120

EDUCAÇÃO E RACIONALIDADE - pucrs.br · Subjetividade I. Título. II. Série C.D.D 370.1 Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Central

  • Upload
    vuminh

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

EDUCAÇÃO E RACIONALIDADE CONEXÕES E POSSIBILIDADES DE UMA RAZÃO

COMUNICATIVA NA ESCOLA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

Chanceler: Dom Altamiro Rossato

Reitor: Ir. Norberto Francisco Rauch

Conselho Editorial:

Antoninho Muza Naime

Antonio Mario Pascual Bianchi

Délcia Enricone

Jayme Paviani

Jorge Alberto Franzoni

Luiz Antônio de Assis Brasil e Silva

Regina Zilberman

Telmo Berthold

Urbano Zilles (presidente)

Diretor da EDIPUCRS: Antoninho Muza Naime

EDIPUCRS

Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 33

C. P. 1429

90619-900 Porto Alegre RS

Tel.: (051)339-1511 r: 3323

Fax: (051)339-1564

Nadja Hermann Prestes

EDUCAÇÃO E RACIONALIDADE CONEXÕES E POSSIBILIDADES DE UMA RAZÃO

COMUNICATIVA NA ESCOLA

Coleção

FILOSOFIA – 36

Porto Alegre

1996

Copyright de Nadja Hermann Prestes

FICHA CATALOGRÁFICA

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico da

Biblioteca Central – PUCRS

Capa: José Fernando Fagundes de Azevedo

Diagramação: Cristina Mancini Berengan

Diagramação da versão digital: Paolla Monticelli

Impressão: EVANGRAF

Revisão: A autora

P936e Prestes, Nadja Mara Hermann

Educação e racionalidade: conexões e

possibilidades de uma razão comunicativa na escola/

Nadja Mara Hermann Prestes. – Porto Alegre:

EDIPUCRS, 1996.

138 p. – (Coleção Filosofia: 36)

1. Educação – Filosofia 2. Habermas, Jürgen –

Crítica e Interpretação 3. Racionalidade 4.

Subjetividade I. Título. II. Série

C.D.D 370.1

Reconhecimento

Esta pesquisa se tornou possível graças ao apoio das seguintes

instituições:

CNPq - que me concedeu bolsa de estudos para realizar o Curso de

Doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul;

DAAD e CAPES - que me possibilitaram realizar o estágio de pesquisa

na Universität Heidelberg / Erziehungswissenschaftliches Seminar;

PUCRS - que me concedeu redução da carga horária de trabalho para

realizar os estudos de Doutorado.

In memoriam

a meus pais, Theodoro e Zeny.

Ao Natanael, ao Thiago e ao Matheus, pela generosidade com que

compartilham suas vidas comigo.

“Nunca é muito tarde para a razão.” (Hans-Georg Gadamer,)

“Eu estou à procura dos vestígios de uma razão que reconduza, sem

apagar as distâncias, que una, sem reduzir o que é distinto ao mesmo

denominado,; que entre estranhos torne reconhecível o que é comum, mas

deixe ao outro sua alteridade.” (Jürgen Habermas)

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10

1. A problemática ......................................................................................... 10

2. Referências para a construção do objeto de pesquisa............................... 12

3. As relações entre filosofia e educação ..................................................... 13

I - A RACIONALIDADE, A MODERNIDADE E A CRÍTICA DA RAZÃO 15

1. A razão e o princípio da subjetividade: referências conceituais .............. 15

2. A crítica da racionalidade ......................................................................... 22

2.1. Nietzsche e o ataque à razão ............................................................. 22

2.2. Horkheimer e Adorno: o desmoronamento da razão ........................ 24

II - AS CONEXÕES DA MODERNIDADE E DA RACIONALIDADE COM

A EDUCAÇÃO ................................................................................................ 30

1. A construção do sujeito: o fundamento teórico da educação ................... 30

1.1. O sujeito e a consciência de si .......................................................... 32

1.2. O sujeito construtor de sentido ......................................................... 34

1.3. O sujeito e o mundo do sentido ........................................................ 41

1.3.1. O problema da compreensão hermenêutica ............................... 42

2. A escola moderna: uma mediação para a construção do sujeito .............. 46

3. As relações entre a crítica da racionalidade e a educação: a reprodução das

insuficiências da razão ................................................................................. 48

4. Educação e subjetividade - a crise do fundamento normativo da educação

...................................................................................................................... 52

III - UMA NOVA FORMULAÇÃO DE RACIONALIDADE: A RAZÃO

COMUNICATIVA DE JÜRGEN HABERMAS ............................................. 57

1. O pensamento de Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo ............... 57

1.1. O significado da racionalidade.......................................................... 58

1.2. A racionalização social ..................................................................... 66

1.3. A teoria da comunicação e os sistemas sociais ................................. 67

1.4. O mundo da vida e o sistema ............................................................ 69

1.5. A conclusão habermasiana: a razão comunicativa e as tarefas de uma

teoria crítica da sociedade ........................................................................ 73

2. As críticas a Habermas ............................................................................. 76

9

IV - RACIONALIDADE COMUNICATIVA E EDUCAÇÃO:

PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES ......................................................... 86

1. O significado da mudança do conceito de racionalidade para a

educação ...................................................................................................... 87

1.1. A exigência de uma racionalidade comunicativa na ação

pedagógica .............................................................................................. 87

1.2. O princípio da subjetividade: da razão centrada no sujeito à

intersubjetividade da racionalidade comunicativa ................................... 90

1.3. A racionalidade como aprendizagem e a aprendizagem da

racionalidade ........................................................................................... 91

1.4. A reflexão e a tomada de consciência ............................................... 95

2. Formação do sujeito: a renovação da tarefa básica da educação escolar

...................................................................................................................... 98

3. O reconhecimento da estrutura antinômica da escola: entre as coações

sistêmicas e os espaços do mundo da vida ................................................. 101

4. A educação pode ser emancipatória? ..................................................... 102

CONCLUSÃO ................................................................................................ 105

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 109

10

INTRODUÇÃO

1. A problemática

Os tempos são difíceis para a educação escolar. O século XX trouxe, com

a implosão da unidade da razão, com a perda das justificações metafísicas, um

grande problema para o fundamento educativo. A tradição clássica do pensamento

pedagógico estremece diante das incertezas das ciências humanas e vê-se sitiada

pelos mais variados apelos decorrentes da especialização do saber e da

complexificação da sociedade. Entretanto, convém lembrar que a denominada crise

na educação não é mais nem menos que a crise da modernidade e da racionalidade,

das quais a educação se apresenta como filha promissora.

Entendo que a racionalidade presente no agir comunicativo é uma das

abordagens mais produtivas para configurar uma nova face à educação, que não só

permita compreender os problemas que a afligem, como também anuncie uma

ação racional possível. Quero defender a possibilidade de uma ação emancipatória

na escola, a partir da constituição de um sujeito, cuja racionalidade não seja nem a

instrumental nem a do procedimento. Para a ação pedagógica, a problemática

centra-se nas difíceis relações entre racionalidade e liberdade e a legitimidade do

processo educativo para formar a identidade de sujeitos.

Além do paradoxo clássico formulado por Kant “como educar para a

liberdade, sem coação”, há o paradoxo gerado pelas ações sem sentido, que

penetram na modernidade, não aceitando outros critérios de ação senão aqueles

ditados pelo império da razão instrumental. A educação, então, de paradoxo em

paradoxo, torna-se também um mero “resíduo” em relação ao seu

compromisso originário com a emancipação humana.

Horkheimer já denunciou a degradação da razão objetiva pelos ditames da

razão subjetiva, em que uma ação técnica retira todos os vínculos constitutivos da

ordem social. Nessa perspectiva, quero sublinhar que a assim chamada crise da

educação está diretamente vinculada à crise da modernidade e a escola, enquanto

um fragmento dessa racionalidade, traz em si sua marca e suas fissuras. Dessa

maneira, quando professores, sobretudo, sentem-se impotentes diante das

diferentes solicitações que lhes chegam (reformas curriculares, implementação de

decisões políticas arbitrárias, ajuste de programas às necessidades de mercado,

revisão de projeto pedagógico, entre outras), devem reconhecer que tais pedidos

decorrem de uma racionalidade que se fragmenta numa multiplicidade de esferas,

que se mantém como saberes incomunicáveis, como mônadas incomunicáveis.

A falta de articulação entre a multiplicidade e a unidade fragmenta a

ação escolar, compromete a formação da identidade do sujeito e exclui a

11

necessária reflexão sobre as tradições culturais. Assim, se esgaça o tecido que

mantém a educação vinculada à produção da vida humana.

A questão debatida hoje é se o fim da modernidade se impõe ou se há

justificativas para continuar buscando uma razão esclarecida e, com ela, uma

educação que promova a autonomia e o esclarecimento. A problemática da perda

de sentido, da redução dos conteúdos cognitivos da razão, da sociedade moderna

como ilusão coletiva e de um possível esgotamento do projeto da modernidade é

interpretada por Habermas de forma positiva: a modernidade é um “projeto

inacabado”1. Entretanto, a razão é resultado de aprendizagem, de uma evolução

social, e pode continuar submetendo à crítica o processo que a tutelou aos ditames

das ações estratégicas.

A razão não é mais aquela anunciada no século XVIII, desconhecedora de

seus próprios limites, que se formulou pretensiosamente e que julgou produzir toda

a verdade. As múltiplas dimensões da razão reveladas no processo histórico trazem

para a educação novos questionamentos. Desse modo, a formação de sujeitos

racionais com competência cognitiva e moral, amplia-se pela interpretação

hermenêutica, pela crítica da razão e pela comunicação dialógica. Tais

interpretações redesenham os fundamentos da ação pedagógica.

É nesse contexto amplo que, originariamente, surgiram as questões

orientadoras desta pesquisa, ou seja, as relações entre racionalidade e educação.

Uma análise, em primeiro plano, já identifica que a educação está sempre

envolvida com a racionalidade, pelo menos, no sentido empírico de um sujeito que

constrói e consolida estruturas individuais de racionalidade. Mas, por outro lado,

que racionalidade está presente nas ações pedagógicas? Pode a educação continuar

sua tarefa de formação de sujeitos, desconhecendo a crise que assola sua base de

justificação? Quais as implicações para a prática pedagógica de uma nova

formulação de racionalidade?

1 J Habermas refere-se, pela primeira vez, à “modernidade como, projeto inacabado” em

discurso proferido na Paul Kirche, em 1 de setembro de 1980, por ocasião da entrega do Prêmio

Adorno. Nesse texto, Habermas afirma que, no século XX, não há mais motivo para a crença

originária dos iluministas, de que as artes e as ciências levariam ao progresso moral, à justiça e à

felicidade entre os homens, ―mas o problema permaneceu e, como outrora, os espíritos se

dividem quanto a saber se consertam as intenções do Iluminismo, por mais abaladas que

estejam, ou dão por perdido o projeto da modernidade, pretendendo enxergar os potenciais

cognitivos (na medida em que não entram no progresso técnico, no crescimento econômico e na

administração racional) como se fossem de tal maneira restritos, que uma prática de vida

voltada para tradições enfraquecidas permanece intocada por eles”. Posteriormente, retoma o

tema na obra Der Philosophische Diskurs der Moderne, publicada em 1985 (tradução portuguesa

de 1990), onde se propõe a “reconstruir, passo a passo, o discurso filosófico da modernidade

12

Esse conjunto de questões circunscrevem-se no âmbito de determinadas

referências teóricas, que se complementam para construir o sentido da educação,

tecida pela reflexão filosófica. Tais referências estão expostas a seguir.

2. Referências para a construção do objeto de pesquisa

O questionamento traz uma certa antecipação, uma orientação em relação

ao problema a ser pesquisado. Nesse sentido, os antigos já afirmavam que um

problema bem formulado tem parte da resposta obtida. A questão é, portanto, a

demarcação do espaço e do tempo em que surge a possibilidade de resposta. A

pergunta só pode ser formulada no horizonte de possibilidades teóricas.

O objeto da investigação pressupõe: 1°) uma estrutura cognitiva, uma

razão que orienta o olhar sobre a realidade; 2°) uma relação no espaço e no

tempo, que vai configurar uma determinada abordagem do objeto.

O problema desta pesquisa tem sua origem em minha própria prática

como professora de filosofia, tanto a nível de 2° grau como na Universidade.

Tal experiência permite a análise das contradições que ocorrem entre o papel

originário da educação, enquanto vinculada à idéia emancipatória e de

maioridade do homem, e o desenvolvimento, na prática educativa, de uma

razão que reduz seus conteúdos éticos e de liberdade.

A reflexão sobre a prática pedagógica revelou as implicações de uma

razão que se fragmenta e a perda de confiança em um ideal de educação que

pretendia, nos moldes da filosofia da consciência do sujeito solitário

cartesiano, ser necessariamente “libertadora”. Construir uma possível

emancipação pela educação está a exigir uma profunda compreensão de que

racionalidade subjaz à ação escolar.

O delineamento das relações entre racionalidade e educação foi

elaborado de acordo com as seguintes formulações:

a) A vinculação da educação com a modernidade e a racionalidade

autoriza compreender, por um lado, como a razão se estrutura e se fragmenta na

cultura moderna, reduzindo-se a uma dimensão cognitiva-instrumental. Por outro

lado, permite configurar de que modo a razão, formulada como autoconsciência,

nos moldes da filosofia do sujeito, sustentou a base de justificação da educação

escolar. Assim, o princípio da subjetividade e a possibilidade de formação de

sujeitos com autoconsciência e autonomia de ação (seja moral ou intelectual)

constituem-se em fundamentação da ação pedagógica. A subjetividade é um ponto

central do iluminismo e da modernidade que pode ser complexificado em seus

modos, condicionamentos e conflitos.

b) No entanto, a subjetividade, enquanto uma teoria filosófica, não atua

diretamente sobre a educação; sua tradução se dá pelas ciências humanas. Nesse

13

sentido, uma das referências para entender a subjetividade é a possibilidade de

autoconstituição da razão no plano das ciências empíricas, como propõe a

Epistemologia Genética. A perspectiva ontogenética de Jean Piaget mostra a razão

como resultado de um processo contínuo de construção, a partir de sua base

biológica. Mas essa razão não se constitui fora do mundo prático e da história e

conhecer a gênese das estruturas cognitivas não abarca a totalidade dos aspectos

que constituem a racionalidade. Para evitar o risco de unilateralidade lógica, a

hermenêutica auxilia na compreensão dessa racionalidade. Ou seja, a racionalidade

não é desligada das condições particulares do sujeito. A introdução da

hermenêutica na compreensão da subjetividade traduz os conflitos e

questionamentos produzidos à pretendida objetividade da razão. Assim, o interesse

se refere à razão que se cria em instâncias mais complexas.

c) As relações do homem com o mundo social são mediadas pela

racionalidade forjada no desenvolvimento histórico. A promessa inicial de uma

razão emancipatória foi travejada por irrazões, por opções que produziram a

crítica da razão. A constatação factual de uma razão instrumental, dominante

nas sociedades modernas, é indispensável para compreender como não se

realizam mais as condições objetivas necessárias à formação do sujeito, o que

gera problemas para o fundamento normativo da educação. Esse aspecto é

analisado pela crítica da razão.

d) Habermas também comunga com a crítica formulada no século XX de

que as sociedades modernas conduzem a um modelo de racionalidade unilateral e

inconsistente. Contudo, sem renunciar ao ideal da modernidade, da ciência e da

autonomia, formula um novo entendimento de razão, baseado nos atos de fala e

vinculado à concretude do homem social, que tem a possibilidade de orientar sua

ação não só de forma instrumental e estratégica, mas capaz de produzir acordos.

A racionalidade resulta desse processo de aprendizagem e apresenta

uma duplicidade: de um lado, um processo individual e, de outro, um

processo da humanidade. Ou seja, a razão passa por uma evolução tanto do

ponto de vista ontogenético corno do filogenético. A educação faz um ponto

de clivagem nesse processo, na medida em que a formulação de uma nova

racionalidade traz implicações para a teoria pedagógica e exige revisão de

suas categorias. Trata-se, assim, de uma renovada interpretação da base de

justificação do processo educativo.

É preciso recolocar o vínculo entre educação e racionalidade,

explicitando as categorias que viabilizam a formação da identidade racional dos

sujeitos a partir do interesse em comunicação, livre de coações.

3. As relações entre filosofia e educação

14

Essa investigação situa-se no campo da filosofia da educação e busca o

exercício reflexivo e argumentativo em torno de um problema, que emerge do

mundo prático, busca des-cobrir uma realidade enfrentada problematicamente.

Pretende-se, por um lado, que a filosofia responda aos questionamentos originados

na prática educativa e, por outro, que a própria educação traga sua contribuição à

filosofia, produzindo uma reflexão filosófica sobre a natureza do educar.

A filosofia da educação é um tipo de saber globalizador, compreensivo

e crítico do processo educacional, que envolve a explicitação dos pressupostos

que justificam a ação pedagógica. Nesse sentido, a filosofia da educação

ilumina questões que se tornam obscurecidas pela dificuldade de superar

contradições reinantes no campo educativo, quando os velhos fundamentos

metafísicos perdem seu vigor explicativo para justificar a formação da

identidade pessoal e cultural dos sujeitos.

O centro desta investigação é a teorização educativa que pretende

compreender criticamente a racionalidade presente nas ações pedagógicas para

avaliar as suas conseqüências.

Tendo como referência as demarcações teóricas expostas na

introdução, a pergunta fundamental que orientou a investigação é:

• reconhecido o vínculo da escola com o projeto da modernidade,

enquanto constituindo o sujeito dotado de uma razão universal, que

implicações a crítica da razão e a formulação de um conceito de racionalidade

capaz de emancipar-se trazem à educação escolar?

O problema acima tem o seguinte desdobramento:

• que transformações são exigidas na teoria pedagógica com a mudança

da filosofia da consciência pela filosofia da linguagem, onde se acentuam o

caráter dialógico e comunicativo da razão?

As respostas a estas perguntas possibilitaram estruturar os capítulos

subseqüentes, que buscam uma nova perspectiva para o entendimento da educação.

15

I

A RACIONALIDADE, A MODERNIDADE E A

CRÍTICA DA RAZÃO

1. A razão e o princípio da subjetividade: referências conceituais

Desde a clássica formulação de Aristóteles de que o homem é um

animal racional2, capaz de dizer a si e ao mundo, o tema da razão e a formação

de sujeitos racionais tem sido central para a educação.

Enraizada nas aspirações do projeto da modernidade, com o enunciado

de uma razão esclarecedora, a escola encontra a fundamentação de sua ação na

racionalidade e no princípio da subjetividade. Assim, os diversos discursos

sobre racionalidade compõem o conteúdo normativo da educação e a

justificação para a formação do sujeito e sua pretendida emancipação.

Nessa perspectiva, a análise subseqüente pretende caracterizar

brevemente a racionalidade ocidental para entendê-la em seu vínculo com as

tarefas da educação escolar.

A racionalidade moderna tem origem no empirismo e no racionalismo

do século XVI. O empirismo, proposto por Bacon, aposta na emergente ciência

do seu tempo, dizendo que o homem poderá “prever para prover”.

Ele vivencia as primeiras conquistas da ciência e isso o entusiasma

pela capacidade humana dominadora em relação à natureza. O saber não é

contemplação, mas guia de ação. “Saber é poder” e o homem sabe quando

interroga, observa a natureza. Os instrumentos fornecidos pela lógica

tradicional aristotélica não permitiam que o homem dominasse o mundo. Para

dominá-lo e ter uma ação direta sobre ele seria preciso uma determinada forma

de representação; ou seja, o caminho da indução e da experimentação aparecia

como sendo adequado aos interesses em questão.

A essência do entendimento humano entrelaça conhecimento e

natureza. É sob o relacionamento direto entre sujeito e objeto que se estabelece

o princípio fundamental do empirismo de que “nada há no intelecto que não

tenha passado pelos sentidos”.

2 Conforme Aristóleles, na Metafísica I e De Anima II, capítulo 3, onde o filósofo anuncia o

homem como um ser que possui razão e tem desejo de saber, “a possibilidade de ensinar é

indício de saber” (Aristóteles, Metafísica I, p.212). O homem como animal racional é um ser

que, além de corpóreo e sensitivo, é dotado de razão

16

O Novum Organum proclama o experimentalismo com vistas a dominar

os fenômenos e obtém como resultado o que conhecemos da história da ciência

moderna: o grande êxito do avanço tecnológico até os impasses atuais. Essa

racionalidade produz resultados com os quais o homem tem dificuldade de lidar.

Outra formulação da racionalidade moderna se refere ao racionalismo.

Descartes desenvolve seu pensamento influenciado pela questão do método e pela

necessidade de romper com as premissas que havia recebido em sua formação.

Para ele, não se trata apenas de interpretar a natureza, mas também de tematizar a

validade do conhecer. A matemática e sua evidência não permitem dúvidas e, com

isso, o problema da evidência da razão, que é o primeiro absoluto do conhecer

humano. O pensamento é o ponto de partida da verdade, o seu critério supremo.

Assim a racionalidade traz as bases do pensamento moderno com a exigência da

subjetividade. Sendo a matemática o modelo do conhecimento, o método é a

dedução e a verdade dependerá da investigação racional.

A racionalidade ocidental se revela, então, no modo de fazer ciência,

conforme o projeto baconiano-cartesiano, dominante desde a modernidade até

o século XX, quando começou a ser criticado. Nenhum conhecimento pode

aspirar legitimidade de verdade e cientificidade se não satisfizer as exigências

de um tipo de racionalidade desenvolvida pelas ciências empírico-matemáticas

de objetivação do mundo. A idéia é provar, demonstrar, matematizar através de

unidades intelectualmente previsíveis, claras, impossíveis de serem recusadas.

Isso gera o mito de que tudo pode ser explicado e conduzir à Verdade.

A opção da modernidade por esse modelo de racionalidade tem

justificado a ação de controle e previsões de ação do sujeito sobre o objeto.

A modernidade que nasce com o iluminismo3, no século XVIII, apoia-

se justamente na possibilidade da razão de enunciar verdades universais, de

entender e dominar o mundo, superar os mitos e as forças mágicas, de forma a

emancipar o homem. Retira- se a tutela de um princípio organizador exterior ao

próprio homem, surgindo a possibilidade de que ele construa racionalmente seu

destino, livre de tirania. Caem assim os fundamentos teológicos e o mundo é

secularizado. Propõe-se uma ordem fundada na razão, um ideal de ciência, que

permita a liberdade do reino da necessidade.

3 O termo iluminismo apresenta muitos equivalentes em línguas neolatinas, tais como

“ilustração”, „filosofia de luzes”. Na filosofia alemã, encontra-se o termo “Aufklärung”,

traduzido como esclarecimento, que revela um processo social, político e histórico mais amplo

que um movimento filosófico específico. Sérgio Paulo Rouanet, em As Razões do Iluminismo

(1987), distingue ilustração e iluminismo, atribuindo o termo ilustração “exclusivamente para a

corrente que floresceu no século XVIII” e o termo iluminismo, à “tendência intelectual não

limitada a qualquer época específica, que combate o mito e o poder a partir da razão” (p.28).

17

A perda do fundamento teológico prevalente na ordem social anterior

traz, juntamente com a secularização, a confiança na razão humana, que passou

a substituir Deus. Isso leva a razão a um conhecimento objetivo obtido pelas

ciências modernas, de dominação do mundo.

A teoria pedagógica está, em princípio, relacionada com o

iluminismo: uma razão capaz de libertar a humanidade, iluminismo e

educação são, nesse começo histórico, conceitos que se identificam. Eles

significam que o homem apresenta-se a si mesmo em sua natureza e razão,

em sua consciência e seu desejo, em sua liberdade e peculiaridade4. Nessa

perspectiva, a racionalidade tem um caráter emancipatório, que normatiza a

educação. Entretanto, a razão, enquanto cálculo estratégico de ações e

pervisibilidade, tem tido supremacia sobre os conteúdos éticos e de liberdade,

conforme a crítica que será enunciada no próximo item.

A educação não trabalha como uma meta mecânica, com uma

racionalidade dedutiva e enfrenta hoje uma profunda crise, porque não

consegue desvincular a educação humana dos ditames de uma razão

“em que passa a valer como racional, não

mais a ordem das coisas encontrada no

próprio mundo ou concebida pelo sujeito, nem

aquela surgida no processo de formação do

espírito, mas somente a solução de problemas

que aparecem no momento em que se manipula

a realidade de modo metodicamente correto”

(Habermas, 1990, p.44).

A compreensão de como o conceito de razão fundamenta a educação,

sobretudo na justificação da razão ser capaz de enunciar princípios com

validade universal, requer o entendimento da inserção de Kant em seu diálogo

com o racionalismo e o empirismo. Kant entende que deve haver uma base

dentro do próprio sujeito capaz de dar sustentação ao processo conhecedor.

Segundo o autor, há uma capacidade originária da razão e o sujeito impõe ao

mundo suas condições de compreensão, ao contrário do que pensavam os

gregos, que diziam haver um mundo independente de nós.

Kant questiona se podemos restringir o conhecimento a um

conhecimento do mundo objetivo. Se não é possível argumentar de modo

empirista, o nosso conhecimento tem uma base dentro do próprio sujeito. Ou

seja, o sujeito impõe ao objeto suas condições de compreensão (posteriormente,

Piaget transformará essa análise em base teórica, comprovada empiricamente).

4 Ver Cap. II, item 1.1 deste trabalho, onde aparece a formulação de Kant para educação,

conforme as aspirações da razão iluminista.

18

Kant não pode recorrer à experiência para fundamentar as condições da razão,

pois isso inviabilizaria falar da autonomia da razão. A autofundamentação da

razão (autoconsciência) foi necessária para que a burguesia substituísse os

fundamentos teológicos, prevalentes antes da modernidade. Fortalece-se o

princípio de subjetividade que justificará a ação pedagógica: o sujeito capaz de

obter sua própria humanização pela ação racional.

A autonomia da razão é o que Kant destaca para legitimar a questão

moral e política. Essa racionalidade aposta no impulso crítico de si em busca de

seu próprio esclarecimento. É nesse sentido que Kant compreende a inspiração

dos tempos modernos e atribui ao homem a “menoridade autoculpada ―. A

razão não pode estar tutelada por poder nenhum que impeça de produzir uma

crítica rigorosa de si mesma, necessária à emancipação do homem, como

apregoa o iluminismo, definido como

“a saída do homem de sua menoridade, da

qual ele próprio é culpado. A menoridade é a

incapacidade de fazer uso de seu entendimento

sem a direção de outro indivíduo. O homem é o

próprio culpado dessa menoridade se a causa

dela não se encontra na falta de entendimento,

mas na falta de decisão e coragem de servir-se de

si mesmo sem a direção de outrem. Sapere Aude!

Tem coragem de fazer uso de teu próprio

entendimento, tal é o lema do esclarecimnento

(„Aufkärung‟)” (1974b, p.100).

Como o homem é responsável pela sua menoridade, sua tarefa é

livrar-se dela.

Kant, além da razão teórica, ao reconhecer a razão prática, toma-a o

fundamento de todas as ações políticas, sociais e culturais. É uma razão

orientada para a liberdade, Essa é uma das principais vertentes da modernidade

filosófica e justificadora da ação pedagógica.

Portanto, em sua formulação originária, a razão não é meramente

dedutiva, manipuladora dos objetos, mas uma expressão de liberdade e eticidade.

A filosofia do sujeito de Kant dá surgimento ao sujeito moral, fundamento de todas

as suas determinações, simultaneamente, sujeito de ação e de conhecimento.

A idéia moderna de uma razão, concebida como uma força que permitirá

ao homem atuar no mundo, consciente de seu próprio valor, é tematizada também

por Hegel. No entanto, são diferentes as posições de Kant e Hegel. Em Kant, a

razão teórica se circunscreve no âmbito da experiência e a razão prática funda a

moral autônoma. O entendimento (Verstand) permite conhecer algo da realidade

objetiva, sobre a qual o sujeito não pode agir e a razão (Vernunft) pensa o sujeito

19

em sua ação transformadora. Kant afirma o dualismo entre o inteligível (liberdade)

e o sensível (natureza). Hegel recusa a dualidade sujeito-objeto, aceitando a

identidade entre as determinações do pensamento e do objeto. A razão deve juntar

os fragmentos e reuni-los num todo para que o movimento do real lhe configure

significado. A não separação entre o objetivo e o subjetivo se expressa na

conhecida afirmação “Todo o racional é real e todo real é racional”. A razão

hegeliana que busca a unidade realiza-se na história, presente nos movimentos de

continuidade e ruptura. Pelo passo triplo da dialética (tese-antítese- síntese), a

razão, presente na história, progride para a liberdade. Ela é história: uma razão que

se sabe a si mesma. Nesse processo, os indivíduos se tomam conscientes da razão,

do espírito e da eticidade que existe na práxis humana. Tanto a razão como o

sujeito tornam-se história. Trata-se de uma metafísica da reconciliação.

A racionalidade do sistema hegeliano, que abarca todas as construções

humanas, leva a educação a buscar e conhecer essa racionalidade para conduzir

o homem à liberdade.

Como em Hegel o universal está no particular, o finito no infinito, a

educação vai ser um dos momentos em que o espírito se realiza em cada

indivíduo. A razão, enquanto princípio unificador, torna-se efetiva nas

determinações e nas diferentes mediações do processo educativo. Cada

particular realiza em si o universal. E, ao mesmo tempo que tudo é universal, é

na singularidade de cada um que se realiza a racionalidade do ser.

É Hegel quem vai desenvolver o conceito mais preciso de modernidade

como autocompreensão5. Refere-se à modernidade usando um conceito de

época, os termos modernos, expressando a convicção de que o futuro chegou

(há uma consciência histórica). Tematiza a modernidade, relacionando-a com a

consciência de tempo e racionalidade.

Para que o homem confira efetividade à sua prática, de modo a cumprir as

aspirações dos tempos modernos, estabelece-se o positivismo da eticidade: as

relações entre os homens não são mais baseadas na autoridade externa (proveniente

da religião), mas na razão universal. A modernidade, então, tem que se justificar a

si mesma e criar as normas que a regem. Um dos princípios que a orienta é a

subjetividade: o mundo é o espírito que se aliena de si próprio. Essa subjetividade é

liberdade, é a reflexão (flexão sobre si) do espírito. Conforme Hegel:

“Na representação que exprime o absoluto

com Espírito está expresso que o verdadeiro é

efetivo somente com sistema, ou que a

5 Conforme J. Habermas, em Der Philosophische Diskurs der Moderne (tradução portuguesa,

1990, p. 16). Nesta obra, Habermas analisa que a subjetividade auto-ativa em Hegel permite que

a modernidade extraia dela o conteúdo normativo de autoconsciência e auto- realização.

20

substância é essencialmente sujeito. E esse o

conceito mais elevado que pertence à Idade

Moderna e à sua Religião” (1974, p.22).

Na análise da modernidade na filosofia hegeliana, Habermas indica a

Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa como os acontecimentos que

estabeleceram o princípio da subjetividade:

“Contra a fé na autoridade da prédica e da

tradição o protestantismo proclama a soberania

do sujeito que faz valer o seu próprio

discernimento: a hóstia não passa de massa de

farinha, as relíquias não são mais do que ossos.

Logo depois a Declaração dos Direitos do

Homem e o Código Napoleônico consagraram,

em detrimento do direito histórico, o princípio do

livre arbítrio como fundamento substancial do

Estado” (1990, p,28).

O princípio da subjetividade leva ao desdobramento do espírito e cria

as configurações da cultura moderna: as ciências, as artes, os códigos morais,

as leis. A ciência é a expressão do sujeito cognoscente que abandona as

explicações mágicas. As normas morais reconhecem a liberdade subjetiva e as

leis universais reconhecem a vontade subjetiva. A arte é a expressão da

interioridade absoluta. Assim, a modernidade é uma encarnação do princípio da

subjetividade. Habermas afirma:

“Trata-se da estrutura da auto-relação do

sujeito cognoscente que se debruça sobre si como

sobre um objeto para se compreender como uma

imagem refletida num espelho, precisamente,

„numa atitude especulativa” (1990a, p.29).

Ao trazer à tona o princípio da subjetividade, a modernidade expressa

sua fé no sujeito com capacidade de reflexão, que conquista sua autonomia e

liberdade. A idéia do sujeito autônomo surge, portanto, com a modernidade e

sua fé na razão. Tem-se, assim, uma razão apoiada no princípio da

subjetividade e, como autoconsciência, é capaz de construir toda a verdade.

Marx, embora tenha reconhecido a concepção de uma auto- construção do

homem pela consciência de si, discorda de seu caráter excessivamente abstrato. O

autor reivindica, através da crítica da razão, a prática social de homens concretos,

na qual produzem sua existência e suas representações. É com Marx que surge a

idéia de uma razão como falsa consciência. A ideologia é um conceito que revela a

21

produção do conhecimento determinado pelos interesses sociais. Marx reconhece

as determinações materiais da racionalidade. Desse modo, o caráter histórico-social

da razão incorporado pela tradição hegeliana-marxista, amplia o potencial crítico

da razão. O homem é, então, totalmente entendido como ser histórico e social.

