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UFSM/CAL/PPGLetras/LABLER Disciplina: Seminário de Leituras Orientadas em Linguística Aplicada Professoras: Désirée Motta-Roth e Graciela Rabuske Hendges Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios Ariane Escobar Rossi

Educação científica na perspectiva de letramento como ...coralx.ufsm.br/desireemroth/images/stories/Educao_Cientfica_A... · Introdução Alfabetização científica é o domínio

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UFSM/CAL/PPGLetras/LABLER Disciplina: Seminário de Leituras Orientadas em Linguística Aplicada

Professoras: Désirée Motta-Roth e Graciela Rabuske Hendges

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções,

princípios e desafios

Ariane Escobar Rossi

Introdução

Alfabetização científica é o domínio de conhecimentos científicos e tecnológicos necessários

para o cidadão desenvolver-se na vida diária (Chassot, 2003).

Ciência é uma produção cultural marcada por uma visão ocidental caracterizada pela nossa

educação egocêntrica (Chassot, 2000).

Nos EUA e Inglaterra , a partir do séc. XIX, eram encontradas publicações de livros e artigos

sobre ciência destinadas ao público em geral, além da ciência já estar incorporada ao

currículo escolar (DeBoer, 2000).

A alfabetização ou letramento científico começou a ser debatido com maior profundidade no

início do séc. XX, destacando-se o trabalho de Dewey (1859-1952) que defendia a

importância da educação científica nos EUA.

Anos 50 – período do movimento cientificista. Movimento mundial em defesa da educação

científica (slogan)

No Brasil essa preocupação foi tardia, pois o ensino de ciência não teve muita prioridade nos

currículos escolares. Nos anos 30 um processo em busca de inovação teve início.

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* Esse processo de inovação começou com a atualização curricular e continuou....

- 1950: produção de kits de experimentos;

- 1960: tradução de projetos americanos e a criação de centros de ensino de ciências;

- 1970: produção de materiais por educadores brasileiros;

- A partir dos anos 70 teve início a pesquisa na área de educação em ciência no Brasil , a qual se

consolidou nos últimos 35 anos e hoje conta com uma comunidade científica atuante (programas

de pós-graduação em ensino de ciências, realização de congressos e produção de periódicos

acadêmicos sobre a temática).

* A preocupação com a educação científica (EC) é defendida por educadores em ciências e profissionais

de outras áreas. Essa multiplicidade de contextos faz com que autores não cheguem a um

consenso, pois são variados os objetivos de cada um. Isso se explica pelo fato da EC ser um

conceito amplo que depende do contexto histórico no qual ela é proposta, assim como

pressupostos ideológicos e filosóficos.

* Objetivo do artigo: discutir as diferentes funções atribuídas a EC a fim de levantar referencias para

estudos na área de currículo, filosofia e política educacional que visem explorar o papel da EC na

formação cidadã.

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Educação científica: enfoques e perspectivas de análise

* Com diferentes perspectivas sobre a relação ciência - tecnologia - sociedade, os estudiosos da

área ampliavam suas proposições analíticas sobre a base de organização e interação dos

participantes da ciência.

* Kuhn (1992-1996) destacou o papel da comunidade científica no estabelecimento dos

paradigmas científicos;

* Bourdieu (1930-2002) afirmou que “a verdade científica reside numa espécie particular de

condições sociais de produção”;

* Latour e Woolgar (1979) e Knorr-Cetina (1981) identificaram condições sociais internas de

produção do conhecimento científico. Fato científico é construído no contexto sociopolítico;

* Gerard Radnitzky (1970): ciência como sistema social relacionado ao desenvolvimento do

conhecimento. Nesse sistema são incluídos os produtores (cientistas), o processo de

pesquisa, os produtos, etc.

No sistema pode-se enfocar cada um dos componentes sob perspectivas diferentes, os produtos

(aspectos lógicos, semânticos, teóricos) ou produtores (ciência em sociedade, estudos de

aspectos sociológicos, culturais, etc).

