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Educação do olhar: currículo como tecnologia de governo SCHNEIDER, Daniela da Cruz 1 ; VIEIRA, Jarbas Santos dos 2 1 Programa de Pós-Graduação em Educação – FaE/UFPel- [email protected] 2 Programa de Pós-Graduação em Educação – FaE/UFPel – [email protected] 1. INTRODUÇÃO Este texto estrutura-se sob duas proposições: a primeira delas diz respeito ao currículo, tratado aqui a partir de uma construção teórica que o aborda como tecnologia de governo. Enquanto a outra se encarrega dos Parâmetros Curriculares Nacionais Artes Visuais (ens. Fundamental – 5ª/8ª séries), compreendidos como “autores” de uma certa educação do olhar. O trabalho diz respeito à escritura de uma dissertação de Mestrado em Educação, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Fae/UFPel. O assunto aqui problematizado não é objeto específico da Dissertação. No entanto, configura-se como propulsor que está desencadeando uma série de outras problematizações. Ele é anterior ao problema de pesquisa, mas ao mesmo tempo age diretamente sobre. Tem por objetivo central a construção conceitual que diga de um currículo como tecnologia de governo. Realizada através de uma análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Artes Visuais (Ens. Fundamental), no documento as pistas para se pensar em uma educação do olhar, e essa, por sua vez, produzida através dessa concepção de currículo. Para tal empreendimento, utilizo-me de um referencial teórico perspectivado pelos estudos foucaultianos. Regulação, auto-regulação, governo, tecnologias do eu, educação moral, são alguns termos que dão direção ao ensaio e reconhecidamente pertinente a um conjunto de aforismos atribuídos aos escritos de Michel Foucault. 2. MATERIAL E MÉTODOS Neste momento o trabalho enquadra-se como uma pesquisa bibliográfica, entrecruzando os textos dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Artes Visuais (Ens. Fundamental), analisando os objetivos e critérios de avaliação, e a construção conceitual já exposta. Esse diálogo tem por finalidade evidenciar a formação de um olhar educado, resultado de um currículo que funciona como tecnologia de governo. Cabe ressaltar que a análise de currículo a qual compreende esse estudo é do currículo como texto, documento, não visa, à princípio, sua constatação e/ou verificação no campo das práticas pedagógicas, é anterior à sala de aula. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES O governo, a partir do referencial foucaultiano, diz respeito aos modos de agir sobre e a partir da subjetividade. Ele está diretamente relacionado a transformação do sujeito em uma direção prevista, calculada. Essa noção de governo está posta no pensamento foucaultiano como ação do próprio sujeito em

Educação Do Olhar: currículo como tecnologia de governo

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Este texto estrutura-se sob duas proposições: a primeira delas diz respeitoao currículo, tratado aqui a partir de uma construção teórica que o aborda comotecnologia de governo. Enquanto a outra se encarrega dos ParâmetrosCurriculares Nacionais Artes Visuais (ens. Fundamental – 5ª/8ª séries),compreendidos como “autores” de uma certa educação do olhar.

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  • Educao do olhar: currculo como tecnologia de governo

    SCHNEIDER, Daniela da Cruz1; VIEIRA, Jarbas Santos dos2

    1Programa de Ps-Graduao em Educao FaE/UFPel- [email protected] 2 Programa de Ps-Graduao em Educao FaE/UFPel [email protected]

    1. INTRODUO

    Este texto estrutura-se sob duas proposies: a primeira delas diz respeito

    ao currculo, tratado aqui a partir de uma construo terica que o aborda como tecnologia de governo. Enquanto a outra se encarrega dos Parmetros Curriculares Nacionais Artes Visuais (ens. Fundamental 5/8 sries), compreendidos como autores de uma certa educao do olhar.

    O trabalho diz respeito escritura de uma dissertao de Mestrado em Educao, desenvolvida junto ao Programa de Ps-Graduao em Educao Fae/UFPel. O assunto aqui problematizado no objeto especfico da Dissertao. No entanto, configura-se como propulsor que est desencadeando uma srie de outras problematizaes. Ele anterior ao problema de pesquisa, mas ao mesmo tempo age diretamente sobre.

    Tem por objetivo central a construo conceitual que diga de um currculo como tecnologia de governo. Realizada atravs de uma anlise dos Parmetros Curriculares Nacionais Artes Visuais (Ens. Fundamental), no documento as pistas para se pensar em uma educao do olhar, e essa, por sua vez, produzida atravs dessa concepo de currculo.

    Para tal empreendimento, utilizo-me de um referencial terico perspectivado pelos estudos foucaultianos. Regulao, auto-regulao, governo, tecnologias do eu, educao moral, so alguns termos que do direo ao ensaio e reconhecidamente pertinente a um conjunto de aforismos atribudos aos escritos de Michel Foucault.

    2. MATERIAL E MTODOS Neste momento o trabalho enquadra-se como uma pesquisa bibliogrfica,

    entrecruzando os textos dos Parmetros Curriculares Nacionais Artes Visuais (Ens. Fundamental), analisando os objetivos e critrios de avaliao, e a construo conceitual j exposta. Esse dilogo tem por finalidade evidenciar a formao de um olhar educado, resultado de um currculo que funciona como tecnologia de governo.