A filosofia dos séculos XVIII e XIX e, sobretudo, o idealismo alemão

são tentativas de formular uma expressão teórica à autonomia pretendida com a

modernidade. Kant, Fichte, Hegel e Marx produzem sucessivos esforços para

fundamentar a idéia da autonomia humana. Essas propostas pretendem

justificar uma sociedade à base da igualdade de todos, para a qual a educação

tem um papel privilegiado.

A liberdade, a autonomia e a reflexividade são as categorias

tematizadas como expressão do princípio de subjetividade. A racionalidade

inaugurada nos tempos modernos relaciona-se com a possibilidade de um

sujeito que detém a razão, enquanto estrutura reflexiva. É esse entendimento

que sustenta a organização da educação como um dos processos que

materializa as estruturas da modernidade.

Essa subjetividade apresenta, na história do pensamento ocidental,

modulações diferentes em Kant, Hegel e Marx, que promovem variações no

processo educativo.

Como lembra W. Moog, “um grande sistema filosófico contém de

forma imanente uma teoria pedagógica”* (apud Ginzo, p.l4). Nesse sentido,

do entendimento de razão e subjetividade desses autores, retiram-se

princípios pedagógicos.

Kant, ao defender a autonomia da razão, propõe um sujeito que seja capaz

de autocriação e, a partir daí, estabelece-se a necessidade de uma experiência que

tome os homens capazes de educar homens. Mas essa razão não é individual;

Hegel a critica e formula o conceito de razão histórica. Cada homem é um sujeito

individual, e assim também a humanidade inteira. Isso conduz ao entendimento da

educação como um dos momentos da reprodução da práxis social. A educação

permite tomar consciente a eticidade presente na vida humana. A liberdade é a

interiorização da necessidade, como afirma Hegel. A razão em Marx,

contrariamente a Hegel, é encarnada e o homem produz a si e ao mundo, através de

sua atividade prática e também transformadora da natureza externa. A crítica de

Marx à dialética do iluminismo é causada pela incapacidade da sociedade estender

as possibilidades do homem. Esse homem deve ser educado para a liberdade e para

a transformação das condições sociais alienantes. A liberdade e a superação da

* As citações traduzidas de obras em língua espanhola e alemã que aparecem neste trabalho são

de responsabilidade da autora.

22

alienação só serão atingidas quando todos os homens se libertarem. É Marx quem

anuncia que o próprio educador deve ser educado.

Todas essas concepções reafirmam a educação como formadora de

sujeitos racionais, capazes de ação intelectual e moral, com condições de

construírem a si e ao mundo, mas revelam também já uma crítica ao próprio

iluminismo.

A pergunta que aqui interessa diz respeito ao tipo de racionalidade que

a modernidade prioriza e que fundamenta a educação. A visão dominante do

cientismo, do modelo dedutivo, pelo qual só as ciências naturais podem ser

racionais, trouxe autonomia para a racionalidade científica, gerando uma crise

para o mundo contemporâneo e, particularmente, para a educação, onde

problemas complexos ficam reduzidos a uma razão individual e monológica. A

crítica da razão é o objetivo do próximo item, de forma a buscar compreender a

crise que afeta o modelo técnico-científico da racionalidade ocidental.

2. A crítica da racionalidade

2.1. Nietzsche e o ataque à razão

A compreensão da razão inaugurada na modernidade é de uma razão

que se descobre a si mesma. Embora esse entendimento seja comum a

muitos pensadores, surgem diferenças decorrentes da própria crítica que já é

formulada ao iluminismo. A avaliação da racionalidade é levada a efeito

através da crítica da modernidade, ou seja, pela possibilidade da razão

buscar seu constante esclarecimento.

Hegel não aceita a dualidade da razão kantiana e propõe uma unidade

entre pensamento e realidade, verdade e bem, formulando um conceito de ciência

como apresentação sistemática do conhecimento da totalidade. Marx chama a

atenção para o caráter abstrato dessa razão, sublinhando a concretude e dando à

práxis um caráter decisivo. A Escola Histórica, por sua vez, critica o caráter

unívoco do progresso e o sentido finalista de uma razão que se realiza no processo

histórico. Mas, até Hegel e seus discípulos, não houve questionamentos sobre as

conquistas da modernidade e sua fonte enquanto autoconsciência6. É Nietzsche, no

século XIX, quem inaugura uma nova crítica ao poder unificador da razão,

formulando um ataque radical a suas ilusões, questionando a validade de sua

autonomia e seu suposto poder emancipatório.

6 Conforme Habermas, no Discurso Filosófico da Modernidade, 1990, p.89.

23

O conceito de pós-modernidade7, que aparece como sinal de uma época

que chega ao fim pela perda de confiança no progresso da razão, tem suas raízes

em Nietzsche. Ele produz uma ruptura na racionalidade, fazendo emergir a

relatividade e a contingência. A ruptura atinge todas as categorias tematizadas

pelos pensadores, cujo pensamento se enraíza no princípio da subjetividade da

modernidade filosófica. Ou seja, a capacidade de pensar, conhecer, organizar

categorias é um ponto de vista entre outros possíveis. Isso se deve à decadência de

categorias como a de verdade, unidade e finalidade. Na interpretação de Türcke

(1993), Nietzsche, em sua “mania da razão”, quer denunciar o logocentrismo do

pensar, quer mostrar que a crítica da razão não é só permitida à medida em que

torna a razão capaz de êxito. A morte de Deus e a libertação dionisíaca rompem as

cadeias da lógica e da metafísica. A partir da denúncia de Nietzsche, a

racionalidade incorpora elementos de desejo e forças impessoais.

“Na medida em que toda a metafísica se tem

dedicado principalmente à substância e à

liberdade da vontade, pode-se designá-la como a

ciência que trata dos erros fundamentais do

homem - mas, no entanto, como se fossem

verdades fundamentais” (Nietzsche, 1974,p. 103).

Desaparecendo Deus, cai toda a sustentação e cognoscibilidade do

mundo. A racionalidade do eu pensante de Descartes revela o lado egocêntrico

do pensamento. Nietzsche mostra o custo moral de uma forma de entendimento

(de razão) que é egoísta. O pensamento que constata a verdade, constata apenas

os produtos que cria; portanto, permanece em si mesmo.

Nietzsche é antifinalista e por isso dissolve qualquer realismo,

desacredita na tentativa de qualquer representação, a não ser na esfera da

própria atividade representativa. A razão da modernidade é, ao caracterizar e

conceptualizar, uma razão objetivante. Nietzsche quer sublinhar a

impossibilidade de uma perspectiva (a verdade) sobre todas as outras

7 O conceito de pós-modernidade é bastante complexo, mas, de modo geral, há acordo de que se refere

ao fim de um período, uma despedida da modernidade, do eurocentrismo. Jean François Lyotard, na

obra O Pós-Moderno (a lª edição francesa é de 1979) entende que nas sociedades mais desenvolvidas,

devido ao continuo aceleramento do consumo, toda a produção cultural torna-se efêmera, havendo

também um consumo cada vez mais rápido de linguagens e signos. É um conceito que se opõe à

modernidade, enquanto crença na utopia do progresso, no otimismo do iluminismo e na unidade da

razão. As assim chamadas narrativas (como o sistema de Hegel e Marx) chegaram ao fim e perderam

sua legitimidade, configurando a ruptura com o historicismo. Uma das conseqüências desse

entendimento é a emergência de uma “radical pluralidade”. a multiplicidade de diferentes estilos de

vida e a sensibilização para a diferença (em oposição à unidade). Há uma série de autores que se

alinham a essa tendência, entre eles destacam-se J. Baudrilland, M. Foucault, J. Derrida.

24

perspectivas, ou seja, a impossibilidade de um sujeito poder conhecer sem que

as categorias desse pensar estejam condicionadas pela experiência.

“O nosso entendimento é uma força de

superfície, é superficial. É o que também se

designa por „subjetivo‟. Ele conhece por meio de

consertos; ou seja, o nosso pensar é um

denominar, um nomear. Por conseguinte, algo

que decorre de um arbítrio do homem e que não

atinge a própria coisa” (Nietzsche, 1989, p.66).

Schnädelbach afirma que a crítica de Nietzsche era dirigida

“de forma especial contra o modo científico de

enfocar a história, que, para Nietzsche, era um

processo de objetivação e, portanto, uma forma

de isolamento da realidade autenticamente viva”

(1991, p.82).

2.2. Horkheimer e Adorno: o desmoronamento da razão

Sobretudo no século XX, articula-se uma crítica das possibilidades da

razão, tal como foi concebida originalmente pelo iluminismo (Aufklärung). Um

dos movimentos filosóficos que se vincula, fundamentalmente, a essa questão é

a Escola de Frankfurt8. Os questionamentos formulados por essa escola,

sobretudo em Adorno e Horkheimer, permitem compreender como a razão vai

perdendo seus vínculos com a proposta originária de sua pretensa emancipação.

A confiança em uma razão que assegure o progresso da humanidade

foi submetida a um desmoronamento pela não realização das metas previstas de

libertação do homem, diante de todas as formas de tirania e obscurantismo.

Essa análise já aparece no ensaio de Horkheimer Teoria Tradicional e Teoria

Crítica (1937), no qual há referência de que os avanços da ciência e da técnica

não se confundem com os progressos da humanidade.

8 O termo Escola de Frankfurt é usado para referir os pensadores filiados ao instituto de Investigação

Social (lnstitut für Sozialforschung), fundado em 1924. em especial Max Horkheimer, Theodor

Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Leo Lowenthal. O pensamento dos filósofos dessa escola

não constitui um conjunto doutrinário, mas caracteriza-se, sobretudo, por desenvolver investigações

interdisciplinares que pensam radicalmente o significado de emancipação humana. A Escola de

Frankfurt converteu-se numa força importante na revitalização do marxismo europeu, nos anos

seguintes ao pós-guerra. Ver Martin Jay, La Imaginación Dialectica (1974).

25

Mais tarde, em 1946, Horkheimer, em Eclipse da Razão critica o

pensamento e a sociedade ocidental, buscando interpretar as mudanças

ocorridas no mundo, diante das promessas de um mundo racional.

A tese fundamental da obra é a racionalização progressiva da razão que

a oblitera e leva à perda da própria idéia de homem. Em Eclipse da Razão,

Horkheimer trabalha com a divisão da razão objetiva e da razão subjetiva que

se dá no decorrer da história, de forma vinculada com aquilo que Horkheimer

denomina Teoria Tradicional9. O próprio desenvolvimento da Teoria

Tradicional leva a razão a um formalismo, que a trata enquanto meio em

relação a fins. A determinação da gênese entre razão objetiva e razão subjetiva

não é senão a gênese do estado atual da razão.

Ao longo do desenvolvimento da sociedade moderna, a razão se

caracteriza por um funcionamento abstrato, tomando-se subjetiva, isto é, não

mais orientada por fins que traduzem uma racionalidade universal.

Durante séculos, a razão expressava o mundo objetivo, em que a razão

subjetiva era apenas a expressão parcial de uma racionalidade universal, orientada

por uma noção de verdade objetiva. Os grandes sistemas filosóficos foram erigidos

na perspectiva da razão objetiva (Platão, Aristóteles, o Idealismo) e “o grau de

racionalidade de uma vida humana podia ser determinado segundo a sua

9 Horkheimer escreve, em 1937, o ensaio Tradizionelle und Kristische Theorie (edição brasileira de

1975), no qual formula a distinção entre teoria tradicional e teoria crítica. O objetivo específico do

autor é a emergência do conceito de Teoria Crítica a partir do próprio conceito de Teoria Tradicional,

batizando-o em função de sua vinculação com a realidade social. Ao iniciar sua argumentação,

Horkheimer afirma que, usualmente, a Teoria é entendida “como sinopse das proposições de um

campo especializado” e que sua validade consiste “na consonância de proposições deduzidas com os

fatos ocorridos”. Para apoiar esse argumento, cita cientistas e autores de áreas diferentes como

Poincaré, Descartes, John Stuart Mill, Husserl, de forma a estabelecer uma certa estrutura básica

comum a todas as ciências, da qual não há consciência. A identificação dessa estrutura básica não é

uma descoberta a ser reafirmada, mas passa a ser objeto da crítica. As proposições com as quais a

teoria trabalha, independente de serem de nível transcendente, empírico, ontológico, referem-se a um

aparelho conceitual que permite registrar os fatos da realidade. Esta capacidade da teoria de

levantamento e classificação de dados passa a se constituir num fato natural. Calcular, prever,

classificar e inventariar dados empíricos são procedimentos que penetraram nas ciências do homem e

da sociedade, gerando um “arcabouço lógico” que se identifica com teoria no sentido tradicional.

Horkheimer vê uma relação direta entre essa estrutura básica da ciência e o desenvolvimento

tecnológico constatado na sociedade burguesa. Assim, afirma que: “Na medida em que o conceito é

independentizado, como que saindo da essência intensa da gnose (Erkenntnis), ou possuindo uma

fundamentação a-histórica, ele se transforma em uma categoria coisificada (Verdinglichte) e, por

isso, ideológica” (1975, p129). Nesse sentido, toda a teoria se enquadra nos cânones da teoria

tradicional, uma vez que seria impossível fazer ciência sem levantar fatos, hierarquizá-los, organizá-

los. A própria compreensão da teoria tradicional faz emergir dialeticamente o conceito de Teoria

Crítica e. por outro lado, só a consciência desta última pode criar a Teoria Tradicional. Há aqui uma

determinação recíproca entre ambas, de modo que a existência de uma pressupõe a existência da outra.

26

harmonização com a totalidade” (Horkheimer, 1976, p.12). O motivo de criação

desses sistemas era justamente a compreensão da impossibilidade da razão

subjetiva ir além de sua finalidade de autopreservação. Horkheimer define a razão

subjetiva como “a capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar

os meios corretos com um fim determinado”(1976, p.13). Dessa forma, não há um

propósito racional que possibilite hierarquizar os objetivos da ação em função de

sua superioridade.

Entre razão subjetiva e objetiva não há oposição, mas uma mudança de

predominância ao longo do processo histórico. É, portanto, resultado da própria

constituição a formalização da razão, que a esvazia de seu conteúdo originário.

O termo razão objetiva, na expressão de Horkheimer,

“denota como essência uma estrutura inerente

à realidade que por si mesma exige um modo

especifico de comportamento em cada caso, seja

uma atitude prática ou seja teórica. Por outro

lado, o termo razão objetiva pode também

designar o próprio esforço e capacidade de

refletir tal ordem objetiva” (1987, p. 19).

Na medida em que a razão se transforma em subjetiva, ela se

formaliza, tornando-se incapaz de determinar se um fim é desejável ou não,

bem como de estabelecer os princípios que orientam a ética e a política. Assim,

a razão se reduz a uma faculdade intelectual de coordenação de ações,

desvinculada de qualquer referência ao mundo social.

Horkheimer demonstra que entre a religião e a filosofia se estabeleceu

um conflito no que se refere à explicação da realidade. Ambas se propõem a

mostrar como é a natureza das coisas e disso derivar o agir do homem. Nesse

processo, os ataques à religião se converteram em ataque à metafísica de uma

verdade objetiva. Assim,

“a razão como órgão destinado a perceber a

verdadeira natureza da realidade e determinar os

princípios que guiam nossa vida começou a se

tornar obsoleta” (1976, p.26).

Instala-se dessa forma a autodestruição da razão, liquidando a si mesma

como agente de compreensão ética, moral e religiosa. Juntamente com a

autodestruição da razão, instala-se também a tolerância burguesa, que permite o

convívio entre religião e filosofia, gerando uma atitude de neutralidade em relação

a todo o conteúdo espiritual. A razão orienta-se, então, pelo interesse pessoal, que

na era industrial alcança sua supremacia. Todos os outros motivos são

27

desconsiderados e abre-se espaço para a desvinculação da razão de seu conteúdo

originário. Em decorrência, as idéias fundamentadas na razão objetiva, como

justiça, igualdade, felicidade, democracia, entre outras, perdem seu vínculo,

passando a ser orientadas pelo interesse particular.

Segundo Horkheimer,

“tendo cedido em sua autonomia a razão

tornou-se um instrumento. No aspecto formalista

da razão subjetiva, sublinhado pelo positivismo,

enfatiza-se a sua não- referência a um conteúdo

objetivo; em seu aspecto instrumental, sublinhado

pelo pragmatismo, enfatiza-se a sua submissão a

conteúdos heterônomos. (...) Seu valor

operacional, seu papel no domínio dos homens e

da natureza tornou-se o único critério para

avaliá-la (1976, p,28-9).

Em sua argumentação, o autor evidencia que pensar se torna um

instrumento e a mecanização é necessária à expansão industrial. A

conseqüência dessa formalização da razão é a ausência de uma força racional

para avaliar e ligar à realidade idéias como justiça, igualdade, felicidade, que

foram retiradas da estrutura ontológica (vínculo com a razão objetiva).

Horkheimer conclui que as idéias da civilização ocidental são apenas

resíduos de idéias pensadas pela razão objetiva, esvaziadas de seu conteúdo

original. O predomínio da razão objetiva destruiu as bases teóricas das idéias

mitológicas, religiosas e racionalistas.

A verdade transforma-se numa atitude prática e esse culto pragmatista

passa a considerar como legítima somente a experiência científica conforme é

desenvolvida nas ciências naturais. É o predomínio da previsibilidade, da

dedução, do cálculo estratégico.

A redução da razão a um mero instrumento gera uma degradação da

razão. Esse despojamento do conteúdo objetivo leva a razão subjetiva a perder

a capacidade de afirmar novos conteúdos.

Uma pergunta que se impõe é o motivo que leva Horkheimer a recuar à

filosofia para compreender a racionalidade ocidental, cujo modelo predominante é

o modelo das ciências da natureza. Esse recuo está vinculado à idéia de pré-

história no sentido marxiano do termo e se impõe pela necessidade de recuperar a

memória, já que a tentativa de destruição da razão se dá, necessariamente, pelo seu

funcionamento como mero instrumento. É pela perda da memória do sentido de

razão que se possibilita um novo tipo de barbárie. O suposto recuo à filosofia é um

aprofundamento da autoreflexão. Adentrar nos conceitos de razão objetiva e

subjetiva é já uma antecipação da assim chamada Dialética do Esclarecimento: a

28

subjetividade toma consciência de si mesma, enquanto autocrítica, enquanto

objetividades equivocadas. Há um declínio no processo e é isso o que refere a

razão objetiva e subjetiva.

A crítica da racionalidade pela Escola de Frankfurt tem continuidade

com o trabalho em conjunto de Adorno e Horkheimer.

A Dialética do Esclarecimento (Dialektik der Atfklärung) prossegue o

empreendimento de interrogar a natureza da própria razão. A tese básica é de que a

razão, ao ser entendida como contrária ao mito, acaba convertendo-se em mito,

mas se apresentando como razão. O iluminismo, ao combater o mito, a ele retorna.

Ao mesmo tempo que a humanidade procura combater o mito, emancipar-se,

segundo o saber racional, ela recai na dominação que é uma expressão da barbárie.

Mas não é uma crítica irracionalista, nasce de dentro da própria

razão para cobrar dela suas promessas emancipatórias. Tanto que, segundo

Adorno e Horkheimer,

“a liberdade na sociedade é inseparável do

pensamento esclarecedor. Contudo, acreditamos

ter percebido com a mesma clareza, que o

próprio conceito desse pensamento, tanto quanto

as formas históricas concretas, as instituições da

sociedade com as quais está entrelaçado, contém

o germe da regressão que hoje tem lugar por

toda parte. Se o esclarecimento não incorporar a

reflexão sobre esse elemento regressivo, ele

estará selando seu próprio destino”(1985, p.l3).

O progresso e a regressão se relacionam, assim como o mito e a razão.

O temor de que o mito não esteja aniquilado paralisa a busca da verdade pela

razão. Ao tentar subjugar o mito, inexoravelmente, a razão provoca o seu

retorno. Os homens formaram sua subjetividade na medida em que dominaram

a natureza exterior pela repressão de sua natureza interior e, dessa forma, não

se libertaram da repetição mítica. O mundo racionalizado está só

aparentemente esclarecido, iluminado.

Sob o reverso do domínio da natureza, ao mesmo tempo, se dá a

necessária opressão dos próprios impulsos do homem. Adorno e Horkheimer

indicam, então, que tais circunstâncias promovem uma autodomesticação e

uma impossibilidade da razão cumprir sua finalidade originária. A própria

racionalização, como a forma tecnocrática, trazem a irracionalidade e a

desumanização. Toda teoria e conhecimento constituem-se em meio de

domínio e poder e deles são cúmplices.

Horkheimer e Adorno adotam uma crítica livre, independente, e

chegam a impasses dentro do próprio pensamento que pretendem esclarecer.

29

No interior do esclarecimento aparece a razão instrumental que perde sua

pretensão de verdade, submete-se ao poder e à dominação e despede-se de

qualquer esperança da dialética do iluminismo.

O modelo de racionalidade dedutiva, eleito pela modernidade, tornou-se

uma racionalidade autônoma e considera qualquer outra forma de racionalidade

deficiente. É uma racionalidade que não considera a própria irracionalidade, ou o

outro da razão, como necessária à compreensão do comportamento humano.

Essa é a racionalidade do procedimento em que

“passa a valer como racional, não mais a

ordem das coisas encontrada no próprio mundo

ou concebida pelo sujeito, nem aquela surgida no

processo de formação do espírito mas somente a

solução de problemas que aparecem no momento

em que se manipula a realidade de modo

metodicamente correto. A racionalidade do

procedimento não está mais em condições de

garantir uma unidade antecipada na pluralidade

dos fenômenos” (Habermas. 1990b, p.44).

Toda a problemática para o entendimento de educação se estabelece na

tensão entre uma racionalidade objetivadora, dedutiva e a pretendida

emancipação humana ou o acesso à consciência humana.

Expor as conexões básicas da concretização da racionalidade com a

educação é o objetivo do capítulo seguinte.

30

II

AS CONEXÕES DA MODERNIDADE E DA

RACIONALIDADE COM A EDUCAÇÃO

1. A construção do sujeito: o fundamento teórico da educação

A pretensão de validade da educação de formar sujeitos capazes de

autonomia moral e intelectual funda-se na razão auto-esclarecedora e no princípio

da subjetividade, presentes no discurso da modernidade. Esta formula-se como

uma tentativa de autonomia da humanidade em contraposição a todas as

heteronomias. Enquanto expressão da possibilidade de educação do gênero

humano, a modernidade gerou teóricos que tematizaram a educação. Entre eles,

destacam-se Rousseau10

com o clássico Emile, Pestalozzi11

com Leonard et

Gertrude e inclusive Kant12

, com sua obra tardia Pedagogia. Em todos, a idéia de

educação para uma vida social adequava-se à orientação geral do iluminismo.

10 Rousseau (1712-1778). pertencendo a um movimento que queria criar uma sociedade com bases

naturais e racionais, prescindindo de dependências teológicas. reivindica a educação natural que

garante a espontaneidade da criança. Entretanto, esse “retorno à natureza” não significa, em sua obra

clássica Emile, o retorno ao estado primitivo, mas à restauração das forças espirituais, da

espontaneidade, da integridade humana. Como não é mais possível retomar à condição natural do

homem, isto serve como um ideal. Voltar à natureza significa instaurar nessa natureza a civilização, de

forma a libertar o homem e a sociedade de tudo o que há de artificioso, de mecânico, contrário à

interioridade. O Emílio é um ensaio pedagógico sob forma de romance que tem por finalidade mostrar

como a criança pode se tornar um adulto bom, já que parte da bondade natural do homem. 11 J.H. Pestalozzi (1746-1826) entendia que no estado natural do homem existe tanto o egoísmo como

a bondade. Na sua obra, aparecem as relações reais, sociais e individuais da forma como era possível

refletir na Suíça daquele tempo. As pessoas são caracterizadas como seres abertos, suscetíveis a

equívocos, mas capazes de se decidirem pelo bem. Em Pestalozzi está implícita a idéia do homem

como obra de si mesmo, responsável pelos seus atos. O homem deve converter-se a si mesmo em um

homem ético. 12 I. Kant (1724-1804) é um dos grandes filósofos da humanidade que, por ter na ação humana

um tema central, dedica-se a fazer reflexões também na área da educação. Sua obra Pedagogia

(Über Pädagogik), publicada em 1803 (tradução portuguesa de 1983), é o resultado das

anotações feitas pelo aluno Friedrich T, Rink sobre as aulas ministradas por Kant na

Universidade de Könisberg, com edição autorizada pelo próprio filósofo, conforme introdução

escrita por Mariano Enguita. A obra tematiza a necessidade de criar o homem livre e autônomo,

tendo por base a vida racional. Kant compartilhava, como o conjunto dos pensadores iluministas,

do objetivo de ensinar ao aluno a autonomia do julgamento e da capacidade de pensar. A

compreensão do pensamento de Kant na educação requer entender suas obras principais como

Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática.

31

A partir desse momento histórico, a educação se complexifica pela

contribuição das ciências humanas e da filosofia. Lenhart (1987) aponta, numa

pesquisa apoiada na teoria da evolução social, que a educação tem evoluído do

mundo da vida social diária até tornar-se sistema e institucionalizar-se.

Na medida em que se institucionaliza, a educação recebe influências

das diferentes ciências que se vinculam a seu paradigma fundador. São

inúmeros os teóricos que têm formulado o pensamento pedagógico como

formação da consciência humana13

.

O princípio da subjetividade e a racionalidade formam um núcleo central

de fundamentação da tradição pedagógica que, embora com variações em

diferentes pensadores modernos, estruturam-se em torno dos seguintes pontos:

• o sujeito e a consciência de si (Kant);

• o sujeito construtor de sentido (Piaget);

• o sujeito e o mundo do sentido (Gadamer).

A escolha de Kant deve-se a sua exemplaridade como o autor que tirou

profundas consequências do conceito de razão para a educação. Sua filosofia

fundamenta a plena responsabilidade do sujeito pela sua própria constituição e

por tudo o que faz. A idéia de uma natureza humana dependente apenas de suas

ações configura um papel destacado à educação e fornece a base justificadora

para a ação pedagógica institucionalizada. A filosofia da educação se enraíza

na constituição do sujeito.

O interesse por Piaget decorre de suas pesquisas epistemológicas que

permitem uma reflexão abrangente e fecunda para compreender não só como

ocorre o processo de formação do conhecimento, como também a gênese das

estruturas da consciência.

O homem constrói sua própria condição de conhecer, de aprender, de

se comunicar e construir sentido. Ou seja, a razão é uma constituição do

sujeito. Antes de mais nada, Piaget quer “determinar as condições de todo o

conhecimento possível e de toda a comunicação possível” (Ramozzi-

Chiarottino, 1984, p.4).

Gadamer alarga o entendimento de racionalidade, com sua reflexão

sobre as condições históricas e filosóficas da compreensão e interpretação. O

sujeito se constitui como tal, através de seus vínculos com a tradição.

Kant, Piaget e Gadamer são escolhidos enquanto clássicos que têm

algo a nos informar.

13 Ver as obras de K. Mollenhauer, Erziehung und Emanzipation (1968); P. Freire, Pedagogia do

Oprimido (1970) e Educação como Prática da Liberdade (1967); E. Fiori, Conscientização e

Educação (1970).

32

Os pontos que estruturam o núcleo central da fundamentação

pedagógica são analisados a seguir.

1.1. O sujeito e a consciência de si

Kant, com sua filosofia transcendental, transforma a subjetividade, o

grande princípio da modernidade, em autoconsciência. O sujeito se debruça

sobre si numa atitude especulativa, fazendo com que a razão justifique a si

mesma e suas possibilidades.

A razão em Kant é cindida em razão teórica e razão prática,

manifestando-se no conhecimento e na ação. Habermas sintetiza com clareza

esse processo de separação:

“Ele (Kant) separa a faculdade da razão

prática e a faculdade de julgar do conhecimento

teórico e assenta cada uma delas nos seus

fundamentos próprios. Ao fundar a possibilidade

de conhecimento objetivo, de discernimento

moral e de valorização estética, a razão não

apenas assegura as suas próprias faculdades

subjetivas nem apenas torna transparente a

arquitetônica da razão, mas desempenha também

o papel de um juiz supremo mesmo perante a

cultura no seu todo.” (1990a, p.29).

Assim, o homem pode construir sua autonomia e liberdade sob a

determinação da razão. Compete à educação a tarefa de construção do sujeito

autônomo, sob duplo aspecto:

• no plano da razão teórica, pela constituição do sujeito epistêmico;

• no plano da razão prática, pela constituição do sujeito moral.

Por defender uma razão legisladora e uma ação autônoma, a idéia de

uma educação que torne o homem sujeito epistêmico e moral efetivamente, é

central na teoria de educação do filósofo. A fundamentação da moral vem ao

encontro das aspirações éticas do homem burguês e justifica o papel do sistema

educacional na configuração de uma nova ordem social, conforme exposto na

obra Pedagogía (Kant).

É com Kant que surge um sujeito plenamente responsável por si mesmo.

A essência humana enquanto liberdade e responsabilidade está em nossas mãos.

A realização do bem e da liberdade exige uma ação original do

homem, pois não é o mundo sensível que as realiza. É o homem que cria a

liberdade para si. Isso requer, porém, uma ação educativa que possibilite

empiricamente o sujeito com competência cognitiva e moral.

33

Para Kant,

“o que o homem é ou deve vir a ser

moralmente, bom ou mau, deve fazê-lo ou sê- lo

feito por si mesmo. Ambos devem ser um efeito de

seu livre arbítrio” (1974a, p.384).

A consciência de si, desdobrada em sujeito epistêmico e moral, sinaliza a

formação da identidade do eu que se reconhece a si e aos outros, o que dá base para

o reconhecimento da igualdade de todos. Esse processo, nas sociedades modernas,

requer educação no sentido da formação de um projeto humano, a ser orientado por

uma racionalidade que não seja apenas dominadora em relação à natureza, mas que

seja orientada pelo interesse da liberdade.

Em toda a arquitetura conceitual elaborada no criticismo, está presente

a visão antropológica. O homem, ser animal e racional, orienta-se para uma

construção de mundo que ele (e apenas ele) define e configura.

A natureza humana é determinada pela:

“1. disposição do homem à animalidade, como

ente vivo;

2. disposição à humanidade, como ente vivo e

ao mesmo tempo racional;

3. sua personalidade, como ente racional e ao

mesmo tempo responsável” (Kant, 1974a, .371).

À luz desse entendimento antropológico, Kant afirma que o homem é o

que a educação faz dele. Assim, abre-se a perspectiva de progresso do gênero

humano, uma nova sociabilidade. Toda a ação racional está orientada pela vontade,

tomando o conhecimento e a vida prática inseparáveis da eticidade. O homem é

resultado desse processo; é uma construção. O progresso da sociedade vai

depender do progresso do homem, especialmente, no que se refere a sua ação

reguladora. “Toda educação é uma arte, porque as disposições naturais do homem

não se desenvolvem por si mesmas” (Kant, 1983, p.35).

Essa construção, segundo Kant, pode ser mecânica, isto é, conforme as

circunstâncias e portanto sujeita a muitos erros e pode também ser submetida à

razão, que informa como devemos educar. O desejável é que a pedagogia esteja

submetida à ciência, senão, como afirma Kant, “uma geração terminaria o que a

anterior houvesse construído” (1983, p.36).

Nesse aspecto incide o caráter de idealidade do processo pedagógico: o

fim da educação é a idéia de humanidade e seu destino. Conforme Kant afirma,

pela educação o homem deve ser:

34

“a) Disciplinado. Disciplinar é tratar de

impedir que a animalidade se estenda à

humanidade, tanto no homem individual, como

no homem social. Assim, pois, a disciplina é

meramente a submissão da barbárie.

b) Cultivado. A cultura compreende a

instrução e o ensino. Proporciona a habilidade,

que é a possessão de uma faculdade pela qual se

alcançam todos os fins propostos.(...)

c) É preciso se atentar para que o homem seja

prudente, que se adapte à sociedade humana, (...)

Aqui corresponde uma espécie de ensino que se

chama civilidade,

d) Deverá ter moralização. O homem não só

deve ser hábil para todos os fins, senão que deve

ter também um critério, com relação ao qual

escolha só os bons. Esses bons fins são os que

necessariamente cada um aprova e que, ao

mesmo tempo, possa ser fim para todos” (1983,

p.36-8)

Coerente com os princípios que lhe dão sustentação, a formação do

sujeito depende do domínio de sua natureza interior, ou seja, a liberdade

pressupõe coação. Nesse sentido, é formado o clássico paradoxo kantiano:

“Um dos maiores problemas da educação é

conciliar, sob uma coação legítima, a submissão

como a faculdade de servir-se de sua vontade.

Porque a coação é necessária, Como cultivar a

liberdade pela coação?” (Kant, 1983, p.42).

Kant expõe em sua obra Pedagogía o necessário, gradual e Contínuo

acompanhamento da criança para tomá-la capaz de atos livres. Justamente essa

confiança na autoconsciência e na liberdade começa a entrar em declínio, pela

falta de condições sociais objetivas, conforme denuncia a crítica da razão.

