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Ierecê Barbosa, Augusto Fachín Terán, Amarildo Menezes Gonzaga, Saulo C. Seiffert Santos (Organizadores) Educação em Ciências na Amazônia: múltiplos olhares UEA Edições Manaus – AM 2011

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Ierecê Barbosa, Augusto Fachín Terán, Amarildo Menezes Gonzaga, Saulo C. Seiffert Santos

(Organizadores)

Educação em Ciências na Amazônia: múltiplos olhares

UEAEdições

Manaus – AM2011

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONASReitor

JOSÉ ALDEMIR DE OLIVEIRA

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PROPESPMARIA DAS GRAÇAS VALE BARBOSA

ESCOLA NORMAL SUPERIORDireção

NEYLANNE ARACELLI DE ALMEIDA PIMENTA

Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia

CoordenadorAUGUSTO FACHÍN TERÁN

Curso de Mestrado em Educação em Ciência na Amazônia

CoordenadorAMARILDO MENEZES GONZAGA

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Conselho Editorial

Dra. Ierecê BarbosaDr. Amarildo Menezes GonzagaDr. Augusto Fachín TeránDr. Marcos Frederico KrugerDr. Manuel do Carmo da S. CamposDra. Maria Auxiliadora de Souza RuizDra. Patrícia Sanchez LizardiDra. Ana Frazão Teixeira

Capa e Diagramação:Francisco Ricardo Lopes de Araújo

Catalogação na Fonte

E25

Educação em Ciências na Amazônia: múltiplos olhares / Barbosa, Ierecê [et al.] – Manaus: UEA/Escola Normal Superior/PPGEECA, 2011. 341p.; 21cm. ISBN: 978 - 85 -7883 -142 -4 Ao alto do título: Ierecê Barbosa, Augusto Fachín Terán, Amarildo Menezes Gonzaga, Saulo Cézar Seiffert Santos (Organizadores). l. Pesquisa. 2. Educação. 3.Ensino de Ciências. 4. Educação em Ciên-cias I. Título II. Barbosa, Ierecê III. Terán, Augusto Fachín IV. Gonzaga, Amarildo Menezes V. Santos, Saulo Cezar Seiffert.

CDU 372.85 (811) CDD 372

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Sumário

Apresentação.............................................................................09

1- A Transposição Didática e a Formação Inicial de Professores para o Ensino de BiologiaKarla dos Santos Guterres Alves; Augusto Fachín Téran; Maria Clara Forsberg ..................................................................................11

2 - Palavra, Linguagem e Aprendizagem: Os Pressupostos de Luria e suas Implicações para o Ensino de Ciências Eliana Santos Sampaio; Evandro Ghedin; Ierecê Barbosa..................25

3- Culturas Infantis Sateré-Mawé e os Saberes Científicos da Escola: Uma Prática de ExclusãoRoberto Sanches Mubarac Sobrinho................................ . ............59

4- A Teoria de Skinner: Contribuições para o Ensino de CiênciasIerecê Barbosa; Eliana S. Sampaio; Rutênio Araújo; Leonardo Bruno B. Monteiro..................................................................................77

5- A Pesquisa Científica no Ensino de Ciências Karla dos Santos Guterres Alves; Valnira Pereira; Celito Nuernberg; Amarildo Menezes Gonzaga........................................................89

6- A Multiplicidade Cultural no Ensino e Aprendizagem da Inteligência Lógico-Matemática: O Pensar de Uma Pedagogia no Contexto das Teorias Pós-PiagetianasLuis Sergio Castro de Almeida....................................................107

7- A Epistemologia de Karl Popper e o Ensino de CiênciasDayse Peixoto Maia; Evandro Ghedin; Ierecê Barbosa ...................121

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8 – Os Processos Cognitivos da Criança, a Formação de Conceitos e Ensino de CiênciasMaria do Livramento Galvão; Patrícia Lizardi;Augusto FachínTerán................................................................139

9- Investigando a Concepção de Formação do Professor-Pesquisa-dor em um Programa de Mestrado ProfissionalMaria Trindade dos Santos Tavares; Mônica de Oliveira Costa; Luis Carlos Lemos; Amarildo Menezes Gonzaga.............................................151

10- A Terminologia como Instrumento Mediador no Ensino de QuímicaDayse Peixoto Maia; Ierecê Barbosa; Ana Frazão Teixeira...............179

11- Leitura e Escrita: Uma Proposta Metodológica para o Processo de Aprendizagem dos Conceitos CientíficosEllís Regina Vasconcelos de Sousa; Augusto Fachín Terán.......... ....189

12 - Aprendizagem Significativa, Modelos Mentais e Analogias no con-texto Construtivista: uma aproximação possível para a Educação em CiênciasSaulo Cézar Seiffert Santos; Augusto Fachín Téran .....................203

13- Sobre a Perspectiva de Natureza Humana de Steven Pinker e suas Implicações para Formação de Professores de CiênciasIrailton Lima; Ierecê Barbosa ........................................... . .......222

14- Saberes Docentes e Transposição Didática nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental em Manaus Ana Paula Sá Menezes; Francisco Dionízio Carvalho da Silva; Márcio dos Santos Pessoa; Ierecê Barbosa .............................................243

15- A Didática das CiênciasAna Paula Sá Menezes; Francisco Dionízio Carvalho da Silva; Márcio dos Santos Pessoa; Ierecê Barbosa .............................................252

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16 - A Teoria da Psicanálise em Freud e suas implicações para o Ensino de CiênciasMaria de Fátima Fernandes Vieira; Ierecê Barbosa.........................274

17 – A Epistemologia da Biologia Tatyanna de Melo Afonso; Suleima Pantoja Tello; Ana Frazão Teixeira; Manoel do Carmo Campos........................................................284

18- A Teoria da Aprendizagem em Henri Wallon e suas Implicações para o Ensino de CiênciasMaria de Fátima Fernandes Vieira; Ierecê Barbosa ........................294

19 - Construtivismo e Ensino de CiênciasCíntia Emanuelly de Oliveira Ramos; Rosa Oliveira Marins Azevedo.....................................................305

20- Ensino da Matemática na Educação IndígenaRuth Ferreira Segundo; Ierecê Barbosa........................................317

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Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares 9

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Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares 9

Apresentação

Ao longo de nossa existência há encontros significativos que nos es-timulam a dar o melhor de nós naquele momento e nesses encontros con-struímos sempre algo de bom. Este livro é fruto desses encontros, em que vários atores sociais buscaram e ainda buscam num processo de educação continuada, o conhecimento atrelado a Educação em Ciências. São doutores, mestres, mestrandos, especialistas e graduandos que se debruçaram sobre seus objetos de estudo, tentando comprendê-los e nessa tentativa, e seus desdo-bramentos, produziram conhecimento. Tal produção só foi possível porque havia questionamentos, inquietações, dúvidas, sem as quais a existência de altenativas se tornaria improvável.

Em verdade, são múltiplos olhares e, como tal, a diversidade se faz presente, demarca território, contemplando significativa variedade de temas que podem auxiliar os leitores não só na busca de referência conceitual, mas também como operacionalizar o cotidiano como lócus para a Educação em Ciências.

Ressaltamos que a produção dos artigos não foi gestada em um único momento. Ela advém de diferentes fases e isso deve ser levado em conta. Há artigos que são frutos de Teses de Doutorado ou Dissertações de Mestrado já defendidas, outros de pesquisa em andamento; de aprofundamento bibli-ográfico e ainda aqueles que são frutos da Iniciação Científica ou de alunos graduandos que fazem parte dos grupos de pesquisas. Um leitor perceptivo observa isso sem precisar se remeter às notas de rodapé. Particularmente, consideramos isso salutar, pois promove a inclusão na esfera científica edito-rial, ampliando consideravemente os olhares focados e incentivando os jovens pesquisadores a caminhar no sentido de aprofundar cada vez mais em suas pesquisas sem se descuidarem da condição humana. Acreditamos que não podemos perder as conexões, as redes de contatos, as interfaces, a valorização e o respeito pelo estágio evolutivo do outro e apostamos nisso.

Nesta coletânea de artigos, o leitor encontrará olhares voltados para o Ensino de Ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Outros foram di-recionados para a Biologia, a Física, a Química e a Matemática, com foco mais específico ou multidisciplinar. As questões de cunho teórico epistemológico também foram abordadas, bem como as diversas aplicações direcionadas para o campo das Didáticas das Ciências.

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10 Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares 11

Um breve olhar pelo sumário confirmará que não se trata de textos fechados, encapsulados, muito pelo contrário, eles são oriundos do exercício acadêmico em articular, questionar, aproximar, criticar, compatibilizar, ressig-nificar e criar o novo sem a pretensão com a edificação da verdade absoluta.

Sabemos o quanto é essencial ampliar a divulgação da produção cientí-fica, pois conhecimento engavetado ou emprateileirado perde a sua função transformadora. Esse é um dos méritos desta obra, que preserva a memória acadêmica do Curso de Mestrado em Educação em Ciência na Amazônia, sal-vando-a da ameaça temporal. Os demais, o leitor deve descobrir por si mesmo, no exercício salutar de leitura crítica.

Manaus, Janeiro de 2011Os Organizadores

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1 A TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA E A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE BIOLOGIA

Karla dos Santos Guterres Alves 1 Augusto Fachín Téran 2

Maria Clara Forsberg 3

Resumo

Este estudo realizou uma pesquisa exploratória sobre a Transposição Didáti-ca feita por professores em formação inicial em Ciências Biológicas, visando contribuir para o aperfeiçoamento dos currículos dos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas na Amazônia. A pesquisa desenvolveu-se no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM), em Manaus, no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas e teve como público alvo acadêmicos do curso de licenciatura em Ciências Biológicas (3° período), no período letivo 2009/1. Através de uma abordagem qualitativa, coletaram-se os dados através de pesquisa de campo e bibliográfica, utilizando-se instru-mentos como análise documental e a observação. Os licenciandos demonstr-aram muita preocupação com os recursos didáticos e pouca habilidade na realização da Transposição Didática. A pesquisa pretende contribuir para a reflexão sobre os currículos dos cursos de formação de professores, visando estimular a auto-formação e a construção progressiva de habilidades e destre-zas para o exercício da docência.

Palavras-Chave: Transposição Didática. Formação de Professores de Biologia.

Introdução

Conforme diagnóstico de inúmeros estudos realizados até então,

1 Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas- UEA. E-mail: [email protected] 2 Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia - PPGEECA, na Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Ciências do Ambiente pela Indiana University - IU. Professora da PPGEECA - UEA. E-mail: [email protected]

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é consenso que, na formação inicial de professores para o Ensino de Ciências, em especial as Ciências Biológicas, o desenvolvimento de ha-bilidades essenciais a futura atuação profissional não tem ocorrido. Em sua maioria, os professores recém formados não conseguem adequar os conteúdos acadêmicos aprendidos na Universidade a realidade de seus alunos, refletindo a falta de sintonia entre instituições formadoras e escolas, bem como a desarticulação entre teoria e prática pedagógica.

A relação estabelecida pelos docentes em formação inicial com os conteúdos e as práticas curriculares para o ensino de Biologia de-senvolvido na Educação Básica tem promovido reflexões a respeito da formação de competências e saberes específicos para a docência, ou seja, para ensinar. A questão é: Que “saberes” e que “saber-fazer” deve servir de base ao professor de Ciências Biológicas?

Partindo-se deste questionamento inicial e abrangente, dire-cionou-se este estudo a aspectos específicos da formação, tendo como referencial teórico Yves Chevallard, didata francês que desenvolveu a teoria da transposição didática.

Chevallard (2005) pesquisou a transformação de um objeto de saber em objeto de ensino e será o eixo norteador que guiará nossa reflexão, relacionando à transposição didática a formação docente para o ensino de Biologia. A Transposição Didática

O termo Transposição Didática inicialmente foi proposto pelo so-ciólogo Michel Verret (1975) em estudo epistemológico sobre o saber escolar e suas necessidades para o ensino. Yves Chevallard (2005) siste-matiza e aprofunda os conceitos propostos por Verret (1975), desen-volvendo a teoria da Transposição Didática (LEITE, 2007).

Mas afinal, o que vem a ser Transposição Didática? Chevallard (2005, P.45) destaca que: “Um conteúdo do saber que tenha sido des-ignado como saber a ensinar, sofre [...] um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O “trabalho” que transforma um objeto de saber a ensinar em um objeto de ensino, é denominado de transposição didática.” O autor citado (2005, p.46) destaca ainda que esta transformação de um

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conteúdo do saber em uma versão didática desse objeto de saber pode ser melhor denominada de Transposição Didática Stricto Sensu. Porém, o estudo científico do processo de Transposição Didática deve consid-erar a Transposição Didática Lato Sensu, representada pelo esquema:

Objeto de saber objeto a ensinar objeto de ensino

Para Chevallard (2005, p. 48), “[...] a existência da transposição didática é explicada através de alguns de seus efeitos mais espetacu-lares (criações de objetos) e por meio de suas inadequadas disfunções (substituições ‘patológicas’ de objetos).” Ao realizar-se a transforma-ção do conhecimento científico em saber escolar este deixa ter, em sua essência, o que o caracteriza como objeto da ciência e nesta metamor-fose, o conhecimento original deixa de existir, tornando-se não algo novo, mas uma mutação do objeto original. Simplificações, deforma-ções e banalizações transformam este “objeto mutante” em algo tão diferenciado de sua constituição original que acaba sendo substituído por esta nova versão que, sem um processo de resgate de sua origem e história, se corporifica e passa a existir como representação do conhe-cimento, em um processo muitas vezes irreversível.

Essa transição ocorre dentro do sistema didático onde, segundo Chevallard (2005) gêneses, filiações e legitimidades mesclam-se e de-batem entre si em um jogo que envolve professores, alunos e saber.

Figura 1: Sistema DidáticoFonte: Adaptação de Chevallard (2005, p. 26).

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Ao estabelecer-se um contrato didático em torno de um saber que deverá ser objeto do processo de ensino-aprendizagem, os mem-bros do sistema didático articulam-se de forma que o que se ensina na sala de aula passa a ser completamente distinto do conhecimento que realmente deveria ser ensinado. Para Chevallard (2005), este é um seg-redo que a concepção de Transposição Didática põe em perigo.

O funcionamento desta estrutura é sustentado pelo Sistema de Ensino, formado por Sistemas Didáticos, Noosfera e Entorno. Através da sociedade, pais, acadêmicos, meios de regulação e demais instâncias políticas, o Sistema de Ensino garante sua organização e se manuten-ção, tendo na Noosfera a garantia do funcionamento didático.

Figura 2: Sistema de Ensino

Fonte: Adaptação de Chevallard (2005, p. 28).

É na Noosfera que surge o conflito entre Sistemas Didáticos e Entorno (sociedade laica). Mas o papel principal da Noosfera é decidir “o que ensinar”, o que omitir ou negar durante o processo de ensino, em uma articulação ideológica e autoritária com ares de autonomia. Neste processo, o conhecimento científico passa a não ser o referen-cial, em um contexto de conformismo e acomodação, onde o que está posto como verdade não é questionado, mas simplesmente perpetuado.

Considerando este contexto, Chevallard (2005) alerta para a importância do professor manter a Vigilância Epistemológica, ques-tionando o que parece óbvio, pondo em dúvida saberes cristalizados e repensando saberes repassados no currículo escolar. O auto-consumo do Sistema Didático faz com que não se pense sobre os conceitos repas-

ENTORNO

NOOSFERA

SISTEMAS DIDÁTICOS

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sados, produzindo-se materiais didáticos sem sentido, desarticulados das demais áreas do saber, com etapas desestruturadas e desvinculadas de sua trajetória sócio-histórica, constituindo-se “meta-textos” muito distantes dos conceitos científicos que lhe deram origem. Este proces-so, segundo Chevallard produz inquietações que se refletem em todas as esferas do Sistema de Ensino.

Os acadêmicos se inquietam com a falta de auten-ticidade do ensino em relação a outras formas contemporâneas de saber na qual se sentem re-sponsáveis naturais. Os pais se convencem da in-adequação do sistema de ensino e criticam, sem moderação, seu arcaísmo e sua falta de dinamismo. Os professores se sentem afetados pela falta de prestígio que os atinge e se irritam devido a esse duplo olhar de suspeita lançado pelas suas cos-tas que atenta contra a autonomia necessária do funcionamento didático e que lhes impedirá, mais tarde, de realizar seu trabalho. Para restabelecer a compatibilidade, se torna indispensável à instau-ração de uma corrente de saber proveniente do saber sábio. O saber ensinado tornou-se velho em relação a sociedade; um nova contribuição diminui a distância com o saber sábio, e dos especialistas e coloca a distância aos pais. Ali se encontra a origem do processo de transposição didática (CHE-VALLARD, 2005, p. 31) (grifos nossos).

O conhecimento envelhece não pela passagem natural do tempo, mas pela utilização inadequada de seus preceitos que levam a sua des-personalização. A falta de clareza a respeito das interconexões presen-tes em um conhecimento coloca em risco sua validade, pois ao parecer sem sentido, pode ser considerado ultrapassado e ser descartado em prol da funcionalidade didática.

Para que se possa dar conta das especificidades do conhecimento científico ao transformá-lo em conhecimento escolar é necessário con-siderar que, conforme destaca Chevallard (2005, p. 67) “[...] existe sa-

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16 Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares 17

beres ensináveis (e ensinados) e saberes não ensináveis, ou ao menos, não escolarizáveis.” Considerar este fato faz com que se justifique o constante dilema epistemológico e axiológico em que se envolvem os saberes no processo de Transposição Didática, pois a transformação do conhecimento científico não deve levar em consideração única e ex-clusivamente as questões que envolvem o ensino, mas também as que levem aos caminhos da aprendizagem.

A Transposição Didática nos Referenciais Legais para a Formação de Professores

Os currículos de cursos de formação de professores são construí-dos e guiados por referenciais teóricos e legais. A relação entre teoria e prática está presente nestes documentos, porém, muitas vezes, os cur-rículos são construídos de forma a referendar a dualidade entre conhe-cimento acadêmico-científico e a prática profissional, não articulando saberes e experiências.

Por currículo se entende, geralmente, tudo que é suposto de ser ensinado ou aprendido, segundo uma ordem determinada de programação e sob a responsabilidade de uma instituição de educação formal, nos limites de um ciclo de estudos. Por extensão, o termo me parece fazer referência ao conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos (saberes, competências, representações, tendên-cias, valores) transmitidos (de modo explícito ou implícito) nas práticas pedagógicas e nas situa-ções de escolarização, isto é, tudo aquilo a que poderíamos chamar de dimensão cognitiva e cul-tural da educação escolar. Forquin (2000, p. 48).

Ao elaborar o currículo de um curso de licenciatura deve-se considerar a quantidade, a seqüência e a profundidade que será dada a cada área do conhecimento a ser trabalhada. Tendo como critério a es-colha de saberes que depois poderão ser ensinados na futura atuação,

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Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares 17

sem com isso simplificar, esquematizar ou banalizar os conhecimentos científicos da área de formação, é uma estratégia que pode ser adotada com através da transposição didática.

São, assim, freqüentemente desconsideradas a dis-tinção e a necessária relação que existe entre o conhecimento do objeto de ensino, de um lado e, de outro, sua expressão escolar, também chamada de transposição didática. Sem a mediação da trans-posição didática, a aprendizagem e a aplicação de estratégias e procedimentos de ensino tornam-se abstratas, dissociando teoria e prática. (...) Nos cursos atuais de formação de professor, salvo raras exceções, ou se dá grande ênfase à transposição didática dos conteúdos, sem sua necessária am-pliação e solidificação – pedagogismo, ou se dá atenção quase que exclusiva a conhecimentos que o estudante deve aprender – conteudismo , sem considerar sua relevância e sua relação com os conteúdos que ele deverá ensinar nas diferen-tes etapas da educação básica (PARECER CNE/CP N.º:009/2001).

Nas considerações do Parecer CNE/CP N.º:009/2001 destaca-se ainda a importância do profissional mobilizar seu conhecimentos, transformando-os em situações de aprendizagem: ”Não basta a um pro-fissional ter conhecimentos sobre seu trabalho. É fundamental que saiba mobilizar esses conhecimentos, transformando-os em ação.”

Para que a transposição didática se efetive, é necessário instru-mentalizá-la através da utilização interdisciplinar e contextualizada dos conhecimentos, criando estratégias para o seu ensino. Porém, a escolha e a forma de abordagem dos conteúdos dos cursos de formação docente ainda não priorizam o conhecimento para o ensino, proporcio-nando um tratamento restrito a formação.

A identidade do professor deve ser modificada, transformando seu perfil e suas incumbências, através da mudança dos eixos princi-pais de sua formação. O aprender a ser professor deverá ser o objeto da

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18 Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares 19

formação, sendo o gerador de conhecimento.O princípio básico da docência a ser desvendado é como con-

seguir fazer com que os alunos aprendam. Para isso, é preciso de-senvolver a autonomia intelectual do futuro professor, pautando sua formação em situações de reflexão coletiva sobre o processo de ensino-aprendizagem.

Relação com o Saber e Ensino de Biologia

Na sua formação, o educador incorpora variados tipos de saberes que são reelaborados e adaptados à profissão, eliminando-se o que for abstrato demais ou não tenha relação direta com a realidade em que atua.

Para compreender melhor os saberes propostos por Chevallard é preciso tentar compreender as transformações que passam os saberes ao se tornarem instrumentos da atividade docente, desde que surgem como conhecimento científico até chegarem à sala de aula.

A relação com o saber envolve o “como” construir saber, ou, epistemologicamente, como aprender. Bernard Charlot (2005, p. 45) define esta relação como “[...] a relação com o mundo, com o outro e consigo mesmo de um sujeito confrontado com a necessidade de apre-nder.” O contexto escolar é o elemento articulador mais importante na implementação de estratégias que viabilizem a construção do saber docente e formar professores, principalmente para o ensino de ciên-cias, deve propiciar esta conexão direta com a prática pedagógica na realidade escolar.

A prática do curso de formação docente é o en-sino. Cada conteúdo que é aprendido pelo futuro professor em seu curso de formação profissional precisa estar permanentemente relacionado com o ensino desse mesmo conteúdo na educação básica.Tal fato implica um tipo de organização que pos-sibilite, em todas as disciplinas do curso de forma-ção, a transposição didática do conteúdo apren-dido pelo futuro professor e a contextualização do

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Educação em Ciências na Amazônia: Múltiplos Olhares 19

que está sendo aprendido na realidade da educa-ção básica (MELLO, 2004, p.79).

Tendo o ensino como norteador da formação, os saberes necessári-os para o exercício da docência científica também devem se alterar. Sur-gem novas perspectivas para o ensino de ciências que, conforme Carv-alho (2006, p.4) levam a uma “[...] nova postura na qual ensinar ciência incorpora a idéia de ensinar sobre a ciência, o desenvolvimento da metodologia de ensino sofreu bastante influência das reflexões sobre filosofia das ciências e os trabalhos que estudaram seu desenvolvi-mento histórico.” Além disso, a autora (2006) destaca ainda que na busca da compreensão da estrutura das concepções alternativas dos alunos, influenciadas pelos estudos de Piaget e a teoria construtivista, o professor passa a ter que compreender a lógica conceitual dos alunos.

A fim de instrumentalizar futuros docentes para o ensino de ciências com saberes realmente pertinentes a sua área de formação, novos conhecimentos devem unir-se aos clássicos, formando um corpo específico para a área científica. Tornam-se imprescindíveis, em um currículo para a formação docente, a abordagem de temas como: (a) Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs), (b) Ciência, Tecno-logia, Sociedade e Ambiente (CTSA), (c) atividades experimentais e laboratoriais (com uso de materiais convencionais ou alternativos), educação não-formal, ensino com pesquisa, história e filosofia das ciências, e outros, que possibilitem o redimensionamento da formação realizada até então. Estes saberes, em simbiose com os saberes especí-ficos da área de formação devem articular-se a prática, possibilitando o desenvolvimento de algumas competências pedagógicas básicas para o docente em formação, que, conforme Mello (2004, pág. 60), pode-riam traduzir-se em: “(a) capacidade de fazer recortes em sua área de especialidade conforme a relevância daquele conhecimento no mundo moderno; (b) dominar o conhecimento, articulando-o com outras áreas do saber; (c) ter referencial sobre como o aluno constrói conhecimento e dominar estratégias de ensino eficazes para organizar situações de aprendizagem.”

Quanto aos saberes para o ensino específico de Biologia, Krasil-

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chik (2005, p. 37) desta que os “Currículos, livros e professores pre-cisam partir das idéias comumente trazidas pelos estudantes à escola e usar questões e experimentos que gerem dúvidas e desejo de encon-trar explicações mais amplamente aplicáveis.” Esta competência que autora destaca entra em contradição com a proposta de Chevallard (2005), quando este afirma ser o conhecimento científico o gerador de conhecimentos. Caberá aos cursos de formação desenvolver em seus acadêmicos habilidades reflexivas, a fim de que possam valorizar o conhecimento científico, sem com isso menosprezar as concepções do senso comum trazidas pelos alunos.

A Biologia é a ciência da vida, em todas as suas esferas, sejam elas micro ou macroscópicas e seus conceitos, teorias e princípios de-vem abranger não somente aspectos biológicos, mas também as dimen-sões éticas, histórico-sociais e culturais de forma complexa e humana. Formar professores nesta perspectiva pressupõe a valorização do con-hecimento biológico em sua essência, tornando a Biologia realmente “viva” nas escolas.

Percurso Metodológico

Estudo exploratório direcionado sobre a formação de professores de Biologia e o processo de Transposição Didática, verificando como professores em formação inicial transformam conhecimento científico biológico em saber escolar.

Os dados foram obtidos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Amazonas (IFAM), no município de Manaus, no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas e teve como público alvo acadêmi-cos do curso de licenciatura em Ciências Biológicas, de uma turma do 3° período, do período de 2009/1. Apesar de estarem em uma fase intermediária em relação a duração total do curso, a escolha se deve ao fato de a matriz curricular do curso contemplar disciplinas e práti-cas de cunho científico e pedagógico desde o início do curso. Além disso, a atividade de pesquisa foi realizada em uma apresentação de micro-aula, coordenada por dois professores de áreas distintas, isto é, didática e embriologia, realizando uma atividade em parceria entre os

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conteúdos das disciplinas citadas. Observaram-se dois grupos distintos, com quatro alunos em cada um deles. As micro-aulas tiveram como temáticas: (a) Anfíbios, para 7° ano do Ensino Fundamental; (b) De-senvolvimento embrionário das aves, para o 3° ano do Ensino médio.

A abordagem metodológica dessa investigação teve como per-spectiva a abordagem qualitativa, considerando-se as inúmeras inter-relações que fazem parte do contexto escolar e que podem influenciar os resultados do estudo.

A intervenção do pesquisador foi mínima, a fim de não descar-acterizar o objeto de estudo. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a pesquisa de campo e bibliográfica, com instrumentos como análise documental (fotos, planejamentos, materiais didáticos, etc.) e a observação. Os dados coletados serão analisados com base nos pres-supostos da teoria da transposição didática.

Resultados

No grupo que desenvolveu sua aula sobre “Anfíbios”, percebeu-se muita preocupação com a produção de materiais áudios-visuais e recursos para o ensino, porém foram pouco explorados, restringindo-se a aula expositiva, onde os cartazes expostos eram o foco da exposição. Trouxeram um sapo e um aquário com girinos, recursos extremamente atraentes e que foram pouco explorados.

Figura 3: Cartazes sobre anfíbiosFonte: Karla dos Santos

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Figura 4: Demonstração de um sapo e girinos em aquárioFonte: Karla dos Santos

A forma como um saber é ensinado pode lhe fornecer força expli-cativa ou desgastá-lo, conforme a abordagem dada durante o processo de ensino (CHEVALLARD, 2005).

Em relação ao conhecimento científico ensinado, os licenciandos conseguiram realizar a Transposição Didática, adequando o conteúdo ao nível de ensino ao qual se destinava, porém expressavam-se sem en-tusiasmo, desestimulando o grupo para a aprendizagem dos conceitos.

Exploraram o lúdico para o ensino de Biologia com criatividade, realizando um jogo que denominaram de Batalha Anfimal, explorando o conhecimento transmitido as imagens. Neste momento o grupo par-ticipou com grade interesse, demonstrando que a atividade lúdica es-timula a aprendizagem.

Figura 5: Batalha AnfimalFonte: Karla dos Santos

O grupo que apresentou o tema “Desenvolvimento embrionário das aves” demonstrou domínio de conteúdo e boa exploração dos re-cursos tecnológicos, utilizando-se de slides no projetor multimídia e

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animações do conteúdo abordado. Não conseguiram realizar satisfa-toriamente a Transposição Didática, pois, apesar de ser importante a utilização da linguagem científica nas disciplinas da área biológica, pecaram pelo excesso de informações.

Considerações Finais

Mobilizar futuros professores de Biologia na realização da trans-posição didática durante todo o curso de formação possibilita a auto-formação e a construção progressiva habilidades e destrezas

próprias da docência e que só a prática é capaz de desenvolver. Além disso, a mudança de paradigmas para o ensino de ciências sobre a construção de saberes científicos e didáticos só será modificada se mudanças ocorrem a partir da formação. Não busca-se culpados para práticas ineficientes e sim alternativas para a formação docente que possa contribuir na melhoria da qualidade do ensino no país.

Para construir novos paradigmas curriculares e metodológicos para a formação de professores de Biologia, visando a qualidade do ensino e a democratização do acesso ao conhecimento científico, é necessário elevar a qualidade dos cursos de formação, tornando-os ca-pazes de formar professores capazes de tornar o conhecimento cientí-fico passível de ser aprendido, sem com isso perder a sua essência, rigorosidade e complexidade.

Figura 6: Quebra-cabeça

de ovo

Fonte: Karla dos Santos

Figura 7: Pinto Fonte: Karla dos Santos

Figura 8: Jogo sobre

desenvolvimento embrionário das aves.

Fonte: Karla dos Santos

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Referências

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2 PALAVRA, LINGUAGEM E APRENDIZAGEM: OS PRESSUPOSTOS DE LURIA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS

Eliana Santos Silva 1

Evandro Ghedin 2 Ierecê Barbosa 3

Resumo

Este artigo propõe abordar, de maneira descritiva questões relacionadas às vivências e os pressupostos teóricos de Alexander Romanovich Luria. Suas pesquisas se tornaram referências na área do desenvolvimento da linguagem, afasia e memória. Seus estudos se desenvolveram em plena revolução bol-chevista na ex-União Soviética, fato que impossibilitou o conhecimento de suas obras no ocidente na época. Amigo de Vygotsky, essa parceria durou décadas e proporcionou um avanço do modelo de ciência que eles denomi-naram de neuropsicologia. Na perspectiva de contribuir em questões como a linguagem e a aprendizagem é que o artigo se caracteriza inicialmente por uma breve biografia do autor e as influências teóricas de sua carreira. Na se-qüência, um esboço das implicações metodológicas decorrentes das pesquisas e experimentações de campo, as quais teoricamente foram relacionadas às práticas possíveis com o Ensino de Ciências no Amazonas.

Palavras Chaves: Linguagem. Psicologia. Aprendizagem. Ensino de Ciências.

Introdução

Destacar o papel da palavra, da linguagem, da memória na apre-ndizagem a partir das concepções de Alexander Romanovich Luria, bem como suas contribuições no campo da neurologia (consciência, afasias,

1 Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas-UEA. E-mail: [email protected] Doutor em Educação pela Univerdade do Estado de São Paulo - USP. Professor do PPGEECA na Universidade Estadual do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected] Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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funções corticais superiores e as questões básicas de neurolínguística), é um dos objetivos deste artigo. Luria tinha a preocupação em ar-ticular os conhecimentos médicos com a psicologia, o que possibilitou lançar as bases da neuropsicologia, que tem como objetivo estudar as inter-relações entre as funções humanas e sua base biológica. A neuro-ciência aplicada à educação é hoje um objeto de estudo bastante pes-quisado e com um grande avanço na área de aprendizagem, podendo ser “compreendida como o estudo da estrutura, do desenvolvimento, da evolução e do funcionamento do sistema nervoso sob enfoque plu-ral: biológico, neurológico, psicológico, matemático, físico, filosófico e computacional, voltado para aquisição de informações, resoluções de problemas e mudanças de comportamento” (LEAL, 2006, p. 41).

Apesar das mudanças do centro de interesses no decorrer de sua obra, Luria considerou a tarefa de retomar questões proposta por Pav-lov, Vygotsky e Jackobson, para abrir um novo e fundamental campo de estudos dentro da neuropsicologia, que é a neurolingüística. As in-fluências de Vygotsky na tarefa de encontrar uma formulação lingüísti-ca dos fenômenos neuropsicológicos foram fundamentais, no que diz respeito à importância psicológica da linguagem, especialmente nas relações entre pensamento, linguagem e consciência e linguagem no desenvolvimento do indivíduo (LURIA, 1986).

De acordo com seus pressupostos básicos, as produções verbais, relacionadas ao uso da linguagem, incorporam uma série de motiva-ções, todas consolidadas pelos sistemas do córtex cerebral. Em outras palavras, mesmo na presença de uma lesão específica, há repercussões sobre o funcionamento discursivo da linguagem como um todo, já que cérebro e linguagem são sistemas hierarquicamente organizados.

Assim, durante o processo de “construção” do texto procuramos orientar nosso “olhar” para as práticas em sala de aula, estabelecendo paralelo entre “aprender” e “ensinar” ciências na Amazônia. Desta ma-neira, o primeiro passo seria identificar processos metodológicos que possibilitasse uma verificação de aplicabilidade em campo.

A vertente que enfatizamos é o conhecimento dos processos da psicologia do aprendizado, através da historicidade do sujeito. Desta-cando, também, as experiências vividas pelo autor e o que isso repre-

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7 Alexander Romanovich Luria (1902-1977). Entre seus livros traduzidos para o espanhol e português: Sen-sação e Percepção (Sensación y Percepción), Martinez Roca, Barcelona 1975; O papel da linguagem no De-senvolvimento da Conduta (El papel del lenguaje en el desarrollo de la conducta), Cartago, Buenos Aires 1979; Lenguaje y comportamiento, Ed. Fundamentos, Madrid, 1984; Psicología y Pedagogía (con otros), Akal, Madrid, 1986; Desarrollo histórico de los procesos cognitivos, Akal Universidad, Madrid, 1987; Conducta verbal, Ed. Trillas, Ciudad de México, 1988; El cerebro en acción, Orbis, Buenos Aires, 1988; Fundamentos da neurop-sicologia, Edusp, São Paulo, 1981; Linguagem e desenvolvimento intelectual na criança (con F. J. Yudovich), Artes Médicas, Porto Alegre, 1985; Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria, Artes Médi-cas, Porto Alegre, 1986; Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (con otros), Ícone, São Paulo, 1988; Desenvolvimento cognitivo: seus fundamentos culturais e sociais, Ícone, São Paulo, 1990; Curso de psicologia geral, 4 vol. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1991; A construção da mente, Ícone, São Paulo, 1992. (origem:http://pt.wikipédia.org/wiki/Alexander_luria).

senta para as nossas concepções teóricas.O presente trabalho é uma verificação de considerações sobre

o trabalho de Luria e sua utilização nos procedimentos de pesquisa no Ensino de Ciência, como ferramenta aplicada de maneira crítica e reflexiva. Esta abordagem descritiva pressupõe deixar uma lógica técnica, para se incorporar à dimensão do conhecimento construído, assumindo responsavelmente, a partir de uma prática crítico-reflexiva, uma nova possibilidade que nos ajudará a apontar algum caminho para a arte da diversidade.

Alexander R. Luria: História e Pensamentos

Nascido em 1902, em Kanzan, antiga União Soviética, Alexander Romanovich Luria 7 era filho de um médico judeu de classe média que se tornou professor universitário, mas cuja carreira foi interrompida pelo czarismo. Luria desde muito cedo participava da vida acadêmica, editou jornais, escreveu livros e participou ativamente de movimen-tos sociais. Com 17 anos, manteve correspondência com Freud, sendo influenciado pelas teorias psicanalíticas, na época suas publicações foram consideradas confusas e contraditórias. Ele propunha combinar a objetividade do método experimental com as formulações psicanalíti-cas, vindo mais tarde abandonar essa linha de pesquisa e aprofun-dar-se nas alterações de comportamento dos soldados feridos a bala, especializando-se em clínica neurológica.

Aos 21 anos foi convidado a assumir um posto no Instituto de

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Psicologia de Moscou, onde trabalhou com Leontiev8 no estudo das bases materiais do fenômeno psicológico humano, utilizando teorias Pavlovianas. No entanto, o método se mostrou restrito para a com-preensão de aspectos caracteristicamente humanos. Mas, o acontec-imento que viria mudar o rumo de suas pesquisas foi traduzido por ele:

Quando Vigotsky[sic] chegou em Moscou, eu ainda real-izava estudos pelo método motor combinado com Leon-tiev [...] Vigotsky como líder, empreendemos uma visão crítica da história e da situação da psicologia na Rússia e no resto do mundo. Nosso propósito [...] era criar um novo modo, mais abrangente de estudar os processos psi-cológicos humanos (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 22).

O encontro de Vygotsky e Luria foi em 1924, por ocasião do I En-contro Soviético de Psiconeurologia, onde conheceu as bases teóricas de uma psicologia marxista apresentada, então, por Vygotsky. Nasce, a partir desse momento, uma profunda e produtiva parceria entre os dois estudiosos, dando origem a uma série de trabalhos na área daneuropsicologia, a qual buscava modelos explicativos que contemplasse os mecanismos cerebrais do funcionamento psicológico e a constitu-ição do sujeito no processo histórico-cultural (LURIA, 1990).

Em 1925, Luria abandona suas conferências públicas e passa a se concentrar em seus estudos sobre afasias9 e a relação entre a fala e o pensamento. Usou os testes de Ebbinghaus10 para obter informações sobre as situações psicológicas e os transtornos cognitivos, partindo para diagnósticos e localização precisa dos tumores para intervenção cirúrgica. Durante a segunda guerra mundial, trabalhou em Kisegach (parte rural da Rússia) com os doentes de lesões e tumores cerebrais, 8 Alexei Nikolaevich Leontiev (1903 — 1979) foi um psicólogo russo. A partir de 1924, depois de graduar-se em Ciências Sociais, aos vinte anos, Leontiev passou a trabalhar com Lev Vygotsky. Morreu de ataque cardíaco em 1979. (Origem: http://pt.Wikipédia.org/leontiev).9 A afasia é a dificuldade temporária ou permanente de satisfazer as necessidades comunicativas de uma pessoa através de um discurso normal. Não é apenas uma quebra na capacidade de usar e compreender a linguagem. É algo social, biológico e psicologicamente mais abrangente do que aquilo em que se tem acreditado (WAHRBORG e BORENSTEIN, 1990).10 Hermann Ebbinghaus (Alemanha, 1850/1909) foi aluno de Wundt e o primeiro autor na psicologia a desen-

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relacionando essa patologia com os efeitos sobre a cognição, o que lhe permitiu construir as bases científicas da neuropsicologia.

No final dos anos 50, dedicou-se aos estudos do desenvolvimento psicológico da criança, na perspectiva Vygotskyana, com uma vertente neuropsicológica, integrando assim o conhecimento médico-clínico com a psicologia social. Apesar de suas mudanças na linha de pesquisa, ao longo de sua trajetória, é possível constatar um eixo comum em sua obra, que é o da valorização da linguagem como a grande possibilidade de articulação teórica entre os campos da neurologia e da psicologia (LURIA, 1986).

Somente em 1968, Luria ingressou na Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Este tardio aparecimento se deu, em par-te, à situação de isolamento em que a então União Soviética se en-contrava, em relação aos centros de pesquisa europeus e americanos, bem como aos mecanismos internos do regime de censura stalinista. Permanecendo em seu país até a sua morte em Moscou em 1977, Luria ficou conhecido como um dos principais representantes de uma escola da psicologia soviética conhecida como psicologia sócio-histórica, ou psicologia histórico-cultural, ou escola de Vygotsky11 ou ainda teoria da atividade (TA)12.

Com o propósito de criar um novo marco teórico do comporta-mento, Luria acreditava que era impossível pesquisar em profundidade o cérebro desde seus pressupostos fenomenológico e naturalista. Na

volver testes de inteligência. Iniciou no século XIX as primeiras investigações sobre memória; aplicou nestes estudos sílabas “non sense” para avaliar a capacidade/tempo de armazenamento, assim como a facilidade de recuperação do material armazenado. Enunciou princípios sobre o armazenamento da memória; demonstrou que as memórias têm diferentes tempos de duração, por exemplo. Foi um autor muito influente para cientistas como Ivan Pavlov ou Edward Thorndike - condicionamento clássico, condicionamento operante.11 Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) filho de família próspera judia, inicia seus estudos na Universidade de Moscou, formou-se em Direito. Em 1924, apresenta um trabalho sobre consciência em Leningrado e é convidado a trabalhar no Instituto de psicologia de Moscou. Em 1925, organiza o Laboratório de psicologia para crianças deficientes. Seus artigos são publicados. Morre de tuberculose no dia 11 de junho, aos 37 anos, em 1934 (Origem: http://pt.Wikipédia.org/vygotsky).12 A teoria cultural-histórica da atividade foi iniciada pelo referido grupo de psicólogos russos (Vygotsky, Leon-tiev, Luria, entre outros) nas décadas de 20 e 30. Baseados na filosofia marxista, eles formularam um conceito teórico completamente novo para ir além da compreensão prevalente da psicologia então dominada pelo behav-iorismo (ASBAHR, 2005).

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época tanto Bekhterev13 quanto Pavlov14 possuíam um posicionamento de oposição à psicologia subjetiva na qual a consciência era o con-ceito chave. Todavia, Vygotsky defendia a posição segundo a qual a consciência era um conceito que deveria permanecer no campo da psicologia, argumentando que ela deveria ser estudada por meios objetivos.