    Cabe ressaltar que a anlise de currculo a qual compreende esse estudo do currculo como texto, documento, no visa, princpio, sua constatao e/ou verificao no campo das prticas pedaggicas, anterior sala de aula.

    3. RESULTADOS E DISCUSSES

    O governo, a partir do referencial foucaultiano, diz respeito aos modos de agir sobre e a partir da subjetividade. Ele est diretamente relacionado a transformao do sujeito em uma direo prevista, calculada. Essa noo de governo est posta no pensamento foucaultiano como ao do prprio sujeito em

  • relao a si, como de outrem, seja o outro um individuo ou representativo de uma instituio.

    O que abordo aqui o currculo como uma tecnologia de governo da subjetividade. Assim, o poder a que me refiro est ligado a conduo dos sujeitos a uma determinada postura, a uma moral premeditadamente construda.

    O sujeito deste governo ressignificado como um sujeito de necessidade, atitudes e relaes. Sujeito objetivado como social, produzido pelas normas de um social, sem nenhuma exterioridade, e governado pelo nexo entre segurana, paz e prosperidade, afianadas pelo Estado de Bem-Estar Social. (CORAZZA, 2004, p. 84)

    Para atingir um fim, o sujeito governado (atravs de auto-regulao ou por outrem), subjetivado para obter um conjunto de competncias e habilidades que o permitem estar/alcanar o estado desejado/esperado. partir destes pressupostos, que se pode compreender o currculo como uma tecnologia de governo.

    O sujeito no existe: ele aquilo que fazemos dele. Subjetividade um artefato, uma criatura, das relaes de poder; ela no pode, pois, fundar uma ao contra o poder. esse precisamente o sentido da expresso tecnologias da subjetividade: a subjetividade um efeito, no a origem. (SILVA, 1998, p. 07)

    Governo este que age na matria subjetiva, regulando as experincias de si, capturando as tecnologias do eu. Todo este empenho feito para a construo de um sujeito normatizado, que, alfabetizado pela gramtica de uma moral especfica, relaciona-se com o mundo a partir de experincias reguladas. tambm, e sobretudo, um sujeito que v o mundo de uma determinada maneira. Tem seu olhar educado por essa moral. Tem suas experincias estticas moduladas, enquadradas... um olhar objetivo e propositado.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais (1997) relativos s Artes Visuais est no volume 6 (Arte) das publicaes dos documentos do Ensino Fundamental. Esse volume contempla 4 reas das artes (Artes Visuais, Dana, Msica e Teatro), institucionalizas pelo sistema educativo brasileiro, tornadas rea do conhecimento.

    Alguns termos presentes no documento so de especial interesse para este estudo, como competncias, habilidade, comunicao, respeito. Ao l-lo, pode-se perceber que estes termos so largamente utilizados e dizem respeito a uma determinada educao esttica. A exemplo disso, recorto a seguinte passagem: (...) o aluno poder desenvolver sua competncia esttica e artstica nas diversas modalidades da rea de Arte (...). (PCN, 1997, p. 53). Ou seja, nesta e em outras objetivaes do documento, fica clara a direta relao entre educao e competncia. O aluno deve desenvolver competncias, adquirir determinadas habilidades, a fim de obter um olhar educado para as artes visuais.

    As competncias listadas no documento dizem respeito a uma determinada postura que o aluno deve tomar, quando em relao com a produo artstica, como seu olhar deve direcionar-se a ela. Nesse caso, no possvel falar em mediao, o que acontece uma regulao moral do olhar, uma vez que so estabelecidas as regras para que os alunos encontrem-se com a produo artstica. Exige do aluno uma transformao da prpria experincia de si, no momento em que predizem de que formas este aluno deve deixar-se afectar com determinado objeto artstico/cultural e controlam a expresso destes em relao ao objeto. Os objetivos dizem como os alunos devem observar, como

  • experimentar, como identificar. uma lista a ser cumprida, que reafirma sua autoridade sobre essa educao do olhar.

    Jorge Larrosa (1998) diz que a educao moral deve ser entendida como uma interrogao do eu, a fim de que se torne pblico. Por meio da interrogao, se produz o Eu. E a interrogao exterior a este Eu, ela proposta com vistas em um determinado objetivo, posto pela exterioridade do sujeito, que, no momento em que se permite, deixa-se pensar atravs das interrogaes postas, estreitando os limites entre interioridade e exterioridade, tomando como seus os objetivos propostos por outrem. ao aprender os princpios dessa gramtica que o Eu construdo. (LARROSA, 1998, p.61), ou seja, apreendendo procedimentos da gramtica de interrogao que o sujeito subjetiva-se, transformando a prpria de experincia de si.