1.2. O sujeito construtor de sentido

Reafirmando a idéia de autoconsciência e do homem construtor de si, já

tematizada pelos filósofos da modernidade, sobretudo por Kant, Jean Piaget

teoriza, a partir de dados empíricos, a construção das estruturas de pensamento, ou

seja, o sujeito construtor de sentido. Sua teoria é uma tradução do princípio da

subjetividade e se circunscreve no âmbito das condições empíricas. Tal formulação

interessa esta investigação na medida em que trata da constituição da racionalidade

no sujeito, em seu processo de desenvolvimento. Qualquer teorização que pretenda

35

defender a possibilidade da educação, enquanto racionalidade, se defronta com

essa questão empírica: qual a gênese da razão no sujeito?

A obra de Piaget está vinculada à tradição kantiana, a partir da base

biológica do ser humano, isto é, a capacidade de organizar estruturas lógicas

tem seu enraizamento nas estruturas ontogenéticas14

.

A racionalidade que permite operar sobre o real, segundo a hipótese

piagetiana, deveria ter uma estrutura própria, assim como há estruturas específicas

para cada função do organismo. Tais estruturas responderiam pelo ato de pensar e

conhecer, que sempre foi investigado pelos filósofos, dando conta da lógica

universal e da possibilidade do conhecimento. Essas estruturas, no entender de

Piaget, teriam sua gênese e justificariam a evolução de uma ausência inicial de

lógica na criança até o raciocínio lógico do adulto. Toda sua pesquisa empírica

comprova essa hipótese e resulta na teorização que, a partir da primeira metade do

século XX, fornece à educação um instrumental em outro nível para construir o

sujeito da razão.

Assim, a problematização dessa temática a nível empírico permite a

análise da construção da racionalidade no sujeito, ou a constituição do sujeito

epistêmico, que constrói a si e ao mundo. Trata-se de um sujeito de

conhecimento. A investigação de Jean Piaget, através da psicogênese das

estruturas cognitivas, mostra que a evolução desse processo leva o sujeito a

níveis superiores de competência até chegar a formalizar suas estruturas

individuais de pensamento.

Essa compreensão da racionalidade do sujeito teve forte penetração na

área da educação, na medida em que expressava um potencial explicativo para a

tarefa que a modernidade atribuiu à educação, ou seja, a de tomar o homem

autônomo, tanto intelectual como moralmente. Nesse sentido, a Epistemologia

Genética oferece a possibilidade de interpretar práticas que ocorrem no interior da

instituição escolar. Essa teorização, ao analisar a constituição do sujeito epistêmico,

encontra-se submersa no entendimento de uma razão formal, operatória. Postula a

construção pelo próprio sujeito de suas estruturas cognitivas, a partir da ação

operatória, ação de um organismo vivo com o meio que o cerca, em etapas

sucessivas. Os instrumentos de pensamento deixam de ser dados para serem

formulados e reformulados em contínua ação e interação.

Pode-se encontrar uma visão sincrética da teoria piagetiana na obra

Epistemologia Genética (1971), na qual o autor insiste, conforme refere a

Introdução, em que:

14 Conforme Ramozzi-Chiarottino, na obra Em Busca do Sentido da Obra de Jean Piager, na qual a

autora afirma que a investigação piagetiana “uma retomada da problemática kantiana que se

resolverá à luz da Biologia e da concepção do ser humano como um animal simbólico” (p.29).

36

“o conhecimento não poderia ser concebido

como algo predeterminado nas estruturas

internas do indivíduo, pois que estas resultam de

uma construção efetiva e contínua, nem nos

caracteres preexistentes do objeto, pois que esses

só são conhecidos graças à mediação necessária

dessas estruturas; e estas estruturas os

enriquecem e enquadram” (p. 7).

Assim, na teoria piagetiana, há uma refutação das teses do empirismo e

do inatismo. A observação da criança, desde os primeiros dias de vida, mostra

que o conhecimento e o pensamento resultam da ação entre sujeito e objeto. Os

esquemas inatos evoluem e pela própria ação se modificam; portanto, o

esquema é, ao mesmo tempo, estruturado e estruturante.

A força modificadora da ação humana está presente desde as primeiras

ações do recém-nascido. Assim, o estímulo do meio ambiente vai produzir

efeito pela capacidade assimiladora do sujeito.

No seu desenvolvimento mental, a criança evolui para estágios mais

complexos: parte do estágio sensório-motor, quando começa a descentralização de

ações em relação ao próprio corpo. Evolui para o período pré-operatório, onde o

uso da linguagem, dos símbolos e das imagens promovem uma nova etapa de

desenvolvimento mental. A esse segue-se o estágio operatório-concreto, onde se

verifica uma descentração progressiva em relação à perspectiva egocêntrica. A

criança entra num mundo de várias perspectivas e seu pensamento passa a ter uma

lógica reversível. Essa etapa conduz ao estágio final chamado de operatório

formal, onde o sujeito pode operar com hipóteses verbais. As hipóteses são

proposições em que é possível estabelecer relações entre relações. A dedução

lógica aparece aí como um novo instrumento de operar o real.

O desenvolvimento cognitivo refere-se a estruturas de pensamento e de

ação que a criança adquire através de um enfrentamento ativo com o mundo

objetivo. Pouco a pouco, a criança vai construindo o universo externo e interno

e descentrando a compreensão do mundo, que inicialmente era egocêntrica.

O que especificamente importa na questão da racionalidade é que a

psicogênese torna empiricamente possível a constatação de uma razão operatória,

sem indicar, entretanto, as diferentes dimensões que a razão foi incorporando no

seu aprendizado histórico (o que não era objeto de sua investigação).

Essa razão que se descentra é a condição de aprendizagem necessária

para que, posteriormente, o sujeito reconheça outras razões e seja capaz de

entrar no discurso argumentativo.

37

Tanto o desenvolvimento cognitivo como o conhecimento, para Piaget,

são uma construção e o conceito de “abstração reflexionante”, desenvolvido

em 1977, na obra Recherches sur l‟Abstraction Réfléchissante, fornece uma

consistente explicação para o já referido desenvolvimento mental.

A teoria da abstração para Piaget se refere a “processos mais gerais da

equilibração” e possui diferenciação de graus e natureza.

Conforme indica a etimologia, abstrair significa “descolar”,

“arrancar”, extrair algo, de alguma coisa. O sujeito, por uma ação intelectual

representativa, “retira” dos objetos aquilo que seu esquema de assimilação15

permite retirar. Os esquemas, por sua vez, dependem da totalidade das

experiências anteriores, das abstrações realizadas.

Piaget distingue abstração empírica e reflexionante e esta, por sua vez,

desdobra-se em pseudo-empírica e refletida. Pela abstração empírica, o sujeito

generaliza e abstrai certos aspectos das coisas, dos objetos. Para abstrair as

propriedades de um objeto, o sujeito se utiliza de seus esquemas assimiladores,

anteriormente construídos. Os esquemas permitem captar o conteúdo retirado

dos objetos, como a cor, por exemplo. Quando o sujeito retira da coordenação

de suas ações determinadas qualidades ou características que os objetos não

possuem em si, ocorre a abstração pseudoempírica. Nesse caso, o “objeto é

modificado pelas ações do sujeito e enriquecido de propriedades tiradas de

suas coordenações” (Piaget, 1977, p.l).

15 Assimilação, acomodação e adaptação são conceitos da teoria piagetiana que expressam a força de

criação contínua de um organismo sobre o meio, ou do sujeito sobre o objeto. A assimilação “não é

senão o prolongamento no plano do comportamento, da assimilação biológica na sentido largo, toda

a reação do organismo ao meio consiste em assimilá-lo às estruturas desse organismo. (...) A

assimilação é o processo de integração cujo esquema é resultante ―, conforme Jean Piaget, Problemas

de Epistemologia Genética, 1975. p.373. Acomodação é a “diferenciação em resposta à ação dos

objetos sobre os esquemas sincronizando com a assimilação dos objetos aos esquemas”, conforme

Jean Piaget (ibid., p379). Em Aprendizagem e conhecimento (1974) Piaget distingue no processo de

acomodação dois aspectos inseparáveis. “Em primeiro lugar, ele designa uma atividade: apesar da

modificação do esquema de assimilação ser imposta pelas resistências do objeto, ela não é ditada

pelo objeto, mas pela reação do sujeito, tendendo a compensar essa resistência (ela pode dessa forma

proceder por reação imediata, ou por tentativas e erros, etc.). Mas, em segundo lugar, se a

acomodação ainda é uma atividade, consistindo em diferenciar um esquema de assimilação, ela é

somente derivada ou secundária com relação à assimilação. Não podemos, pois, dizer que todo

esquema tende a se acomodar a todo o objeto: ele tende a assimilar todo o objeto, mas, não

conseguindo devido a resistências anteriores, ou ele não se aplica por falta de acomodação possível,

ou ele se diferencia, mas a título de compensação dessa resistência não desejada inicialmente” (p.

63). Já o processo de adaptação é “o equilíbrio entre assimilação e acomodação, o que equivale a

dizer: equilíbrio dos intercâmbios entre o sujeito e os objetos”, conforme Jean Piaget, em Psicologia

da Inteligência (1983. p.l 8). Ver também O Nascimento da Inteligência (1982), onde o autor expõe

detalhadamente a formação do processo cognitivo, desde os primeiros reflexos do recém-nascido, até

as formas de interiorização da ação.

38

A abstração refletida é o resultado de uma abstração reflexionante, que

se torna consciente. E o trânsito da mente, elaborado para produzir o conceito.

Conforme Piaget (1977), o processo de abstração em sua amplitude:

“comporta dois aspectos inseparáveis: de um

lado „reflexionamento‟, ou seja, a projeção (como

através de um refletor) sobre um patamar

superior daquilo que foi tirado do patamar

inferior (por exemplo, da ação à representação)

e, de outro lado, uma „reflexão‟ como ato mental

de reconstrução e reorganização sobre o

patamar superior daquilo que foi assim

transferido do inferior” (p. 1).

O processo de reflexionamento conduz desde a ação à representação

até chegar à reflexão da reflexão, ou seja, o pensamento reflexivo, pelo qual o

sujeito encontra as justificativas para as conexões realizadas. Assim,

“cada nova reflexão supõe a formação de um

patamar superior de reflexionamento, onde o que

permanecia no patamar inferior como

instrumento a serviço do pensamento em seu

processo, torna-se um objeto de pensamento e é,

portanto, tematizado em lugar de permanecer no

estado instrumental ou de operação” (Piaget,

1977, p.2).

O processo de abstração reflexionante na categoria refletida é o

processo por excelência do princípio da subjetividade, que constituiu o núcleo

básico da fundamentação pedagógica. Dessa forma, o reflexionamento permite

reconhecer que não é qualquer ação do sujeito que é produtora de sentido, mas

somente aquelas ações que se dobram sobre as ações realizadas, de forma a se

apropriar de seus mecanismos.

Em suas pesquisas Piaget também comprova a superação da dicotomia

entre forma e conteúdo, pois os conceitos permitem elaborar formas cada vez

mais amplas. Cada generalização de observáveis permite novos

reflexionamentos dos mesmos em outro patamar. Assim, segundo Piaget, trata-

se de um processo em espiral:

“todo reflexionamento de conteúdos

(observáveis) supõe a intervenção da forma

(reflexão) e os conteúdos assim transferidos

exigem a construção de novas formas devidas à

reflexão. Há, portanto, assim, uma alternância

39

ininterrupta de reflexionamentos reflexões

reflexionamentos; e(ou) de conteúdos

formas conteúdos reelaborados novas

formas, etc., de domínios cada vez anais amplos,

sem fim e, sobretudo, sem começo absoluto”

(1977, p3-4).

Essa espiral permite que o sujeito adquira formas cada vez mais ricas

para agir sobre o real, ou seja, permite a criação da novidade.

A abstração reflexionante é o esforço operatório sobre as ações anteriores,

responsável pela constituição das estruturas de conhecimento, diferenciando cada

vez mais os esquemas coordenadores da ação. Esse é o tipo de ação que na teoria

piagetiana permite a construção da estrutura dos quatro níveis ou estágios do

desenvolvimento mental (nível sensório-motor, pré-operatório, operatório-

concreto, operatório-formal). Pelo processo de abstração reflexionante, é possível

tornar consciente os esquemas de ação (do agir e do pensar). Nesse caso, a tomada

de consciência permite chegar a níveis cada vez mais complexos e diferenciados de

leitura e compreensão do mundo. O sujeito reconhece a ação realizada, apropria- se

de estruturas cognitivas e as utiliza com novos fins, diferentes daqueles do plano

anterior. Ou seja, a tomada de consciência é o processo por excelência do

questionamento, é o que permite sua expansão. É por processos de abstrações que,

posteriormente, esse sujeito submete a própria razão à aprendizagem. O processo

de aprender é “proceder a uma síntese indefinidamente renovada entre a

continuidade e a novidade” (Inhelder, 1977, apud Becker, 1993, p.25). Tal

processo, na teoria de Piaget, em razão de seu vínculo com a tradição kantiana e a

da filosofia da consciência, dá-se no âmbito da ação do sujeito.

Os estudos de Piaget apontam o potencial da razão do indivíduo na

consecução da competência do pensamento lógico e há pesquisas empíricas16

16 Estudos na área de alfabetização, conforme Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, em Psicogênese da

Língua Escrita (1986), na qual as autoras procuram compreender como se dão os processos de

aquisição da escrita, apoiados na tese de Jean Piaget. Descobrem um sujeito ativo que reinventa a

escrita num processo construtivo de apropriação. Essas pesquisas têm revolucionado a prática da

alfabetização e criado condições para a efetivação do sujeito epistêmico. No Brasil. há os estudos de

psicologia cognitiva de Terezinha Nunes Carraher (Org.), em Aprender Pensando (1986) que,

igualmente, mostram o potencial da Epistemologia Genética para explicitar os processos de construção

das estruturas da razão. Bárbara Freitag, em Sociedade e Consciência (1984), estuda as estruturas

formais da consciência e sua dependência do meio social e dos condicionamentos psicogenéticos. O

estudo foi desenvolvido a partir de dados empíricos coletados em favelas de São Paulo. Há uma série

de outras pesquisas desenvolvidas em escolas brasileiras que demonstram a efetividade da

Epistemologia Genética para orientar as ações pedagógicas. Nesse sentido, ver recente inventário das

pesquisas realizadas no Brasil feito por Fernando Becker, em apêndice à tradução portuguesa da obra

Jean Piaget, de Thomas Kesserling (Vozes, 1993).

40

que comprovam essa possibilidade. A razão é resultado de um processo de

aprendizagem e permite ao sujeito evoluir em suas estruturas mentais até obter

um pensamento lógico-abstrato. A partir desse nível, o sujeito opera não só

com o real mas com os possíveis.

A questão que se coloca no âmbito desta investigação é a do risco de

uma unilateralidade lógica na constituição da razão. Ou seja, a educação e a

prática pedagógica ficam absorvidas com o “encantamento” da competência

cognitiva, reduzindo a razão a uma capacidade operativa. A introdução da

hermenêutica para ampliar a análise do sujeito racional reflete as novas

contingências e a experiência da temporalidade, trazidas pelas ciências

históricas-hermenêuticas, a partir do século XIX, diante de uma razão endeusada,

não situada. Esta interpretação, associada ao aporte piagetiano, permite

reconhecer no conhecimento uma confluência da racionalidade e da

historicidade próprias do homem. A Epistemologia analisa a gênese das

estruturas que viabilizam o processo cognitivo, conferindo um caráter

epistemológico à constituição da racionalidade, isto é, reconhece o conhecimento

e a racionalidade como uma construção do sujeito. Sem recusar a relevância

dessas pesquisas, há uma maneira de compreender a produção da racionalidade

que coloca a hermenêutica como complemento da reflexão epistemológica.

Quando o homem conhece, está manifestando sua racionalidade e sua

historicidade. A razão não se constitui fora do mundo prático e da história.

Conhecer a gênese das estruturas cognitivas não abarca a totalidade dos

aspectos que constituem, a racionalidade. Daí o risco da unilateralidade lógica.

Esta análise, que pretende trazer outras teorizações para a

compreensão da racionalidade, quer sublinhar o risco de uma redução da

razão a um modo de logicidade, sem deixar de reconhecer a existência dessa

dimensão enquanto condição necessária, mas não exclusiva ou suficiente, à

constituição do sujeito epistêmico.

Compreender o pensamento humano e suas formas de comunicação

exclusivamente como uma operação mental ou como uma análise lógica implica

silenciar uma dimensão de historicidade do ser humano e reduzir a complexidade

do processo de compreensão e de busca de sentido a uma dimensão empírica.

É nesse ponto que a hermenêutica se encontra com a educação, porque

ela vai justamente romper com a pretensão de objetivação do mundo. Em

outras palavras, a ciência objetivante não é suficiente para explicar os

processos de captação do real. À medida que é denunciada a impossibilidade de

uma pretensão exclusivamente objetivante da racionalidade, a reflexão sobre o

homem e sua inserção histórica traz uma nova dimensão à razão.

O homem que produz e se apropria de conhecimentos está, desde

sempre, temporal e historicamente situado. A educação não pode

41

desconsiderar essa dimensão, sobretudo, porque é no contexto de seu

mundo e de sua cultura que ela vai encontrar as referências para constituir a

própria natureza humana e sua racionalidade.

1.3. O sujeito e o mundo do sentido

O princípio da subjetividade é aqui renovado pela inserção do

sujeito no mundo do sentido. A busca do sentido e da compreensão é o

problema fundamental da hermenêutica. Nessa perspectiva, a razão não é

mais apenas objetivante.

A compreensão não depende apenas da razão universal, mas do

processo histórico que cria e transmite sentido. A abordagem hermenêutica

envolve algo no mundo, as suposições, as práticas comuns. Ou seja, ela traz

presente a tradição cultural.

Essa problemática situa-se no campo da fundamentação da

racionalidade e é tematizada mais tardiamente pela reflexão filosófica. A

hermenêutica possibilita uma relação de complementaridade à constituição

epistêmica do sujeito, uma vez que traz as condições históricas do trabalho do

pensamento e mostra que a racionalidade está preestruturada pela tradição.

A hermenêutica quer expor as conseqüências de um conhecimento

que se cria a partir de um horizonte tal que nem ele mesmo pode ultrapassar.

E o espaço no qual o homem se expõe a si mesmo, correndo o risco de perder

sua própria orientação. Isso pressupõe entregar-se ao outro, ao texto, ao

diálogo na busca do sentido.

Transpor, expor, interpretar, revelar...são verbos que se relacionam com a

busca de um conteúdo que não aparece explicitamente na superfície. A

hermenêutica, ao reconhecer um déficit teórico no monismo metodológico,

presente na racionalidade dominante no mundo ocidental, mostra que o sentido não

é imposto pela razão nem dominado pelo sujeito-intérprete, pois não há crença na

possibilidade de uma racionalidade externa definidora de regras de sentido. Aqui

há também uma oposição da hermenêutica em relação ao sujeito do idealismo

alemão (o eu que se põe a si mesmo).

A hermenêutica não é uma alternativa à explicação técnica, mas a

tentativa de compreender algo, com base em um horizonte mais amplo. Assim,

vai situar-se no âmbito da linguagem, enquanto contexto de possíveis sentidos

verdadeiros. A hermenêutica é uma contribuição das assim chamadas ciências

do espírito para ampliar um conceito restrito de racionalidade.

A racionalidade estática torna-se fluida. Aparece então um fato novo para

a configuração da subjetividade: o nosso objeto de compreensão não tem

independência diante de nós. A educação, na tradição iluminista, aposta na

42

capacidade intelectiva dos sujeitos, e a hermenêutica aponta que as condições sob

as quais se realiza essa capacidade tem um significado constitutivo que não se dá

fora da história. Compreender o sentido é a base da própria razão. Assim, a

hermenêutica traz à educação uma reflexão nova, que mostra a impossibilidade de

um domínio completo do processo de interpretação, de dar razões. A interpretação

não é unívoca, depende do horizonte compreensivo dos sujeitos e a educação pode

auxiliar a conviver com a polissemia das vozes interpretativas.

Para explicitar o que se pretende com a idéia de uma subjetividade

renovada, especifica-se, a seguir, a dimensão do “sentido” introduzida pela

hermenêutica.

1.3.1. O problema da compreensão hermenêutica

Gadamer, com sua decisiva contribuição à hermenêutica moderna,

questiona o próprio estatuto do método como caminho único da verdade,

afirmando que a compreensão não é uma “instância científica, senão que

pertence com toda a evidência à experiência humana do mundo”(1977, p.23).

Gadamer retoma a reflexão hermenêutica de Heidegger, que dá

proteção às formas arbitrárias de pensar e orienta nosso olhar para a coisa

mesma. Esse olhar permite uma busca produtiva de sentido.

No processo de compreensão, conceitos vão sendo substituídos por novos

projetos de sentido até que opiniões equivocadas sejam superadas. As opiniões são

submetidas a processos de validação. Na busca de sentido, Gadamer alerta para a

necessidade de estarmos abertos à opinião do outro (expor-se), pois a tarefa da

hermenêutica exige um constante entregar-se ao texto:

“não pressupõe nem „neutralidade‟ frente às

coisas nem tampouco cancelamento de si

mesmo, senão que inclui uma matizada

incorporação das próprias opiniões prévias e

prejuízos” (1977, p336).

Tal entendimento traz à educação a crítica da racionalidade conduzida

de forma mecânica, lógica e linear, dando lugar a uma busca produtiva de

sentido que se amplia pelo diálogo, pelo “exporse” ao outro. A hermenêutica

indica que no processo de racionalidade, de compreensão e de sentido há uma

radicalidade histórica a ser considerada. Dessa forma, apresenta-se como crítica

do modelo de racionalidade prevalente nas sociedades modernas.

A interpretação dos prejuízos (ou preconceitos) constitui uma forma de

compreensão para Gadamer, contrariamente ao modo de pensar do iluminismo,

que tenta evitar qualquer forma de preconceito. O viés racionalista do

43

iluminismo reduz tudo à forma de fundamentação que exclui todas as

possibilidades de abordagens da coisa, entre elas os preconceitos em geral. A

finitude e a historicidade do homem exigem a reabilitação do conceito de

prejuízo (preconceito) e o reconhecimento de prejuízos legítimos.

Através de seu próprio preconceito, o iluminismo transforma o

conceito de autoridade em obediência cega. Gadamer refuta esse entendimento

para afirmar que a autoridade se fundamenta no reconhecimento e no

conhecimento; portanto,

“a autoridade não se outorga senão que se

adquire e tem que ser adquirida se se quer

apelar a ela. Repousa sobre o reconhecimento

e, em conseqüência, sobre uma ação da razão

mesma” (1977, p.347).

O argumento da autoridade não é arbitrário porque depende do

conhecimento. Portanto, é uma autoridade que não é baseada na fé. Gadamer

propõe tratar a autoridade no contexto da tradição, buscando apoio na crítica

que o romantismo faz ao iluminismo.

“O consagrado pela tradição e pelo

passado possui uma autoridade que se tornou

anônima, e nosso ser histórico e finito está

determinado pelo fato de que a autoridade do

transmitido, e não só do que se aceita

racionalmente, tem poder sobre nossa ação e

nosso comportamento” (p.348).

Estamos submersos numa tradição que determina as instituições e os

comportamentos dos homens. A tradição, enquanto conservação, é um ato

da razão que se integra com o novo nos momentos mais revolucionários. A

crítica da tradição feita pelo iluminismo não dá conta do seu ser histórico. A

tradição permite uma compreensão que transcende o universo metódico.

Dessa forma, a compreensão não está além de nosso próprio horizonte, mas

se situa na história e na tradição.

Gadamer, no intento de recuperar a tradição, reconceptualiza o

conceito de clássico, minimizando seu caráter meramente temporal para

reafirmar seu elemento normativo:

“O clássico é uma verdadeira categoria

histórica porque é algo mais que o conceito de

uma época ou o conceito histórico de um estilo

(...); designa um modo característico do mesmo

44

ser histórico, a realização de uma conservação

que, em uma confirmação constantemente

renovada, torna possível a existência de algo que

é verdade” (1977, p.356).

O clássico revela o ser histórico que é mantido no tempo e se conserva

porque se interpreta a si mesmo. É pelo clássico que é feita a mediação entre

passado e presente. Segundo Gadamer, isso confere à compreensão

hermenêutica um reportar-se à tradição. Essa recuperação do “ser histórico”

implica numa abordagem mais produtiva da racionalidade, especificamente no

que se refere à sua ação enquanto conservadora e crítica da cultura.

Uma das condições para a compreensão hermenêutica do pertencer

à tradição é a antecipação do sentido: o todo só é compreendido pelas partes

e as partes só são compreendidas no todo (é a relação circular ou estrutura

circular da compreensão).

Gadamer retoma de Heidegger o círculo hermenêutico, de forma que

“a compreensão do texto se encontra

determinada continuamente pelo movimento

antecipatório da pré-compreensão. (...) Não se

trata de um movimento formal (...), senão que

descreve a compreensão como a interpenetração

do movimento da tradição e do movimento do

intérprete” (1977, p. 363)

O círculo hermenêutico heideggeriano revela a própria constituição

ontológica do ser. A compreensão, então, não pode ser abarcada só pelo método,

mas envolve uma articulação entre o ser de nós mesmos com o nosso mundo. A

compreensão pertence à estrutura fundamental do próprio ser humano.

No processo de constituição da compreensão, estabelece-se uma

tensão entre a estranheza e a familiaridade, de fundamental importância

para a hermenêutica. Gadamer destaca que a hermenêutica está a meio

caminho dessa situação, ou seja, entre a objetividade do distanciamento

histórico e o pertencer à tradição.

A compreensão de um texto não é nunca meramente reprodutiva; ao

contrário, tem um sentido produtivo. Portanto, é inadequado, na abordagem

hermenêutica, compreender melhor, com mais objetividade, pois quando se

compreende, “se compreende de um modo diferente” (Gadamer, 1977, p.367).

45

É importante destacar aqui a polêmica estabelecida entre Habermas e

Gadamer a propósito da “controvérsia entre dialética e hermenêutica”17

,

Habermas destaca que o processo de formação pela tradição, ao ser inculcado pela

estrutura preconceitual, não permanece intocado pela reflexão. Considera que

Gadamer não tira todas as conseqüências do papel da reflexão. Sobre isso afirma:

“Ao certificar-se da estrutura preconceitual,

o jovem tornado maduro transporia o

reconhecimento, antes não-livre, da

autoridade pessoal do preceptor, agora

refletidamente, para a autoridade objetiva de

um contexto da tradição. Só que a autoridade

teria permanecido autoridade, pois a reflexão

só poderia ter-se movido nos limites da

faticidade do transmitido (Überlieferten), O

ato do reconhecimento, que é mediado pela

reflexão, não teria alterado nada no fato de

que a tradição enquanto tal permaneceu a

única razão da validade do preconceito”

(Habermas, 1987, p.l7).

Sem negar a importância da hermenêutica, Habermas discorda da

convergência reconhecida por Gadamer entre autoridade e conhecimento. Só

um processo reflexivo permite a apropriação do caminho da autoridade, tirando

do mesmo aquilo que “era pura dominação” para ser “dissolvido na coerção

sem violência da intelecção e da decisão racional” (Ibid., p.l8).

Apesar dessa divergência, os dois filósofos compartilham de um ponto

em comum, o de que nossa compreensão é preestruturada pela tradição e que a

consciência hermenêutica revela os limites de um conhecer auto-suficiente e

meramente objetivante.

A hermenêutica traz uma abordagem mais produtiva à dimensão

epistemológica da razão. A racionalidade que está subjacente às estruturas

mentais se amplia com um processo produtivo de significação, que deriva da

dimensão de historicidade dessa própria razão.

A nível teórico, a hermenêutica aponta que o processo de conhecer, dar

razão, constituir a racionalidade não apresenta uma dimensão exclusivamente

operativa; ao contrário, o sujeito constitui-se no contexto histórico, na busca

produtiva de sentido. A interpretação hermenêutica na educação oferece as

condições de fazer surgir um conhecimento que até então não se encontrava

17 Ver Habermas. Jürgen, Dialética e Hermenêutica: Para a Crítica da Hermenêutica de

Gadamer, tradução brasileira de 1987. que contém os textos em que Habermas formula sua

crítica a Gadamer.

46

disponível entre professores e alunos. Novas explicitações de sentido vão surgir e

vão determinar o próprio rumo da compreensão. O processo de conhecer e, por

conseqüência, a aprendizagem, ampliam-se pelas novas possibilidades da razão, o

que permite uma forma não autoritária e não dogmática de compreensão dos

conhecimentos e das diferentes culturas.

A análise até aqui desenvolvida procurou mostrar o princípio da

subjetividade como base de justificação da educação. Com Kant, o

fundamento normativo se expressa pela constituição do sujeito de

conhecimento e de ação moral. A educação é constitutiva da própria natureza

humana, rompendo com qualquer base de justificação exterior a si mesma.

Piaget, também tributário da filosofia da consciência, aponta a possibilidade

de construção da gênese das estruturas cognitivas, de caráter universal,

responsáveis pela formação do sujeito epistêmico, instrumentalizando a teoria

pedagógica com um conjunto de conhecimentos que fazem a mediação do

sujeito racional. Gadamer, ao refletir sobre as condições históricas e

filosóficas da compreensão, indica que o sujeito não ultrapassa, na construção

de sua racionalidade, os vínculos da tradição. da historicidade.

É preciso, entretanto, entender a mediação institucional que a

modernidade encontra para realizar a educação do sujeito, que passa a se

constituir em aspiração política. A criação da escola moderna é resultado de um

processo de evolução social, surge como mediação necessária do projeto da

modernidade e concretiza uma determinada racionalidade.

2. A escola moderna: uma mediação para a construção do sujeito

Toda a promessa da modernidade na construção de um homem capaz

de, constituindo-se a si e ao mundo, chegar à autonomia, à liberdade e à justiça,

gerou a articulação de ações políticas, com vistas à efetivação desses valores.

Esse ideário culmina com a criação da escola como “sistema mundial

moderno” (Adick, 1989, 1992) que, tanto em países em desenvolvimento como

em países desenvolvidos, tem se constituído, há quase dois séculos, como o

modelo dominante para realizar o processo de educação e de formação dos

sujeitos dotados de razão.

Como resultado de uma evolução da modernidade (Habermas), na esfera

sociocultural, a escola constitui-se em fragmento da totalidade da práxis

pedagógica, que reflete o nível do desenvolvimento da ciência e da cultura, as

dependências do sistema político, econômico e social. E, dessa forma, elemento

integrante de toda a práxis social e reveladora da racionalidade predominante. Sua

função social básica é a de reprodução, que se manifesta no sentido de legitimar

47

aqueles conhecimentos e valores que veicula e transforma em capital cultural

(Bourdieu, 1974, 1982).

Adick, ao evidenciar o caráter universal da escola moderna, enquanto

tributária do projeto da modernidade, define-a como parte constitutiva de um

“sistema mundial contraditório, caracterizado

pela modalidade capitalista de produção e que,

através da universalização do saber, da

acumulação de capital e da divisão internacional

do trabalho, liberou, por um lado, possibilidades

e promessas emancipatórias, que todavia mantém

(direitos humanos, elevação do nível de vida),

mas que, por outro, também deu lugar ao

surgimento de conflitos de poder, potenciais de

exploração e ameaça, entre as sociedades

diversas e em seu interior, ligados à apropriação

do saber, ao capital e à divisão do trabalho,

perigos que todavia hoje seguem em plena

vigência (guerras, crises ecológicas, estruturas

de dependência)” (1989, p. 70).

Dessa forma, a escola é expressão da necessidade de educar e resultado

do processo de evolução da modernidade. Constituiu-se, originalmente, como

um instrumento circunstanciado por componentes ilustrados e emancipatórios,

mas seu componente de dominação impõe sempre novas coações.

Para fins deste estudo, deve-se destacar que a escola moderna:

• é um instrumento de reprodução da humanidade, que mantém tensão

dialética entre perspectivas emancipatórias e conservadoras, apresentando,

portanto, uma estrutura antinômica;

• participa da produção e transmissão do saber, bem como de sua

seleção e legitimação;

• mantém uma combinação de educação e ensino, entendida como um

tratamento metódico para que o saber seja apreendido;

• é o lugar onde aprendizagem e ensino se diferenciam e ocorrem

sistematicamente;

• promove a aprendizagem da racionalidade;

• é uma das instâncias de formação do ser humano, da constituição do

sujeito epistêmico e moral;

• é resultado de um processo de evolução social.

Depreende-se da análise até aqui realizada que a educação está

presente na sociedade, articulada com os diversos discursos produzidos sobre

racionalidade e sujeito. Assim, a educação concretiza certos pressupostos

filosóficos que justificam os tipos de educação existentes. A modernidade

48

anuncia princípios orientadores para a educação que, se por um lado devem ser

criticados, porque a sociedade testemunha os contraditórios impasses

decorrentes da ação racional, por outro lado precisam ser submetidos a uma

radicalização crítica que permita estabelecer critérios sobre o que deve ou não

ser conservado ou transformado.

A análise de Heisper (1990) sobre a antinomia da escola moderna,

indica que a mesma participa da utopia e das esperanças da modernidade, assim

como também contém em si o seu movimento contrário. Enquanto vinculada à

utopia e à esperança do iluminismo, a educação realiza a institucionalização

dos sistemas públicos de ensino, concebidos como promoção da autonomia,

eticidade e progresso racional. Por outro lado, como resultado da modernização

e da burocratização, o sistema escolar é perturbado de forma profunda em sua

estrutura, que abstraiu as bases do mundo da vida.