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* A compreensão dos propósitos da EC passa por uma análise dos diferentes fins que vêm

sendo atribuídos a ela pelos seus diversos atores sociais.

* Estudos sobre EC são desenvolvidos com a denominação scientific literacy, relacionados

também a estudos sobre scientific and technological literacy (STL). Essa terminologia pode

ser traduzida como alfabetização científica (AC ou ACT) ou como letramento científico (LC

ou LCT).

* Laugksch (2000) identificou fatores que influenciam interpretações do significado da EC:

a) existência de diferentes grupos de atores sociais preocupados com EC;

b) diferentes definições conceituais para os termos alfabetização e letramento;

c) diferentes propósitos para essa educação;

d) diferentes estratégias que têm sido adotadas na mensuração do nível de alfabetização das

pessoas sobre ciência.

* O entendimento do significado de AC/LC tem sido objeto de preocupação de uma variada

gama de profissionais. Cada um desses grupos terá um enfoque diferente para os variados

contextos de AC/LC.

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• Com essas diferentes perspectivas também surgem argumentos diversos para justificar

AC/LC. Millar (1996) agrupa-os em cinco categorias:

1) econômico; 2) utilitário; 3) democrático; 4) social; e 5) cultural.

• Esses argumentos estão presentes no currículo escolar e constituem-se como fatores

de influência no seu planejamento.

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LCT

Socio-logos

Jorna-listas

Educa-dores

Econo-minstas

Muse-ologos

Alguns atores sociais interessados em letramento

científico e tecnológico.

Domínios da educação científica: alfabetização e letramento

• Ênfase curricular no ensino de ciências tem mudado em função de contextos sócio-

históricos.

• No final dos anos 50, com o lançamento do primeiro satélite artificial, os EUA via a

necessidade de formar cientistas, por isso houve a elaboração de projetos curriculares com

ênfase na vivência do método científico. Propunha-se uma EC visando preparar os jovens

para adquirir uma postura de cientista.

• No final dos ano 60 , com o agravamento dos problemas ambientais, os educadores em

ciência preocupavam-se com a EC levando em conta aspectos sociais relacionados ao

modelo de desenvolvimento C&T;

• No final dos anos 70, diversos países preocupavam-se em formular propostas curriculares

para a educação básica com ênfase nas inter-relações CTS.

• A perspectiva era ambientalista com enfoque nas ciências sociais, sendo identificada como

CTSA (Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente).

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• Outros enfoques para EC continuaram a surgir:

• Norris e Phillips (2003) identificaram 11 significados para a EC:

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Uns defendiam a educação para ação social responsável, a partir de uma análise crítica sobre as implicações sociais da C&T.

Outros defendiam a compreensão da natureza da atividade científica como aspecto central da EC.

Conhecimento e desenvolvimento de habilidades em relação à atividade científica

Conhecimentos, habilidades e valores relacionados à função social científica

a) Conhecimento do conteúdo científico e habilidade para distinguir ciência de não-ciência;

g) Conhecimento necessário para participação inteligente em questões sociais relativas à ciência;

b) Compreensão da ciência e suas aplicações;

h) Compreensão da natureza da ciência, incluindo as suas relações com a cultura;

c) Conhecimento do que vem a ser ciência;

i) Apreciação do conforto da ciência, incluindo apreciação e curiosidade por ela;

d) Independência no aprendizado de ciências;

j) Conhecimento dos riscos e benefícios da ciência;

e) Habilidade para pensar cientificamente;

k) Habilidade para pensar criticamente sobre ciências e negociar com especialistas.

f) Habilidade de usar o conhecimento científico na solução de problemas;

• Esses dois grandes domínios estão centrados no 1) compreender o conteúdo científico e 2)

compreender a função social da ciência. Apesar de serem discutidos de forma diferente,

eles estão inter-relacionados.

• Não se pode pensar no ensino do conhecimento científico de forma neutra, sem

contextualizar seu caráter social e não há como discutir a função social desse conhecimento

sem uma compreensão do seu conteúdo.

