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Eduardo Prado Coelho

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in memoriam…

Eduardo Prado Coelho

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Se eu tivesse uma ilha, os meus amigos chegavam em barcaças, cantavam baladas de marinheiros, bebiam cidra, deitavam-se com a boca salgada, faziam amor e adormeciam. Na falta de uma ilha, um livro.

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O Eduardo era um daqueles seres transparentes cujas quali-dades são uniformemente reconhecidas por todos os que com ele privaram, muitos dos quais se pronunciaram já publicamente

após a sua morte. Era afável, curioso da vida e dos outros, de um saber en-ciclopédico, generoso, apaixonado, admirador da beleza em todos os seus estados, divertido, bom gourmet, no geral risonho e bem disposto.

Conhecemo-nos, nos gloriosos anos 60, na Faculdade de Letras de Lis-boa, onde fomos colegas. Mais tarde, voltámos a ser cúmplices numa equipa que deu vida a um dos projectos mais ambiciosos da divulgação da cultura portuguesa no estrangeiro: a Europália 91 – Portugal.

Durante os meses que permanecemos em Bruxelas (o Eduardo fazen-do uma contínua ida e volta Bruxelas-Paris onde era, simultaneamente, Conselheiro Cultural) aprendemos a conhecer-nos melhor e a apreciarmo-nos mutuamente, sendo inúmeras as recordações dos momentos empolgan-tes, hilariantes, stressantes ou até de grande aflição que partilhámos durante essa grande aventura. Algumas dessas situações estão, aliás, descritas no seu Tudo o que não escrevi : Diário.

Na sua enorme curiosidade, o Eduardo ajudou-nos a conhecer a nossa geração, a melhor compreender uma época em que ocorreram tão relevantes e profundas transformações e fenómenos sociais e tecnológicos quanto o ad-vento da televisão, a viagem do homem à lua, a queda do muro de Berlim, as independências africanas, o telefone móvel, a generalização dos computado-res, a internet, Maio de 68, a guerra do Golfo, as insurreições nos Balcãs, os atentados às Torres Gémeas…

Tudo o interessou e sobre tudo escreveu. E apesar de uma vida curta, relativamente aos padrões de esperança de vida actuais, teve tempo para dizer quanto nos amava : a nós – os amigos, às mulheres (muito em especial !) e à vida.

Fátima Ramos

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H á amigos que desaparecem, mas que continuam a acompan-har-nos. É o caso de Eduardo Prado Coelho. Desde os tempos em que o conheci, na Faculdade de Letras, no fim dos anos de

1960, o Eduardo tornou-se uma referência não só pela sua imensa cultura como pela inteligência com que nos transmitia o seu conhecimento e as suas ideias. Num convívio pontuado por várias interrupções, de períodos em que viveu fora de Portugal, e em que também eu estive longe do país, sabia que, ao reencontrá-lo, iria sempre continuar essa conversa que fazia parte da sua forma de compreender o mundo, a literatura, as pessoas, e as relações hu-manas. Era esta humanidade que sempre impediu que o lado intelectual fi-zesse dele uma pessoa fria, como por vezes sucede. O Eduardo pensava com paixão, e fazia com que essa paixão desse ao pensamento um lado vivido e existencial que perpassava pelos textos que escrevia, sobretudo quando falava de poesia, mas também de política e de filosofia – e era essa capacidade de investir o seu lado afectivo na escrita que nos levava a esperar com ansiedade cada texto seu que, sabia-se, iria sem dúvida esclarecer ou modificar a rea-lidade de que falava. Depois de o ler, víamos Herberto Helder, Eugénio de Andrade, Manoel de Oliveira, e tantos de que ele tratou nas suas crónicas e ensaios, de uma forma sempre diferente, e sempre mais rica.

É por isso que a perda do Eduardo, se é sem dúvida um empobrecimento significativo da nossa cultura e da nossa vida intelectual, tem como compen-sação o facto de ele nos ter deixado o seu olhar, e sobretudo a consciência de que esse olhar que temos de ter sobre o que nos rodeia não pode, e não deve, ser frio e abstracto. Ter aprendido isso com ele é já uma herança que nos enriquece, bem para lá dos outros aspectos em que o Eduardo também se tornou uma figura ímpar: na forma como aliou ao homem de pensamento o homem de acção, e como conseguiu, com o seu fascínio pela França e pela cultura francesa, fazer da literatura e da cultura portuguesa um parceiro significativo na cena parisiense e gaulesa, nos anos em que desempenhou as suas funções de Conselheiro cultural e em que conseguiu instalar o Instituto Camões como uma referência da divulgação da nossa língua e das formas de expressão literária e estética dos nossos criadores, num trabalho que me estimulou e foi decisivo para que, ao suceder-lhe nesse cargo, encontrasse um caminho aberto para prosseguir com êxito esse trabalho.

Nuno Júdice

P ara responder ao pedido cada vez maior de um público fran-cês que pretendia aprender a Língua Portuguesa fora do contexto escolar, a Fundação Calouste Gulbenkian, através do seu Centro

Cultural em Paris, inicia pela mão do Prof. Pina Martins os Cursos de Por-tuguês. É assim que em 1977 convida o Prof. José da Silva Terra, profes-sor Catedrático da Universidade de Paris 8 - Vincennes, a título gracioso, para organizar estes cursos de Língua e Cultura Portuguesa . Inicialmente o ensino é assegurado pela equipa docente desta Universidade, conceden-do inclusivamente equivalências entre este ensino supletivo e aquela Uni-versidade. O material pedagógico utilizado é também o da Universidade de Vincennes. O sucesso destes cursos leva a que haja em 1980 cerca de 400 alunos em lista de espera. Os cursos são inteiramente subsidiados pela Fundação Gulbenkian, dentro das suas funções em França, sendo a ges-tão financeira assegurada a partir de 1980-1981 pela ADEPBA (Associação para o Desenvolvimento dos Estudo Portugueses, Brasileiros e da África Lusofóna). Durante dois anos-lectivos os cursos são leccionados no Collège Saint-Louis de Gonzague, voltando para as instalações do Centro em1985. A partir do mesmo ano e face à elevada procura, a Résidence André de Gou-veia da Cité Internationale Universitaire, com o apoio incondicional do seu director, Dr. Rogado Dias, coloca à disposição mais duas salas para os Cur-sos poderem ter uma maior capacidade de resposta face ao êxito e procura.

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cessário proceder, levaram à situação de em Outubro de 1995 não haver instalações para receber os alunos dos cursos de Português que se encon-travam na expectativa de saber se estes iriam ter ou não continuidade. Eduardo Prado Coelho, incansável e consciente da imagem altamente negativa para o país se não se encontrasse uma saída airosa, multiplica os démarches com os vários serviços da tutela, telefonando diariamente, escrevendo sucessivos relatórios e, com apoio da Comissão Instaladora, desenvolve permanentes contactos para que se resolva a situação, dando continuidade à nobre causa criada pela Fundação Gulbenkian e pelo Prof. José Terra.

É assim que surge, numa situação transitória, a ideia de se adaptar o es-paço da Passage Dombasle, onde se encontravam os serviços da Coordena-ção de Ensino da Embaixada de Portugal, comprando mobiliário e material pedagógico, para que a 15 de Outubro de 1995 se pudessem receber condi-gnamente os alunos dos cursos. Esta ideia recebeu o total apoio do Senhor Embaixador e de Eduardo Prado Coelho. Com a colaboração preciosa e indispensável de Isabel Vila Nova, Ana Gasnier, Margarida Falcão, assim como de Daniela Costa, Fernanda Sá Dias, Patrícia Marreiro e graças ao apoio inexcedível dos professores Leonel Melo Rosa, responsável pela ges-tão dos cursos, Adelaide Cristóvão (ambos Leitores do Instituto Camões) e Tereza Hannezo, os cursos puderam abrir com dignidade e funcionaram nessas instalações durante o ano-lectivo de 1995/1996. A passagem para as instalações da Rua Raffet, onde ainda hoje se encontram - e, esperamos, por muitos e longos anos - fez-se definitivamente no ano-lectivo seguinte.

Os cursos de Português do Instituto Camões estão, assim, directamente ligados à criação do próprio Centro Cultural, já que é sob a pressão e a necessidade de se encontrar uma solução para eles que nascerá, de facto, este Centro Camões que nos acolhe e que Eduardo Prado Coelho dirigiu, em todas as suas vertentes, com o maior rigor, competência, inteligência e espírito de diálogo. Eduardo Prado Coelho compreendeu que qualquer promoção cultural portuguesa no tecido parisiense teria de passar pela ma-nutenção dos cursos de Português, porque neles se encontra um público altamente motivado, com fortes possibilidades de vir a ser divulgador nos seus vários círculos de intervenção, susceptíveis de mudarem a imagem de Portugal em França, contribuindo para colocar a língua de Camões no leito sem fim que corre do Tejo para o Sena.

José Manuel Esteves

O reconhecimento institucional destes cursos, por parte do Governo Por-tuguês, vem em 1982, após uma decisão do Ministério da Educação, através do Instituto de Alta Cultura, criando um posto de Leitor de Português nos cursos.

Estes cursos tiveram sempre como vocação o ensino da Língua e Cultura Portuguesa a estrangeiros de nacionalidades diferentes, apesar da preponde-rância do público francês de horizontes sociais e culturais bastante diversos. Paralelamente criam-se cursos para luso-descendentes, no sentido de terem uma aprendizagem específica, tendo em conta o seu perfil.