Juntos (LURIA, LEONTIEV e VYGOTSKY) formaram um grupo de trabalho conhecido como “troika”. O objetivo desse grupo era superar, na marca da teoria marxista, a crise da psicologia. Então, empreen-deram seus esforços primeiramente em uma revisão crítica da história e da situação da psicologia na Rússia e no resto do mundo. Na época, começo do século XX, a situação da psicologia mundial era extrema-mente paradoxal. Wundt15, Ebbinghaus tinham conseguido transformar a psicologia em uma ciência natural, cuja estratégia básica consistia em reduzir os complexos acontecimentos psicológicos a mecanismos elementares que pudessem ser estudados em laboratórios por meio de técnicas exatas, experimentais. Por outro lado, Dilthey16, Spranger e outros, tomaram como tema exatamente aqueles processos que os naturalistas não podiam enfrentar como: valores, desejos, atitudes, raciocínios abstratos. Esses fenômenos eram tratados de maneira

13 Vladimir M. Bekhterev (1920 e 1930), russo, neurologista, psiquiatra, estudou a formação do cérebro, inves-tigou as condições de reflexo, realizou uma série de experiências com cães domesticados pelo célebre treinador V. L. Durov (Origem:http://pt.Wikipédia.org/Vladimir_Bekhterev).14 Pavlov – (1849-1936), médico russo descobridor dos comportamentos que são reflexos condicionados. Es-tudou em um seminário ortodoxo, que depois abandonou, mudando para estudos de medicina na Universidade de São Petersburgo. Graduou-se em 1879 e continuou seus estudos em química e fisiologia, principalmente nos aspectos relacionados à digestão e à circulação sangüínea. Enquanto estudava a digestão de cães de laboratório, casualmente descobriu que certos sinais provocavam a salivação e a secreção estomacal no animal, uma reação que deveria ocorrer apenas quando houvesse ingestão de alimento. Teorizou que o comportamento estava condi-cionado a esses sinais, que habitualmente precediam a chegada do alimento, e que faziam o cão antecipar seus reflexos alimentares. Em 1903, Pavlov publicou os resultados chamando o fenômeno um “reflexo condicionado”, que podia ser adquirido por experiência, e designando o processo “condicionamento”. Recebeu o prêmio Nobel em 1904 de Fisiologia-Medicina pelas suas pesquisas sobre a digestão alimentar (Disponível em: < http://www.cobra.pages.nom.br/ec-pavlov.html >. Acesso em 21 nov. 2006).15 Wilhelm Wundt (1832-1920) foi um médico, filósofo e psicólogo alemão. É considerado o pai da psicologia moderna devido à criação do Instituto Experimental de Psicologia. Formado pela Universidade de Tubinga em 1851 e pela Universidade de Heidelberg (mestrado, doutorado) em 1856. (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hermann_Ebbinghaus>. Acesso em 22 nov 2006).16 Wilhelm Dilthey (1833-1911) filósofo, dirigiu seus estudos para as pesquisas psicológicas e para estudos históricos e literários. Sua obra, Introdução aos estudos das ciências humanas, assegurou uma independência de método as ciências do homem ou a ciência do espírito.

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fenomenológica17 (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 22-23).Do choque entre estas duas direções, surgiu a crise da ciência

psicológica. Esta crise foi fator definitivo por dividir-se em duas disci-plinas independentes: a psicologia descritiva que reconhecia as formas superiores complexas da vida psíquica, mas negava a possibilidade de sua explicação e limitava-se à sua fenomenologia ou descrição e a outra, a psicologia explicativa, a qual entendia que sua tarefa era a construção de uma psicologia cientificamente fundada, limitando-se a explicação dos processos psíquicos elementares, negando-se, em geral, a qualquer classe de explicação das formas mais complexas da vida psíquica (LURIA, 1986). A resolução desta questão foi alcançada por Vygotsky que dizia:

Para explicar as formas mais complexas da vida consciente do homem é imprescindível sair dos limites do organismo, buscar as origens desta vida consciente e do comportamento “categorial”, não nas profundidades do cérebro ou da alma, mas sim nas condições externas da vida e, em primeiro lugar, da vida social, nas formas histórico-sociais das existências do homem (LURIA, 1986, p. 21).

A situação mostrava que a divisão entre psicólogos da ciência

natural e os psicólogos fenomenológicos produziram um acordo implí-cito, ou seja, os naturalistas e os mentalistas haviam artificialmente desmembrado a psicologia.

Para a base da ciência natural, recorre-se aos estudos que Pavlov (1971) havia feito sobre a “atividade nervosa superior”, proporciona-ndo um apoio materialista ao estudo da mente. Outra idéia seriamente

17 Fenomenologia (do grego phainesthai, aquilo que se apresenta ou que se mostra, e logos, explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos da consciência os quais devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por uma palavra que representa a sua essência, sua “significação”. Os objetos da Fenomenologia são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos (noesis) e as entidades objetivas que correspondem a elas (noema). A Fenomenologia representou uma reação à pretensão dos cientistas de eliminar a metafísica (www.cobras.pages.com.br).

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observada foi à semelhança entre comportamentos, quando ao estudar crianças de diversas idades ou pessoas de diferentes culturas, conclui-se que as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam ser achadas nas relações sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior. “O homem não é apenas um produto de seu ambi-ente, é também um agente ativo no processo de criação deste meio” (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 24).

Para fazer, portanto, uma caminhada para fora do organismo, procurando descobrir as fontes das formas especificamente humanas de atividade psicológica, é que se criou uma psicologia cultural, in-strumental e histórica. Cultural por envolver os meios socialmente es-truturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança, em crescimento, enfrenta. Instrumental por ser de natureza basicamente mediadora de todas as funções psicológicas complexas e o histórico, que se funde com o cultural, ou seja os instrumentos que usou para dominar seu ambiente foram inventados e aperfeiçoados ao longo da história social do ser humano (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 26).

Esses instrumentos foram parâmetros para os trabalhos de cam-po realizados por Luria na ex-União Soviética, sobre os sujeitos e as grandes mudanças histórico-culturais, objetivando conhecer os tipos de efeitos que produziam essas transformações revolucionárias no psi-cológico dos habitantes. Ele observou uma mediação cultural no pro-cesso de construção da psicologia humana, fenômeno verificado na formação das crianças e seus ambientes, demonstrado em estudos que as estruturas biológicas dos gêmeos desenvolvem personalidades dife-rentes em distintos ambientes sociais, ou seja, a referência cultural do sujeito contribui diretamente para a formação de suas estruturas psi-cológicas, bem como a forma de enxergar a história (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001).

Incentivado pela crença Vygotskyana de que as funções psi-cológicas superiores dos seres humanos surgiram através da intrincada interação de fatores biológicos (que são parte da constituição do homo sapiens) e de fatores culturais que evoluíram ao longo de dezenas de milhares de anos da história humana. Luria foi levado a pesquisar as

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relações entre movimentos voluntários complexos, a fala, bem como a linguagem e a consciência. Assim, acreditava que a interseção entre o ser humano e o seu meio sócio-cultural é formador das características humanas, ou seja, o ser humano transforma o meio para atender às suas necessidades e ao modificar esse ambiente através do seu compor-tamento, o meio influenciará seu comportamento futuro (LURIA apud REGO, 1995).

No entanto, não é a primeira vez que é percebido que a com-paração da atividade intelectual em diferentes culturas poderia pro-duzir informações importantes acerca da origem e da organização do funcionamento intelectual do ser humano. Durkheim18 já dizia que os processos básicos da mente não são manifestações da vida interior do espírito ou resultado da evolução natural: a mente origina-se na so-ciedade. W.H.R. River19, sugeriu que os povos que vivem em condições primitivas pensam de acordo com a mesma lógica que nós empregamos. Heinz Werner20 destacou as diferenças de pensamento que distinguem o adulto moderno do primitivo, pesquisando a “semelhança estrutur-al” de pensamento entre os povos primitivos, as crianças e os adul-tos perturbados. Em todas essas hipóteses, o pensamento sincrético, apresenta-se como traço característico da atividade cognitiva de todos esses grupos (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 40). O denomi-nado pensamento sincrético acontece quando, as crianças conversam segundo uma lógica própria, regulada por uma forma de pensar espe-cífica. Esta é uma construção postulada por Vygotsky, para explicar as

18 Émile Durkheim (1858 - 1917) é considerado um dos pais da sociologia moderna. Fundador da escola francesa de sociologia. Partindo da afirmação de que “os fatos sociais devem ser tratados como coisas”, forneceu uma definição do normal e do patológico aplicada a cada sociedade, em que o normal seria aquilo que é ao mesmo tempo obrigatório para o indivíduo e superior a ele, o que significa que a sociedade e a consciência coletiva são entidades morais, antes mesmo de terem uma existência tangível (Origem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Emile_Durkheim>. Acesso 26 fev 2007).19 William Halse Rivers(1864 – 1922) médico neurologista e psicanalista desenvolveu trabalhos com soldados na I guerra mundial sobre os distúrbios do stress pós-traumático. Ele também é famoso por participação na torres dilemas, expedição de 1889, quando iniciou o trabalho com grau de parentesco (http://pt.wikipedia.org/wiki/HealseRivers> acesso: 26 fev 2007).20 Heinz Werner (1890-1964) desenvolveu pesquisas na linha sensore-motor, percepção, physiognomic percep-tion, conceptual thought, escreveu sobre aprendizagem de adultos (http://pt.wikipedia.org/wiki/HealseRivers> acesso: 26 fev 2007).

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plásticas relações entre idéias e conceitos elaborados pelas crianças (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001).

Estas e outras discussões foram importantes, mas não foram con-duzidas com dados psicológicos apropriados. O momento era difícil, a divisão da psicologia afastava as possibilidades de uma pesquisa uni-ficadora a qual pudesse estudar os efeitos da cultura no desenvolvim-ento do pensamento. Assim, aproveitando as rápidas transformações que estavam ocorrendo em partes remotas de seu país, principalmente na área rural, Luria organizou seus estudos, verificando as mudan-ças ocorridas no processo de pensamento e que são provocadas pela evolução social e tecnológica.

Para esta pesquisa, os locais de investigação escolhidos apresen-tavam grandes discrepâncias culturais, aldeias e campos nômades do Uzbekistão (cultura elevada e antiga) e da Khirgizia (conservadora e agrária). O período observado é marcado pela transição, entre o começo da coletivização da agricultura e outras mudanças sócio-econômicas radicais, bem como a emancipação das mulheres. Os grupos escolhidos possuíam características distintas, um de analfabetos vivendo em vilas, e um outro de vida moderna, experimentando o realinhamento social. O autor traduz o seu pensamento sobre as influências das atividades humanas quando diz que: “A atividade vital humana caracteriza-se pelo trabalho social e este, mediante a divisão de suas funções, origina novas formas de comportamento, independente dos motivos biológicos elementares“ (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p.21).

Mediante tais experimentos, que posteriormente retomaremos, Luria propõe uma nova reflexão sobre as concepções do pensamento humano. Seus experimentos entre a concepção do pensamento do cam-ponês analfabeto, com os instruídos, revelam “mudanças nas formas práticas de atividades e especialmente a reorganização da atividade baseada na escolaridade formal, produziram alterações qualitativas nos processos de pensamentos dos indivíduos estudados” (VIGOTSKY, LU-RIA e LEONTIEV, 2001, p. 58).

Baseando-se nas observações de Vygotsky, Luria avança seus es-tudos concentrando-se na pesquisa elucidativa, quanto às influências das atividades humanas, onde busca, através da cientificidade, dados

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que possam avançar nas descobertas da atividade da consciência e linguagem do ser humano. Luria procura esclarecer a “estrutura psi-cológica” da linguagem, assim como as condições fisiológicas requeri-das para sua organização no córtex cerebral. Observando todo o con-texto da vida dos habitantes, Luria afirma que a linguagem:

É uma atividade psicológica muito complexa que incorpora vários componentes distintos. A pala-vra é a sua unidade fundamental que designa coi-sas, individualiza suas características [...] dito de outro modo, a palavra codifica nossas experiências (LURIA, 1986, p. 27).

Palavra, Linguagem, Significado e Sentido

Pensar é algo tão extraordinariamente difícil que muitos preferem simplesmente tirar con-clusões (LURIA).

A análise psicológica revela a estrutura complexa da palavra, que inclui dois componentes: “referência objetal” e “significado”. O pri-meiro tem a função de designar um objeto, uma ação, uma qualidade ou uma relação, função de substituição do objeto. O segundo apresenta uma mudança substancial, onde não há um significado permanente, há sempre um sistema multidimensional de enlaces (semânticos, con-ceituais, situacionais). Isso quer dizer que as palavras possuem um caráter simpráxico21 acrescenta-se o enlace sinsemântico,22 quer dizer, o enlace entre palavras. Nesta etapa, a unidade da linguagem não é a palavra isolada e, sim, a “frase completa, a alocução verbal”. Razão pela qual ele admite que “se a palavra é o elemento da linguagem, a

21 Simpráxico possui um caráter prático da fala. A escrita, em relação ao processo de fala, representa sempre um distanciamento, manifestando algo que, na fala, é virtual, nascente, incoativo. A imersão do processo significativo no evento da fala precisa ser reapropriado na escritura (MELLO, 2001).22 Sinsemântico é um sistema de código.

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frase é a unidade da língua viva” (LURIA, 1986, p.120). O enlace sin-semântico corresponde à estrutura psicológica da alocução verbal (da fala): “a frase [...] não somente designa algum objeto ou fenômeno, mas expressa um pensamento determinado” (LURIA apud FONSECA, 2002, p. 93).

Com o apoio no aporte ontogênico quanto pelo histórico-social, Vigotsky, Luria e Leontiev (2001) analisa quais são as propriedades que conferem à linguagem o poder de desenvolver a consciência e a auto-nomia. Pelo viés histórico-social, o desenvolvimento da consciência humana foi desencadeado segundo dois fatores: a atividade vital do trabalho e o surgimento da linguagem. Antes da divisão das funções sociais pelo trabalho e da con-strução do complexo sistema de códigos abstratos pela linguagem, o ser humano era um ser meramente biológico, guiado por seus instintos e nos limites da experiência sensorial. Fazendo uso da linguagem, o ser humano começou a transcender o seu contexto situacional imediato e fazer referência a objetos que não estavam no seu campo de visão, pas-sando a substituí-los por signos, fazendo uso da sua capacidade de ab-stração, ou seja, o ser humano passou a ser capaz não só de sentir, mas também de pensar. Para ele “a palavra permite ao homem sair dos limites das percepções imediatas, propiciando o salto do sensível ao racional que constitui a característica essencial da consciência humana” (LURIA, 1986, p. 42).

Segundo Luria (1987) o pensamento só é possível devido a lin-guagem e a sua função referencial. A palavra designa coisas e separa suas características, evocando todo um “campo semântico”. Possui uma função de “significados” determinados, separa os traços, generaliza-os e analisa o objeto, introduzindo-os em uma determinada categoria, ou seja, a linguagem representa os objetos do mundo por meio de ima-gens, permitindo que o ser humano manipule mentalmente o mundo real que o circunda. A linguagem, portanto, ajudou o ser humano a passar da experiência sensorial imediata para o pensamento abstrato categorial:

Como resultado da história social, a linguagem

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transformou-se em instrumento decisivo do con-hecimento humano, graças ao qual o homem pode superar os limites da experiência sensorial, indi-vidualizar as características dos fenômenos, for-mular determinadas generalizações ou categorias. Pode-se dizer que, sem o trabalho e a linguagem, no homem não se teria formado o pensamento ab-strato categorial (LURIA, 1987, p. 22).

Quanto ao nascimento da palavra, só é possível fazer suposições. Apesar de muitas teorias terem sido significativas em tentar explicar a origem da palavra, muito pouco se sabe. No entanto, sabemos que a palavra, como célula da linguagem, não possui somente raízes afetivas, pois a expressão de estados afetivos nos sons ou gestos colocaria a “linguagem” do animal muito próxima a dos humanos, afastando-a da palavra como sistema de código da linguagem (LURIA, 1986).

A provável origem está na atividade do trabalho, isto é, na ma-nipulação e transformação dos objetos com o objetivo de satisfazer as necessidades sociais, culturais e econômicas. Com o advento do trab-alho, as pessoas começaram a exercer diferentes funções sociais dentro do grupo e isso gerou a necessidade de uma compreensão maior, im-pulsionando a comunicação para uma ação mais estreita, o princípio da palavra e, por conseguinte, da linguagem (LURIA, 1986).

Percebemos então, que no início a linguagem possuía um caráter prático, da comunicação urgente, através de gestos e objetos presen-tes na cena. Segundo Luria (1986), é necessário considerar na origem da palavra, que o gesto, a entonação determinava o significado e que tinha um caráter simpráxico. Somente na emancipação da palavra do terreno da prática, ganhando autonomia como sistema de signos é que a linguagem passa ao sistema sinsemântico. Esse processo evolutivo da palavra é o primeiro passo para o desenvolvimento da escrita.

Para Luria (1986), a função referencial é uma característica da palavra que trouxe um enorme ganho para o ser humano: a duplicação de seu mundo, isto é, além do mundo dos objetos, há o mundo das ima-gens abstratas representadas pelo código lingüístico. Esse sistema de código teve uma importância decisiva para o desenvolvimento da ativi-

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dade consciente do ser humano, transformando-se em instrumento de transmissão de informação. Para ele:

O homem pode evocar voluntariamente estas ima-gens, independente da presença real dos objetos, dirigir voluntariamente este segundo mundo. Pode dirigir não apenas sua percepção, suas representa-ções, mas também sua memória e suas ações; por exemplo, ao dizer as palavras ‘levantar a mão’, ‘ap-ertar a mão em punho’, pode cumprir estas ações mentalmente (LURIA, 1986, p. 32-33).

Essa capacidade do ser humano em regular seu próprio mundo, Luria (1986) chamou de “ação voluntária” ou “ato voluntário”. A orga-nização do ato voluntário da criança possui um caráter interpsíquico, na medida em que une a linguagem da mãe e a ação da criança. Nesta relação, quando a criança aponta o objeto, a mãe geralmente nomeia. Assim, a criança aprende duas funções básicas do signo lingüístico: (1) a função referencial, indicativa do objeto ou de algo existente ou imag-inado; e (2) a função comunicativa, discursiva, como meio de influir no comportamento dos outros, obtendo destes o que deseja, ou fazendo com que estes façam o que ela quer que eles façam (DAMASCENO, 2004, p. 5). Outra característica da palavra analisada é a função categorial, considerado como a mais importante, pois ela converte a palavra em uma ferramenta de abstração e generalização, que são as duas opera-ções mais importantes da consciência segundo o autor: “Isto significa que a palavra não é somente meio de substituição das coisas, é célula do pensamento, precisamente porque a função mais importante do pensamento é a abstração e a generalização”. (LURIA, 1986, p. 37).

Também é importante considerar que nas análises de Luria (2001) a palavra analisada está relacionada com as “formas histórico-sociais da existência do homem”, em sua teoria a palavra transmite conhecimento do mundo construído historicamente de uma geração à outra, suas experiências sociais, enfim, suas narrativas que preser-varam a história da humanidade.

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Um outro componente da palavra analisada é o seu significado, compreendido como a função de separação de determinados traços no objeto. A distinção feita pela psicologia soviética entre “significado” e “sentido”, está nas últimas conferências de Luria (1986). Por significa-do, entende-se o sistema de relações que se formou objetivamente no processo histórico e que está encerrado na palavra.

Assimilando o significado das palavras, dominamos a experiência social, refletindo o mundo com plenitude e profundidade diferentes. Por sentido, o significado individual da palavra, separada deste sistema objetivo de enlace; está composto por enlaces que têm relação com o momento e a situação dada. Por exemplo, a palavra “carvão” possui um significado objetivo determinado. É um objeto preto, maioria das vezes de origem vegetal, resultado de calcinação de árvores, etc...

No entanto, o sentido da mesma palavra designa algo comple-tamente diferente de pessoa para pessoa e em circunstância diversas. Para dona de casa, a palavra “carvão” designa algo que pode acender um fogo. Para o cientista, é um objeto de estudo. Para o pintor, é um instrumento com o qual pode fazer um esboço provisório de quadro, etc. (LURIA, 1986, p. 45).

Elo de Desenvolvimento

Luria (1986) estabelece um elo de desenvolvimento entre lin-guagem, consciência e autonomia ao longo da ontogênese23. Por dizer que é na ontogênese que começa o surgimento das primeiras palavras pela criança e termina com a formação da consciência no adulto. Entre estes dois extremos de desenvolvimento físico e intelectual, há uma série de mudanças lingüísticas e psicológicas que determinam a forma da consciência do indivíduo e, em último caso, a natureza da sua au-tonomia. Este elo também ocorre no processo histórico-social, quando a linguagem dá origem aos processos de abstração e generalização que

23 A ontogênese define a formação e desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação do óvulo até à morte do indivíduo.

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por sua vez formam a base da consciência.O desenvolvimento da linguagem ao longo destes dois processos

guarda similaridade quanto aos aspectos da passagem de um estado simpráxico para um estado sinsemântico. Luria (1986) ressalva que o desenvolvimento da criança não é a mesma coisa que o desenvolvim-ento histórico-social do ser humano. As primeiras palavras de uma cri-ança têm início quando ela começa balbuciar alguns sons semelhantes ao dos adultos. Considerado pelo autor, o balbuciar é apenas uma forma de expressão afetiva e não linguagem.

O estágio inicial da fala da criança é, por conseguinte simpráxi-co, assim, na prática, isto significa que o referente das primeiras pala-vras varia conforme a situação, o gesto ou a ação da criança. Tais pa-lavras ainda não têm uma relação unívoca com os objetos: uma mesma palavra pode se dirigir para diferentes coisas ao mesmo tempo.

No decorrer do desenvolvimento por volta dos dois anos de idade, a criança domina a morfologia elementar da palavra, passando ao estágio sinsemântico. Mas isto não significa que o desenvolvimento da função referencial tenha cessado. Ao contrário, Luria (1986) afirma que a situação prática ainda pode influenciar a criança a mudar o refer-ente da palavra em algumas situações mais específicas. A consolidação exata da função referencial ocorre mais tarde:

Pode-se concluir que a referência objetal exata da palavra, por mais simples que pareça a primeira vista, é o produto de um longo desenvolvimento. Nas primeiras etapas do desenvolvimento, a pa-lavra está entrelaçada com a situação, o gesto, a mímica, a entonação e, somente nestas condições, adquire sua referência objetal. A seguir, esta referência objetal da palavra emancipa-se progres-sivamente destas condições, mas ainda conserva, durante longo tempo, estreitos laços com a situa-ção prática e continua designando não ao objeto, mas sim a algum traço deste objeto. Em outras palavras, também nesta etapa a palavra ainda possui um significado difuso, ampliado, conserva um estreito vínculo com a situação prática e por

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isso pode perder muito facilmente sua referência objetal e adquirir um novo significado em cor-respondência com um ou outro traço do objeto. Somente nas últimas etapas do desenvolvimento infantil, a palavra adquire uma referência objetal exata e estável, podendo inclusive conservar sua ligação com a ação prática (LURIA, 1986, p. 50-51).

Podemos então entender que no início do desenvolvimento da linguagem a criança relaciona-se com o mundo através de um laço af-etivo com a palavra que designa o objeto. Já quando a criança está na escola por volta dos cinco, seis anos, a palavra passa a ter propriedade, a criança começa a enxergar o mundo a partir das utilidades ou função dos objetos, perdendo assim sua natureza afetiva. Luria (1986, p.52) explica dizendo que:

Para a criança de idade pré-escolar, “armazém” designa o lugar onde se compra produtos diversos, [...] o palavra fica provada do significado afetivo, desempenhado pela imagem direta do armazém. Para um economista, a referência objetal é a mes-ma, porém, na palavra “armazém”, se encontra um sistema de conceitos [...] Nesta mudança do significado, muda não somente a estrutura semân-tica, mas os sistemas de processos psíquicos que estão por trás desta palavra.

O autor ainda argumenta dizendo que Vygotsky (2003) foi quem estabeleceu o elo fundamental entre consciência e vida social através da linguagem, quando identificou o desenvolvimento da função ref-erencial e da função categorial da palavra como processos distintos. Vygotsky denomina-os: o primeiro de “desenvolvimento semântico da palavra” e o segundo de “desenvolvimento sistêmico da palavra”. É o desenvolvimento sistêmico da palavra que determina as formas de nos-sa consciência. Isso implica que não é apenas a palavra que evolui, mas também “nossa consciência muda sua estrutura semântica e sistêmica”.

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Para o autor:

Somente na etapa culminante, a consciência adquire um caráter lógico-verbal abstrato, diferente ao das etapas anteriores, tanto por sua estrutura semântica como sistêmica, mesmo que nesta última etapa, os enlaces característicos dos estágios anteriores se conservem em forma encoberta (LURIA, 1986, p. 54).

Portanto, o elo de desenvolvimento projeta questões entre pa-lavra, linguagem, consciência e autonomia, que podemos entender a princípio que a consciência lógico-verbal24 é a que leva à autonomia (a mesma que permite a capacidade de abstração, generalização e volição). Também nos leva ao mais sofisticado processo de pensar, à auto-reflexão25. O ser humano se diferencia dos animais pela presença da linguagem como sistema de códigos, por meio dos quais se desig-nam os objetos externos e suas relações.

Métodos e Procedimentos: Luria e sua Postura de Pesquisador

Luria, através de seus estudos, demonstrou uma nova forma de conceber as relações entre o cérebro e as atividades mentais superi-ores, tornando-se um dos mais prestigiados neuropsicólogos das últi-mas décadas. Encarregado de cuidar das vítimas da II guerra, Luria se tornou pioneiro no estudo de lesionados cerebrais.

Alguns autores (ROMAN JACKSON26, K.GOLDSTEIN27, HOWARD

24 O pensamento lógico verbal e a linguagem racional, o ser humano passa a possibilidade de um modo de func-ionamento psicológico mais sofisticado, mediado pelo sistema simbólico da linguagem. (OLIVERIA Apud CASTRO, 2004).25 Auto-relexão é a capacidade do homem pensar sobre si. Capacidade do individuo de voltar sua consciência para seu ego. Neste contexto a margem real de diferenciação entre o ser humano e os animais. Bem como o princípio socrático do conhecer a si mesmo.26 Roman Jakobson (1896-1982) iniciou seus estudos interdisciplinares entre a lingüística e a poética, mas tarde fica conhecido com a multifuncionalidade do som da fala e da língua. Sua biografia está disponível em:< http://www.pucsp.br/pos/cos/cultura/biojakob.htm> . Acessado em 12 jul 2007.27 Goldstein (1878-1965) nasceu na atua Polônia, anteriormente pertencia a Alemanha. Estudou medicina, fi-losofia e literatura, área que certamente influenciaram sua tese de que os processos psíquicos são funções de todo cérebro (FREIRE, 2005).

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GARDNER) escrevem a participação de Luria, como um homem du-alista na sua própria concepção, ora se apresentava como um no-tável neuropsicólogo da União Soviética, ora como um estudioso totalmente comum cuja contribuição seria indigna de nota. Para Gardner28, isso mostra as escolhas agonizantes enfrentadas pelos cientistas que trabalham sob condições totalitaristas. E, assim, ar-risca uma interpretação pessoal para esse comportamento:

[...] a meu ver, muito mais foi silenciado em Luria. Como um resultado de suas experiências, ele final-mente perdeu o senso de perspectiva sobre o que fizera e sobre quando o fizera. Em seu livro, talvez ele estivesse inconscientemente dissimulando; ele honestamente não podia mais compreender o que acontecera. Tantas vezes em sua vida teve que mudar de emprego, de jargão, de explicações, de créditos e de incriminações que acabou por perder um senso de onde estivera e para onde estava indo (GARDNER apud FREIRE, 2005, p. 290).

Quando era diretor do Laboratório de Psicologia no Instituto Krupskaya de Educação comunista, Luria formou grupos de alunos e colegas que discutiam as idéias de outros pensadores entre eles Vy-gotsky, Piaget, Pavlov, Jackobson. A tarefa do grupo era de criar mod-elos para o desenvolvimento do comportamento instrumental. Cada membro tinha um importante papel, nos estudos de desenvolvimento da memória, a competência tornou-se área de Alexei Leontiev. Natalia Morozova29 estudava o desenvolvimento das escolhas complexas nas crianças pequenas, associando-se a Liontiev. Outra companheira de trabalho foi Levina30, que efetuou estudo sobre o papel organizador da

28 Howard Gardner (Pennsylvania, EUA, 1943) é um psicólogo cognitivo e educacional, ligado à Universidade de Harvard e conhecido em especial pela sua teoria das inteligências múltiplas. Disponivel em:< http://pt.wikipedia.or/wiki/Howard_Gardner>. Acessado em 30 mar 2007. 29Morozova estudou o desenvolvimento das escolhas complexas nas crianças pequenas e fazia parte do grupo de pesquisa de “Troika”.30 R.E. Levina, efetuou estudos sobre o papel organizador da fala. Membro da equipe de Morozova e Leontiev.

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fala. Quanto ao Luria, ele mesmo descreve sua condição:

Meu próprio trabalho foi permanentemente modi-ficado por minha associação com Vigotsky e pelos engenhosos estudos de nossos discípulos. Ao mes-mo tempo em que estávamos desenvolvendo esta nova linha de trabalho eu ainda estava realizando estudos usando o método motor combinado, mas, como exemplificado em A natureza dos conflitos humanos, o centro do meu trabalho começou a mudar (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 32) [grifo nosso].

Assim, os métodos de pesquisa tornaram-se cada vez mais so-fisticados, servindo de base para a escola psicológica soviética. Uma das características do trabalho realizado por eles, era o fato de que as pesquisas psicológicas nunca deveriam ficar restritas aos laboratórios ou especulações sofisticadas e assim se distanciar do mundo real: como os fatos sociais do cotidiano. Outra particularidade era o fato de haver uma maior concentração nas habilidades infantis diferentemente de muitos pesquisadores anteriores que se dedicavam apenas às deficiên-cias do sujeito.

A neurologia conhecida por Luria nos anos 20, do século pas-sado, derivava da herança alemã da segunda metade do século XIX. Algumas descobertas sobre os “centros” que controlavam o funciona-mento psicológico, tais como o “centro da fala”31, descoberto por Pierre P. Broca. Este trabalho revelou-se importante, mas não suficiente para a psicologia, por não estar intimamente ligada a uma teoria psicológica adequada. Segundo Vigotsky, Luria e Leontiev (2001), Vygotsky tendo examinado versões anteriores, propõe um modo de estudo baseado em sua própria análise da estrutura do funcionamento psicológico, fazendo relação entre as relações psicológicas elementares e suas orga-nizações cerebrais no adulto. Esse episódio empreenderia a criação da

31 Centro da fala foi identificado por Pierre Paul Broca (1824- 1880), situado na parte posterior da terceira circunvolução frontal do cérebro.

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neuropsicologia (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 35).No final da década, no período de 1928-1934, Luria dedicou-se

as mudanças através do desenvolvimento, divididas em três linhas de trabalho, cada uma das quais apontando a relação entre os fatores bi-ológicos e culturais no conhecimento humano de maneira diferente. Iniciando estudos com adultos criados em circunstâncias culturais dife-rentes daquelas que existiam nos centro industriais da Rússia européia. Em seguida, realizou um estudo longitudinal de gêmeos idênticos de gêmeos fraternos, bem como o estudo comparativo do desenvolvimento de crianças normais e mentalmente retardadas.

Luria (1986) trabalhou também métodos de diagnósticos preco-ces para identificar danos cerebrais e criar alternativas de tratamento, fugindo das imitações conceituais, investigadas da época. Interessava-se em estudar os processos mentais de adultos, fazendo várias pesqui-sas, sobre o pensamento, sentimento e ações dos mesmos. Seu obje-tivo foi criar um modelo de organização cortical cerebral de forma que pudesse responder a mediação cultural (modelo-cérebro-conduta-men-te), tanto em condições de analfabetismo (projeto experimentado em áreas rurais russas com analfabetos), como em condições de pacientes com lesões cerebrais e condições de alterações corticais (afasia). Seus estudos são pontos de referências com os pacientes afásicos surdos.

No campo da pedagogia, psicologia e neurociência o trabalho se destaca sobretudo nas aplicações concretas que investiu em seu projeto de alfabetização nas regiões remotas da Rússia, em que sua própria evidência no impacto de aprendizado estimula a consciência do trabalhador analfabeto, aumentando sua capacidade de abstração. Luria procurava colaborar com a natureza social da consciência para aplicar de forma universal suas teorias. A vantagem desse enfoque sócio-cultural é que certamente pode ajudar na reflexão quanto à re-alidade vivenciada pelo pesquisador nas escolas da Amazônia, criando possibilidades, trabalhando com as questões emperradas, evitando dis-paridade entre a realidade do estudante e a escola, ou seja, adotando o sistema de zona de desenvolvimento proximal32.

32 É a distância entre aquilo que o indivíduo é capaz de fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ele realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo social (REGO, 2005).

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Considerando o caminho percorrido através das análises da es-trutura da palavra, referência objetal, significado e sentido é que dis-semos que todas essas teorias são de fundamental importância para a psicologia contemporânea, no que diz respeito a aprendizagem, mas não somente por assinalar as mudanças do significado da palavra na criança, mas também por mostrar como se estrutura a consciência do sujeito, cuja célula é a palavra.

Assinalamos, assim para as etapas metodológicas. O primeiro mé-todo de determinação, um dos conceitos mais amplos e procedimento simples, que nos permite descobrir qual é o caráter dos enlaces que se encontram por trás da palavra em cada etapa do desenvolvimento in-fantil, consiste em pedir à criança que determine o significado de uma ou outra palavra; por exemplo: pergunta-se o que é um “cachorro”, o que é uma “mesa”, atentando para o caráter da resposta. A criança pode responder de duas formas: a resposta tipo 1 o “cachorro cuida a casa”, o “cachorro morde” e “há mesas-escritórios” etc... Esse tipo de resposta não é verdadeira determinação do conceito, mas enumeração de traços do objeto com situações nas quais eles estão incluídos. A pergunta tipo 2, “o que é um cachorro”, bem como as outras, podem ser respondidas; “o cachorro é um animal”. Aqui a criança introduz o objeto em certo sistema de conceitos e categorias (LURIA, 1986).

O segundo é o método de comparação e diferenciação, é conhe-cido em psicologia e é amplamente utilizado. Consiste em que se diga ao sujeito duas palavras que designam determinados objetos e pede-se que diga o que há de comum entre os dois objetos nomeados. A com-plexidade está em escolher a correta seleção das palavras (objetos) que devem ser separados. Para isso são determinados três tipos de provas.

Na primeira prova, dá-se ao sujeito duas palavras que pertencem a mesma categoria. Por exemplo, se pergunta: “o que há de comum entre um leão e o tigre, um gato e um cachorro”. Neste caso, a resposta é categorial: “o tigre e o leão são animais selvagens”, “o gato e o ca-chorro são animais domésticos”. O segundo tipo de prova propõe ao sujeito que diga o que há de comum entre dois objetos cujos aspectos comuns são difíceis de encontrar, por exemplo, se perguntamos o que há de comum entre um leão e um cachorro, entre uma coruja e um

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peixe. Estes seres são muito diferentes, por isso é necessário fazer um esforço para abstrair traços concretos que os diferencie ao referi-los a uma categoria geral, como: “leão e cachorro são animais, a coruja e o peixe são seres vivos”.

No terceiro tipo, o sistema é mais complexo. Trata-se da compa-ração e diferenciação de objetos em condições conflitivas. Por exemplo, se perguntamos o que há de comum entre um ginete e um cavalo, a resposta natural será: o comum é que o ginete anda mais que o cavalo, mas esta resposta é a reprodução de uma situação real-imediata. Aqui é muito mais complicado abstrair-se desta situação imediata e dizer que tanto o ginete como o cavalo são seres vivos. Neste método pode haver diferentes tipos de resposta. O primeiro tipo consiste na separação de traços concretos de ambos ou sua inclusão em uma situação imediata. No segundo tipo de solução diferencia-se radicalmente do primeiro. Nesta frase: “O ginete é um animal superior, é fino bem tratado, é mais que um cavalo”. O sujeito pode abstrair os traços comuns imediatos e realizar uma operação em princípio diferente, introduzindo os objetos em uma categoria abstrata determinada.

Essas provas são muito importantes para diagnosticar o desen-volvimento mental insuficiente ou o retardo mental. A criança com retardo é incapaz de cumprir a tarefa de abstrair o traço e introduzir os objetos em uma determinada categoria e sempre substituirá esta resposta pelo assinalamento da diferença entre os objetos ou por sua introdução em uma situação concreta qualquer.

No método de classificação há um desenvolvimento do método da comparação e diferenciação, sendo utilizado em três variantes fun-damentais: a primeira chama-se de prova do “quarto excluído”, dá-se ao sujeito quatro objetos ou quatro desenhos de objetos pedindo que escolha entre eles, três, que possam ser incluídos no mesmo conceito e excluir o quarto, que não entra nesta categoria. Por exemplo, é dado ao sujeito escolher, uma serra, um machado, uma pá e um tronco, espera-se que ele escolha os três primeiros, na categoria de “instrumentos” e deixe de lado o último, pertencente a categoria de “materiais”. Esta resolução indicará a presença nesse sujeito do pensamento “catego-rial”.

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A segunda variante dá-se ao sujeito três objetos que se relacio-nam com uma mesma categoria, mas que são diferentes em sua aparên-cia, e o quarto pode ser parecido com um dos três na forma. Por ex-emplo, dá-se ao sujeito os desenhos de um nabo, cenoura e tomate (todos hortaliças) mas diferentes em sua forma, sendo um quarto um balão (redondo, parecido com tomate, mas de categoria diferente). Neste caso deseja-se que o sujeito abstraia os traço externo e uni-los por categoria.

Na terceira variante, chamada conflitiva, é dado ao sujeito três objetos pertencentes à mesma categoria e que podem ser designados com uma palavra (por exemplo, instrumentos: uma serra, um machado, uma pá) e o quarto objeto de uma outra categoria mas inserido na situação com os demais objeto, como um tronco de árvore. Para que o sujeito possa separar os objetos ele deverá superar a situação concreta imediata da interação dos objetos, de outra forma sua classificação teria caráter situacional. Estes métodos têm se mostrado um procedi-mento diagnóstico geralmente aceito, tendo entrado em um grande número de testes, e é um dos melhores para revelação do nível de desenvolvimento mental e da capacidade de passar das formas real-concretas de generalização para a generalização abstrata (LURIA, 1986, p. 63-65).

No último ponto, o método da formação de conceitos artificiais, consiste no seguinte: diante do sujeito dispõe-se uma figura geomé-trica de diferentes cores, formas e tamanho. Todos estes corpos geomé-tricos estão designados com palavras artificiais e o sujeito que tomasse um deles em suas mãos podia ver em sua base um apalavra artificial, por exemplo, “rãs”, “mor” ou “pac” etc. O central nesta prova é que a palavra artificial designa um conceito novo. Esse método é pouco uti-lizado na prática, pois é demasiado complicado para ser utilizado como teste de diagnóstico rápido. No entanto, possui enorme importância teórica e histórica, visto que utilizando estes experimentos, Vygotsky, chegou à conclusão de que, por trás da palavra, se encontram, nas diversas idades, diferentes sistemas de enlaces que o significado das palavras desenvolvem (LURIA, 1986, p.69-72).

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Aprender a Ensinar Ciências

Rousseau33, é bom lembrar, foi um dos primeiros a combater idé-ias que prevaleciam há muito tempo. Entre elas, a de que a “teoria e a prática educacional, junto à criança, deviam focalizar os interesses do adulto e da vida adulta. Ele também chamou a atenção para as ne-cessidades da criança e as condições de seu desenvolvimento”. Para ele cada fase da vida: infância, adolescência, juventude e maturidade foram concebidas como portadoras de características próprias, respeitando a individualidade de cada um. Embora as fases no desenvolvimento da vida do indivíduo já tivessem sido reconhecidas por vários pensadores, foi Rousseau quem mostrou a importância destas para a educação. Ele afirmou que a educação não vem de fora, é a expressão livre da criança no seu contato com a natureza, propondo brinquedo e esportes. Através destas atividades, a criança estaria usando ferramentas, aprendendo a medir, contar, pensar e comparar. Além dessas tarefas, a linguagem, o canto, a aritmética e a geometria seriam desenvolvidas como atividades relacionadas com a vida (ROUSSEAU, 2007).

Nessa perspectiva, o modelo histórico-cultural, do grupo de Lu-ria permite um adiantamento nas reflexões, que diz respeito ao traço humano e sua aprendizagem. Os conceitos de mediação, internalização e drama, centrais na perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, levam à compreensão do ser humano a partir das relações so-ciais que este estabelece desde o nascimento mediado pela cultura. No modelo histórico-cultural, a atividade humana é essencialmente social e simbólica. O ser humano, somente em suas relações diretas com os obje-tos, não se desenvolve em todas as suas potencialidades, o que significa dizer que o desenvolvimento humano é marcadamente social e cultural. Portanto, a mediação pelo outro e pelo signo está na origem do desen-volvimento humano no processo de conhecimento (RABONI, 2002). Na abordagem histórico-cultural, não é possível pressupor efeitos univer-sais e homogêneos de escolarização. Essa teoria aponta que o impacto da escolarização dependerá da qualidade do trabalho pedagógico realizado,

33 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) sua obra tornou-se a base do romantismo. Em sua filosofia da educação, enalteceu a “educação natural” conforme um acordo livre entre o mestre e o estudante. Foi um dos filósofos da doutrina que ele mesmo chamou “materialismo dos sensatos”, ou “teísmo”, ou “religião civil”. Disponível em:<http://www.culturabrasil.pro.br/rousseau.htm> Acessado em 27 nov. 2006.

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associada à capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento do estudante34.

Então vamos destacar as pesquisas realizadas junto aos campone-ses de Uzbequistão. Na época, a população passava por momentos de profundas e rápidas transformações sociais e culturais, decorrentes da revolução socialista. Essa oportunidade permitiu verificar se o funciona-mento cognitivo mudaria sob a influência das reformas sociais realizadas, sobretudo sobre a influência da escolarização.

Utilizando recursos aplicados neste trabalho é que podemos vis-lumbrar uma possibilidade de aplicar algumas das ferramentas no ensino de ciência no Amazonas, que de certa forma possui uma dada semelhan-ça geográfica e social com os camponeses russos (analfabetismo, sistema agrário, distanciamento dos centros urbanos). Numa de suas ações Luria escolheu crianças que não sabiam ler para executar tarefa de relembrar certo número de sentença que lhe tinha sido apresentada. Quando a cri-ança parecia desinteressada, explorava-se a tendência natural da criança para a imitação puramente externa. Observou até que ponto a criança manipulava o pedaço de papel, o lápis, e os rabiscos que faziam como brinquedos e quando estes se tornavam instrumentos, um meio para atingir algum fim (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p.147).