• EC na educação formal vem sendo abordada cada vez mais com fragmentação e

especialização. As discussões sobre EC acabam priorizando um domínio em relação ao

outro.

• A fim de não propor uma dicotomia entre os dois domínios, caracteriza-se essa distinção

adotando a caracterização que vem sendo usada para alfabetização e letramento. Segundo

Magda Soares (1998):

• Alfabetização: sentido mais restrito da ação de ensinar a ler e a escrever.

• Letramento: refere-se ao estado de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e

exerce as práticas sociais que usam a escrita.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

• Uma pessoa alfabetizada pode não ser letrada, por não fazer uso da prática social de leitura

(analfabetismo funcional) . Por outro lado, uma pessoa não alfabetizada pode ser letrada, por

ter contato diário com as informações do mundo da leitura e escrita.

• Embora Chassot (2000) considere inadequado o termo alfabetização, ele o adota, pois

letramento é um termo que ainda não está dicionarizado e apresenta conotações pretensiosas.

• Krasilchik e Marandino (2004) consideram que o termo alfabetização já engloba a ideia de

letramento.

• Santos adota a diferenciação entre alfabetização e letramento devido ao uso que se tem feito

do termo AC na tradição escolar (domínio da linguagem científica). Ao empregar o termo

Letramento busca-se enfatizar a função social da EC contrapondo-se ao restrito significado de

alfabetização escolar.

• A conceituação de Krasilchik e Marandino (2004) para alfabetização como “capacidade de ler,

compreender e expressar opiniões sobre C&T” corresponderia ao que Santos denomina

Letramento Científico. Tal conceito é próximo também ao que Chassot (2000) denominou

alfabetização “ conjunto de conhecimentos que facilita homens e mulheres fazer uma leitura

do mundo onde vivem”.

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* Shamos (1995) denominou Letramento Científico o processo que envolve o

conhecimento mais aprofundado dos construtos teóricos da ciência e da sua

epistemologia, com compreensão dos elementos da investigação científica, do

papel da experimentação e do processo de elaboração de modelos científicos.

Consiste na formação técnica do domínio das linguagens e ferramentas mentais

usadas em ciência para o desenvolvimento científico.

Para tanto os alunos deveriam:

1) Ter amplo conhecimento das teorias científicas e ser capazes de propor modelos em

ciência;

2) Dominar não só o vocabulário, mas também compreender o seu significado

conceitual e o desenvolvimento de processos cognitivos de alto nível de elaboração

mental de modelos explicativos para processos e fenômenos.

Esse domínio de letramento foi identificado, por Shamos (1995), como letramento

científico autêntico e por Laugksch (2000) como erudição ou competência.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

Letramento científico e a função social

* Letramento como prática social está presente na literatura da EC.

* Para Shamos (1995) um cidadão letrado é capaz conversar, discutir, ler, escrever

coerentemente em um contexto não técnico, mas de forma significativa.

* Laugksch (2000) define LC com função social, como aquele que desenvolve a capacidade

mínima funcional para agir como consumidor e cidadão.

* Categoria cívica de Shen (1975) define LC como o conhecimento essencial que as pessoas

necessitam para compreender as políticas públicas.

* Prewitt (1983) considera que o LC tem origem nas interações entre ciência e sociedade e

forma um cidadão capaz de atuar na sociedade em nível pessoal e social,

compreendendo como a C&T influenciam sua vida.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

Compreensão do impacto da C&T

sobre a sociedade

Compreensão pública da

ciência

Propósito da educação básica de formação

para cidadania Envolve

* Fourez (1997, p. 5) entende que uma pessoa é considerada científica e tecnologicamente

letrada quando seus conhecimentos e habilidades dão a ela uma certa autonomia, uma

certa habilidade de se comunicar e um certo grau de controle e responsabilidade em

negociar com problemas específicos.

* Letramento dos cidadão vai desde o entendimento de princípios básicos de fenômenos do

cotidiano até a capacidade de tomada de decisão em questões relativas à ciência e

tecnologia em que estejam diretamente envolvidos.