Para dar sequência aos cursos, após a frequência de um ensino organizado em seis níveis, a Professora Maria de Lourdes Belchior cria o Clube de Língua e Cultura Portuguesa, espaço de convívio em Português, e ciclos de conferên-cias, sobre os temas mais diversos, mas com enfoque na contemporaneidade.

A iminência da criação do Instituto Camões em Paris levou a que, após negociações entre a Administração da Fundação Calouste Gulben-kian e a Presidência do Instituto Camões, os cursos passassem em Ou-tubro de 1994 para a tutela e direcção deste Instituto. No entanto, os atrasos sucessivos para se encontrarem instalações em Paris, levaram a que com o apoio incondicional do Conselheiro Cultural em Paris, Prof. Eduardo Prado Coelho, se encontrasse uma solução de transição : assim, já sob a direcção do Instituto, através da coordenação pedagógica de José Manuel Esteves, coordenador dos leitores de Português em França, os cursos continuam a ser leccionados nas instalações do Centro e nas salas disponibilizadas pela Résidence André de Gouveia.

Eduardo Prado Coelho, indigitado como Director do Instituto Camões em Paris, promove a criação de um Comissão Instaladora do futuro Instituto em Paris, presidida pelo Senhor Embaixador Paulouro das Neves, onde têm também assento o responsável pelos cursos, assim como um representante do Consulado de Portugal e um do Clube dos Empresários.

O emaranhado legal para a criação do Instituto Camões (passando da tutela do Ministério da Educação para a do Ministério dos Negócios Estran-geiros), leva a que a sua criação se faça em Março de 1995 e só aí se prevê, no seu artigo 16°, a criação de Centros Culturais Portugueses no estrangeiro que, entre muitas outras funções, devem realizar Cursos de Língua Portu-guesa para nacionais e luso-descendentes residentes fora do país, bem como cursos orientados para públicos especializados.

A dificuldade de se encontrar um espaço de prestígio, até à resolução da instalação da delegação de Paris nas actuais instalações da Rua Raffet, propriedade do Estado Português, as obras de recuperação a que foi ne-

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Lembro enquanto Conselheiro Cultural em Paris o seu empenho em lançar pontes entre Portugal e França, entre os jovens criadores portugueses, franceses e europeus, antecipando aquilo que é hoje comum fazer-se e que foi incentivado mais tarde pela União Europeia, projectos partilhados entre países europeus. Muitas vezes me ligou de Paris, enquanto dirigi o Instituto dos Museus, dando-me dicas de « quem é quem » e de « o que é o quê » para projectos portugueses, negociando espaços expositivos qualificados, apresentações em museus ou ga-lerias de colecções portuguesas ou de jovens e consagrados artistas ou escritores e abrindo portas quer no meio académico quer junto do grande público.

Simonetta Luz Afonso JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 26 de Setembro de 2007

Embora não fosse filósofo de formação, tinha a paixão das ideias, as mais subtis e paradoxais, as mais up-to-date também, que de Foucault a Derrida enquadraram a sua rêverie pessoal e deram à sua escritura luminosa um eco de rara qualidade. Não creio que o mais lido dos nossos intelectuais « inor-gânicos », o mais influente, sobretudo depois que se tornou o comentador do nosso quotidiano, como se merecêssemos que ele fosse o nosso tácito de serviço, tenha merecido até hoje aquela leitura de extrema finura que ele dedicou aos textos dos outros, mesmos aos que talvez o não merecessem.

Eduardo Lourenço Público, 28 de Agosto de 2007

A actividade de divulgação cultural é das mais importantes e formati-vas que lhe devemos. Porque o Eduardo conseguia divulgar sem simplificar, tornando atractivo o pensamento complexo ; e porque o fazia com rigor e qualidade ; e porque escrevia maravilhosamente. Depois, tinha aquele humor irresistível, dizia « pois » a propósito de tudo, mesmo nas mais fortes discor-dâncias, e soltava aquela gargalhada que não era só riso, mas uma escansão da fala, criando ritmo no seu saboreado prazer de viver.

Maria Alzira Seixo JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007

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E, generoso como era, passava sem paternalismo o seu gosto aos mais novos, às várias gerações de mais novos de que foi professor, mentor, mestre ; ao grupo da Faculdade de Letras em que me formei e o conheci, ele passava livros e revistas, recomendava filmes e festivais de cinema, alertava para ses-sões de poesia ou outra coisa qualquer que nos abrisse para mundos outros, de encantos sem fim.

Paula MorãoJL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007

O Eduardo tinha qualidades raras que sempre admirei : um modo muito próprio de não levar a vida (nem a si mesmo) demasiado a sério, uma enorme capacidade de dar a volta por cima das adversidades, de esquecer o que não lhe agradava, de ver o lado lúdico das coisas. Ao contrário dos traços habituais dos portugueses, gostava de descomplicar e tinha uma espantosa alegria de viver.

Teolinda GersãoJL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007

A primeira lembrança que me ocorre de Eduardo é a de um miúdo sim-pático, vestido de fato cinzento, larga gravata às riscas, o cabelo muito liso, com uma espessa poupa, olhos negros brilhantes e vivos, uma face muito corada e um riso bonito e franco.

Mário de CarvalhoJL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007

Falar daqueles que conhecemos acaba sempre por ser uma forma de fa-larmos de nós próprios. Falar do que quer que seja é sempre uma forma de falarmos de nós próprios. É assim agora, quando tento escrever sobre ele, e foi assim sempre que ele falou ou escreveu sobre tantos assuntos.

José Luís PeixotoJL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007

Essa alegria da partilha de uma descoberta – que a sua actividade nos jor-nais lhe permitiu viver de forma tão plena – traduzia-se numa alegria e numa excitação constante, quase adolescente. Não me recordo de o ver sério (senão nos últimos tempos da sua doença, que não foi a que o venceu) e lembro-me de o ver inúmeras vezes falar de um novo filme ou de um novo autor com um entusiasmo que lhe fazia a voz gorgolejar de prazer e de alegria.

José Vítor MalheirosPúblico, 28 de Agosto de 2007

Outro aspecto ainda é a importância da sua crítica de poesia, porque em textos luminosos, não se limitou a abordar os consagrados, mas revelou muitos novos poetas, ajudando a impô-los. E o modo como a eles se referia, o modo até como os citava permitiam que o leitor fizesse, desde logo, uma ideia das obras em análise.

Fernando J.B. Martinho JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007

Porque foi contigo que aprendi (que aprendemos) que a postura de intelec-tual na cidade tem de ser um compromisso com tudo aquilo que nela manifesta a múltipla e complexa actividade dos homens : dos livros ao cinema, da arte em geral ao futebol, da moda aos centros comerciais, da gastronomia à política.

Manuel Alberto ValenteJL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007

Mais do que um polemista, EPC foi perscrutador de tendências, um cultor de ideias, um apaixonado que tomava partido, mesmo contra a corrente.

Guilherme d’Oliveira MartinsJL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007

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É domingo, chego a Paris, e sinto a enorme diferença em relação a Lisboa. Onde aqui existe uma cidade adormecida, existe ali uma cidade em festa. Cafés, restaurantes, bares, ruas, tudo está repleto de gente. Em certos bairros, é como se fossem centros comerciais: as lojas estão abertas, as pessoas passeiam, as crianças brincam, e os namo-rados beijam-se na rua. Há jardins com fontes, lugares de passagem, espaços míti-cos. Veja-se, por exemplo, a praça des Vosges : a calma, a relva, as plantas, as árvores, o sentimento de que a roda da vida é aqui mais lenta.

Passo pelo Salão do Livro. Um exce-lente « stand » por-tuguês, um acolhi-mento simpático das funcionárias do Ins-tituto Português do Livro e da Leitura, a presença da Livraria Lusophone com o Heitor e a Anabela. Passam professores e interessados na cultu-ra portuguesa. Alguns procuram sobretudo

instrumentos pe-dagógicos. Outros

precisam de elemen-tos turísticos. Os nossos

livros, e alguns daqueles que em França os têm de-

fendido, estão mais uma vez presentes. Incansável, aqui está

de novo Solange Parvaux. A nova conselheira cultural, Fátima Ramos,

assiste às sessões. Com leituras de poemas (numa tradução de Sophia de

Mello Breyner) em que Joaquim Vital gastou cerca de 5 anos, temos o próprio

Joaquim Vital, Michel Chandeigne (que no colóquio da Gulbenkian provocará al-

guma polémica com as suas opiniões sobre a poesia portuguesa) e, com um entusiamo

de quem gosta de ler poesia em público, e conheceu Sophia desde o período em que era criança (e conta como vestiu fatos que ela ia

deixando para outras pessoas), Inês de Medeiros.Público interessado, perguntas oportunas.

Mas deixa-se o Salão do Livro com a sensação de que atravessámos um pesadelo, tão grande é o número de gente, tantos os « stands », tantos os livros a descobrir (e a esquecer) nesta tarde de domingo.