No caso das crianças com idade de três a cinco anos, o ato de escrever, é puramente intuitivo. Para a criança escrever não é um meio para recordar, para representar algum significado, mas um ato sufici-ente em si mesmo, um brinquedo. A observação mais instrutiva foi a de como uma criança comporta-se ao relembrar. Na experiência eles usaram um filme, então suas expressões faciais, revelavam suas lembranças. Seu comportamento é o de alguém que relembra não o de alguém que lê (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 156).

No entanto, algumas crianças criaram um padrão para seus rabis-cos. Por exemplo, colocavam um risco no canto do papel e outro em um segundo canto, ao agir assim, começavam a associar as sentenças ditadas com suas anotações: o risco no primeiro canto era “vaca” e no segundo “lixo”. Nesta etapa, as crianças criam um sistema de auxílio técnico da

34 Nas experiências de Luria, fica claramente exposto que sua preocupação não era se a pessoa faz o que ele sugere, mas o que ele faz com que ele sugere para fazer, ou seja, respeita seu tempo e sua ordem (conclusões do autor).

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memória, semelhante à escrita dos povos primitivos. Linhas e rabiscos são substituídos por figuras e imagens, e estas dão lugar a signos. As-sim surge progressivamente na criança a capacidade de subordinar sua ação a instrução verbal do adulto (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 161).

A linguagem interna foi outro fator observado, algumas vezes mani-festada em situações de dificuldade, outras apenas nas brincadeiras. Essa linguagem foi descrita pelo psicólogo Jean Piaget35 sob o nome de “lingua-gem egocêntrica”, visto que não estava dirigida a outras pessoas. Segundo ele, as crianças passam primeiro por uma fase autista, depois por uma egocêntrica e, por fim, por uma fase social do uso da língua. Durante a fase egocêntrica a criança comenta seus próprios atos: “Agora vou tirar os blocos, agora vou fazer uma casa. Se não der assim, então tento de outro jeito”. Mais tarde, ela se dirige cada vez mais aos outros com suas afirma-ções: a linguagem voltada ao Eu se transforma em social (JAGER, 2006).

Depois dos 6-7 anos, as zonas corticais terciárias continuam seu desenvolvimento (embora mais lento) até pelo menos a adolescência, permitindo o raciocínio à base de operações lógico-gramaticais, lógico-formais e discursivas, a capacidade de reflexão e julgamento moral. Por exemplo, quando interagimos através da linguagem, sempre temos de-terminados objetivos, pretendemos atuar sobre os outros e obter deles determinadas reações ou comportamentos (verbais ou não-verbais). Nas situações da vida real, o uso da linguagem é essencialmente argumenta-tivo, especialmente nas discussões, em que a criança tem que defender seus pontos de vista contrariados, tem que ajustar suas argumentações, aprendendo a usar conscientemente as conjunções (“operadores argu-mentativos” de Ducrot)36 tais como “mas”, “senão”, “porque”, “se”, “embora”, “entretanto”, “logo”, “portanto”, “desde que”, etc. Por outro lado, as internalizações dão argumentações e contra argumentações quanto a origem da capacidade de refletir e tomar decisões que o inte-gram (DAMASCENO, 2004).

35 Jean Piaget (1896-1980) biólogo suíço, com produção em Psicologia, Epistemologia e Educação. Conhecido principalmente por organizar o desenvolvimento cognitivo em uma série de estágios infantis. Disponível em: <http://www.Wikipédia.org/wiki/jean_piaget>. Acessado em 26 março 2007.36 Oswaldo Ducrot é o criador da semântica argumentativa.

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Dessa forma, não podemos ignorar o impacto da escolarização no desenvolvimento mental, bem como o papel daquele que na prática representa e traduz a figura da escola que é o professor.

Para que o professor assuma o papel de facilitador devemos repensar a qualidade de sua capacitação de maneira filosófica. Já não basta a competência formal do profissional, é preciso valorizar novas competências. Cada um de nós sabe, exatamente, quem foi só um professor e quem foi um profes-sor-educador em nossa própria experiência escolar (PRIGENZI, 2006)37.

Outra característica diz respeito ao conhecimento, tanto cientí-fico, como do senso comum. O primeiro aponta para a necessidade crescente de eliminação do vivido. Existe uma tendência na escola de descartar por completo os conceitos cotidianos, muitas vezes elabora-dos a partir das condições experienciais e circunstanciais do sujeito en-volvido. Existem, portanto, níveis diferentes de mediação que devem ser levados em conta, tais como, a capacidade de apresentar idéias, explicar, argumentar, etc., É necessário que haja espaço para isso na sala de aula. Sempre ocorre algum aprendizado, mas se queremos que os indivíduos aprendam a importância de suas idéias, que as idéias dos demais podem ser questionadas (inclusive as do professor e dos recursos didáticos, do pesquisador), é importante que seja exercitada a argumentação, o debate, o confronto de idéias (RABONI, 2002).

No caso especificamente das ciências naturais, quando o cientis-ta se refere a certas noções, como, por exemplo, à luz; estão afastadas as possibilidades de referência à luz como algo de natureza divina ou mística. Vale o mesmo quando são tratados outros conceitos como o de energia, calor, classe social, molécula, evolução, espécie, sexo. No entanto, mesmo havendo conflitos sobre a real significação, alguns cientistas só se entendem quando falam sobre seu objeto de estudo devido a estabilização de sentidos.

37 Luiz Prigenzi é médico, ex-professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e estudioso de filosofia, membro do grupo de estudo sobre Educação e Neurociência na escola do Futuro.

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Assim, entendemos que o conceito científico é o ponto de par-tida e não o ponto de chegada, como muitas vezes é colocado. Contex-tualizar em cima de conceitos prontos era o que Luria fazia em seus experimentos. Para ele, os pesquisadores deveriam ampliar contatos com as pessoas que seriam os sujeitos. Procurando estabelecer relações cordiais de forma a conseguir que as sessões experimentais parecessem naturais e não ameaçadoras, além de ter cuidados para não transmitir uma apresentação precipitada e improvisada do material dos testes (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 43).

As tarefas propostas para o sujeito deveriam ser naturais quanto possíveis, considerando a sua realidade, as quais ele as considerasse úteis. Foi assim que Luria trabalhou com testes especialmente orga-nizados que podiam solucionar problemas de raciocínio dedutivo, us-ando o que sabiam acerca do mundo, usando informações fornecidas no seu cotidiano aplicado aos problemas, para ir além de sua experiência e deduzir a resposta.

Luria esteve sempre preocupado em realizar tarefas que as pes-soas enxergassem o significado. Procurando mostrar como e em que medida poderiam usar assistência e continuar por conta própria, per-mitindo assim explorar novas formas de resolver problemas. Na análise da codificação lingüística de experiência visual, as mulheres tecelãs, que não tinham recebido qualquer educação formal, rotulavam as peças coloridas pelos nomes de objetos de seu ambiente e que possuíam se-melhança de cor; as várias matizes de verde pelo nome de diferentes plantas: “cor de grama primavera”, “cor de folha de amora no verão” (VIGOTSKY, LURIA e LEONTIEV, 2001, p. 44).

Os avanços dirigiram-se às maneiras pelas quais as pessoas clas-sificavam e faziam generalizações acerca dos objetos em seu dia-a-dia. Por exemplo, na mesa de refeição a cadeira é usada para sentar-se a mesa, uma toalha é usada para cobrir a mesa, a faca para cortar o pão, um prato para receber o pão e assim por diante. Este tipo de agrupamento não se baseia em uma palavra que se permite isolar um atributo comum e denotar uma categoria que logicamente subordine todos os objetos. Chamado de percepção gráfica funcional, esse tipo de classificação é muito comum na adolescência expressa em “grau de

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comunidade”. Por exemplo, no silogismo, uma rosa é uma flor, uma flor é uma planta que é parte orgânica (LURIA, 1986). Imagine estudar as classificações animais nessa perspectiva, ou até mesmo ousar com criatividade na música, nas artes visuais, melhor ainda.

O raciocínio silogístico é um expediente específico que surge ao longo do desenvolvimento cultural. Quando um adulto instruído ouve as duas premissas de um silogismo, ele não percebe como frase isolada em justaposição (para determinar se os juízos das pessoas eram formados com base na lógica da premissa maior e da menor, ou se elas tiravam conclusões a partir da própria experiência prática, Luria criou dois ti-pos de silogismo). No primeiro, o conteúdo era extraído da experiência prática, no outro, o conteúdo estava divorciado de tal experiência, de forma que as conclusões só poderiam ser tiradas com base na dedução lógica. Depois que o sujeito consegue repetir corretamente um silogis-mo, prossegue para ver se ele consegue tirar conclusão correta. Enten-demos que o silogismo pode ser de grande ajuda no ensino das ciências pela capacidade de agrupar, pela lógica e pela memorização dedutiva.

Enfim, tais experiências, aqui demonstradas, possibilitam ampliar as ferramentas pedagógicas no ensino de ciências. Os experimentos de Luria, bem como de sua equipe, reforça a importância da observação que possibilitam um “arranjo” entre o conhecimento empírico do adulto analfabeto com os novos conceitos científicos, que podem por ele ser apreendido e incorporado na sua vida. Esta observação não teve a pre-tensão de transformar a educação em ciências num processo simplifica-do para aquele quem aprende, mas uma possibilidade reflexiva para as metodologias adotada, por aquele que ensina. O mais importante é que haja uma valorização do “saber bem fundado”, aquele que é o mecanis-mo impulsionador para novas descobertas, cuja a pesquisa é o esteio38.

Considerações Finais

A particularidade de cada ser humano está intimamente relacio-

38 Esteio é um tronco de árvore forte que serve de sustentação para a cobertura (telhado) da casa do ribeirinho (morador da beirado do rio Amazonas).

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nada ao aprendizado. Aprender é a primeira viagem para quem deseja ensinar. Nesses pressupostos podemos encontrar na história de vida de Luria. Um homem que em meio as suas adversidades, procurava a integração, do melhor compreender para ensinar, do melhor ensinar para aprender.

Não se deve perguntar o que o ser humano neces-sita saber e conhecer em relação à ordem social estabelecida, mas, sim, que potencial existe no ser humano e o que pode nele se desenvolver. Assim será possível acrescentar sempre forças renovadas, procedentes da geração em desenvolvimento, à ordem social. Dessa maneira, viverá sempre nesta ordem social aquilo que os indivíduos que nela in-gressam conseguem realizar, mas não se deve faz-er desta nova geração, aquilo que a ordem social existente dela deseja fazer (STEINER apud MIZO-GUCHI, 2005, p.66).

Como psicólogo ele se interessa pelo desenvolvimento da lin-guagem a partir de uma perspectiva ontogênica, buscando entender como a linguagem colabora para a formação da consciência. Como marxista, ele se interessa pelo desenvolvimento do pensamento a par-tir da perspectiva histórico-social. E para descrever sua teoria, tanto pelo viés ontogênico quanto pelo histórico-social, ele analisa quais são as propriedades que conferem à linguagem o poder de desenvolver a consciência e a autonomia. Suas metas e suas práticas tinham alguns objetivos, tais como: eliminar de suas análises a metodologia fenom-enológica e naturalista; analisar as formas objetivas de vida social; identificar as evidências e as fontes do desenvolvimento da consciência humana; conhecer e explicar os mecanismos cerebrais e fisiológicos que viabilizam as interações simbiótica com os processos culturais que produzem a consciência humana, como função qualitativa superior, regulada pelo papel fundamental da linguagem.

Assim, podemos considerar que as contribuições do grupo “troi-ka” foram criar uma teoria-prática para entender a consciência como

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um processo biológico historicamente formado mediante a humaniza-ção que só pode ocorrer nos processos psicológicos superiores do ser humano. Luria, com suas teorias nos oferecem uma abordagem quase única, quanto aos estudos do cérebro e os processos psicológicos, o que lhe permitiu sustentar as bases da neuropsicologia como novo campo teórico e transcender aos limites das ciências naturais fazendo das ciências psicológicas na área cognitiva, moldurada pela teoria sócio-cultural.

A análise aqui possível é geral, sob um olhar para a totalidade dos pressupostos de Luria. A palavra, primeiro elemento, permite ao ser humano sair dos limites das percepções imediatas, do sensível para o racional, constituindo a característica da consciência. O ser humano analisado por Luria é um ser marcado pela história social, sua lingua-gem é determinada na expressão dos seus enunciados.

Luria estava em campo, diante dos sujeitos da pesquisa, com um objetivo claro e delimitado: verificar a natureza social e histórica dos processos mentais, utilizando os critérios da lógica formal. Sua preo-cupação não era com o conteúdo da resposta, mas com a sua forma de apresentação. Assim, os resultados de suas pesquisas, em última análise, constituem-se numa descrição da fala do outro, apontando para certa incapacidade cognitiva de olhar e ouvir o pesquisado, con-tribuindo para uma visão depreciativa do sujeito, especialmente o analfabeto.

No entanto, essa mesma questão é ponto integrador para este trabalho, por nos oferecer a possibilidade de realizar estudos, tam-bém em campo, levando em consideração algumas das implicações metodológicas que se pudemos inverter a perspectiva do olhar, poten-cializando o sujeito e reconhecendo neles o modo de ser, fazer, dizer e pensar legítimo poderiam nos libertar das amarras características dos paradigmas de nossa cultura contemporânea e nos fazer avançar para uma perspectiva do ensino de ciências no Amazonas para além das evidências da pesquisa experimental.

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3 CULTURAS INFANTIS SATERÉ-MAWÉ E OS SABERES CIENTÍFICOS DA ESCOLA: UMA PRÁTICA DE EXCLUSÃO

Roberto Sanches Mubarac Sobrinho 1

Resumo

O objetivo deste texto é estabelecer, a partir das falas das crianças Sateré-Mawé, o cruzamento entre os saberes vividos por elas no cotidiano de sua comunidade indígena e os saberes científicos instituídos pela escola regular, destacando os (des)encontros que foram emergindo no processo da pesquisa e que configuraram a distinção entre os lugares das culturas indígenas, to-talmente ausentes no contexto escolar, e a lógica da escola que determina a existência de uma hierarquia de saberes onde os padrões da vida social urbana devem ser seguidos como o modelo hegemônico vigente.

Palavras-chave: Culturas Indígenas. Infância. Prática Pedagógica.

Introdução

O presente artigo consiste na apresentação de parte da pesquisa de doutoramento em educação, realizada junto a um grupo de 12 crianças indígenas da etnia Sateré-Mawé, que moram na Zona Urbana da cidade de Manaus-AM. O trabalho constitui-se em uma Etnografia realizada na comunidade no período de 08 meses e uma Objetivação Participante2 re-alizada no período de 02 meses em duas escolas públicas da rede regular do Ensino Fundamental e da Educação Infantil em Manaus.

A comunidade na qual as crianças moram é chamada pelos

1Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Professor da Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: [email protected] Segundo Bourdieu (2007, p. 51) é preciso não confundir objetivação participante com observação participante. Para o autor a primeira representa de fato uma imersão no cotidiano da realidade por meio da pesquisa e a segunda representa “uma – falsa – participação num grupo estranho”.

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Sateré-Mawé3 como WAYKIHU (estrela), e está localizada no bairro da Redenção, num espaço bastante íngreme, sob a forma de barran-co. Possui uma área de aproximadamente 52 metros de frente por 54 metros de fundo, onde residem 14 famílias organizadas em habita-ções de madeira e alvenaria. Ao todos são 67 pessoas, entre crian-ças e adultos4. A principal atividade é o artesanato, que é comercial-izado em barracas que ficam na frente da comunidade. Por morarem na zona urbana, as crianças estudam em escolas regulares da rede públi-ca de ensino, pois não existe na cidade nenhuma escola indígena.

Desta maneira, as escolas regulares pesquisadas impõem às cri-anças Sateré-Mawé o “ofício de aluno”5, através da mistificação da visão etnocêntrica de ciência e seus processos de regulação, pela via da maquinação ideológica, oprimindo seus jeitos de serem crianças indígenas e estabelecendo um processo de moldagem para o ofício que lhes é imposto, negando suas vivências comunitárias e os diversos el-ementos do seu grupo étnico afirmando-os como um corpo de conhe-cimentos ilegítimos.

O rito e o ritmo das crianças na escola: demarcando ospreconceitos

A pluralidade das infâncias precisa ser compreendida em sua conexão com a pluralidade de socializações humanas. Como demonstra 3 Os Sateré-Mawé que moram na comunidade são oriundos da região do médio rio Amazonas e habitavam as áreas indígenas dos rios Andirá e do Marau, que foram demarcadas em 1982 e homologadas em 1986, com 788.528 hectares, entre os estados do Amazonas e Pará. O processo de migração desta etnia para Manaus, assim como para outras cidades do interior do estado, deu-se devido uma série de fatores, mas, principalmente, pela “pretensa ilusão” da busca de melhorias. Em 1981, o antropólogo Jorge Osvaldo Romano contou 88 Sateré-Mawé vivendo na periferia da cidade. No final da década de 1990, esse número cresceu significativamente, che-gando a algo próximo de 500 Sateré-Mawé. Hoje há uma estimativa de morarem em Manaus aproximadamente 2.000 indígenas dessa etnia.4Esses dados foram coletados na própria comunidade no decorrer da pesquisa, com a colaboração do Cacique Luiz. É importante salientar que existe outra comunidade Sateré-Mawé, bem ao lado desta onde realizamos a pesquisa, mas, por conflitos entre eles, estão separados e não mantêm uma relação amigável, o que nos “ob-rigou”, de certa forma, fazer a escolha por uma delas, neste caso a de maior população adulta e infantil.5 Perrenoud (1995) afirma que, idealmente, o ofício de aluno incita-os a trabalhar para aprender. Na realidade, pede-se também às crianças e adolescentes que trabalhem para estarem ocupados, para transformarem textos, exercícios, problemas verificáveis, para serem avaliados, para contribuírem para o bom funcionamento didático, para tranquilizarem professores e pais.

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Lahire (2003), somos, desde o início, seres plurais. Atualmente, esta visão ampliada de identidades sociais e pessoais, permanentemente construídas, vem sendo aceita por muitos autores que procuram com-preender a infância não como uma noção unitária, mas como uma ex-periência social e pessoal, ativamente construída e permanentemente ressignificada.

As crianças Sateré-Mawé não são e não existem como seres ab-stratos e generalizáveis. E frases como: “Todas as crianças são imatu-ras, dependentes, alegres...” foram tão fortemente ensinadas e repeti-das que, até hoje, naturalizamos estas características nas mesmas. Ao contrário, crianças, em variados tempos e espaços, viveram a sua ex-periência da infância de modos muito diferenciados, o que transforma a infância numa experiência heterogênea6.

Neste sentido, uma das mais importantes contribuições das Ciências Sociais e Humanas é a de fazer emergir, nas crianças, as suas diferentes experiências de infância, mediadas por variações como: gênero, espaço geográfico, “classe social, grupo de pertença étnica ou nacional, a religião predominante, o nível de instrução de população etc.” (SARMENTO, 2007, p. 29). As possibilidades das crianças Sateré-Mawé de viverem suas infâncias estão profundamente ligadas a estas referências contextuais.

E, apesar dos severos processos de exclusão que os indígenas foram submetidos, as crianças são capazes de observar, apreender e interpretar rapidamente este tipo de diferenciação social.

A infância das crianças Sateré-Mawé é, simultaneamente, uma categoria social, do tipo geracional, constituindo-se como um grupo de agentes sociais, que interpretam e agem no mundo, principalmente na comunidade em que vivem. “Nessa ação estruturam e estabelecem pa-drões culturais. Assim, suas culturas infantis constituem, com efeito, o mais importante aspecto na diferenciação da infância” (SARMENTO, 2007, p. 36).

Compreender como vivem e pensam as crianças Sateré-Mawé, entender suas culturas, seus modos de ver, de sentir e de agir e escutar seus gostos ou preferências é uma das formas de poder compreendê-las 6Sarmento (2008).

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como grupo humano, que se vincula a um grupo étnico bem definido, no caso os Sateré-Mawé.

Para isso, é preciso tirar as crianças da condição de objetos, para deixá-las advir como agentes de sua própria ação e discurso. Isso sig-nifica afirmar que elas são competentes, capazes de organizar suas vidas e de participar – com suas diferentes linguagens – das tomadas de decisões acerca das questões que lhe dizem respeito e fazem parte da cultura de seu povo indígena.

Como afirmado por Cohn (2006), as crianças não sabem menos, elas sabem outras coisas. As crianças têm um modo ativo de ser e habi-tar o mundo, elas atuam na criação de relações sociais, nos processos de aprendizagem e de produção de conhecimento desde muito peque-nas, inseridas diretamente na vida da comunidade. Sua participação no universo social dos Sateré-Mawé acontece pela observação cotidiana das atividades dos adultos e pela intensa participação nos diversos momentos sociais vividos na comunidade, que se torna o grande lócus de aprendizagem para elas, sendo que cada espaço social é um espaço educativo.

A partir de suas vivências com outras crianças da comunidade e com os adultos, elas acabam por constituir suas identidades pessoais e sociais, vinculadas às tradições e costumes de seu povo, o que é funda-mental no fortalecimento de sua condição étnica.

Corsaro (2002), ao buscar investigar as culturas da infância, demonstra como o desenvolvimento das crianças não é algo individual, mas um processo cultural e, portanto, coletivo, que acontece continu-amente através das relações de brincadeira e de faz-de-conta desen-volvidas por elas. Neste sentido, para o autor:

[...] é nestes microprocessos, envolvendo a interação com as crianças dos que cuidam delas e com os seus pares, que uma concepção do desenvolvimento social como um complexo produtivo-reprodutivo se torna visível [...] Tal apropriação é criativa na medida em que tanto expande a cultura de pares [...] como simultaneamente contribui para a reprodução da cultura adulta (CORSARO, 2002, p. 114).

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Um aspecto extremamente importante é o de observar que as culturas infantis não são independentes das culturas adultas, dos mei-os de comunicação de massa, dos artefatos que elas utilizam cotidi-anamente, mas se estruturam de outra maneira. Sarmento (2007), da mesma forma, ao buscar explicar estes processos de constituição das culturas infantis, assim os define: a interatividade, a ludicidade, a fan-tasia do real e a reiteração. Esses quatro elementos, fundamentais para compreendermos a constituição das culturas infantis, foram observa-dos nitidamente no cotidiano das crianças Sateré-Mawé no período em que estivemos com elas na comunidade.

A interatividade representou cada momento de estarem juntas, de compartilharem suas experiências e de poderem fazer, de suas cul-turas de pares, elementos fundamentais para estabelecerem processos relacionais aos costumes e tradições de seu povo. Ainda nas indicações de Sarmento (idem, p. 117), “esta partilha de tempos, ações, represen-tações e emoções é necessária para um mais perfeito entendimento do mundo e faz parte do processo de crescimento”.

A ludicidade constitui-se como elemento fundamental do modo de vida das crianças Sateré-Mawé, pois brincar é para elas um grande aprendizado que as possibilita viver e representar o mundo a partir dos seus pontos de vistas e das mais agradáveis formas de viver a realidade. “Com efeito, a natureza interativa das crianças constitui-se como um dos primeiros elementos fundamentais das culturas da infância. O brin-car é condição fundamental da aprendizagem e, desde logo, aprendiza-gem da sociabilidade” (SARMENTO, 2007, p. 118).

A fantasia do real caracteriza a capacidade criativa e inventiva das crianças Sateré-Mawé, principalmente representadas pelas for-mas de ressignificarem as culturas adultas. Na vivência delas acerca do Ritual da Tucandeira ou das brincadeiras de casinha, ônibus e nos seus desenhos, percebemos que essas outras realidades “fazem parte da construção pela criança da sua visão do mundo e da atribuição do significado às coisas” (Idem, p. 119).

A reiteração representa a capacidade das crianças Sateré-Mawé em definirem seus próprios modos de compreender o tempo-espaço que as circunda e organizarem como as suas dinâmicas cotidianas são repetidas,

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vivenciadas e reinventadas diversas vezes. “O tempo das crianças é um tempo recursivo, continuamente revestido de novas possibilidades, um tempo sem medida, capaz de ser sempre reiniciado e repetido” (Idem, p. 120).

Logo, nas indicações do autor, as crianças, em seus grupos, pro-duzem culturas, e a identificação dos processos pelos quais se dá esta produção nos possibilita perceber as diferentes culturas infantis, o que, no caso das crianças Sateré-Mawé, tem forte relação com as tradições do seu povo e também sofre influência da sociedade urbana, principal-mente pela ação da escola. Porém, suas culturas se forjam mesmo nas suas relações de pares na comunidade.

Além do papel de agentes no seu contexto social, as crianças também são importantes no processo histórico de seu povo, pois através de sua participação e ação contribuem para trazer a novidade para a sociedade. Assim, um outro mundo se abre para compreender-mos as crianças Sateré-Mawé, a partir da produção de um arsenal de características que lhes são próprias.

Promover um diálogo entre estes mundos e suas culturas é uma saída para poder repensar o modo como se pode educá-las e também repensar o papel da escola. Neste sentido, além das culturas infantis, precisamos também refletir sobre a produção cultural que se faz para as crianças, o que implica pensar os tempos da escola frente aos ritos e ritmos das crianças Sateré-Mawé.

De acordo com Lahire (2006), é preciso avaliar o processo de socialização de diferentes maneiras. Isto é, nas indicações do autor, compreender que as crianças Sateré-Mawé, ao incorporarem as culturas tradicionais de seu povo, também produzem diferenças culturais a es-tas, e na relação com as culturas da escola, podem ter incorporadas nos seus modos de ver o mundo, questões que passam, inclusive, a descon-siderar e, até mesmo, a excluir os elementos étnicos de seu povo. Eis um dos perigos da escola para as crianças.

Um exemplo bem marcante dessa interface (negativa) entre as culturas está relacionado à forma como as crianças compreendem a alteridade das suas ações frente aos adultos, pois na comunidade elas podem realizar suas atividades sem a definição arbitrária dos mesmos,

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o que na escola acontece de forma totalmente diferenciada, pois seus diversos membros definem regras e situações que as crianças Sateré-Mawé devem cumprir sem que as mesmas, sequer, saibam do porquê de estarem fazendo tais atribuições.

Para melhor compreendermos essa distância entre a realidade da comunidade e o trabalho escolar, elencamos algumas situações expres-sas pelas crianças e objetivadas em nossas observações, que represen-tam bem a diferença dos fazeres comunitários e dos fazeres programa-dos pela escola.

As vivências acompanhadas nas escolas, principalmente rela-cionadas à forma das crianças estarem presentes na organização do espaço da sala de aula, ficam evidenciadas pelo distanciamento das mesmas, tanto dos professores quanto das outras crianças, como apre-sentado na observação de campo que se segue:

Chegamos a uma sala de aula e a professora estava organizando a turma para realizar um trabalho de escrita. Ela foi direcionando as cri-anças e criando posições para cada uma delas. Larissa (11 anos), a úni-ca criança indígena que estudava na turma, foi posta bem num canto, no fundo da sala. A professora fazia as perguntas para os alunos que iam respondendo da forma como haviam aprendido, mas em momento algum se reportou à menina Sateré-Mawé, sua atitude era como se a mesma não estivesse presente na sala de aula. Foi quando resolvemos perguntar à Larissa sobre essa situação. Ela assim nos relatou:

“Eu sempre sento no fundo da sala, a professora me colocou aqui desde que descobriu que eu era indígena, acho que ela não gosta de mim, por que não fala quase nada comigo. Mas eu também não falo com ela, mas gosto dela sim (respon-deu meio amedrontada). Lá na comunidade eu sento junto com as outras crianças pra brincar-mos, pra fazermos um monte de coisas, não gos-to de ficar aqui no canto, sozinha, prefiro quan-do estou com as crianças de lá da comunidade (Larissa, 11 anos).”

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Estas configurações individuais e excludentes são estabelecidas pelos modos de recepção e tornam-se hoje “majoritárias em todos os grupos sociais, sendo impossível classificar culturas de grupos ou de classes que compõem a formação social” (LAHIRE, 2006, p. 154). Não há nada de mais comum e frequente, na sociedade contemporânea, que a singularização dos indivíduos. Com as crianças Sateré-Mawé este distanciamento tem ocorrido continuamente nas escolas pesquisadas.

Infelizmente, o contexto das escolas e da comunidade produz ritmos e ritos diferentes para as crianças Sateré-Mawé, diferentes no sentido da exclusão e do distanciamento das demais crianças na escola, pois na comunidade esse sentido ganha um aspecto de coletividade, de união, de estar juntas. Na verdade, a escola produz tempos e espaços e não tempos-espaços (GIDDENS, 1991), pois fragmenta sua ação e reproduz o modelo de sociedade em que os indivíduos são moldados a ficarem fixos aos lugares que irão desempenhar determinados papéis sociais, para os quais as crianças indígenas não têm espaço e, portanto, devem ser deixadas de lado.

Outra situação, que representou bem esses processos excluden-tes produzidos pelas escolas, foi vivenciada durante a realização de um trabalho desenvolvido pela professora da quarta série do ensino fundamental e que procurou identificar, no contexto da sociedade de consumo, a questão das profissões.

A professora levou para a sala de aula um cartaz contendo uma série de profissões que devem ser exercidas na sociedade e a importân-cia de cada uma delas. Depois, pediu que cada criança falasse o que gostaria de “ser quando crescer”, ou seja, qual profissão gostaria de exercer. As crianças foram fazendo suas exposições.

Quando Taíza (12 anos), em forma de uma história, começou a falar sobre o que gostaria de ser quando crescer, a professora ime-diatamente interrompeu a criança e disse que sua história não tinha nada a ver com o conteúdo que estavam estudando, pois aquilo que ela relatara era completamente insignificante para a discussão da sala de aula. A menina assim expressou sua visão acerca de que profissão gostaria de exercer:

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“Num lugar bem distante da cidade, viviam muitas pessoas que gostavam de fazer farinhada feita de mandioca para que todo mundo pudesse comer. Para fazer essa farinha era preciso que todos ajudassem, quanto mais, melhor, o que daria um monte de farinha. Eu quero, quando crescer, ser fazedora de farinha, para que ninguém passe fome (Taíza, 12 anos).”

Na visão de Taíza, está claramente presente a sua ligação com a tradição de seu povo na produção da farinha de mandioca. E, como na comunidade as crianças cantam a música da farinhada corriqueiramente e a farinha representa um de seus principais alimentos, ela relacionou a profissão à satisfação tanto pessoal quanto coletiva dos membros de sua comunidade, destacando que comer é um fator fundamental para se viver bem.

Infelizmente, a atitude da professora foi a de desconsiderar a capacidade criativa da criança e afirmar que os textos deveriam estar relacionados às profissões que ela havia definido no início da aula (médico, professor, dentista, policial, juiz, comerciante, entre outras mais), e que ser “fazedora de farinha” não era profissão nenhuma e que quem vem para a escola tem que ter uma profissão de verdade. Ela assim se reportou às crianças:

“Menina você tá brincando comigo? Eu mandei fa-lar de profissão e não ficar inventando coisa que não tem sentido. Onde já se viu falar que fazedora de farinha é profissão?! Acho mesmo que você não entende o que eu ensino e quer continuar sendo índia. Presta atenção que você não está na aldeia e que mora na cidade e na cidade todo mundo tem que ter uma profissão (Professora Diva).”

Logo, a produção cultural das crianças Sateré-Mawé não tem valor legítimo no ambiente escolar. Na verdade, nem são consideradas como produtoras de culturas, pois os seus modos de ver o mundo não rep-resentam um conhecimento que possa ser incorporado ao capital cul-

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tural trabalhado na escola, o que determina sua condição de ausência na produção de tempos e espaços escolares, como discutiremos no item a seguir.

O saber da cultura Sateré-Mawé e o saber científicos da escola: configurando a fronteira da exclusão.

A ideia de fronteira, entendida na sua mais forte polissemia, tem oferecido, na visão de Barth (In: POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 189), “[...] uma importância primordial ao fator de que os grupos étnicos são categorias de atribuições e identificações realizadas pelos próprios atores”. Seguindo a visão deste autor, passamos a estabelecer as nossas discussões a respeito das noções de fronteiras, que são fun-damentais para o entendimento dos processos culturais que envolvem a vida dos Sateré-Mawé no espaço urbano.

Sendo assim, as culturas passam a ser percebidas em suas trans-formações e não em sua suposta integridade, pois o que as diferencia é o modo como se defrontam e como se transformam com as distintas realidades. Neste sentido, Barth (Idem, p. 195) afirma que “[...] a fron-teira étnica canaliza a vida social – ela acarreta de um modo frequente uma organização muito complexa das relações sociais e comportamen-tais [...] que se reconheçam limitações na compreensão comum, dife-renças de critérios de julgamento, de valor e de ação...”.

No caso da relação entre as culturas escolares e a cultura do povo Sateré-Mawé, foi constatada, durante a pesquisa de campo, que ao invés de serem concebidas como fronteiras onde se deveriam estabel-ecer um diálogo profícuo para se garantir o sentimento de pertença, as mesmas, principalmente determinadas pela cultura legitimada pela es-cola, tendem a conceber as crianças Sateré-Mawé como “tábulas rasas”, como se elas, ao adentrarem no ambiente escolar, viessem completa-mente desprovidas de um saber capaz de ser articulado aos conteúdos da escola, manifestando-se como exclusão.

Assim, de acordo com Bourdieu (2007), a homogeneidade cul-tural resulta muito mais de um processo de criação coletiva e de con-stituição de um significado coletivo, do que de fatores determinantes

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a que usualmente se recorrem para a identificação de um grupo étnico. Pode-se afirmar, então, que o ato de partilhar uma determinada cultura é o resultado muito mais da organização de tal grupo.

As crianças na comunidade possuem uma capacidade de criação e recriação das diversas situações do cotidiano, inclusive ressignifi-cando costumes que somente os adultos podem realizar, mas que elas os fazem simbolicamente7. Como no caso do Ritual da Tucandeira, que representa todo um contexto de status social e de passagem, que irá marcar definitivamente o mundo infantil do mundo adulto. Elas o vi-venciam desenhando, cantando, transformando objetos (como sacos plásticos ou de papel) que estão ao seu redor em luvas e, como ma-neira de se sentirem presentes nesse momento tão importante para o seu povo, (re)criam suas próprias canções a partir das músicas que são utilizadas no período do ritual.

Logo, não lhes falta criatividade e capacidade inventiva, ao con-trário, elas muito sabiamente ressignificam essas funções, transfor-mando-as em culturas infantis. Sabem desenhar muito bem e ainda contam histórias, falam de situações do cotidiano, escrevem - às vezes em português, outras vezes em Sateré-Mawé - e procuram fazer de cada momento vivido um espaço de aprendizagens constantes.

Ao chegarem nas escolas, essas riquíssimas experiências do co-tidiano são desconsideradas, pois como não se enquadram nos conteú-dos “legítimos”, não representam uma possibilidade de serem aborda-das ou utilizadas como elementos contextualizadores de aprendizagens que possam se tornar mais significativas para elas e ampliar a possibi-lidade das outras crianças em conhecer a cultura desse povo indígena.

É neste sentido que, para Forquin (1993, p. 166):

[...] a razão pedagógica é essencialmente norma-tiva e prescritiva, sua tentação natural é o univer-salismo, compreendido aí no que isto pode com-portar por vezes de segurança de si etnocêntrica, sua postulação normal é uma certa espécie de ide-alismo prático.

7 Mubarac Sobrinho (2009).

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Observamos um trabalho que foi realizado pela professora da segunda série do ensino fundamental em relação à leitura e escrita de palavras, que representa bem a visão da escola criticada pelo autor. Nas observações de campo relatadas a seguir fica explicitada a forma preconceituosa presente nas suas práticas.

A professora, como definido no plano de aula, distribuiu uma quantidade de figuras para as crianças e pediu que as mesmas as iden-tificassem e, logo em seguida, escrevessem os nomes que representa-vam cada uma. As duas crianças Sateré-Mawé que estudavam na série fizeram o que foi solicitado, porém, em algumas das figuras, escreveram os nomes em Sateré, pois não sabiam escrevê-los em português. A pro-fessora, imediatamente, disse que os nomes estavam errados e que aquelas palavras não tinham sentido nenhum.

Não houve sequer um diálogo com as crianças para buscar uma compreensão daquilo que estavam escrevendo. Simplesmente se con-siderou errado e sem valor para a escrita convencional da escola. Para tornar a situação ainda mais constrangedora para as crianças, a pro-fessora pegou o caderno onde se encontravam suas escritas e mostrou para a turma toda como forma de demonstração da incapacidade de acompanhar o desempenho dos demais alunos. Ela assim relatou sobre a produção das duas crianças:

“Vocês duas aí, não sabem escrever nada, nem sei por que já estão na segunda série. Esse monte de coisas que rabiscaram no papel não tem sentido nenhum, eu expliquei que era para escrever o sig-nificado de cada figura e esses ‘garranchos’ que es-creveram não servem para nada (Professora Clara).”

Além de provocar constrangimento para as crianças, desqualifi-cou completamente o processo de escrita que as mesmas tinham feito, pois quando fomos indagar o que estava escrito abaixo de cada figura, elas nos afirmaram terem escrito na língua da comunidade e depois explicaram o significado em português, que era exatamente aquilo que as figuras representavam. Essa situação exemplifica bem o modelo hegemônico que marca a ação pedagógica, que não considera a pos-

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sibilidade de outras formas de linguagens, senão aquelas que já estão programadas nos planos da escola.

Evidencia-se com clareza o despreparo e descaso deste profes-sor com o conhecimento que as crianças Sateré-Mawé trazem da sua experiência cotidiana e dos saberes adquiridos no seu grupo étnico. Por isso, a prática pedagógica pauta-se na visão que reforça a ex-clusão, a discriminação e busca determinar o papel de cada ser/aluno no contexto da sociedade urbana, como sendo a única referência pos-sível. Um saber etnocêntrico que cada vez mais se perpetua na ação escolar e que expõe, de forma cruel, as crianças a processos contínuos de exclusão.

Para Forquin (1993, p. 169):

A desigualdade de resultados e a diferenciação de curso dos diferentes grupos de crianças dever-se-iam ao fato de que a escola se obstinaria em querer transmitir uma cultura com valor de distin-ção e com finalidade discriminatória, uma cultura desprovida de universalidade, aberta ou hipocri-tamente de acordo com os hábitos e valores de grupos sociais particulares.

A escola deveria representar, para as crianças indígenas, uma grande possibilidade de aprenderem os conhecimentos necessários para o relacionamento com a sociedade envolvente, e que garantissem con-tinuar sobrevivendo ao contato, que é cada vez mais intenso, princi-palmente por estarem no espaço urbano. No entanto, as escolas pes-quisadas agem de maneira completamente oposta à constituição dessas possibilidades, contribuindo para a desvalorização da cultura Sateré-Mawé e a supervalorização da cultura urbana, que visa massificar esses grupos minoritários e invisibilizá-los.

Outra situação, vivenciada na aula de matemática da professora da terceira série do ensino fundamental e relatada por uma das crian-ças Sateré-Mawé, representa bem o distanciamento que a escola pro-move entre os saberes. A matemática, na visão da professora, é uma

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ciência que possui apenas uma única possibilidade de se chegar a um resultado.

A professora escreveu no quadro quatro atividades com conteú-dos vinculados à adição, à subtração, à divisão e à multiplicação. Uma das questões tinha o seguinte enunciado: “Uma passagem de ônibus custa R$ 1,80 (um real e oitenta centavos). Quanto pagarão sete pes-soas para se deslocar de um lugar para outro no transporte?”

A resposta de Larissa (11 anos), que sempre participa na comu-nidade, juntamente com as outras crianças, da brincadeira de ônibus, e costuma assumir o papel da cobradora por ser uma das crianças com maior idade, assim foi elaborada:

“Lá na comunidade, quando a gente brinca de ônibus e eu sou a cobradora, quanto mais gente tem no ônibus, mais tem que pagar. Como nós não temos dinheiro de verdade, a gente usa fol-has, as pequenas valem pouco e as grandes valem mais. Então, se são sete pessoas que vão andar no ônibus, elas vão ter que pagar muito. Se fosse só uma mesmo, bastava uma folha pequena”.

A professora, ao ler a resposta, considerou-a errada, pois a cri-ança não deu o resultado que ela esperava. Reportando-se à menina de forma bastante autoritária, disse: “Tá tudo errado, você não sabe nada de matemática. Eu ensinei os números e cadê o resultado?” (Professora Margarida). Deu um castigo pelo erro e mandou Larissa para casa, na metade da aula. A menina saiu da sala de aula feliz e foi para sua casa.

Quando chegamos à comunidade, pedimos que Larissa nos mostrasse sua resposta e comentasse o que tinha escrito. Ela nos disse exatamente o que escreveu na resposta, quando tem mais gente no ônibus paga-se mais. O que representa uma maneira lógica de se de-screver a questão. Porém, para a professora, o correto era a represen-tação do resultado em forma de números, ou seja, o valor em reais que seriam gastos pelas pessoas.

Como para as crianças Sateré-Mawé o contato com dinheiro é praticamente nenhum, ela não tinha noção de valor, mas conseguiu

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expressar uma noção de quantidade perfeita, relacionando-a à brinca-deira que vivencia na comunidade e ainda confirmando a lógica de que quanto mais pessoas, maior o tamanho das folhas e também a quanti-dade. Infelizmente, essa lógica não é aceita pela escola e o resultado é o castigo, que para Larissa foi bem vindo, pois ela voltou mais cedo para sua casa.

Desse modo, podemos perceber que a escola, enquanto “repre-sentante” da sociedade urbana, mantém relações de justaposição ou de integração e também de exclusão e de conflitos, ou, ainda, marcadas por indiferença ou mesmo por castigos.Neste caso, para Sacristán (2005, p. 14):

De alguma forma, o discurso pedagógico baseado no conhecimento científico fez com que realmente se mascarasse a influência das condições sociais no desenvolvimento dos menores e no tipo de res-postas que dão às exigências escolares. A tendên-cia será atribuir as diferenças entre os indivíduos a características pessoais, tirando a responsabili-dade do ambiente educacional.

Outro ponto a ser destacado é que as culturas não estão em um nível de inter-relação entre os saberes das escolas e os das comuni-dades indígenas. Estudos teóricos a respeito da cultura sugerem que sejam deixadas de lado as definições de cultura configuradas como sistemas fechados e que, no lugar delas, os conceitos sejam trabal-hados com base em processos de circulação de significados, o que se constitui um grande desafio para as escolas.