Essa perturbação aparece sob a forma de reprodução das insuficiências da

razão, que arrastam consigo uma subjetividade que perde mais e mais seus

vínculos originários. O item a seguir identifica as implicações da crítica da razão

para a educação, de forma a evidenciar as coações que atuam a nível escolar.

3. As relações entre a crítica da racionalidade e a educação: a

reprodução das insuficiências da razão

A crítica da racionalidade ocidental permite focalizar a presença das

distorções da razão no processo educativo.

A vinculação originária da educação com o desenvolvimento de um

homem dotado de razão (sujeito autoconsciente), determina um virtual

direcionamento do processo pedagógico para o mesmo lado que toma a razão

em sua constituição histórica.

A escola, como um instante do processo de modernização, pretende

trazer uma competência cognitiva, simbólica e social e uma estrutura racional

individual, que promova a reprodução da audaciosa razão moderna. A escola

vem sendo entendida como um momento social da potencialidade da razão.

Entretanto, pode ser compreendida no sentido de uma razão instrumental, pela

possibilidade de promoção de um pensamento formalizado que gera crise na

formação da identidade pessoal.

Uma análise da prática educacional revela que, na medida em que faz a

mediação da construção de sujeitos, através da aprendizagem e do saber que

transmite, a educação promove a razão formalizada, ou seja, o mesmo modelo

de racionalidade predominante na civilização ocidental.

Esse predomínio se traduz pela interpretação pedagógica dos processos de

coletar dados, seriar, classificar e desvincular os meios de uma totalidade, o que

49

significa falar de uma racionalidade dedutiva e de domínio dos sujeitos sobre os

objetos. Assim, verifica-se a legitimação dessa razão tanto pelos procedimentos

pedagógicos com vistas à aprendizagem (a seriação do saber, o sistema de

avaliação, o predomínio dos procedimentos empírico- experimentais no ensino, a

organização dos currículos privilegiando o enfoque positivista, a administração

burocrática), como pelo próprio conteúdo, que autonomiza o conhecimento e a

profissionalização nos moldes da razão subjetiva, ou seja, os cursos e os

conhecimentos trabalhados pela escola perdem seu vínculo com as exigências das

necessidades sociais e atrelam-se a interesses de grupos que detêm o poder.

O próprio papel da escola está subjugado à razão subjetiva. Esse

processo não trazido à consciência mascara-se sob uma pretensa neutralidade,

que, facilmente, retira da educação seus vínculos como reprodutora do modelo

social vigente. Se a razão não é mais agente de compreensão ética, a escola, ao

promover a razão, reproduz esse processo, não conseguindo efetuar a ruptura.

Essa reprodução se dá em toda a organização escolar, seja no que se refere a

currículos como a procedimentos internos.

A classificação, a fragmentação do saber, a desvinculação de uma verdade

universal e o atrelamento ao chamado interesse pessoal (no caso, o interesse de

grupos sociais) presentes nos processos educacionais revelam a ausência de

condições para a inserção do sujeito numa racionalidade comprometida com a

emancipação, conforme anúncio da dialética do iluminismo.

Assim, a estrutura organizacional da escola18

industrial, capitalista e

burocrática é a expressão material das relações sociais e da razão instrumental.

Se, por um lado, a racionalidade promovida pela escola é a subjetiva, por

outro lado, esse aspecto é mascarado pela aparência da apresentação dessa razão

como forma exclusiva, legítima e natural das relações entre o homem e o mundo.

Nesse aspecto, a racionalidade vigente, ao ser reafirmada pelo processo

educacional, reafirma também como legítimo um único discurso sobre o que é

ciência e conhecimento. Dessa forma, prepara os educandos sob a chancela da

racionalidade técnica, dedutiva, de controle de ações, formando profissionais

desvinculados dos conteúdos éticos e de liberdade da razão. A educação

formaliza o preparo dos alunos.

O problema emergente dessa situação, à luz da Teoria Crítica, é a análise

das possibilidades da educação se submeter ao mesmo processo crítico para chegar

à auto-reflexão e a uma possível alteração das suas relações com a sociedade.

18 Conforme análise dos autores chamados reprodutivistas, que teorizam a educação em geral e a

escola em particular como reprodutora das relações sociais. Ver A Reprodução de Bourdieu e Passeron

(1970). Baudelot e Establet (1976) e Bowles e Gintis (1976). Ver a publicação Teoria e Educação. V.

1, 1990, sobre Teorias da Reprodução e da Resistência. Porto Alegre, Ed. Palmarinca.

50

Certamente, a escola não é o “locus” exclusivo para a desalienação nem a

garantia da mudança social necessária. Mas, por outro lado, a auto-reflexão não

pode ocorrer fora da constituição de um sujeito epistêmico, capaz de tomada de

consciência. Embora esse processo não seja suficiente, é necessário para a crítica

das determinações histórico-sociais da realidade educacional, de forma a exigir da

educação o cumprimento de seu papel emancipatório.

Entretanto, ao sonegar as condições que levam ao processo de crítica, o

sujeito epistêmico incorpora como legítima a redução da razão e torna-se cada

vez mais distante da compreensão de uma racionalidade que hierarquize meios

e fins. E o que se pode chamar de razão com des-razão.

Na sociedade brasileira, há a necessidade de constituição do sujeito

epistêmico como condição básica para o processo de crítica. De certa forma, se

estabelece uma situação paradoxal: por um lado, a escola está orientada pelos

princípios da formalização racional; por outro lado, é nessa mesma escola que

está uma das possibilidades de constituição desse sujeito, sem o qual não se

estabelece a capacidade operatória formal que levaria à tomada de consciência.

Reproduz-se aqui, portanto, o mesmo reconhecimento da necessidade

emancipatória que a Teoria Crítica faz em relação à Teoria Tradicional19

, ou

seja, no próprio processo nasce o indicativo de mudança.

A escola deve, então, ter compromisso com a constituição das

estruturas mentais, com a formação de sujeitos capazes de operar formalmente

para que se criem as condições necessárias à tomada de consciência e, de forma

articulada com a prática, se dê a ruptura com o caráter ideológico, mistificador

de uma racionalidade que desumaniza.

Algumas propostas nessa perspectiva, chamadas de Pedagogias

Progressistas e Libertadoras20

, têm por objetivo o desenvolvimento de uma

consciência crítica, com vistas a superar as condições opressivas que impedem

a libertação do homem. Entretanto, essas pedagogias não conseguiram ainda ter

expressão nos sistemas de ensino. Esse fato pode ser explicado pela própria

penetração da razão formalizada em todas as esferas da sociedade, impedindo o

avanço de propostas que traduzem um projeto emancipatório. Essa situação

19 Ver nota n° 9, que analisa as características da Teoria Tradicional, como levantar dados, inventariar,

classificar (Horkheimer, 1975). 20 As pedagogias progressistas referem-se àquelas propostas que pretendem vincular o processo

educativo à promoção da consciência crítica, através da libertação pessoal das condições de opressão,

de forma que, sobretudo as classes subalternas brasileiras e latino- americanas, possam assumir seu

papel de sujeito na história. No Brasil. o mais expressivo representante desse pensamento é Paulo

Freire. educador respeitado internacionalmente. que, no início da década de 60, desenvolveu um

trabalho de alfabetização de adultos, cujos princípios teóricos estão expostos na obra Pedagogia do

Oprimido. Pertencem ainda a essa tradição Ernani Maria Fiori e Álvaro Vieira Pinto. Em geral, trata-se

de experiência em educação popular.

51

revela também a falta de condições objetivas para a constituição do sujeito,

conforme a própria crítica da queda da teoria da subjetividade, que será

analisada no item 4 deste capítulo.

Aliadas a isso, encontram-se as dificuldades de constituição do sujeito

epistêmico do ponto de vista social: uma vez que a sociedade descuida das

condições estruturais, econômicas e de obtenção da cidadania, auxilia na

manutenção da marginalidade e toma cada vez mais distante o necessário momento

da tomada de consciência, porque não se estabeleceram nem sequer as condições

de operar formalmente. Em outras palavras, há necessidade de criação das

condições objetivas de uma nova razão humana, social, mais reflexiva.

A aproximação com a Teoria Crítica é necessária para compreender essa

estrutura que está presente na racionalidade do mundo moderno e que gera não só a

independentização dos meios em relação aos fins, como também determina, em

termos político- sociais, o lucro como critério orientador da ação. A ausência dessa

compreensão pode levar a uma afirmação da liberdade pelo pensamento, em

abstrato, levando a educação a um caráter voluntarista e mitológico.

Os equívocos desse processo levam a escola a reconhecer, no

conhecimento, uma autonomia que levaria à libertação, desconhecendo que

tal conhecimento é também produto de uma racionalidade que se

instrumentalizou e degenerou.

O pensamento crítico pode estar presente na escola, dando uma outra

referência aos seus processos internos e de conhecimento, de forma a estabelecer

um novo vínculo com as exigências da sociedade. O estabelecimento desse

processo crítico não se dá em abstrato; deve ocorrer na concretude da ação

pedagógica. Em especial, na sociedade brasileira, onde são reduzidos os espaços

favoráveis à reflexão, já que a indústria cultural penetra todas as dimensões da

vida social com sua lógica própria, a ação do professor se reveste de uma dupla

exigência: de um lado, promover a auto-reflexão para si e, de outro lado,

promover um saber e uma ação pedagogicamente melhores junto aos educandos.

Assim, o reconhecimento do falso progresso da razão é condição necessária,

embora não suficiente, da emancipação. Na tradição da dialética do iluminismo,

a emancipação normatiza a educação e deve ser compreendida como um

estímulo à racionalidade das ações do sujeito. Entretanto, a contradição entre o

que é entendido por sujeito racional e a vida, a contradição entre a possibilidade

de amadurecimento e as condições de educação não permitem que essa aspiração

de emancipação se realize.

A crítica da racionalidade vigente nas sociedades modernas já

indica as dificuldades de realização de um processo de libertação do sujeito

e os limites impostos pelas ações sociais.Cabe aqui perguntar se a meta

52

ambiciosa de transformar a sociedade vem se tornando cada vez mais tênue,

como resolver esse paradoxo?

É necessário fazer-se uma consideração especial a esse

questionamento: se na educação há uma ação que dirige deliberadamente o

processo pedagógico (ação intencional), essa intervenção não pode

desconhecer a necessidade de auto-reflexão e de libertação. O desafio é sua

realização. No entanto, a educação, enquanto práxis, não pode desconsiderar a

insuficiência do próprio progresso da razão.

A perda da confiança na razão e a contradição presente nas relações

sociais objetivas dão origem à assim chamada crise do fundamento normativo

da educação pela crise do princípio da subjetividade, enquanto autoconsciência,

cujos antecedentes se encontram na crítica da razão já exposta no item 2, do

capítulo 1. O item subseqüente esclarece as relações entre a crise da

subjetividade e a educação.

4. Educação e subjetividade - a crise do fundamento normativo da

educação

As críticas à razão e ao princípio da subjetividade, que se consolidam no

século XX, trazem para a educação a perda da consistência de seu fundamento

histórico. O acordo geral decorrente da tradição iluminista, acrescido de

contribuições das chamadas “Geisteswissenchaften ―, indica a exigência da

moderna sociedade para o desenvolvimento da autonomia e independência, com

vistas à consciência e emancipação dos sujeitos, através do processo educacional.

O consenso sobre o fundamento da subjetividade indica os seguintes elementos

(Pongratz, 1989):

• o objetivo da educação é o amadurecimento do homem para

desenvolver sua individualidade e consciência ética;

• as categorias do pensamento pedagógico são: identidade do eu,

emancipação, consciência e responsabilidade moral.

A reivindicação de Kant de que a educação deve desenvolver as

categorias de disciplina, cultura, civilização e moralização está apoiada no

fundamento da subjetividade, conforme foi referido no capítulo II. Mas esse

princípio toma-se problemático, tanto pela crítica como pela adesão da assim

chamada morte do sujeito.

Embora esse quadro teórico da tradição pedagógica se circunscreva no

âmbito da Aufklärung européia do século XVIII, a realidade brasileira articula

seu projeto educativo sob o mesmo fundamento e isso se traduz pelas diferentes

tendências pedagógicas (Saviani, Gadotti), que, de uma ou outra forma,

assumem compromisso com a formação da cidadania, aprendizagem de

53

conhecimentos, promoção da consciência de si e do mundo, autonomia moral e

intelectual. Ou seja, as assim chamadas pedagogias libertadoras e progressistas,

assim como as liberais, são expressões pedagógicas da filosofia da consciência,

tendo um conceito histórico- filosófico de razão.

Destaco, entretanto, que há motivos filosóficos diferentes nessas

correntes pedagógicas. Basta lembrar que as pedagogias progressistas e

libertadoras de base marxiana fazem a inversão da relação teoria-prática e

situam a razão na concretude, em seus contextos próprios. No entanto, mantêm-

se ainda no esquema da relação sujeito-objeto e na confiança no progresso da

razão, nos moldes da filosofia da história.

A atual crise do sujeito tem início com as condições contraditórias da

sociedade burguesa em relação à emancipação de seus membros. O sujeito é

entendido, na modernidade, como aquele que é capaz de construir, através de seu

pensamento, um mundo regido por leis racionais e inteligíveis. Por isso, sua

formação foi identificada com o desenvolvimento de programas escolares capazes

de conduzir à aprendizagem daquilo que o pensamento racional havia produzido e

também com o desenvolvimento de uma capacidade de resistência ao desejo,

submetendo-o ao domínio da razão. O processo social, que tentou ser decifrado

pela crítica da razão em Adorno e Horkheimer, indica que a civilização tem um

preço a pagar: a formação do sujeito e o desenvolvimento da ciência através do

domínio da natureza se transforma em regressão e barbárie. Certamente, no início

do desenvolvimento do projeto burguês não estavam plenamente expostas suas

conseqüências. A perspectiva da modernidade prevê um mundo a ser construído

racionalmente, em que o sentido, o progresso e a continuidade da sociedade sejam

garantidos pela práxis humana. A realização dessa práxis se dá pelo processo

pedagógico de inclusão e exclusão dos sujeitos. O indivíduo, cujo poder possibilita

o domínio sobre o mundo, deve abrir-se em eticidade e entendimento e deve

canalizar o desejo e a imaginação, até aprender “naturalmente” a tornar-se sujeito.

A irracionalidade apontada pela Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer confronta-

se com o caráter normativo da razão.

A educação exigiu, ao longo da história, para a autoconstrução e

autonomia do homem, a racionalização e o domínio dos afetos e da

corporeidade. Esse processo é chamado por Böhme outro da razão. Trata-se de

um conceito de fundo histórico-social, em que a natureza aparece como algo

ameaçador a ser dominado, A natureza é

“o outro da razão, (...) da razão é visto o

irracional, a moral do imoral, o lógico do ilógico.

O outro da razão é o conteúdo da natureza, do

corpo, da fantasia, do desejo, do sentimento.

Nossa tese é que a razão - contra toda a

54

proclamação pública de autonomia e

autodeterminação, não se auto-determina, mas

está em contínua destituição, delimitação, em

contínuo debate com seu outro” (Böhme, apud

Uhle, 1993, p.37-8).

A contradição do homem consigo próprio deve ser superada por uma

educação geral que submeta as peculiaridades. Então, uma racionalidade

econômica e burocrática estrutura o sujeito.

O postulado da identidade do sujeito defende uma relação social que

promova as condições para sua realização; entretanto, a sua realização é, ao

mesmo tempo, impeditiva de tal efetivação. Pode-se afirmar que a construção

do sujeito depende das condições objetivas. Como as condições objetivas não

se efetivam, tem-se a liquidação do sujeito. Tal liquidação cria problemas

para o fundamento teórico da ação pedagógica, nos termos do consenso geral

obtido com o iluminismo.

Em que consiste, então, o reconhecimento e a legitimidade da educação

se as bases de sua justificação desmoronam?

Se a razão, conforme os ensaios de Adorno e Horkheimer, se

transforma no seu contrário, como a educação, que é fruto das exigências do

próprio pensamento racional, age diante disso? Que desafios surgem? Que

rumos esse fato imprime à investigação educacional?

De agora em diante, o pensamento social começa a olhar com

desconfiança o projeto da modernidade e sua opção pelo tipo de racionalidade

que resultou nos impasses que conhecemos.

Diante dessa situação, há duas grandes direções: a crítica ao

iluminismo e, portanto, a continuação de sua própria crítica com o chamado

projeto inacabado da modernidade (Habermas, 1981) e a situação do contra-

iluminismo que se despede da modernidade (Lyotard, 1979).

Na forma de auto-reflexão, diferencia-se fundamentalmente a crítica do

iluminismo (Aufklärung) e o contra-iluminismo (Gegenaufklärung). A primeira

constitui-se em uma essencial permanência do projeto iluminista, cuja crítica

estava imanente desde seu começo. Apenas a saudade da razão objetiva não

resolve os questionamentos que a educação exige. Essa reflexão não significa

uma reconciliação, mas uma reflexão sobre os motivos e caminhos de seu

desenvolvimento e suas sucessivas quedas. As críticas do contra-iluminismo

são “insensíveis ao conteúdo altamente ambivalente da modernidade cultural e

social” (Habermas, 1990a, p.311).

A retomada do debate sobre a teoria da educação começa nos anos

oitenta na Europa, na perspectiva dessa crise do projeto da modernidade e da

própria crise da subjetividade. Uhle (1993) afirma que esse tempo traz consigo

55

ou a descrição da queda do fundamento da educação ou uma renovada

concepção de educação. A pergunta pela obtenção de um entendimento da

educação na modernidade centra-se no problema de como tornar compatível a

singularidade do sujeito com a racionalidade requerida pela modernidade.

A crítica da razão constitui um pano de fundo para a reconstrução do

conteúdo normativo da própria modernidade e da educação. De forma diferente da

descrição apresentada por Adorno e Horkheimer de um deslocamento repressivo

da racionalidade que conduz a paradoxos, Habermas procura um entendimento na

estrutura de fala, que traga mudanças à razão iluminista, sem negá-la.

A concepção clássica de racionalidade, que exigia renúncia de

particularismos e emoções, está exaurida e não traz mais a possibilidade de unir

a multiplicidade de vozes e de discursos. Habermas acredita na possibilidade de

que o universal venha a emergir na comunicação entre as diferentes

experiências dos atores, nutridas pelas particularidades do mundo vivido

(Lebenswelt). Assim, a pluralidade, as diferenças não estão ameaçadas e a

razão pode ser “a razão do todo e das partes” (Habermas).

A superação do paradoxo da dialética do iluminismo pode ocorrer pela

fundamentação da educação não mais nos moldes da relação sujeito-objeto da

filosofia da consciência, mas na busca de uma racionalidade comunicativa que

renove as bases do processo interativo, numa relação sujeito-sujeito, conforme

teoriza Habermas e que permita incorporar o aspecto produtivo de uma

dimensão hermenêutica.

A propósito das possibilidades da mudança de orientação da razão

centrada no sujeito para a razão comunicacional, Habermas diz que tal

mudança pode também

“encorajar a voltar a admitir o contra-

discurso que desde o início acompanha a

modernidade. Como a radical crítica da razão de

Nietzsche se não deixa conduzir

consistentemente, nem na linha da crítica

metafísica, nem na linha da filosofia do poder,

somos dirigidos para outra saída da filosofia do

sujeito. Talvez se possam aí ter em conta os

motivos de autocrítica de uma modernidade em

colapso, sob outras premissas, de modo que

façamos justiça em relação aos motivos

virulentos que, desde Nietzsche, levam à

despedida precipitada da modernidade. Deve

ficar claro que o purismo da razão pura não

ressuscita na razão comunicativa” (Habermas,

1990a, p, 281).

56

Segundo Helsper (1990, p.178), a proposta de Habermas é uma das

perspectivas de crítica da modernidade que procura responder à problemática

da hipoteca da racionalização do moderno sistema escolar e de uma educação

voltada para a autonomia e para o desenvolvimento da capacidade de ação

racional, na antinômica tensão entre libertação e limitação.

O capítulo a seguir tem a finalidade de apresentar os pontos principais

da teoria do agir comunicativo, com vistas à configuração da nova formulação

de racionalidade.

57

III

UMA NOVA FORMULAÇÃO DE RACIONALIDADE: A

RAZÃO COMUNICATIVA DE JÜRGEN HABERMAS

1. O pensamento de Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo

Jürgen Habermas integra a Escola de Frankfurt, influência percebida em

seus trabalhos, mas reformula as categorias e pressupostos fundamentais da

Teoria Crítica. Mantém a intenção de realizar uma crítica radical das formas da

modernidade e da razão, que foram submetidas à desintegração, às coações

sociais e à perda de sentido. Considera, entretanto, que a Teoria Crítica fracassou

pelo “esgotamento do paradigma da consciência” e entende que sua substituição

pela teoria da comunicação permite retomar o empreendimento que ficou

interrompido na crítica da razão instrumental. Desde a década de 60, vem

articulando uma teorização que substitua o modelo da filosofia da história, que

tem por base a idéia de progresso. Entretanto, esse empreendimento também

busca explicar as conseqüências do progresso das ciências na esfera da vida

prática. Usando a pragmática universal, o autor reconstrói os fundamentos

teórico-normativos da teoria crítica.

Habermas publica, em 1981, a obra Theorie des Kommunikativen

Handelns21

, que foi preparada através de vários artigos, ensaios e palestras22

,

com a intenção de redimensionar a razão numa perspectiva comunicativa.

Segundo o próprio autor, a obra tem por finalidade desenvolver:

1°) um conceito de racionalidade, que faça frente às reduções

cognitivo-instrumentais da razão;

21 Theorie des kommunikativen Handelns. Band 1. Handlungsrationalität und gesellschaftliche

Rationalisierung e Theorie des kommunikativen Handelns. Band 2. Zur Kritik der Funktionalistischen

Vernunft, publicados em 1981 pela Suhrkamp Verlang, Frankfurt am Main, traduzidos para o espanhol

cm 1987 pela editora Taurus. sob o título de Teoría de la Acción Comunicativa, v. I - Racionalidad de

la acción y racionalización social, e v.II — Crítica de la razón funcionalista. 22 Entre as diferentes obras e artigos nos quais Habermas preparou a Teoria do Agir Comunicativo,

cabe registrar: Sobre a Lógica das Ciências Sociais (1976). Conhecimento e Interesse (1968), A

Pretensão da Universalidade da Hermenêutica (1970), Considerações Introdutórias a uma Teoria da

Competência Comunicativa (1971), Teorias da Verdade (1972), Notas sobre o Desenvolvimento da

Competência Interativa (1974), O que Significa Pragmática Universal (1976), Aspectos da

Racionalidade da Ação (1977). Ver também a publicação Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie

des kommunikativen Handelns (1984), traduzida para o espanhol sob o título Teoria de la Acción

Comunicativa: Complementos y Estudios Prévios (1989). que contém a coletânea de textos

preparatórios, acrescida de um estudo complementar à Teoria do Agir Comunicativo.

58

2°) um conceito de sociedade, que articule o mundo da vida e o mundo

do sistema;

3°) uma teoria da modernidade, que explique as patologias sociais

(Habermas, 1987, v.1, p.10).

A formulação de uma teoria social é o grande empreendimento do

filósofo e, para tanto, incorpora várias contribuições das áreas científicas,

seguidas de uma reflexão filosófica. Nessa obra, a modernidade é entendida

como um projeto inacabado e a racionalidade não pode ser reduzida à

complexidade sistêmica. O autor busca dar conta da totalidade social, não

através de um corte marxiano, mas sem perder de vista o aspecto crítico e as

contradições presentes na sociedade.

A perspectiva essencial da obra de Habermas que faz clivagem com a

questão educacional é a compreensão da racionalidade que, partindo da crítica

da situação vigente, encaminha para a superação da razão instrumental pela

razão comunicativa. Um novo entendimento de modernidade e racionalidade

inclui uma rearticulação do papel da educação, enquanto uma das dimensões

que materializa a razão.

Nessa perspectiva, a nova interpretação de racionalidade mantém

presente o sentido primeiro da educação, vista como processo no qual a vida se

engendra, via sociedade, constituindo a natureza humana em sua formação

histórica para os diferentes possíveis. Interessa sobremaneira renovar as tarefas

da educação a partir das profundas implicações de uma racionalidade

construída pela intersubjetividade. Trata-se de uma alteração na base de

justificação da educação escolar.

Na tentativa de compreender essa nova formulação de racionalidade,

serão apresentados aqui os principais pontos da obra de Habermas.

1.1. O significado da racionalidade

Habermas problematiza a questão da racionalidade a partir da crítica e

refutação dos aspectos egoístas, individualistas e dominadores que estão presentes

no humanismo ocidental, mas, por outro lado, quer recuperar a universalidade da

razão, aspecto que permite ao homem entrar no mundo normativo. Habermas faz

isso abandonando a filosofia da consciência em favor da assunção da filosofia da

linguagem, que permite reconhecer o caráter universal do thelos do entendimento

nas estruturas da linguagem. Há uma racionalidade imanente na ação

comunicativa, que exige das diferentes esferas sociais e, em especial, da ação

educativa, uma rearticulação, já que as ações pedagógicas também sofrem as

coações de uma razão reduzida.

59

A racionalidade pretendida por Habermas refere-se à nossa capacidade

de estabelecer relações com o mundo físico, com os objetos, com os outros,

com os nossos desejos, nossos sentimentos. Essas ações têm no mundo da vida

as referências para as pretensões de verdade, de veracidade e autenticidade.

É o mundo da vida (Lebenswelt) que permite aos indivíduos adotar

orientações para as ações consideradas racionais. Inicialmente, essa racionalidade

do mundo da vida se ancora nos sistemas culturais de interpretação ou imagens

míticas do mundo, refletindo um saber que garante a coerência na diversidade de

orientações da ação. Habermas se defronta, então, com a pluralidade histórica e

cultural das visões de mundo.

Para que essa pluralidade de visões de mundo presentes na

racionalidade comunicativa não caia numa perspectiva particularista, Habermas

lança mão da contribuição das ciências empíricas.

O caráter universalista das imagens do mundo é sustentado através da

hipótese evolutiva, ou seja, a racionalização de tais imagens se dá por processos de

aprendizagem. Nesse aspecto, a teoria habermasiana opera com conceitos da teoria

piagetiana, reconhecendo um paralelismo entre a ação do sujeito que, através de

desafios e de processos de abstração reflexionante23

, avança para novos níveis de

aprendizagem e de cognição das sociedades, as quais também resolvem problemas

que as habilitam para novos níveis de interpretação da sociedade.

Em Piaget, a evolução ontogenética das estruturas de pensamento se dá

porque as novas estruturas (formas) passam a criar as condições para as

estruturas seguintes, através de processos de abstração reflexionante.

Igualmente, as rupturas entre a mentalidade mítica, religiosa e

metafísica e a mentalidade moderna são mudanças de categorias, em que uma

compreensão é superada pela outra. Ficam desprovidas de significado e sem

potencial de justificação as razões de uma cultura mítica para o mundo

moderno, reafirmando-se o entendimento da modernização como processo

histórico universal de desencantamento do mundo.

Uma compreensão de mundo, inicialmente egocêntrica, dá lugar à

separação do mundo objetivo e social frente ao mundo subjetivo. Isto

permite desenvolver um conceito reflexivo e ter acesso a diferentes

interpretações. Segundo Habermas,

“se utilizarmos o conceito piagetiano de

descentração como fio condutor para esclarecer

a conexão interna entre as estruturas de uma

imagem de mundo, o mundo da vida como

contexto dos processos de entendimento e as

23 Ver conceito de abstração reflexionante no item 1.2, Capítulo II.

60

possibilidades de um comportamento racional na

vida, ou de um mundo racional de vida, voltamos

a topar- nos com o conceito de racionalidade

comunicativa” (1987, v.J, p. 106).

O desenvolvimento de um nível de pensamento formal viabiliza o

processo de ação intersubjetivamente reconhecida. É nessa perspectiva que o

mundo da vida se insere: os homens atuam comunicativamente, tendo como

referência o horizonte que compartem.

Ao falar de uma racionalidade intersubjetiva, Habermas abre caminho

para que a educação escolar, enquanto tarefa típica da modernidade,

incorpore a pluralidade das razões, sem cair no risco do relativismo,

tampouco no risco de entender a razão apenas numa dimensão operativa. Se a

racionalidade percorreu caminhos que a distorceram, a educação pode

rearticular processos de aprendizagem de uma outra razão e preparar sujeitos

com competência comunicativa. Isso significa reconhecer que não há

previamente monopólios interpretativos e que a ação pedagógica passa a se

orientar pela lógica do “Verstehen”.

Habermas quer, então, buscar a homologia entre o desenvolvimento do

sujeito (do Eu) e a evolução das imagens do mundo24

. Assim, o plano de

aprendizagem da consciência do indivíduo e o plano da aprendizagem

sociocultural são dependentes da construção e organização das mesmas

estruturas, permitindo compreender o significado de uma racionalidade

comunicativa. Esta refere-se à possibilidade de desempenhos discursivos de

pretensões de validade, que permite o enfrentamento de contradições, a busca

de verdades pelo consenso e uma ética de co-responsabilidade.

McCarthy interpreta essa evolução cognitiva em etapas pelas quais

passam o homem e as sociedades, como a “versão habermasiana do

universalismo - hegeliana, mais que kantiana, na forma, e empírica, mais que

transcendental e ontológica, na intenção” (1987, p.456).

A explicitação do conceito de racionalidade requer a análise dos

conceitos de ação, que podem ser agrupados em quatro tipos:

a) conceito de ação teleológica - refere-se ao fim que um ator realiza,

elegendo entre alternativas de ação passíveis de atingir tal propósito. Esse

conceito ampliado se converte em ação estratégica, na qual o autor escolhe

meios em função de critérios utilitaristas;

24 Conforme Habermas, na obra Para a Reconstrução do Materialismo Histórico, p. 14 ss.

Freitag (1985, 1992) questiona esse argumento, afirmando que a homologia é “sugerida” e

não fundamentada.

61

b) conceito de ação regulada por normas - refere-se ao comportamento

de um ator que se orienta pelas normas acordadas por um grupo social;

c) conceito de ação dramatúrgica - contrariamente aos anteriores, não

envolve nem o sujeito solitário nem o membro de um grupo social, mas atores

em interação, que se constituem em público um para o outro e diante do qual se

põem a si mesmos. Aqui são utilizadas as próprias vivências com vistas aos

espectadores. O ator provoca uma determinada imagem de si, revelando sua

subjetividade de forma já previamente calculada;

d) conceito de ação comunicativa - refere-se à “interação de ao menos

dois sujeitos capazes de linguagem e ação, que estabelecem uma relação

interpessoal” (Habermas, 1987, v.1, p.124).

O conceito de ação comunicativa traz um novo operador que é o meio

lingüístico, envolvendo o próprio agente na problemática da racionalidade. Os

outros tipos de ação podem utilizar a linguagem unilateralmente, enquanto que

a ação comunicativa pressupõe a linguagem como um meio de entendimento

entre os atores, articulando os mundos objetivo, social e subjetivo.

O processo comunicativo se vincula a três mundos, aos quais

correspondem três pretensões de validade, requeridas pelos atores:

• o mundo objetivo, a que corresponde a pretensão de que o enunciado

seja verdadeiro. As afirmações sobre fatos e acontecimentos referem-se à

pretensão de verdade;

• o mundo social (ou das normas legitimamente reguladas), a que se

vinculam as pretensões de que o ato de fala seja correto em relação ao contexto

normativo vigente. Trata-se da pretensão de justiça;

• o mundo subjetivo (a que só o falante tem acesso privilegiado), a que

se vincula a pretensão de veracidade. A intenção expressa pelo falante coincide

com aquilo que ele pensa.

Essas pretensões de validade têm caráter universal e possibilitam o

entendimento. Se há contestação das mesmas, é possível reiniciar o processo

argumentativo até que o consenso venha a ser obtido. Como são passíveis de

crítica, esse processo permite que se identifiquem erros e que se aprenda com

eles. Isso recupera o caráter pedagógico da razão.

A ampliação de um sujeito dotado de razão, do ponto de vista epistêmico,

para um sujeito capaz de ser competente numa racionalidade que conduz a

consensos, abre para a educação uma perspectiva de racionalidade compatível com

a aspiração da formação de sujeitos para uma vida ética, política e social.

A articulação que Habermas faz com as ciências empiricas e com a

tradição filosófica o leva a submeter o conceito de agir comunicativo a um

processo de validação, de modo a entender a modernidade e a evolução do

processo de racionalização. Assim, o autor retoma a interpretação de Weber, Mead,

62

Durkheim, Parsons, Marx, Lukács e teóricos da Escola de Frankfurt para analisá-

los em sua relação com o agir comunicativo, abandonando um apriorismo

metafísico. Neste aspecto, pode-se destacar que a nova formulação de

racionalidade, na medida em que abandona o apriorismo metafísico, traz uma

provocação teórica para a educação que, historicamente, tem estado submetida a

esquemas metafísicos sobre o significado da natureza humana.