À noite temos o Marais, os seus restauran-tes de muitas nacionalidades, o seu folclore judaico e « gay » (cada vez mais, sublinhe-se). Os bares parecem sem conta, os americanos turistas multiplicam-se

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Em Paris, muitas vezes dizia ao ver a abundância iluminada das montras : aqui há tudo o que podemos imaginar, mas faltam, acessíveis no quotidiano, os pastéis de nata. E as imagens dos pastéis sobrepunham-se, abusadoras e invasoras, a tudo o mais. Sobre o empedrado dos Champs Elysées, nas salas da Opéra, nas nuvens invernosas, nas curvas do Sena com a lenta passa-gem das « péniches », nas noites de Pigalle, nas florestas dos arredores ou no « confit de canard » que comia em silêncio. De vez em quando, ocorria-me murmurar em voz baixa : « Comia-se agora um pastel de nata ». E ficava a observar o ardil desta forma verbal com que me enganava a mim próprio. Eu queria dizer : « Comia agora um pastel de nata », mas atenuava o ímpeto, tornan-do o verbo mais partilhável: « Comia-se, comia-se a todas as horas ». Estranhos fios de memória entre os lugares, as bocas famintas e as imagens desgarradas.

Nacional e Transmissível, Lisboa, Guerra e Paz, 2006

Num texto do JL, sobre a nova mitologia cultural europeia, Eduardo Lourenço retoma o velho tópico de que apenas fomos felizes no lugar sus-penso de uma infância irrecuperável. Quantas vezes não o ouvi dizer, e talvez, sonâmbulo, o tenha repetido? De quando em quando, na fórmula mágica da teoria: a infância é o espaço do Outro.

Sou sensível, como o não seria?, à ressonância intelectual destas formula-ções, com uma ressalva, que talvez explique tudo, isto é, nada: nenhuma perda, nenhuma relação de nostalgia, nenhum dilaceramento visceral, me liga à infância. Que foi feliz, sim, acho que sim. Mas a única infância verdadeiramente feliz foi a que me acompanhou pela vida fora - até hoje, até amanhã de manhã. Se tenho algum trabalho, é o de merecê-la - dia a dia. Pouco a pouco, fui-me sentindo capaz disso: um desprendimento, uma desenvoltura, uma isenção (sentar-me na relva, rodeado de vida por todos os lados, e olhar a vida a ver-se a si mesma). A minha infância é afinal o pressentimento quotidiano do que tem efectivamente importância. (Tal-vez uma excepção, mas insistente: o dia em que festejavam o dia dos meus anos.)

Por vezes, ao fim da tarde, andando por aqui, nestas ruas do Marais, per-gunto: não será esta a minha mais bela recordação de infância?

Tudo o que não escrevi, Diário, Lisboa, Ed. Asa, 1992

em cada esquina, há latas de cerveja rolando pelo chão, pavilhões de zonas regionais. É bom reencontrar os empregados do meu restaurante preferido, « Le gamin de Paris ». Lá está a dona, sempre vestida de branco, evocando os tempos certamente felizes em que conheceu José Bergamin. Lá estão os seus « rapazes » árabes que nos saudam com simpatia.

Mais tarde temos St. Michel, bares a abarrotar, grupos de música em cada recanto, uma alegria encantada. É bom que Paris esteja onde está e continue a ser como era. Sentimos que passaram muitos anos, e que no fundo nenhum tempo passou. Intelectuais, estudantes, pensadores, músicos, todos atraves-sam estas ruas como se fossem eternos.

Público, 28 de Março de 2005

Por muito que as modas mudem e os destinos de viagem se alterem, Paris continua a ser uma festa. Não tem a animação boémia dos anos vinte ou trinta; os americanos como Scott Fitzgerald ou Hemingway, o celebrante da festividade parisiense, há muito que deixaram de frequentar os cafés e espla-nadas da cidade que, ela própria, mudou muito de fisionomia; mas esquecen-do as hordas de turistas bem comportados, que guardam os « souvenirs » em intermináveis rolos fotográficos e vídeos variados, o espírito da cidade existe, o Quartier Latin ainda apetece, é bom passar pela Brasserie Lipp ou pelo Deux Magots, para não falar do Sena, das pontes e dos « bouquinistes », dos museus e das exposições, das pequenas esplanadas recatadas num qualquer recanto de rua, da animação de lugares como por exemplo a Rue Cler, com o seu mercado de levante onde se acumulam frutas, queijos, flores, charcu-tarias e muitas outras coisas que a imaginação não evocaria facilmente. Esta época é boa para se visitar Paris: ainda não há a invasão maciça de turistas em redor dos chamados sítios turísticos, sejam eles a torre Eiffel ou o Sacré Coeur, deixando uma pacata margem de manobra a quem fuja de tais locais. Quanto ao roteiro de actividades, o « Libération » tem uma suficiente página de eventos, que se recomenda. E já agora, e até ao fim do mês, não perca no Centro Cultural Gulbenkian, na Avenue d’Iéna, 51, uma interessante expo-sição de Dacosta, « Peintures Intimes ».

Público, 24 de Junho de 2000

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famoso autor de um livro muito citado, “ A Mensagem ” (bíblia do na-cionalismo serôdio), até Álvaro de Campos, Alberto Caeiro ou Ricardo Reis. Mais tarde irrompeu em cena Bernardo Soares, semi-heterónimo, porque era o próprio Pessoa quando estava mais sonolento, e outros como o filósofo do paganismo António Mora. E a lista vai-se prolongando num gosto desmedido pela proliferação de personalidades. É este o enigma da heteronímia. Mas tratava-se de gente certamente muito bem educada, com esmerada e severa educação inglesa. Porque nunca uma voz mais estridente saiu do escritório do meu pai.

[…]Pessoa morreu cedo (« dêem-me os óculos »), mas morrer é só não ser visto,

e Pessoa é cada vez mais visto (e lido) por esse mundo fora. Lembro-me do meu pai sair de casa, fechar a porta do escritório e ir brincar comigo para junto do Tejo. Ele dizia-me : « Ó mar salgado », e eu respondia : « Aqui ao leme sou mais que eu ». O meu pai dava-me a mão e corríamos felizes como se estivésse-mos na relva de Alberto Caeiro. Até que passávamos pela barbearia da esquina e dizíamos boa tarde ao Esteves sem metafísica. Contentes como gatos ao sol.

Nacional e Transmissível, Lisboa, Guerra e Paz, 2006

Quem folhear o Livro do Desassossego, atribuído por Fernando Pessoa a Bernardo Soares, verifica facilmente que a cultura francesa é nele dominante.

[…]Mas o autor que desempenha uma inequívoca função estratégica no texto

de Pessoa/Soares é, sem dúvida Amiel.[…]Jacinto do Prado Coelho, no prefácio à recente edição do Livro do De-

sassossego, afirma que as relações entre Pessoa e Amiel são mais profundas do que as simples afinidades existentes entre quantos cultivam um género. E designa um lugar de coincidência : o que resulta num processo comum de despersonalização movido por um mecanismo de consciência da consciência em que o sujeito se vai anulando.

In : Les rapports culturels et littéraires entre le Portugal et la France , Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, 1983

Avec ce sens généreux de la vérité critique, qui sait prolonger dans sa propre parole celle des autres, Eduardo Lourenço a développé dans ses essais le plus lu-cide des discours de modernité, la caractérisant de « conscience explosée » et de « chaoticité intrinsèque d’un certain moment de l’histoire de l’Être ». Et ce n’est pas qu’un discours, mais une sensibilité, une volupté de miroirs imaginaires et de labyrinthes mythiques. Par ailleurs, personne mieux que lui n’a su nous montrer ce moment magique où une chose n’est plus ce pur instant pendant lequel elle a, tout juste, été, et commence a devenir aussi la vibration des images que les autres en font, et qu’elle, enveloppée par les autres, se fait d’elle-même. Les jeux imaginaires qu’Eduardo Lourenço nous décrit, admirablement, sont aussi de cet ordre-là, qu’il s’agisse du Portugal ou de Pessoa.

Laudatio - Eduardo Lourenço Lauréat du Prix Européen de l’essai, Charles Veillon, 1988

Difícil falar de Óscar Lopes sem referir essa existência de um corpo e de uma escrita. Difícil deixar de evocar conversas com ele em que tudo vem à baila, num atropelo mágico, como se o dia e a voz fossem sempre dema-siado estreitos para conter a afluência entusiástica dos múltiplos saberes e realidades convocadas. Difícil deixar de recordar cartas (estou a pensar numa que Óscar Lopes, perdulário exemplar na epistolografia, me enviou recen-temente) em que a cada passo se salta da guerra do Golfo para o problema dos curdos, da Llansol para Saramago, de António Franco Alexandre para Aquilino, e da história dos instrumentos da escrita para a exaltação tecnoló-gica dos virtuais futuros. Em Óscar Lopes, o discurso é feito de excursos e por vezes espantamo-nos com o aprofundamento minucioso de uma questão que a economia normal da comunicação aconselharia que se reduzisse a um mero afloramento. Como se Óscar Lopes se distraísse – mas é apenas a com-plexidade do mundo que se distrai por ele.

Uma Homenagem a Óscar Lopes, Lisboa, Ed. Afrontamento, 1996

Um dia descobri um segredo que o meu pai tinha muito bem guar-dado : que o Fernando Pessoa eram várias personagens, desde o próprio,

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rada. Aliás, os seus contos não têm um vocabulário muito extenso, há até um certo uso da repetição. Acha que isso é um dos traços que podem caracterizar esta espécie de concentração num certo vocabulário essencial, e não o que se chama a escrita de acumulação de pormenores, com muito vocabulário, como por exemplo o caso do Nemésio?