Conclusão

Pensando no contexto amazônico, seria um grande equívoco tratar as culturas indígenas como se fossem homogêneas e fechadas em si mesmas, sendo apenas diferenciadas por sua entrada no cenário

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histórico. Uma das consequências desse equívoco ocorre quando essa concepção naturalizada de cultura se encaixa com exatidão na repre-sentação do senso comum sobre os índios, que é a de um indivíduo que vive na selva, utiliza técnicas rudimentares e possui instituições mais primitivas, sendo ele pouco distanciado da natureza. É, no entanto, essa representação que habita o imaginário das manifestações artísti-cas, os estatutos legais, a política indigenista e mesmo os mecanismos oficiais de proteção e assistência aos índios.

Neste sentido, o fato de muitas etnias virem morar nas cidades tem sido equivocadamente compreendido como um indicador do desejo dos indígenas de não conservação de sua condição étnica, deduzindo-se automaticamente a renúncia à proteção já garantida pela legisla-ção. Essa compreensão não leva em conta toda uma série de proces-sos históricos de opressão e discriminação e gera espaço para novos tipos de preconceitos, ainda não devidamente tratados pela legislação brasileira. Em geral, a tentativa dos indígenas da cidade de fazer valer os seus direitos resulta em tipos diversos de preconceito e discrimina-ção, que consistem em desqualificar suas pretensões aos lhes negar a condição de indígenas e, mesmo que haja esse reconhecimento, sem traduzi-las em garantia dos direitos correspondentes e de práticas es-colares coerentes com seus processos próprios de aprendizagem.

Em se tratando mais especificamente da questão das fronteiras como elementos capazes de aproximar tais culturas, o que se percebeu nas escolas pesquisadas é a intensificação da diferença, da construção de mecanismos pedagógicos que excluem totalmente a possibilidade de um diálogo intercultural, onde os saberes das crianças Sateré-Mawé e os saberes da escola possam ser legitimados como autênticos e capazes de produzirem novos saberes, que rompam com a visão hegemônica e homogeneizadora e abram espaço para uma escola de múltiplas pos-sibilidades, contrapondo-se a essa didática dos (des)encontros.

As reflexões de Forquin (1997, p. 173), em relação a essa escola, levam-nos a pensar também no nosso papel enquanto agentes desse processo.

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Isso seria esquecer que, mesmo desencantados, mesmo desenganados, não podemos nos subtrair à continuidade das gerações e que estamos deter-minados a ensinar, estamos determinados a trans-mitir alguma coisa que valha para os que nos seg-uem, não porque achemos que o mundo se tornará especialmente, por isso, mais feliz, mais justo ou mais sábio, mas muito simplesmente porque o mundo continua.

Logo, é fundamental que participemos efetivamente desse pro-cesso de tomada de decisão e não fiquemos presos a uma visão que aceite essa configuração de escola, que encontramos fazendo parte da realidade das crianças Sateré-Mawé, como a única opção possível, e que por isso devemos nos conformar com esse processo educacional castrador. Nossas reflexões intencionam contribuir para que mudanças possam acontecer e que venham beneficiar as crianças. Pois, como afir-mou Forquin na citação acima, “o mundo continua” e nós temos uma grande responsabilidade diante dessas crianças.

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4 A TEORIA DE SKINNER: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS

Ierêce Barbosa 1 Rutenio Luiz Castro Araújo 2

Eliana Santos Silva 3

Leonardo Bruno Barbosa Monteiro 4

Resumo

Este trabalho propõe um resgate da teoria skinneriana, bem como de suas contribuições para a aprendizagem aplicadas ao Ensino de Ciências. O obje-tivo centrou-se em verificar se a teoria de Skinner se reduz ao condiciona-mento estímulo-resposta ou se as interpretações daqueles que a leram e a reproduziram estavam equivocadas como se ousou hipotetizar. A metodologia pautou-se pela pesquisa bibliográfica ancorada pelas obras do próprio autor, relacionando seus postulados com o processo educativo, especificamente com o Ensino de Ciências. Os resultados sinalizaram para um equívoco teórico ou simplificação da teoria skinneriana, equiparado-a a teoria de Watson, seu antecessor e mestre, sendo que sua teoria difere do condicionamento Estímu-lo-Resposta, trazendo contribuições significativas para a Educação e para o Ensino de Ciências.

Palavras-Chave: Behaviorismo. Equívoco Teórico. Pedagogia da Inclusão. Ensino de Ciências.

1Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade Estadual do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected] em Geofísica pela Universidade Federal do Pará. Professor da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. E-mail: [email protected] em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas-UEA. E-mail: [email protected] Mestre em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. Técnico do Centro de Educação Tecnológica do Amazonas - CETAM.

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Introdução

Burrhus Frederic Skinner nasceu em 1904 em Susquehanna, na Pensilvânia, falecendo em 1990. Graduou-se em Inglês no Hamilton College, em Nova York, fez mestrado e doutorado em Harvad, na área de psicologia, é considerado um dos expoentes do behaviorismo do século XX, escola psicológica que se opôs ao estruturalismo e ao funcionalis-mo e que preconiza a aprendizagem como mudança de comportamento.

O Behaviorismo, segundo Bigge (1977) é dividido em quatro linhas de pensamento: o behaviorismo clássico, o neobehaviorismo, o behaviorismo meadiacional e o behaviorismo radical, sendo que Skin-ner é a figura-chave deste último.

Apesar de pesquisas acadêmicas sinalizarem para o fato de Skin-ner ser um dos autores mais citados em trabalhos monográficos real-izados durante a segunda metade de século XX, há indícios de que ele foi injustiçado devido sua teoria ter sido equiparada à teoria Estímulo-Resposta (S – R) elaborada por Watson, que foi um behaviorista fun-damentalmente influenciado pelas oito tendências que impregnavam o Zeitgeist (espírito do tempo, segundo a filosofia alemã), ou seja: a Fisiologia, a Biologia, o Atomismo, a Quantificação e a Criação de Labo-ratórios de Pesquisas (consideradas científicas), o Empirismo Crítico, o Associacionismo e o Materialismo Científico (as filosóficas).

De Watson a Skinnner

John B. Watson centrou seus estudos no comportamento ob-servável possível de quantificar, influenciado pelos teóricos da Física, Biologia, Química e Matemática e pela tendência presente no Zeitgeist da época, a quantificação, pois o que não podia ser quantificado não era possível de medição e o que não podia ser medido deveria ser des-cartado como dado, uma vez que não era considerado “científico” para aqueles que faziam ciência na passagem do século XIX para o XX. A leitura da obra de Skinner revela que a sua proposta não era a mesma de Watson, apesar do profundo respeito que ele nutria por esse teórico que abriu os caminhos da pesquisa sobre o comportamento humano,

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fugindo, no dizer de Wertheimer (1978), da “pedagogia da exclusão”, pois naquela época era comum aos teóricos das escolas psicológicas (Estruturalismo, Funcionalismo, Behaviorismo, Gestalt e Psicanálise) desconsiderarem os estudos dos colegas ou os criticarem, tendo por base argumentos equivocados, mas bastante retóricos e enfáticos.

Skinner, de fato, partiu do objetivo de Watson, ou seja: Estu-dar o comportamento humano, mas não somente o comportamento observável, como preceitua Moreira (2006), até porque isso fugiria da concepção de homem skinneriano, que não é reducionista como a de Watson. Skinnner concebe o homem como um ser único, construtor de sua história, que não reage ao mundo, mas sim age sobre ele e com ele, modificando-o. Tal concepção inverte a lógica tradicional dos primeiros behavioristas, inclusive a de Watson, com quem Skinner foi confun-dido. Enquanto a visão de mundo de Watson é reducionista (puramente quantitativa) a de Skinner é complexa, pois ele concebe o ser humano como produto de três histórias: a Filogenética, a Ontogenética e a Cultura.

A Filogenética é alusiva aquilo que o ser humano é enquanto es-pécie, com possibilidades e limitações. Um exemplo é que o ser humano detém as possibilidades de linguagem, mas não voa, pois não tem asas. A Ontogenética está atrelada ao desenvolvimento do indivíduo desde a sua fecundação até a maturidade, em que está apto à procriação. A Cultura é relativa ao desenvolvimento social de cada grupo, resultante do aprimoramento dos seus valores, usos e costumes, produções ma-teriais etc, ou seja, não só a herança cultural que ele recebe e deixa para as próximas gerações, mas as práticas culturais ressignificadas ou inovadoras ao produzir a própria cultura.

A visão de homem de Skinner é esclarecedora da sua teoria, pois a complexidade está posta, demarcando sua concepção, embora alguns teóricos não consigam visualizá-la, reduzindo os seus sessenta anos de pesquisas ininterruptas aos seus primeiros estudos experimentais com ratos e pombos, esquecendo ou não percebendo que o pesquisador evolui, muda de opinião, ressignifica conceitos, aperfeiçoa seu olhar, muda sua visão de mundo à medida que amadurece intelectualmente e emocionalmente, abrindo mão das “certezas” engessantes.

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Skinner foi um cientista que produziu e publicou sua produção. Formou outros pesquisadores, fez empreendedorismos científicos, fun-dando periódicos, sociedades e entidades voltadas para a ciência e a tecnologia. Foi parcimonioso com o método que propôs estudar e com-preender o comportamento humano, entretanto, muitas vezes, lhe foi negada permissão para desenvolver seus estudos, devido concepções seculares advindas da cultura judaica-cristã, tal qual ocorre hoje com os estudos das células tronco.

Ele foi contundente em se opor ao emprego de entidades mentais como variáveis explicativas do comportamento. Ele defende, em seus postulados, que os componentes privados, como por exemplo: conhe-cimento, pensamento, emoções etc, deveriam ser estudados à luz da ciência do comportamento e se propõe mostrar, também, o que ocorre em eventos encobertos. Se um aluno demonstra nervosismo durante a prova e não se sai bem, deve-se procurar saber o que ele pensava naquele momento e o que desencadeou tal ansiedade ou motivou tal comportamento.

O Resgate ou em Busca da Pedagogia da Inclusão

A título de resgate dessa identidade cientificamente maculada pela pedagogia da exclusão – marca registrada das escolas psicológicas durante os séculos XIX e metade do XX - apresentar-se-á, de modo su-cinto, algumas contribuições de Skinner para a aprendizagem, tentan-do atrelá-las ao Ensino de Ciências, vejamos:

a) O princípio do reforço positivo – Para Skinner nós somos, enquanto seres vivos, “sensíveis às conseqüências de nosso compor-tamento”. (SKINNER, 1974). Isto quer dizer que se algo nos faz bem, temos tendência a repetir. Este princípio de Skinner se alínea com a Lei do Efeito, de Thorndike, que preceitua que os reforços positivos (prazerosos) tendem a se repetir e os negativos (desagradáveis) ten-dem a ser aversivos para a aprendizagem. Com base nesse princípio as aulas de ciências precisam ser significativas, tendo como elementos norteadores projetos políticos pedagógicos bem articulados, transdis-

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ciplinares, que possibilitam que os conteúdos estejam articulados, in-centivando os alunos a amarem a ciência e a tecnologia como o fruto daquilo que há de mais precioso no ser humano, ou seja: o processo criativo.

b) Modelos de seleção pela conseqüência – Uma das palavras-chave da teoria skinneriana é conseqüência, ao lado de outras mais conhecidas tais como: radical aversivo, contingências etc. Para Skinner o que fazemos é selecionado pela conseqüência de nossa ação. Diante deste postulado, o professor não só pode, mas deve fazer uma seleção de conteúdos que seja útil à vida cotidiana dos alunos, fugindo da ciência disciplina, puramente baseada no repasse de informações ditas científicas, e buscar a ciência processo, aquela que é desenvolvida pe-los cientistas nos laboratórios.

Para ganhar simpatia pela ciência, associada por muitos jovens à destruição, dado a cultura pós-guerra, os alunos precisam vivenciá-las, ser protagonistas do processo e não meros coadjuvantes, só assim as conseqüências serão positivas ou significantes.

c) A conseqüência específica aumenta a probabilidade futura da ação que a procedeu. Mais uma vez Skinner se refere ao reforço positi-vo. Se um professor de Ensino de Ciências leva os alunos pela primeira vez ao laboratório e os inicia no mundo da experiência científica de modo agradável, entusiasmado e respeitoso do não-saber do aluno, ele se baseia em um reforço positivo que o motivará a repetí-lo. O prob-lema é como fazê-lo. Pois lembremos que o homem na concepção skin-neriana é único. Logo, os reforçadores devem ser individualizados, pois o professor pode imaginar que está reforçando positivamente os alunos e, para alguns, aquele reforço pode não funcionar ou até funcionar de modo aversivo. O ensino individualizado pode ser a solução ideal no caso dos reforçadores grupais não estarem surtindo efeitos esperados pelo professor.

d) As conseqüências aversivas descrevem a probabilidade futura da resposta que as antecedem. Skinner busca compreender os eventos encobertos. Ele observa que as conseqüências aversivas estão eivadas de tensão, ansiedade, gerando descargas de adrenalina colaterais e, lamentavelmente, o processo educativo sempre utilizou recursos “ped-

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agógicos” geradores de conseqüências aversivas e punitivas. Quando o aluno gosta de estudar, chega em casa e conta entusiasmado o que ocorre na escola, é óbvio que tudo isso evidencia que tal escola tem no seu arranjo político-pedagógico contingências de reforço positivo.

e) As contingências – Para Skinner as contingências são instru-mentais de análise do Behaviorismo radical. E por que radical? Justa-mente porque Skinner rompe com o modelo quantitativo observável de Watson e tenta visualizar o todo, isto é olha para o contexto, olha para os estímulos-respostas e olha para as conseqüências. A isso, Skinner denomina de contingências tríplice de reforçamento.

Contexto

S – R

Conseqüências

Figura 01: Contingências tríplice de reforçamento de Skinner. Fonte: Os autores.

Observa-se que na proposta skinneriana não se olha só para o estímulo-resposta. O olhar é direcionado para o conjunto, para a situa-ção relacional, para o contexto no qual o organismo está inserido. Mas uma vez, a dificuldade de operacionalização da teoria está atrelada às características individuais de cada organismo, pois Skinner preceitua que cada pessoa é um mundo à parte. A ontogênese de cada um é ímpar. Cada um tem seu ritmo, cabendo ao professor respeitar tais

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diferenças para que não distribua tarefas sem possibilitar as condições operacionais, caso contrário, em vez de reforçamento positivo, causará grande ansiedade e sentimento de impotência no aluno, característi-ca da conseqüência aversiva. Diante dessa preocupação constante em “como fazer”, Skinner busca o foco da aprendizagem que, para ele, está na tecnologia de ensino. Para Skinner não há aluno problema, dada às condições adequadas, todo aluno aprende (SKINNER, 1974).

Temos visto exemplos magníficos relacionados ao uso adequado das tecnologias no Ensino de Ciências, com demonstrações científicas e experimentos realizados com a participação dos alunos, observan-do, experimentando, produzindo e entendendo os mecanismos dessa produção. Mas também temos visto professores apáticos que utilizam apenas o livro didático, quando os alunos os possuem, e que não se sentem muito à vontade para ir para o laboratório, visitar um museu, uma feira de ciência, um planetário. Isso faz com que os alunos não se interessem pela Ciência e pela Tecnologia.

f) A questão operacional – para Skinner o problema maior da aprendizagem é relacional. Para ele ensinar é arranjar contingência de reforçamento em condições adequadas (SKINNER, 1974). Ele insiste nas condições contextuais. O ambiente skinneriano de aprendizagem não é sombrio, como muitas de nossas escolas, ele é colorido, alegre, decorado com mobiliário ergonomicamente adequado, bom gosto, fun-cional, com luminosidade, com tecnologia disponível, livrarias, lojas, teatro, auditório, jardim, agências bancárias, laboratório para pesqui-sas, bibliotecas atualizadas. E por que não? Em uma escola assim, com professores capacitados, não haverá aluno que não queira comparecer às aulas, a não ser quando esteja doente.

g) As Conseqüências – Para Skinner tudo que o ser humano aprende deve gerar conseqüências deste aprender.Tais conseqüências devem ser naturais e Skinner traduz esse “natural” como a incorpo-ração da aprendizagem no vir-a-ser humano, transformando como se fizesse parte dele. É preciso que o leitor fique atento aos equívocos dos significados e aos problemas oriundos das tradições das obras originais. É de fundamental importância buscar o real significado atribuído pelo autor, no âmbito da teoria.Um bom exemplo das conseqüências no En-

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sino de Ciências é quando o professor verifica o objetivo que ele quer atingir com tal ensinamento e propicia arranjos de ensino facilitadores para consegui-lo, tendo sempre em vista que a aprendizagem deve ser significativa para o aluno, que os conhecimentos prévios devem ser considerados e que os conteúdos têm sempre tríplice dimensão, isto é: conceitual, procedimental e atitudinal.

h) Modelagem – Os arranjos facilitadores são denominados de modelagem que é definida, na teoria skinneriana, como uma aproxi-mação sucessiva de comportamento. Skinner considera aprendizagem por ensaio e erro essencialmente aversiva, pois o erro foi secularmente estigmatizado, baixando a auto-estima do aluno. Ele é totalmente con-tra o ensaio e erro, pois considera uma tradição advinda da concep-ção judaico-cristã que privilegia a dor, o sofrimento, a nota baixa, o castigo na base da máxima do medievo: A letra com sangue entra e baseado nisso a palmatória reinava, mas não era absoluta, o milho também reinou e teve como súditos submissos milhares de joelhos infantis. Mas isso não faz parte do passado, há frases contemporâneas fixadas muitas vezes nos quadros murais das escolas que evidenciam o sofrimento como pré-requisito para o aprendizado, tais como: Pelos caminhos das pedras é que se chega ao estrelato ou então: Quando o professor é duro o aluno sai bem formado. Será que se chega mesmo? É necessário sofrer para se ter sucesso? Há necessidade de o professor ser duro para que se processe a aprendizagem? Ora, ninguém em sã con-sciência adentra com seu veículo em uma estrada esburacada se con-hecer um outro caminho melhor, menos aversivo, com apóio logístico em caso de necessidade. Por que o professor de Ensino de Ciências (nosso foco) deve adentrar por caminhos tortuosos que transformam o ato de ensinar em sofrimento? Qual a dificuldade em flexibilizar? Por que só o velho e, muitas vezes, desatualizado livro didático? Por que somente as aulas expositivas? Por que não diversificar? Por que não usar softs, baralhos, atividades lúdicas, filmes, internet, museus, feiras de ciências, planetários, demonstração experimental, dramatizações, investigações? Qual é o problema dos professores usarem os operan-tes skinnerianos, fazendo concessões ou unindo o que antes parecia impossível ser ligado, tal qual a razão e a emoção, a objetividade e a

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subjetividade, as partes e o todo?i) A Mente Aberta – Para Skinner a frase não se deve nunca ter

verdades eternas, deve-se experimentar sempre. Tal modo de conceber o conhecimento evidencia o quanto Skinner era aberto ao novo, rejei-tando verdades absolutas.

j) Rejeição ao Mentalismo – Skinner rejeitava a idéia de que o ser humano aprende única e exclusivamente devido a sua estrutura mental. Considerava óbvio a existência e o funcionamento da estrutura mental. Preceituava que as condições ambientais precisariam ser dadas e adequadas para que essas estruturas pudessem ser desenvolvidas, de modo a propiciar a aprendizagem que, no entender de Skinner, também era individualizada, ímpar, única, o que é perfeitamente coerente com a sua concepção de homem. No caso específico do Ensino de Ciências as condições adequadas precisam ser oferecidas e elas começam pela formação docente.

k) A avaliação – A avaliação para Skinner é bem simples: O professor deve apenas verificar se aquilo que ele pensa que ensinou, ele ensinou de fato.

Observa-se que ele retira o peso do não saber do aluno e não o coloca no professor, muito pelo contrário. Como ele considera o ser humano único e em constante construção com o seu aprender, acaba por alertar, também, o professor para o seu ensinar, que pode estar atingindo muitos alunos, mas pode estar deixando alguns de lado. Na teoria de skinneana ninguém fica de fora, pois os alunos apresentam ritmos diferentes que devem ser respeitado. Daí Skinner ter trabalhado a questão metodológica, propondo, juntamente com Fred Keller, que foi um dos seus colaboradores, o Ensino Individualizado, hoje favo-recido pelo computador e muito utilizado na modalidade de Ensino à Distância.

A avaliação de Skinner é processual, há acompanhamento, há feedback. Observar o aluno crescer passo-a-passo, dia-a-dia, faz parte do processo, constitui uma etapa do ensinar-aprender, em que se veri-fica que as duas ações: o ensinar e o aprender devem ser menos aver-sivas possíveis.

É importante observar que Skinner retira da avaliação todo o

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status outorgado pela tradição, toda a onipotência, todo o poder que é dado ao professor como detentor da nota, e coloca a avaliação como um momento técnico que serve para ambos: professor e aluno. Isto é, um momento em que o aluno se comporta sozinho, sem a retoalimentaçào do professor e este avalia o seu ensinar. Tal processo avaliativo retira da avaliação o aspecto punitivo, aversivo, traduzidos em ansiedade, fobia, pânico, ou seja, as conseqüências aversivas colaterais tão con-hecidas por todos nós educadores e já vivenciadas, enquanto alunos. Caso o aluno necessite de um momento formal avaliativo a presença do monitor ou do computador, com feedback imediato, seguido de mod-elagem, devem ser disponibilizados. Ressalta também a necessidade de avaliar todo o comportamento observável e os eventos encobertos, bem como a diversificação do processo avaliativo: textos, desenhos, experimentos, relatórios, visitas, análises de documentários, estudos comparativos etc...

l) Ensino Individualizado – Skinner traça alguns caminhos metodológicos para o Ensino Individualizado:

- Dividir o curso em pequenas unidades, sem perder a conexão;- Considerar que cada aluno tem seu próprio ritmo e que a apren-

dizagem é única;- Compreender que o aluno só deve passar para a etapa seguinte

quando atingir 100% da anterior.- Esclarecer ao aluno o que você espera dele;- Dar aulas expositivas em número reduzido;- Preparar o material de excelente qualidade para que o aluno

possa utilizá-lo com certa autonomia.- A presença do professor é fundamental para esclarecer as dúvi-

das do aluno.

Considerações Finais

Ao analisarmos a proposta de Skinner observamos que ele partiu do condicionamento Estímulo–Resposta (S–R), mais não se limitou a estudar o comportamento observável, incluindo o contexto e as conse-

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qüências que denominou de “contingências tríplice”.A concepção de homem por Skinner é avançada, significando

dizer que ele viveu cerca de uns cinqüenta anos à frente de seu tempo, daí ter sido tão mal compreendido e interpretado.

A proposta metodológica deste teórico, referente ao Ensino Indi-vidualizado fez muito sucesso na década de setenta, ganhando outras fronteiras e hoje está sendo ressignificada pelo uso de computadores e suas ferramentas tecnológicas educativas na modalidade de Ensino à Distância.

Em relação ao Ensino de Ciências pode se utilizar muito da pro-posta skinneriana, tornando o ensino e a aprendizagem mais significa-tivos e com o mínimo de conseqüências aversivas.

Cabe alertar aos pesquisadores para a inadequação, utilizando um código skinneriano, do uso de bibliografia de segunda, terceira e até de quarta mão, pois além da questão semântica que alude aos significados, têm-se, também, a questão interpretativa, de tradução e da tomada da parte pelo todo, desqualificando muitas vezes teóricos que passaram anos e anos de suas vidas debruçados sobre um objeto de estudo para deixar algo mais para as gerações vindouras e, no entanto, a “pedagogia da exclusão” retira de circulação e estigmatiza alguns teóricos em detrimento de outros que tiveram a sorte de produzir den-tro do Zeitgeist(espírito do tempo) ou do Outgeist (espírito do lugar) de sua época, dizendo de forma mais elaborada muito daquilo que já circula no espaço social.

Skinner contribui significativamente para a educação, atribuindo a ela um grande poder, inclusive associando-a aos dois outros poderes: religião e política. De forma que tais poderes seriam as três colunas que ancoram a sociedade. Entretanto, Skinner fez questão de frisar que religião e política estão mais preocupadas com suas sobrevivências imediatas, já a educação faz toda a diferença. Ela tem um compromisso mais amplo, ou seja, com a sobrevivência e a manutenção da espécie humana e isso é fundamental para o Ensino de Ciências, que deve se pautar pela transdisciplinaridade que envolve não só as disciplinas, mas os espaços existentes entre elas, espaços que devem ser consub-stanciados, envolvendo uma atitude vinculada à complexidade, isto é,

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à disposição e a capacidade de posicionar-se ativamente perante os diversos níveis de realidade e de produção de conhecimento.

Referências

BIGGE, Morris. Aprendizagem para Professores. São Paulo: EPU, 1977.

MOREIRA, Marcos. Teóricos da Aprendizagem. São Paulo: EPU, 2006.

SKINNER, Burrus. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo. EPU, 1974.

WERTHEIMER, Michel. Pequena História da Psicologia. São Paulo: Na-cional, 1978.

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5 A PESQUISA CIENTÍFICA NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Karla dos Santos Guterres Alves 1 Valnira Pereira 2

Celito Nuernberg 3 Amarildo Menezes Gonzaga 4

Resumo

Realizou-se um estudo exploratório sobre a pesquisa científica no ensino de ciências. A pesquisa teve como objetivo analisar a pesquisa científica de-senvolvida no programa de Mestrado Profissional de Ensino de Ciências na Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) na perspectiva dos mestrandos do curso, caracterizando as concepções investigativas presentes no programa. A pesquisa pretende contribuir para a reflexão e aperfeiçoa-mento dos programas dedicados a pesquisa científica no ensino de ciências, a partir da concepção de alunos mestrandos. Através de um questionário com quatorze questões semi-abertas, respondido em julho de 2009 e analisados qualitativamente, verificou-se que os mestrandos de ensino de Ciências têm formação em Pedagogia/Normal Superior, são em sua maioria pedagogos. Mui-tos mestrandos confundem o conceito de pesquisa científica com a forma de sistematizá-la e buscam nos grupos de pesquisa o aprofundamento teórico não alcançado nas inúmeras disciplinas do mestrado. A tendência mais pre-sente nas pesquisas dos mestrandos é a relacionada a concepções alternativas dos alunos, sendo que os referenciais para as pesquisas ainda estão pouco claros. O Ensino de Ciências, por tratar-se de uma área de pesquisa recente, ainda está sendo desvendado, principalmente pelos pesquisadores iniciantes, que devem ter seu objeto de pesquisa claro, bem fundamentado e embasado teoricamente.

1 Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas - IFAM. E-mail: [email protected] Aluna especial do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). E-mail: [email protected] Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected] Doutor em Educação pela Universidad Valladolid - UV. Professor do PPGEECA pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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Palavras-chave: Pesquisa Científica. Educação em Ciências. Pesquisa em Ensino de Ciências.

Introdução

A necessidade de refletir sobre a pesquisa científica originou-se do anseio de identificar os referencias teóricos que norteiam as pes-quisas do programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências na Amazônia (UEA), analisando sua influência na realização das pesquisas em ensino de ciências. Esta inquietação surge das inúmeras dificul-dades enfrentadas pelos mestrandos em relação à implementação das atividades de pesquisa em si, assim como a falta de clareza a res-peito dos referenciais teórico-metodológicos que guiam esta atividade científica no ensino de ciências.

A pesquisa científica tem sido objeto de inúmeros estudos, den-tre eles os de Pádua (2004), Demo (1996), Masini (1989), Gil (1987), entre outros. Além disso, pesquisas brasileiras com enfoque específico sobre o ensino de Ciências têm sido realizadas, dentre eles estudos como os de Mortimer (2009), Megid Neto (2007), Moreira (2007) E Nardi (2007).

Esta pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa, foi de-senvolvida através da aplicação de um questionário, com mestrandos da turma de 2008, do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências na Amazônia (UEA). Percebeu-se que a pesquisa científica no ensino de ciências é recente e que os pesquisadores iniciantes carecem tem referenciais pouco claros. Este estudo visa contribuir para a reflexão sobre a formação em nível de Pós-Graduação, repensando a formação de pesquisadores da Educação em Ciências.

Conceito de Pesquisa Científica

A ciência, em especial a partir do século XX, apresentou um desenvolvimento nunca antes experimentado de forma tão intensa no dia a dia das pessoas. O impacto da ciência e da tecnologia na socie-dade tem influenciado o destino da humanidade, materializando-se na

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produção de conhecimentos e artefatos. Esta produção, enquanto con-strução coletiva cria seus próprios mitos, regras e paradigmas, consti-tuindo-se ao longo do tempo por um processo histórico de construção (NARDI, 2007). Neste processo, a realidade social se transforma através da ciência, que é fruto da própria sociedade.

Gerado a partir de necessidades, inquietações e abstrações hu-manas, o conhecimento científico muitas vezes tem sua origem no senso comum. Ao definir o conhecimento empírico ou senso comum, Alves (2007, p.14) destaca que: “[...] senso comum é aquilo que não é ciência [...] ciência é uma metamorfose do senso comum. Sem ele ela não pode existir.” O conhecimento científico tende a aperfeiçoar e transformar o senso comum, descobrindo conceitos e desenvolvendo teorias que transformam intuição em ciência. A realidade é variável e contraditória, nem sempre sendo compreendida através da atividade empírica, pois é influenciada por concepções teóricas, métodos, ideo-logias, condições sócio-econômicas e contexto histórico. Para Kuhn (1975) apud Demo

A realidade como tal não depende da interpreta-ção para existir; existe com ou sem intérprete. Mas a realidade conhecida é inevitavelmente aquela interpretada. Caso contrário, seria ininteligível a disputa teórica entre quadros interpretativos diferentes e mesmo contraditórios. O dado é muito mais resultado teórico, do que achado, pois, para “achar”, é mister antes “decidir” o que achar e como achar. A hermenêutica busca dar sentido e buscar significados que vão além do dito, do ob-servável, buscando vazios e caminhos explicativos para a interpretação da realidade (1996, p. 22).

A interpretação científica da realidade é uma construção onde conhecido-desconhecido se articulam dialeticamente, criando sentido e explicações, em um movimento articulado, progressivo e complexo.

O empirismo limita-se a um recorte do que pode ser provado, não conseguindo desvendar a realidade escondida nos dados observáveis, ou

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seja, à metafísica. A ciência empírica vê a metafísica de forma depre-ciativa, considerando científico somente as pesquisas que satisfazem à rigorosidade e verificabilidade. O conhecimento científico é produto de reflexão e não apenas de constatação, pois a interpretação do observável nem sempre corresponde à realidade em si, mas sim de uma parte dela. Para Demo (1996, p. 19): “Se soubéssemos com evidência inconteste o que é realidade, não seria necessária a ciência. Neste sentido, ciência vive do desafio imorredouro de descobrir realidade que, sempre de novo, ao mesmo tempo se descobre e se esconde.” Desvendar a realidade em todas as suas manifestações e esferas é o principal desafio da ciência que sobrevive não das certezas, mas da dúvida, do imprevisto, da incerteza e do desvelamento do desconhecido.

Para sistematizar sua busca, a ciência tem produzido conheci-mento através da pesquisa e de métodos e instrumentos específicos que viabilizam a universalização de saberes, mesmo que provisórios. Segundo Demo (1996, p. 16):

[...] pesquisa não é ato isolado, intermitente, es-pecial, mas atitude processual de investigação di-ante do desconhecido e dos limites que a natureza e a sociedade nos impõem. Faz parte de toda a vida prática [...] Faz parte do processo de informação, como instrumento essencial para a emancipação. Não só para ter, sobretudo para ser, é mister saber.

A atitude científica faz com que a ciência promova a autonomia e a cidadania através do conhecimento da realidade, dotando os sujeitos de ferramentas para superar limites, resolver problemas e melhorar a vida homem na sociedade. Ao ultrapassar limites instituídos pela na-tureza, superando valores e refutando conhecimentos instituídos pela própria sociedade, a ciência transforma conhecimento em consciência a respeito do universo, do homem e de si mesmo.

Porém, a produção científica não tem refletido as problemáti-cas inerentes à realidade pesquisada, produzindo “conhecimentos” que nem sempre contribuem para a melhoria da qualidade de vida e a trans-formação social. Em alguns casos a academia não tem democratizado

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sua produção, criando o “encastelamento do saber”, promovendo isola-mento e a disseminação de mitos em relação à ciência, a pesquisa e ao próprio pesquisador. Neste caso a ciência elitiza-se, tornando-se um privilégio para poucos “iluminados” e não fruto de trabalho exaus-tivo, erros, consensos e, algumas vezes, acasos. Demo apud Habermas (1982) declara que:

[...] o pesquisador é fenômeno político que, na pesquisa, o traduz sobretudo pelos interesses que mobilizam os confrontos e pelos interesses aos quais serve... pesquisa é sempre também fenôme-no político, por mais que seja dotada de sofistica-ção técnica e se mascare de neutra. Não se reduz o fenômeno político, mas nunca se desfaz de todo o que sabemos mais o que interessa. O que explica, em parte, por que conhecemos muito mais como não mudar, já que a produção de conhecimentos está nas mãos de privilegiados (1996, p. 14).

O conhecimento científico é envolvido pelo contexto social, histórico e político, tanto em seu processo produtivo quanto em seu produto, atendendo a interesses e necessidades próprios da época e do contexto no qual foi produzido. Sua contribuição para a sociedade como um todo ou apenas a um grupo restrito, a possibilidade de contribuir ou não para a melhoria da vida do homem e da natureza dependerá do contexto histórico-cultural e este jamais é neutro. A reflexão sobre este contexto, bem como a natureza e a ideologia envolvida no conheci-mento científico a ser transposto no processo educativo deve fazer parte da pesquisa científica, gerando conhecimento específico para ensinar-aprender ciências, sobretudo no contexto brasileiro.

Trajetória da pesquisa em Educação em Ciências

A pesquisa em educação no Brasil surge no final da década de 1930, e tem sua atividade reconhecida através da criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), em 1938. O INEP tinha como foco a investigação de problemas do ensino, subsidiando políticas

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públicas para a educação brasileira.No Brasil, durante o período pós-guerra, ocorreram várias refor-

mas no ensino, principalmente entre 1950-1970. Em meados de 1960 surgiram os primeiros programas de pós-graduação de Educação em Ciências, como reflexo do movimento de renovação, visando dar supor-te teórico-prático às demandas nacionais que fracassavam em virtude do uso descontextualizado de referenciais e materiais estrangeiros, adotados em virtude das reformas.

Inúmeras iniciativas surgem com o objetivo de melhorar o de-senvolvimento do ensino de Ciências, dentre elas a criação do IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura) em 1965, a im-plantação do FUNBEC (Fundação Brasileira para o desenvolvimento das Ciências) em 1966 e a criação de Centros de Ciências em várias capitais brasileiras, estimulando o surgimento de grupos de pesquisa (FRACALANZA, 1993; MEGID NETO e PACHECO, 2001; NARDI, 2005 apud NETO, 2007, p. 342).

No final da década de 60 e início dos anos 70 surgem na Universi-dade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) as primeiras linhas de pesquisa específicas na área de Ensino de Ciências. A partir de então, inúmeras linhas de pesquisa/programas de pós-graduação, em nível de mestrado e doutorado na área, vem sendo implementadas. Nos anos 2000 surgem diversos cursos de pós-graduação direcionados ao Ensino de Ciências, em virtude da criação da área de Ensino de Ciências na CAPES. Apesar da elevada produção na área, que se estende por mais de três décadas, a inadequada divulgação da mesma tem dificultado o acesso aos resultados das pesquisas e à forma como os problemas do ensino de Ciências são nelas tratados. É difícil estabelecer um quadro geral sobre a produção na área, os caminhos que têm sido percorridos, as linhas teórico-metodológicas empregadas, os principais resultados encontrados e as efetivas contribuições para as práticas na sala de aula (MEGID NETO, 2007).

As pesquisas em ensino de ciências, mesmo que tratem de temas e conteúdos da área, se subsidiam nas ciências sociais e isso se reflete na produção. A esse respeito Moreira afirma que:

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Os programas acadêmicos estão associados à pes-quisa em Ensino de Ciências e Educação Matemáti-ca. Ocupam-se de questões relativas à aprendiza-gem, à epistemologia, à resolução de problemas, à história e filosofia da ciência, à modelagem, ao currículo, aos métodos de ensino, à avaliação. Os programas profissionais estão voltados direta-mente para: a sala de aula, o melhor desempenho do professor, a atualização do conteúdo curricu-lar, as novas tecnologias e o desenvolvimento de produtos educativos. Nos programas acadêmicos segue-se o modelo dos programas de pós-gradua-ção em Ciências ou em Educação e, nos programas profissionais, a participação dos cientistas é mais representativa (MOREIRA, 2007, p.24).

Os programas de Pós-Graduação Stricto Sensu vivem um dilema identitário no processo de pesquisa em ensino de ciências. Os pro-gramas acadêmicos, com sua área e natureza já consolidada disputam espaço com os programas profissionais, estes em busca de validação de seu campo de estudo. Neste processo de delimitação e legitimação do território de pesquisa, programas acadêmicos dedicam-se a reflexão e os programas profissionais a reflexão-ação, porém sem a devida clareza sobre como articular reflexão-ação-reflexão, em ambos os modelos de pesquisa.

A pesquisa em ensino de ciências é uma área nova, com menos de quarenta anos e sua constituição enquanto produtora de conhecimen-tos científicos para a educação só será atingida através da regularidade de sua produção intelectual. “A falta de entendimento da comunidade de cientistas e matemáticos sobre o que é a área de Ensino de Ciên-cias e Matemática. [...] Para nela atuar não basta ser cientista, [...] É preciso ter fundamentação teórica, metodológica e epistemológica em Ensino de Ciências e Matemática” (MOREIRA, 2007, p. 38).

A pesquisa em ensino de ciências surge como uma nova per-spectiva para o ensinar-aprender ciências, construindo referenciais que valorizam a produção científica e a educação, buscando alternativas

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para sua transposição para a sala de aula de forma sistematizada e embasada.

Em sua breve trajetória, a pesquisa em educação em ciências já conseguiu sua autonomia em relação às ciências da educação, man-tendo um elo de aproximação estável e sem dependência. O coletivo de pesquisadores cresce dia a dia e já possui uma produção considerável, que vem passando por transformações, criando tendências e perspec-tivas teóricas que caracterizam a área.

Tendências para a pesquisa em ensino de ciências

O ensino de ciências como área de pesquisa específica ainda é recente e este fato se traduz na falta de consenso sobre a identificação das principais tendências que o caracterizam.

Para Megid Neto (2007), apesar do número de pesquisas ter au-mentado consideravelmente na área, o ensino de ciências ainda não traçou uma análise descritiva de sua produção através do “estado da arte”, dedicando-se ao conjunto da produção tanto em aspectos gerais da educação e do ensino de ciências, quanto desses campos específicos de estudo. Segundo Megid Neto (2007, p. 344) apud Megid Neto e Pa-checo (2001), “São trabalhos de revisão de literatura que atualizam a evolução histórica da produção, tendências temáticas e metodológicas, os principais resultados das investigações, problemas e limitações, as lacunas e áreas não exploradas, dentre muitos outros aspectos”. Estudos relacionados ao estado da arte possibilitam compreender a trajetória da produção científica de uma área como um todo, identificando tendên-cias, omissões, principais pesquisadores da área, volume e qualidade da produção, entre outros aspectos. Este tipo de estudo contribui para a consolidação das pesquisas na área e fundamenta ações e futuros estudos.

Porém, Com base em Rosalind Driver e as questões do livro Improving Science Education: The contribution of Research (Leach, Osborne and Millar, 2000), Mortimer (2002) problematiza e levanta questões a cerca da pesquisa na educação em Ciências no contexto brasileiro, sugerindo uma possível agenda para futuros estudos. MOR-

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TIMER (2002) destaca algumas tendências para a pesquisa em Ensino de Ciências, que são caracterizadas a seguir:

• A sala de aula como objeto de pesquisa: busca desvendar como os alunos elaboram conceitos, atitudes e habilidades, abrindo a sala de aula para analisar sua dinâmica e linguagem. Durante um período, esta abordagem se fixou nas atividades, acreditando que elas favoreciam automaticamente a aprendizagem. Depois, percebeu-se que tão importante quanto à atividade era o discurso em torno dela. Com isso, modifica-se o foco das pesquisas, que passam a valorizar a lingua-gem, a dinâmica discursiva e das interações estabelecidas em sala de aula, compreendendo a complexidade dos problemas de sala de aula, sem reduzi-los a aspectos cognitivos. Surgem as questões emocionais e afetivas que também passam a fazer parte dos estudos.

• O currículo para o ensino de ciências: visa compreender as repercussões das reformas curriculares para o ensino de ciências, no contexto brasileiro, sua efetivação ou não na sala de aula e as “adapta-ções” superficiais que mascaram práticas pré-existentes e perenes. Neste campo, busca-se investigar como as concepções e práticas anteriores dos professores interagem com as novas proposições, apontando as ap-ropriação ou resistência às inovações curriculares. Esta tensão entre os discursos inovadores, a prática de sala de aula e as necessidades formati-vas que as inovações demandam tem sido pesquisados. O papel dos livros didáticos na inovação curricular e o papel da ciência na formação para a cidadania e a resolução de problemas e tomada de decisão no cotidi-ano. Neste sentido, os estudos de CTS (Ciência, Tecnologia, Sociedade) e de letramento científico, pesquisam conceitos e contextos reais em que escola e comunidade interagem. Outra tendência é o estudo da natureza da ciência e a história da ciência, na tentativa de compreender a gênese da ciência e a trajetória histórica de sua constituição e produção.

• Avaliação da aprendizagem: o estudo da avaliação tem sido um tema emergente, principalmente em relação a sua função no en-sino de ciências, porém as políticas públicas relacionadas à avaliação e a concepção de educação em ciências ainda estão marginalizadas nos trabalhos dos pesquisadores da área.

• Formação inicial e continuada de professores: as pesqui-

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sas têm sido direcionadas para o modelo de professor reflexivo, pes-quisador da própria prática, proposto por SCHÕN (1987) e que trouxe avanços teóricos significativos para a formação de professores. Poucas reflexões são direcionadas para aspectos problemáticos desse modelo, principalmente através da prática em sala de aula, caracterizando o que fazem os professores que mudaram suas práticas. Os trabalhos são direcionados para o ser professor reflexivo, sem pesquisar sobre as dificuldades enfrentadas pelos docentes que optaram pela mudança de postura e filosofia de trabalho, adotando o ser “professor reflexivo” como referência de sua prática docente.