* Uma pessoa funcionalmente letrada em C&T saberia 1) compreender as especificações de

uma bula de remédio e também 2) posicionar-se em um assembléia para encaminhar um

pedido sobre os problemas que afetam sua comunidade em termos de C&T.

* Letramento como prática social implica a participação ativa do indivíduo na sociedade, em

uma perspectiva de igualdade social.

* Desenvolvimento de valores , vinculados aos interesses coletivos.

* Tomada de decisões em relação ao consumo de produtos no que se refere aos seus efeitos

sobre a saúde e meio ambiente, seu valor econômico e questões éticas relacionadas a sua

produção e comercialização.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

O LC tem sido atribuído também ao significado cultural, sendo a EC vista como um processo de enculturação.

* UNESCO caracterizou EC como cultura científica;

* Krasilchik e Marandino (2004) caracterizam EC como a capacidade de participar da cultura científica de

maneira que cada cidadão, individual e coletivamente, considera oportuno.

* Snow (1995) identificou a existência de duas culturas, a científica e a humanística;

* Shen (1975) identificou um tipo de letramento como LC cultural, ou seja, o conhecimento que os indivíduos

adquirem para transpor as diferenças entre as culturas científica e humanística;

* DeBoer (2000) LC = ensino e aprendizagem de ciências como uma força cultural no mundo moderno e a

aprendizagem de ciências por seus apelos estéticos;

* Ramsey (1993) compreensão da ciência como principal realização humana e como parte de nossa cultura geral;

* Fleming (1989) considera que uma pessoa letrada é a que tem acesso à cultura e é capaz de mover-se além dela

para criar novas formas de cultura;

* Arons (1983) LC como processo que considera a ciência como um produto da mente humana, de natureza

experimental, que tem limites e que interage com a sociedade nos seus planos moral e ético.

* Driver e colegas (1994) considera a EC como um processo de enculturação em que o aluno aprende a linguagem,

o modo de pensar, de expressar-se e de justificar os seus argumentos.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

• A partir dessas perspectivas não devemos considerar o processo de letramento como

algo de aplicação imediata ou prático, mas reconhecer que esse processo faz parte da

cultura humana e tem valor por si mesmo.

• Conteúdos científicos com valor cultural, quando contextualizados, passam a ter valor

cultural para os alunos.

• Forma descontextualizada do ensino de ciência nas escolas faz com que conceitos

científicos se tornem palavreados tomados como meros ornamentos culturais repetidos

pelos alunos sem qualquer significação cultural.

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Ensino de ciência-tecnologia-sociedade e letramento científico

* Segundo Aikenhead (1997) os movimentos CTS e LCT surgiram em contextos diferentes:

* Estudiosos em ambos os campos apontam pontos em comum quando destacam a função social

do ensino de ciências.

* Objetivo central do ensino de CTS na educação básica é promover a EC&T dos cidadãos,

auxiliando o aluno a construir conhecimentos e valores necessários para tomar decisões

responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia na sociedade e atuar na solução de tais

questões;

* Roberts (1991) enfatiza que currículos de ciências com ênfase em CTS tratam da inter-relação

entre explicação científica, planejamento tecnológico e solução de problemas e tomada de

decisão sobre temas práticos de importância social.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

CTS Contexto marcado pela crítica ao

modelo de desenvolvimento científico e tecnológico

LCT Contexto marcado por pressões

sociais por razões práticas, econômicas, entre outras

* No Brasil, desde a década de 70 já havia educadores preocupados em inserir no currículo

de ciências questões relativas ao impacto ambiental decorrente do desenvolvimento

tecnológico. Mas, enquanto em outros países a denominação CTS já era conhecida, aqui

no Brasil ela só começou a surgir nos anos 90 e ainda não se popularizou completamente.