(Entrevista de Eduardo Prado Coelho a Sophia de Mello Breyner)Revista ICALP nº 6, Agosto/Dezembro 1986

Como sucede com muitos dos nossos melhores escritores contemporâ-neos, a poesia de Sophia parece paralisar a crítica – deixá-la muda de admira-ção. No caso de Sophia de Mello Breyner Andresen tal atitude tem algumas atenuantes. Porque a limpidez desta linguagem dificilmente autoriza a sua duplicação sob a forma de comentário. Porque a relação imediata com o essencial que nesta poesia se produz não se compadece com as laboriosas máquinas analíticas da crítica contemporânea.

Colóquio Letras nº 57, Lisboa, Setembro 1980

Compreender o discurso poético de Herberto Helder tem a dificuldade primeira de nos impor o salto para o interior desta rede de espancamentos e batidas que é a circulação activa de módulos de linguagem. Não é possível compreender de fora - analiticamente. Mas, quando se vai por dentro, a única compreensão é a dança da própria inteligibilidade que se faz palavra a palavra – corpo a corpo.

Contudo, é possível apreender alguns fragmentos mais densos desta sin-taxe alucinada. Estudar, por exemplo, os processos de precipitação, quando o medo faz subir o coração à boca, “ e o chifre pelo coração dentro ”, a “ mão, e a veia até à garganta ”. “ Depois a corrente aumenta depois o coração aumenta / depois cada objecto aumenta abrasado: é um coração / apenas que / quando se tocam os perigos de morte. ”

O Cálculo das Sombras, Lisboa, Ed. Asa, 1997

Qual o verdadeiro objecto de uma história da literatura? Não os autores e as obras, que esses não mudam, porque são únicos. O que muda são as formas de existência da literariedade e os processos de produção da literariedade nos quadros definidos por essas formas. O que muda, e é susceptível de estudo histórico, são os tipos de ritmo, os usos da metonímia, a repartição dos géne-ros literários, os públicos a que as obras se destinam ou o modo de inclusão da literatura como forma ideológica específica no campo cultural de uma época e na sua correspondente formação sócio-económica.

A Letra Litoral, Lisboa, Moraes Ed., 1979

1. Il est fréquent, et assez consensuel, d’affirmer que la littérature portu-gaise traverse une période favorable, et qu’elle a commencé depuis quelques temps à acquérir une image juste et positive au niveau international. Cela se doit surtout au travail d’une douzaine de romanciers brillants, et, surtout, à la reconnaissance croissante de l’importance de Fernando Pessoa.

[…]

2. Pour beaucoup d’étrangers, la littérature portugaise c’est Fernando Pessoa : cela provoque une compréhensive réaction d’orgueil de la part des portugais, mais, parfois, une certaine impatience, car il s’agit là de la ré-duction brutale d’une littérature à un seul nom (même si ce nom, grâce au mécanisme des hétéronymes, se fragmente en plusieurs noms…)

Littérature Portugaise Contemporaine, Ed. Instituto Português do Livro e da Leitura, s/d.

E.P.C.- Ainda há pouco, quando falava da sensação de Brasília, recordei a sensação que tenho, ao ler os textos da Sophia: é que é um dos escritores portugueses mais sensíveis ao visual, à visualidade das coisas. Mas uma vi-sualidade que não é uma acumulação de pormenores, uma visualidade depu-

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Celui qui commence à lire ces admirables Errances du Mal est entraîné vers un récit d’une absolue limpidité, dont le dessein et les mouvements sont nets, comme est claire son immense visualité, sereine, dans sa marche quel-que peu ritualisée. Elle crée ainsi un incessant sentiment de lévitation comme lorsque nous avançons dans les films de Tarkovsky : une gravité verticale, sublime, en suspens : le son cristallin d’une voix blanche, ou alors cette forme d’écriture précaire qui implique une attention férocement physique.

Posfácio de : Maria Gabriela Llansol, Les errances du mal, Paris, Métailié, 1991 (tradução de P. Léglise Costa)

Pouvons-nous, ayant achevé la lecture de ces contes, trouver un nom, un qualificatif pour ce que nous venons de lire ? Je ne le crois pas : ces contes sont délibérément écrits sur le vide de ce nom qui se dérobe ; et voici le non-dit sur lequel, en filigrane, s’inscrit l’invisible : lire se conjugue sur un mode person-nel, tout comme mourir ou aimer, c’est pénétrer dans un espace où seul est lecture la relecture : proche d’un temps différent où les axes de la chronologie se trouvent brisés, semblable à quelque bouche nocturne qui nous aspire.

Posfácio de: David Mourão Ferreira, Soleils Masqués, Paris, Viviane Hamy, Editora, 1991

Conhecer Marguerite Duras foi assim: tê-la lido uma vez e ter sentido que a literatura era agora outra coisa. Tê-la lido durante meses e perceber que não se poderia amar doutra maneira sem nos sentirmos a trair o que com ela havíamos aprendido: uma desmesura, uma precipitação, uma inevitabili-dade, um precipício. E depois, numa tarde de um Festival na Figueira da Foz (Duras começara a escrever em cinema), saber que ela estava no mesmo hotel, no corredor do nosso quarto, alguns quartos distante de nós, ela, Marguerite – saber e ter medo de a encontrar por falta de palavras que não fossem escrita.

A Escala do Olhar, Texto Editores, 2003

Em Eugénio de Andrade, cada verso é acontecimento, porque em cada verso se produz, se reproduz, a afirmação de tudo o que cada verso é, e trans-mite. Canto onde a poesia se canta, nele tudo é canto-e-poesia, poesia-e-can-to, ser que levemente se solta das entranhas da terra para rondar a solidão das árvores, deus que em pegadas ligeiras se reconhece nos imensos caminhos dos homens, anjo, anjos, sim, e que flutuam, que ondeiam num espaço encur-vado pela contradição que o verga : a ausência do homem no homem. Anjo, isto é, fluidez do desejo ou circulação aérea da palavra, isto é, revolução.

A Palavra sobre a Palavra, Porto, Portucalence Ed., 1972

Em O Movimento do Mundo (publicado como habitualmente pela Quet-zal), Nuno Júdice desenvolve algumas das linhas essenciais da sua poesia : uma encenação permanente do poeta em situações de carregada memória literária, numa oscilação extremamente doseada e subtil entre o prazer iró-nico da reactivação dos códigos líricos ou ficcionais, num exacerbamento deliberado, e a experiência que neles emerge de uma emoção pura e directa; o sentido de humor e até o gosto em utilizar expressões vulgares (“ como gato a bofe ”); a capacidade de traçar, em meia-dúzia de versos, quadros terríveis da solidão urbana, com a nitidez de um Hopper (a mulher de branco na Pi-nacoteca de Munique, a mulher da caixa que faz contas de cabeça no poema da página 77) ou o constante reenvio para uma arte poética em infindável elaboração (até porque feita e desfeita à maneira de Penélope), e, por fim, o prazer desconcertante em trocar a elaboração sofisticada e culta por notas desgarradas de uma súbita e adolescente ingenuidade.

O Cálculo das Sombras, Lisboa, Ed. ASA, 1997

Maria Gabriela Llansol est certainement une des personnalités les plus significatives de la prose portugaise contemporaine. Elle en est, aussi, sans doute, une des plus étranges.

[…]

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e triste. Também dancei sem que os outros soubessem que eu dançava, mas dancei fora da dança, porque dançava para mostrar que também dançava, e lembrava -me disso em cada passo, e nunca esquecia que era o meu corpo que dançava, e nunca soube dançar sobre o esquecimento do corpo, nunca ninguém dançou sobre o meu corpo como se fosse a areia da praia ou um terraço voltado para o mar, nunca ninguém que eu sentisse os dois esqueci-dos de mim.

Tudo o que não escrevi, Diário II, Lisboa, Ed. Asa, 1994

Citas muito, dizem. Sempre foi assim. Como explicar? Não se trata nem do uso de argumentos de autoridade, nem de exibicionismo cultural. Mas incomoda, eu sei, e permite que se insinue que se não pensa pela própria cabeça, ou que se vive alimentado pelas modas “ que vêm do estrangeiro ”.

Gostaria de tornar bem claro como o gosto da citação tem a ver com um amor intenso das palavras. Por vezes, citação que excita pela convicção de que alguém encontrou um dia as palavras certas - isto é, os nomes próprios - para dizer algo que em nós foi expressão confusa e enrodilhada. Aqui a citação tem um efeito de evidência. Que é sempre, acreditem, motivo de júbilo.

Por outro lado, a citação é um incitamento. Porque retirar as palavras de um contexto (a citação faz um desvio) é criar em torno delas um halo de silêncio, um anel de referências implícitas, que abre o espaço para dizer mais. O espaço off de uma citação é um convite para se pensar. A citação condensa, mas ao mesmo tempo indecide - efeito de descontextualização.

Resta o argumento mais pessoal, quase íntimo: sempre vivi entre pala-vras, através dos textos que escrevi sobre os textos dos outros, e as citações são o material que me habituei a trabalhar. Poderei chamar a isto efeito de montagem ?

Pequeno exercício quotidiano: ler frases desgarradas, soltá-las arbitraria-mente do texto. Isto é, abrir um livro ao acaso, num sinal vermelho, antes de o filme começar, durante os anúncios na televisão, e escolher à toa algumas palavras. Sempre pensei que, numa dessas frases, chegaria a verdade, o en-contro decisivo. Uns jogam na lotaria, outros nas palavras.