• O programa de pesquisa em concepções alternativas dos estudantes: as pesquisas sobre concepções alternativas ou concepções espontâneas é a tendência de pesquisa que teve mais êxito e preferência na área da educação em ciências, tendo contribuído para ampliar consid-eravelmente o conhecimento empírico sobre o ensino e a aprendizagem de conceitos científicos. Porém é uma linha saturada, favorecendo com sua hegemonia a construção de alguns “consensos”, dentre eles a con-cepção construtivista de aprendizagem, que inspiraram propostas como a de mudança conceitual. Muitos instrumentos que foram utilizados nes-ta linha de pesquisa transformaram-se em estratégias de ensino. Apesar de uma base teórica extensa sobre concepções alternativas, ainda não se construiu um apanhado teórico geral dos resultados destas produções. Estudos com base construtivista negligenciaram os aspectos afetivos, emocionais e relacionados à relação professor-aluno, priorizando aspec-tos cognitivos da aprendizagem.

Materiais e Métodos

Para construção do percurso metodológico da pesquisa houve necessidade de revisão de literatura que desse suporte a compreenção de como ocorre a pesquisa científica no programa de Mestrado Profis-sional de Ensino de Ciências na Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), na concepção dos mestrandos do curso da turma ingressante em 2008.

Através de uma pesquisa exploratória, realizou-se um question-

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ário com quatorze questões semi-abertas onde 10 (dez) mestrandos, de um universo de 17 (dezessete) alunos regularmente matriculados, responderam ao formulário.

Os dados foram obtidos em julho de 2009 e as informações foram tabuladas e analisadas qualitativamente.

Resultados

Os mestrandos ingressantes na turma e 2008, no programa de Mestrado Profissional de Ensino de Ciências na Amazônia da Univer-sidade do Estado do Amazonas (UEA) são, em sua maioria, do sexo feminino, na faixa etária entre 20 e 30, professores de instituições públicas de ensino com experiência na Educação Básica que atuam profissionalmente em mais de uma escola. A maioria dos mestrandos é formada em Pedagogia/Normal Superior, conforme destaca a Figura 1.

Figura 1: Formação dos mestrandos ingressantes em 2008, do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da UEA.

Ao serem questionados sobre o conceito de pesquisa científica, as respostas centram-se na questão metodológica da pesquisa, sa-lientando-se aspectos relacionados à sistematização do método cientí-fico, conforme a Tabela 1.

50%

20%

10%

10%10%

Pedagogia/Normal Superior - 5

Ciências Biológicas - 2

Licenciatura em Física - 1

Química - 1

- 1

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Tabela 1: Conceito de Pesquisa Científica dos mestrandos ingres-santes em 2008, do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da UEA.

Em relação a experiências anteriores com atividades de pesquisa, a grande maioria realizou iniciação científica, pesquisas em cursos de Pós-graduação latu-sensu ou atividades solicitadas nas disciplinas do mestrado.

Neste momento, 80 % os mestrandos participa de grupos de pes-quisa, justificando que a realização deste tipo de atividade possibilita a socialização e o aprofundamento de conhecimentos. Os 10 % de mes-trandos que não fazem parte de grupos de pesquisa argumentou que não participam por questões de tempo e incompatibilidade de horário.

Sobre a opção de área do Ensino de Ciências a ser pesquisada, a Figura 2 demonstra que os estudos sobre concepções alternativas se sobressaem em relação às outras áreas.

É a produção de conhecimento crítico e científico Um p rocesso em q ue s e identifica u m determinado problema e a p artir dele surgem os caminhos a serem percorridos, escolhe-se uma metodologia agregada ao objetivo, realiza-se a aplicação e processa-se a análise dos dados.

Pesquisa baseada em fundamentos científicos. É um estudo sistematizado que busca responder um problema científico, através de técnicas e instrumentos que estão relacionados a abordagens e correntes de pensamento. É o ato de investigar um problema por meio de métodos científicos.

É uma pesquisa com cunho qualitativo e científico. É a busca da verdade aproximada sobre determinado problema que necessita ser desvendado o u solucionado, p ara isto, exige um m étodo claro, e xplícito e consciente do pesquisador. É o esforço de p esquisadores q ualificados para a b usca d e soluções p ara os problemas científicos de c unho e xploratório, a profundamento aplicado c om produção de conhecimento científico e seus critérios.

É um p rocesso sistemático para a p rodução de c onhecimento, t endo, no transcorrer de seu desenvolvimento, sua construção metodológica na busca de novas discussões. É um instrumento para se conhecer determinada realidade

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Figura 2: Áreas de ensino das pesquisas científicas sobre Ensino de Ciências, dos mestrandos ingressantes em 2008, do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da UEA.

Ao apontarem as necessidades para o desenvolvimento de pes-quisa na área de ensino de Ciências, os mestrandos destacaram a im-portância da fundamentação teórica, de disponibilidade de tempo para a realização da pesquisa, de referencial bibliográfico disponível (livros, periódicos, revistas especializadas, etc.), clareza em relação ao objeto de pesquisa, de perceber correntes e concepções ideológicas envolvidas na pesquisa, conhecer a área de ciências, dentre outros.

Sobre os referenciais teóricos que norteiam a pesquisa sobre o Ensino de Ciências, as respostas centram-se nos autores, geralmente referências na área, alguns citam tendências da pesquisa no ensino de Ciências, mas não deixam clara a corrente de pensamento norteadora de suas pesquisas (Tabela 2).

20%

13%

7%13%

27%

20%

A sala de aula

O currículo para o Ensino de Ciências

Avaliação da Aprendizagem

professores

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Tabela 2: Referenciais teóricos que norteiam as pesquisas dos mestrandos ingressantes em 2008, do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da UEA.

Ao falar sobre as dificuldades enfrentadas para a realização da pesquisa científica os mestrandos destacam (Figura 3) a falta de refer-encial teórico como fator principal, acompanhado da falta de tempo e do excesso de disciplinas do curso de mestrado, dentre outros fatores.

Ainda estou em fase de levantamento bibliográfico Apesar de já estar a aproximadamente um ano no programa, agora que vou começar a aprofundar meus conhecimentos no meu objeto de estudo. Todos os referenciais que tratam de tecnologia educacional, mapas conceituais e ensino de bioquímica. São escolhidos segundo a pertinência e a atualização do tema. A princípio tenho alguns referencias como Tomaz Tadeu, Aplle, Alice Casemiro, Fernando Hernandez, Ivani Fazenda. Estes são alguns, porém ainda estou iniciando a leitura. Escolho livros e artigos e olho suas referências e tento encontrá-los. Gosto muito de artigos, tenho lido Nardi, Mortimer e alguns outros. Primeiramente artigos relacionados à pesquisa, depois o referencial teórico com autores de referência mundial em ensino, especialmente os que trabalhem na minha área de pesquisa. A história das ciências sem a filosofia da ciência é cega, a filosofia da ciência sem a historia da ciência é vaga, nesse sentido acredito que ensino de ciência sem a filosofia, epistemologia e história das ciências é cega, vaga , sem princípios e concepção, por esse motivo busco teóricos que me possibilitem estas abordagens históricas e epistemológicas No ensino de biologia tem poucos materiais, basicamente tem se adaptado de outras áreas. No ensino de ciências tem se usado referencias de São Paulo e Campinas (USP e UNICAMP), principalmente a partir de Moreira, Gandoti, Nagem, Nardi, Harrison e Guedin, com os eixos dentro do entrelaçamento de conteúdos da biologia, complexidade, modelos mentais, analogias e metáforas. Autores que dissertam sobre educação em ciências como Cachapuz, Nardi, Fourez, Krasilchik, Galiazzi, Chassot, entre outros Tenho referência na epistemologia e na história da ciência, assim como artigos científicos atuais.

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Figura 3: Dificuldades encontradas na realização da pesquisa científica em ensino de Ciências pelos mestrandos ingressantes em 2008, do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da UEA.

Ao propor-se que os mestrandos definissem uma palavra que sintetizasse o que é pesquisa científica em ensino de ciência, a pala-vra mais citada foi “necessária”. Além dela, surgiram expressões como relevante, fundamental, pontual, estimulante, relevante, essencial, e busca.

Considerações Finais

A pesquisa científica no Ensino de Ciências, enquanto área de estudo, tem características específicas já reconhecidas pela comuni-dade científica. Inúmeros pesquisadores têm se dedicado às temáticas da educação em Ciências, consolidando-a como área das ciências soci-ais, apesar de trabalhar com conteúdos científicos. Neste processo, a interdisciplinaridade é favorecida, pois diversas áreas do conhecimento

44%

13%

25%

6%6% 6%

Pouco referencial teórico

Excesso de disciplinas de mestrado

Pouco tempo de pesquisa

Faltade grupo de pesquisa

Idioma

Custo

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interagem em prol do ensino de ciências. Isso se revela no perfil dos profissionais que cursam o Mestrado profissional em Ensino de Ciências na Amazônia, onde a maioria dos alunos tem formação no campo das Ciências Sociais (Pedagogia/Normal Superior e Filosofia), Esta interface entre as diversas ciências é complementar e indispensável, enriquecen-do a Educação em Ciências.

A confusão expressa pelos mestrandos entre o que é pesquisa científica e a forma como ela é sistematizada denota dificuldades con-ceituais, já expressas pelos próprios alunos, ao descreverem como o principal problema para a realização de suas pesquisas o pouco em-basamento teórico na área de Ciências. São próprios mestrandos que buscam um caminho para a superação desta dificuldade, pois, a maioria está participando de grupos de pesquisa como um meio de aprofundar seus conhecimentos. Além disso, a pouca experiência com pesquisa científica, já que a maioria realizou apenas atividades de iniciação científica, pode contribuir para a construção do conceito de pesquisa expresso por eles.

Em relação às áreas de ensino a serem pesquisadas, as concep-ções alternativas de estudantes ainda tem a preferência dos mestran-dos, conforme tendência já apontada por Mortimer (2002), apesar da saturação desta linha de pesquisa, já destacada pelo mesmo autor. Esta opção pelas concepções alternativas pode ter como fator propulsor a principal dificuldade dos mestrandos, a falta de referencial teórico. Escolhendo uma abordagem já consolidada, a forma e o conteúdo da pesquisa são mais facilmente desenvolvidos e o objeto de estudo torna-se mais claro. Porém, o risco desta opção, conforme alerta Mortimer (2002) é o de tornar a pesquisa científica sobre ensino de Ciências pesquisas sobre o “já dito”, isto é, consensos.

Os vazios de informação em determinadas áreas tem sido deixados de lado, homogeneizando as tendências presentes nas pesquisas, que passam a não serem frutos de uma problemática real, mas da repetição de temáticas. Rupturas e refutações devem fazer parte do processo de pesquisa científica, gerando conhecimentos “novos” ou releituras do já existente. Para tanto, conforme os próprios mestrandos destacam, é preciso clareza sobre o objeto a ser pesquisado, assim como a corrente

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de pensamento que norteará a pesquisa científica, pois esta jamais é neutra. Ao destacarem nomes de autores e não referenciais percebe-se que as tendências investigativas no ensino de Ciências estão pouco claras para os mestrandos, mesmo tendo destacado que cursaram um grande número de disciplinas no mestrado.

A pesquisa científica em ensino de ciências, segundo os mes-trandos, é necessária e fundamental, porém os caminhos que levam a sua realização são recentes e ainda estão sendo desvendados pelos pesquisadores iniciantes a fim de que atinja seu principal objetivo, transformar a Educação em Ciências, tanto em espaços formais quanto não-formais.

Referências

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MOREIRA, M. A. A área de Ensino de Ciências e matemática na CAPES: em busca de qualidade e identidade. In: NARDI, R. (Org.) A pesquisa em ensino de ciências no Brasil: alguns recortes. Associação Brasilei-ra de Pesquisa em Educação em Ciências. São Paulo: Escrituras, 2007.

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6 A MULTIPLICIDADE CULTURAL NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA INTELIGÊNCIA LÓGICO-MATEMÁTICA: O PENSAR DE UMA

PEDAGOGIA NO CONTEXTO DAS TEORIAS PÓS-PIAGETIANAS

Luis Sergio Castro de Almeida 1

Resumo

O trabalho trata da prática docente no desenvolvimento da construção do conhecimento lógico-matemático, discute sobre a importância da dialogi-cidade entre o saber científico e o saber tradicional e como a escola tem desvirtuado seu papel quando evidencia somente os raciocínios línguístico e lógico-matemático. Reflete ainda, sobre o aperfeiçoamento do ensino e apre-ndizagem da matemática no contexto da escola básica, o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático no cotidiano do estudante e o processo mul-tidisciplinar de ensino-aprendizagem no contexto da relação da matemática com as outras ciências. Aponta para uma ação dialógica como possibilidade de reverter este quadro na escola, convidando os professores de matemática a reverem as suas práticas de ensino em conjunto com os outros colegas das outras disciplinas, na busca de uma educação multidisciplinar. Entende que, o fazer de uma educação para a diferença, que aceite o outro como um legítimo outro na convivência, uma educação que aceite, também, as outras culturas como legitimas, iguais e com possibilidades de enriquecer na interculturali-dade a si própria e às outras culturas, isso como perspectiva não só para a escola mais também para a vida, é um grande desafio na sociedade individu-alizada que se construiu hoje.

Palavras-chave: Inteligência Lógico-matemática. Prática Docente. Desigualdade. Cultura.

Introdução

Os antecedentes sobre a compreensão da inteligência, no pensa-

1 Professor do Centro Universitário do Norte – UNINORTE. Mestre em Educação pelo PPGE/FACED/UFAM. Pes-quisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicopedagogia Diferencial – (NEPPD) da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas.

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mento ocidental, com os filósofos gregos, a investigação sobre o que seria a inteligência humana sempre foi motivo de infindáveis dis-cussões. Sócrates defendia a hipótese de que as pessoas nascem dife-rentes umas das outras e essas diferenças são determinadas pelo fator hereditário.

Aristóteles criou um sistema formal de lógica para testar hipóte-ses fazendo inferências dedutivas, silogismos, Mondolfo informa que:

O silogismo é um discurso em que, estabelecidas algumas coisas (premissas) se deriva necessaria-mente algo diferente das premissas estabelecidas [conclusão], pelo fato mesmo de que elas são. Digo pelo fato de que elas são, no sentido de que delas se deriva a conclusão: e digo que delas se de-riva, no sentido de que não é necessário nenhum termo estranho para que se tenha necessidade (da conclusão) (apud ANDREY et al,1967, p.93).

Essas maneiras de abordagens sobre a inteligência permitiram

a formação de uma visão importante do termo, ou seja, o raciocínio abstrato, a habilidade e a argumentação eram objetivos essenciais nas escolas gregas com Platão, Aristóteles, dentre outros filósofos e, par-ticularmente, com os sofistas.

Com os racionalistas e empiristas franceses e ingleses, o debate sobre a inteligência toma novos rumos. Neste período, destaca-se, prin-cipalmente, a figura de René Descartes no século XVII, ele argumentava que “a mente é a fonte de nosso conhecimento mais certo – da nossa própria existência e da matemática”. Para Descartes, e para os racio-nalistas que o seguiram, algumas formas de conhecimento eram inatas (GARDNER, 1998, p. 47).

René Descartes considera a reflexão como caminho para se chegar às verdades evidentes, e a primeira certeza que ele chega é a de que é um ser pensante, pois outra importante crença para Descartes, neste sentido, era o pensamento de que a mente seria um dom dado por Deus e imortal. Ele também pensava que esta não possuía pro-priedades físicas, sendo, assim, separada do corpo e o corpo do homem

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era entendido como autômato ou como uma máquina, “um conjunto formado de nervos, ossos, vasos sangüíneos e músculos” (DESCARTES apud GARDNER, 1998, p. 48).

Essa idéia da separação entre mente e corpo ficou conhecida como dualismo. Thomas Hobbes e John Locke contestaram as idéias de Descartes. Hobbes acreditava em uma mente possuidora de um “algo corpóreo” e juntamente com outros cientistas que acreditavam em uma mente com base física no corpo, assim chamados materialistas.

Por sua vez, John Locke, não acreditava no conhecimento inato de Descartes, para ele a mente era uma “folha em branco”, exempli-ficava afirmando, “qualquer um que observasse um jovem bebê teria poucas razões para considerá-lo como armazenador de muitas idéias [...]” (LOCKE apud GARDNER, Idem). Locke, nesse sentido, torna-se o pai da filosofia empiricista britânica e, contrariamente aos raciona-listas, argumenta que todo o conhecimento humano tem como base a experimentação. As idéias, para ele, pelo menos a maioria, formavam-se de duas fontes.

A primeira proveniente de informações sensoriais transmitidas através dos nervos para o cérebro, o desenvolvimento das habilidades motoras, a percepção do mundo concreto através da visão, do olfato e do paladar. A segunda seria a percepção de que a mente tem suas próprias operações, a reflexão, que tem a ver com a comparação, a volição, o juízo, dentre outras.

Immanuel Kant consegue conciliar as idéias opostas, claramente conflitantes dos empiricistas e dos racionalistas, onde os empiricistas defendiam a idéia de que o surgimento dos pensamentos emanam da experiência e da informação sensorial e os empiricistas acreditavam numa mente possuidora de certos tipos de conhecimento inato, sendo estes independentes da experiência e das informações sensoriais.

Por sua vez, Kant acreditava na existência de uma natureza in-trínseca no intelecto, existindo antes da experiência. Para ele, a mente era equipada por determinadas categorias – unidade e quantidade, e determinados modos de aparecimento – tempo e espaço. Ele entendia que, na obtenção do conhecimento, o ser humano dependia, em parte, da experiência sensorial, assim como a compreensão que temos do

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mundo pelos sentidos não são altamente individualista ou subjetiva.Kant não concebia uma mente que percebesse o mundo sen-

sório apenas de maneira inata, entendendo ainda que os esquemas, representações mentais, eram responsáveis pela mediação do mundo da informação sensória e as categorias e modos inatos; delineando o esquema como parte de uma tentativa de “relacionar o mundo físico [...] ao mundo da arquitetura mental inata” (GARDNER, 1998, p. 49).

As Ideias Pós-Construtivistas de Howard Gardner: A Teoria das Inteligências Múltiplas

Uma inteligência também deve ser capaz de ser codifica-da num sistema de símbolos – um sistema de significados cultur-

almente criado, que captura e transmite formas importantes de informação. A linguagem, a pintura e a matemática são apenas três sistemas de símbolos quase universais, necessários à sobre-

vivência e produtividade humanas.

Gardner. Inteligências Múltiplas: A Teoria na Prática.

O interesse pelo estudo dos postulados de Howard Gardner para o que vamos desnvolver neste trabalho, em relação a matemática e a prática pedagógica, está relacionado ao fato de que suas investigações, sobre a idéia das Inteligências Múltiplas (1994), são de uma relevância importante. Essa ideia retoma o debate sobre a multiplicidade intelec-tual do ser humano e possbilitam novas posturas no campo da educa-ção.

A idéia da multiplicidade do intelecto foi ofuscada desde os es-tudos do QI, ideia esta que determina a inteligência como alguma coisa cristalizada, tal conceito foi desenvolvido no final do seculo XIX e iní-cio do seculo XX, por Alfred Binet e Simon, para medir a inteligência dos soldados do exército francês; posteriormente o governo da França aplicou os testes, nas escolas, em crianças de suas colônias na África.

Até hoje se percebe em nossas escolas ocidentais a evidência do raciocínio linguístico e lógico-matemático, onde tais enfoques tornam-se prejudiciais aos indivíduos com capacidades que não são evidencia-

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das na linguística e no raciocínio lógico-matemático. Sobre isso nos afirma Gardner (1993):

Um foco exclusivo nas capacidades lingüísticas e lógicas na instrução formal pode prejudicar os in-divíduos com capacidades em outras inteligências. Fica claro, a partir do exame dos papeis adultos, mesmo na sociedade ocidental dominada pela lin-guagem, que as capacidades espaciais, interpes-soais ou corporal-cinestésicas geralmente desem-penham papeis-chave. No entanto, as capacidades linguísticas e lógicas constituem o núcleo da maioria dos testes diagnósticos de “inteligência” e são colocadas num pedestal pedagógico em nos-sas escolas (p.33).

Howard Gardner, é psicólogo e neurocirurgião Professor da Uni-versidade de Harvard, em 1983 no seu livro intitulado Frames of Mind: the theori of multiple intelligences. Ele estudou o desenvolvimento de diferentes habilidades em crianças normais e talentosas, adultos com lesões cerebrais, populações ditas excepcionais, tais como os savants e autistas, etc.

Em seus estudos iniciais Gardner está convencido de que o ser humano possui sete inteligências que estão intercaladas entre si: a inteligência linguística, sendo mais expressiva nos poetas escritores; a inteligência lógico-matemática, expressa como capacidade cientifica, a inteligência espacial que é a capacidade que se tem de formar um modelo mental do mundo espacial e poder operacionalizá-lo usando esse modelo; a inteligência é evidenciada nos escultores, pintores, en-genheiros, citando alguns exemplos.

A inteligência musical, presente em músicos como Mozart, Beethovem dentre outros, a inteligência corporal-cinestésica, evidente nos bailarinos, pilotos de avião, as inteligências pessoais, intra e in-terpessoal, observada nos grandes líderes da história da humanidade, Gandi e Nelson Mandela.

Atualmente em textos mais recentes Gardner fala da inteligência

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naturalista, presente nos ecologistas e biólogos como Darwin. Gardner (1993) afirma que uma inteligência se define como: “a capacidade de resolver problemas ou criar produtos que são importantes num deter-minado ambiente cultural ou comunidade” (p.15).

Entende ele que não existe uma hierarquia entre elas, enfati-zando, ainda, a existência de uma dessas inteligências de uma maneira independente, embora exista essa independência, até certo ponto, elas raramente funcionam isoladamente, posto que o ser humano, sua per-cepção, sua expressão conformam um todo orgânico, sinestésico.

No sentido de que existem decodificações de uma inteligência para outra, como exemplo citamos o caso da musica decodificada em movimentos corporais na dança, funcionando autonomamente para resolver problemas surgidos no ambiente cultural e interno de cada indivíduo, segundo as prioridades de cada sociedade, ou situações da cotidianidade nas quais uma percepção conduz a mente a áreas inus-itadas, lembranças, cores, cheiros, formas dentre outras.

Ele acredita que processos psicológicos independentes são em-pregados quando o indivíduo lida com símbolos linguísticos, números, gestuais e outros. Esse cientista recebe influencia de Jean Piaget, no entanto distancia-se dele quando acredita que os processos de sim-bolização não partem de uma mesma função semiótica. Gardner dá grande importância aos estudos de Piaget, mais em sua opinião, acred-ita que ele tenha estudado somente os processos de desenvolvimento da inteligência lógico-matemática.

Sua abordagem parte dos estudos da ciência cognitiva e da neu-rociência e segundo ele, “é uma visão pluralista da mente, reconhecen-do muitas facetas diferentes e separadas da cognição, reconhecendo que as pessoas têm forças cognitivas diferenciadas e estilos cognitivos contrastantes” (GARDNER, 1995, p.13).

A Inteligência lógico-matemática se expressa como capacidade cientifica ou indutiva, estando capacidades dedutivas também envolvi-das, reconhecimento de padrões e trabalhos com símbolos; o perfil dessa inteligência aponta soluções de cálculos complexos e também raciocínio indutivo e dedutivo, presentes nos cientistas e matemáticos.

A inteligência espacial que é a capacidade que se tem de formar

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um modelo mental do mundo espacial podendo operacionalizá-la us-ando esse modelo. Esta inteligência é evidenciada nos escultores, pin-tores, engenheiros, citando alguns exemplos e as musicais, presentes em músicos como Mozart, Beethovem dentre outros.

A inteligência corporal-cinestésica, que é a capacidade de re-solver problemas ou de elaborar produtos utilizando o próprio corpo, sem dúvida alguma presente nos jogadores de futebol, pilotos de F1, ginastas, cirurgiões e artistas. Finalmente Gardner (1993) propõe duas formas de inteligência pessoal, segundo ele, “não muito bem com-preendidas, difíceis de estudar, mas imensamente importantes” (p.23).

A primeira é a inteligência interpessoal que é a capacidade de compreender outras pessoas e a sétima inteligência, a intrapessoal, que é uma capacidade de correlacionar as diversas entidades que compõe a interioridade individual. Atualmente Gardner (1997) defende a ex-istência de mais uma inteligência, a naturalista, afirmando que:

Essa oitava inteligência se refere à habilidade de reconhecer objetos na natureza. Em outras pala-vras, trata-se da capacidade de distinguir plan-tas, animais, rochas. É fácil perceber que isso é indispensável para a sobrevivência no ambiente natural. Já se sabe que áreas especificas do cére-bro entram em ação quando precisamos nos valer dessa habilidade. Botânicos e pessoas que trabal-ham no campo, por exemplo, precisam explorar a inteligência naturalista para dar conta de suas atividades. Podemos ainda citar o criador da Teo-ria da Evolução, Charles Darwin, como alguém que possuía a inteligência naturalista em nível muito elevado. E não se pode esquecer de que ela é vital para as sociedades que ainda hoje dependem ex-clusivamente da natureza, como alguns índios da floresta amazônica (p.20).

O referido professor discute, ainda, a possibilidade de haver uma nona inteligência sendo chamada de existencial, onde:

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Essa inteligência está ligada à capacidade de con-siderar questões mais profundas da existência, de fazer reflexões sobre quem somos, de onde viemos ou por que morremos. Ainda não aceito inteira-mente essa inteligência porque os cientistas não provaram que ela requer áreas especificas do cére-bro. Por isso digo que existem oito inteligências e méis, embora a afirmação possa parecer um pouco estranha à primeira vista (idem, ibidi).

São com essas estruturas que o ser humano parte para a busca da compreensão deste mundo que se apresenta para ele de forma tão complexa e variada, e sob esses aspectos o homem procurando constru-ir sua identidade, desenvolve internamente, um universo imaginativo próprio da espécie humana, sua subjetividade. Esse universo imagina-tivo é de vital importância para o processo de aprendizagem, vale aqui ressaltar que esse processo se dá, de uma maneira coletiva.

Neste momento, este cientista rompe com o paradigma ante-rior de entender como inteligência humana somente as manifestações da racionalidade, abrindo perspectiva para a construção de um novo horizonte para o pensar sobre as maneiras metodológicas no ensino-aprendizagem.

Implicações para a educação

As inteligências se manifestam de maneiras diferenciadas, nos níveis diferentes de desenvolvimento, neste sentido, tanto a avaliação quanto a estimulação precisam ocorrer de maneira apropriada, ou seja, o que se estimula no período de bebê não seria adequado nos estágios futuros, e vice-versa.

Para a criança na pré-escola e nos anos iniciais elementares, a instrução deve enfatizar a oportunidade. É justamente nesses períodos que os indivíduos podem descobrir algo sobre seus interesses e capa-cidades que lhes são característicos. Sendo assim, no caso de pessoas muito talentosas, como nos dizem Walters & Gardner apud Gardner (1993) “tais descobertas geralmente acontecem sozinhas, através de

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experiências cristalizadoras” (p.32).No momento em que uma experiência dessas ocorre, onde, em

geral, acontece no início da infância, o indivíduo reage de alguma ma-neira a alguma categoria ou aspecto que lhe atrai a um determinado campo. Assim, logo, ele sofre, como nos exlica Gardner (1993), “uma forte reação afetiva; sente uma afinidade especial com aquela área, como aconteceu com Menuhin quando ouviu pela primeira vez o vio-lino no concerto da orquestra” (p.33).

Daí então, em vários casos, a pessoa prossegue o trabalho no campo em que desenvolve aquela inteligência, com isso, de posse de um intenso conjunto de inteligências adequadas, consegue atingir uma alta capacidade naquela área num ritmo relativamente rápido. Sobre isso Gardner (1993) explica:

No caso dos talentos mais poderosos, essas ex-periências cristalizadoras parecem difíceis de evitar; e elas ocorrem mais provavelmente nos campos da música e da matemática. Entretanto, encontros especificamente planejados com materi-ais, equipamentos ou outras pessoas podem ajudar uma criança a descobrir seu próprio métier. Du-rante os anos escolares, algum domínio dos siste-mas notacionais é essencial na nossa sociedade. O ambiente de auto-descoberta do início da esco-laridade não proporciona a estrutura necessária ao domínio de sistemas notacionais específicos, como a sonata ou a álgebra (p. 32-33).

No contexto multicultural da Amazônia os postulados do cien-tista norte americano Howard Gardner, nos proporcionam um “novo olhar” sobre as questões relacionadas à inteligência humana, ao pro-cesso de aprendizagem e a influencia que a cultura exerce sobre o ser humano no que tange ao seu processo de desenvolvimento. Gardner nos alerta, em sua teoria das Inteligências Múltiplas, para o perceber de uma maneira multifacetada que os indivíduos têm de entenderem o mundo; não que com isso se venha fragmentar ou compartimentalizar o pensamento humano, ou criar formas de educação para cada uma das

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inteligências.Precisamos levar em consideração essa maneira diferenciada de

como se conformam as inteligências, ou melhor, os espectros das in-teligências em cada indivíduo, seu espectro de inteligência. É partindo dessa maneira diferenciada que o indivíduo tem de ver o mundo inteli-gentemente, que precisamos desenvolver uma pedagogia que não se feche somente nas inteligências linguística e lógico-matemática, com já comentamos.

Breve Reflexão sobre a Ação Pedagógica no Ensino e Aprendizagem da Matemática

Os estudos sobre a humanidade tornaram-se evidentes durante esses últimos anos. Precisamos levar em consideração, sobre o que es-tamos discutindo em nosso estudo, a maneira diferenciada de como se estruturam as inteligências, que só se concretizam em inteligên-cias muito diversas, ou seja cada um de nós estrutura seu espectro de habiblidades ou inteligências em conformação com sua história de vida e as condições definidas pala sua cultura.

Na prática docente o desenvolvimento da construção do con-hecimento lógico-matemático precisa partir da dialogicidade entre o saber científico e o saber tradicional, onde possam estar envolvidos os estudantes de graduação, os professores, os estudantes da Educação Básica e os pais. Esta prática se apresenta como necessária e urgente quando levamos em consideração o atual contexto escolar relacionado aos índices de avaliação do governo quanto ao aproveitamento dos es-tudantes da Educação Básica brasileira; em outras regiões da América Latina este quadro não é muito diferente.

O relatório Educação para Todos, publicado em 19.1.2010 pela Unesco, mostra que a baixa qualidade do ensino nas escolas brasileiras deixa as nossas crianças para trás em muitos aspectos relacionados à instrução básica. Para o presidente executivo do Movimento Todos pela Educação, Mozart Ramos, os dados reforçam que o maior desafio do país é a aprendizagem na educação básica. “Melhorar a qualidade é mais caro do que colocar a criança na escola.” Para a educadora Ângela

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Soligo, da Unicamp, o país “investe demais em avaliação e de menos na melhoria da qualidade”.

Diante disso, a ação pedagógica docente no ensino da matemáti-ca precisa possibilitar ao estudante a construção de sua habilidade lógico-matemática em consonância com as suas outras habilidades. A importância desta ação docente reside numa prática não só vinculada ao repasse dos conteúdos curriculares específicos da matemática, mas sobre tudo na necessidade que o estudante tem de compreender a rede complexa em que se interrelacionam os conhecimentos; de posse dessa compreensão o sujeito avança na sua visão de mundo.

Sobre a construção lógico-matemática do número pode-se com-preender que:

Ao longo do ensino fundamental os conhecimen-tos numéricos são constituídos e assimilados pels alunos num processo dialético, em que intervém como instrumentos eficazes para resolver deter-minados problemas considerando-se suas pro-priedades, relações e o modo como se configuram (BRASIL – Matemática, 2000).

Essa postura pedagógica, que tratamos aqui, aponta para uma formação humana voltada para a cidadania e o pensar de uma Educa-ção como formadora de indivíduos críticos, participativos, investigati-vos e conscientes; uma ação onde o trabalho coletivo tem importân-cia e relaciona-se a uma proposta de estudo contrária ao processo de individualização, da idéia de uma escola uniformizadora e formadora de um sujeito separado dos outros saberes que compõem a cultura humana.

Precisamos neste momento, como educadores e educadoras, criar mecanismos pedagógicos que estimulem professores e estudantes a engajarem-se nas ações de aperfeiçoamento do ensino e da aprendiza-gem da matemática, repensando as metodologias e os procedimentos pedagógicos do fazer educativo.

Ainda, desenvolver instrumentos metodológicos a partir de abor-dagens que levem em consideração a multidisciplinaridade que interre-

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laciona o ensino da matemática com outras habilidades do ser humano, mostrando a importância do desenvolvimento do pensamento lógico-matemático no cotidiano do estudante, isso nos remete a integração entre teoria e prática através de um processo multidisciplinar de ensino-aprendizagem no contexto da relação da matemática com as outras ciências, como já foi dito.

Como nos diz Machado (1993, p. 48), sobre isso:

A matemática desenvolve o raciocínio, frequent-emente, a sua enunciação, o termo raciocínio comparece ornado pelo adjetivo lógico; na maior parte das pessoas, há uma concordância implícita na associação do ensino da matemática com o de-senvolvimento do raciocínio lógico.

Sendo assim, o aperfeiçoamento do ensino e aprendizagem da matemática no contexto da escola básica, o desenvolvimento do pens-amento lógico-matemático no cotidiano do estudante e o processo multidisciplinar de ensino-aprendizagem no contexto da relação da matemática com as outras ciências, é um grande desafio levando em consideração que muitos de nosso professores e professoras ainda acr-editam que o fim do ensino da matemática está nos conteúdos, quase que esquecendo-se que a educação é para a vida. Considerações Finais

Sobre os aspectos relacionados à teoria das inteligências múltip-las, desenvolvidos em nosso trabalho, esta procura explicar a respeito da cognição humana, das diferenças dos seres humanos, sob a ótica de uma psicologia pedagógica pós-contrutivista, e ainda, como os fatores cult-urais influenciam, em parte, na construção da própria cognição humana.

As ideias da teoria das inteligências múltiplas de Gardner apre-sentam uma perspectiva importante para o campo da educação, no que trata de uma educação para a diferença, do que dissemos, também para a interrelação das múltiplas habilidades que se evidenciam nos estudantes permitindo-lhes a estruturação de seu espectro de inteligência.

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Sabemos que algumas questões paradigmáticas vêm se estrutu-rando neste século, e parecem convergir para pontos relacionados às questões ligadas a unidade na diversidade humana e a diversidade na unidade humana; um olhar para as diferenças culturais. Todos os indi-víduos, em qualquer sociedade, possuem todas as inteligências em algum grau de desenvolvimento, no entanto, algumas pessoas são consideradas “promissoras”. Essas pessoas, são altamente desenvolvidas nas capacid-ades e nas habilidades essenciais daquela inteligência que se evidencia em seu espectro.

Desse modo, esses indivíduos serão importantes para o desen-volvimento e avanço das manifestações culturais daquela inteligência, naquela situação social dada e dentro dos parâmetros colocados pela cultura. Na teoria das inteligências múltiplas, uma determinada in-teligência pode ser usada tanto como conteúdo educacional quanto como meio para transmitir o conteúdo. Com isso, abrem-se importantes alternativas para o ensino numa perspectiva transdiciplinar.

Exemplificando, vamos imaginar que a criança está aprendendo algum principio matemático mas não tem muito domínio da inteligên-cia lógico-matemática. Certamente essa criança, encontrará dificul-dades no processo de aprendizagem da matemática. A razão para a dificuldade desta criança está associada ao fato de que o conteúdo da matemática a ser aprendido encontra-se apenas no mundo lógico-matemático e deve ser comunicado através da matemática. Ou seja, não podemos traduzir o princípio matemático inteiramente em pala-vras, para o raciocínio lingüístico ou para os modelos espaciais.

Nesse caso, o professor precisa encontrar um caminho alterna-tivo para o conteúdo matemático, de repente, uma metáfora em algum outro meio. A linguagem provavelmente seria a alternativa mais in-teressante, ou um modelo espacial e inclusive uma metáfora corporal-cinetésica talvez sejam adequados para alguns conteúdos dessa disci-plina.

Nesse sentido, o reconhecimento da pluralidade das inteligên-cias e as diversas maneiras que os indivíduos têm de apresentá-las, na vida e na escola, tornam-se relevantes no sentido de uma educação que inclua não só esses indivíduos, mais também os povos de culturas

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diversas, pois cada um desses indivíduos, representa a unidade forma-dora da multiplicidade cultural.

Pensar uma educação para a diferença, que aceite o outro como um legítimo outro na convivência, uma educação que aceite, também, as outras culturas como legitimas, iguais e com possibilidades de en-riquecer na interculturalidade a si própria e às outras culturas, como perspectiva não só para a escola mais também para a vida.

Referências

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curricula-res Nacionais: matemática. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A. 2000.

GARDNER. Howard. A criança Pré – Escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la. Trad. Carlos Aberto S. N. Soares – Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

GARDNER. Howard. A Nova Ciência da Mente: uma história da rev-olução cognitiva. Trad. – Claúdia Malbergier Caon. São Paulo: EDUSP, 1997.

GARDNER. Howard. Estruturas da Mente: a teoria das inteligências múltiplas. Trad. Sandra Costa – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.

GARDNER. Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Trad. Maria Adriana Verisssimo Veronese – Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

GARDNER. Howard. Arte, Mente e Cérebro: uma abordagem cognitiva da criatividade. Trad. Sandra Costa – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998.

MACHADO, Nilson José. Matemática e Linguagem Materna: análise de uma impregnação mútua. 3. ed. São Paulo: Cortez. 1993.

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7 A EPISTEMOLOGIA DE KARL POPPER E O ENSINO DE CIÊNCIAS

Dayse Peixoto Maia 1 Evandro Ghedin 2

Ierecê Barbosa 3

Resumo

Pela grande quantidade de teses elaboradas por Karl R. Popper, nos mais versá-teis campos do conhecimento e da atuação humana, sua produção filosófica destaca-se como uma das mais profícuas do século XX. Nesta pesquisa bib-liográfica abordamos alguns aspectos de maior interesse para o desenvolvi-mento da ciência e questões correlatas a ela. A epistemologia das ciências desenvolvida por Popper embasa-se na preocupação acerca da origem do con-hecimento objetivo, defendido como único a possibilitar o progresso da ciên-cia por sua concepção evolutiva; tem por base o racionalismo crítico, como ficou conhecida sua filosofia da ciência. Declarou princípios para o progresso desta, apresentando uma nova proposta de método científico – da conjectura e refutação – onde as idéias devem expor-se aos testes e, portanto, à falseabi-lidade. Se não puder ser considerada falsa, não é científica. Busca a identifi-cação de erros nos sistemas teóricos através da discussão crítica racional e da aplicação de testes rígidos. Por este critério as teorias científicas são sempre conjecturais e provisórias, pois estão sujeitas a serem refutadas ou alargadas com o progredir da ciência. Do muito que sua epistemologia sugere, buscamos coligir propostas que norteiem o Ensino de Ciências, dentro dos atuais parâ-metros de exigências de uma educação mais emancipadora e menos livresca.

Palavras-chave: Filosofia da Ciência. Racionalismo Crítico. Ensino de Ciências.

1 Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected] Doutor em Educação pela Univerdade do Estado de São Paulo - USP. Professor do PPGEECA na Universidade Estadual do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected] Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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Introdução

Dos inúmeros expoentes intelectuais atuantes no século XX, Karl Raimund Popper destaca-se por atributos que o locam em uma restrita lista de estudiosos com extraordinário âmbito de aplicação de suas ob-ras que transcendem múltiplos campos do conhecimento, a saber, da física à música, da sociologia política à filosofia da ciência. Suas teorias metodológicas, políticas e sociais, abarcam o mundo natural e social com influências notórias no desenvolvimento do conhecimento hu-mano. Erudito por espírito, autodidata por determinação - aprendeu grego sozinho para estudar a obra de Platão no original. Insatisfeito com os rumos do conhecimento científico opôs-se desde jovem ao posi-tivismo lógico, corrente filosófica então predominante e propagada pelo influente Círculo de Viena, e a seu princípio de verificação, por não garantir racionalidade à ciência. Sua mente inconformada e audaciosa alcançou percepções nunca antes atingidas, ou pelo menos explicitadas e corajosamente sustentadas, apesar das inúmeras críticas cáusticas que recebeu ao longo de sua vida, sobretudo na década de trinta quando publicou sua teoria da refutabilidade ou testabilidade dos sistemas teóri-cos. Segundo seus biógrafos, entre eles Frederic Raphael, Popper era homem de temperamento irritável e pertinaz, altamente perceptível, anti-indutivista, indeterminista, apaixonado opositor do totalitarismo e quase obstinado quanto a defender aquilo em que acreditava, chegando a bater-se com Wittgenstein, no Moral Sciencs Club por conta de uma réplica acalorada.

Visionário, compreendia diferentemente da grande maioria dos filósofos da ciência, honrosa exceção a Gaston Bachelard, que o conhe-cimento não é algo acabado em si mesmo, mas um processo evolutivo constituído pela agregação de teorias racionais obtidas, não pela busca da verdade, mas pela detecção de erros que nos levam a progredir. Seu critério de refutabilidade não foi elaborado com o intuito de confrontar as teorias historicistas, apesar tê-las aniquilado após a publicação de “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos” e “A Miséria do Historicismo”.

De todos os pujantes aspectos dos quais ocupou-se, sejam sociais ou científicos, Popper interessou-se basicamente sobre o problema de

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como compreender o mundo onde vivemos ”e, portanto, a nós mes-mos, que fazemos parte dele, e nosso próprio conhecimento” (POPPER, 1982, p.161). Esta concepção perspassa toda sua obra independente do campo abordado. Como observou o escritor, filósofo e político inglês Bryan Magee, que há muito tem se dedicado à filosofia da ciência,

Só aos estudiosos mais esforçados, de mentalidade aberta, é que se descortina o panorama global do pensamento de Popper; só a esses estudiosos, que podem ter lido toda a vasta obra de Popper, é dado ver que as partes em que se desdobra se interligam entre si e constituem porções de um único sistema explicativo que se aplica a toda a experiência hu-mana (MAGEE, 1973, p.18).