* Nos PCNs há uma proposição curricular com o enfoque CTS com recomendações sobre as

competências que inserem a ciência e suas tecnologias em um processo histórico, social e

cultural e a discussão de aspectos práticos e éticos da ciência no mundo contemporâneo.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

Educação em

questões sociais

Educação Tecnológi

-ca

Educação Científica

Ensino CTS

Proposta curricular de CTS integra a educação científica, a tecnológica e a social e seus conteúdos C&T são estudados com a discussão de aspectos históricos, éticos, políticos e socioeconômicos.

* Currículos CTS contribuem para o LC, pois trazem aspectos da educação tecnológica no

ensino de ciências.

* Essa educação não tem sido apropriadamente contemplada nos currículos de ciências

na educação básica brasileira, pois educadores em ciências entendem que essa

educação é restrita ao conhecimento de princípios de funcionamento de

determinados aparatos tecnológicos.

* Esse ensino está longe do que se almeja no ensino de ciências com ênfase em CTS.

* Letramento tecnológico implica a compreensão de como a tecnologia é dependente

dos sistemas sociopolíticos e dos valores e ideologias da cultura em que está inserida;

* Fleming (1989) – pessoa letrada tecnologicamente tem o poder e a liberdade de usar

esse conhecimento para examinar e questionar os problemas em sociotecnologia;

* Vargas (1994) – uma nação adquire autonomia tecnológica quando consegue uma

ampla harmoniosa interação entre os subsistemas tecnológicos, sob orientação e

decisão dos “filtros sociais”.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

* Grinspun (1999) – educação tecnológica deve ser vivenciada em todos os segmentos de

ensino, visando à formação de cidadãos críticos que possam transformar o modelo de

desenvolvimento tecnológico de nossa sociedade.

* Auler e Delizoicov (2001) consideram duas visões de tecnologia presentes nos

processos de LCT:

1) reducionista: desconsidera construções subjacentes à produção do conhecimento

C&T, como os que levam a uma concepção de neutralidade da C&T -> mitos (p. 482)

2) ampliada: busca a compreensão das interações entre CTS, associando o ensino de

conceitos à problematização desses mitos

*EC crítica = abordagem com a perspectiva de LCT com a função social de questionar os

modelos e valores de desenvolvimento C&T em nossa sociedade.

* Espera-se que o cidadão letrado possa participar das decisões democráticas sobre

ciência e tecnologia, que questione a ideologia dominante do desenvolvimento

tecnológico, mas não aceite a tecnologia como conhecimento superior.

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Currículos de ciência e letramento científico • EC na perspectiva de LC como prática social implica um currículo que supere o atual modelo de

ensino das escolas. Três aspectos vêm sendo considerados nos estudos sobre AC/LC:

• 1) natureza da ciência; 2) linguagem científica; e 3) aspectos sociocientíficos.

1) Natureza da Ciência:

* Aprender ciência = compreender trabalho e limitações dos cientistas, o que implica o

conhecimento sobre história, filosofia e sociologia da ciência (HFSC);

* Necessidade da compreensão da natureza científica no ensino de ciências, o que é essencial para

que o aluno entenda a ciência como atividade humana e não como atividade neutra distante dos

problemas sociais.

* A apresentação do caráter provisório das teorias da ciência abre espaço para que os alunos avaliem

as aplicações da ciência, levando em conta diversas opiniões de especialistas. Por outro lado, a

visão de ciência como incontestável e acabada fará com que os alunos tenham dificuldade em

aceitar mais de uma alternativa para resolver um problema.

* Segundo Cachapuz e colegas (2005), o ensino de ciências tem sido desenvolvido de modo

reducionista e descontextualizado.

* Para promover o LC é preciso que os alunos entendam a natureza da ciência por meio de estudos

sobre HFSC.

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2) Linguagem científica:

* Halliday e Martin (1993) demonstram que a linguagem científica apresenta características

específicas que a diferencia da linguagem cotidiana;

* Mortimer (1998) demonstra que a linguagem científica é um gênero do discurso que foi

construído socialmente pelos cientistas em sua prática. Linguagem científica é

estrutural e aparentemente descontextualizada, sem narrador e por isso torna-se

estranha e pouco acessível aos alunos.