Tudo o que não escrevi, Diário, Lisboa, Ed. Asa, 1992

Para mim, ler não é sentar-me, abrir um livro e juntar as letras até fazer sentido. Há muita coisa antes que é preciso contar. Há, por exemplo, a procura do livro. Várias hipóteses a considerar. Há um dia em que a gente acorda com vontade de ler um livro de Ernst Jünger. Nunca leu antes, não calhou, mas uma referência no jornal, uma alusão numa conferência, e pronto, sentimos que o mundo esta incompleto se não tivermos, se possível já nessa mesma noite, um livro de Jünger. Então saímos de casa, ao arrepio da mais elementar sensatez, desmarcando compromissos, defrontando a intempérie, calcorreando ruas, mas vamos impacientemente à procura do livro que se tornou imperioso e urgente. Pode acontecer que o encontre-mos, que acabemos por trazê-lo para casa, e depois, por mero acaso, vamos dar connosco a ler uma novela antiga de Rodrigues Migueis em que um homem sorri à vida e à morte com meia cara. Mas isso já não importa. Foi importante o capricho. E que ninguém nos diga em tom de censura que foi um capricho.

[…]

Temo que, se alguém me ler, ao atingir este delicado ponto, comece a colocar seriamente a questão de saber se não terei definitivamente enlouque-cido. Talvez. Mas o meu propósito não era enviar notícias da minha actual saúde mental. Era explicar que ler, no verdadeiro sentido do termo, na acep-ção apaixonada que temos de lhe dar, só pode ser uma actividade desmedida, insensata, irracional, feita de rituais, cerimónias íntimas, gestos desatinados, cumplicidades incendiárias.

Tudo o que não escrevi, Diário, Lisboa, Ed. Asa, 1992

Nunca dancei. Vi os outros dançarem, em terraços voltados para o mar, no chão de areia de África ou do Brasil, em clandestinos infernos de bares de marinheiros ou em inflamadas discotecas de praias turísticas, vi-os e jul-guei-os felizes, esquecidos e voláteis, perdidos e enovelados numa bola de fogo, mesmo se às vezes os pares se rompiam e ela vinha sentar-se a chorar, e então eu pensava que ainda havia palavras que podiam funcionar como carícias, que eu sabia dizê-las, palavras redondas, encostadas à face magoada

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discurso que pronunciou ao receber o Prémio Europália: “ Da minha lín-gua vê-se o mar ”. E explicava que doutras línguas se poderia ver a floresta ou o deserto. A expressão é comovedora e contagiante por diversas razões. Primeiro, porque ela funciona como quem dissesse que “ da minha casa vê-se o mar. ” E por isso sentimos aqui a vibração da analogia da língua como casa. Segundo, porque se define a língua como um lugar de visibili-dade. Os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem. Se a língua portuguesa é uma história em expansão, é o mundo da língua que nela se expande, a big world, um mundo cada vez maior. Ponto terceiro, o de estarmos a ver o mar. Onde outros vêem a floresta ou o deserto. De qualquer modo, sempre realidades que só podem ser espaços lisos designados para nomear o infinito: o mar da língua, o deserto da língua, a floresta da língua. Se os linguistas estudam a língua como um todo, o desejo que sustenta o amor das línguas só se enuncia nesta relação com o intotalizável que é cada uma delas: espaço da permanente desterritoriali-zação, linha de fuga, história em expansão. Há um ponto em que a língua não pode dizer tudo. É aí, nesse lugar de impossibilidade, que começa a poesia. É aí, nesse lugar de impossibilidade, entre mãe e mar, que começa o amor da língua.

Revista Internacional de Língua Portuguesa, Lisboa nº 7, Julho 1992

Quiseram os deuses, mais por desenfado e capricho do que por obs-tinada má vontade, que a nação portuguesa fosse alvo, logo neste mês de Junho (em que os mais nostálgicos se recordarão de que se comemorava o dia da nossa raça), de dois agravos profundos, que muito nos traumatiza-ram. Em primeiro lugar, no campo do desporto, com a famosa greve dos “ infantes ”. Em segundo lugar, no campo da língua, com o não menos famoso acordo ortográfico. Porque a língua, todos nós sabemos que surge como um dos mais poderosos instrumentos para a produção do mito da nação e da sua identidade.

A Língua dos “ Infantes ”, Revista ICALP nº 5, Julho 1986

À medida que escrevo, dou-me conta de que seria preciso escrever tudo - porque afinal tudo existe apenas para ser escrito (tudo, o gesto, a migalha, o inclinar dos olhos, o pão esfarelado que se suja entre os dedos, a haste partida dos óculos, a nódoa na gravata, o saleiro derrubado, o grão de pimenta que fica a arder na boca, tudo, precisamente tudo, o que existe no movimento de existir, isto é, o que atravessa o mundo ao encontro da escrita, como lugar de sentido, forma iluminada de resgate). Pressinto que anda por aqui o fantasma de Mallarmé. Não apenas o hermetismo, o culto do inacessível, mas o modo como alude ao feminino movimento das pernas sobre o selim das bicicletas.

A dada altura, Vergílio Ferreira declara a Annie Faria: “ O Eduardo Lourenço já não me escreve como dantes ”. E diz que tem em casa mais de duzentas cartas dele. E conta como antigamente era capaz de escrever uma longa carta mesmo ao vizinho que morava em frente. Sinto-me um pouco enciumado deste tempo sereno e empoeirado que me escapa. Qua-se todas as minhas cartas são hoje burocráticas e funcionais. No entanto, apetecia-me imenso ter chegado ao apuro da disponibilidade adequada para ter com homens como estes aquela correspondência corrida em que cada coisa escorrega para a escrita de outra e deixam assim que transpa-reça um pouco dos estados de alma e das perplexidades do mundo. Várias vezes terei estado quase a entrar nesta espécie de valsa lenta e silenciosa com Eduardo Lourenço: a dança das palavras que percorrem o mundo. E algumas cartas que dele me chegaram eram verdadeiros convites para isto. Mas depois faltou-me o tempo (toda a minha vida me tem faltado tempo), a coragem, a volúpia do salto, e fiquei-me por uma imensa ami-zade, estima cúmplice, feita de colóquios vividos pelas sete partidas do mundo, caminhadas nocturnas, discretos encantamentos de passagem, figuras recíprocas da eterna ronda entre o olhar do pai e o olhar do filho. Cartas, nada. Pergunto-me se por preguiça, futilidade fatal, desacerto ge-racional, debilidade pessoal, sei lá.

Tudo o que não escrevi, Diário, Lisboa, Ed. Asa, 1992

O segundo ponto do meu comentário articula-se com uma frase ex-tremamente bela com que Vergílio Ferreira falou do português (…) no

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Esta acepção (o ensaio como afirmação da razão) enraíza-se na conhe-cida cumplicidade etimológica entre a palavra ensaio e termos como exa-gium, no sentido de balança, e exagiare, no sentido de pesar. Mas, se recuarmos um pouco, podemos ainda verificar que na origem de exagium haveria também exigo, que significa uma atitude de exigência que leva a expulsar aquilo que não passa pelo crivo (isto é, pela crítica) de uma posição de rigor.

Por conseguinte, a ideia de ensaio está associada à metáfora do peso – que, como sabemos, está também presente no termo pensar. O ensaio é uma forma de pensamento em que se pesa o valor das ideias – num exercício intelectual de ponderação (outro vocábulo que também entra nesta teia metafórica).

Mas há uma terceira linha de sentido a ter em conta. É aquela em que o ensaio surge como um acto de pôr à prova, numa acepção que talvez não seja alheia ao saborear prévio dos alimentos com que se pretendia eliminar o efeito de eventuais venenos criminosos. Isto é, através de uma experiência, procura-se afastar o que poderá ser perigoso para a conservação do indivíduo, quer do ponto de vista físico (o veneno), quer do ponto de vista mental (a ideia envenenada).

O Ensaio em Geral, Lisboa, Colóquio / Educação e Sociedade, Março-Julho 1995

A inaceitável traição ao texto de Barthes seria escrever sobre ele em 14 de Maio de 1974, em Portugal, quinze dias após o 25 de Abril, como se nada tivesse acontecido, como se o acontecimento histórico não afectasse até à raiz o nosso gesto de escrever.

Correndo o risco de apresentarmos uma argumentação impura, e sujeita às contingências da história , claro – mas que importa ? quando hoje sabemos que nada poderá ser como dantes e que nos é necessário que cada palavra tra-balhe, activa e anonimamente, na construção da democracia e do socialismo – que é esse horizonte utópico a que qualquer texto nos conduz.

Hipóteses de Abril, Lisboa, Diabril, 1975

Este texto é um texto teórico.Todo o texto teórico é autobiográfico.É esse o despudor. O excesso de abstracção da teoria, o excesso de vivido

da autobiografia.De Gertrud Stein, um título, a dizer: “ uma rosa é uma rosa, uma rosa,

uma rosa. ” Aqui estamos do lado do vivido.Mas transcrevo em teoria, e na metalinguagem adequada: “ O Outro é o

outro, o outro, o outro: ”

A Noite do Mundo, Lisboa, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1988

No meu caso pessoal, as disciplinas científicas que mais me têm ajudado são a linguística, indispensável, dada a condição verbal da literatura, a semio-logia, que interessa na medida em que a literatura é uma prática significante translinguística (isto é, que excede a análise linguística da comunicação ver-bal), e a psicanálise, se tivermos em conta que todo o discurso é determinado por uma relação entre as formações do inconsciente, a situação imaginária do sujeito e os mecanismos do desejo.