Habermas retoma de Weber a análise do processo de racionalização

das concepções de mundo a partir da emergência das estruturas da consciência

moderna e de sua materialização nas instituições sociais. A racionalização se

refere à ampliação do saber empírico, à capacidade de previsão e ao domínio

instrumental sobre processos empíricos. Ela se estende pelas esferas culturais

de valor, como a ciência, a arte e o direito. Esse processo de racionalização,

que leva à diferenciação das esferas culturais do Estado moderno, permite a

institucionalização da ação racional.

Assim, para Weber, no modo metódico e racional de conduzir a

vida, estabelece-se:

• uma “racionalidade instrumental”, baseada no uso de meios eficazes e

nas soluções técnicas, uma racionalidade cujo thelos é a dominação do mundo;

• uma “racionalidade eletiva”, que envolve a escolha entre

alternativas de ação;

• uma “racionalidade normativa”, que subjaz às ações prático-morais,

tendo como referência uma ética regida por princípios.

Mas, para Weber, a racionalidade que define a modernidade é a

instrumental, dominadora, o que não assegura à humanidade um sentido novo.

Habermas, embora retomando o argumento de Weber, discorda da

parcialidade de seu conceito de racionalidade. Na passagem da racionalização

cultural à social ocorre um “estreitamento do conceito de racionalidade ―, já

que Weber dá esse passo pelo recorte da ação racional com relação a fins. A

ética protestante, com seu caráter metódico, satisfaz as condições necessárias

para que surja uma base motivacional da ação racional com relação a fins, no

âmbito do trabalho social, mas é uma materialização distorcida da consciência

moral (que se expressou inicialmente pela fraternidade). Há assim um

empobrecimento de subsistemas de ação racionais com relação a fins (ação

instrumental), que se descolam de seus fundamentos em relação a valores e

obtêm uma autonomização com lógica própria.

Ao questionar o conceito de racionalidade de Weber, Habermas busca

fundamentá-lo através de uma teoria da argumentação:

“Se as esferas culturais de valor se

caracterizam por uma produção de saber

63

contínua e diferenciada segundo pretensões de

validade e se a continuidade de tal produção de

saber só pode assegurar-se mediante uma

reflexão dos processos de aprendizagem, isto é,

por meio de um acoplamento regenerativo desses

processos de aprendizagem com formas

institucionalmente diferenciadas de

argumentação, então torna-se possível

demonstrar que cada uma das esferas de valor

cunhadas historicamente mantém relações

plausíveis com uma das formas típicas de

argumentação que se especializam numa

determinada pretensão universal de validade”

(1987, v.1, p.312).

O processo de desencantamento que leva à diferenciação das esferas de

valor e à independência dos sistemas de ação racional com relação a fins é

entendido, na crítica weberiana, como gerador, respectivamente, da perda de

sentido e da perda de liberdade.

O mundo racionalizado (esferas diferenciadas de valor) torna-se

desprovido de sentido (tese da perda de sentido), perde a capacidade

integradora (e isso se expressa no politeísmo das religiões). O que a

humanidade ganhou em controle, perdeu em sentido. A razão se fragmenta na

pluralidade das esferas de valor, aniquilando seu caráter universal,

aprisionando o homem em ações meramente utilitaristas. O triunfo da razão

não traz a liberdade e, sim, o domínio das forças econômicas e administrativas,

organizadas de forma burocrática. A racionalização social prescinde da

coordenação comunicativa das ações.

Habermas critica em Weber a ausência de reconhecimento de uma

racionalidade que se ponha além dos estreitos limites de uma racionalidade

instrumental, sem avançar para a possibilidade prática do potencial da razão.

Para recuperar esse potencial, Habermas retoma o conceito de ação social,

articulando-o com ação comunicativa, em termos de pragmática formal. Diante

dos múltiplos significados de ação social, quer recuperar a ação comunicativa,

que não se orienta por cálculos egocêntricos de resultado (ação estratégica),

mas mediante atos de entendimento.

“Entender-se é um processo de obtenção de

acordo entre sujeitos, linguística e

interativamente competentes (...). Os processos de

entendimento têm como meta um acordo que

satisfaça as condições de um assentimento,

racionalmente motivado, ao conteúdo de uma

emissão” (Habermas, 1987, v.I, p.368).

64

A concepção de pragmática universal de Habermas baseia-se na fala e

na competência comunicativa, que admite haver em nossa linguagem um

núcleo universal e regras básicas que todos dominam.

A análise dos atos de fala, conforme a teoria de Austin, permite

distinguir entre o conteúdo das proposições e a força ilocucionária. Por

exemplo, nas emissões “Eu afirmo que p”, “Eu prometo que p‖ e “Eu ordeno

que p‖, percebe-se a força ilocucionária (aquela força decorrente do agente que

faz a ação dizendo algo). O falante tem capacidade de entender esse modo de

comunicação e estabelecer conexões com seu mundo externo. Ao falar, ao usar

a linguagem cotidiana, os homens se põem em relação com o mundo físico,

com os demais sujeitos, com suas intenções e sentimentos.

“Os êxitos ilocucionários (...) se conseguem no

plano das relações interpessoais, (...) se

produzem no mundo da vida, ao qual pertencem

os participantes na comunicação e que

constituem o pano de fundo de seus processos de

entendimento” (Habermas, 1987, v. 1, p.376).

O ato de fala inclui uma parte performativa que permite, àquele que o

enuncia, executar, ao mesmo tempo em que fala, a ação a que se refere o elemento

performativo. A fala é também ação e essa relação linguística transforma-se em

razão comunicativa. Na ação comunicativa, o objetivo fundamental é assegurar o

entendimento de todos, esclarecendo os diversos pontos de vista. O autor destaca

que os propósitos ilocucionários dos atos de fala são obtidos através do

reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validade. E a insistência em apoiar

a teoria da ação comunicativa na pragmática formal deve-se ao fato de ela permitir

uma compreensão descentrada do mundo, que supera as patologias da

comunicação. É nesse sentido que Habermas afirma:

“Os aspectos da racionalidade da ação, que a

análise da ação comunicativa descobre, nos

permitem agora apreender os processos de

racionalização social em toda sua latitude e não

só sob o ponto de vista seletivo da

institucionalização da ação racional com relação

a fins” (Habermas, 1987, v, 1, p.428).

O que Habermas tem em vista é desenvolver uma outra idéia de

racionalidade que não seja deformada pela modernização capitalista, mas que

65

seja uma razão capaz de conduzir a uma sociedade emancipada. Ela tem um

caráter processual, constituindo-se através da linguagem.

Ao distinguir os dois modos de uso da linguagem em Consciência

Moral e Agir Comunicativo, Habermas afirma:

“Ou bem a gente diz o que é o caso ou o que

não é o caso ou bem a gente diz algo para

outrem, de tal modo que ele compreenda o que é

dito. Só o segundo modo do uso linguístico está

interna ou conceitualmente ligado às condições

da comunicação. (...) Tem que haver uma

situação de fala (ou, pelo menos, ela deve ser

imaginada) na qual um falante, ao comunicar-se

com um ouvinte sobre algo, dá expressão àquilo

que ele tem em mente” (Habermas, 1989, p.4O).

Siebeneichler (1989), ao sistematizar o pensamento de Habermas,

destaca que seu conceito de razão (ou de racionalidade) é histórico,

incorporando o entendimento lingüístico para salvaguardar a unidade na

multiplicidade das vozes.

A linguagem só é possível com base no princípio normativo. O critério

de validade das normas reside na sua capacidade de justificação num discurso

ilimitado. Assim, a mediação da linguagem permite a possibilidade de

conciliação entre o universal e o particular.

“O conceito de razão comunicativa ou

racionalidade comunicativa pode, pois, ser

tomado como sinônimo de agir comunicativo,

porque ela constitui o entendimento racional a

ser estabelecido entre os participantes de um

processo de comunicação que se dá sempre

através da linguagem, os quais podem estar

voltados, de modo geral, para a compreensão de

fatos do mundo objetivo, de normas e instituições

sociais ou da própria subjetividade”

(Siebeneichler, 1989, p.66).

Ao tratar da racionalidade nesses termos (intersubjetividade),

Habermas chama a atenção para uma razão que não mais se constitui numa

relação sujeito/objeto, mas que é remetida para o contexto social, para as

estruturas de interação social. Essa compreensão de racionalidade incorpora as

dimensões histórica e hermenêutica próprias do homem, reavivando para a

educação seu compromisso originário de autonomia, liberdade e razão

66

esclarecida. E, por outro lado, bloqueia o domínio de uma racionalidade

dedutiva, instrumental que predomina nas instituições sociais.

“A partir da possibilidade do entendimento

através da linguagem podemos chegar à

conclusão de que existe um conceito de razão

situada, que levanta sua voz através de

pretensões de validez que são, ao mesmo tempo,

contextuais e transcendentes. (...) De um lado, a

validez exigida para as proposições e normas

transcende espaços e tempos; de outro, porém, a

pretensão é levantada sempre aqui e agora, em

determinados contextos, sendo aceita ou

rejeitada, e de sua aceitação e rejeição resultam

as conseqüências fáticas para a

ação”(Habermas, 1990b, p.I75-6).

1.2. A racionalização social

A racionalização do mundo da vida, que torna possível o mundo

sistêmico, é analisada na investigação habermasiana, a partir da interpretação

dos marxistas Lukács, Horkheimer e Adorno.

São reconhecidas as coincidências das críticas marxistas com o

diagnóstico weberiano de nosso tempo, como a perda de sentido e a perda de

liberdade. A modernidade é resultado do processo de desencatamento do

mundo e a diferenciação das esferas de valor ficam submetidas à razão

instrumental, perdendo sua relação com a prática comunicativa. A razão

instrumental passa a ser a racionalidade dominante. No capítulo II especificam-

se as implicações desse tipo de racionalidade na educação, restringindo seu

conteúdo emancipatório e formativo.

O predomínio da razão subjetiva25

determina a prevalência de

convicções subjetivas, o que faz a razão perder a possibilidade de estabelecer

sentido, pondo em risco a integração da sociedade.

A tese da perda de liberdade se dá no âmbito da racionalidade social.

Weber a concebe como uma tecnificação crescente, com autonomização dos

subsistemas de ação racional. Horkheimer e Adorno acrescentam a esse

processo um sentido psicanalítico, perguntando pelo significado dessa

autonomização que submete os indivíduos à racionalidade instrumental. As

pessoas se sentem compelidas a seguir os imperativos dessa racionalidade, que

25 Ver diferença entre razão objetiva e subjetiva no item 2.2, Capítulo 1.

67

vêm de „fora” e não de “dentro”. Há uma destruição das esferas do mundo da

vida pela racionalização sempre crescente.

Habermas considera que a crítica da razão instrumental leva Adorno e

Horkheimer a aporias que os impedem de produzir um conhecimento teorético. O

risco de obter pela metafísica uma reconciliação entre razão e natureza só ocorre

porque a Teoria Crítica ficou presa à filosofia do sujeito. Para essa filosofia, o

sujeito é capaz de representação e ação, estabelecendo relações com o mundo,

através da ação teleológica. As relações entre sujeito e objeto reguladas pela razão

instrumental criam determinações para todas as relações entre sociedade e natureza

(expressa através do desenvolvimento científico). O desenvolvimento do mundo,

da ciência e da sociedade refere-se ao conhecimento dos objetos e à possibilidade

de dominação dos mesmos, através do poder resultante desse conhecimento.

Na continuidade de sua crítica, Habermas afirma que a superação das

aporias só pode ocorrer

“se se abandona o paradigma da filosofia da

consciência, (...) o paradigma de um sujeito que

representa os objetos e que se forma no

enfrentamento com eles por meio da ação, e se o

substitui pelo paradigma da filosofia da

linguagem, do entendimento intersubjetivo ou de

comunicação, o aspecto cognitivo—instrumental

fica inserido no conceito, mais amplo, de

racionalidade Comunicativa” (1987, v. 1, p497).

1.3. A teoria da comunicação e os sistemas sociais

A mudança de uma ação teleológica para uma ação comunicativa, que

permita a superação de uma razão instrumental por uma razão comunicativa,

apóia-se nos trabalhos de Mead e Durkheim que antecipam uma racionalidade a

partir da comunicação. As breves referências a seguir têm por finalidade expor

como Habermas se apóia na análise sociológica para reconstruir uma teoria da ação

comunicativa, que permita relacionar o mundo do sistema com seus limites e

exigências, e uma integração social, recuperadora de uma vida autônoma.

A teoria de G.H. Mead investiga os fenômenos da consciência

individual a partir dos processos interativos, mediados pelo uso da capacidade

simbólica. Habermas considera que essa teorização faz intersecção com sua

crítica à filosofia da consciência.

Os significados simbólicos resultam de um processo de interiorização

de estruturas objetivas de sentido, onde há uma evolução da interação

inicialmente mediada por gestos para uma interação mediada por símbolos.

68

Essa passagem se dá através da “adoção da atitude do outro”, significando a

adoção de comportamento regido por regras.

Habermas reconhece como limite o fato de Mead não distinguir

claramente a interação mediada simbolicamente daquela mediada pelo uso da

linguagem, que exige organização sintática desenvolvida e um sistema de

convenção de signos. Busca compreender a evolução da interação mediada por

símbolos através da ação regulada por normas.

A competência intelectual e social das estruturas da consciência

individual é analisada através de desempenhos do papel social. A construção

desse papel pressupõe uma interação socializada que autoriza a expectativa de

ações em determinadas situações.

A passagem do indivíduo à sociedade se faz numa perspectiva

ontogenética e, para chegar a um plano filogenético, Habermas busca a

explicação teórica de Durkheim, para quem a consciência coletiva e a validade

normativa derivam de símbolos religiosos.

Habermas considera insuficiente a teoria de Mead e o acusa de

permanecer preso aos traços formais do processo de desenvolvimento da

personalidade. Mead não incorpora a reprodução material da sociedade,

imprimindo um caráter idealista à sua teoria. Durkheim é utilizado para

suprir esse déficit.

Durkheim analisa a gênese da constituição das normas, a partir de um

processo de dessacralização do mundo, que possibilita uma moral universalista,

uma unidade coletiva. A racionalização é dependente do consenso que se dá

através da comunicação.

“O potencial de racionalidade da ação

orientada ao entendimento pode separar-se e

substituir-se pela racionalização do mundo da

vida dos grupos sociais à medida que a

linguagem cumpre funções de entendimento, de

coordenação de ação e de socialização dos

indivíduos, convertendo-se assim em um meio

através do qual se efetuam a reprodução cultural,

a integração social e a socialização” (Habermas,

1987, v.2, p.124).

A integração social a partir do sagrado vai sendo substituída pelas

pretensões de validade justificadas, reconhecidas intersubjetivamente,

expressas nos atos linguísticos. As normas e os valores anteriormente não

questionados precisam ser justificados e continuamente revalidados.

Assim, Habermas demonstra, pela articulação com as análises

sociológicas, que o indivíduo (sujeito) se forma pelos processos de socialização

69

e a sociedade organiza suas simbolizações e normas pelo processo de formação

da identidade. Os interesses, desejos e intenções individuais estão presentes na

linguagem e na cultura e podem ser submetidos a críticas, a justificações e

mudanças. A liberdade, nesse processo, constitui-se intersubjetivamente.

A preocupação de Habermas em superar a filosofia da consciência para

justificar uma teoria que permita, simultaneamente, a identidade do sujeito

(identidade do eu) sob as condições de uma intersubjetividade compartilhada

comunicativamente é exposta com acuidade por McCarthy:

“A posição de Habermas sobre a essencial

interdependência entre identidade do eu e uma

intersubjetividade não desprezada, permite

responder às críticas que se fazem a seu

universalismo moral em nome da auto-realização

individual (...). A versão „socializada‟ do

formalismo ético não advoga a supressão da

subjetividade concreta para assegurar que o

indivíduo seja idêntico ao universal. Antes disso,

pressupõe diferentes indivíduos com suas

diferentes necessidades e desejos, emoções e

sentimentos (...). O que se exige é que naquelas

áreas de vida em comum, sujeitas a normas

sociais vinculantes, sejam resultado de um

acordo obtido em uma comunicação livre de

domínio” (1987, p461).

1.4. O mundo da vida e o sistema

Habermas propõe uma teoria da sociedade que vincula o mundo da

vida (Lebenswelt) e o sistema, a integração social e a integração sistêmica. A

concepção de sociedade como mundo da vida deriva do conceito de ação

orientada ao entendimento. Mas essa concepção é unilateral, não compreende a

complexidade estrutural da sociedade moderna. Daí a necessidade de conceber

uma teoria que articule os dois mundos: o vivido e o sistêmico.

Ao explicitar o conceito de mundo da vida, Habermas reafirma a

racionalização como a transformação de estruturas implícitas do mundo da vida

para orientações de ações conscientes.

A ação comunicativa envolve a interpretação dos sujeitos, no que se

refere aos mundos objetivos, social e subjetivo, com vistas à obtenção de

entendimento (Verständigung). Pressupõe o reconhecimento intersubjetivo de

pretensões de validade.

Habermas retoma de Husserl o conceito de horizonte para significar

aquele „fragmento do mundo da vida relevante” para a situação que exige

70

entendimento. O mundo da vida aparece como auto-evidência, convicções não

questionadas e não tematizadas, que vão orientar o entendimento, mas

“só quando se tornam relevantes para uma

situação (...) podem determinadas auto-

evidências ser mobilizadas em forma de um saber

sobre o qual existe consenso e que se torna

suscetível de problematização” (Habermas,

1987,v. 2, p. 176).

É no mundo da vida que os agentes fixam suas pretensões de validade.

Trata-se de um “a priori”, uma rede de pressuposições que permanece como

pano de fundo da ação comunicativa e só um fragmento dela é problematizado.

Há uma pré-compreensão compartilhada anterior a qualquer desacordo.

O “mundo da vida” (Lebenswelt) é um horizonte pré- científico,

intuitivo, não tematizado e não questionável em princípio. Siebeneichler

identifica a posição de Habermas de reconhecer a possibilidade de

questionamento do Lebenswelt com a posição marxista de Horkheimer,

“que procura demonstrar que a teoria

crítica, ao contrário da teoria tradicional, está

ciente de pertencer ao contexto vital objetivo

que ela procura abranger através de atos de

conhecimento: a teoria assume reflexivamente

em si mesma o contexto de sua constituição e o

de sua possível aplicação, ou seja, ela também

faz parte de um processo social

histórico”(1988, p. 27).

O mundo da vida é constituído não só por convicções culturais, mas

pela ordem institucional e por estruturas da personalidade. Habermas retoma

novamente a prática comunicativa cotidiana para garantir a reprodução

simbólica das esferas da cultura, da sociedade e da personalidade.

“Em relação ao aspecto funcional do

entendimento, a ação comunicativa serve à

tradição e à renovação do saber cultural; em

relação ao aspecto de coordenação da ação,

serve à integração social e à criação da

solidariedade; e, por fim, em relação ao aspecto

da socialização, serve à formação de identidades

pessoais. As estruturas simbólicas do mundo da

vida se reproduzem pela via da continuação do

saber válido, da estabilização da solidariedade

dos grupos e da formação de atores capazes de

71

responder a suas ações. O processo de

reprodução enlaça as novas situações com os

estados do mundo já existentes. (...) A estes

processos de reprodução cultural, integração

social e socialização correspondem os

componentes estruturais do mundo da vida que

são a cultura, a sociedade e a personalidade‟

(Habermas, 1987, v.2, p.l 96).

Quando esses processos são submetidos à interação resultam em

entendimento racionalmente motivado, em possibilidade de constituir consenso,

baseado no melhor argumento. O mundo da vida é então racionalizado.

A interação é o espaço onde se dão os conflitos entre pré- compreensão

do mundo da vida e ação comunicativa. A estabilidade do mundo da vida é

abalada pelos argumentos da ação comunicativa.

O sistema apresenta-se como oposição ao mundo da vida, resultado de

um processo de diferenciação das estruturas de compreensão do mundo. Ao

aumento de complexidade dos sistemas, corresponde a racionalização do

mundo vivido, que se reflete nesse próprio mundo.

A perda da pré-compreensão da prática comunicativa encolhe o

mundo vivido e o toma apenas mais um subsistema. Quando a integração

sistêmica interfere sobre a integração social, se estabelece uma violência

estrutural que ataca as formas de entendimento possível da ação

comunicativa, gerando perda de sentido, perda de legitimação,

desestabilização das identidades coletivas, ruptura da tradição.

As distorções das funções de reprodução cultural novamente lançam

elementos teóricos fecundos para compreender a ação educativa. Essas

perturbações conduzem à manifestação de crises na formação dos sujeitos, que

se afastam de referência a identidades culturais, à tradição, aos vínculos do

mundo da vida, esvaziando o processo de formação educativa a uma mera

competência técnica, operativa e cognitiva.

Na teoria de Habermas há, por um lado, o mundo da vida dos grupos

sociais em que as ações são coordenadas pelo entendimento e, por outro, o

mundo do sistema que se regula a si mesmo através das ações em relação a

fins. Considerações isoladas de cada um deles resultam em unilateralismo.

Na tentativa de relacionar os conceitos da teoria da ação com os da teoria

dos sistemas, de forma a tornar possível a ação sistêmica de grupos integrados

socialmente, Habermas utiliza-se, inicialmente, da teoria de Parsons. Entretanto,

essa teoria é reduzida em sua abrangência, porque a ação permanece presa a um

conceito utilitarista, interpretando a liberdade de decisão dos indivíduos como

72

escolha entre meios alternativos para fins dados. Tal interpretação não se ajusta à

idéia de um sistema de valores desde sempre compartilhado subjetivamente.

Em sua análise, Habermas considera que Parsons frustra o projeto

inicial, porque sua teoria da ação não é vista na dimensão de entendimento,

submetendo-se à teoria de sistemas.

“Certamente que Parsons parte do primado da

teoria da ação; mas ao não desenvolvê-la com

suficiente radicalidade, não fica claro em que

pode consistir o papel metodologicamente

derivado das categorias sistêmicas. Traz o

fracasso da tentativa de estabelecer um trânsito

conceitual da unidade da ação ao contexto da

ação” (Habermas, 1987, v.2, p.334).

Habermas apresenta, como forma de superação da unilateralidade de

privilegiar só a teoria da ação ou só a teoria sistêmica, uma “mudança de

método e de perspectiva conceitual”, que possibilita conceber o “mundo da

vida como sistema”.

“Nessa perspectiva metodológica é fácil

separar os dois aspectos sob os quais se

tematizam os problemas de integração de uma

sociedade. Enquanto que a integração social se

apresenta como parte da reprodução simbólica

do mundo da vida, a integração funcional

equivale a uma reprodução material do mundo

da vida que pode ser concebida como

conservação de um sistema. (...) A integração

funcional não pode ser tematizada

adequadamente na linha de análise do mundo da

vida numa perspectiva interna, só se faz

adequadamente visível quando se objetiva o

mundo da vida, isto é, quando se concebe (...)

como sistema que mantém seus limites”

(Habermas, 1987, v.2, p.332).

Habermas reconhece que a teoria de Parsons, que submete o mundo da

vida ao mundo sistêmico, igualmente mantém dificuldade com o conceito de

modernidade, na medida em que esta é entendida apenas como diferenciação

estrutural. Habermas alerta que a compreensão da modernidade deve incluir a

complexidade social global e não apenas a diferenciação estrutural.

73

1.5. A conclusão habermasiana: a razão comunicativa e as tarefas de

uma teoria crítica da sociedade

Para a sistematização de sua proposta na conclusão do 2° volume da

Teoria da Ação Comunicativa, Habermas incorpora criticamente os principais

conceitos analisados na revisão teórica e os reinterpreta, retificando o que

considera ter sido falsamente interpretado, com base em uma nova

compreensão de racionalidade. Esta racionalidade resulta de uma aprendizagem

e é investigada a partir de sua evolução.

A teoria da ação comunicativa tem, assim, por finalidade recuperar

dimensões não explicitadas nas teorias que pretenderam interpretar a evolução

das sociedades e admite que há um potencial de racionalidade não liberado nas

ações dos indivíduos e também no âmbito do sistema.

Em sua leitura, Habermas reconhece, com Weber, que a burocratização é

um fenômeno fundamental para entender as sociedades modernas. Pela

burocratização, a ação permanece regulada formalmente, reduzindo o espaço da

ação comunicativa. Esta tendência provoca uma crescente autonomia das

organizações sistêmicas frente ao mundo vivido. Habermas faz a tentativa teórica

de recompor a mediatização entre sistema e mundo da vida, de forma a superar o

entendimento de que o sistema impera absoluto sobre o mundo da vida.

A capacidade de aprendizagem dos membros da sociedade pode lhes

permitir usar as idéias jurídicas e morais, a arte, a ciência e todo o saber

decorrente das imagens do mundo para organizar novas formas de ação e

promover uma nova forma de integração social.

Entendendo a racionalidade como resultado de um processo de

aprendizagem, Habermas retém o instrumental teórico dos autores analisados

que têm possibilidade de ser corrigidos, através de uma compreensão que libere

o potencial comunicativo da racionalidade.

No âmbito do sistema econômico e administrativo, que submete todo o

modo de vida aos seus imperativos (consumismo, individualismo possessivo),

vão surgindo cada vez mais coações sistêmicas, dando ênfase a uma ação

cognitiva instrumental. A teoria da ação comunicativa tem que enfrentar tais

paradoxos da racionalização social e explicar, por exemplo, por que o

progresso técnico serve ao crescimento capitalista e à administração racional e

não à compreensão do mundo e de si mesmo.

Na perspectiva habermasiana, a racionalização do mundo da vida

permite a diferenciação de sistemas autônomos e, ao mesmo tempo, abre

espaço para uma ação orientada ao entendimento. Na medida em que se

diferenciam as esferas do mundo da vida em três subsistemas, personalidade,

cultura e sociedade, estabelece-se uma comunicação, uma forma de integração

74

das ações. No âmbito do sistema, a diferenciação gera os subsistemas político e

econômico que são orientados pelo dinheiro e pelo poder.

“O que conduz a uma racionalização

unilateral ou a uma coisificação da prática

comunicativa cotidiana (...) é a penetração das

formas de racionalidade econômica e

administrativa no âmbito de ação que, por ser

âmbitos de ações especializadas na tradição

cultural, na integração social e na educação e

necessitar incondicionalmente do entendimento

como mecanismo de coordenação de ação,

resistem a permanecer assentados sobre os meios

dinheiro e poder” (Habermas, 1987, v.2, p469).

Uma vez separados, mundo da vida e sistema, como um dos pontos que

caracterizam a passagem das sociedades primitivas à modernidade, ocorre o

processo de colonização do mundo vivido pelos mecanismos de integração

sistêmica. A complexificação do sistema político-econômico penetra cada vez

mais nos processos de reprodução simbólica, empurrando o âmbito da ação

comunicativa para o crescimento capitalista.

Habermas torna mais concreto os enunciados da colonização do mundo

da vida através de um exemplo referente à evolução do direito que é a

“Verrechtlichung” das ações estruturadas comunicativamente. Esse processo

revela a substituição da integração social pela integração sistêmica, revelando

ainda os conflitos do mundo da vida com a dinâmica adquirida pelos próprios

subsistemas autônomos. Interessa referir, no âmbito desta investigação, o caso

específico do direito escolar como um desdobramento do “Estado social e

democrático do direito” (1987, v.2, p.510 ss).

No caso escolar, em nome dos direitos da criança, a burocracia teve

que cuidar do processo de ensino e normatizar procedimentos necessários à

consecução desses direitos. Isso estabelece um conflito entre direito e ação

pedagógica. As normas do direito escolar submetem toda a ação pedagógica,

desconsiderando os interesses e necessidades dos sujeitos envolvidos e

retirando-os do contexto de suas vidas.

Habermas alerta que tal circunstância representa “uma ameaça à

liberdade pedagógica e à iniciativa do professor” (1987, v.2, p.526). Faz-se

necessário substituir a intervenção do direito como meio por procedimentos

consensuais que regulem os conflitos, onde os interessados no processo

pedagógico defendam seus interesses e normatizem seus próprios assuntos. A

escola, a família, a política social e outros campos em que se aplica a estrutura

da “Verrechtlichung” devem ser impedidos de se submeter aos imperativos

75

sistêmicos da Economia e da Administração para recuperar a integração social

que se dá através de valores, normas e processos de entendimento. A educação

é uma esfera relevante de reprodução cultural e um espaço próprio para a

liberação de conteúdos humanos e emancipados da razão.

Vinculado à Teoria Crítica e reconhecendo limites nas linhas de

investigação que não conseguem analisar simultaneamente a racionalização do

mundo vivido e a complexidade sistêmica, Habermas entende que uma Teoria

Crítica da Sociedade tem a tarefa fundamental de identificar as distorções

ocorridas, que levam a reduções no processo comunicativo. Essas situações

ocasionam colonização do mundo da vida e geram patologias sociais.

Há redutos de ações comunicativas em vários subsistemas que podem

ser liberados por uma racionalidade que se baseia nas pretensões de validade. A

penetração da razão comunicativa, recuperada das práticas cotidianas, pode

expulsar a razão instrumental e descolonizar o mundo vivido. A racionalidade

assume assim uma positividade.

A teoria da ação comunicativa pretende apreender a racionalidade que

se encontra no juízo, na ação, no saber pré-teórico, no entendimento

linguístico. Dessa forma, Habermas demonstra que o projeto da modernidade

não se constituiu em mera ilusão. A ausência de articulação de outras

dimensões da razão é o que exige uma nova forma de pôr em andamento os

processos de racionalizaçao.

Cabe registrar aqui que Habermas propõe uma aplicação da teoria do agir

comunicativo no âmbito do direito, através de sua mais recente grande obra

Faktizität und Geltung26

, em 1992. Nela Habermas apresenta a contribuição da

teoria discursiva no processo de legitimação de direitos, cuja implementação é

compreendida a partir da ação comunicativa entre cidadãos, numa tensão entre

faticidade e validade, entre o mundo da vida e o mundo sistêmico. A relação entre

moral e direito é pensada a partir do agir comunicativo, que permite produzir

acordos. Os direitos positivos igualmente resultam de acordos comunicacionais.

Cada indivíduo é livre para participar e responder às razões que lhe são

apresentadas. Para tanto é preciso levar em consideração as necessidades,

interesses e sentimentos de todos os participantes, de forma que as decisões sejam

tomadas apenas sob a pressão do melhor argumento. Bons argumentos, diz

Habermas, são aqueles que os cidadãos do espaço público, entendidos como

autores da ordem legal, reconhecem como racionalmente aceitáveis (1993a, p.500).

O sistema legal só se impõe a partir da ação de cidadãos livres e a

pretensão à legitimidade só é possível quando a implementação é submetida ao

26 Ver HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung; Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und

des demokratischen Rechtsstaats. Frankfurt a.M., Suhrkamp. 1993.

76

processo discursivo que garanta a participação de todos. As normas são válidas

quando todos os participantes as consideram justas. Para Habermas a ―liberdade

comunicacional” se realiza quando todos participarem do discurso, com

independência e autonomia, tomam posições e reconhecem as pretensões de

validade dos envolvidos. A todos deve ser assegurada a participação na

implementação dos direitos. Habermas (1993a) refere que o princípio do discurso

(Diskursprinzip) deve assumir a forma de princípio de democracia

(Demokratieprinzips), de modo a dar legitimidade ao processo legal.

Os direitos básicos (Grundrechte) garantem a participação dos cidadãos

no agir institucionalizado. São eles:

1. O direito que assegura a igual liberdade de ação.

2. O direito que assegura a livre associação dos indivíduos.

3. O direito que assegura a proteção aos direitos individuais.

4. O direito que assegura a igualdade de chance de participação no

processo de formação de opiniões e vontade.

5. O direito à garantia das condições de vida, no âmbito social, técnico e

econômico e que são necessárias para permitir o exercício dos direitos de 1 a 4.

(Habermas, 1993a, p.l55-7)

Esta breve referência à Faktizität und Geltung indica que a educação,

enquanto institucionalizada através dos sistemas escolares, deve promover a

competência comunicativa dos sujeitos, com vistas à própria inserção dos

mesmos em sociedades que busquem a validade das normas orientadoras da

ação. É preciso registrar que esta investigação não tem por objetivo as questões

relativas à teoria do direito, mas a referência de Faktizität und Geltung está a

indicar a fecundidade da teoria do agir comunicativo para interpretar aquelas

esferas da vida prática que, nas sociedades modernas, encontram-se

tensionadas entre realidade e normatividade.

2. As críticas a Habermas

Uma teoria importante como a de Habermas provoca seu fascínio,

impõe prestígio, mas também acarreta muitas críticas e objeções.

As críticas são provenientes, de um lado, de uma tese forte, pela qual

há uma certa identificação necessária entre razão e comunicação e, por outro,

pela tentativa de superar os limites teóricos da filosofia da consciência pela

pragmática, levando ao reconhecimento do consenso como imanente à

comunicação. Ou seja, o reconhecimento de um suposto caráter

essencialmente comunicativo da linguagem.

Disso derivam acusações de ser Habermas excessivamente racionalista

e idealista. As objeções apontam aspectos teóricos, considerados pelos seus

77

críticos como vulneráveis e que têm gerado debates que não parecem estar no

fim. Algumas dessas críticas são aceitas por Habermas, outras ele as refuta.