Outra característica notória dos escritos de Popper, principalmente na Filosofia da Ciência e na Ciência Política, é a abundância de argu-mentos que apresenta em relação a todas suas proposições; utiliza com propriedade seus fartos conhecimentos em lógica, matemática, física e ciências sociais. Foi ao longo de seus muitos anos, uma mente inquieta, intelectualmente produtiva que propagou em última análise, a ética e a moral como elementos indispensáveis a todas as formas de atuação, deplorando qualquer idéia ou ação que objetasse ao contrário dos valores humanos.

O conhecimento objetivo

Em sua obra Conjecturas e Refutações (1982), Popper explicita que a ampliação do conhecimento era considerada o problema mais importante a ser equacionado pelo ser humano, o que tentamos na ciência descrevendo e explicando a realidade. “Quanto mais aprende-mos sobre o mundo, quanto mais profundo nosso conhecimento, mais específico, consciente e articulado será nosso conhecimento do que ig-noramos – o conhecimento da nossa ignorância” (POPPER, 1982, p.57).

O crescimento de todo conhecimento consiste na modificação de algo previamente estabelecido, que é alterado com a finalidade de se

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aproximar da verdade, o que significa dizer que o conhecimento é de natureza provisória, já que raras descobertas científicas são “aciden-tais”. Pela análise popperiana (1982), o conhecimento avança através da discussão crítica racional e de refutações das teorias científicas, porque conduz ao aperfeiçoamento destas, tornando seus conteúdos mais próximos do real. “Na ciência há muito menos acumulação de con-hecimento do que uma transformação revolucionária de teorias cientí-ficas” (POPPER, 1982, p.155).

A teoria do senso comum do conhecimento não respondeu aos anseios de Popper (1975) já que nela o conhecimento é uma crença tão qualificada que é tida como verdadeira, ignorando a existência do conhe-cimento objetivo. Nesta mesma obra, também criticou a teoria subjetiv-ista do conhecimento. Descartes em seu Discurso do método, explicitou esta teoria alegando que é necessário existir um sujeito conhecedor, já que conhecer é uma atividade humana. “É o ser subjetivo quem con-hece” (POPPER, 1975, p.77).

Popper (1972) distingue dois tipos de conhecimento: subjetivo (consciência individual) e objetivo ou conjectural (relacionado ao con-teúdo lógico de nossas teorias), independente de crenças ou de disposição de um sujeito. Segundo a apreciação de Bryan Magee “o conhecimento, no sentido objetivo, é conhecimento sem conhecedor: é conhecimento sem um sujeito da cognição” (MAGEE, 1973, p.73), porque independe da ação cognitiva de alguém. O mais importante nesta categoria, é o fato de ser conjectural, ter caráter hipotético e não de algo indubitavelmente alcançado ou acabado.

A partir dessa forma de considerar, Popper propôs a tese dos três mundos (1975), que distingue a abrangência e os critérios do con-hecimento ou dos elementos deste. Por primeiro mundo considerou elementos materiais, físicos. Por segundo mundo, disposições mentais e comportamentais subjetivas, portanto, a cada sujeito; e por terceiro mundo, o pensamento objetivo e artístico, as teorias (verdadeiras e falsas) e também problemas ainda não solucionados, conjecturas e re-futações, com conteúdo completamente mutável pela nossa interação com ele, nos tornando racionais. O conhecimento objetivo está contido nele, que é de amplitude pública, coletiva, não possível no mundo dois,

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que é constituído pelo estado privado das mentes dos indivíduos.O autor distinguiu então o conhecimento como tendo duas for-

mas distintas, a saber:- Conhecimento subjetivo: chamado segundo mundo, é consti-

tuído pela subjetividade de nossas mentes, portanto tem caráter indi-vidual e cresce pela crítica imaginativa, mantém a epistemologia tradi-cional, sendo irrelevante para o conhecimento científico.

- Conhecimento objetivo: chamado terceiro mundo, é constituído por nossas expressões culturais, materiais e imateriais e pelos produtos de nossa inteligência. Apesar de surgir da interação entre linguagem e pensamento conceitual dos seres humanos, é amplamente autônomo. Revela-se através da análise das dificuldades científicas assim como de conjecturas e teorias intrínsecas a estas.

Interpretando essas idéias, Japiassu nos diz que,

Para Popper o universo da ciência faz parte da-quilo que chama de o terceiro mundo e não do segundo mundo. O terceiro mundo é o mundo das teorias objetivas, dos problemas e dos argumentos objetivos, “cortado” do mundo da subjetividade psicológica (segundo mundo). E contra todas as tendências irracionalistas de nossa época, Popper sempre proclamou sua fé no valor do conheci-mento racional e sua convicção de que as teorias científicas devem corresponder à realidade (JAPI-ASSU, 1979, p.104).

Infere-se que o conhecimento cresce através da crítica, de su-posições e de conjecturas ousadas, que pretendem encontrar não a verdade, mas eliminar erros; é um processo seletivo ao qual comparava com o darwinismo por não ser cumulativo, mas eliminatório (POPPER, 1972).

O conhecimento cresce através da substituição de conjecturas ou teorias por outras que atendam melhor à elucidação de nossos prob-lemas ou que não tenham sido refutadas, resistindo em parte ou no todo à discussão racional severa. Quando uma teoria se aproxima mais

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dos critérios que julgamos indicar a realidade do mundo, mostra-se mais eficiente que a anterior, esta nos traz novos questionamentos e problemas que deverão ser respondidos por novas conjecturas. Com-preende-se então que “o crescimento do conhecimento marcha de vel-hos problemas para novos problemas” (POPPER, 1975, p.236).

Em sua teoria do conhecimento pressupõe que só podemos con-hecer o mundo através da elaboração de conjecturas e refutações e da crítica racional sobre estas. Entretanto, ele não foi o primeiro a vis-lumbrar o caráter conjectural do conhecimento humano. Em sua obra Conjecturas e Refutações (1982), demonstra que pertence a Xenófanes (KIRK, G. S. e RAVEN, J. E. apud POPPER, 1982) os primeiros registros do reconhecimento do conhecimento como proveniente não do pro-cedimento indutivo, mas da tradição racionalista da discussão crítica; e que Heráclito partilhava da mesma percepção (POPPER, 1982). Estes foram predecessores do racionalismo ético de Sócrates e, séculos mais tarde, do racionalismo crítico de Popper.

A invalidez da indução segundo Popper

A questão da indução está alocada na base do conhecimento humano. O positivismo lógico postulava diferenciar a ciência empírica da pseudociência e da metafísica. A demarcação enganosa que julgava promover, baseava-se no método da indução e sua forte apreciação empirista derivada da experiência sensorial, decorrente do dogma rela-tivo ao significado dos enunciados universais, concepção esta ampla-mente difundida e alardeada no meio científico e filosófico das décadas de 1920 e 1930, principalmente após as publicações de Wittgenstein (1994) e Carnap (1928), que pregavam uma reconstrução empirista do conhecimento científico.

Entretanto, já em 1740, David Hume questionou o problema da indução demonstrando que a observação é imprópria para sustentar enunciados gerais irrestritos, porque não é possível antever o futuro. Desta forma a indução se retro-alimenta por considerar-se válida em si mesma; nos conduz à verificação de nossas idéias, entendida como a confirmação através de exemplos, o que alimenta o grau da probabili-

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dade, mas diminui a certeza do conhecimento.A verificação nada mais é que uma forma de falseamento, ou

seja, os enunciados empíricos são destituídos de verificação, porém falseáveis. Contornar a refutação reinterpretando os enunciados, não nos aproxima da validade científica porque minimiza o conteúdo desta, não garantindo a verdade da proposição e nem aumentando a probabi-lidade de ser verdadeira.

Hume havia então demonstrado que não é possível inferir teo-rias de afirmativas derivadas da observação; criticando a invalidez da indução, provou que ela é um fato psicológico, não lógico. O problema da indução, identificado então pelos não partidários do positivismo lógico, buscava saber se as inferências indutivas poderiam ser válidas para formular enunciados universais a partir de enunciados singulares embasados em experiências das ciências empíricas.

Popper (1982) complementa a crítica de Hume demonstrando através da lógica a impropriedade da indução, opinião também par-tilhada por Galileu (1972) e Einstein (1980), que falhou em dissipar a incerteza quanto ao que seria ou não científico, apontando-a como um mito incapaz de suster o conhecimento, já que é falível e variável podendo levar a um regresso infinito devido à fundamentação limitada pelo pequeno número de observações e a dificuldades intransponíveis por conduzir à incoerências e circularidades. O conhecimento progride através da identificação de problemas e na conseqüente busca de suas resoluções através da crítica e da lógica.

De acordo com esta reflexão, as teorias não podem ser inferi-das da observação (POPPER, 1975). O autor elaborou então, a tese do primado do problema, onde estabelece que o conhecimento científico comece pela determinação de um problema e não pela observação ou coleta de dados. Assim a teoria antecede a observação de forma a com-preendermos o que devemos coligir dela, sendo a prova empírica pos-terior à formulação de hipóteses.

Popper considerava que os dois maiores problemas da teoria do conhecimento eram o da indução e o da demarcação, sendo este último de maior relevância epistemológica por sua abrangência. A lógica in-dutiva tinha como critério de demarcação o dogma positivista do sig-

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nificado, onde somente o que pudesse ser verificado como verdadeiro teria algum valor.

Ele apresentou (1972) como critério de demarcação a falsiabi-lidade para os sistemas teóricos e não sua verificabilidade, onde uma teoria só seria tida como científica se fosse possível refutá-la pela experiência, concluindo acerca da impropriedade dos enunciados uni-versais a partir da aproximação dos critérios de verdade presentes nos enunciados singulares.

Atacou assim o indutivismo, destruindo o positivismo lógico. Foi ainda mais explicito ao afirmar que nossas teorias são tão somente suposições, conjecturas, hipóteses que no melhor dos casos podem ser aproximações da realidade, sem jamais serem tidas como verdade com-pleta, e que a partir da lógica formal se busca argumentos racionais e empíricos para se escolher uma teoria entre várias concorrentes; a eleita será então a mais testável, a que apresentar o maior grau de conteúdo informativo e principalmente a maior correspondência com os fatos. “A arte da argumentação crítica desenvolveu-se pelo método de experiência e eliminação de erro e tem tido a mais decisiva influên-cia sobre a capacidade humana para pensar racionalmente” (POPPER, 1975, p.217).

A diferença básica entre o critério indutivista e o de falsiabi-lidade proposto por Popper (1972) é que este busca a eliminação do erro pela crítica severa, enfatizando argumentos negativos referentes a determinada proposição, enquanto que a indução enfatiza exem-plos positivos nos quais busca inferir confiabilidade, ou seja, falsificar hipóteses é detectar as possíveis falhas. Para o autor esta deve ser a característica indispensável ao método científico por ser um critério antidogmático, distinguindo-se da irrefutabilidade pseudicientífica ou metafísica, que em nada acrescentam à ciência. Qualquer idéia cuja refutação seja inconcebível, não é científica porque é ela que garante o contato com a realidade, portanto o alargamento do conhecimento, enquanto que o acúmulo de evidências favoráveis promove a deterio-ração deste, já que não incita suspeita acerca da veracidade da teoria em questão.

Esta proposição foi de tal abrangência para a filosofia da ciência

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que durante décadas, e ainda hoje, é objeto de estudo ainda não es-gotado, pois,

“a teoria de Popper é uma explanação da lógica e da história da ciência [...] é o fundamento racio-nal da ação dos cientistas, é uma teoria que ex-plica de que modo se desenvolve o conhecimento humano” (MAGEE, 1973, p. 32).

Compreende-se então, que o conhecimento, segundo Popper, (1982) tem caráter permanentemente conjectural; “Nada pode ser provado ou justificado fora do campo da matemática e da lógica” (POP-PER, 1982, p.80).

O racionalismo crítico

Das muitas teses elaboradas por Popper publicadas em suas obras filosóficas, políticas ou sociais, durante sua carreira excepcionalmente produtiva, a mais antiga e conhecida é a da refutabilidade. Esta é embasa na compreensão de que o critério baconiano até então aceito, pelo qual a ciência se caracterizava por sua base observacional e indu-tiva, (enquanto as chamadas pseudociências e a metafísica se sustin-ham através do método especulativo), não enquadrava completamente teorias científicas comprovadas e amplas como a de Einstein (1980, 1999) e de Newton (2002); enquanto encampava placidamente as de Marx (2001), Freud (1972) e Alfred Adler (1967), que segundo Popper (1972) comprovou pela análise lógica, tinham a capacidade de acomo-dar-se a quaisquer fenômenos ou testes que as confrontassem, sempre buscando no princípio de verificação do positivismo, sua sustentação. Sua proposição traz como características das teorias científicas a test-abilidade, a refutabilidade e a falsificabilidade, no lugar da indução, para distinguir as teorias das ciências empíricas das pseudocientíficas ou metafísicas.

Até àquela época não havia uma demarcação clara entre ciência e metafísica, pois todas as formas de conhecimento científico eram

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profundamente influenciadas por esta. Frederic Raphael, estudioso das obras de Popper, nos lembra que “o que distinguia Einstein de Marx, Freud e Adler era que as idéias daquele expunham-se aos testes e, por-tanto, à refutação” (RAPHAEL, 2000, p.10). Popper Identificou então que a questão estava vinculada ao método científico que, embasado na indução levou Bacon (1973) e Descartes (1973) a apresentarem uma epistemologia que apesar de não mais compatível com o então de-senvolvimento da ciência, teve, indubitavelmente, sua relevância na história do avanço científico.

O que Popper percebeu como óbvio, e expressou em sua obra Conhecimento Objetivo (1975) não o era para seus contemporâneos, em especial para o tão influente Círculo de Viena que, liderado por Moritz Schlick (1988), proclamava o positivismo com seu empirismo lógico, o reduto mais plausível da ciência e apresentava a verificabili-dade como critério de demarcação entre ciência e pseudociência.

Este princípio diz que o significado de uma proposição é re-sultante dos dados empíricos oriundos da observação; única fonte de conhecimento. Popper não combateu a metafísica em si, pois não a considerava inútil (POPPER, 1975), mas o cientificismo que a encor-pava e compreendeu que a verificação assim como a indução impediam o crescimento da ciência conduzindo a teorias errôneas e muitas vezes circulares ou meras tautologias. – problema identificado por David Hume no século XVIII em sua obra Tratado da Natureza Humana.

Acerca desta proposição, Popper esclareceu que

Se não ousarmos atacar problemas tão difíceis que o erro seja quase inevitável, então não haverá crescimento do conhecimento. De fato e com as nossas teorias mais ousadas, inclusive as que são errôneas, que mais aprendemos. Ninguém está is-ento de cometer enganos; a grande coisa é apren-der com eles (POPPER, 1975, p.177).

Formulou, ainda muito jovem (Conhecimento Objetivo, 1975), sua tese de falsibilidade ou testabilidade, tendo a abordagem crítica como sua característica mais importante, segundo a qual a ciência só

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poderia progredir através do exame racional, ou seja, devemos buscar o que há de falso em nossa teoria, pela refutação, testando-a tão severa-mente quanto possível através da discussão crítica e de teses rígidas. Se ainda assim a teoria se mostrar válida respondendo pelo menos em parte ao problema que a originou, será considerada científica.

O método de Popper

O método por ele elaborado, também chamado de método da prova dedutiva, caracterizado por rigor lógico e ausência de dogma-tismo, consiste em formular hipóteses que pretendam responder a problemas, das quais devam ser deduzidas logicamente conclusões que, trabalhadas através de análise comparativa com o conhecimento já posto ou suposto, nos indicam se há ou não pertinência com a questão abordada.

Esse método elimina as teorias falsas por meio de afirmativas derivadas da observação; sua justifica-ção é a relação puramente lógica da dedutibilidade que nos permite afirmar a falsidade de assertivas universais se aceitamos a verdade de afirmativas singulares (POPPER, 1982, p. 86).

De modo geral, pode-se testar hipóteses através da comparação lógica coerente dos resultados. Este procedimento nos permite verifi-car se entre elas há algum avanço no conhecimento em suas aplicações científicas ou tecnológicas. Também é possível averiguarmos, através da lógica, se as hipóteses têm caráter empírico ou se são apenas tautologia (estas não têm conteúdo informativo apesar de terem enunciados verda-deiros). Se as inferências indicarem que são logicamente aceitáveis por suas coerências, as hipóteses serão provisoriamente aceitas; entretanto se as conclusões tiverem sido faceadas (refutadas por sua incapacidade de refletir integralmente a natureza dos fatos que as originaram), indi-carão que as hipóteses não são cabíveis e devem ser rejeitadas.

O princípio da falsiabilidade baseia-se no fato das leis nat-urais serem interdições ou proibições, pois no lugar de afirmações,

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apresentam negações de fatos ou estados relativos aos fenômenos naturais; portanto os enunciados estritamente existenciais não sendo falseáveis (porque não têm limites espaço-temporal) não podem por sua vez originar hipóteses falseáveis.

A falseabilidade é o critério posto para indicar se uma teoria é ou não pertencente à ciência empírica. O acréscimo de hipóteses auxiliares ao sistema teórico deve ter por objetivo tão somente a tentativa de cor-roborar com a teoria principal do sistema; se o grau de falseabilidade é aumentado, há um fortalecimento da teoria indicando então, um pro-gresso do conhecimento acerca do mundo. Devemos ter em mente que esta mensuração é proporcional à quantidade de informação empírica ou conteúdo presente numa teoria. Quanto maior este for, maior serão as oportunidades de falseá-la, já que afirma muito do mundo, ou seja, quanto mais ele proíbe mais ele declara sobre o mundo da experiência. O autor nos alerta sobre aquilo que podemos considerar método ao dizer

[...] A idéia do observacionalismo – de que con-hecemos o mundo porque o examinamos com ol-hos e ouvidos bem abertos – essa seria a matéria prima do conhecimento. Trata-se de um precon-ceito que tem raízes profundas; uma idéia que impede a compreensão do método científico (POP-PER, 1982, p.150).

O conhecimento assim adquirido, continua sendo conjectural e provisório porque somente o progresso científico demonstrará se esta teoria continuará a ser resistente a provas pormenorizadas, sendo cor-roboradas com o tempo ou se não se susterá após outras provas severas; infere-se então que as descobertas científicas são de cunho especula-tivo, podendo ser ampliadas, suplantadas ou abandonadas dependendo do direcionamento para o qual o desenvolvimento científico evolua.

O método empírico dedutivo como também é chamado, permite a identificação de teorias ou sistemas que representem nosso mundo. O que o caracteriza é seu modo de expor à falsificação severa, crítica e racional; o mais importante é que o método das ciências empíricas deve ser analisado pela pesquisa científica de forma crítica e criteriosa,

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eliminando-se assim os problemas da lógica indutiva, apresentando uma análise epistemológica clara e precisa, se abandonarmos a justificação de verdade de nossas teorias, já que todas são hipóteses e, portanto, podem ser substituídas. Sendo a verdade um critério regulador para nos-sas proposições, Popper propõe a concepção de verossimilitude. Este é um conceito comparativo mais acessível entendido como proximidade da verdade, ou seja, representa a idéia da aproximação da verdade abran-gente, reunindo o que se crê como verdade e conteúdo de uma hipótese possivelmente científica. O autor contrapôs este conceito ao de proba-bilidade que se refere à idéia de aproximação da certeza lógica ou de tautologias. Ele explica que,

A idéia da verossimilhança tem relevância especial nos casos em que sabemos que precisamos trabal-har com teorias que são, na melhor das hipóteses, aproximações, isto é, teorias a respeito das quais sabemos que não podem ser verdadeiras (o que acontece muitas vezes no campo das ciências soci-ais). Nesses casos podemos falar sempre de aproxi-mações maiores ou menores da verdade” (POPPER, 1982, p. 261).

Inferindo o Ensino de Ciências a partir da filosofia de Popper

A educação como prática social que vise à emancipação do pen-sar crítico como forma de inserção do sujeito, nos processos de con-strução histórico-cultural, só pode ser atingida através de uma atu-ação político-pedagógica reflexiva e ao mesmo tempo estendida para a práxis, que vise confrontar o aparelho ideológico constituído por nossa sociedade de classes. Segundo Paulo Freire,

Uma coisa é o esforço educativo libertador numa sociedade em que os desníveis econômicos e soci-ais são visíveis a olho desarmado, as contradições palpáveis e a violência exercida contra as classes dominadas pela classe dominante se faz a um

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nível grosseiro e primário. Outra coisa é o es-forço numa sociedade capitalista intensamente modernizada, com altos níveis do chamado “bem-estar-social”, em que as condições existentes são menos facilmente perceptíveis e a “manipulação das consciências” exerce um papel de indiscutível importância no mascaramento da realidade. Neste caso, mais do que no primeiro e por motivos ób-vios, o sistema educacional torna-se altamente so-fisticado, enquanto instrumento de controle social (FREIRE, 1978, p. 68)

A filosofia articulada à educação possibilita uma visão ampla, tanto da abrangência quanto das dificuldades intrínsecas a esta, cor-roborando para uma análise dialética indispensável a sua avaliação e desenvolvimento, no sentido de promover ordenamento e equilíbrio social. A escola é por natureza o espaço socialmente constituído para a promoção de atributos que perspassam em muito, a simples aquisição de conhecimento secular, por mais importante que estes sejam.

A emancipação do pensamento é o primeiro passo para a con-strução do conhecimento, se partir de um pensamento ontológico-so-cial. Este pressuposto permite analisarmos de que forma a educação e em especial, o Ensino de Ciências tem propiciado construção significa-tiva de conhecimento emancipador em relação às demandas ideológi-cas de nossa sociedade. Pensar uma escola de qualidade que abranja os estratos mais inferiores da organização sócio-econômica brasileira, perspassa a ética pedagógica e se alarga como um resgate social devido a milhares de crianças e jovens que têm na educação, a única chance de conquistar dignidade para suas vidas.

Articulando-se o ensino de ciências na Amazônia com as poucas idéias popperianas aqui explicitadas, obtêm-se um instigante quadro de possibilidades relacionadas à qualificação do processo de ensino apren-dizagem. Popper (1972) buscava a compreensão lógica dos fenômenos através da sistemática crítica racional sem importar-se com a dominân-cia dogmática, qualquer que fosse ela. O ensino de ciências necessita de um balizamento pertinente a esta idéia, sair da zona de conforto e

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confrontar atitudes didático-pedagógicas que apenas reproduzem uma atitude docente ineficaz. Popper (1975) afirmava que não devemos ter medo de errar porque aprendemos com nossos erros, só eles podem nos alavancar tirando-nos do lugar comum, ou talvez de lugar nenhum, con-forme indicou o diagnóstico do Programa Internacional de Avaliação de Alunos realizado pela Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia a educação no âmbito internacional. Em seu último teste, realizado no final de 2006, o Brasil ficou em 52º lugar em ciências, num grupo de cinqüenta e sete países, muito próximo do Quirguistão – país do qual a maioria dos brasileiros nunca ouviu falar e último colocado da lista. Apesar das significantes melhorias das últimas décadas, nossa educação ainda é ineficiente quando comparada com países com renda per capita próxima à nossa. Aplicando-se o método de Popper (1975) a este problema, verificaremos que falta ensinar a pensar.

Somente o insubstituível raciocínio lógico é capaz de promover o alargamento do conhecimento. Atualmente ainda se pratica em muitas escolas a simples compilação de conteúdos e métodos já ultrapassados e desvinculados da realidade científico-tecnológica que perspassa to-das as áreas da atividade humana atual.

O ensino de ciências destaca-se dos demais componentes cur-riculares porque articula os fenômenos naturais à existência humana; seu domínio promove além da habilidade de solucionar problemas, a capacidade de redimensioná-los obtendo soluções inéditas e possivel-mente melhores – ao que Popper em Conjecturas e Refutações, chamou de “deduzir algumas das regularidades do mundo conhecido da ex-periência ordinária, [...] as tentativas de explicar assim o conhecido pelo desconhecido.” (POPPER, 1982, p.130).

Ao ensinar ciência deve-se proceder como no desenvolvimento de um sistema teórico: através da investigação, da interpretação de ex-periências e da resolução de problemas, conduzindo o estudante não ao “conhecimento”, mas à vontade de conhecer. O quê falta? Muito já se discutiu sobre a problemática da educação brasileira; talvez, parafrase-ando Popper (1982, p.97), os educadores devam educar – devam tentar resolver problemas educacionais em vez de falar sobre educação.

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Considerações finais

A filosofia do conhecimento proposta por Popper traz uma ruptura com a tradição aristotélica que prevaleceu por séculos, onde o senso comum era a base do conhecimento científico, sendo, entretanto, des-qualificado pela subjetividade e falta de ordenamento lógico, que lhe era inerente.

Podemos aqui fazer um paralelo com a educação tradicional que também por séculos se proclamou a única e melhor forma de educar. En-tretanto, o desenvolvimento da ciência e da sociedade colocou em xeque a pedagogia da transmissão linear e copilativa, quando não respondeu mais às necessidades postas pelas demandas intelectuais e mercadológi-cas de nossa sociedade em constante convulsão evolutiva.

Apesar das benfazejas modificações no ensino já em processo nas últimas décadas, com movimentos como os do professor pesquisador e professor reflexivo que contam, no Brasil, com contribuições de autores como André (2007), Fazenda (2007), Pimenta & Ghedin (2002), Libâneo (2007) e muitos outros que também têm postulado significantes leituras acerca da problemática que dificulta o ensino em nosso país; ainda é pouca expressiva a qualificação docente, assim como a eficácia de sua práxis.

Muito tem sido feito. Muito mais ainda há por fazer. Apesar de esforços pessoais e coletivos ainda é persistente a prática tradicional que se constitui quase como um movimento de resistência às novas e necessárias abordagens.

Fazendo-se um paralelo entre o Ensino de Ciências e as idéias de Popper, podemos inferir quase que com absoluta certeza, que ele diria faltar criticidade e determinação no enfrentamento das dificuldades em relação às mudanças já vislumbradas. Diria também, àqueles que já se posicionaram de forma mais reflexiva e atuante, que se mantenham firmes perante as críticas, muitas vezes pertinazes, pois estas são fru-tos da cegueira epistêmica dos que não conseguem desenhar a prob-lemática em sua totalidade, ou que pretendem continuar a defender aguerridamente suas posições, sem jamais considerar o desenvolvim-ento de outras possibilidades.

As proposições popperianas sobre o conhecimento ser conjec-

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tural, portanto, evolucionista e da crítica para alcançá-lo, responde plenamente as inquietações que visam o alargamento do Ensino de Ciências de forma a proporcionar a construção pessoal e, na seqüência, coletiva, de conhecimentos relacionáveis ao cotidiano, respondendo inclusive às demandas tecnológicas impingidas por nossa sociedade cada vez mais imbricada nos produtos da tecnologia e nas demandas interpessoais.

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8 OS PROCESSOS COGNITIVOS DA CRIANCA, A FORMAÇÃO DECONCEITOS E ENSINO DE CIÊNCIAS.

Maria do Livramento Galvão 1 Patrícia Lizardi 2

Augusto Fachín Téran 3

Resumo

Este artigo sinaliza uma busca do entendimento sobre o desenvolvimento individual da criança perante os fenômenos relacionados à forma como o significado dos conceitos são desenvolvidos tanto nas interações sociais quanto no contexto escolar. Discorre sobre a tendência construtivista que, de certa forma, contribui com a compreensão dos processos cognitivos na construção da aprendizagem e no desenvolvimento dos conceitos. A formação dos conceitos espontâneos e científicos é apresentada sob a ótica das contribuições de Piaget (1987), Vy-gotsky (1998, 2003) e Ausubel (1980) com ênfase na construção da aprendiza-gem significativa. As concepções alternativas (idéias prévias) que as crianças têm, adquiridas por suas experiências vivenciadas em contextos não escolares são valorizadas neste trabalho como forma de crescimento intelectual que via-bilizam o desenvolvimento dos conceitos científicos numa constante relação formada por “subsunçores” que formam “rede de relações de conhecimentos” no ensino de Ciências.

Palavras-chave: Processos Cognitivos. Formação de Conceitos Espontâneos e Científicos. Ensino de Ciencias.

Introdução

A formação dos conceitos espontâneos e científicos é apresen-tada sob a ótica das contribuições de Piaget (1987), Vygotsky (1998, 1 Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected] Doutora em Psicologia pela University of Arizona - UA. Professora do PPGEECA. E-mail: [email protected] Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia - PPGEECA, na Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

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2003) e Ausubel (1980) com ênfase na construção da aprendizagem significativa. As concepções alternativas (idéias prévias) que as cri-anças têm, adquiridas por suas experiências vivenciadas em contextos não escolares são valorizadas neste trabalho como forma de crescimen-to intelectual que viabilizam o desenvolvimento dos conceitos cientí-ficos numa constante relação formada por “subsunçores” que formam “rede de conhecimentos” no ensino de Ciências.

De certa forma, esses conceitos formados em “rede de conheci-mentos” desvirtuam da idéia de conhecimento isolado e, configura-se na perspectiva de formação do perfil conceitual ou perfil epistemológi-co que cada indivíduo desenvolve conforme suas capacidades cogni-tivas e suas experiências vividas no contexto sócio-histórico (BACH-ELARD, 1996; MORTIMER, 2000).

Com base nessa tendência de aprendizagem, Mauriet et al. (2006) consideram que os alunos aprendem conteúdos escolares graças a um processo de construção do conhecimento elaborado por eles próprios, abordando que esse processo só se efetiva quando equivale a elaborar uma representação pessoal do conteúdo objeto de aprendizagem.

Na visão construtivista, o aluno é um sujeito protagonista do seu próprio processo de aprendizagem, alguém com capacidade de receber informações, de processá-las e convertê-las na formação de seus con-hecimentos próprios, em interação com outras pessoas e objetos.

Com base nesse enfoque, prioriza-se no ensino de Ciências o pro-cesso de conceitualização sustentado pela construção de significados criados mediante a interação social e interiorizados pelos alunos com significados diversos.

Formação de conceitos e Ensino de Ciências

Segundo o dicionário Aurélio (2001, p.171), conceito é a “ação de formular uma idéia por meio de palavras; definição; representa-ção de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais; categorização”. Na mesma linha de definição da palavra con-ceito, Mattos (2005, p. 143) a classifica como “grupo de palavras pelas quais se diz o que alguma coisa é [...] julgamento que se faz de

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pessoa ou coisa”. Nesse sentido conceito se restringe a uma definição específica, uma representação mental de um objeto ou evento ou definições enciclopédicas (CARVALHO et al, 2004).

Ausubel, Novak e Hanesian (1980) definem conceito, como uma palavra ou símbolo que rotula objetos, eventos, situações ou proprie-dades que partilham de atributos em comum. Nesse sentido, o conceito assume a conotação de definição associado a uma categorização com atributos específicos.

Na compreensão de Teixeira (2006), conceito denota duas con-cepções: uma que se refere a uma palavra ou símbolo que “rotula” alguma coisa que tem atributos em comum, tornando-se uma definição simplista e pontual, e outra que tem conotação complexa e se estru-tura como “rede de conhecimento”, articulada por várias concepções diferentes, presentes no esquema cognitivo de cada individuo.

Para Luria (1990) “a definição de um conceito é uma opera-ção verbal e lógica bem clara, na qual se usa uma série de idéias logicamente subordinadas para chegar a uma conclusão geral” (LU-RIA, 1990, p.113). Diante do exposto, considera-se que essa é uma atividade elementar do pensamento abstrato, no qual, pelo processo de definição, pode isolar qualidades essenciais pertencentes a uma determinada categoria, desprezando assim, seus atributos essenciais (AUSUBEL et al., 1980).

Na mesma ótica como tentativa da compreensão do termo con-ceito, numa perspectiva de ensino de ciências, Lima (2007), o clas-sifica como “representações mentais que, geralmente correspondem e se referem às classes de coisas no mundo” (LIMA, 2007, p. 156-157). No entanto, essa classificação leva à elaboração do conhecimento passando por processos de assimilação e transformação de categorias conceituais, tornando-os essenciais para a percepção, a expressão e o pensamento sobre objetos e eventos das experiências sociais sobre os quais interagimos no ambiente em que vivemos.

Os conceitos científicos se tornaram temas centrais no ensino das Ciências. Com eles são expressas explicações, propriedades e pre-visões para os fenômenos naturais. Em algumas situações são enten-didos como “rótulos”, aqueles que nomeiam um conjunto de atributos

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ou propriedades perceptíveis encontrados no mundo, com ênfase no aprendizado de definições (TEIXEIRA, 2006), em dissociação à rede de conhecimentos proposto pela capacidade de articulação do conheci-mento em que ele é empregado.

Pelo papel que os conceitos desempenham Nardi et al., (2004); Mortimer (2000); Carvalho et al., (2004) orientam como a aprendiza-gem tem sido objeto de investigação por parte dos educadores que se preocupam com o desenvolvimento desses conceitos estimulados na escola. Apresentam como os conceitos científicos têm sido trabalhados durante o ensino de ciências e sua relação com os conceitos cotidianos desenvolvidos pelo aluno por situações que ele próprio já vivenciou e construiu.

Astolfi e Develay (1990) propõem diferentes tipos de concei-tos. Para os autores, os conceitos são caracterizados por conceitos lingüísticos, conceitos matemáticos e conceitos científicos. Para mel-hor entendimento, elegem durante o diálogo, a explicação entre es-ses diferentes tipos de conceitos, apresentando alguns exemplos: de força, reprodução, respiração, átomo e ecossistema – como conceitos científicos; mesa, banheira, liberdade ou felicidade – como conceitos lingüísticos; e os conceitos matemáticos definidos por número, tan-gente, diferencial etc.

Como processo de compreensão dos conceitos científicos, os au-tores salientam que os conceitos têm características inseparáveis, pois, permitem explicar e prever. Isso implica que o conceito científico se designa numa relação que pode aparecer em diferentes situações. Um exemplo é o conceito de energia e calor. Esses conceitos se apresen-tam em relações constantes e em diferentes situações, se encontrando numa rede complexa de explicações que envolvem diferentes compo-nentes curriculares.

Para Vygotsky (2003), o processo de formação de conceitos distingue-se por dois tipos, ao que o autor os classificou como: concei-tos espontâneos e conceitos científicos. Os conceitos “espontâneos” ou “cotidianos” são aqueles conceitos desenvolvidos durante atividades práticas da criança, em suas interações sociais, enquanto que, os con-ceitos científicos são adquiridos por meio do ensino, em situações for-

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mais e sistematizados por um processo de ensino-aprendizagem que articula seu desenvolvimento processual e não, de uma forma final e definitiva.

Diante das orientações sugeridas por Vygotsky (2003), com-preende-se que a formação de conceitos diz respeito aos processos cotidianos, à experiência pessoal da criança e a instrução formal, à aprendizagem em sala de aula, que, em seu entendimento desenvolvem dois tipos de conceitos que se relacionam e se influenciam constan-temente. Esses conceitos cotidianos e científicos envolvem experiên-cias e atitudes diferentes por parte das crianças e se desenvolvem por caminhos diferentes.

Em pesquisa recente sobre a formação de conceitos em ensino de Ciências, Azevedo (2008) demonstra que “transmitir conceitos não logra resultado satisfatório quanto aos objetivos escolares” (AZEVEDO, 2008, p. 40). A demonstração da autora deflagra com a necessidade do professor construir caminhos que o ajude a decifrar os enigmas da re-lação existente entre os conceitos cotidianos e os conceitos científicos.

Assim, entende-se que, para que a criança tenha um bom desen-volvimento na formação de conceitos científicos é necessário que, ela tenha em seus conceitos cotidianos, mediados pela atividade de inte-ração coletiva com o mundo e com as pessoas, alcançado certo nível de desenvolvimento para que possa absolver um conceito correlato.

Isso tudo implica na compreensão de que o entendimento da criança sobre determinados conceitos são determinados por seus en-contros com o mundo físico, com as interações exercidas entre outros sujeitos e com suas experiências vivenciadas em seu contexto sócio-cultural, aspectos esses que contribuem com o significado e com o sentido de humanização do homem.

Esse processo de aprendizagem deve ser propiciado na escola, já que a mesma é considerada como espaço de socialização, espaço de in-teração com outras diferenças, compreendendo o que sugere Oliveira (1992) quanto ao processo interativo na escola evidenciando que, de alguma forma, essa interação propicia o acesso à cultura de outros mem-bros, ao conhecimento construído por processos metacognitivos, cen-trais ao próprio modo de articulação dos conceitos científicos.

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Nessa dinâmica, há o desenvolvimento dos alunos com relação à generalização dos conceitos, para que os mesmos (os conceitos) não se sustentem pela fraqueza resultante do “verbalismo” lingüístico.

Piaget (1987) denomina conceitos espontâneos, as idéias que a criança tem acerca da realidade, independentes dos conceitos não-es-pontâneos, que segundo o autor, são gradativamente substituídos pelos conceitos não-espontâneos, seguindo seus estágios de desenvolvimento cognitivo, partindo do mais simples para o mais complexo. É válido es-clarecer que Piaget considera os conceitos não-espontâneos como con-ceitos científicos.

Ausubel, Novak e Hanesian (1980) descrevem dois métodos de aprendizagem de conceitos, caracterizando-os da seguinte forma: 1) formação de conceitos (conceitos primários), que ocorre primordial-mente em crianças em idade pré-escolar; 2) assimilação de concei-tos (conceitos secundários), que é a forma dominante em crianças em idade escolar e fase adulta.

Na formação de conceitos, os atributos essenciais do conceito são adquiridos por meio de experiência direta e através de estágios sucessivos de formulação de hipóteses, teste ou generalização. Na as-similação de conceitos, os atributos essenciais do conceito são apre-sentados por definição ou pelo contexto, e então são relacionados à estrutura cognitiva da criança ou do adulto.

Assim, os conceitos libertam o pensamento, a aprendizagem e a comunicação do mundo físico, tornando possível a aquisição de idéias abstratas que servirão para categorizar situações novas e facilitar a assimilação e descoberta de novos conhecimentos. Esse entendimen-to perpassa os limites de que vivemos num mundo conceitual, e que a realidade que vivemos está relacionada indiretamente às proprie-dades físicas de nosso meio e aos nossos sentidos sensoriais.

Portanto, entende-se que tanto a formação como a assimilação de conceitos são essenciais e indispensáveis no processo de desenvolvi-mento da aprendizagem significativa para todas as fases do individuo. A idéia se estrutura da seguinte forma: uma criança de nove anos, em idade escolar pode formar conceitos a partir de atributos já existentes em seu intelecto, porém essa criança pode não ser capaz de assimilar esses conceitos de “maneira correta”. Dessa forma, o material poten-

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cialmente significativo que ela já tem, a conduzirá para um melhor processo de compreensão e ampliação desses conceitos já existentes, o que implica dizer que, esse processo se ampliará a cada nova experiên-cia, amparado por generalizações e categorizações.

Segundo Vygotsky (2003) “nos conceitos científicos que a cri-ança adquire na escola, a relação com o objeto é mediada, desde o início, por algum outro conceito” (VYGOTSKI, 2003, p. 116). Essa ori-entação nos faz entender que um conceito espontâneo ainda não tem uma organização consistente e sistemática, enquanto que, o conceito científico já se estrutura pela mediação de outros conceitos em maior complexidade.

O processo ensino-aprendizagem das Ciências Naturais é um meio favorável para o desenvolvimento dos conceitos científicos, desde que em sua aplicabilidade, possa gerar habilidades na estruturação do desenvolvimento cognitivo da criança, através de atividades pertinen-tes à sua realidade, de materiais significativos para sua aprendizagem e que, na construção do saber haja a participação e colaboração por parte de todos que compõem o processo, sobretudo, possibilidades de expressar, criticar, dialogar, indagar, questionar, formular hipóteses e resolver problemas.

Com base nessas reflexões sobre a formação dos conceitos, con-sidera-se que quem opta pelo ensino dos conceitos como “rótulos” considera o processo de aprendizagem dos mesmos como linear e regu-lar, sem conflitos, estruturados para produzir resultados já esperados e constatações já estabelecidas, no qual, o aluno é chamado a memorizar linguisticamente algumas definições.

Concorda-se com Bachelard (1996) quando sugere que para que haja mudança na postura do individuo, se faz necessário que haja rup-turas epistemológicas em suas ações para que se possa tornar uma espécie mutante, com espírito científico de homem que deseja saber e questionar, rompendo com certos obstáculos epistemológicos.

Assim, o professor de Ciências Naturais dos anos iniciais do en-sino fundamental, deve levar em consideração os vários elementos que compõem os processos de aprendizagem infantil, como: o pensamento e a linguagem, a maturação biológica, seus estágios psíquicos e espiri-

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tuais, suas experiências cotidianas, seu contexto sócio-histórico, sua pré-disposição para aprender, concebendo a articulação entre sua identi-dade e a diferença entre todos esses aspectos de aprendizagem.

As concepções alternativas e a formação dos conceitos científicos como rede de relações de conhecimentos.

Discussões intensas que têm marcado o ensino de ciências no âmbito de uma abordagem construtivista (GIL PÉREZ et al, 1999; MOR-TIMER, 2000; NARDI et al, 2004) refere-se às concepções alternati-vas, conhecimentos prévios, concepções espontâneas dos alunos. Essas concepções alternativas são por uns, aceitas como ponto de partida para compreensão do que o aluno já conhece, por outros, como preo-cupação que possam não ser coerentes com conhecimentos científicos gerando interpretações dicotômicas acerca do ensino de ciências como atividade complexa.

Carrascosa e Pérez (1999) influenciaram reflexões acerca das concepções alternativas (idéias alternativas) apresentadas pelos alu-nos de todas as modalidades de ensino. Os autores consideram que grande parte dos professores desconhece ou não levam em considera-ção as idéias alternativas dos seus alunos durante o ensino de ciên-cias e que a utilização inadequada de algumas estratégias de ensino não colaboram para a superação de algumas idéias que se formaram erroneamente por esses alunos.

Segundo Nardi et al (2004) “as pesquisas sobre concepções dos alunos e mudança conceitual foram influenciadas em maior ou menor grau por trabalhos de autores como, por exemplo, Piaget, Ausubel, Kuhn e Lackatos” (NARDI et al, 2004, p. 11). Essas pesquisas admiti-ram que as concepções, tanto de caráter espontâneo quanto cientifico correspondiam a conhecimentos da construção da mente humana, que esses processos de aprendizagem constituíam-se na interação entre elementos internos e externos.