O Reino Flutuante, Lisboa, Edições 70, 1972

Questão de moda? Seja. Mas a moda é sintoma de. Os leitores mais aten-tos da literatura que se produz sobre a literatura têm vindo a dar-se conta de um uso que começa a tornar-se insistente: o da palavra “ paradigma ”. Poderá significar “ modelo ”, poderá significar “ problemática ”, “ horizonte metodológico ”, “ epistema ”, e, sem dúvida, significa algumas dessas coisas, nem todas, mas algumas, mesmo de um modo às vezes oblíquo ou difuso – a verdade é que um autor, quando escolhe a palavra “ paradigma ”, e afasta as outras do elenco semântico de que dispunha, pretende significar alguma coisa com essa escolha. Mesmo que apenas seja uma mera afinidade com outras linguagens, outros domínios.

Os Universos da Crítica – Paradigmas nos Estudos Literários, Lisboa, Edições 70, 1987

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instintiva, a disciplina solar do corpo, a negligência em relação a tudo o que não seja essencial – como Nietzsche nos ensinou. O que não exclui, talvez exija, o quotidiano. Julgo ter um dia ouvido dizer à Maria Gabriela Llansol: o quotidiano abre para outros mundos, mundos que são afinal tão quotidianos como ele – Llansol rodeada de gatos, parece que eram doze, alguns ainda não teriam nome, alguns talvez não tivessem nunca. Vieira da Silva assumia sem esforço o estatuto coroado da pintura, esse desprendimento que permite sempre chegar mais cedo à presença nua das coisas.

Tudo o que não escrevi, Diário II, Lisboa, Ed. Asa, 1994

Depois de ter cantado música de Carlos Paredes, com deslumbrantes letras de Vasco Graça Moura, Mísia encontra uma nova fórmula para o seu disco mais recente: Drama Box. Trata-se de cruzar várias atmosferas, acentuando as memórias, os dramas, os conflitos, as dilacerações, as feridas, as formas de violência, de cada um dos géneros cantados: os tangos e boleros, por um lado, ligados à dança de movimentos extremos, e os fados, com letras de Vasco Graça Moura, mais uma vez, e com a qualidade de sempre, Luís Macedo, Natália Correia, Rosa Lobato Faria, José Luís Peixoto, Paulo José Miranda e José Saramago (que não nos dá um texto particularmente convincente).

Participam Maria de Medeiros, Fanny Ardant, Ute Lemper, Miranda Richardson, Carmen Maura - um extraordinário naipe de artistas euro-peus. Sublinhe-se que a voz de Fanny Ardant vai mais longe do que nós poderíamos imaginar, e o poema tem uma musicalidade interior de notável beleza: « Quand un feu de Bengale éclate dans nos corps / le corps à corps qu’il crée tout en tournant / Fait brûler mon corps dans ton corps tout en brûlant / Et nous tue tous les deux. Tout en nous consumant // Cette lueur soudaine / Nous fait perdre l’haleine / Et c’est alors que l’ombre / Tout d’un coup s’illumine / Et que nous oublions tout / D’un oubli vif et doux. »

Colaboram ainda Sophie Calle e Bela Silva. As fotografias de C. B. Aragão são também elas plenas de romanesco. Mas o romanesco é apenas o tecido de uma protecção: porque por detrás existe o sentimento verda-deiro, a latejar de paixão. Intensidade e vida estremecida. A voz de Mísia está no seu melhor: é terna e violenta, capaz de se requebrar, mas quase sem-pre imperativa e forte. Esta voz ergue-se (como em Yo soy Maria) mas é capaz de se fazer dor prolongada no tempo (como no magnífico Gaivota).

Quem viu os filmes de Oliveira mais recentes compreende que a sua obra tende cada vez mais a desenrolar-se numa espécie de curto-circuito entre o insignificante (o anedótico, o fútil, o decorativo, o literal) e o sublime (a alma desalmada, o amor impossível, a morte absoluta). O que daqui se suprime é esse corredor de mediania habitável por onde passam os sentimentos vulgares dos homens comuns. Daí que a própria forma que estes filmes escolhem seja, em certa medida, a forma do intratável; numa palavra, a forma justa para o que neles se transmite.

Vinte Anos de Cinema Português – (1962–1982), Lisboa, Biblioteca Breve, Instituto de Cultura e Língua Portuguesas, 1983

É na rede produtiva e nos efeitos do seu trabalho que se situa o que de mais belo, comovedor e intenso se nos transmite nesta obra de Hitchcock. Se tivermos em atenção a complexidade real dos factores que compõem Sob o signo do Capricórnio, não hesitaremos em classificar o filme de obra-prima. Sem dúvida, diremos nós e sem medo, uma das experiências mais envolven-tes e perturbantes desta temporada (e da história do cinema ?).

A Palavra sobre a Palavra, Porto, Portucalense Editora, 1972

Sobre Vieira da Silva; conheci-a mal. O seu universo fascinava-me e in-timidava-me. Ninguém soube apreender tão bem o mistério das bibliotecas, os seus filamentos iluminados, os seus buracos vertiginosamente brancos. A última vez que estive com ela, quase perto, se assim ousasse dizer, foi numa visita a Paris de Maria Cavaco Silva, que pretendeu encontrá-la no seu atelier da cidade e lá fomos na companhia do casal Cargaleiro. Depois de convi-vermos com telas e objectos (havia discos antigos sobre as mesas, com fugas e partitas exaustivamente escutadas), fizemos um círculo em volta da mesa rectangular para uma muito inglesa cerimónia do chá. Olhava para ela, via-a avançar com a cara meio azul meio branca, já a caminho de ser deusa, e ocorria-me o título deste filme, o belo documentário do José Álvaro Morais, Ma femme chamada bicho, e percebi que bicho queria significar a inteligência

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Os portugueses (ao contrário, por exemplo, dos alemães) são povos mi-niatura : o hábito de usar diminutivos é constante, e entrou na lógica da lín-gua : é o “ quer um cafezinho? ”, e o “ agora a continha ”, é mesmo, nos casos extremos, “ quer um babazinho de camelinho ” - isto no domínio alimentar; que dá forma a todos os outros. E sobretudo permite embrulhar o mal que os doces podem fazer (nada de positivo numa“ barriguinha de freira ”) no restolhar suave da linguagem.

Que significam estes diminutivos? Podem valer dois tipos de forças. Em primeiro lugar, a força da afectividade, a tentativa de estabelecer entre duas pessoas um laço afectivo. Em segundo lugar, um modo miniatural de conce-ber o mundo: todas as coisas são pequenas, todas significam um universo de criança, que reproduz nos seus brinquedos um carrinho de bombeiros e um guindaste ou desenha para a escola um barco reduzido às formas essenciais.

De alguma maneira, as duas dimensões funcionam ao mesmo tempo: envolvem-se entre si, enroladas para dentro, até formarem o espaço específico de um diminutivo. Uma forma de habitar o mundo.

Especificamente portuguesa.

Nacional e Transmissível, Lisboa, Guerra e Paz, 2006

A minha mãe ou a minha avó diziam-me: « Amanhã vamos à Baixa. » A Baixa era para mim uma festa: muitas lojas e as compras na Rua do Ouro, na Rua Augusta ou na Rua da Prata. Toda esta procura passava por um lugar onde só vendiam botões e que me deixava verdadeiramente encantado.

Mas o momento verdadeiramente alto era o abandono das compras e a decisão de ir tomar chá. Entrávamos então na Ferrari ou na Bénard e pedía-mos um chá e muitas vezes uma torrada, ou então bolos. Os bolos vinham num prato para nós podermos escolher - prática que foi eliminada dada a sua natureza manifestamente pouco higiénica. E havia o chá: só havia um e tinha de ser esse a ser pedido. A lista dos chá não existia. Sempre que surgia uma indisposição, ou o cansaço nos invadia, recorríamos ao chá de tília ou ao de camomila. E com isto preenchíamos a lista dos chás. Era simples e eficiente. « Dê-me um chá » e eles, os empregados de mesa, traziam.

Hoje temos, por exemplo, as infusões. Caracterizam-se por serem su-jeitas na sua produção a um processo mais longo e não terem o seu ponto

O disco, na sua construção calculada e inteligente, coloca-nos um pro-blema interessante: qual é a diferença entre os tangos e boleros de origem sul-americana e o fado português? Nos dois casos, o drama está presente, com os momentos de paixão e encantamento, com a luta e a violência, com a perda e o vazio. Mas o tango tem revolta e o fado tristeza e resignação. E como sublinha António Pinto Ribeiro, no excelente texto com que apresenta o disco, estas situações estão associadas ao clima urbano. Em particular, algumas cidades, como Lisboa ou Buenos Aires. E em Lisboa, determinados bairros: não há um fado do Lumiar ou do Areeiro (embora aí também se ouça fado), mas um fado da Bica, de Alfama, do Bairro Alto. Isto é, de um certo modo de vida, de um traçado das ruas. Mas Mísia introduz a nota cosmopolita: os quartos de hotel, os saltos altos, os véus, os óculos escuros. Destes vários cruzamentos resulta um disco exaltante, em que uma grande artista como Mísia celebra a sua voz e a sua imagem de mulher: Maria noite, Maria tango, Maria paixão fatal.