* Halliday e Martin (1993) apontam que o discurso científico organiza os fenômenos por

meio de classificações e relatórios, o que o constitui como um gênero marcado pelo

uso de diagramas, gráficos, etc.

* Ensinar ciência é, portanto, ensinar a ler sua linguagem (gráficos, legendas, estrutura,

sintática e discursiva, etc.)

* Newton, Driver e Osborne (1999) consideram que o ensino de ciências deve ajudar o

aluno a construir um argumento científico que é diferente da argumentação baseada no

senso comum.

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* Brown, Reveles e Kelly (2005) afirmam que AC/LC = uso de termos técnicos e aplicação

de conceitos científicos, a avaliação de argumentos baseada em evidências e conclusões

a partir de argumentos apropriados.

* A escola não vem ensinando os alunos a fazer a leitura da linguagem científica nem a

argumentação. Os alunos aprendem termos científicos, mas não extraem significado de

sua linguagem.

* Norris e Phillips (2003) propõem uma mudança no sentido da alfabetização, pois as

discussões em torno da AL/LC têm enfatizado questões sociais e diminuído a

importância do ensino da linguagem científica. Nem mesmo o ensino tradicional tem

dado conta dessa questão.

* Para fazer uso social da ciência, o cidadão deve saber ler textos científicos sob vários

aspectos , por exemplo, fazer inferências.

* Autores apresentam sugestões de trabalhar a linguagem científica a partir de textos

científicos de jornais e mencionam a implicação da leitura desses textos para o ensino.

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3) Aspectos sociocientíficos:

* Esses aspectos referem-se a questões ambientais, políticas, éticas, econômicas, sociais e

culturais relativas à C&T. Têm sido recomendados no ensino de ciências para diversos

fins, os quais podem ser agrupados em:

1) relevância; 2) motivação; 3) comunicação e argumentação; 4) análise; 5) compreensão.

* Os ASC no ensino de ciência tem como objetivo propiciar a compreensão da natureza da

atividade científica e da argumentação, além de possibilitar uma reflexão crítica de

valores;

* O ensino na perspectiva de LC implica a resignificação dos saberes científicos escolares

que têm sido abordados de maneira descontextualizada, reproduzindo uma falsa

imagem de ciência, o que restringe a EC a uma precária alfabetização.

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Sistemas de avaliação do nível de alfabetização científica escolar

• Um dos desafios dos estudos de AC/LC => como medir o grau de alfabetização científica

da população escolarizada?

• Projetos visando realizar avaliações comparativas em diferentes nações:

• Third International Mathematics and Science Study (TIMSS)

• Programme for International Student Assessment (PISA)

• The Relevance of Science Education (ROSE)

• Esses exames demonstram como a imagem da ciência muda entre as culturas e

apontam prioridades a serem levadas em conta na AC.

• Uma das dificuldades dessas avaliações tem sido a elaboração de questões para medir o

entendimento dos alunos em relação e função social da ciência. Outro ponto de

dificuldade é decidir o que de essencial deve-se avaliar nos exames.

• Os resultados dos exames demonstram que a EC não é satisfatória, tanto em relação a

conceitos básicos quanto do papel social da ciência. O Brasil, por exemplo, teve o

segundo pior desempenho em ciências, conforme os relatórios PISA de 2003.

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* As escolas brasileiras têm avaliado mal os alunos, pois aplicam exames que não envolvem

aspectos básicos do que se espera do LC.

* Ainda temos um sistema elistista e dual na educação brasileira: uma escola para a elite e outra

para as camadas populares.

* Em ambos os casos, o parâmetro de referência para os currículos não inclui o que é essencial

para o LC, pois o ensino de ciências é descontextualizado e não desperta o interesse dos

alunos.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

Escolas, a maioria privada, que preparam para o ingresso no ensino superior

Escolas, a maioria públicas, preparam as classes populares para ingressar no mercado de trabalho

Currículo é voltado para conteúdos e modelos avaliativos adotados pelas instituições de ensino superior

Currículo é limitado a conteúdos básicos prescritos em livros didáticos que enfatizam a memorização de fórmulas, sistemas de classificação e nominalização.