Por outro lado, se torna inviável que os alunos recebam in-struções cientificas sem terem em suas capacidades mentais pré-con-cepções (idéias prévias) formadas acerca daquele conteúdo em estudo.

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Qualquer que seja o conceito em discussão, necessita-se da existência de concepções alternativas ou atributos essenciais para que haja um bom desenvolvimento das concepções cientificas (AUSUBEL, 1980). O que se entende que, “para aprender alguma coisa é preciso já saber alguma coisa [...] o conhecimento não é gerado do nada, é uma perma-nente transformação a partir do conhecimento que já existe” (WEISZ, 2004, p. 61). Considerações Finais

Considerando, que os alunos trazem para as salas de aula “noções já estruturadas, com toda uma lógica própria e coerente e um desen-volvimento de explicações causais que são fruto de seus intentos para dar sentido às atividades cotidianas, mas diferentes da estrutura conceitual e lógica usada na definição cientifica desses conceitos” (CARVALHO, et al, 2004, p. 05),se mantém acesa a perspectiva de compreender sobre como a criança aprende e como estrutura suas concepções espontâneas.

Os indivíduos apresentam organização cognitiva interna baseada em conhecimentos de caráter conceitual, sendo que as relações que es-ses conceitos estabelecem entre si apresentam-se de forma hierárqui-cas e complexas estabelecidas como rede de conceitos com grau de abstração e generalização.

Nessa ótica, compreende-se o que Teixeira (2006) apresenta diante de uma mesma situação e de um mesmo conceito, no que os entendimentos atribuem significados diferentes, distintos, tendo em base que as pessoas podem utilizar as mesmas palavras (símbolos), mas ter concepções diferentes, pois a complexidade existente entre a capacidade que cada indivíduo tem de ver e representar a realidade à sua volta caracteriza a complexidade de esclarecer as implicações de causa e efeito, os porquês e o como do fenômeno.

Nesse sentido considera-se que os conceitos científicos não podem ser ordenados de maneira linear. Cada conceito se encontra e interage no nó de uma rede complexa que pode envolver em geral, vários outros con-ceitos e outras áreas do conhecimento, devendo de certo modo, admitir que o conhecimento não possa ser desmembrado em áreas isoladas, mas

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em áreas que correspondam ao tratamento dos conceitos em estreitas conexões e relações entre o empírico e o cientifico.

Conforme reflexões realizadas com Azevedo (2008) acerca da formação dos conceitos em ensino de Ciências, entende-se que é im-portante que o professor se preocupe em conhecer um pouco sobre os processos de aprendizagem de seus alunos para não correr o risco de “transferir informações” ao invés de propiciar a construção do conhe-cimento individual, pois esses conceitos podem e devem ser mediados por processos cognitivos que se desenvolvem durante toda a vida do individuo.

Portanto, “se quisermos que nossos alunos aprendam o que en-sinamos, temos de criar um ambiente intelectualmente ativo que os envolva, organizando grupos cooperativos e facilitando o intercâmbio entre eles” (CARVALHO et al, 1998, p. 16). Essa expectativa corrobora com a reflexão de que o processo de aprendizagem das Ciências pos-sibilita um processo de crescimento mútuo vinculado pela “ponte de saberes” que propicia o encontro entre diferentes perspectivas culturais e interações dialógicas formando o “perfil conceitual” de cada pessoa.

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9 INVESTIGANDO A CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO DOPROFESSOR-PESQUISADOR EM UM PROGRAMA DE MESTRADO

PROFISSIONAL

Maria Trindade dos Santos Tavares 1 Mônica de Oliveira Costa 2

Luis Carlos Lemos 3

Amarildo Menezes Gonzaga 4

Resumo

O presente trabalho teve como objetivo investigar a concepção dos mestran-dos de um Curso de Mestrado Profissional no Amazonas sobre o papel do pro-fessor-pesquisador. O trabalho foi inspirado a partir da preocupação da relação entre pesquisa e prática docente, já que este curso de mestrado profissional tem como foco principal os profissionais que estão atuando em ambientes educacionais e, dessa forma analisar se a organização deste curso propicia a formação do professor-pesquisador. Consistiu em pesquisa bibliográfica e pes-quisa de campo, adotando-se uma abordagem qualitativa, e cujos dados foram coletados por meio de questionários com questões semi-abertas. Os resultados apontam que as atividades desenvolvidas por alguns professores favorecem o desenvolvimento da prática da pesquisa, entretanto tal atividade não está relacionada com a prática docente, mas sim com a produção de trabalhos científicos. Como sugestões, destacamos a possibilidade de aprofundamento das disciplinas do curso em questões didático-científicas e na construção de projetos didáticos, viabilizando a aplicação integral da proposta do professor-pesquisador para que os mestrandos estendam tal prática para o seu fazer docente.

Palavras Chave: Professor. Pesquisador. Mestrado Profissional. Ensino de Ciên-cias.

1Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected] Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected] em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected] em Educação pela Universidad Valladolid - UV. Professor do PPGEECA pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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Introdução

O Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências na Amazônia, de uma universidade pública do estado do Amazonas, foi implantado procurando atender as orientações e regulamentações da CAPES (2002) quanto aos Mestrados Profissionais, órgão que regula-mentou esse tipo de Mestrado por meio da sua Portaria Nº. 080/98. Em setembro de 2000 a CAPES criou uma área específica para lidar com propostas dessa natureza, ou seja, a área 46, Área de Ensino de Ciências e Matemática (MOREIRA, 2001), atualmente verificam-se a ex-istência de Mestrados Profissionais relacionados a diferentes áreas de conhecimento, como Engenharia e Administração (ANDRADE, 2004), havendo espaço para a ampliação dessa modalidade de pós-graduação, uma vez que atende a uma significativa demanda de profissionais que necessitam ampliar a sua base de conhecimentos e a sua capacidade de atuação, preservando, entretanto, a sua inserção no mercado de trabalho.

O presente curso de Mestrado Profissional apresenta entre seus objetivos a formação de profissionais qualificados para atuar preferen-cialmente nos ambientes de Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio), nas linhas de pesquisa Formação de Professores e Meio e Recur-sos. Nesse sentido, procura-se abordar conceitos e temáticas que per-mitam aos mestrandos desenvolver ações investigativas sobre temas relevantes para o Ensino de Ciências, envolvendo as áreas de Física, Química e Biologia, bem como a área da Matemática, visando formar alunos com autonomia para aprenderem continuamente em seu pro-cesso de desenvolvimento profissional. Desse modo, espera-se que os mestrandos possam realizar suas atividades docentes com competên-cia, tornando-se eficientes mediadores dos processos de ensino e apre-ndizagem, unindo para isso uma sólida formação de conhecimentos a uma capacidade de atuação profissional crítica e reflexiva, norteada pelo uso de estratégias diferenciadas de ensino que permitam aproxi-mar os alunos das conquistas científicas e tecnológicas atuais, desta-cando-se ai as Tecnologias de Informação e do Conhecimento (TIC).

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Nesse processo de formação de mestres, a pesquisa é componente fundamental, que necessita perpassar todo o processo de desenvolvi-mento acadêmico. Seja nos documentos ou na fala dos formadores, é comum encontrar o termo professor-pesquisador para designar a im-portância da pesquisa na formação do mestre. É evidente que podemos encontrar dezenas de textos para explicar esse conceito, mas acredita-mos que ele faz parte de um movimento de preocupação com um pro-fessor que é um professor indagador, que assume a sua própria reali-dade escolar como um objeto de pesquisa, como objeto de reflexão, com objeto de análise.

Mas, a experiência por si só não forma, pode ser uma mera repetição, uma mera rotina. Formadora é a reflexão sobre essa ex-periência, no sentido de permitir a possibilidade de contribuir para o desenvolvimento de uma investigação, ou seja, a pesquisa sobre essa experiência. Dessa forma, procuramos investigar como os estudantes do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências, de uma Universidade Pública do Estado do Amazonas concebem a formação do professor-pesquisador, no seu processo de desenvolvimento acadêmico.

A Pesquisa e as Políticas Educacionais

A formação de professores vem sendo uma preocupação constan-te no campo educacional, gerando ao longo do tempo, diversas per-spectivas em torno dessa temática, sendo uma possibilidade, a questão da pesquisa na formação do professor, o que vem gerando inúmeros debates na área de educação. A concepção da pesquisa tanto na forma-ção quanto na prática de professores vem buscando espaço em cursos de formação inicial e continuada, muito embora seja acompanhada por questionamentos e críticas.

As Escolas Normais foram as primeiras instituições de formação de professores criadas no Brasil. Pesquisas realizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas – INEP, realizadas nas Escolas Nor-mais do Ensino Médio, conforme Pinheiro, (1967, apud PIMENTA, 2008, p. 29-30), apontaram o distanciamento dessa formação com as ne-

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cessidades de uma escolaridade básica de qualidade, mostrando que o Curso Normal não partia da analise da realidade (na linguagem de hoje poderíamos dizer que não realizava pesquisa da prática, não possibili-tava a reflexão dos professores), não preparando os futuros professores para enfrentá-la.

Entre as décadas de 1960 e 1980, segundo Romanowski (2003, p. 35) as reformas de ensino definidas pelas Leis 5.540/68 e 5.692/71, para o ensino superior e o ensino de primeiro e segundo graus, respec-tivamente, estabeleceram medidas voltadas para a tendência tecnicista que separou o trabalho no interior da escola, entre os que planejam e os que executam. Essa proposta realizada na escola, principalmente nos anos 70, para Candau (apud ROMANOWSKI, 2006, p. 36) concebia o professor como um “técnico de ensino”.

A partir da década de 1990, com a reestruturação da sociedade, com a globalização da economia, dentre outras questões, ampliam-se os conflitos no interior da escola. A reorganização do trabalho e a intensificação do uso das novas tecnologias exigem dos trabalhadores maior desempenho em suas funções que vai além do fazer. Essas novas exigências do trabalho vão repercutir nas atuais políticas educacionais, exigindo do professor, maior titulação, cursos de aperfeiçoamento e de pós-graduação. Essa exigência por maior titulação está expressa na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 (RO-MANOWSKI, 2006, p. 37).

As novas propostas sobre essa formação passaram a rever a relação teoria e prática e os temas em discussão, incluem a relação ensino-pesquisa, destacando-se a ação das associações de professores (da Anfope), das Instituições como Associações e Sociedade de Profes-sores, assim como a de pesquisadores, como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED, dentre outras, que expressam o compromisso da categoria para a promoção da pesquisa, melhoria dos cursos de formação, da educação básica e superior (RO-MANOWSKI, 2006, p. 86-88).

Por intermédio da Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno 1, de 18 de Fevereiro de 2002, institui-se as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação

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Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. O Artigo 3º das Diretrizes que trata a respeito da formação de professo-res para atuação nas etapas e modalidades da educação básica observa princípios norteadores desse preparo para o exercício profissional es-pecífico, que consideram entre outros aspectos no Inciso III do Artigo em questão, a pesquisa como foco no processo de ensino e de apren-dizagem (BRASIL, 2002).

A proposta de pesquisa cogitada pelas Diretrizes como elemento para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em Cursos de Nível Superior (BRASIL, 2001), é argumentada por André (2001, p. 66), enfatizando que:

A importância de uma atitude reflexiva no trab-alho docente, o domínio pelo professor, de pro-cedimentos de investigação científica como o registro, sistematização de informações, análise e comparação de dados, levantamento de hipóteses e verificação, por meio dos quais poderá produzir e socializar conhecimento pedagógico.

Neste sentido, a postura do professor mediante a reflexão so-bre seu trabalho, possibilitando a sistematização e análise dos dados obtidos é um caminho para o professor ampliar e buscar por meio da pesquisa a produção de conhecimento, além, de suscitar novas per-spectivas sobre seu próprio trabalho contribuindo para sua formação profissional, e ao mesmo tempo dando sentido à sua prática ao prob-lematizar questões do seu cotidiano.

Há uma crescente demanda de investigações em torno da pro-fissionalização, identidade e saberes docentes, ao mesmo tempo no Brasil. No entanto, há carência de trabalhos que investiguem o profes-sor reflexivo/professor pesquisador e os fundamentos epistemológicos dessas pesquisas (PEREIRA e ALLAIN, 2006).

Autores como Zeichner (1998) nos Estados Unidos e Garcia (1998) na Espanha, realizaram pesquisas semelhantes e chegaram a resultados similares aos encontrados no Brasil. Contudo, o crescimento do movimento de educadores-pesquisadores ao redor do mundo, além

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de ser uma iniciativa contra hegemônica de formação docente, tem se constituído em um fenômeno mundial de formação de professores, baseado em um modelo crítico, que pode romper com a Racionalidade Técnica (PEREIRA, 2002, apud PEREIRA e ALLAIN, 2006).

Nas propostas de formação de professores, pode ser possível identificar a existência de pelo menos quatro perspectivas ou tradições de formação, sendo:

A perspectiva acadêmica, cujo enfoque da forma-ção é o domínio do conteúdo a ensinar; a per-spectiva da racionalidade técnica, com ênfase na formação técnica derivada do conhecimento científico; a perspectiva prática, pressuposto de que a formação se dá, prioritariamente, na e para a prática; a perspectiva da reconstrução so-cial propõe a formação de professores para ex-ercer o ensino como atividade crítica, com base em princípios éticos, democráticos e favoráveis à justiça social, defendida por Pérez Gómez 1992, 1988; Liston e Zeichner 1993; Garcia 1999 (LISITA, ROSA e LIPOVETSKY, 2001).

Na perspectiva da reconstrução social, agrupam-se propostas que defendem uma pedagogia crítica a favor das transformações soci-ais como os trabalhos de Zeichner, Giroux, Kemmis e Carr. É consenso dessas propostas uma formação que reconheça a natureza complexa do trabalho docente, e quanto a isso defendem:

A construção do conhecimento sobre o ensino pelo professor, por meio de sua própria reflexão, o que requer uma formação docente que lhe possibilite teorizar sua prática, participar da produção de seu conhecimento profissional, propor mudanças e agir de forma autônoma, tanto no contexto de sua atuação quanto no contexto social mais amplo (LISITA, ROSA e LIPOVETSKY, 2001, p.109).

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Dada a natureza complexa do trabalho docente, apontada pelos autores, no sentido da construção do conhecimento sobre o ensino, coloca-se como ponto importante, a formação acadêmica voltada para a pesquisa, como uma prioridade para a atuação profissional e, con-sequentemente, a influência dessa formação no seu fazer pedagógico.

Para André (2001), o movimento que valoriza a pesquisa na for-mação do professor é recente, surge no final dos anos 80, ganhando mais destaque na década de 90, tanto no Brasil, quanto no exterior. Embora essa questão seja discutida sob diferentes abordagens, há uma valorização da articulação entre teoria e prática na formação docente, ou seja:

Reconhecem a importância dos saberes da ex-periência e da reflexão crítica na melhoria da prática, atribuem ao professor um papel ativo, no próprio processo de desenvolvimento profis-sional, e defendem a criação de espaços coletivos na escola para desenvolver comunidades reflexivas (ANDRÉ, 2001, p.57).

Nesse processo de reflexão, o importante é que o professor possa estar em constante processo de formação, buscando subsídios para que sua atuação promova a interação com seus pares e as mudanças ne-cessárias no seu contexto escolar. Ou seja, é necessário que o professor tenha um desempenho dinâmico, no sentido de rever suas práticas e seu contexto, dentro de uma perspectiva teórica, e a partir daí desen-volva novos conhecimentos.

A maioria das propostas, de acordo com Lisita, Rosa e Lipovetsky (2001, p. 109, 110), aponta como meio para alcançar essas intenções, a formação de professores pesquisadores, ou seja, professores que pro-duzam conhecimentos sobre o pensar e o fazer docentes, a fim de que ao desenvolverem essas atitudes e capacidades possam reconstruir saberes, articular conhecimentos teóricos e práticos, além de produzir mudanças no trabalho docente.

Diante dessas perspectivas, a complexidade das atribuições a serem desenvolvidas pelo professor, requer um desempenho profission-

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al que vai além do trabalho individualizado, visando um campo mais abrangente no universo coletivo. Nesse contexto, é importante chamar a atenção para o fato da necessidade de eliminar a linha divisória entre pesquisadores acadêmicos e professores, pois é comum, no meio dos professores, o sentimento de distância entre o conhecimento produ-zido no interior da universidade e as condições reais de trabalho nas escolas (ZEICHNER e LISTON, 1996, apud PEREIRA e ALLAIN, 2006).

Uma possibilidade para o desenvolvimento da pesquisa apresen-tada por Zeichner e Liston (1996) é a academia, como um espaço onde professores e pesquisadores tenham oportunidades de interlocução, gerando e compartilhando conhecimentos, tomando contato com reali-dades diferentes e ampliando a compreensão do processo educativo e formativo. Segundo os autores, esse pode ser um instrumento poderoso de fortalecimento da profissão docente.

A relação entre a pesquisa acadêmica e pesquisa dos profission-ais da escola para André (2001, p. 64), não deve ser vista de forma dicotômica, mas como uma possível combinação, com benefícios para ambos os lados. Na visão de Lisita; Rosa; Lipovetsky a articulação entre pesquisa e formação, valoriza as diferentes abordagens entre pesquisa produzida pelos professores e a pesquisa acadêmica. Tais diferenças implicam em condições epistemológicas, de trabalho, de tempo, de tradição e finalidades.

A principal diferença entre a investigação tradicional, preocu-pada com a acumulação de conhecimento, e a proposta de formar pro-fessores pesquisadores, segundo Contreras, (1994, apud LISITA; ROSA; LIPOVETSKY, 2000, p. 118), é que:

A pesquisa acadêmica busca a originalidade, a validade e o reconhecimento de uma comunidade científica, já a pesquisa feita pelos professores não busca, tal validação, mas o conhecimento da reali-dade para transformá-la, visando à melhoria das práticas pedagógicas e à autonomia do professor.

Nesse sentido, a pesquisa apresenta dois lados, sendo um de cunho cientifico, por ser reconhecido no meio acadêmico e o outro,

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apenas de origem prática para atender determinada questão de uma realidade específica. Dessa forma, percebe-se que a pesquisa acadêmi-ca e a pesquisa dos professores apresentam aspectos específicos para satisfazerem necessidades distintas. Assim, diante de concepções que enfatizam a pesquisa acadêmica ou a pesquisa do cotidiano, Silva (2002), afirma que:

Uma não é mais científica do que a outra, pois se há construção de conhecimento quando o pes-quisador-professor da academia realiza suas pes-quisas, observando os cânones do campo cientí-fico, também há construção de conhecimento quando o professor-pesquisador transforma a sua prática, aproximando-a da realidade escolar e das necessidades e indagações de seus alunos, mas, faz isso como produto da investigação e da reflexão permanentes sobre as ações político-pedagógicas cotidianas (apud PEREIRA e ALLAIN, 2006).

Essa disposição entre a pesquisa acadêmica e a proposta do profes-sor pesquisador, entre os espaços acadêmico e escolar, por certo podem estar buscando um trabalho coletivo em sintonia com as necessidades do coletivo, como bem vimos em Zeichner e Liston(1996) quando propõem um trabalho entre professores e pesquisadores na academia.

Assim sendo, percebe-se a necessidade de que a pesquisa acadêmica possa estar mais articulada com as necessidades do contexto escolar, contudo, essa relação implica em que os cursos de formação trabalhem com uma perspectiva voltada para a pesquisa da realidade escolar.

A formação oferecida pela universidade nos cursos de graduação e pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado), com suas lim-itações, conforme Lüdke et al. (2001, p. 82) enfatiza em seu trabalho, parece constituir a base fundamental da preparação desses professores para o exercício da pesquisa.

Todavia, os cursos de formação por si só não representam as necessidades que envolvem o caminho a ser trilhado para a realização

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da pesquisa, pois conforme apontam os estudos de Lüdke et al (2001, p. 79), além da preparação acadêmica, os docentes também indicaram como instância auxiliares da formação para a pesquisa, a prática do-cente, a participação em congressos científicos, as leituras, a atuação em ONGs, etc.

Nesse sentido, Lüdke et al (2001, p. 79-80), afirma que a prática docente incentiva a preparação do professor, que encontra na pesquisa não apenas um meio de produção de conhecimentos novos, mas um veículo de aquisição e atualização para sua formação profissional.

Dessa forma, a prática docente quando articulada com a pes-quisa possibilita melhoria no desempenho do professor promovendo uma atuação mais dinâmica na mobilização do conhecimento, e conse-quentemente, no desenvolvimento de sua formação.

Nas últimas décadas houve um crescimento dos programas de estímulo à pesquisa, como os programas de iniciação científica finan-ciados por agências como o CNPq, por exemplo, possibilitando melhor preparação dos docentes, embora, essa iniciativa ainda tenha um al-cance limitado. O trabalho da autora evidencia que o relato dos profes-sores, considerou a preparação para a pesquisa recebida nos cursos de graduação como um ponto de partida fundamental, mas reconhecem que essa preparação é apenas inicial e atribuem ao curso de mestrado e doutorado a responsabilidade pela formação do pesquisador (LÜDKE et al., 2001, p. 82-83). Ou seja, faz-se necessário o investimento numa formação continuada.

A seguir faremos uma abordagem a respeito das concepções que percorrem o âmbito das discussões com relação ao professor-pesquisa-dor articulando formação e prática docente, mediante a concepção de alguns autores que pensam a respeito dessa questão.

Professor-pesquisador: um percurso histórico

A concepção de professor-pesquisador é um processo complexo e, como tal, pode ser abordada de várias maneiras. Em razão disso, faremos uma análise crítica do termo professor-pesquisador, buscando analisar suas implicações na prática educativa.

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Começamos indagando: será que professor e pesquisador são pro-fissões diferentes? Dentro da nossa cultura educacional são sim, ao es-tabelecer uma análise veremos que são elementos que se entrecruzam e podendo perfeitamente ser trabalhadas em conjunto, tanto um pro-fessor pode ser um pesquisador como um pesquisador pode ser um professor.

Na nossa sociedade o professor é visto como aquele que coloca em prática o conhecimento científico elaborado pelos pesquisadores que seguem modelos clássicos, desconhecendo a prática da sala de aula. A esse respeito comenta Sacristán (2005, p. 81-82),

Inicialmente desejo fazer três advertências ou ex-pressar três suspeitas. A primeira é de que os pro-fessores trabalham, enquanto nós fazemos discur-sos sobre eles. Não falamos sobre a nossa prática, mas sobre a prática de outros que não podem falar que não tem capacidade de fazer discursos. [...] suspeito que a maior parte da investigação sobre formação dos professores é uma investigação en-viesada, parcial, desestruturada e descontextual-izada, que não entra na essência dos problemas.

A reflexão sobre a ação faz parte da epistemologia da prática e, principalmente a partir de Dewey (1859-1952) que distinguiu o pensar rotineiro (guiado pelo impulso, hábito ou submissão à autoridade) e o pensar reflexivo (baseado na vontade e na busca soluções lógicas e racionais aos problemas).

Dessa forma, o professor também é um pesquisador quando agre-ga a sua prática a relação do ensino com a pesquisa. São vários dentre os estudiosos que defendem a interação da prática do professor como pesquisador, dentre eles destacamos Schön (2000), Nóvoa (1992), Fa-zenda (2002), Ghedin (2005), Lüdke (2005), Pimenta (2005).

Dewey serviu de inspiração a Donald Schön (1991) ao criar o conceito de prático reflexivo ou professor reflexivo. Em suas obras, Schön propõe os conceitos de reflexão-na-ação (o professor aprende a partir da análise e da interpretação de sua própria atividade), re-

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flexão sobre-a-ação (pensamento retrospectivo sobre um problema ou uma dada situação) e reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação (análise e reflexão crítica, a posteriori, sobre as características e os processos de sua própria ação, levando a auto-formação) como alternativa para melhoria do desempenho profissional do professor. Zeichner (1993) também desenvolve conceitos seguindo as mesmas vertentes, porém aliando reflexão e pesquisa.

Com o objetivo de ampliar a perspectiva de profissional reflexi-vo, explorada por Schön. Giroux (2003) apresenta a idéia de professor como intelectual crítico e transformador afirmando que:

Num sentido mais amplo, os professores como in-telectuais devem ser vistos em termos dos inter-esses políticos e ideológicos que estruturam a na-tureza do discurso, relações sociais em sala de aula e valores que eles legitimam em sua atividade de ensino. Com esta perspectiva em mente, gostaria de concluir que os professores deveriam se tornar intelectuais transformadores se quiserem educar os estudantes para serem cidadãos ativos e críticos.

Para Giroux o professor como intelectual crítico e transformador, transcende a figura do professor reflexivo da prática, pois articula a crítica e a possibilidade de manifestação contra as injustiças econômi-cas, políticas e sociais dentro e fora da escola.

Para Nóvoa (2001), todas as teorias convertem para o mesmo eixo central, ou seja, o professor deve ser formado para a reflexão crítica e para a pesquisa sobre sua ação. Na formação do professor reflexivo, intelectual, crítico, pesquisador e transformador da realidade abrem-se um novo campo de possibilidades onde está posta a inter-relação dialética entre ensino e pesquisa, reflexão e ação, teoria e prática, rompendo com o distanciamento entre a universidade e a escola.

Pimenta (2005) afirma que o ensino como prática reflexiva tem se estabelecido como uma tendência significativa nas pesquisas em educação, apontando para a valorização dos processos de produção do saber docente a partir da prática e situando a pesquisa como um in-

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strumento de formação de professores, em que o ensino é tomado como ponto de partida e de chagada das pesquisas.

Por outro lado, Charlot (2005) considera que a pesquisa educa-cional não entra ou pouco entra em sala de aula, pois os professores, na verdade, estão se formando mais com os outros professores dentro das escolas do que nas aulas das universidades ou dos institutos de formação. Assim,

Existe, na realidade, um afastamento muito im-portante entre a sala de aula e a pesquisa educa-cional. Isto porque, a pesquisa ocupa-se de certos aspectos do ensino, e o ensino é um ato global e contextualizado. Portanto, nunca a pesquisa pode abranger a totalidade da situação educacional. Por outro lado, a pesquisa faz análise, é analítica; o ensino visa as metas, os objetivos; o ensino tem uma dimensão axiológica, uma dimensão política; o ensino está tentando realizar o que deve ser, a pesquisa não pode dizer o que deve ser (CHARLOT, 2005, p.90)

A separação entre a pesquisa acadêmica e a prática profissional está relacionada às questões epistemológicas da educação como pro-fissão, aos modelos conceituais divergentes sobre a relevância do con-hecimento tácito e científico, assim como às formas como a pesquisa científica é difundida nos cursos de formação de professores.

Desse modo, a unificação da pesquisa científica com a prática profissional requer não somente a reconceitualização do magistério como uma profissão ancorada na própria Ciência. São necessárias, tam-bém, modificações nos sistemas subjacentes ao conhecimento, princi-palmente às relativas a desenvolvimento, validação e implementação de dados de pesquisa nas salas de aula. De acordo com Tardif (2000, p. 20):

[...] o conhecimento profissional exige uma par-cela de improvisação e adaptação a situações no-

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vas e únicas que exigem do profissional reflexão e discernimento para que possa não apenas com-preender o problema como também organizar e es-clarecer os objetivos almejados e os meios a serem usados para atingi-los.

O professor deve ser formado não só praticando a docência em sala de aula, como tradicionalmente ocorre nos cursos de formação de professores. Ao conhecer todos os setores da escola, participar de Conselhos de Classe, realizar atividades de reforço escolar, analisar di-retrizes, currículos e programas, pensar sobre as situações cotidianas da escola de forma fundamentada e crítica, buscando alternativas para as situações encontradas ou propondo alternativas para o aperfeiçoa-mento de práticas já existentes, estamos formando um profissional capaz de atribuir significado ao que observa e investiga, question-ando e buscando soluções de forma interativa e dinâmica aos prob-lemas, construindo seu próprio conhecimento de forma significativa, tornando-se agente de sua própria formação. Como protagonista do processo formativo, torna-se autônomo, sendo capaz de tomar decisões e construir sua própria história no contexto da sala de aula. Superar desafios, situações problemas e incertezas fazem parte do cotidiano de todo educador, porém saber enfrentá-los com competência, articu-lando saberes e experiência é um domínio que somente a formação investigativa e reflexiva dará conta.

Ghedin (2000) afirma que um professor reflexivo, é aquele que reflete sobre a sua ação antes, durante e após o desenrolar do trabalho. Por outro lado, a centralização do trabalho na própria experiência in-dividual e imediata do professor restringe a perspectiva de melhoria de ensino, e afeta a transformação da escola em um sentido mais amplo (LUDKE,1993). Em outras palavras, a supervalorização do conhecimen-to tácito poderia levar o professor a ignorar as variáveis que compõem o contexto no qual ele e seus alunos estão inseridos.

Pode-se dizer que a ressignificação da relação entre pesquisa e prática é, nesse contexto, decisiva na educação. Segundo Fazenda (2000) a pesquisa e o ensino exigirão a composição de uma nova abor-

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dagem, capaz de reunir os conhecimentos disciplinares mais diversos, tão diversos que passarão a considerar o indivíduo e a disciplina em sua dinamicidade histórica. Portanto, é necessário ir além do modelo tradicional, sem ignorar as suas contribuições.

No processo de construção de um novo modelo de pesquisa-en-sino ou ensino-pesquisa, talvez seja necessário compreender que tipos de conhecimento o professor deve adquirir e como os modelos teóricos são, de fato, aplicados nas salas de aula. De modo geral, considerando as diferenças de enfoques entre as abordagens teórico-metodológicas, o movimento de formação do professor pesquisador configura-se na ex-pressão do reconhecimento da importância da pesquisa na formação e no trabalho docente, considerando o papel ativo e crítico do professor como o sujeito investigador.

Esse movimento de caráter político, social e epistemológico pode representar uma das estratégias de ressignificação do trabalho do pro-fessor, ou seja, a partir de uma formação específica, esse professor investigaria e produziria explicações sobre o ensino e a realidade edu-cativa entendida como prática social.

Essa perspectiva de formação defende a possibilidade da pes-quisa na formação e na prática docente como instrumento de con-strução da autonomia do professor expressa no desenvolvimento de disposições para a produção e a reconstrução de saberes e para as mu-danças na prática docente. Por meio dessas investigações, pretende-se a compreensão e transformação do pensamento e da prática do profes-sor. A pesquisa seria, então, o fundamento da formação e do exercício docente.

Assim, compreendemos que todo professor deve experimentar em sua aula, ou seja, fazer dela um laboratório, abrindo os olhos dos seus alunos para vários processos de aprendizado. Tal prática será condicionada e construída pelos professores por meio das escolhas dos paradigmas de pesquisa e, conseqüente do conceito e tipo de pesquisa, como veremos no capítulo seguinte.

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Os paradigmas de pesquisa na formação de professores

A relação entre a pesquisa, a formação e a prática docente con-templa várias posições, muitas vezes polêmicas que precisam ser con-sideradas dentro das academias e por teóricos dessas áreas. É crescente a discussão de que professores da Educação Básica também sejam pes-quisadores de temas da sua atividade profissional (ANDRÉ, 2001).

No âmbito nacional, este movimento caminha em múltiplas di-mensões: Demo (1994) defende a pesquisa como princípio científico e educativo; Lüdke (1993) argumenta em favor da combinação da pesquisa e prática no trabalho e na formação docente; André (1991) discute o papel didático da pesquisa na formação docente; Pimenta (2000) mostra os resultados de trabalhos que evidenciam a possibili-dade de atividades de universidades em parcerias com escolas públicas.

No âmbito internacional, André (2001) destaca a manutenção de uma variedade de propostas, dando destaque: Zeichner (1993) que valoriza a colaboração da universidade com profissionais da escola de modo a desenvolver uma investigação sobre a prática; Stenhouse (1984) que concebe o professor como pesquisador da sua prática; Elliot (1996) que coloca a investigação-ação como espiral da reflexão, para melhoria da prática.

É evidente que tais teóricos reconhecem e valorizam a articu-lação entre a teoria e a prática e o valor dos saberes dos professores, permeados pela reflexão crítica. Desse modo, o papel da pesquisa na formação docente vai muito além da criação de termos para designar a relação entre ensino e pesquisa, mesmo porque existem diferentes mo-dalidades de articulação entre estes elementos, que são influenciados por inúmeros fatores, sendo que destacaremos os paradigmas de pes-quisa na formação docente, visto que são estes que definem as práticas de pesquisa. Segundo Chizzotti:

A pesquisa é um processo de interação do homem com um mundo. Aquele que se destina a realizar essa atividade, é reservada a função de observador reflexivo, o que o levará a seguir uma trajetória durante o percurso da investigação do problema.

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Ou seja, o pesquisador não é um mero observador da realidade, mas faz uso da observação para re-alizar uma investigação de determinado problema. Dessa forma, é fundamental que a pesquisa leve o homem a “transformar o mundo, criar objetos e concepções, encontrar explicações e avançar previsões, trabalhar a natureza e elaborar a suas idéias [...]” (CHIZZOTTI, 2005, p.11).

Este autor destaca que há dois grandes paradigmas de pesquisa: o experimental e o qualitativo. O paradigma de pesquisa experimen-tal está baseado no positivismo de Auguste Comte (1786-1873) para explicações dos fatos sociais e em J. Stuart Mil (1806-1873) para as investigações dos fenômenos psicológicos. Além disso, a pesquisa ex-perimental sofreu forte influência de Russel (1871-1970), Wittgenstein (1889-1951) e os neopositivistas do círculo de Viena que ao incorpo-rarem a concepção mecanicista, organizaram um pensamento baseado na lógica empírica que tentava unificar a ciência e criar a ciência da ciência.

Tal paradigma experimental foi utilizado para analisar os fatos sociais, numa perspectiva de analisar a sociedade. Dois teóricos impor-tantes, Pareto (1848-1923) e Durkheim (1858-1917) procuraram um método para desvendar e analisar os fatos sociais, que comparados aos fenômenos da natureza pudessem ser “reduzidos a coisa”. Conforme Chizzotti (2005, p.14) para esse paradigma, “os objetos existem fora da consciência e independente dela”.

Em contrapartida a esse modelo encontra-se a pesquisa qualita-tiva, que diferem contrariamente aos pressupostos da pesquisa experi-mental, especialmente na negação de um único modelo de pesquisa para todas as ciências, tendo como parâmetro as ciências da natureza. As ciências humanas possuem suas especificidades que precisam de instrumentos adequados para sua apreensão.

Além disso, os defensores da pesquisa qualitativa afirmam que quando se utiliza de modelos experimentais para analisar fenômenos humanos pode-se conduzir a generalizações errôneas e explicações equivocadas do problema investigado.

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Um segundo marco que separa a pesquisa quali-tativa dos estudos experimentais está na forma como apreende e legitima os conhecimentos. A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo e o sujeito, uma interdependência viva entre o su-jeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito (CHIZ-ZOTTI, 2005, p. 79).

Dessa forma, compreender tais propostas e assumir essas dife-renças é essencial para que não se estabeleçam expectativas ou pro-postas errôneas ou irreais, visto que a pesquisa não consegue dar conta da totalidade que compõe o trabalho docente num único projeto in-vestigativo.

Percurso Metodológico

O processo de construção deste trabalho teve início simultanea-mente como uma proposta do professor de uma disciplina ministrada no Curso de Mestrado em Ensino de Ciências na Amazônia. Inicial-mente foram ministradas as aulas teóricas, e posteriormente, feito a organização dos alunos em grupos, sendo cada grupo responsável pela realização das leituras, fichamentos e discussões de textos, os quais foram apresentados para os demais grupos da turma.

Após essa etapa inicial, ocorreram ainda aulas expositivas por parte do professor da disciplina, abrindo espaço no próprio tempo de aula para cada grupo dar andamento na construção do seu trabalho, a partir da elaboração de um projeto para a composição do artigo, que também foi apresentado para a turma e professor, como um momento de socialização, a fim de serem efetuadas as críticas, sugestões e ori-entações e assim promover as devidas correções.

Na etapa posterior, foi concedido um determinado tempo onde cada grupo poderia dispor desse espaço para reunir, discutir, fazer sua pesquisa e leituras e escrever.

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O objetivo deste trabalho foi compreender como os estudantes do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências, de uma Universidade Pública do Estado do Amazonas, percebem a concepção de formação do professor-pesquisador no seu processo formativo. Assim, duas questões centrais nortearam esse trabalho: Que pressupostos epistemológicos sustentam a concepção de formação do professor-pesquisador? Como tais estudantes do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências per-cebem a concepção de professor-pesquisador no processo formativo?

Nesse contexto, o trabalho desenvolvido consistiu em pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, adotando-se uma abordagem quali-tativa, pois se acredita que ela possa descrever o objeto em sua com-plexidade e analisar a interação das variáveis, a partir do contexto onde se está inserido. Chizzotti (2006, p.81) afirma que a abordagem qualitativa parte do fundamento de que há “uma relação dinâmica en-tre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, [...] o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes significado”.

Buscamos também a compreensão de Gonzaga (2007, p. 73) sobre a questão quando afirma que, [...] a realidade é percebida e constituída não só por fatos observáveis e externos, mas também por significados, símbolos e interpretações elaboradas pelo próprio sujeito através de uma interação com os demais.

A opção pela pesquisa exploratória, quanto aos fins, fundamen-ta-se no entendimento de que pesquisa descritiva expõe as caracter-ísticas de determinada população ou fenômeno, estabelece correlações entre variáveis e define sua natureza. O objetivo é descrever um fato ou fenômeno evidenciando características conhecidas. O foco dos estu-dos descritivos reside no desejo de se conhecer uma comunidade, seus traços características, seus problemas, seu mercado.

Utilizou-se como instrumento para a coleta de dados um ques-tionário com perguntas semi-abertas. A escolha do questionário se deu por compreendê-lo como uma “técnica para obtenção de informações sobre sentimentos, crenças, expectativas, situações vivenciadas e sobre todo e qualquer dado que o/a pesquisador (a) deseja registrar para atender os objetivos dos seus estudos” (OLIVEIRA, 2007, p 83). Dessa forma, entende-se que o questionário pode possibilitar a compreensão

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das percepções dos sujeitos pesquisados sobre a temática em questão.O campo da pesquisa foi num curso de Mestrado Profissional com

um universo de duas turmas, atualmente com 40 alunos matriculados, sendo 20 alunos na turma de 2007 e 20 alunos na turma de 2008. Desse universo, foi escolhida aleatoriamente, uma amostragem de 06 alunos, sendo 03 de cada turma.

Análises e Resultados

Inicialmente procuramos formar o perfil dos pesquisados, já que o contexto social, profissional e acadêmico forma suas concepções. Dos seis mestrandos pesquisados, três estão na faixa etária de 24 a 29 anos, dois de 30 a 35 anos e um com idade acima de 35 anos, sendo quatro participantes do sexo feminino e dois do sexo masculino. A atividade profissional predominante é a docência, com quatro professores, uma pedagoga e uma estudante. Apenas 01 participante da pesquisa não possui especialização.

Tabela 1: Informações sobre dados pessoais, acadêmicos e profis-sionais dos mestrandos pesquisados.

Depreende-se da tabela 1 que a maioria dos mestrandos apre-

Mestrandos Atividade

Profissional Graduação Especialização

Tempo de

Docência

Área de

atuação Instituição

Iniciação

Científica

A Professora Pedagogia Sim 19 anos

Educação

Básica e

Superior

Pública Não

B Pedagoga Pedagogia Sim 10 anos Ensino Infantil

e Fundamental

Pública e

privada Sim

C Estudante Normal

Superior Sim - - - Sim

D Professora Ciências

Biológicas Sim 24 anos Ensino Médio Pública Não

E Professor Ciências

Biológicas Sim 06 anos

Ensino

Fundamental e

Médio

Pública Sim

F Professor Normal

Superior Não 06 anos

Ensino

Fundamental Pública Sim

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senta uma aproximação com a pesquisa e com o ambiente escolar, o que favoreceu efetivamente a investigação em questão, pois possuem experiências, práticas e concepções envolvendo as temáticas pesquisa-das.

Na categoria concepção de professor-pesquisador, quatro alunos demonstraram ter um domínio conceitual, pois suas respostas apresen-taram uma maior clareza da prática docente articulada com a pesquisa, sendo que esta está relacionada à reflexão e a produção de conheci-mentos. Como afirma Giroux (2003, p.23):

Em vez de aprenderem a levantar questões acerca dos princípios que subjazem os diferentes métodos didáticos, técnicas de pesquisa e teorias de edu-cação, os estudantes com freqüência preocupam-se em aprender o “como fazer”, “o que funciona” ou o domínio da melhor maneira de ensinar um “dado” corpo de conhecimento.

Podemos verificar esta característica nas falas abaixo:

C: Consiste em uma formação que visa um profes-sor como intelectual, construtor do seu próprio conhecimento, de forma crítica, reflexiva e com a prática de registro.

F: A formação que integra ensino com pesquisa com o objetivo de perceber questões da formação que não mais atendem às demandas atuais do pro-cesso educacional, como por exemplo: a falta de produção acadêmico-científica de um professor de qualquer nível ou modalidade de ensino, a aus-ência de discussões de tema emergentes como o aquecimento global e os impactos da Ciência e das Tecnologias na sociedade.

Os mestrandos que expressam nessa concepção uma aproximação com os teóricos que tratam dessa temática, possuem uma experiência

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na iniciação científica na sua formação inicial, demonstrando que as-similaram as vivências da pesquisa vivenciadas na sua vida acadêmica.

Na categoria que trata das experiências que demonstrem a pes-quisa articulada com a prática docente, os mestrandos citaram algumas atividades desenvolvidas, entretanto pelas descrições feitas, percebeu-se que não se caracteriza como uma atividade permanente, ou seja, uma prática, mas sim uma experiência realizada em momentos especí-ficos, dependendo do conteúdo ministrado.

A: Atualmente desenvolvo em minha prática do-cente alguns processos da pesquisa com os futuros professores do curso de Pedagogia. Construo com eles o referencial teórico a partir da pesquisa bib-liográfica e da observação em campo sobre a EJA, por exemplo. Isso resultou numa produção de arti-gos e um filme sobre EJA no município de Manaus.

Quando questionados sobre o tratamento dado à concepção de professor pesquisador no curso do mestrado profissional, os alunos enfatizam que alguns professores trabalham na perspectiva da pes-quisa relacionada à produção acadêmica, já que esta é uma necessi-dade do mestrado. Entretanto, não se percebe claramente a perspectiva da pesquisa voltada para formação do professor-pesquisador. Assim, a pesquisa é concebida e tratada como elemento necessário para a vida acadêmica, mas sua relação com a vida profissional é distante, ou quando não, ausente.