Entre as críticas a Habermas, cabe destacar as objeções apresentadas

por Albrecht Wellmer, sobretudo em Ethik und Dialog27

, onde o autor

questiona o entrelaçamento do princípio moral universalista com o princípio

democrático de legitimidade. Se Habermas acerta em superar o “ponto cego”

da ética Kantiana, já questionada por Hegel, não supera os problemas

decorrentes da reformulação do princípio de universalização.

O princípio U, cuja formulação é: ―Toda norma válida tem que

preencher a condição de que as conseqüências e efeitos colaterais que

previsivelmente resultem de sua observância universal, para a satisfação dos

interesses de todo indivíduo, possam ser aceitas sem coação por todos os

concernidos‖, deixa sem resposta o que significa dizer que alguém pode aceitar

sem coação as conseqüências da observância de uma norma.

Ele sintetiza os pontos obscuros da formulação habermasiana baseado

em duas pressuposições:

1ª) A primeira referente à equiparação de ações moralmente corretas com

questões de justiça. Nesse caso Wellmer alerta que o problema está em que se a

obrigação, que é resultado de um acordo comum, resultaria no interesse de todos.

2ª) As premissas teórico-consensuais que estão subjacentes à ética do

discurso. Essa segunda objeção é desenvolvida, detalhadamente, por Wellmer

através de quatro pontos:

a) a racionalidade dos consensos não pode ser caracterizada formalmente;

b) racionalidade e verdade dos consensos não coincidem necessariamente.

Mesmo quando o consenso se produz em condições ideais, não se conseguiria uma

razão da verdade daquilo que estaria sendo considerado como verdadeiro. Assim,

“nós remetemos às mesmas razões ou critérios que já estavam disponíveis quando

entendemos o que significam as pretensões de validade” (Wellmer, 1994, p.97);

c) o consenso racional não pode se constituir em critério de verdade28

. O

consenso racional sobre as pretensões de validade já inclui um consenso sobre a

adequação da linguagem. Assim, diz Wellmer, “o necessariamente preliminar

acordo na linguagem que já Wittgenstein analisara, cairia no campo gravitacional

de revisão discursiva de nossas crenças” (Wellmer, 1994, p. 100);

27 Ver a edição original alemã publicada pela Shurkamp Verlang, 1986. Tradução espanhola

WELLMER, A., Ética y Dialogo, Barcelona: Anthropos. Universidad Autónoma Metropolina, 1994. 28 Wellmer faz referência à explicação feita por Habermas em Die Neue Unübersichtlichkeit, Frankfurt

a.M., Shurkamp, 1985, de que “a teoria da verdade (discursiva) oferece apenas uma explicação do

.significado, sem providenciar um critério: ao mesmo tempo, contudo, solapa as bases para uma

distinção clara entre significado e critério” (p228).

78

d) uma interpretação não criterial do consenso não a prescindiria de

todo o conteúdo e não a levaria a cimentar um princípio ético-discursivo

universal. Wellmer destaca que “um consenso racional infinito (...) não

constitui um objeto de experiência possível. Com. isso se altera também o

sentido possível de uma teoria consensual da verdade; se o consenso que pode

garantir a verdade não é qualquer consenso racional, senão só aquele que,

além de racional, seja infinito, então a teoria perde a força explicativa que

Habermas quer infundir-lhe” (Wellmer, 1994, p.103).

Wellmer reconhece a crítica que Habermas formula ao “rigorismo

monológico da ética Kantiana, assim como o empenho de transcender o

formalismo rígido da dita ética, mediante a ampliação dialógica da mesma” e

também reconhece “a existência de uma conexão entre transição da filosofia da

consciência a uma da linguagem” (1994, p.4O). Mas está a indicar problemas

específicos que trazem debilidade à teoria, sem invalidar a relevância central de seu

programa, enquanto reconstrução das condições normativas da teoria social. O

ponto central de sua crítica indica a debilidade da edificação filosófica dirigida para

um ideal, no caso, a situação ideal de fala.

Ao mesclar os planos do discurso real com ideal, Habermas estaria

desconsiderando os efeitos reais em contextos concretos.

Tugendhat também alinha-se aos pensadores que debatem com Habermas

sua teoria. A objeção central se refere à circularidade da argumentação.

Em muitos aspectos, sua crítica coincide com a de Wellmer,

especialmente em relação ao fato do acordo produzido intersubjetivamente não

ser a conseqüência e sim o critério de fundamentação.

O questionamento mais imediato é sobre a teoria consensual da

verdade, quanto ao fato de que o critério de verdade não pode ser qualquer

consenso, mas um consenso qualificado. Para isso Habermas adota regras

pragmáticas de linguagem e não semânticas.Daí que só é admissível o consenso

que se estabelece sob as condições ideais - situação ideal de fala.

Habermas acrescenta a isso as condições igualitárias; isto quer dizer,

segundo Tugendhat, que sejam “pressupostas regras morais bem determinadas” e

que “o que deve ser compreendido por razão é neste caso posto pelas condições

da situação ideal de fala. Habermas pensou poder deste modo fundamentar uma

ética no sentido do conceito kantiano para o qual o princípio da universalização é

básico, mas na verdade ele o pressupôs” (1993, p.3).

Na continuidade de sua crítica, Tugendhat faz referência a outro ensaio

(Diskursethik - Notizen zu einem Begrüngsprogramm, in: Moralbewussteinsein

und Kommunikatives Handeln, 1983) em que Habermas procura mostrar que,

senão pressupomos as regras do discurso, caímos em contradição performativa. O

fato de Habermas considerar que “as questões morais podem ou devem ser

79

decididas através de um consenso, que de um lado possui a forma de consenso

político, mas de outro lado não deve representar um compromisso e uma decisão

coletiva” é, para Tugendhat, uma mistura de esfera política e moral que se constitui

“em absurdo”(1993, p.5-6).

Entre os críticos brasileiros de Habermas, Lóparic29

debateu com o

filósofo, quando de sua vinda ao Brasil, em 1989, questionando se a ética do

discurso não guardaria “sombras de um terror prático”. Este termo é retomado

de Wellmer que o formula da seguinte forma:

“É apenas na aparência que conseguimos,

com a idéia de „discurso isento dominação‟ um

padrão objetivo de como „medir‟ a racionalidade

prática de indivíduos ou sociedades. Na

realidade, seria uma ilusão crer que poderíamos

nos emancipar da facticidade, por assim dizer

normativamente carregada, de nossa situação

histórica, com todo o legado de normas e

critérios de racionalidade nela presentes, a fim de

lançar um olhar como que „de lado‟ para a

história como um todo e para nossa posição

dentro dela. Uma tentativa nessa direção só

poderia terminar na arbitrariedade teórica e no

terror prático.”30

Lóparic desenvolve sua crítica a partir da construção da ética discursiva,

lembrando que a validade das normas depende de acordos consensuais prático-

teóricos. Nos discursos reais tais acordos serão muito difíceis de serem obtidos e,

quando obtidos, são passíveis de incessantes revisões. Lóparic considera que

mesmo a utilização de Habermas ao recurso da “situação ideal de fala” não

impede que o princípio U perca o caráter de decisão.

A substituição do sujeito kantiano, que decide monologicamente (e que é

rejeitado por Habermas), pela comunidade ideal de comunicação conduz a

substituição do sujeito pelo coletivo. Assim, Lóparic considera que o procedimento

kantiano deve ser preservado como “o único capaz de evitar a arbitrariedade de

escolha do ponto de vista moral”. Pergunta ainda Lóparic, se o abandono do ponto

de vista monológico não reintroduziria a heteronomia e se “essa heteronomia,

29 Ver LÓPARIC, Zeljko, Habermas e o terror prático, artigo publicado em Manuscrito, v.XIII,

out.1990, p.111-116. 30 Conforme WELLMER, A., em Praktische Philosophie und Theorie der Gesellschaft, Konstanz,

1979, apud HABERMAS, J., Consciência Moral e Agir Comunicativo, Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1989. p125.

80

combinada com o caráter não efetivo de U, (...) não leva a uma posição

perigosamente próxima do „terror prático‟” (Lóparic, 1990, p.l14).

Giannotti31

também formula uma crítica dura a Habermas, no que se refere

ao uso pragmático da linguagem, que sustentaria a passagem da filosofia da

consciência para a teoria da comunicação. Ao seguir Apel, Habermas daria um

“salto no escuro”, pois haveria uma redução da diversidade de maneiras de seguir

uma regra a “um procedimento sublime pelo qual o sujeito sabe que segue uma

regra”. Giannotti prossegue explicando que o procedimento é sublime porque

“tudo aquilo que fica no horizonte como norma aparece desvinculado da ação de

segui-la como se este ato nada mais fosse do que a encarnação de uma idéia

inerte” (1992, p.64).

Assim não é possível consenso antes de acordo prático, pois só os

resultados mostram o bom entendimento. Apel e Habermas estariam ―jogando

a questão do entendimento e do acordo para a esfera sublime da idéia

reguladora (...) ―. Depois desse salto no escuro “nada mais é preciso para o

retorno glorioso da razão clássica, cuja clareza é vista como a meta de toda a

linguagem” (Giannotti, 1992, p.65).

Habermas estaria confundindo o entendimento, que ocorre numa

dimensão mais primitiva, com aquele que ocorre na ação comunicativa. Isso

Giannotti aponta a partir das diferenças entre as proposições “p” e “eu afirmo que

p”, dizendo que, enquanto para Wittgenstein “um ato de fala só vem a ser um ato

de fala se tecer entendimento, para Habermas, ao contrário, só há entendimento

quando os sujeitos o procuram, em vez de visarem sucesso” (Giannotti, 1992,

p.66). Sem deixar de lembrar que a perspectiva de ambos é diferente, Giannotti

destaca que Habermas quer dar ao “entender” um sentido ampliado de forma a

incluir o contexto institucional no ato comunicativo. O que se “entende” é a

opinião expressa na frase. Entretanto, uma teoria pragmática requer “condições de

cumprimento”, ou seja, saber como os agentes se entendem no sentido de saber

que vínculos são necessários à interação.

A questão problemática é o fato de que uma situação de entendimento

na teoria habermasiana, que se apóia em conceito fenomenológico (mundo da

vida), preocupada com questões de fundação, quer transferir-se para o contexto

de uma pragmática formal.

Paulo Sérgio Rouanet, a despeito do reconhecimento do valor da obra

de Habermas, critica, na ética discursiva, a ausência de conteúdo valorativo

para o bem viver. Ou seja, Rouanet retoma a questão do caráter formalista e

31 Ver GIANNOTTI, José Arthur, em Habermas: mão e contramão, publicado em ROHDEN, Valério,

Racionalidade e Ação. Porto Alegre: UFRGS, Instituto Goethe, 1992, p.60-76.

81

universalista da ética discursiva, que se limita a validar normas através do

discurso prático. Portanto, a questão dos valores não é contemplada.

Os valores têm a ver com o bom e o desejável, estão relacionados com

o mundo de vida e serão incorporados, como normas, quando submetidos à

argumentação e ao consenso.

Embora Rouanet considere uma “prudência louvável” a ética

discursiva não “examinar os valores nem proclamar a universalidade de

alguns entre eles”, revela-se, por outro lado, “desconcertado”32

. Considera ser

possível deduzir uma ética substantiva universal, incluindo normas e valores,

pois valores como liberdade, cooperação, igualdade estão subjacentes às

estruturas formais do discurso. Entende que Habermas deveria fazer isso.

Habermas, por sua vez, tem se pronunciado contra uma orientação

conteudista para a moral, no sentido de bem viver, pois “teorias morais deônticas,

cognitivistas e universalistas na tradição kantiana são teorias da justiça que

precisam deixar sem resposta a questão do bem viver” (Habermas, 1985, p.237).

Também em Notas Pragmáticas para a Fundamentação da Etica do

Discurso, em Consciência Moral e Agir Comunicativo (1989), Habermas contra-

argumenta em relação às objeções que lhe são formuladas sobre essa questão do

bem viver. Retoma a característica básica do princípio da ética discursiva, que é

um procedimento para exame de validade das normas propostas e para tanto

precisa dos conteúdos que são provenientes do mundo da vida. Os valores culturais

estão tão inter-relacionados com “uma forma de vida particular que não podem

originariamente pretender uma validade normativa no sentido estrito - eles

candidatam-se, em todo o caso, a materializar-se em normas que dêem vez a um

interesse universal” (Habermas, 1989, p. 126).

É importante aqui registrar as respostas que Habermas propõe a seus

críticos no ensaio As objeções de Hegel a Kant também afetam a ética do

discurso?33

Nesse artigo, Habermas responde as possíveis críticas à ética

discursiva, a partir das conhecidas objeções que fez Hegel a Kant, em sua época.

A primeira delas é a crítica hegeliana ao formalismo kantiano, que pela

exigência de abstração de conteúdos do imperativo categórico, orienta-se por

juízos tautológicos. Na ética discursiva, em vez do imperativo categórico, há o

procedimento da argumentação moral (princípio D), que permite refutar o

excessivo formalismo, uma vez que seus conteúdos morais não resultam da ação

32 Ver ROUANET, Paulo Sérgio. Ética iluminista e ética discursiva, em Jürgen Habermas: 60 anos,

Rio de Janeiro: Revista Tempo Brasileiro, 1989, p.68-78. 33 Ver edição espanhola HABERMAS, J., Escritos sobre Moralidad y Eticidad, Buenos Aires: Paidós,

1991, p.97-130. Edição alemã publicada por W. Kohlman (Org.), Moralität und Sittlichkeit, Frankfurt

a.M., 1986.

82

de um sujeito solitário, mas são provenientes da vida. Os conflitos de ação que

serão resolvidos consensualmente emergem da prática comunicativa cotidiana.

A segunda objeção refere-se ao universalismo abstrato dos juízos

morais. Isto traz o receio que a universalização das normas possa ter como

conseqüência a desconsideração a estruturas pluralistas das formas de vida.

A preocupação de Hegel de uma ética procedimental que, por ser

aplicada monologicamente, não possa avaliar as conseqüências de observação

da norma, não se aplica à ética do discurso. A formulação do princípio de

universalização já inclui em seu procedimento o sentido de avaliar as

consequências das ações e normas. Habermas afirma que

“a ética do discurso insiste que não podemos

cair abaixo do nível alcançado por Kant, no

tocante à diferenciação entre o problema da

fundamentação e o problema tanto de aplicação

como de realização das idéias morais. A ética do

discurso pode mostrar que também na aplicação

inteligente de normas se impõem princípios

gerais da razão prática” (1991, p.120).

A terceira objeção se refere à impotência do dever ser, que é válida

para Kant, mas não se aplicaria à ética discursiva, porque ela abandona o reino

dos fins. Segundo Habermas, “o discurso prático exige a inclusão de todos os

interesses afetados em cada caso e se estende, inclusive, a um exame crítico

das interpretações que nos permitem perceber determinadas necessidades

como interesses próprios” (1991, p.121).

Além disso, a ética do discurso não se orienta pelo conceito de autonomia,

conforme é entendido na Filosofia da Consciência, mas é reinterpretado pelo

conceito intersubjetivo de autonomia, pelo qual a emancipação da personalidade

depende da realização da liberdade das outras pessoas.

Mas Habermas dá razão à Hegel ao dizer que nossas normas devam ser

transformadas em deveres da vida concreta, para escapar à impotência do dever

ser. As práticas do mundo da vida, reformuladas pelo discurso devem ser

rearticuladas como práticas cotidianas. Portanto, a ética discursiva não

permanece estéril porque ela prevê que normas reavaliadas possam ser

observadas pelos atingidos.

A quarta objeção, referente ao terrorismo da pura intenção (convicção),

é fortemente rejeitada por Habermas. Essa acusação é incompatível com o

sentido do universalismo moral, pois ao se remontar à teoria da

intersubjetividade, a ética do discurso conta com espaços de opinião pública

pelos quais as comunicações se convertem “em processos de auto-compreensão

83

e auto-esclarecimento da sociedade global” (Habermas, 1991, p.124). A

distinção entre justificativa ou fundamentação e aplicação das normas impede

essa quarta objeção. E desejável que todos os envolvidos sigam as normas, mas

isso não assegura a realização de ideais morais.

As críticas até aqui apresentadas, bem como as respostas feitas por

Habermas em As objeções de Hegel a Kant também afetam a ética do discurso?,

são relacionadas com a Etica Discursiva e a Teoria da Ação Comunicativa, que foi

produzida ao longo de mais de uma década, culminando com a Theorie das

Kommunikativen Handelns. Mais recentemente, Habermas publicou Faktizität und

Geltung, obra na qual aplica a Teoria do Agir Comunicativo no processo de

legitimação do direito, mostrando as tensões existentes entre as práticas sociais que

geram normatividades e as leis jurídicas implementadas. O discurso é a instância

pela qual as normas adquirem aceitabilidade racional.

Maria Clara Dias34

reatualiza a crítica a Habermas porque a faz,

sobretudo, a partir desta última obra, mais especificamente, sobre a

possibilidade da teoria do discurso fundamentar os direitos básicos.

A participação dos indivíduos no processo de implantação do direito

requer que determinadas condições sejam atendidas, o que equivale à retomada do

argumento habermasiano da inserção de sujeitos no discurso racional, livre de

qualquer violência, orientados apenas pela coerção do melhor argumento. A crítica

à fundamentação dos direitos básicos retoma a crítica à própria ética do discurso.

Dias, baseada em Wittgenstein, aponta como equívoco de Habermas

sustentar sua base teórica numa suposta “estrutura comum a todos os atos de

fala ou a todos os modos de linguagem” (Dias, 1995, p.92). A linguagem é

uma forma de vida, não redutível a seu caráter comunicacional.

A crítica da autora se vale também dos argumentos desenvolvidos por

Tugendhat (já referidos) que faz uma distinção no emprego da linguagem entre

regras semânticas (referentes ao sentido) e regras pragmáticas (referentes ao

uso da linguagem no contexto comunicacional). Questiona se um enunciado

normativo só pode ser compreendido num contexto comunicacional e se pode o

consenso ser o critério último para a validade de tais enunciados.

Dias se vale ainda dos argumentos de Wellmer para evidenciar o

caráter de circularidade da teoria habermasiana. Como Habermas especifica

que o consenso racional não é fático, mas qualitativo, isto é, dependente de

razões adequadas, Dias conclui que o

“acordo intersubjetivo não é ele mesmo o

critério para o reconhecimento da validade de

34 Ver DIAS, Maria Clara M. Ética do discurso: uma tentativa de fundamentação dos direitos civis,

Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, v.22, n.68, 1995, p.85-98.

84

asserções e normas, e sim uma conseqüência de

que existam critérios, com base nos quais a

verdade de uma asserção ou a correção de uma

norma possa ser avaliada. Um tal acordo será,

então, um consenso qualitativo, ou seja, um

consenso baseado em argumentos” (1995, p.94).

A teoria cairia na circularidade, pois, conforme já indicado por Wellmer,

se as regras de argumentação já contêm uma exigência moral, Habermas estaria

tomando por base algo já normativo, para dar sustentação à própria normatividade.

Ao extrair as conseqüências das críticas apontadas para a

fundamentação dos direitos que Habermas propõe em Faktizität und Geltung,

Dias afirma que a fundamentação dos direitos não pode ser reduzida ao aspecto

comunicativo, resultante do consenso.

Somente no plano discursivo uma norma pode encontrar

racionalidade, pois Habermas reconhece que só, os bons argumentos darão

aceitabilidade de todos a uma norma. É do acordo comunicacional que

procede a legitimação do direito.

Para Dias, o uso das regras já teria um aspecto normativo e, sendo

assim, não se pode deduzir uma fundamentação dos direitos a partir do agir

comunicativo, sob pena de cair num círculo vicioso. Dias alerta que Habermas

também concorda que os direitos básicos devem garantir a igualdade de

participação no discurso, a autonomia privada e pública de cada um, mas como,

então, fundamentar os direitos daqueles que não possuem autonomia?

A conseqüência que se estabelece é de como fornecer uma resposta

para aqueles que não possam tomar parte do discurso racional. O recurso de

alguém decidindo por outros (por exemplo: deficientes mentais) implicaria

em paternalismo político. Dias conclui então que “o reconhecimento dos

direitos sociais básicos deve ser independente, tanto do „status‟ de um ser

humano como possível integrante do discurso racional, como de um possível

consenso” (1995, p.97).

O conjunto das críticas ao pensamento de Habermas aqui apresentado

não tem intenção de esgotar o tema, que é complexo e tem se enriquecido

através de contínuos debates. Habermas abandona o recurso metafísico nos

moldes do reino dos fins para reconstruir a razão prática em termos de uma

razão comunicativa, onde a ênfase se desloca de uma consciência individual

para aquela que todos podem acordar através de um discurso racional. Parece-

me que as críticas não anulam o empenho habermasiano em reconstruir as

bases normativas da modernidade. Tal empenho é uma das poucas abordagens

produtivas para encontrar uma resposta ao beco sem saída (Masschelein, 1991)

que se encontra a educação, desestabilizada pelos impasses da crítica da razão e

85

pela dificuldade de encontrar uma unidade de sentido para o ato educativo que,

desde a orientação formulada por Kant, vem sendo buscado como a

constituição da humanidade no homem.

A teorização de Habermas, ao recuperar a possibilidade de uma vida

informada pela razão, desde que descolonizado o mundo da vida, traz para a

educação uma reinterpretação de seu papel. A escola, enquanto tarefa típica da

modernidade, necessita articular sua ação formadora do homem com uma

racionalidade que o conduza a uma vida de autenticidade, que não seja

embasada numa razão absoluta, mas se engendre no entendimento lingüístico,

que desloca o paradigma da consciência para o da intersubjetividade.

No capítulo a seguir, apresento o que entendo a respeito de prática

pedagógica na perspectiva dos princípios teóricos até aqui analisados. Trata-se de

examinar em que se modificam as categorias básicas da educação, diante de uma

nova formulação do conceito de racionalidade. Pretendo desenvolver uma

argumentação que exponha as conseqüências de um fundamento renovado para a

educação em relação (1) ao significado da mudança do conceito de racionalidade

para a educação, (2) à formação do sujeito como tarefa básica da educação escolar,

(3) ao reconhecimento da estrutura antinômica da escola e (4) à possibilidade da

educação ser emancipatória.

86

IV

RACIONALIDADE COMUNICATIVA E EDUCAÇÃO:

PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES

A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas oferece uma

possibilidade de interpretar as tensões entre mundo da vida e sistema, que

ocorrem no âmbito da educação, ligando a esse aspecto uma teoria do

desenvolvimento da competência cognitiva.

O que interessa especificamente, nesta investigação, é a pergunta pelas

implicações de uma racionalidade comunicativa na práxis pedagógica, cuja base

teórica originária não só lança raízes no pensamento clássico com sustentação na

filosofia do sujeito, como, sobretudo, cede à opção da modernidade por uma

racionalidade instrumental.

Na formulação habermasiana, a racionalidade surge de um processo

efetivo de comunicação, que ocorre entre indivíduos situados num contexto

histórico-político, que compartilham o mundo vivido. O racional não diz respeito

àquelas decisões estratégicas para atingir determinados fins, mas inclui os aspectos

ético- formativos e estéticos-expressivos. Baseia-se no entendimento racional

obtido pelos participantes da comunicação, que se dá através da linguagem, sobre a

compreensão de fatos objetivos e sociais. A racionalidade não tem mais seu

fundamento último no sujeito, mas no mundo prático e intersubjetivo.

Conforme afirma Habermas em O Discurso Filosófico da Modernidade,

“chamamos racionalidade, principalmente, a

disposição de sujeitos falantes e atuantes de

adquirir e utilizar um saber falível. Enquanto os

conceitos básicos da filosofia da consciência

impuseram que se compreenda o saber,

exclusivamente como saber de algo no mundo

objetivo, a racionalidade limita-se ao modo como

o sujeito isolado se orienta em função dos

conteúdos de suas representações e dos seus

enunciados. (...) Quando, pelo contrário,

entendemos o saber como transmitido de forma

comunicacional, a racionalidade limita-se à

capacidade de participantes responsáveis em

interações se orientarem em relação a exigências

de validade que se apresentam sobre o

reconhecimento intersubjetivo. A razão

87

comunicacional encontra seus critérios no

procedimento argumentativo da liquidação direta

ou indireta de exigências de verdade

proposicional, presteza normativa, veracidade

subjetiva e coerência estática” (1990a, p.291).

Habermas tenta identificar as possibilidades empíricas de uma

racionalidade se encarnar em forma de vidas concretas. A educação, em geral, e a

escola, em particular, são formas onde a racionalidade se efetiva com a finalidade

de construir um projeto humano, formador da identidade de si mesmo e do mundo.

Assim, essa teoria pode renovar o conceito de educação, justamente, com a

reflexão sobre a formação do sujeito e a socialização.

Entretanto, esse novo conceito envolve um movimento profundo de

reconceptualização filosófica que leva tempo para se estruturar e para se articular

com as ciências humanas. Mas, ao mesmo tempo, traz consigo uma multiplicidade

de hipóteses, de possibilidades que fecundam o campo da educação. As

possibilidades implícitas na teoria da racionalidade comunicativa, apesar de terem

sido elaboradas no contexto de um outro país, têm potencial teórico para lançar

luzes na discussão da educação, que sofre estremecimento em sua base de

justificação. Ao reconhecer a intersubjetividade dos sujeitos que pensam e agem e

a subjetividade de cada um, a razão pode justificar os princípios universais que

fundamentam a ação pedagógica e pode também reconhecer os espaços possíveis

de transformação da razão em racionalidade ético-comunicativa.

A seguir, são apresentados os pontos principais que traduzem as

implicações de uma nova racionalidade para a educação. Espero explicitar um

entendimento da práxis pedagógica que supere a aporia resultante da relação

sujeito-objeto, baseada numa racionalidade instrumental, e se encaminhe na

direção de uma interpretação renovada da teoria e prática pedagógicas.

1. O significado da mudança do conceito de racionalidade para

a educação

1.1. A exigência de uma racionalidade comunicativa na ação

pedagógica

Sabe-se o quanto é difícil superar o processo reprodutivo da razão

instrumental, que se impõe em diferentes esferas da integração social e atua

também nos sistemas educativos. Essa razão se circunscreve no âmbito da relação

sujeito-objeto, tem como thelos a dominação do mundo e não vê a relação sujeito-

sujeito como constitutiva de seu significado.

88

A questão que se impõe para a educação é a exigência de instauração de

uma razão comunicativa, que reconstrua a educação escolar enquanto processo

interativo, com vistas ao amadurecimento da humanidade, conforme a formulação

clássica de Kant35

.

A expressão desse ideal é um transcendental educativo. Se essa finalidade

não tem mais como realizar-se, uma vez que a razão sofreu os impasses

conhecidos, pode-se, contudo, não perder de vista o sentido da educação de formar

o homem, relacionando-o com a liberdade e a autonomia. É dessa inspiração que

resulta a busca de outra justificativa. A filosofia kantiana não evolui do eu para o

nós, permanecendo cativa de uma idéia individualista de homem.

A educação, desde sempre, se inscreveu sob o thelos do diálogo, em

processo interativo, onde a constituição do sujeito se dá pela ação comunicativa

entre os homens. Essa ação não se enquadra no espaço da razão instrumental, da

dedução, mas tem uma exigência ética, que pode ser ativada por uma razão

comunicativa, ultrapassando o solipsismo metodológico kantiano. Ou seja, a

recuperação da educação enquanto formadora do homem como sujeito de ação

cognitiva, ética e política só se efetiva sob a rubrica de uma razão capaz de

produzir entendimento. Não há mais um sujeito transcendental, mas sujeitos que

produzem, pelas suas falas, acordos.

Essa razão, conforme Habermas, parte da intersubjetividade como fala”,

como “mundo da vida”. A linguagem e o mundo da vida não são instrumentos de

auto-realização do sujeito, mas um encontro com o outro num mundo em que se

compartilham significados e normas. A fala sobre algo é sempre fala com. Assim,

a intersubjetividade constitui a subjetividade e participa de sua estruturação, não

tendo um caráter de meio, portanto, não se enquadrando numa relação do tipo

meio-fim, sujeito-objeto (Masschelein, 1987). O fundamento da ação dialógica

encontra-se na participação do sujeito em um mundo compartilhado com outros

sujeitos. Isso tem validade para as diferentes instâncias do processo pedagógico,

seja no plano da relação professor-aluno, seja no plano da definição da política

educacional, da administração e da relação com outras áreas do conhecimento

científico. A educação escolar precisa fazer valer as formas de vida que possam dar

sentido à formação do sujeito racional, ou seja, garantir os processos de reprodução

cultural e de formação da identidade.

É preciso, entretanto, destacar que não há uma aplicação imediata

dessa racionalidade na educação. Ela se faz mediada pelas ciências humanas,

pela política, pelo currículo, pela administração do sistema educativo, de forma

35 Conforme referido no item 1.1, do Capítulo II, Kant formula os princípios básicos que

justificam a educação como um processo de amadurecimento do homem, através da interação,

fundamentação na razão humana que pode conduzir o homem a superar sua animalidade e tornar-

se autônomo intelectual e moralmente.

89

que os envolvidos no processo passem a articular ações coordenadas pelo

entendimento e realizem a crítica das pretensões de validade presentes no

discurso pedagógico para produzir acordos.

Sendo a escola uma estrutura do mundo da vida, resultante da

diferenciação dos processos de evolução social, ela é uma produção genuína da

racionalidade comunicativa e seu atrelamento aos ditames do mundo sistêmico e

da razão instrumental é indicativo de perturbação social. O resgate da função da

educação como formador do sujeito (personalidade) requer uma ação pedagógica

coordenada pela razão comunicativa. Habermas (1987, v.2, p.502 ss) alerta que nas

sociedades modernas a garantia à educação como expressão do direito e liberdade

dos cidadãos põe em perigo a liberdade dos mesmos. Isso significa que os

procedimentos jurídico- burocráticos (mundo sistêmico), unilateralmente,

obliteram aquilo que pretendiam resolver, empurrando cada vez mais os espaços da

interação comunicativamente estruturada. Surgem, então, na educação escolar, a

apatia, o desinteresse, um empobrecimento do mundo da vida. Na sociedade

brasileira, o ato de não ativar os poros de uma racionalidade comunicativa provoca

distorções paradoxais, isto é, a competência das estruturas cognitivas (condição

mínima para atender demandas argumentativas) não se realiza, tal a intensidade

dos processos de exclusão (seja pela condição econômica, seja pelo autoritarismo,

ou pela inadequação do ensino).

Com isso, compromete-se a própria personalidade que, na interpretação

habermasiana, é um dos componentes estruturais do mundo da vida. Uma razão

comunicativa em ação requer uma constante crítica sobre a responsabilidade

pedagógica tanto das instituições como dos profissionais nela envolvidos, de modo

a organizar critérios de racionalidade e maximizar estruturas capazes de:

• promover a capacidade discursiva daqueles que aprendem;

• promover condições favoráveis a uma aprendizagem crítica do

próprio conhecimento científico;

• inocular a semente do debate, considerando os níveis de competência

epistêmica dos alunos;

• promover a discussão pública sobre os critérios de racionalidade

subjacentes às ações escolares, seja através dos conhecimentos prevalentes no

currículo, seja pela definição de políticas públicas que orientem a ação pedagógica;

• estimular processos de abstração reflexionante, que permitam trazer a

níveis superiores a crítica da sociedade e dos paradoxos de racionalização

social e, a partir daí, realizar processos de aprendizagem, não só no plano

cognitivo, como também no plano político e social;

• promover a continuidade de conhecimentos e saberes da tradição cultural

que garantam os esquemas interpretativos do sujeito e a identidade cultural.

90

A reabilitação das estruturas de comunicação embutidas na ação

pedagógica implica ―apanhar‖ a realidade através de uma razão que dialoga. A

educação efetiva esse diálogo quando traduz para a sala de aula o sentido da

política, da ética, do saber cultural, da ciência e sua criticidade, recuperando a

unidade diante dos diferentes modos descontínuos com que chegam à escola os

resultados da ciência, da política e das ações éticas.

A educação tem muitos motivos para desconfiar da razão iluminista que

lhe deu base de sustentação. A busca de sua superação faz-se pela racionalidade

decorrente das estruturas intercomunicativas, de atores agindo dialogicamente. A

pedagogia, que apostou na força impulsionadora de uma razão interpretada

inequivocamente, procura através “de uma identificação da ação pedagógica e

ação comunicativa escapar do beco sem saída do esquema de pensamento meio-

fim” (Masschelein, 1987, p.212).

1.2. O princípio da subjetividade: da razão centrada no sujeito à

intersubjetividade da racionalidade comunicativa

Conforme foi analisado no capítulo III, a teoria da racionalidade

habermasiana tem origem na mudança ocorrida na filosofia contemporânea, ou

seja, há a substituição da filosofia da consciência, que tem a razão centrada no

sujeito, pelo paradigma da comunicação, que entende a razão inscrita

potencialmente na linguagem, no entendimento entre os homens.

A racionalidade e a ação comunicativa permitem a superação da atitude

objetivante do sujeito que se dirige a si e ao mundo exterior. Ao contrário dessa

atitude objetivante, os participantes da interação coordenam seus planos pelo

entendimento, através de acordos entre si sobre algo do mundo. Nessa atitude,

mediada pela linguagem, “a reflexão efetuada da perspectiva de participante

escapa àquela forma de objetivação que é inevitável da perspectiva do

observador, usada reflexivamente” (Habermas, 1990a, p.278).