Público, 7 de Julho de 2005

O excesso de formas de tratamento é um sinal de uma sociedade feita de patamares diversos que os respeita e institucionaliza de um modo obsessivo : há o « senhor engenheiro », ou a « senhora arquitecta », ou o « senhor doutor juiz », ou o « senhor presidente da junta », tal como há « sua Alteza », « Reve-rendíssimo Cardeal Patriarca » ou « senhor director » (que é aquele senhor a quem se vai pedir um aumento) ou « mestre Manuel de Oliveira ».

[…]

Se um polícia de trânsito, de bigode enfatuado e patilhas quase a rojar o chão, se aproxima de mim e do meu carro e me diz: « Você não podia esta-cionar aí », a minha primeira reacção, manifestamente « snob », é de lhe dizer « trata-me por senhor doutor, ouviu ? ».

Mas o « você » aparece noutras circunstâncias. Como sinal de uma ter-nura mundana entre casais. É bem que se farta. Ele diz para ela : « Você não me quer dar um beijo? ». E só na obscuridade da noite mais gritada o « tu » vem à superfície como um apelo ou uma súplica.

Nacional e Transmissível, Lisboa, Guerra e Paz, 2006

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Feliz, meu amor, é aquele que aprende a avançar no caminho da vida sem nunca estar só.

Feliz é aquele que explode em lágrimas quando sente que o amante se afasta.

Feliz é aquele que, olhos na distância dos olhos, diz « amo-te » e sofre por sentir que esta palavra é ainda distância.

Feliz é aquele que te segura a cabeça quando tu lhe ofereces o som da tua intimidade mais sedenta : são fios de seda que fazem a aranha mágica.

Feliz é aquele que, no fim do dia, sente a fadiga da língua.Feliz é aquele que sabe contigo a metafísica do sexo – e que sabe por isso

que quanto mais físico mais metafísico.Feliz é aquele que num carro sente que as vozes se transformaram em

rugidos.Feliz é aquele que sabe que alguém vigia e protege o seu sono.Feliz é aquele que imagina o olhar ansioso dos homens sobre a evidência

do teu corpo.Feliz é aquele que te ouve falar e imagina o que escreveste durante

a noite.Feliz é aquele que sente que a casa se inclina para ti.Feliz é aquele que passa o gelo da boca tua para a boca ainda minha.Feliz é aquele que os outros sentem que ele é demasiado feliz.Feliz é aquele que se esqueceu do tu para ser nós. Um dia vai esquecer

o nós para ser a árvore à nossa frente. Feliz é aquele que vê o espaço tornar-se azul à sua volta.Feliz é aquele que sabe que pode morrer depois de ti – porque conheceu

o absoluto da vida, e por isso até na morte pode arder.Feliz é aquele que sente pelo vidro a boca que diz que te ama.Feliz é aquele que sabe que no dia seguinte conseguirá o que hoje ainda

não tem sentido – amar-te sempre mais.Feliz é aquele que com palavras toca o teu corpo.Feliz é aquele que ordena os gestos, suspende os ímpetos e dá a cada mús-

culo que no teu corpo estremece o nome do animal a que ele pertence.Feliz é aquele que viu lentamente como era bom conhecer-te.

Feliz é aquele que te escreve antes de adormecer.

Ana Calhau / Eduardo Prado Coelho, Dia por ama, Lisboa, Texto, 2004

de partida na Camélia Sinnensis. Noutro dia, lia na Notícias Magazine quais as infusões recomendáveis, numa lista aliciante de plantas anti-ede-ma: « Em infusão (dez minutos num litro de água, em média), sugerem-nos a orelha de rato, o pé de cereja, o hibisco, a rosa silvestre, o tomilho, o rosmaninho e a groselha. » É óbvio que aquela da orelha de rato me impressionou profundamente.

Hoje ir a uma pastelaria e pedir um chá tornou-se uma operação com-plexa. Ela passa por aquilo que Fernando Savater, num livro brilhante, anali-sou exaustivamente: « A coragem de escolher. » Adeus a um simples chá preto de Ceilão. Agora somos confrontados com nomes exóticos que mostram a realidade efectiva da mundialização.

Temos, em primeiro lugar, o chá verde. Mas não basta ser chá verde. Há aquele que é aromatizado com pétalas de hibisco ou de rosa.

Temos depois o Roibos Safari, que pode ser aromatizado com coco, pedaços de chocolate ou de caramelo. O Earl Green, esse é um chá verde aromatizado com óleo de bergamota.

O Sakura Imperial é aromatizado com cereja. Não uma honesta cere-ja, mas uma determinada, a japonesa. Há ainda o Pu-Erh, que tem a ca-racterística de ser um chá vermelho. E, no domínio deste arco-íris, temos ainda o chá branco, que dá pelo nome de Pai Mu Tan. Outros preferem o Vanille Sencha.

Estamos em pleno desassossego: a minha avó, se fosse viva, optaria pela leitaria de bairro. A ida à Baixa foi substituída pelos centros comerciais. E a serenidade tépida de outros tempos desapareceu. Há lojas de chá em cada esquina (exagero, claro). E a nossa infância envelheceu com as cores dos chás que nos assediam.

Público, 28 de Março de 2006

Alexandra. Quando se diz « gostaria que fosse loucamente amada », pede-se, não apenas o amor, tópico esbatido de romances cor-de-rosa, mas a loucura. Só aí se ergue o desejo essencial deste livro. Por isso te peço que o leias, o recomeces e o reinventes : palavra sobre a palavra.

A Palavra sobre a Palavra, Porto, Portucalence Ed., 1972

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Lembro-me de que chegavam no correio uns cadernos de uma asso-ciação de amigos de Romain Rolland. E que chegavam livros da Galiza, que me irritavam, porque não os entendia bem. E que o meu pai com fre-quência falava de Montaigne. Mais tarde percebi que tudo isto traçava o retrato de um racionalista, de um humanista, de um céptico, de um vo-luntarista. Céptico, sim, e ele explicava : « só sei que nada sei ». Mas de-pois aderia a causas com uma quase ingenuidade, acreditando nos homens para além daquilo que me parecia razoável. Lembro-me de ele me levar ao futebol, mas ele só ia a jogos internacionais no Estádio do Jamor. E um dia, perante os gritos de ódio a que eu assisti, tinha dez anos, por causa de um árbitro que amplas massas qualificavam de « gatuno », eu pergun-tei a mim mesmo se os homens em quem ele, o pai, acreditava, eram os mesmos que vociferavam com os olhos em chamas. E tinha vontade de o proteger no seu humanismo — para que ele não ficasse desiludido.

Lembro-me ainda de ele me dizer que desde os oito anos que não conhe-cia nenhum outro regime se não o de Salazar. Lembro-me do modo como apoiou as greves de 62, como ficou num carro durante a noite de greve de fome na Cantina à espera que eu estivesse disponível para regressar a casa já de madrugada. Lembro-me ainda como, quando eu ficava encarregado de distribuir comunicados da RIA ou panfletos da Associação de Letras, ele queria acompanhar-me de carro, e ficava na esquina, de faróis apagados, no escuro e no frio. Lembro-me de como aceitou sem qualquer reserva que o jornal AGORA dissesse que « o filho de Jacinto do Prado Coelho esconde panfletos no gabinete do pai na Faculdade » — o que era verdade, aliás. E eu tinha medo de que os estudantes fossem demasiado longe, e que um dia ele me dissesse: isto já não! Que aquele humanismo tivesse limites. Mas apa-rentemente não. Foi assim no 25 de Abril. Muitas vezes receei que episódios absurdos, como a ocupação dos gabinetes dos professores, lhe provocassem um « basta » indignado, mas isso nunca aconteceu. Céptico, racionalista, humanista, tinha uma enorme capacidade de aceitar a diferença e a novi-dade. Um dia tremi, quando numa Assembleia Geral da Escola, um aluno (aliás, um amigo meu) se levantou e disse: « Ó Jacinto, tu... » Ele sorriu, e, estranhamente, ficou feliz.

Tu. Se reflectir um pouco sobre o que se passava à minha volta em relação a ele, posso verificar que quase ninguém o tratava por tu. Nem eu. Só mais tarde a Alexandra, a neta. E que ele produzia uma espécie de distância, que vinha de ser pai para todos em todas as circunstâncias, mas eles, os que não eram filhos por não terem ido ao futebol com ele nem jogado ao berlinde

A primeira palavra é: obrigado. É a mais fácil, é a mais justa, é a mais espontânea.

Depois, as coisas complicam-se : como falar de Jacinto do Prado Coelho — pai. Como Jacinto do Prado Coelho? Isto é, como um nome que se estabilizou, que se autonomizou, que se classicizou no âmbito dos estu-dos literários, dos estudos de literatura comparada, dos estudos de literatura portuguesa. Ou como pai? Como Jacinto do Prado Coelho, é possível um discurso sereno, reconhecido, de admiração e gratidão, de análise dos textos e do percurso. Um discurso que, imprescindível, parte no entanto do pressu-posto de que alguém, ele, desapareceu.