    Isso pode ser verificado nas atividades em que o aluno deve expressar-se, seja em relao ao seu produto artstico, seja do colega ou uma cultura diversa da sua. Infere-se que esta exposio do eu, por meio de interrogaes que dizem das suas impresses, sensaes, seus critrios de gosto, est diretamente relacionada a uma inspeo, que possibilita por sua vez uma determinada avaliao, um clculo. O que se sente, pensa, gosta, as sensaes postas por meio da linguagem que so matria do governo. a partir da mensurao e qualificao da fala a respeito de, que as medidas de regulao agem.

    Com respeito ao eu especfico que construdo na educao moral, as crianas aprendem duas coisas ao mesmo tempo: por um lado, as caractersticas especficas da gramtica de auto-interrogao e exibio pessoal que ocorrem na educao moral; e por outro lado, a classificao dessa gramtica como uma gramtica moral. (LARROSA, 1998, p. 61)

    Assim, o sujeito construdo pedagogicamente est exposto a uma determinada moral, mas no s isso, ele se constri dentro e a partir dessa moral. E a educao se d por meio da reteno da gramtica moral, compreendendo o que a moral e como deve expor sua apreenso nos exerccios que solicitem sua manifestao pblica. O Eu est incondicionalmente [im]posto na e pela linguagem. Neste jogo de relaes, o sujeito produz textos, mas ao mesmo tempo, os textos produzem o sujeito. As prticas discursivas produzem, ao mesmo tempo, os textos e a identidade de seus autores. (LARROSA, 1998, p.62)

    Na seqncia, Jorge Larrosa diz que a educao moral se d pela aquisio no de conhecimentos em si, mas de procedimentos. Isso verificvel nos critrios de avaliao e objetivos da rea de arte presentes nos PCNs Arte. A ateno est nos procedimentos, processos, metodologias para lidar com o conhecimento artstico, mas elas no dizem do conhecimento, no falam qual conhecimento.

    Desta forma, o sujeito pedaggico formado por esse currculo, est imerso dentro de uma condio moral, que deve ser adquirida, mas, principalmente, seu procedimentos devem ser incorporados pelos alunos, de modo a criar processos de auto-governo e auto-regulao.

    Assim, os PCNs-Artes Visuais, como textos proponentes e regulativos, esto em ampla consonncia com a concepo de currculo como tecnologia de governo, funcionando

    enquanto uma das formas privilegiadas de governamentalizar o Estado. Forma disposta por tcnicas de poder, modos de saber e efeitos de verdade, que positivam a educao moral dos escolarizados; fazem da administrao de sua subjetividade uma

  • importante tecnologia de governo; e t ransformam o campo do currculo numa nova, abrangente e eficaz ttica de governo do Estado. (CORAZZA, 2004, p. 80)

    4. CONCLUSES

    Como exposto, a concepo do currculo como tecnologia de governo est

    arquitetada em uma pedagogia psico-construtivista, que tem por finalidade uma educao moral. O ensino de arte, submetido como rea de conhecimento oficialmente reconhecido, compromete-se com essa diretriz curricular. Formando sujeitos com olhares modulados. Dando as regras para se apreender o mundo.

    Ao abordar o currculo como uma tecnologia de governo e, mais especificamente, a partir da anlise dos PCNs Artes Visuais, dizer de uma educao/formatao do olhar produto desse currculo, proponho desvios. O que gostaria de vislumbrar seriam outros pensamentos pensando, outros movimentos que promovessem um levante, mas sem intenes de estabelecer verdades. De possibilitar olhares que no fossem educados, porm totalmente desregrados, donos de liberdades no-reguladas. E assim, comprometidos com uma educao esttica e do olhar criador, de devir-criao. Com uma abertura do olhar, para proceder fora de universais e objetivos que modulem as formas de sentir o mundo. As problematizaes feitas a partir desse trabalho, me levam a pensar em uma educao da criao, efmera. Uma educao que permita o movimento incessante de criao de linhas de fuga, que possibilite a des-educao dos olhares e dos meios de se olhar para a prpria educao.

    5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    CORAZZA, Sandra Mara. O que quer um currculo? Pesquisas ps-crticas em Educao. Petrpolis, RJ: Editora Vozes, 2004.

    GARCIA, Maria Manuela Alves. Pedagogias Crticas e Subjetivao: uma perspectiva foucaltiana. Petrpolis, RJ: Vozes, 2002.

    LARROSA, Jorge. A construo pedaggica do sujeito moral. IN: SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Pedagogias Reguladas: A pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. Petrpolis, RJ: Vozes, 1998.

    _______________. Tecnologias do Eu e Educao. IN: SILVA, Tomaz Tadeu (org.).O sujeito da educao. Petrpolis, RJ: Vozes, 2010.

    Parmetros Curriculares Nacionais: arte/ Secretaria de Educao Fundamental. Braslia: MEC/SEF, 1997.

    ROSE, Nikolas. Governando a alma: a formao do eu privado. IN: SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Pedagogias Reguladas: A pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. Petrpolis, RJ: Vozes, 1998. (pg. 30-45)

    SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Pedagogias Reguladas: A pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. Petrpolis, RJ: Vozes, 1998.

    _______________. O sujeito da educao. Petrpolis, RJ: Vozes, 2010.