A ação pedagógica, que teve seu fundamento formulado no âmbito da

subjetividade, renova-se pelo deslocamento da subjetividade para a

intersubjetividade. Esse processo se efetiva pela linguagem, como condição que

possibilita a construção do sujeito.

Essa mudança permite estabelecer a diferença entre uma relação

comunicativa ou dialógica (sujeito-sujeito) e uma relação instrumental (sujeito-

objeto). A subjetividade que se constitui pela intersubjetividade está dependente da

inserção de sujeitos num mundo compartilhado, onde há saberes e normas que são

acordadas e regulam nossas ações. Não havendo mais um sujeito que se dirige a si

mesmo e ao mundo exterior, e havendo uma interação que permita outra relação

91

do sujeito consigo próprio, “desaparece a separação ontológica entre o eu

transcendental e o eu empírico” (Habermas, 1990a, p.278).

Nessa medida, não há apenas uma competência de um sujeito cognitivo

que epistemicamente domina o mundo e o representa. Trata-se, para a educação, de

uma competência interativa, de inserção em processos de entendimento, dos quais

se extrai uma racionalidade comunicativa, que está

“diretamente implicada no processo de vida

social. (...) O tecido das ações comunicativas

alimenta-se de recursos do mundo da vida e é, ao

mesmo tempo, o médium através do qual se

reproduzem as formas de vida concretas”

(Habermas, 1990a, p.292).

Assim, temos uma subjetividade renovada, descolando a razão solipsista

para a intersubjetividade, onde o sujeito constitui a si e a razão num processo

dialógico, extraindo uma base comum de entendimento do mundo da vida. Tal

deslocamento reafirma a necessidade de o processo pedagógico adotar

procedimentos dialógicos, como forma de mediação cultural, que permita espaços

para a vida humana. Desse modo, a educação deve estar orientada para a promoção

da capacidade discursiva de seus alunos.

1.3. A racionalidade como aprendizagem e a aprendizagem da

racionalidade

A teoria da evolução social, presente na obra de Habermas, entende a

estrutura da consciência e da razão como resultado qualitativo de níveis de

aprendizagem, em que tanto a sociedade como os sujeitos que nela se integram

evoluem para hierarquias cada vez mais complexas.

Dada as múltiplas interpretações que o termo aprendizagem sugere,

esclareço o âmbito teórico no qual ele se circunscreve*. Quando anuncio no

capítulo 2 a contribuição de Piaget para teorizar a capacidade do sujeito em

organizar as estruturas lógicas do pensamento, reafirmo a produtividade de uma

abordagem construtiva dos processos racionais. Assim distingo, com Piaget, os

limites das interpretações aprioristas e empiristas, que são insuficientes para

compreender racionalidade como aprendizagem. Kant já. havia, em seu tempo,

apresentado objeções a esses modelos.

O empirismo entende a aprendizagem como uma ação prevalente da

experiência sobre o sujeito. Se, por um lado, no empirismo a experiência é algo

* Agradeço a Fernando Becker a sugestao deste esclarecimento

92

que “se impõe por si mesmo, sem que o sujeito tenha que organizá-la”, por outro

lado, “encara a experiência como existente em si mesma” (Piaget, 1982, p.339).

Piaget refuta este tese, considerando que “os progressos da experiência dependem

de uma atividade inteligente que a organiza ―, pois a “experiência nada mais é que

uma acomodação” (Piaget, 1982, p.34l).

A aprendizagem na tradição apriorista é igualmente refutada por

Piaget, pois a existência de ―formas” é anterior à nossa atividade intencional,

pressupõe a existência de “estruturas internas todas feitas” e a “atividade

desaparece em beneficio do todo elaborado” (Piaget, 1982, p.355).

A distinção entre esses dois conceitos de aprendizagem evidencia

como Piaget

“apesar de concordar com aspectos, até

essenciais, do apriorismo e do empirismo, nega-

lhes a capacidade de explicação suficiente da

gênese do conhecimento; discorda também da

sugestão de que a mera soma das duas correntes

de pensamento apontaria a uma solução

satisfatória” (Becker, 1993, p.21).

A racionalidade como aprendizagem requer distinguir os dois sentidos que

Piaget confere à aprendizagem, como sentido restrito (stricto sensu) e como

sentido amplo (lato sensu). A aprendizagem stricto sensu é uma aquisição em

função da experiência que se dá de forma “mediata”, na qual o controle não é

sistemático. Essa aquisição depende de estruturas que são construídas ao longo do

processo de formação do conhecimento. Assim, a aprendizagem stricto sensu é

subsumida juntamente com os processos de equilibração pela aprendizagem lato

sensu. Diferentemente do empirismo, que reconhece toda a aquisição não adquirida

hereditariamente como aprendizagem, para Piaget, nem todo o resultado adquirido

pela experiência é equivalente a uma aprendizagem. A atividade assimiladora é

que possui papel determinante na aprendizagem.

“Não somente uma aprendizagem não parte

jamais de zero, quer dizer que a formação de um

novo hábito consiste sempre numa diferenciação

a partir de esquemas anteriores; mas ainda, se

essa diferenciação é função de todo o passado

desses esquemas, isso significa que o

conhecimento adquirido por aprendizagem não é

jamais nem puro registro, nem cópia, mas o

resultado de uma organização na qual intervém

em graus diversos o sistema total dos esquemas

de que o sujeito dispõe” (Piaget, 1974, p.69).

93

A aprendizagem, que permite a construção das estruturas operativas,

permite igualmente a constituição da racionalidade. Conforme Habermas, o

estruturalismo genético de Piaget é “um modelo que parece muito promissor para

a análise da evolução social, do desenvolvimento das imagens do mundo, de

sistemas de crenças morais e de sistema jurídicos” (Habermas, 1989, p.39). O

entendimento de aprendizagem construtivista permite compreender como os

sujeitos e as sociedades adquirem determinadas competências. As suposições que

estão presentes num conceito construtivista de aprendizagem são:

“primeiro, a suposição de que o saber em

geral pode ser analisado como um produto de

processos de aprendizagem; depois, que o

aprendizado é um processo de solução de

problemas no qual o sujeito que aprende está

ativamente envolvido; e, finalmente, que o

processo de aprendizagem é guiado pelos

discernimentos dos próprios sujeitos diretamente

envolvidos nesse processo. O processo de

aprendizagem deve poder se compreender

externamente como a passagem de uma

interpretação X1 de um dado problema para uma

interpretação X2 do mesmo problema, de tal

modo que o sujeito que aprende possa explicar, à

luz de sua segunda interpretação, por que a

primeira é errada” (Habermas, 1989, p50).

O processo de aprendizagem da razão na evolução social está vinculado ao

desenvolvimento da competência dos sujeitos que a ela se vinculam. Trata-se de

uma competência de fala e de desenvolvimento das condições epistêmicas do

juízo. Assim, a educação é, ao mesmo tempo, constituinte e constituída por uma

racionalidade que é aprendida.

A capacidade do sujeito e das sociedades de resolverem seus problemas e

evoluírem para uma compreensão descentrada de mundo é originalmente explicada

por Piaget, e retomada por Habermas, como sustentação de seus argumentos de

que a racionalidade é uma aprendizagem. Nesses termos, a teoria social recria uma

dimensão nova para o papel atribuído à educação escolar, que é a idéia de uma

racionalidade evolutiva, nos termos da ontogênese, e que pode evidenciar os

deslocamentos, os déficits da razão (traduzido no saber científico e técnico), que

ocorrem nos sistemas escolares, sem que, necessariamente, se estabeleça um

progresso na racionalidade ético-comunicativa.

A educação defronta-se, então, com uma duplicidade: por um lado, a

razão do sujeito é resultado de aprendizagem, na medida em que a escola prepara

94

para uma determinada competência racional. Por outro lado, enquanto os sujeitos

se educam, consolidam suas estruturas cognitivas e adquirem capacidade de pensar

em termos hipotéticos, eles também aprendem uma determinada racionalidade,

através do modo como são ou não articuladas as estruturas de comunicação pelas

quais se efetiva o discurso pedagógico.

A aprendizagem é um processo que a educação promove de forma

sistemática, justamente, para garantir a constituição do sujeito e as formas de

transmissão da cultura. A concepção de aprendizagem como um processo de

construção de conhecimento está subjacente à Epistemologia Genética. Através

deste processo o sujeito se autoconstitui como capaz de conhecimento, linguagem

e ação. Por sua vez, o conhecimento tem uma estreita relação com a racionalidade,

já que esta se traduz como forma de saber, conhecer, compreender, dar razões. Ao

lado da aprendizagem, o conhecimento é uma categoria reveladora da

racionalidade, apresentando-se como central para a educação escolar, que tem na

apropriação do saber e da cultura um dos seus objetivos mais fundamentais.

O conhecimento se refere a resultados da ação racional diante dos mais

diferentes desafios vividos pela humanidade e que se organizam em nossas

sínteses. Permite que o homem compreenda o mundo no qual se encontra e que o

constitui. Mas, conforme referência feita no item 1.3, capítulo II, essa capacidade

não se reduz a uma operação mental. O conhecimento é partilhado e produzido

intersubjetivamente, tendo uma dimensão histórica, hermenêutica.

O saber cultural, que na escola é expresso em teorias, conhecimentos e

ações tem uma forma de apropriação enraizada no mundo da vida. Sobre isso,

Habermas afirma:

“Conteúdos transmitidos culturalmente

configuram sempre e potencialmente um saber de

pessoas; sem a apropriação hermenêutica e sem

o aprimoramento do saber cultural através de

pessoas, não se formam nem se mantém

tradições” (1990b, p. 100).

A teoria do agir comunicativo, entendendo a racionalidade como uma

evolução, recupera para a educação uma dimensão crítica em relação ao tipo de

razão que a escola promove, evidenciando que não é sem problemas que esse

progresso da razão ocorre (traduzido na forma de ciência e técnica). Há outras

dimensões a serem incorporadas na aprendizagem da racionalidade, para além da

constituição epistemológica, ou seja, há uma dimensão hermenêutica, vinculada ao

mundo da vida, um pano de fundo cultural, que representa as bases do

entendimento. Esse é o celeiro no qual o homem tem as raízes de suas ações

racionais e que torna possível o estabelecimento do sentido e do entendimento

95

intersubjetivo. A educação vai resgatar os fragmentos de uma racionalidade

comunicativa no próprio processo de aprender a razão.

1.4 A reflexão e a tomada de consciência

De acordo com a análise feita em capítulos anteriores, a filosofia da

consciência e a teoria da subjetividade formaram a base da justificação da

educação desde o iluminismo. Dessa base teórica resulta o privilégio que a

educação concedeu à reflexão e à tomada de consciência. São muitas as

formulações oriundas de pedagogias, que têm por finalidade a formação da

consciência crítica dos sujeitos. A recuperação das estruturas de racionalidade

comunicativa reconstrói essa categoria, que não é mais uma consciência

absolutizada, endeusada. Habermas destaca o papel da reflexão como “uma

herança imperdível que nos foi legada pelo idealismo alemão a partir do

espírito do século XVIII”, mas a reflexão “não pode mais, certamente,

ultrapassar-se rumo a uma consciência absoluta que ele mesmo pretenderia

então ser” (Habermas, 1987, p.l8-20). Enquanto herdeira do idealismo alemão,

a reflexão tem elementos da fundamentação transcendental kantiana de todo o

saber e agir possível e elementos da reflexão hegeliana que pretende fazer um

processo de libertação pela crítica. Habermas faz, assim, uma distinção entre

reflexão crítica e transcendental. Essa distinção é referida primeiramente no

epílogo de Conhecimento e Interesse (1973) e retomada no texto Réplica e

Objeciones (1980), publicado em Teoría de la Acción Comunicativa:

Complementos y Estudios Previos (1980), conforme segue:

“No epílogo de Conhecimento e Interesse

(1973) contrapus, por um lado, a reflexão

sobre as condições de possibilidade de

competências do sujeito cognoscente, falante e

agente, e, por outro, a reflexão sobre os

estreitamentos inconscientemente produzidos,

aos quais um determinado sujeito se vê

submetido em um processo de formação O

primeiro tipo de reflexão foi adotado por Kant

e seus sucessores na forma de uma

fundamentação transcendental do

conhecimento teórico possível (e de ação

moral). Uma teoria (...), ao fundamentar-se a

si mesma em termos transcendentais, está

apelando ao círculo de condições subjetivas

inevitáveis que, ao tornar possível a teoria,

delimitam o seu alcance. Na Fenomenologia

do Espírito Hegel associou esta delimitação ou

96

autocrítica da consciência (...) com a reflexão

num sentido distinto, a saber: da dissolução

autocrítica de pseudo-objetividades auto

geradas, o que quer dizer: com liberação

analítica em relação à aparência objetiva”

(Habermas, 1984, p.412).

A crítica em Habermas é enriquecida pela contribuição da

hermenêutica, numa perspectiva reconstrutiva. O conceito de reflexão,

retomado como força esclarecedora, pode desocultar as ações meramente

instrumentais, dominadas por coações sistêmicas. No entanto, essa reflexão

está apoiada não na ação de um sujeito solipsista, mas em atos de fala,

mediados pela linguagem. Trata-se de uma reflexão relacionada com a

competência de um sujeito capaz de conhecer, falar e argumentar, inserido no

universo hermenêutico, pois todo o compreender está submerso na situação

contingente de nosso universo cultural. Habermas indica, porém, a necessidade

da crítica da tradição cultural, de forma a reconhecer o que nos foi transmitido

dogmaticamente e “dissolver” o seu conteúdo em decisões racionais.36

O pensamento de Habermas reintroduz questionamentos em relação a

essa importante categoria (tomada de consciência), na medida em que a

educação conserva seu papel de constituir um sujeito com competência

cognitiva, capaz de chegar a processos sucessivos de tomada de consciência,

mas alerta também para as novas exigências feitas por uma racionalidade

comunicativa. A tomada de consciência tem uma dimensão subjetiva, em que o

sujeito se apropria de sua própria ação e reinterpreta-a num nível hierárquico

superior (Piaget). Essa competência é que vai permitir o desenvolvimento de

argumentos no âmbito do agir comunicativo. No campo do discurso, há o

reconhecimento de pretensões de validade, onde todos os integrantes da

comunicação buscam uma razão processual. Assim, no ato educativo, não basta

a tomada de consciência e a crítica individual, mas, sim, a promoção de uma

consciência que se articula com os diversos discursos, com as diversas culturas,

que busca urna responsabilidade conjunta, além das consciências individuais. E

uma consciência que se torna intersubjetiva.

A tomada de consciência, na perspectiva de uma racionalidade

comunicativa, exige uma reflexão crítica que possa fazer frente às

insuficiências de uma racionalidade submetida às determinações do sistema. Os

bloqueios sistemáticos que estão presentes na sociedade podem ser

36 Conforme texto de Habermas Sobre Verdade e Método de Gadamer, na obra Dialética e

Hermenêutica: Para a Crítica Hermenêutica, de Gadamer, editora L&PM, 1987. Ver também

artigo de Flávio Siebeneichler, Teoria Macroscópica de Jürgen Habermas. Revista Filosófica

Brasileira, n. 1, jul. 1988.

97

conscientizados, através de um exame crítico-discursivo, a nível de um

processo pedagógico entre professores e alunos, que submeta os produtos

culturais ao esclarecimento. A racionalidade comunicativa, além de ver as

deformações a que foram submetidos os produtos da ciência e da cultura,

aposta na possibilidade de uma razão dialógica que, de certa forma, recupere a

unidade da razão na multiplicidade das vozes interpretativas.

O que diferencia a tomada de consciência e o processo de reflexão,

entendidos à luz da racionalidade comunicativa, de uma tomada de consciência

tributária da filosofia da consciência é a possibilidade de superar paradoxos e

reafirmar a emancipação, através de atos de fala que produzam entendimento e

consenso e ampliem a razão para além de uma razão instrumental monológica.

Isso, contudo, não significa uma certeza na emancipação, mas, sim, uma aposta

numa razão que não se encerra em autodestruição.

O processo reflexivo na educação, ampliado pela racionalidade

comunicativa, deve ocorrer:

• No âmbito do sujeito cognitivo:

A reflexão aparece como condição necessária à construção e

consolidação de estruturas de pensamento (Piaget), ou seja, a construção da

própria razão.

Para Piaget, a tomada de consciência leva o sujeito a descentrações

progressivas e a processos cada vez mais complexos de abstração

reflexionante. O sujeito reconhece a ação realizada, apropria-se de estruturas

cognitivas e as utiliza com novos fins que não aqueles do plano anterior. Isso

quer dizer que a tomada de consciência é o processo por excelência do

pensamento, permitindo sua expansão.

Como essa construção não é gratuita, o processo de reflexão sobre as

ações deve ser estimulado na escola para criar as condições de entrada dos

sujeitos num discurso livre, dotado de autonomia e capacidade argumentativa.

Cabe lembrar que a não obtenção da capacidade lógica operativa torna difícil a

realização de um discurso livre como exige a racionalidade comunicativa

(Kesselring, 1990, p. 19).

• No âmbito da ação pedagógica:

Os professores devem, em diálogo com os alunos, submeter à crítica os

conteúdos da tradição cultural e da ciência, de modo a obter uma avaliação daquilo

que representa a continuidade da tradição cultural e a realizar novas aprendizagens.

• No âmbito do mundo social:

Diferentes atores envolvidos com o processo educativo (os

professores, os responsáveis pelas orientações políticas, passando pela

comunidade de especialistas que formulam os saberes específicos do processo

pedagógico) devem submeter à reflexão crítica, pelo diálogo interdisciplinar, os

98

diferentes paradigmas que estão subjacentes aos currículos e práticas escolares,

de forma a identificar critérios válidos de racionalidade e estabelecer normas

consensuais para orientar o agir educativo.

2. Formação do sujeito: a renovação da tarefa básica da

educação escolar

A formação do sujeito, enquanto tarefa básica da educação escolar

vinculada à tradição, encontra formas de superação de um fundamento que

entra em queda pela possibilidade de extrair uma racionalidade comunicativa

das condições sociais. Trata-se de componentes estruturais do mundo da vida

cuja realização depende diretamente do processo educativo, capaz de produzir

competência interativa e de autonomia.

Pretende-se, assim, reafirmar a formação do sujeito como tarefa

básica da educação, renovada, entretanto, em sua base de justificação. A

constituição do sujeito epistêmico e moral da tradição kantiana é subsumida

pela intersubjetividade.

Tal tarefa pressupõe, primeiramente, reconhecer, com Piaget, que a

formação do eu é condicionada por um sistema de natureza interna (as

organizações das estruturas epistêmicas) e externa (condições objetivas). A

formação do sujeito, como tarefa da educação escolar, exige uma ordem

institucional e condições de mediação que produzam o desenvolvimento. Esse

processo é marcado por confronto de argumentos, que possibilitam a reflexão

sobre a tradição para realizar uma intersubjetividade produzida

comunicativamente. Disso decorre, por um lado, a necessidade de uma

mudança política, social e cultural em direção à racionalização da sociedade e,

por outro lado, um processo de aprendizagem dos participantes em direção à

universalização de justificativas. A inter- relação entre esses dois aspectos -

individual e social - é que vai permitir a formação de sujeitos na perspectiva de

uma racionalidade comunicativa, isto é, sujeitos capazes de êxito na obtenção

do comportamento normativo, com capacidade interativa e autonomia de ação.

A recusa de um pensamento metafísico, que ofereça direção teleológica

para a formação do sujeito, leva a reconhecer que a educação é parte de uma

socialização que se efetiva no mundo prático. Nesse processo, a formação do

sujeito (Eu) está em mútua dependência da mediação social, da qual se retiram

os conteúdos normativos.

Uhle (1993) destaca que a educação do sujeito que depende das

condições de amadurecimento ontogenético torna-se, na perspectiva de uma

racionalidade comunicativa, um círculo vicioso: a criação de uma comunidade

de comunicação racional, através da competência de seus membros,

99

condiciona, ao mesmo tempo, uma aprendizagem dessa competência, tanto na

perspectiva do sujeito isolado, como socialmente. Assim, o conceito de

formação do sujeito e identidade do eu como objetivo da educação evidencia

uma circularidade, em cujo processo estão diretamente vinculados o

desenvolvimento pessoal, a socialização e o desenvolvimento cultural.

Evidentemente, não se efetivam mais as condições objetivas desejadas na

modernidade. Ao contrário, conforme indicado no capítulo II, itens 3 e 4, a

formação do sujeito sofre os impactos de uma racionalidade que produz

anomia, coações sistêmicas e as mais diversas formas de patologias sociais,

gerando um abandono cético em relação à idéia de formação do sujeito.

A interpretação da educação na perspectiva de uma racionalidade

comunicativa permite reconhecer a formação do sujeito radicalmente inserida

no mundo prático. Essa circularidade, que condiciona a formação do eu, exige

uma eticidade que permita a vida social em conjunto. Ora, como sabemos,

Habermas não propõe um conteúdo valorativo para uma vida considerada boa.

Este é um dos aspectos criticados37

no autor. Rouanet (1989) destaca o caráter

meramente formal de sua teoria, que permite extrair normas consensuais pelo

processo argumentativo, sem abordar a questão dos valores. A esse propósito,

argumenta Rouanet:

“A ética discursiva extrai do inundo vivido

apenas aquelas questões práticas - as

estritainente normativas - que possam ser objeto

de argumentação e consenso, deixando de

considerar as questões valorativas” (1989, p68).

Assim, as condições de eticidade, próprias de uma racionalidade

comunicativa, que favorecem a formação do sujeito, não definem

metafisicamente os valores da educação, como foi pretendido no âmbito da

filosofia do sujeito e do pensamento clássico em educação. As condições

necessárias para realizar a formação do sujeito, a partir de Habermas, emergem

de uma racionalidade comunicativa do discurso prático, que possibilita chegar

à justeza das normas e à universalidade. O sujeito precisa amadurecer na

direção de colocar-se diante de diferentes perspectivas (dos outros) para chegar

a manter ou reformular normas. As normas são validadas racionalmente, por

meio do discurso prático, até a obtenção do consenso, que depende da

aplicação do princípio de universalização - princípio U - cuja formulação é:

37 Ver as críticas de Habermas formuladas no item 2 do capítulo III.

100

“toda a norma válida tem que preencher a

condição de que as conseqüências e efeitos

colaterais que previsivelmente resultam de sua

observância universal, para a satisfação dos

interesses de todo indivíduo, possam ser

aceitas sem coação por todos os concernidos”

(Habermas, 1989, p. 147).

Essa mudança na orientação não significa advogar um relativismo

ético. O procedimento de validade não predetermina um conteúdo mais que

outro, já que os conteúdos provirão do mundo da vida social e estarão

mediados, assim como os pontos de vista dos participantes, pelos critérios

avaliativos vigentes em uma determinada sociedade e cultura. Dessa maneira,

os envolvidos não devem cair em níveis anteriores àqueles aprendidos pelos

homens em sociedade.

As antecipações normativas realizadas pelos responsáveis pelo

processo pedagógico devem ser constantemente reavaliadas no discurso

prático, com o qual todos aprendem.

Mesmo sem indicar os conteúdos valorativos, a racionalidade

comunicativa pode favorecer a restauração das condições que permitem a

formação do sujeito. A educação pessoal pode vir ao encontro do mundo da

vida e tornar-se compatível com as peculiaridades de uma razão universal, mas

que se articula com as singularidades de cada sujeito.

A formação do sujeito é então renovada pela passagem da justificação

da razão monológica para a intersubjetividade, reafirmando a dimensão

hermenêutica pela inserção desse sujeito no mundo da vida, que condiciona

processos de entendimento. Por isso, Habermas afirma:

“Os sujeitos socializados comunicativa

mente não seriam propriamente sujeitos se não

houvesse a malha das ordens institucionais e

das tradições da sociedade e da cultura”

(1990b, p.99).

Se a educação escolar tiver uma racionalidade unilateral e submeter

os processos de aprendizagem aos imperativos da rentabilidade econômica e

do poder, a formação do sujeito torna-se fracassada, pela perda de

autonomia da pessoa.

A tarefa de educar os sujeitos em sua identidade, a partir da

intersubjetividade, supera a dicotomia entre o eu transcendental e o eu

empírico, porque a teoria habermasiana procura conciliar o ponto de vista das

ciências reconstrutivas (que se preocupam com a comprovação empírica de

101

seus enunciados) com o ponto de vista filosófico38

. A educação, justamente por

operar no plano prático, necessita de esforço complementar entre diferentes

contribuições para construir seu objeto de estudo. Habermas, em entrevista

concedida a Barbara Freitag, na revista Tempo Brasileiro (n.98, p.17, 1989),

expõe que a filosofia não pode “monopolizar o tema da razão‖. Estando a

educação interessada em questões universalistas, como a formação dos sujeitos

racionais, ela deve apelar às ciências empíricas. No entanto, é necessário não

reduzir essa interpretação ao modelo das ciências naturais.

3. O reconhecimento da estrutura antinômica da escola: entre as

coações sistêmicas e os espaços do mundo da vida

O processo de modernização da escola tem produzido o avanço da

burocratização, o predomínio da racionalidade instrumental e uma

humanização pouco consistente. Tal diagnóstico conflita com a formulação

originária de seu fundamento teórico e traz a pergunta pela possibilidade de

continuação da educação escolar.

Uma decisão em favor da recuperação dos conteúdos comunicativos da

razão no sentido habermasiano implica reconhecer a escola como uma das

formas da vida moderna, encarregada da reprodução do mundo cultural, do

qual é apenas um fragmento. Verifica-se no interior da educação escolar uma

tensão: a escola orientada por um princípio pedagógico, e tendo um significado

central para os processos de reprodução cultural e social, é genuinamente um

espaço institucional orientado para o entendimento e as exigências do mundo

da vida. Mas a organização estrutural, as normas burocráticas, as hierarquias de

poder perturbam e colonizam esse espaço. No caso específico da escola, é o

mundo da vida que se submete às coações sistêmicas, através dos subsistemas

dinheiro e poder. Disso decorre uma crise escolar, em que as ações pedagógicas

passam a ser coordenadas pela racionalidade instrumental, abafando de seus

poros o agir comunicativo. Tal situação traz perturbações à formação do

sujeito, no desenvolvimento de sua competência, não só para a promoção de

sua autonomia, como para a reprodução do mundo da vida. As deformações

pelas coações sistêmicas penetram de forma profunda nos processos de

aprendizagem. Assim, ocorre uma estrutura de comunicação distorcida.

Na perspectiva habermasiana, a escola, na medida em que pode

restabelecer os nichos de uma racionalidade comunicativa, tanto pode

38 A tentativa de fundamentar empiricamente sua teoria é atribuida ao estatuto que ele confere à

filosofia de “Platzhalter”, conforme A Filosofia como Guardador de Lugar e como Intérprete,

em Consciência Moral e Agir Comunicativo, 1989, pelo qual a filosofia “poderia atualizar a sua

relação com a totalidade em seu papel de intérprete voltado para o mundo da vida” (p.33).

102

descentrar sua potencialidade, como tomá-la submetida aos imperativos

sistêmicos e burocráticos. Como a promoção de uma racionalidade

comunicativa depende do desenvolvimento de um processo argumentativo,

baseado na competência do eu, a teoria de Habermas recorre ao conteúdo

utópico e pedagógico da modernidade.

Helsper (1990, p.190), ao inventariar as pesquisas sobre a possibilidade

da escola, diante de sua estrutura antinômica, aponta as principais ações a

serem promovidas, com vista à superação da condição unilateral e camuflada

imposta pelos processos de modernização. Tais ações têm como referência a

racionalidade comunicativa e são:

• a superação da fragmentação das esferas do mundo da vida, através

da “abertura da escola”, da possibilidade de integração e do reconhecimento

da necessidade de união e participação;

• o incremento das experiências de aprendizagem na perspectiva da

sensibilidade e expressividade do eu, diante do aspecto abstrato da

aprendizagem escolar;

• promoção de aprendizagens de interferência na realidade social pela

prática normativa, estética e cognitiva;

• ênfase a aprendizagens solidárias e cooperativas em oposição à idéia

prevalente de concorrência e trabalho individual.

Tendo em vista as características da realidade educacional brasileira, às

ações indicadas por Helsper devem ser acrescentadas aquelas que:

• permitam superar as formas profundas de autoritarismo e violência que

interpenetram a atividade pedagógica, representadas, sobretudo, pela ausência ou

inadequação de políticas públicas e pela má condução do processo pedagógico;

• submetam à avaliação o significado de educação, uma vez que a

perda de sentido, de identidade coletiva e a alienação social seqüestram o

significado profundo de formação do humano. Isso fecha um círculo vicioso,

fazendo a escola sucumbir mais e mais em perda de motivação.

A superação da antinomia da escola depende de extrair de sua estrutura

uma racionalidade que traga a radicalização da perspectiva cultural, onde seja

possível a aprendizagem de uma razão efetivada pela interação entre sujeitos. O

desenvolvimento desse processo deve articular-se dialeticamente com uma

educação que confira fisionomia e unidade a um sujeito que tem desejos, anseios,

inclinações, aspirações. Não é mais educação de uma só razão, mas, sim, de uma

pluralidade de razões na busca de conteúdos passíveis de estruturas universais.

4 A educação pode ser emancipatória?

103

As implicações de uma nova formulação da racionalidade para a educação

trazem o questionamento sobre seu conteúdo normativo. Na tradição do

pensamento pedagógico esse conteúdo foi expresso sob forma de emancipação.

A manutenção desse objetivo, como de qualquer outra orientação no

sentido do dever ser, é regulada pela idéia de uma comunicação livre de poder

e perpassada pelo esforço de encontrar consensos razoáveis. Assim, a

racionalidade comunicativa permite que as orientações do agir pedagógico

sejam clarificadas no âmbito do discurso, o que permite a reconstrução das

condições existentes em determinado momento histórico, do possível

encontrado, através de processos interativos. É inevitável que nesse processo se

chegue a determinados consensos, os quais estejam permeados de idealizações.

Os ideais (ou orientações no sentido do dever ser), formulados historicamente

pela educação, desempenharão um papel decisivo para a determinação das

vantagens e prejuízos das normas alternativas em discussão. Essas idealizações

não são resultado de uma razão monológica, mas são retiradas do conteúdo das

práticas sociais, refletidas, mediadas pela linguagem. Pelos processos

interativos é possível submeter nossas tradições culturais, nossas experiências,

os objetivos pedagógicos, os produtos da ciência e da técnica à reflexão e com

isso clarificar as normas que orientarão o processo pedagógico e produzir

aprendizagens junto aos alunos (e por extensão no meio social) que tomem os

sujeitos cada vez mais esclarecidos e emancipados.

A emancipação surge, então, da possibilidade de um processo de

aprendizagem, assim como a razão é uma aprendizagem. Habermas refere que

o “esclarecimento (Aufklärung) é um reflexo da auto-experiência no decurso

de processos de aprendizagem” e a emancipação

“tem a ver com a libertação em relação a

parcialidades que, pelo fato de não resultarem

da causalidade da natureza ou das limitações

do próprio auto-entendimento. derivam, de

certa forma, de nossa responsabilidade (...). A

emancipação é um tipo especial de auto-

experiência porque nela os processos de auto-

entendimento se entrecruzam com um ganho

de autonomia” (Habermas, 1993a, p99).

Na medida em que a educação está voltada para o entendimento, ela se

orienta por processos de aprendizagem, a racionalidade ali presente emancipa os

sujeitos que dela participam. A escola pode ser um espaço onde os conceitos

fundamentais de natureza moral, como dignidade, igualdade, autonomia passam a

ser criticados em sua aplicação. Isso leva os educandos a se tornarem mais

conscientes, mais amadurecidos, mas não garante nenhuma certeza de felicidade.

104

A possibilidade de articular uma racionalidade comunicativa no

interior da educação escolar é uma forma que traz o conteúdo normativo da

educação para o mundo prático. Assim, examinar os supostos históricos,

morais, empíricos, políticos para determinar os objetivos educacionais torna-se

possível pela argumentação reflexiva e comunicativamente mediada. Ou seja, a

decisão ocorre a nível de discurso prático. Entre essas decisões está a definição

do caráter que a educação deve ter.

O reconhecimento das condições de validade na esfera do mundo

prático não retira o conteúdo normativo da educação, pois os conteúdos

formulados histórica e empiricamente, que serão clarificados em suas posições,

em suas valorações em relação às condições históricas que os geraram, serão

reavaliadas e validadas por todos os integrantes do processo, a fim de

constituírem-se em normas de ação. Os melhoramentos práticos da educação

escolar podem ser feitos no seu próprio interior, sem a garantia da

emancipação, como a razão apostou na origem da modernidade. Mas, sem

dúvida, como ganhos de aprendizagem.

Habermas considera que o termo sociedade emancipada (para a qual as

pedagogias apontam) é um ideal que se presta a equívocos. Nesse sentido afirma:

“(Eu) prefiro falar da idéia da

intersubjetividade ilesa. Essa idéia pode ser

obtida a partir da análise de condições

necessárias do entendimento em geral - ela

caracteriza a manifestação de condições

simétricas do reconhecimento recíproco e livre de

sujeitos que agem comunicativamente entre si.