Não avaliam adequadamente muitos dos aspectos essenciais do LC, que acabam longe do currículo escolar

São facilmente avaliados pelos professores e aprendidos facilmente por alunos, restringindo o ensino de ciência ao reconhecimento de vocábulos.

Considerações finais * Alfabetização e letramento = domínios diferentes da EC. Evocam processos escolares de

contextualização do conhecimento científico, incorporando-o como um bem cultural

mobilizado na prática social dos alunos.

* Trata-se de uma concepção de Educação Científica por meio do uso social.

* Processos de LC defendem abordagens metodológicas contextualizadas com aspectos

sociocientificos por meio da leitura de textos científicos que faça o aluno entender a

relação CTS, assim como tomar decisões pessoais e coletivas.

* Alfabetização que proporcione a interpretação do papel social das informações científicas,

isso implica mudanças nos processos metodológicos e avaliativos.

* Tornar a EC uma cultura científica significa desenvolver valores éticos e de sensibilidade,

popularizar o conhecimento científico pelo seu uso social como modos elaborados de

resolver problemas.

* Relevância do uso de meios informais de divulgação científica – jornais, revistas, programas

televisivos, entre outros.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

* Somam-se a isso as visitas a ambientes informais de educação, como museus de ciência,

jardins zoológicos, etc., pois são importantes estratégias para inculcar valores da ciência

na prática social.

* Trata-se de conhecer diferentes culturas na prática social, difundindo a EC em espaços não-

formais de educação os quais podem ser usados para contemplação e também para o

entendimento do seu papel social.

* O que o artigo tentou mostrar foram as contribuições advindas de estudos sobre o ensino

de ciências e sobre como essa educação pode ser pensada em disciplinas científicas por

meio de uma abordagem contextualizada.

* O desafio no ensino de ciências é a EC vista como um processo cultural dentro da

sociedade tecnológica, em que a linguagem científica seja vista como ferramenta cultural

na compreensão de nossa cultura moderna.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

Dependendo da concepção que se tenha do papel da EC temos diferentes concepções de

ensino:

1) EC com vistas ao ensino da linguagem científica para realizar exames ou obter certificados = modelo

convencional de escolas tradicionais é o mais “adequado”;

2) EC para formar cidadãos letrados em C&T = necessidade de ampla reforma no sistema educacional.

* No Brasil, o alto número de iletrados demonstra que há um longo caminho a percorrer.

* O nível de letramento, no qual as pessoas dominem a capacidade de compreensão de

modelos científicos, talvez não venha se consolidando nem em cursos de graduação e

pós-graduação em ciências.

* Há um espaço curricular a ser ocupado por ações educativas transformadoras em sala de

aula, e isso não requer laboratórios sofisticados, mas uma mudança nos propósitos.

* Para Barros (1998) a popularização do conhecimento científico é um mito não atingido.

* No entanto, ao contrapor letramento ao processo elementar de alfabetização, Santos

buscou demonstrar que esse mito é realizável

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

* Shamos (1995) também concorda com a dificuldade de tornar o público sensível e

informado em ciência.

* Reflexões sobre as concepções de EC demandadas na sociedade ainda podem contribuir

com aqueles que acreditam no ensino de ciência como prática social.

* Esse é um desafio para os profissionais que desejam mover-se de uma alfabetização

descontextualizada para o LC como prática social.

* O modelo de ensino almejado e que contribuirá para a formação de cidadãos críticos não é

aquele que se dá por meio da transmissão de conhecimento como um ornamento,

cultural nem por meio de livros didáticos sobrecarregados de conteúdos e culturalmente

descontextualizados que apenas ilustram as maravilhas das descobertas científicas.

* Mais importante do que a discussão terminológica entre alfabetização e letramento é a

construção de uma visão de ensino de ciências associada à formação científico-cultural

dos alunos, à formação humana centrada na discussão de valores.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios

Referências

SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 36, p. 474-550, Setembro a Dezembro de 2007.

Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios