófico que

    condensa sobre maneira os construtos relativos à consciência como ponto

    axiomático no processo psicoterapêutico.

    As bases teóricas nesta abordagem requerem a exploração de um resgate,

    mesmo de abrangência sutil nas bases que originaram a psicologia quanto sua

    origem.

    Evidenciando e articulando conceitos ao longo da construção como ciência

    psicológica, acessando o ponto de maior relevância em nossa pesquisa onde

    procuramos delinear ao longo da história a preservação por parte dos pensadores

    a equivalência conceitual entre o Homem e a consciência.

  • De modo que os conceitos que referenciavam essa equivalência teórico-

    metodológica foram de acordo com as necessidades da época ganhando novas

    dimensões em preposições empíricas e reconhecidas no campo das ciências.

    Sendo a GT uma psicoterapia que abarca os postulados teóricos que põem

    a consciência em posição de refinamento e destaque perante o cliente.

    O processo de Awareness como objetivo central da Gestalt-terapia propicia

    de forma metodologicamente orientada à filosofia que se implica na relação

    terapêutica no setting clínico, tendo em vista a saúde e a manifestação da

    expressão legítima do campo filosófico na prática científica.

  • 6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 7. ANEXOS