Entretanto, não podemos colorir esta idéia como

se fora a totalidade de uma forma de vida

reconciliada, nem projetá-la no futuro como se

fora uma utopia. Ela não contém mais, mas

também não menos, do que a caracterização

formal de condições necessárias para formas não

antecipáveis de uma vida não fracassada”

(Habermas, 1993a, p. 106-7).

A reconstrução comunicativa das estruturas do mundo da vida é o que

permite ao sujeito aprender e validar, junto às comunidades cultural, científica

e social, as suas expectativas de uma vida melhor.

105

CONCLUSÃO

A referência, feita na Introdução, de que são tempos difíceis para a

educação escolar passa a ser efetivamente reafirmada nesta conclusão, embora

se trate de um reconhecimento de dificuldade de outra ordem. A dificuldade

aqui referida não decorre da ausência de perspectivas, como na visão que

aparece em certas correntes atuais que, situadas no amplo espectro da pós-

modernidade, garantem que o homem não estabelece mais normas consensuais,

mas encontra-se fechado no seu próprio mundo, denso de hostilidades e

anomias. Na visão deste trabalho, a dificuldade provém do reconhecimento da

complexidade da educação em construir a identidade de sujeitos racionais, a

partir de uma nova formulação de racionalidade, uma vez que o quadro teórico

deste século é de “muitas dúvidas e poucas certezas”. É oportuno lembrar,

ainda, que a educação escolar surge em outro tempo histórico, quando, é certo,

havia dúvidas, mas, sobretudo, muitas certezas, inclusive e especialmente a de

que o homem, pela razão, se libertaria.

Penso que deve haver um grande esforço para arrancar a educação das

generalidades humanistas que, apressadamente, a reconhecem com

possibilidades irrestritas de salvação e, com igual pressa, sucumbem a

reducionismos, seja por um conteúdo de libertação abstrato e descontextualizado,

seja pela ingenuidade dos utopismos pedagógicos, seja pelo ufanismo dos

utopismos de mercado. Parece não haver dúvidas de que, enquanto tributária da

tradição clássica, a educação é um processo de humanização, através da

interação, em busca de razão e liberdade, mas seu compromisso com esse vínculo

originário não se dá por conteúdo de vontade. Deve ser compreendida no quadro

atual em que se situa a crise das ciências humanas e da filosofia e que pode, mais

fecundamente, explicar os impasses em que a educação se encontra e esclarecer o

que significa formar sujeitos dotados de razão.

Enquanto a modernidade se mostra como um projeto que gera

desconfiança, que não oferece a pretendida segurança e sofre abalos na

concepção de razão, a educação segue suas formulações de unidade e tenta

reagir idealisticamente diante de todas as rupturas da modernidade. Isso

obscurece a ação da escola.

Já são bastante conhecidos os motivos que trazem a ruptura com a

tradição do pensamento ocidental39

e que, evidentemente, não podem ser

39 Conforme Habermas em Pensamento Pós-Metafísico, são quatro os motivos que atingiram o

pensamento moderno, promovendo sua ruptura com a tradição: “pensamento pós-metafísico,

guinada lingüistica. modo de situar a razão e inversão do primado da teoria frente à prática, ou

seja, superação do logocentrismo” (1990, p. 14).

106

desconsiderados na educação. As trajetórias percorridas pelo homem e a sua

racionalidade se vinculam à história e determinam a face de suas ações. Dessa

forma, a passagem da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem

(giro lingüístico) já evidencia uma nova constituição do mundo e do sujeito,

que não é mais “tarefa de subjetividade transcendental para se transformar em

estruturas gramaticais” (Habermas, 1990b, p.15).

Assim, essa mudança de orientação constitui um impulso importante,

neste final de século, que liberta a filosofia da consciência de suas aporias e

traz conseqüências relevantes para a educação, com vistas a compreendê-la na

radicalidade da crise que a afeta. Ao retomar a crítica da razão, na tentativa de

superar paradoxos e recuperar aquelas esferas de reprodução simbólica capazes

de formar o homem para uma vida ética e que foram subvertidas pelas coações

da razão instrumental, Habermas permite que sejam reinterpretadas as

categorias básicas da modernidade e o conceito de racionalidade. E, sob essa

teorização, a educação advoga para si um novo entendimento.

Partindo das considerações sobre as relações entre modernidade,

racionalidade e educação, conectando-as com a teoria do agir comunicativo,

este trabalho elencou as categorias que traduzam para o pensamento

pedagógico uma renovada interpretação de seu fundamento normativo. A

racionalidade comunicativa permite resguardar a unidade de princípios

universais com a particularidade das diferentes situações contingentes com as

quais a educação se confronta cotidianamente, possibilitando construir a

identidade de sujeitos racionais: sujeitos que pensam e agem em contextos

concretos, sujeitos racionalmente competentes. A obtenção da legitimidade

dessa tarefa, como não é mais assegurada pela tradição, dá-se no âmbito do

discurso prático. A formulação dos valores e objetivos orientadores da

identidade e formação de sujeitos se faz pelo processo argumentativo. A

educação deve, assim, ativar as estruturas comunicativas e produzir “um novo

consenso sobre valores” que “não pode ser alcançado sem que a vontade se

forme sobre uma ampla base e passando pelo filtro dos argumentos”

(Habermas, 1983, p.l02).

A partir dos atos de fala, Habermas elabora uma teoria da racionalidade

que é universal e normativa. Ou seja, a razão é ética. E a educação deve

perguntar seriamente pelo modelo de racionalidade que direciona suas ações,

uma vez que, como sabemos, a modernidade elegeu um tipo de racionalidade

que não contempla o contingente, o histórico, o humano. Coloca-se, então, a

exigência de mobilizar estruturas de racionalidade capazes de produzir, na

educação, compromissos éticos.

Em muitos momentos, a educação escolar seleciona, à luz das tradições

culturais e das necessidades sociais, conhecimentos, estratégias e ações que

107

correm no campo da racionalidade de fins. Mas há ações que se dão no âmbito

da ética e isso não se faz com a racionalidade instrumental. Pelo contrário, a

educação é um lugar onde pode ser feita a crítica dos padrões considerados

científicos, que subjazem às orientações curriculares, às orientações legais e

burocráticas e, sobretudo, às ações pedagógicas, para constantemente submetê-

las ao nível argumentativo e de validação de seus conteúdos.

Esse novo conceito permite que a educação não só reconheça as formas

repressivas que atuam no fazer pedagógico, gerando efeitos coisificantes numa

prática tutelada pela racionalidade instrumental, como também compreenda

que a ação pedagógica, orientada pela racionalidade comunicativa, pode

superar os reducionismos e extrair os conteúdos éticos pela mediação da

interação e do entendimento. Ao mesmo tempo em que a educação escolar está

sujeita à normatividade do sistema, também deita raízes no mundo da vida,

como uma das formas de continuidade das tradições culturais (no âmbito da

cultura, sociedade e personalidade), onde se expressam as necessidades e

desejos dos indivíduos e de um povo. Fecundar o campo da educação com

conceitos como racionalidade comunicativa e mundo da vida, sabendo-a

igualmente conflituada com as coações sistêmicas, possibilita àqueles que

educam tomar consciência de seus recursos e mobilizá-los intensamente para

produzir uma educação sem ingenuidades ou voluntarismos, mas capaz de

tornar os sujeitos mais esclarecidos e emancipados e produzir uma prática

instauradora da identidade e de diferenças.

É essa a razão que deve estar presente na educação: aquela que não

submete as peculiaridades, os afetos, os sentimentos, as diferenças, mas que une

em torno de uma possibilidade universal de produzir acordos morais, resultantes de

questionamentos, justificativas e fundamentação racional de normas. Assim é

possível, pela racionalidade e ação comunicativa, formar sujeitos racionais com

consciência moral, sem comprometer a autonomia dos diversos pontos de vista,

mas universalizando os princípios de justiça e verdade.

A educação escolar institucionalizada é uma exigência da razão moderna e

constitui-se em um espaço de amadurecimento, desenvolvimento e socialização do

sujeito racional na busca da identidade de si e do mundo social. Essa exigência não

se enquadra nos moldes de racionalidade, presentes em algumas teorias pós-

modernas, que propõem o “vale tudo” (“anything goes”), pois elas tornariam

improvável a educação, que é essencialmente normativa. A queda do fundamento

normativo é refutada pela possibilidade de uma razão comunicativa que enuncia

condições de autoconstituição do sujeito em interação. Portanto, o sujeito da

educação não é mais o sujeito transcendental, mas o sujeito que se constitui na

intersubjetividade. O discurso prático é a última instância para justificar as ações

108

pedagógicas. A razão comunicativa presente na possibilidade do discurso prático

tem pressuposta a autonomia do sujeito.

109

BIBLIOGRAFIA

ADICK, Christel. La escuela en el sistema mundial moderno: un intento de

desmitologización de la idea de la escuela como herencia colonial. Educación,

Colección semestral de aportaciones alemanas recientes en las ciencias

pedagógicas, Tübingen, v.40, p.70-87, 1989.

__. Die Universalisierung der moderne Schule. Paderborn, München, Wien, Zürich:

Schöningh, 1992.

ADORNO, Theodor. Dialectica negativa. Madrid: Taurus, 1975.

__. Teoria de semicultura. UFSCar. Texto datilografado.

__. HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar,

1985, c1944.

ANDREOLLI, Miguel. Los limites de la etica del discurso. Seminário Ética e Política.

Porto Alegre: Goethe Institut, 1992. (texto digitado).

ARISTÓTELES. Metafisica. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os pensadores, 4)

__. Obras completas. Buenos Aires: Anaconda, 1947. v.2: De anima.

AZUA, Janer Bengoa Ruiz de. De Heidegger a Habermas. Barcelona: Heider, 1992.

BACON, Francis. Novun organum. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os pensadores, 13)

BAUDRILLARD, Jean. A sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o

surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BECKER, Fernando. Da ação à operação; o caminho da aprendizagem em J. Piaget e

P. Freire. Porto Alegre: EST, Palmarinca, Educação e Realidade, 1993.

__. Ensino e construção do conhecimento o processo de abstração reflexionante.

Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 18, n.1, p.43-52, jan./jun. 1993.

BENNER, Dietrich. Erziehungswissenschaft zwischen Modernisierung und

Modernitätskrise. Zeitschrift für Pädagogik, 29. Beiheft. Weinheim und Basel:

Beltz Verlang, 1992. p.31-44.

BOMBASSARO, Luiz Carlos. As fronteiras da epistemologia. Petrópolis: Vozes, 1992.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974.

__. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. Educação em

Revista, Belo Horizonte, n.10, p.3-l5, 1989.

__.Estruturas sociais e estruturas mentais. Teoria & Educação, Porto Alegre, n.3,

p.113-19, 1991.

__; PASSERON, J.C. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.

BREINBAUER, Ines B. ¿Qué significa e con que objeto se estudia pedagogía general?

Educación, Colección semestral de aportaciones alemanas recientes en las ciencias

pedagógicas, Tübingen, v.44, p.98-111, 1991.

BRUMLIK, Micha. Jürgen Habermas und die Kulturkritische Linke. In: Parabel:

Vernunft der Moderne? Zu Habermas’ Theorie des Kommunikativen Handelns.

Münster: Liberacción, 1986. p.15-23.

__. Zum Verhältnis von Pädagogik und Ethik. In: Advokatorische Ethik. Bielefeld:

Bollert, KT Verlang, 1992.

CABANAS, José María Quintana. Teoría de la educación. Madrid: Dykinson, 1988.

110

CARR, Wilfred e KEMMIS, Stephens. Teoría crítica de la enseñanza. Barcelona:

Martínez Roca, 1988.

CASSIRER. Filosofia de la ilustración, México: Fondo de Cultura Económica, 1943.

DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os

pensadores, 15)

DIAS, Maria Clara. Ética do discurso: uma tentativa de fundamentação dos direitos

básicos. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, v.22, n.68, p.85-98, 1995.

EKPENYONG, Lawrence. Studying adult learning through the history of knowledge.

International Journal of Lifelong Education, v.9, n.3, p.161-77, jul./sep. 1990.

ENGUITA, Mariano. Reprodução, contradição, estrutura social e atividade humana na

educação. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 1, p.108-33, 1990.

FREITAG, Bárbara. Itinerários de Antígona, a questão da moralidade. Campinas:

Papirus, 1992.

__. Piaget e a filosofia. São Paulo: UNESP, 1991.

__. Piaget; encontros e desencontros. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.

__. Sociedade e consciência: um estudo piagetiano na favela e na escola. São Paulo:

Cortez/Autores Associados, 1984.

__. A teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1986.

__; ROUANET. Sérgio Paulo (Org.). Habermas. 2.ed. São Paulo: Ática, 1990.

FULLAT, Octavi. Filosofias de la educación: Paideia. Barcelona: CEAC, 1992.

GADAMER, Hans-Georg. A razão na época da ciência. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1983.

__. Verdad y método. Salamanca: Suígueme, 1977, c 1960.

GADOTTI. Moacir. Pensamento pedagógico brasileiro. São Paulo: Ática, 1987.

GIANNOTTI. José Arthur. Habermas: mão e contramão. In: RODHEN, Valério (Org.).

Racionalidade e ação. Porto Alegre: UFRGS, Instituto Göethe, 1992. p.60-76.

GIESEN, Bernhard. Die Postmoderne als Herausforderung der gesellschaftstheorie.

Heidelberg: Heidelberger Verl,-Anst., 1991. (Studium generale: wohin treibt der

Moderne?) p.23-36.

GINZO, Arsênio. Hegel y el problema de la educación. In: HEGEL, G.W,F. Escritos

pedagógicos. Madrid: Fondo de Cultura Económica. 1991.

GIROUX, Henry. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez/Autores

Associados. 1983.

GUIDDENS, A., HABERMAS, J., JAY, M., McCARTHY, T., RORTY, R., WELLMER,

A., WHITEBOOK, J. Habermas y la modernidad. Madrid: Cátedra, 1994.

HABERMAS, Jürgen. Ciencia y técnica como ideología. Madrid: Tecnos, 1984, c 1968.

__. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

1989, c 1983.

__. A crise de legitimação do capitalismo tardio. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.

__. Dialética e hermenêutica. Porto Alegre: L&PM, 1987.

__. Die Neue Unübersichtlichkeit. Frankturt am Main: Suhrkamp, 1985.

__. Escritos sobre moralidad y eticidad. Buenos Aires: Paidós, 1991.

__. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990a, c1985.

__. Ensaios políticos. Barcelona: Península, 1988.

111

__. Faktizität und Geltung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993b.

__. A idéia de universidade: processos de aprendizagem. Revista de Educação, Lisboa,

v.1, n.2, 1987.

__. Modernidade: projeto inacabado. In: ARANTES, Otília B. Fiori e ARANTES,

Paulo Eduardo. Um ponto cego no projeto moderno de Jürgen Habermas. São

Paulo: Brasiliense, 1992, c1981.

__. Mudança estrutral da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

__. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Brasiliense, 1983.

__. Passado como futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993a, c1990.

__. Pensamento pós-metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990b, c1988.

__. Soberania popular como procedimento. Novos Estudos, São Paulo, n,26, p.100-113,

mar. 1990c.

__. Teoría de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987, c198l. v.1: Racionalidad

de la acción y racionalización social.

__. Teoría de la acción comunicativa, Madrid: Taurus, 1987, cl981. v.2: Crítica de la

razón funcionalista.

__. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid:

Cátedra, 1989.

HEGEL, Georg W.F. A fenomenologia do espírito. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

(Os pensadores, 30)

HEITGER, Marian, Sobre la necesidad y posibilidad de una pedagogía sistematica.

Educación, Colección semestral de aportaciones alemanas recientes en las ciencias

pedagógicas, Tübingen, v.42, p.7-2I, 1991.

HELSPER, Werner. Schule in den Antinomien der Moderne. In: KRÜGER, H.H,

(Hrsg.). Abschied von der Aufklärung. Opladen: Leske, Budrich, 1990. p.175-93.

HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Labor, 1976.

__. Teoria tradicional e teoria crítica. São Paulo: Abril Cultural, 1975, c 1937. (Os

pensadores, 48)

JAY, Martin. La imaginación dialectica. Madrid: Taurus, 1974.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989.

__. Pedagogia. Madrid: Akal, 1983.

__. A religião dentro dos limites da simples razão. São Paulo: Abril Cultural, 1974a.

(Os pensadores, 25)

__. Resposta à pergunta que é esclarecimento. In: Textos seletos. Petrópolis: Vozes, 1974b.

KESSERLING, Thomas. Os quatro níveis de conhecimento em Jean Piaget. Educação

& Realidade, Porto Alegre, v, 15, n.1, p.3-21, jan./jun. 1990.

KLAFKI, Wolfgang. Abschied von der Autldärung? Grundzüge eines

bildungstheoretischen Gegenentwurfs. In: KRUGER, H.H, (Hrsg.). Abschied von

der Aufklürung. Opladen: Leske, Budrich, 1990. p.91-104.

__. ¿Pueden contribuir las ciencias de la educación a la fundamentación de objetivos

pedagógicos? Educación, Colección semestral de aportaciones alemanas recientes

en las ciencias pedagógicas, Tübingen, v.45, p.39-51, 1992.

KOLBE, Fritz-Ulrich; LENHART, Volker (Hg). Bildung und Aufklärung Heute.

Bielefeld: Böllert, KT Verl., 1993.

112

KUPFFER, Heinrich. Pädagogik der Posmoderne. Weinheim: Basel, Beltz, 1990.

LASSAHN, Rudolf. Sobre la olvidada naturaleza del hombre. Educación, Colección

semestral de aportaciones alemanas recientes en las ciencias pedagógicas,

Tübingen, v,43, p.7-23, 1991.

LENHARDT, Gero. Schule und bürokratische Rationalität. Frankfurt a.M.:

Suhrkamp, 1984.

LENHART, Volker, Bildung fur alle: zur bildungkrise in der Dritten Welt, Darmstadt:

Wiss. Buchges, 1993.

__. Die Evolution erzieherischen Handelns. Frankfurt a.M., Bern, New York, Paris:

Verlang Peter Lang, 1987.

__. Evolutionstheoretisch orienterte Pädagogik. In: PETERSEN, Jörg; REINERT,

Gerd-Bod (Hrsg). Pädagogische Konzeptionen. Ludwig Auer GmbH.,

Donauwörth, 1992, p. 146-58.

__. La formación general y especializada en Max Weber. Educación, Colección

semestral de aportaciones alemanas recientes en las ciencias pedagógicas,

Tübingen, v.36, p.66-80, 1987.

__; EGGERS, Philipp. La orientación de la pedagogía por las ciencias sociales.

Educación. Colección semestral de aportaciones alemanas recientes en las ciencias

pedagógicas. Tübingen, v.44, p.85-97, 1991.

LENZEN, Dicter. Reflexive Erziehungswissenschaft am Ausgang des postmodern

Jahrzehnts. Zeitschrift für Pädagogik. 29. Beiheft. Weinheim und Basel: Beltz

Verlang, 1992. p.75-91.

LOPARIC, Zeljko. Habermas e o terror prático. Manuscrito, Revista internacional de

filosofia, v.13, n.2, p.111-16, out. 1990.

LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio,

1988, c1979.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros escolhidos. São Paulo: Abril

Cultural. 1974. (Os pensadores, 35)

ENGELS, F. A ideologia alemã. 6,ed, São Paulo: Hucitec, 1987.

MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna, São Paulo:

Cortez/Autores Associados, 1991.

MASSCHELEIN, Jan. Kommunikatives Handeln und pädagogisches Handeln.

Weinheim: Deutscher Studien Verlang, Leuven Univ. Press, 1991.

McCARTHY, Thomas. La teoría crítica de Jürgen Habermas. Madrid: Tecnos, 1978.

__. Kantian construtivism and reconstructivism: Rawls and Habermas in dialogue.

Ethics, University of Chicago, v,105, n.l, oct. 1994.

MEYER-DRAWE, Käte. ―Projekt der Moderne‖ oder Antihumanismus: reflexionen

zur einer falsh gestellten Alternative. Zeiischrft für Pädagogik. 29. Beiheft.

Weinheim und Basel: Beltz Verlang, p.93-103, 1992.

NIESER, Bruno, Aufklärung und Bildung. Weinheim: Deutscher Studien Verlang, 1992.

NIETHAMMER, Lutz. Posthistoire; zur Wiederkehr der Diagnose, dass die

Geschichte zu Ende sei. Heidelberg: Heidelberger Verl.-Anst., p.9-22, 1991.

(Studium Generale: Wohin treibt die Moderne?)

113

NIETZSCHE, Friednch. Humano demasiado humano. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

(Os pensadores, 32)

__. Sujeito e perspectivismo: seleção de textos de Nietzsche sobre teoria do

conhecimento. Lisboa: Dom Quixote, 1989.

OELKERS, Jürgen. ¿El fin de la educación socialista? Apreciaciones sobre la relación entre

utopia y realidad en la pedagogia. Educación, Colección semestral de aportaciones

alemanas recientes en las ciencias pedagógicas, Tübingen, v.47, p.42-61, 1993.

__. System, Subjekt und Erziehung. In: DEARS/TENORTH, H. (Hrsg.). Pädagogik,

Erziehungswissenschafts. Weinheim, Basel: Beltz, 1987. p. 175-201.

__. Theorie der Erziehung. Zeitschrft zur Pädagogik. 37. Jahregang. Weinheim und

Basel: Beltz Verlang, p.13-18, 1991.

__; LEHMANN, Thomas. Antipädagogik: Herausforderung und Kritik. 2. Aufl.

Weinheim, Basel: Beltz, 1990, p.153-68.

PALMER, Richard. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1989.

PEREIRA, Gilson Ricardo de Medeiros. Educação e racionalidade; elementos para

uma fundamentação objetiva do processo educativo. Florianópolis: Centro de

Ciências da Educação, UFSC, 1992. Dissertação (Mestrado em Educação).

PESSANHA, José Américo. Filosofia e modernidade; racionalidade, imaginação e

ética. Cadernos ANPED, n.4, p.7-36, set. 1993.

PETERSEN, Jörg; REINERT, Gerd-Bodo (Hrsg.). Pädagogische Konzeptionen.

Ludwig Auer GmbH., Donauwörth, 1992.

PIAGET, Jean. Aprendizagem e conhecimento. In: PIAGET, Jean e GRÉCO, Pierre.

Aprendizagem e conhecimento. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974.p.33-91.

__. A epistemologia genética. Petrópolis: Vozes, 1971.

__. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

__. A linguagem e o pensamento da criança. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1973.

__. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

__. Problemas de epistemologia genética. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Os

pensadores, 51)

__ et al. Pesquisa sobre abstração reflexionante. Porto Alegre: UFRGS. Texto

digitado, c 1977.

PIZZI. Jovino. Ética do discurso: a racionalidade ético-comunicativa. Porto Alegre:

EDIPUCRS, 1994.

POLLOCK, Della: COX, Robert. Historicizing ―reason‖: Critical Theory, practice and

posmodernity. Communication Monographs, v.58, p. 170-78, june 1991.

PONGRATZ, Ludwig. Pädagogik im Prozess der Moderne: studien zur Sozial und

Theoriegeschichte der Schule. Weinheim: Deutscher Studien Verlang, 1989.

PRESTES, Nadja Hermann. Abordagem sociológica do sujeito epistêmico. Educação e

Realidade, Porto Alegre. v.18, n.2. p 11-19, jul./dez. 1993.

__. A educação, a razão e a autonomia. Educação e Filosofia, Uberlândia, v.7, n,13,

p.61-70,jan./jun. 1993.

__. Pensamento e linguagem: estudo na perspectiva epistemológica e hermenêutica.

Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 19, n. 1, p.99- 106, jan./jun. 1994.

114

__. O sujeito, a modernidade e a educação. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.17,

n.2, p.3-9, jul./dez. 1992.

RAMOZZI-CHIAROTTINO, Zélia. Em busca do sentido da obra de Jean Piaget. São

Paulo: Atica, 1984.

RANG, Adalberi. Themen der Moderne-Themen der Pädagogik? In: HOFMANN,

Dietrich; LANGEWAND, Alfred; NIEMEYER, Christian (Hrsg.).

Begründungsformen der Pädagogik in der Moderne. Weinheim: Deutscher

Studien Verlang, 1992. p.35-53.

REVISTA TEMPO BRASILEIRO. Jürgen Habermas: 60 anos. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, v.98, set. 1989. 180p.

RICOEUR. Paul. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

RODERICK, Rick. Habermas und das problem der Rationalität. Hamburg:

Argument, 1989.

ROHDEN, Valério (Coord.). Racionalidade e ação. Porto Alegre: Ed. da

Universidade/UFRGS, Instituto Göethe, 1992.

RÖHRS, Hermann. Aligemeine Erziehugswissenschaft. 3. Aufl. Weinheim: Deutscher

Studien Verlang, 1993.

ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-estar da modernidade. São Paulo: Companhia das

Letras, 1993.

__. Ética iluminista e ética discursiva. Jürgen Habermas: 60 anos. Rio de Janeiro:

Revista Tempo Brasileiro, 1989. p.23-78.

__. A razão cativa. São Paulo: Brasiliense, 1985.

__. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. São Paulo: Difel, 1968.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez/ Autores Associados, 1983.

SCHÄFER, Alfred. Die Kritik der Erfahrung als Kritik des Subjekts. In: MAROTZKI,

Winfred; SUNKER, Heinz. Kritische Erziehungswissenschaft-Moderne-

Posmoderne. Weinheim: Deutscher Studien Verlang, 1992. p.21 8-46.

__. Erziehung - Ende einer Illusion? In: HOFMANN, Dietrich; LANGEWAND,

Alfred; NIEMEYER, Christian (Hrsg.). Begründungsformen der Pädagogik in der

Moderne. Weinheim: Deutscher Studien Verlang, 1992. p.303- 12.

__. Zur Kritik Pädagogisches Wirklichkeits.entewürfe; Modlichkeiten and Grenzen

Pädagogisches Rationalitätanspruche. Weinheim: Deutscher Studien Verlang, 1987.

SCHMIED-KOWARZIK, Wolfdietrich. Pedagogia dialética, São Paulo: Brasiliense, 1983.

SCHNÄDELBACH, Herbert. Filosofia en Alemania, 1831-1933. Madrid: Catedra, 1991.

__. Zur Rehabilitierung des animal rationale. Frankfurt am Main: Suhrkamp

Taschenbuch Verlang, 1992.

SCHORR, Karl. Konstitutive Paradoxien. In: ZEDLER, Peter; KÖNIG. Eckard

(Hrsg.). Rekonstruktionen pädagogischer Wissenschaftsgeschichte. Weinheim:

Deutscher Studien Verlang, 1989. p.415-22.

SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas; razão comunicativa e

emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

__. Teoria hermenêutica macroscópica de Jürgen Habermas. Revista Filosófica

Brasileira, Rio de Janeiro, n. 1, p.24-48, jul. 1988.

115

SIERRE, José Antonio Jordan. Teoría de la educación versus filosofía de la educación;

perspectivas actuales. In: Symposium Internacional de la Filosofia de Educación,

v.2. Universidad Autónoma de Barcelona, Comunicaciones, 1989. p.349-61.

STEIN, Ernildo. Crítica da ideologia e racionalidade. Porto Alegre: Movimento, 1986.

__. Epistemologia e crítica da modernidade. Ijuí: Unijuí, 1991.

__. Órfãos da utopia; a melancolia da esquerda. Porto Alegre: UFRGS, 1993.

__. Racionalidade e existência. Porto Alegre: L&PM, 1988.

__; BONI, Luís A. (Org.). Dialética e liberdade: Festschrift em homenagem a Carlos

Roberto Cirne Lima. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: UFRGS, 1993.

STROBEL-EISELE, Gabriele. Schule und sozial Evolution: system und

evolutionstheoretische Untersuchungen zur Entstehung und Entwicklung der

Schule. Weinheim: Deutscher Studien Verlang, 1992. p.230-41.

STROSS, Anette. Ich-ldentität-eine pädagogische Fiktion der Moderne? In:

HOFMANN, Dietrich; LANGEWAND, Alfred; NIEMEYER, Christian (Hrsg.).

Begründungsformen der Pädagogik in der Moderne. Weinheim: Deutscher

Studien Verlang, 1992. p.261-76.

SÜCHTZ, Egon. Humanismuskritik und Modemitätskrise. Zeitschrift zur Pädagogik.

29. Beiheft. Weinheim und Basel: Beltz Verlang, p.141-49, 1992.

TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994.

TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre ética. Texto traduzido para uso no Pós- Graduação

em Filosofia/UFRGS, 1993. (Texto digitado).

TURCKE, Christoph. Nietzsche e a mania da razão. Petrópolis: Vozes, 1993. et al.

Unkritische Theorie: Gegen Habermas. Luneburg: zu Kampen, 1989.

UHLE, Reinard. Bildung in Moderne-Theorien. Weiheim: Deutscher Studien

Verlang, 1993.

__. Verstehen und Pädagogik; cine historische-systematische Studie über die

Begründung von Bildung und Erziehung durch den Gedanken des Verstehens.

Weinheim: Deutscher Studien Verlang, 1989. p.201-16.

WELLMER, Albrecht. Endspiele: die unversöhnliche Moderne. Frankfurt am Main:

Suhrkamp, 1993.

__. Ética y diálogo, elemento do juízo moral en Kant y en la ética del discurso.

Barcelona: Anthropos, Universidad Autónoma Metropolitana. 1994.

__. Zur Dialektik von Moderne und Posmoderne. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1985.

WINKLER, Michael. Erziehung im System der Barbareivermeidung. In: MAROTZKI,

Winfried; SÜNKER, Heinz (Hrsgj.) Kritische Erziehungswissenschaft-Moderne-

Posmoderne. Weinheim: Deutscher Studien Verlang, 1992.p. 153-91.

__. Erziehungswissenschaft vor dem Hintergrund des Verfalls der Zeit: eine

Intervention, nicht frei von Polemik. In: KRÜGER, H.H. (Hrsg.). Abschied von der

Aufklärung. Opladen: Leske, Budrich, 1990. p.225-40.

116

Coleção FILOSOFIA da EDIPUCRS:

1- ZILLES, Urbano

Fé e razão no pensamento medieval

2- STREFLING, Sérgio R.

O argumento ontológico de S. Anselmo

3- SOUZA, Draiton O.

O ateísmo antropológico de Ludwig Feuerbach

4- WOLLMANN, Sérgio

O conceito de liberdade no Leviatã de Hobbes

5- PAVIANI, Jayme

Escrita e linguagem em Platão

6- CIRNE-LIMA, Carlos R. V.

Sobre a contradição

7- BIRCK, Bruno Odélio

O sagrado em Rudolf Otto

8- OLIVEIRA, Manfredo Araújo de

Sobre a fundamentação

9- PEREIRA, Julio Cesar R.

Epistemologia e Liberalismo

10- DE BONI, Luis A.

Bibliografia sobre filosofia medieval

11- ZILLES, Urbano

O racional e o místico em Wittgenstein

12- ZITKOSKI, Jaime José

O método fenomenológico de Husserl

13- OLIVA, Alberto

Conhecimento e liberdade

14- CALDAS, Sérgio

A teoria da história em Ortega y Gasser a partir da razão histórica

117

15- PIZZI, Jovino

Ética do Discurso: a racionalidade ético-comunicativa

16- FLICKINGER, Hans-Georg / Wolfgang Neuser

A teoria de auto-organização: as raízes da interpretação construtivista do

conhecimento

17- MEISTER, José A. F.

Amor x Conhecimento. Inter-relação ético-conceitual em Max Scheler

18- RABUSKE, Edvino A.

Filosofia da Linguagem e Religião

19- SILVA, Ursula Rosa da

A Linguagem muda e o Pensamento falante: sobre a Filosofia da Linguagem em

Maurice Merleau-Ponty

20- PELIZZOLI, Marcelo Luiz

A relação ao outro em Husserl e Levinas

21-. ZILLES, Urbano

Teoria do Conhecimento

22 - SARDI, Sérgio Augusto

“Diálogo” e Dialética em Platão

23 - DE BONI, Luis A.

Lógica e Linguagem na Idade Média

24 - PAIM, Antonio

Problemática do Culturalismo

25 - LUFT, Eduardo

Para uma crítica interna ao sistema de Hegel

26 - TIBURI, Marcia

Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor W. Adorno

27- GRINGS, Dom Dadeus

O homem diante do universo

28- NEUSER, Wolfgang

A infinitude do mundo

118

29- RIBEIRO, Eduardo Ely Mendes

Individualismo e verdade em Descartes

30- BOMBASSARO, Luiz Carlos

Ciência e mudança conceitual

31 - ZILLES, Urbano

Gabriel Marcel e o existencialismo

32- VÁRIOS

Fundamentalismo

33 - SOUZA, José Antonio de C. R. de

O Reino e o sacerdócio

34- PEREIRA, Júlio César R.

Popper. As aventuras da racionalidade

35 - ULLMANN, Reinholdo Aloysio

Epicuro – o filósofo da alegria

36- PRESTES, Nadja Hermann

Educação e racionalidade: conexões e possibilidades de uma razão comunicativa

na escola

119