No entanto, desde algumas semanas que uma frase se me impõe, obsessiva, dessas que se não apagam, sempre que penso escrever esta intervenção. A frase não é minha, disse-ma um amigo recentemente, um amigo abatido pela mor-te da mulher, que em Paris me contava como às vezes, diante de uma montra, ou ao olhar um livro, se esquecia de que ela tinha desaparecido, e começava a conversar. E ele dizia-me: « é muito difícil fazer desaparecer uma pessoa. »

É. É muito difícil fazer desaparecer uma pessoa. É preciso muito tra-balho, e nunca se está certo de ter conseguido. Eu, por exemplo, se falar de Jacinto do Prado Coelho como pai estou certo de que ele não desapareceu. Que persiste como aquele que resiste a ser apenas um nome estável de quem os outros falam. Ele, apenas.

Talvez contando seja mais fácil. Na memória mais antiga, recordo o silên-cio. « Não se pode fazer barulho », diziam-me, « o pai está a trabalhar. » « Para a tese », acrescentavam. Devia ser ainda Camilo, devia ser já Pessoa, mas foi sempre assim, pela vida fora. Eu brincava, lia, imaginava batalhas, jogos de futebol, emissões radiofónicas, e à minha volta o silêncio do pai a escrever — nunca, ou raramente, à secretária, em sofás, com montes de papéis em redor, e livros pelas cadeiras. Aliás, os livros iam ficando em cima das cadeiras, disponíveis, e a minha mãe dizia — esta é talvez a segunda recordação « nesta casa ninguém se pode sentar. » Todos os dias chegavam livros, a casa era invadida pelos livros, os livros devoravam os espaços e eu começava a ler os livros que devoravam os espaços, e lia ao acaso das ca-deiras. Posso assim contar duas coisas mais: que o meu pai nunca impu-nha a leitura de um livro, lê este em vez daquele, e nunca desaconselhava a leitura de um livro. Deixava que as cadeiras decidissem — e eu lia. Lem-bro-me também dos alunos do pai, aqueles que o iam regularmente visi-tar e com quem eu ia falar às vezes à sala, e desses alunos, assistentes, ami-gos, havia dois que eram para mim os alunos do Pai: o David e o Urbano.

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no corredor da casa, sentiam o pai na distância absoluta de um Pai. Diziam : « vou falar ao teu pai, estou cheia de medo. » Contudo, o meu pai tinha uma enorme nostalgia do tu, de uma fraternidade calorosa que o meio e a educação lhe tinham subtraído um pouco. Lembro-me de um dia, depois de uma crítica minha num jornal em que eu usara um tom extremamente feroz, me disse: « mais impor-tante de que um livro ser bom ou mau é não magoarmos as pessoas. É tentarmos perceber o que elas pretendiam fazer. » Daí que o título do livro que lhe foi oferecido (belissimamente inventado, dizem-me, por Margarida Barahona) — com um rosto na capa em que a doença criava, de ele a nós e de nós a ele, um sentimento de desamparo e aflição — estivesse certo: afecto às letras. Era um professor com a nostalgia do afecto, sempre me falou de Sebastião da Gama, sempre admirou o modo como a certa altura Lindley Cintra convivia com os alunos.

Poderia continuar indefinidamente, e contar, a partir dos contos que se desprendem da memória do meu pai nunca desaparecido, a minha história, a história de duas gerações e a história do mundo. Contar contando com os atropelos e as contradições de uma narrativa sonâmbula. Escolhen-do a « vida do conto », para seguir o conselho que um dia recebi do poeta Jacques Roubaud, quando ele escreveu: « se os mundos fossem contos, e os seus habitantes conta-dores, e não apenas os seus seres mas tudo, todas as coisas, todas a contar as suas histórias, contadas haveria lugar para mundos em que os contraditórios seriam verdadeiros, em que eu diria « tu estás vivo, tu morreste », e rindo tu responderias. »

Tu. Tu, pela primeira vez.

O Cálculo das Sombras, Lisboa, Ed. Asa, 1997

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Biografia

Eduardo Prado Coelho foi uma das figuras centrais do panorama in-telectual português dos últimos tempos. Ensaísta, crítico literário e de cinema, professor universitário, colunista, diplomata, polemista, a sua figura marcou de forma indelével a cultura portuguesa das últimas três décadas do séc. XX e dos primórdios do séc. XXI. Combinando o rigor da erudição com a facilidade e o gosto da comunicação, a sua figura viria a adquirir aos olhos do grande público português a conotação do intelec-tual por excelência. É autor de uma vasta, variada e importante obra, cujo amplo leque temático cobre desde a densa reflexão filosófica a considera-ções efémeras sobre a moda ou sobre a cultura popular contemporânea. Dotado de uma curiosidade insaciável, manteve-se permanentemente ac-tualizado sobre os mais variados fenómenos culturais do seu tempo. Nos últimos dez anos da sua vida, assegurou uma popular crónica diária do jornal Público, feito inédito na história da imprensa portuguesa.

Nasceu a 29 de Março de 1944, em Lisboa. Seu pai, Jacinto do Prado Coelho foi um dos mais importantes críticos literários da sua geração e professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde Eduardo Prado Coelho se viria a licenciar em Filologia Românica e posteriormente, em 1983, a doutorar-se com uma tese sobre “ A noção de paradigma nos estudos literários ”. Foi assistente nessa mesma Faculdade entre 1970 e 1983. Em 1984 tornou-se professor associado no Departa-mento de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Entre 1975 e 1976, foi Direc-tor de Acção Cultural no Ministério da Cultura criado após a Revolução de Abril. Em 1988, partiu para Paris onde leccionou no Departamento de

Estudos Ibéricos da Sorbonne-Paris III. Entre 1989 e 1998 foi conse-lheiro cultural na Embaixada de Portugal em Paris. Foi Comissário

para a Literatura e o Teatro da Europália portuguesa, em 1991. Colaborou na área de colóquios na Lisboa Capital Europeia da

Cultura, em 1994. Em 1997, assumiu a direcção do Insti-tuto Camões em Paris. Regressado a Portugal em 1998,

retomou a docência na Universidade Nova de Lisboa.

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Bibliografia

(livros)

O Reino Flutuante: Exercícios sobre a razão e o discurso, Lisboa, Ed. 70, 1972.

A Palavra sobre a Palavra, Porto, Portucalense 1972

Hipóteses de Abril, Lisboa, Diabril, 1975.

Poesia Mais Prosa. (c/ Maria Alzira Seixo). 2 vols, Lisboa, Ed. Plátano, 1974 e 1978.

A Letra Litoral: Ensaios sobre a literatura e o seu ensino, Lisboa, Moraes, 1979.

Os Universos da Crítica : Paradigmas nos estudos literários, Lisboa, Ed. 70, 1983.

Vinte Anos de Cinema Português: 1962-1982, Lisboa, ICALP, 1983.

A Mecânica dos Fluidos, Lisboa, INCM, 1984.

A Noite do Mundo, Lisboa, INCM, 1987.

Tudo O Que Não Escrevi: Diário, Porto, Asa, 1992.

Tudo O Que Não Escrevi: Diário II, Porto, Asa, 1994.

O Cálculo das Sombras, Porto, Asa, 1997.

A Escala do Olhar, Lisboa, Texto, 2003.

Crónicas no Fio do Horizonte, Porto, Asa, 2004.

Situações de Infinito, Porto, Campo das Letras, 2004.

O Fio da Modernidade, Lisboa, Notícias, 2004.

Diálogos sobre a Fé. (c/ D. José Policarpo), Lisboa, Notícias, 2004.

A Razão do Azul, Vila Nova de Famalicão, Quasi, 2004.

Dia por Ama. (c/ Ana Calhau), Lisboa, Texto, 2004.

Nacional e Transmissível, Lisboa, Guerra & Paz, 2006.

Entre as suas publicações de âmbito universitário e ensaístico, des-tacam-se Os Universos da Crítica, a sua tese de doutoramento na área da teoria da literatura, e vários livros de ensaios – O Reino Flutuante, A Pa-lavra sobre a Palavra, A Letra Litoral, A Mecânica dos Fluidos, A Noite do Mundo. Em 1992 e 1994, publicou dois volumes de um diário – Tudo O Que Não Escrevi. Além da crónica diária no jornal Público, foi colabora-dor de vários jornais e revistas. As obras publicadas nos últimos anos da sua vida demonstram uma diversificação das áreas da sua reflexão, bem il-ustrada pelo livro de diálogos com o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo – Diálogos sobre a Fé – e pelo livro Nacional e Transmissível, uma colectânea de textos muitos pessoais sobre objectos, comportamentos, locais emblemáticos e características específicas da identidade nacional portuguesa.

Eduardo Prado Coelho morreu em 2007, em Lisboa.

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Coordenação Geral Fátima Ramos

Concepção Adelaide Cristóvão José Manuel Esteves

Colaboração Carla Soares José Salgado Patrícia Marreiro

Edição Centro Cultural - Instituto Camões de Paris

Agradecimentos Margarida Lages Daniel Mordzinsky Maria Manuel Viana

Publicação concebida e elaborada no âmbito do Plano de Actividades Culturais dos Leitores de Português do Instituto Camões nas Universidades de Paris III / Sorbonne Nouvelle, Paris IV / Sorbonne, Paris VIII / Saint-Denis e Cátedra Lindley Cintra / Paris X Nanterre.

composição : michel le stum

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