Destaca-se então, um trabalho onde o relato de professores con-sidera a preparação para a pesquisa recebida nos cursos de graduação um ponto de partida fundamental, entretanto, os professores recon-hecem que essa preparação é apenas inicial, atribuindo ao curso de mestrado e doutorado a responsabilidade pela formação do pesquisador (LÜDKE et al., 2001, p. 82-83).

Diante disso, a formação oferecida pela universidade nos cursos de graduação e pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado), com suas limitações, conforme Lüdke et al. (2001, p. 82) enfatiza em seu trabalho, parece constituir a base fundamental da preparação dess-

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es professores para o exercício da pesquisa.Na categoria, a sua pesquisa reflete, na prática, a articulação

entre, a pesquisa e a prática pedagógica, os mestrandos reconhecem a partir de suas pesquisas no curso de mestrado, a necessidade de colocar em prática essa articulação, como se pode verificar:

A: Trabalho com esse tema e tenho me obrigado a estudar e praticar com mais atenção essa pro-posta, que já percebo em mim e nos alunos uma mudança voltada para a postura investigativa.D: Hoje reconheço que só a partir dessa pesquisa é possível uma mudança, já que por experiência própria, posso afirmar que o professor na sala de aula fica alienado, realiza várias experiências que com certeza poderiam enriquecer a prática de outros profissionais, porém não registram, não es-crevem, ou seja, elas se perdem no tempo.

Diante das respostas apresentadas percebe-se então a neces-sidade do enfoque proposto por Lüdke (1993) quando argumenta em favor da combinação da pesquisa e prática no trabalho e na formação docente. Esse argumento coloca em evidencia a discussão que perpassa no âmbito de uma formação que pretenda desenvolver um trabalho que contemple pesquisa e prática.

Assim, fica evidente que este curso de mestrado profissional tem privilegiado a aquisição de conhecimentos técnico-científicos especí-ficos da área de ensino de ciências, dando muitas vezes um espaço restrito a construção de uma postura que agregue pesquisa e prática docente.

A propósito, a proposta vista anteriormente por Zeichner e Lis-ton (1996), tem a academia como alternativa para desenvolver a pes-quisa, interagindo com olhares e realidades diferentes para fortalecer o processo de construção do conhecimento. André (2001) traz uma perspectiva de se trabalhar esse processo de desenvolvimento profis-sional por meio da reflexão crítica, levando em conta os saberes da experiência dos professores, dentro do espaço escolar, buscando um

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trabalho coletivo. Diante disso, torna-se necessário ampliar a relação de interação do professor com a universidade, mas também, considerar os saberes desenvolvidos dentro da sua própria comunidade. Assim sendo, o movimento em prol do professor pesquisador valoriza o papel social do professor como agente de mudança e produtor de conheci-mentos [...] (ANDRÉ, 2001, p. 60). E, além disso, como na abordagem feita por Lüdke (2001), por meio da prática, a pesquisa pode promover a possibilidade de desenvolvimento profissional para o professor.

Estudar a formação do professor, promover a discussão e o debate é um desafio que se enfrenta ao buscar junto aos alunos suas perspec-tivas quanto à forma de inserção e do desenvolvimento da pesquisa na formação e na prática docente. Os estudos de André (2001) apontam a importância da pesquisa na formação do professor-pesquisador, princi-palmente no que tange o processo de mestrado, momento privilegiado no desenvolvimento da postura investigativa.

Com base nos aspectos explicitados, estabelecemos como desafio a busca de significados e concepções envolvendo pesquisa e ensino na formação do professor a partir da questão: as percepções dos estudantes do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências, de uma universidade pública do estado do Amazonas a respeito da concepção de formação do professor-pesquisador. O paradigma do professor-pesquisador, isto é, do professor que reflete sobre a sua prática, que pensa e reelabora suas concepções levando em conta a sua prática, é o paradigma hoje presente nos discursos dos que tratam a formação docente. No entanto, por vezes, permanece apenas no campo teórico, não possibilitando na prática as implicações oriundas da reflexão.

André (2001), assim como Demo (1994), enfatiza a importância e a necessidade da pesquisa na formação de professores e na prática docente, acreditando ser necessário repensar de modo a torná-la efe-tiva na prática profissional. No âmbito internacional, André (2001) destaca a manutenção de uma variedade de propostas, dando de-staque a autores como: Zeichner (1993) que valoriza a colaboração da universidade com profissionais da escola de modo a desenvolver uma investigação sobre a prática; Stenhouse (1984) que concebe o professor como pesquisador da sua prática; Elliot (1996) que coloca a investigação-ação como espiral da reflexão, para melhoria da prática.

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Embora esse seja um discurso já recorrente nos cursos de formação de professores, acreditamos que essa problematização e essa reflexão devam estar embasadas em pressupostos e referenciais teóricos pertinentes, para que esse mesmo discurso não seja esvaziado de sentido.

Considerações Finais

O curso de mestrado profissional em Ensino de Ciências deve valorizar a investigação, desenvolvendo no professor a habilidade de questionar, problematizando sua ação docente em direção a busca de alternativas para a construção de sua autonomia e qualificação do trabalho pedagógico. O mestrando deverá vivenciar a sua iniciação a docência como um desafio que impulsione a pesquisa sobre sua própria prática como objeto de estudo, reflexão e auto-formação, analisando o trabalho pedagógico sob uma perspectiva social, cultural, didática e ideológica.

Envolver o mestrando na busca de possibilidades criativas para solucionar as problemáticas encontradas no cotidiano escolar, utili-zando-se de instrumentos como materiais alternativos para o ensino e a aproximação e contextualização dos conteúdos com a realidade do aluno é um caminho a ser trilhado. Só se aprende a ser professor, sendo professor, só se aprende a pesquisar, fazendo pesquisas. Para tanto, o mestrado deve possibilitar a relação entre esses dois elementos, não se restringindo a momentos de elaboração de artigos ou dissertações. Além disso, a possibilidade de aproximação entre a instituição forma-dora e as redes públicas e privadas de ensino possibilita a formação de um processo de construção coletiva de conhecimentos na busca pela qualidade no ensino.

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10 A TERMINOLOGIA COMO INSTRUMENTO MEDIADOR NO ENSINO DE QUÍMICA

Dayse Peixoto Maia 1 Ierecê Barbosa 2

Ana Frazão Teixeira 3

Resumo

A Terminologia científica entendida como a ciência que trata das unidades lexicais, bem como do conteúdo semântico das definições terminológicas, tem se desenvolvido sobremaneira no último século, em atendimento à demanda do acelerado desenvolvimento em todas as áreas das ciências. Entretanto as práticas pedagógicas nas Ciências Naturais, em especial na Química, vêm se mantido à parte deste processo, o que tem promovido dificuldades no enten-dimento de nomenclaturas e termos específicos da disciplina. Este trabalho propõe uma discussão sobre a formação da Terminologia científica e como ela deve ser abordada no Ensino de Química, possibilitando aos estudantes a eliminação de práticas dissolutas como a memorização, permitindo uma significante aprendizagem através da correta articulação de conceitos e léxico terminológico, visando o aprimoramento desta importante Ciência.

Palavras-chave: Terminologia científica. Ensino de Química. Prática Docente.

Introdução

O soerguimento da educação, compreendida como característica sócio-cultural no contexto ideológico de uma sociedade implica, neces-sariamente, na ampliação das competências pedagógicas, através de ações e legislações, e na remodelação dos currículos e das práticas ped-1 Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected] Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected] Doutora em Química pela Universidade de São Paulo - USP. Professora da PPGEECA na Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: [email protected]

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agógicas, inclusive através do alijar da sisudez que prima pela manuten-ção do tradicionalismo retrógrado, materializado através da prática repetitiva linear e sistematizada,, que não se abre às proposições críti-cas reflexivas da pedagogia, necessária em resposta aos atuais moldes sociais e implicações técnico-científicas. Faz-se necessário ampliar a percepção do estudante sobre a construção do conhecimento científico e sobre seu próprio conhecimento decorrente das inferências promovi-das pela escola. Nesta perspectiva salientarmos que,

Devemos nos preocupar com os objetivos intelec-tuais fundamentais da educação; principalmente a aquisição duradoura de capacidades intelectuais e conhecimentos válidos e úteis no desenvolvimento da capacidade para pensar crítica, sistemática e in-dependentemente (AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN, 1980, p. 28).

É no âmbito destas capacidades que o implemento da educação como geradora de cidadania e quiçá de mobilidade social perpassa, in-contestavelmente, pelo domínio da Ciência e da Tecnologia devido aos intrincados aspectos destes conhecimentos amplamente relacionados e imbricados aos postulados culturais da sociedade contemporânea.

Kuhn (2005), no século passado já vislumbrava com clareza a incompatibilidade de paradigmas restritos metodológicos e prag-máticos com o avanço da Ciência, por esta ser idiossincraticamente auto-renovadora, portanto evolutiva. A literatura registra esse direc-ionamento na educação brasileira e consequentemente no Ensino de Química, desde a década de setenta e tem-se ampliado mais recente-mente, (KRASILCHIK, 1987; ANDRÉ, 2001; CACHAPUZ et al, 2005). No contexto educacional, o professor como sujeito atuante e principal tributário quer do sucesso, quer do fracasso escolar, ganha destaque tanto através de suas competências, quanto pela ausência destas. As-pectos como formação, comprometimento, experiência e pesquisa são cruciais na discussão que envolve os sujeitos da ação educativa - estu-dante e professor – e que lança uma reflexão quanto à educação que temos e a que queremos.

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Das muitas diretrizes que podem renovar a educação brasileira, e em especial o Ensino de Química e demais Ciências, destacamos um melhor tratamento das questões relacionadas à Terminologia Cientí-fica, dada a importância das funções inerentes a este campo do conhe-cimento, das quais destacamos:

-Transmissão e representação de conteúdos próprios de cada área do conhecimento científico, tecnológico ou até mesmo cultural;- Expressão da organização formal dos concei-tos de uma área do conhecimento, favorecendo a almejada univocidade.

O conhecimento de aspectos referentes à Terminologia referente à disciplina que se leciona é fator decisivo para o efetivo desenvolvi-mento de práticas pedagógicas eficientes e significantes para nossos estudantes, pois possibilita uma melhor comunicação e conseqüente compreensão dos conceitos abordados; assim como o aproveitamento racional dos recursos materiais disponíveis nas escolas e a valorização do conhecimento prévio do estudante são fatores que podem alavancar o Ensino da Química, Ciência que vivenciamos no dia-a-dia, mas da qual grande parte dos estudantes se sente distanciada ou até temerosa, pelo tratamento inadequado que esta tem recebido de professores que insistem na visão cartesiana e linear do processo ensino aprendizagem.

Faz-se necessário que esta Ciência seja liberta do estigma de ob-stáculo dificultoso e irrelevante ao cotidiano escolar e social de nossos estudantes, passando a ser abordada como realmente é: um mundo de possibilidades nicro e macroscópicas que dão um novo significado à ex-istência do mundo natural, pelas múltiplas formas de se compreender e expressar os fenômenos que nos cercam. Para que estas perspectivas sejam alcançadas é imprescindível que modifiquemos a maneira como a Química é abordada nas escolas. A forma tradicional, livresca de ensin-ar – ou de praticar a docência - é dissociada da realidade cotidiana dos estudantes, não contribuindo em nada para gerar conhecimento cientí-fico ou pelo menos curiosidade em relação às ocorrências naturais.

Esse quadro pode ser modificado pela implementação de medidas

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pedagógicas que promovam entre outros aspectos, a conjugação dos conhecimentos científicos previamente construídos através da cultura local e aqueles postos pela Ciência, tendo na Terminologia uma aliada à melhor compreensão dos aspectos intrínsecos a esta ciência, possi-bilitando assim seu aprendizado.

Fundamentos da Terminologia para o Ensino das Ciências

A Terminologia entendida como Ciência organizada com objeto próprio de estudo e bases epistemológicas bem definidas, é relativa-mente nova, tendo sido sistematizada na segunda metade do século XX (KRIEGER e FINATTO, 2004). Sua origem não está historicamente estip-ulada, pois foi organizando-se em resposta ao próprio desenvolvimento das Ciências; devemos, entretanto, destacar que no século XVIII houve um grande avanço em torno das nomenclaturas técnico-científicas das Ciências Naturais, entre elas a Química, que buscaram componentes do latim e do grego para a construção de seus termos específicos. En-tretanto, para uma compreensão mais ampla é necessário o entendi-mento de que a Terminologia como linguagem especializada, léxico dos saberes técnico-científicos, advém dos primórdios do conhecimento sistematizado, anterior até mesmo à própria Ciência. Quanto a este aspecto, Rondeau nos diz que “a Terminologia não é um fenômeno recente. Com efeito tão longe quanto se remonte a história do homem, desde que se manifesta a linguagem, nos encontramos em presença de línguas de especialidades” (RONDEAU apud KRIEGER e FINATTO, 2004, p. 25).

Percebemos que ela surgiu da aplicação na lingüística, do léxico temático e diferenciou-se com o desenvolvimento técnico-científico, afastando-se irrevogavelmente da lingüística geral de um determinado idioma. Hoje vários domínios do conhecimento humano apresentam-se estruturados graças às características sistemáticas da Terminologia que permitem uma comunicação profissional, científica e comercial que atenda às demandas da globalização, através do manejo dos ter-mos técnicos e de seus conteúdos semânticos.

A Terminologia iniciou-se com apenas um objeto de estudo: o

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termo, entendido como componente conceitual de um processo ou fenômeno que possua significado no mundo extensional. Posterior-mente com o grande extrapolar das Ciências em todas suas modali-dades, outros dois objetos foram incorporados a ela, que são a fraseo-logia, expressões comunicativas profissionais, e definição, expressão lingüística de um conceito a ser apreendido (ANDRADE, 2007). Neste trabalho como focamos os aspectos didático-pedagógicos, centramo-nos apenas em seu primeiro objeto, ou seja, no termo, entendido aqui como signo lingüístico de valor monossêmico que tem como função indireta, mas também pertinente, elidir ambigüidades e trocadilhos polissêmicos. A importância do tratamento terminológico nas Ciências, e consequentemente no ensino, se justifica porque as denominações ou definições clarificam os conceitos abordados. O domínio de ter-mos técnicos indica competência lingüística como também a correta construção, compreensão e expressão do conhecimento científico, que é o que se almeja no Ensino de Ciências. O léxico comum apresenta várias ambigüidades, o terminológico, não. Isto porque se caracteriza pela invariabilidade semântica que lhe é conferida pela associação do conceito a uma unidade léxica (palavras), originando assim um termo.

No ambiente escolar, onde se espera uma forma planejada e pref-erencialmente atraente de formulação e apresentação de informações, que conduzam a uma construção eficaz de conhecimento, devem-se esgotar todas as possibilidades didático-pedagógicas no sentido de atender as necessidades que se configuram, muitas vezes de formas diversas quanto às dificuldades dos estudantes. Neste sentido devemos avaliar as condições de ensino das Terminologias Químicas visando à explicitação da dimensão cognitiva das mesmas e verificar como estão sendo apresentadas e trabalhadas, pois a aprendizagem só será sig-nificativa se houver a construção pessoal e sua respectiva expressão através da assimilação pessoal. Pesquisadores da linha cognitivista diferem de alguns behavioristas porque ou contrário destes que men-suram a priori estímulos e respostas, consideram como foco central para o entendimento do processo de aprendizagem “a formação de con-ceitos e a natureza da compreensão humana de estrutura e sintaxe da linguagem” (AUSUBEL, NOVAK e HANESIAN, 1980, p.56).

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Para um melhor aproveitamento em termos de aquisição de con-hecimento da Terminologia é recomendável que o professor alterne métodos e técnicas visando não somente a diversificação da forma de aprendizado em si, mas também mantendo a motivação dos estudantes (LIBÂNEO, 1994). O uso centralizado de um único método, mesmo que embasado teoricamente e bem aplicado, pode conferir perdas na quali-dade e na quantidade do conteúdo apreendido. Tradicionalmente o método expositivo é o mais empregado em sala de aula. Sua eficiência depende da maneira como o docente apresenta o domínio e a contex-tualização do assunto, vinculando-o aos pré-requisitos já apropriados pelos estudantes. “A exposição lógica da matéria continua sendo, pois, um procedimento necessário, dede que o professor consiga mobilizar a atividade interna do aluno de concentrar-se e de pensar, e a combine com outros procedimentos” (LIBÂNEO, 1994, p. 161); tem a grande vantagem de possibilitar abstrações e inferências mais elevadas quando se trata de trabalhar conceitos e significados que são a base das formu-lações terminológicas.

Ensinando Química a Partir da Terminologia

No Ensino de Ciências, a competência comunicativa deve ser voltada para a clarificação do conteúdo a ser expresso. Ao lidarmos com a linguagem científica, é necessário primarmos por sua clareza e precisão, porém sem nos distanciarmos do universo lingüístico do estu-dante, rico em associações contextuais que não devem ser suprimidas em favor de terminologias desconexas e do extrapolar da linguagem científica. Uma comunicação clara estimula o pensamento discursivo do estudante e a compreensão da linguagem técnica, possibilitando a aquisição de padrões lingüísticos pertinentes à pluralidade cultural da escola e da sociedade, alcançando uma comunicação adequada e, con-sequentemente, também os objetivos pedagógicos pretendidos. Vários aspectos devem ser analisados nesta busca, como nos esclarece Mon-teiro, ao dizer que:

As tentativas de explicar o funcionamento da lin-

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guagem somente ao nível da linguística imanente, ou seja, condicionar os fatores de uso aos fatores internos ao sistema lingüístico, se mostram parciais e não satisfazem um olhar mais abrangente e mais explicativo sobre a linguagem (MONTEIRO, 1996, p.50).

Portanto, no processo ensino aprendizagem os interventores da comunicação entre professor e estudante, são diversos, assim como as deformações que geram. Acreditamos que a multiplicidade de recep-tores em sala de aula, seja um fator que necessite de maior atenção quando da elaboração da mensagem, justamente para evitar perdas em sua significação. Mesmo considerando-se que no Ensino Médio, os estudantes já possuem uma base conceitual sistêmica, não podemos relevar a pluralidade intelectual tão característica deste ambiente. No Ensino da Química devemos eliminar a exacerbação de práticas de memorização das nomenclaturas pertinentes a esta ciência assim como a introdução de termos científicos sem o devido tratamento que pos-sibilite ao estudante a articulação do saber sabido (prévio) com o saber científico.

Pesquisas demonstram (MORTIMER, 2000; ANDRÉ, 2001; CACHAPUZ, 2005) que a contextualização dos conteúdos pretendidos à vivência do estudante pode trazer significativos ganhos no processo ensino aprendizagem. Por que então não buscarmos primeiramente no universo de nossos alunos, referencias que se coadunem com os pres-supostos teóricos que pretendemos atingir? Por que não explicarmos a essência e a formação dos termos científicos e como este conheci-mento pode facilitar na aprendizagem das ciências naturais? Cremos ser chegada a hora de eliminarmos o paradigma da cientificidade que envolve de forma prejudicial a aprendizagem da Química, e mostrá-la como realmente é aos nossos estudantes: uma Ciência clara que está imbricada em nosso universo interior e exterior a nosso próprio ser.

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Articulação de Conceitos Científicos

A construção dos conceitos e termos parte prioritariamente da etimologia lingüística e utiliza-se da formação de palavras através de composição ou derivação (FERREIRA, 2003). Ao elemento significativo que forma o termo (ou palavra) dá-se o nome de morfema, que é, por-tanto, a unidade mínima de caráter significativo, pois expressa uma idéia (referente). Considerando esta característica, Krieger e Finatto (2004, p.26) nos dizem que:

É na perspectiva de estabelecer uma Terminolo-gia padronizada e, ao mesmo tempo, distinta do léxico comum que se explica a razão pela qual os termos científicos são, basicamente, criados com afixos e radicais tomados especialmente do grego, mas também do latim. De certa forma, é seguida a tradição das nomenclaturas técnico-científicas. Entretanto sua Terminologia se distingue porque os elementos gregos e latinos que as constituem, integralmente, limitam-se a componentes dos ter-mos, articulados como unidades lexicais que obe-decem aos padrões morfossintáticos do idioma em que tiveram origem ou para o qual foram tradu-zidos.

Inferimos então que o reconhecimento de alguns radicais gregos e latinos auxilia na compreensão do significado das palavras (e conse-qüentes termos) de nossa língua. Sugerimos que a prática pedagógica passe a considerar a importância de se analisar a constituição do léxico especializado da Química, como forma de facilitar sua compreensão e conseqüente aprendizagem, porque percebemos a importância que o conhecimento da terminologia científica encerra no contexto amplo do conhecimento formal, e a necessidade de abordagens que venham facilitar sua correta utilização. Nossa intenção é de trabalharmos a formação das palavras para que o estudante reconheça sua estrutura quando presente em outro termo, podendo assim assimilar mais facil-

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mente as relações de significado possíveis, porque a necessária ap-ropriação do conhecimento só é significativa quando compreendida através da reformulação e transcodificação dos elementos postos pela ciência. Aprendizagens lingüísticas e semiológicas favorecem o uso de reconstruções cognitivas da atividade científica (ASTOLFI e DEVELAY, 2007, p.99).

O Ensino de Química pode ser facilitado pela elucidação da idéia conceitual expressa no significado de cada termo. Basta para isso com-prometimento e a necessária formação continua que devem ser marcas de todo docente que almeja para além da capacitação de seus estu-dantes, a ampliação do Ensino de Ciências em nosso país.

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11 A LEITURA E ESCRITA: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DOS CONCEITOS

CIENTÍFICOS

Ellís Regina Vasconcelos de Sousa 1 Augusto Fachín Terán 2

Resumo

Neste trabalho apresentamos a leitura e escrita como proposta metodológica para aprendizagem dos conceitos científicos nos anos iniciais do Ensino fun-damental. Partimos do princípio de que a ausência da aquisição das habili-dades de ler e escrever nesta modalidade de ensino tende a ser um dos fatores contribuintes para a dificuldade de aprendizagem dos conteúdos científicos pelos alunos. A pesquisa em seu processo reflexivo busca fundamentação em Castanheira et al (2008) que trás definições precisas sobre a “aprendizagem inicial da leitura e escrita”, em Mendonça et al (2008) que discorre sobre a história da alfabetização, nos PCNs (BRASIL, 2001) que trazem recomenda-ções sobre como e o que se deve ensinar no Ensino de Ciências Naturais, bem como em outros autores que estudam a aprendizagem da leitura e escrita e a respeito dos conceitos científicos. Desta forma designa-se analisar como a aquisição das habilidades de ler e escrever configuram-se como proposta metodológica para aprendizagem dos conceitos científicos, buscando identifi-car o que está sendo ensinado sobre o Ensino de ciências aos alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e assim descrever como acontece o processo de aprendizagem dos conceitos científicos ao mesmo tempo em que o processo de alfabetização da leitura e da escrita acontece. A pesquisa centrou-se no estudo e análise da bibliografia existente sobre a questão dando ênfase maior à qualidade e/ou conceito, uma vez que a pesquisa possui uma abordagem qualitativa.

Palavras - chave: Leitura e escrita. Ensino Fundamental. Conceitos Cientí-ficos. Ensino de Ciências. Processos de Ensino-Aprendizagem. Alfabetização.

1 Mestranda em Ensino de Ciências na Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas-UEA. E-mail: [email protected] Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia - PPGEECA, na Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

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Introdução

Nos dias atuais se observa que há um grande problema das pessoas quanto ao interesse pelo ensino das ciências como um todo, devido à dificuldade de compreender como acontecem determinados fenômenos e fatos dentro do universo em que vivemos. Desta forma, este estudo trata da leitura e escrita como proposta metodológica para aprendizagem dos conceitos científicos nos anos iniciais do Ensino fundamental, onde a ausência da aquisição das habilidades de ler e escrever nesta modalidade de ensino tende a ser um dos fatores contri-buintes para a dificuldade de aprendizagem dos conteúdos científicos pelos alunos.

Buscando obter uma compreensão melhor sobre tal realidade neste estudo analisamos como a aquisição das habilidades de ler e a escrever podem configurar-se como proposta metodológica para a apre-ndizagem dos conceitos científicos nos anos iniciais do Ensino Funda-mental, procurando identificar o que está sendo ensinado sobre o En-sino de ciências aos alunos e assim descrever como acontece o processo de aprendizagem dos conceitos científicos ao mesmo tempo em que o processo de alfabetização da leitura e da escrita acontece.

Neste sentido busca fundamentação em Castanheira et al (2008) que trás definições precisas sobre a “aprendizagem inicial da leitura e escrita”, em Mendonça et al (2008) que discorre sobre a história da al-fabetização, nos PCNs (BRASIL, 2001) que trazem recomendações sobre como e o que se deve ensinar no Ensino de Ciências Naturais, bem como em outros autores que estudam a aprendizagem da leitura e escrita e a respeito dos conceitos científicos. Desta forma, partindo de tais ob-servações este trabalho procura apresentar um breve histórico sobre a aprendizagem da leitura e escrita, destacando os métodos utilizados para aquisição dessas habilidades. Ressalta o desenvolvimento da leitura e escrita no Brasil e em seguida a relação destas com a aprendizagem dos conceitos científicos.

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Percurso Histórico da Aprendizagem da Leitura e Escrita(Alfabetização)

Para entender a alfabetização hoje e como ela acontece se faz necessária primeiramente uma busca sobre sua etimologia. De acordo com Ferreira (2001), “alfabetizar” significa “ensinar a ler e a escrever”, e alfabetização, è definido por Castanheira et al (2008) como a “apre-ndizagem inicial da leitura e escrita”.

Baseado nesses conceitos se percebe que existem dois vocábulos diferentes, mas que ambos estão interligados “leitura e escrita”, os quais surgem da ação pedagógica de ensinar.

Ler e escrever são habilidades que há muito tempo foram e são exigidas pelas diferentes civilizações em diferentes épocas na intenção de estabelecer uma comunicação mais formal e eficiente.

Segundo Araújo (1996) apud Mendonça et al. (2008) a história da alfabetização pode ser dividida em três grandes períodos: o primeiro que envolve a Antiguidade e Idade Média, nesse período o alfabeto é criado e o ensino se realizava por meio do método de soletração. Método que consistia na técnica de decorar as letras do alfabeto, e só após a memo-rização desses nomes, ou seja, do valor sonoro é que se apresentava a forma gráfica das letras.

A partir do século XVI até o século XVIII se inicia uma reação contra este método, caracterizando o segundo período da alfabetiza-ção, neste, os educadores da época não aceitavam o método proposto, segundo eles por esse método tornava difícil à aprendizagem, pois, quando se ensinava o som das letras, ao escrevê-la a grafia era dife-rente do som emitido. Daí então, surge novos métodos; os sintéticos que se caracterizam pela particularidade de partir das partes para o todo, ou seja, a alfabetização era feita pelo ensino das letras, sílabas, palavras, frases e finalmente os textos; os analíticos diferenciavam-se por partirem do todo para as partes, ou seja, professor ensinava partindo de textos, frases, palavras, sílabas e as letras.

Em 1986, começa o terceiro período, este que marca o início da divulgação da teoria da Psicogênese da língua escrita. Sua origem se dá a partir dos vários questionamentos e contestação que eram feitos com

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o objetivo de fazer a associação dos sinais gráficos da escrita aos sons da fala para que houvesse o aprendizado da leitura, pois até então, os métodos utilizados não atendiam as expectativas quanto ao domínio das habilidades de ler e escrever de forma mais rápida.

Conforme Mendonça et al. (2008), a metodologia de ensino usa-da para alfabetizar as crianças no período da Idade Média limitava-se a apresentar apenas as quatro primeiras letras do alfabeto por cada dia – A, B, C e D, de onde originou o termo abecedário. Esta forma de alfabetizar vinha descrita nas cartilhas da época.

Outras formas de ensinar a ler também foram propostas, como o ensino de forma tríplice, ou seja, as letras do alfabeto deveriam ser ensinadas de três em três, isso significava que no primeiro dia de aula a criança só aprenderia a letra a, mas escrita em três vezes (a.a.a) e a partir do segundo dia, ou melhor, da segunda lição é que se ensinava o a.b.c, que originou o abecê.

Analisando esta metodologia de ensino é possível perceber que ela ainda persiste, pois ao observar a prática de muitos professores que são alfabetizadores, se vê que eles ensinam no primeiro dia de aula a letra A, essa letra não se repete apenas três vezes, mais várias com a intenção de que o aluno a memorize.

Para facilitar essa memorização ou aprendizado os professores atuais fazem uso de diferentes recursos didático-pedagógicos como: cartazes, jogos alfabéticos, alfabeto móvel, etc.

Quando se atenta para a época da Idade Média, Araújo (1996) apud Mendonça et al. (2008) diz que:

Muitos eram os artifícios usados na Idade Média para facilitar a aquisição da leitura às crianças. Verificando peças de museus foi possível encon-trar suportes de textos utilizados, na época, como alfabeto de couro, tecido, e até mesmo em ouro. Havia também tabuletas de gesso ou madeira, que continham o alfabeto entalhado (p.21).

Todos esses recursos eram válidos na intenção de que a criança aprendesse a ler. No entanto, outras estratégias foram pensadas e apli-

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cadas nesse processo. Na Itália, por exemplo, os professores ousavam em aproveitar os elementos que faziam parte das necessidades orgânicas da criança, para motivá-las a aprenderem a ler, como no caso da alimen-tação, onde eles costumavam a servir bolos e doces com formatos de letras, que eram exploradas antes de serem comidas pelas crianças. Essa prática fez surgir as sopas de letrinhas, até hoje, usadas na ali-mentação das crianças.

Embora, a criação do Método Fônico por Vallange em 1791, no século XVIII, não tenha tido êxito pelo excesso que se fazia ao pro-nunciar o som das consoantes isoladamente, por exemplo, /b/, o som emitido, apresenta o som da vogal /e/ soando /be/, no Brasil existem alguns teóricos que defendem sua reimplantação, segundo Mendonça et al. (2008, p.22) esses defensores afirmam que “só tal metodologia poderá receber o problema do fracasso escolar no Brasil”.

Essa afirmação, embora esteja bem formulada mostrando a solução para o problema citado acima, no entanto, quando se vai a campo e vi-vencia a prática de alfabetizar, se percebe que não é tão simples como parece. Alfabetizar requer mais do que identificar os fonemas consonan-tais pronunciados, mesmo porque existem fonemas consonantais que são impronunciáveis, como c = cê. É importante que a criança conheça o contexto de onde se extraem cada unidade pronunciável, a letra, a sílaba, a palavra, a frase e o texto.

Na tentativa de superar as dificuldades apresentadas pelo mé-todo fônico, surge na França o método silábico. Mendonça et al (2008) afirmam que neste método “ensina-se o nome das vogais, depois o nome de uma consoante e, em seguida, são apresentadas as famílias silábicas por elas compostas”.

A metodologia proposta por esse método e aplicada nas salas de aula de alfabetização da época apresentou bons resultados, tanto que até hoje, na maioria das escolas de educação infantil e de primeiros anos do Ensino Fundamental, esse é o método utilizado para ensinar a ler e a escrever.

O procedimento de partir das partes para o todo, permite a cri-ança identificar cada unidade pronunciável que está sendo estudada, pois, ela pode perceber como se dão a composição de determinadas

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palavras, sentenças e textos de uma forma mais simples. O processo ensino-aprendizagem se torna mais fácil.

Como em todo processo de mudança nem todos se mostram satis-feitos alguns teóricos discordavam do método de silabação, pois diziam que “a letra ou sílaba, isoladas de um contexto, dificultam a percep-ção, pois, são elementos abstratos para o aprendiz”. Esta afirmação fez surgir o método global com a finalidade de partir de um contexto e de algo mais próximo da realidade da criança, ou seja, se deviam ensinar palavras inteiras e não pedaços delas, onde a criança teria a oportunidade de conhecer o significado, e o seu contexto onde está inserida, ganhando significado em sua aprendizagem. Dentre os teóri-cos que defendiam a utilização deste método estão Claparède, Renan e o gramático Nicolas Adams, que em 1787 escreveu uma obra em que trás esclarecimentos sobre seu entendimento do método global. Apesar de defender que o professor deve ensinar a palavra inteira pra criança e não por partes, Adams reconhecia a importância de posteriormente estudar a decomposição dessas palavras.

Ainda seguindo esta mesma linha de pensamento sobre “partir do todo para as partes”, outros métodos de origem analítica foram criados, como método da sentenciação (frases) e o método que parte de texto como contos falados e/ou escritos e da própria experiência da criança.

A Aquisição da Leitura e Escrita no Brasil

Ao longo da história da educação no Brasil até os dias atuais, a realidade que se tem é que muito foi feito e ainda há para se fazer em relação ao processo de alfabetização de crianças e adultos.

A partir do século XVI, se inicia no Brasil a preocupação em en-sinar as crianças a ler e escrever. Isso resultou do interesse comercial que Portugal tinha por sua colônia e por isso enviava as cartilhas pelas quais as crianças estudariam. Uma das primeiras cartilhas a serem usa-das dentro do processo de alfabetização da leitura foi criada por João de Barros, que teve sua primeira versão impressa em Lisboa, em 1539, a cartilha se chamava “Cartinha de aprender a ler”.

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Em 1850, na cidade de Lisboa, Antônio Feliciano de Castilho, elaborou uma nova cartilha denominada o “Método Castilho”, a qual intencionava-se para um ensino rápido e aprazível do ler impresso, manuscrito e numeração do escrever. Esta cartilha também foi trazida para o Brasil e por ela se ensinava o abecedário, silabário e textos.

Em 1876, o poeta João de Deus editou a “Cartilha Maternal”, nela ele destacava em que consistia o método da alfabetização por ele defendido. Seu material veio reforçar no período Republicano, os métodos de alfabetização difundidos no Brasil, já que, os métodos uti-lizados eram de origem analítica como o Método da Palavração.

Segundo Mendonça et al. (2008), o processo de alfabetização no Brasil até o final do século XIX, se dava da seguinte forma:

Era iniciado pela letra manuscrita, depois era ensi-nada alternadamente, a letra de forma. O professor preparava o alfabeto em folhas de papel, que eram manuseadas por uma pega-mão, para não sujarem. O material utilizado para exercitar os alunos nas dificuldades da letra manuscrita e leitura era um conjunto de cartas de sílabas, cartas de nome e cartas de fora, estas compostas de ofícios e docu-mentos que eram emprestados (p.27-28).

Na atualidade, houve uma inversão dos processos metodológicos de alfabetizar, ao invés de se iniciar o ensino pela letra manuscrita; muitas escolas de ensino fundamental e educação infantil principal-mente, começam o ensino pela letra de forma, devido à facilidade que a criança tem em traçar a escrita das letras, pois, a maioria das crianças que iniciam o processo de alfabetização tem dificuldades na coordena-ção motora fina.

Conforme Barbosa (1990) apud Mendonça et al. (2008), “outras cartilhas foram representativas no país, como a “Cartilha da Infância”, de Thomas Galhardo, publicada pela primeira vez por volta de 1880 e comercializada até a década de 70 do século XX”.

Motivado pelo crescimento populacional do país, houve também um considerável aumento do uso das cartilhas nas escolas, o que levou

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a elaboração e publicação por volta de 1944, de um manual para os professores alfabetizadores, o qual trazia orientações de como estes deveriam utilizar as cartilhas. A comercialização foi tão significativa, que nos anos 60 e 80 foi divulgada uma lista das cartilhas mais usadas pelas escolas no Estado de São Paulo, dentre as quais estavam “Camin-ho Suave, Quem sou Eu? e Cartilha Sodré” nos anos 60; e “No Reino da Alegria, Mundo Mágico e Cartilha Pipoca” nos anos 80.

Apesar de ser uma realidade mostrada sobre o Estado de São Paulo que fica na região Sudeste, quando se pergunta a algum habi-tante de outra região do país, sobre sua história de vida relacionada ao seu processo de alfabetização nesse mesmo período, as respostas são unânimes em afirmar que também fora alfabetizado pelas cartilhas, muitas delas já citadas no parágrafo anterior.

Na tentativa de suceder o “método da cartilha” (MENDONÇA et al., 2008), surge uma nova fase no Brasil, por volta de 1986. Este período marca-se pela divulgação da teoria da Psicogênese da língua escrita, de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. De acordo com essa teoria a oralidade não era fundamental no processo de alfabetização, mas sim, a forma de representação do pensar da criança através dos rabiscos (a escrita), segundo as psicolinguístas argentinas a aquisição do conheci-mento se baseia na atividade do sujeito em interação com o objeto de conhecimento, e que a criança antes de chegar à escola, tem idéias e faz hipóteses sobre o código escrito, afirma ainda que para apropria-ção dos conceitos e habilidades de ler e escrever, o aprendiz tem que percorrer um caminho com vários estágios. Ou seja, a criança constrói seu próprio conhecimento, com as hipóteses que elabora e até mesmo com os erros que comete.

Com a intenção de melhorar a qualidade da educação no Brasil, e assim diminuir o alto índice de analfabetos existentes no país, o educador Paulo Freire elaborou na década de 90 um novo método de alfabetização, conhecido como “O Método Paulo Freire de Alfabetiza-ção”, o qual também é denominado de “Sociolingüístico: consciência social, silábica e alfabética em Paulo Freire”. Este método propõe um ensino em que seja desenvolvida não apenas o conhecimento alfabé-tico e silábico, mais também a consciência crítica do aluno, por meio

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da “leitura de mundo”, a qual é feita quando dentro da sala de aula o aluno manifesta seus conhecimentos, por exemplo, sobre as nuvens. Este pode até desconhecer seus nomes, no entanto, sabe dizer quais mostram que irá chover. Da mesma forma quando se manifesta sobre seus direitos de cidadãos, espera-se que reflita de forma crítica sobre a realidade.

Na verdade, o objetivo primordial da criação desse método diz respeito à inclusão social, pois segundo escritos históricos, o Brasil, nesse período detinha um grande número de analfabetos que descon-heciam seus direitos e deveres de cidadãos, viviam marginalizados sob o domínio da desigualdade social e do trabalho escravo sob o sol quente, nas plantações de cana-de-açúcar. Esses trabalhadores não tin-ham tempo para estudar, nem tão pouco, condições de ajudar seus filhos nas tarefas escolares.

Uma das metodologias do método proposto por Freire é que o professor deveria iniciar o ensino da leitura escrita por uma “palavra geradora”, que seria extraída do vocabulário dos alunos, as quais cer-tamente fariam parte de seu cotidiano. De maneira que o conteúdo que se estudava se tornava significativo, ou seja, sua aprendizagem acontecia de forma significativa. Moreira (2001) que estudou a teoria de David Ausubel sobre a aprendizagem significativa afirma que:

Aprendizagem significativa para Ausubel é um processo pelo qual uma nova informação se rela-ciona com um aspecto relevante da estrutura do conhecimento do individuo. Ou seja, neste proces-so a nova informação interage com uma estrutura do conhecimento específica, a qual Ausubel define como conceito subsunçor (preexistentes na estru-tura cognitiva de quem aprende) (p.17).

Hoje, no Brasil, dificilmente os professores alfabetizadores fazem uso de apenas um método de ensino da leitura e escrita, em geral são utilizadas metodologias de diferentes métodos, pois os professores cos-tumam mudar de metodologia quando esta não apresenta resultado de caráter positivo na aprendizagem da leitura e escrita dos alunos.

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A Leitura e Escrita e a Aprendizagem dos Conceitos Científicos

Durante muito tempo o Ensino de Ciências se restringia apenas a mera apresentação dos conteúdos através de aulas expositivas, onde os alunos apenas recebiam o conhecimento repassado pelos professo-res sem fazerem sequer uma relação com o meio, ou seja, sem haver uma interação entre o conhecimento recebido pelo professor e o já adquirido fora da sala de aula.

Partindo desse conhecimento de como se aprendia nas aulas de ciências, se percebe a falta de incentivo ao aluno para a prática da pesquisa científica e certamente pelo interesse ao ensino de Ciências Naturais.

Na busca de mudar tal realidade, muito se tem feito para melho-rar a forma como se ensina e aprende nas aulas de Ciências Naturais, uma vez que os estudos científicos a cada dia que passa têm avançado consideravelmente no decorrer dos últimos anos, exigindo assim, a uti-lização de metodologias que acompanhe tal desenvolvimento e ensine o aluno a ser cidadão crítico e que se interesse pela busca de novos conhecimentos. De acordo com os PCNs (BRASIL, 2001):

O processo de aprendizagem das crianças, tendo ou não cursado a educação infantil, inicia-se muito antes da escolaridade obrigatória. São freqüentemente curiosas, buscam explicações para o que vêem, ouvem e sentem. O que é isso? Como funciona? Como faz? E os famosos porquês (p.61).

Essas são situações que precisam acontecer nas atuais escolas, uma vez que os alunos que chegam para estudar, não vêm vazios de conhecimentos, eles trazem consigo uma infinidade de informações que certamente o professor poderá aproveitar nas aulas a partir do uso de diferentes recursos utilizados em suas aulas, principalmente os tecnológicos. Pois na era tecnológica em que elas vivem dificilmente existem crianças que não possuem ou não tenham acesso à televisão, aparelhos de DVD, computador (Internet), etc., materiais construídos

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a partir do uso dos conhecimentos científicos.As diversas pesquisas realizadas sobre a prática pedagógica do

professor, a elaboração de propostas metodológicas e tantas outras propostas feitas com a finalidade de facilitar o processo ensino-apren-dizagem, nem sempre tem conseguido atender os objetivos para qual foram desenvolvidas. O que se percebe é que o problema da não apren-dizagem dos alunos na maioria dos casos se dá pela não aquisição das habilidades básicas que lhe possibilitem novos conhecimentos, as quais são ler e escrever.

Essas duas habilidades quando não desenvolvidas pelo aluno, le-va-o a encontrar dificuldades em todas as áreas do conhecimento, do contrário, permitirá que ele tenha acesso a outras formas de conheci-mento e construa os seus. Reforçando a esta observação sobre tais habi-lidades Castanheira et al. (2008) baseada nos debates realizados durante a Conferência Mundial de Educação para todos, em 1990 na Tailândia, afirma que:

A alfabetização passa ser entendida com instru-mento eficaz para a aprendizagem, para o acesso e para a elaboração da informação, para criação de novos conhecimentos e para a participação na própria cultura e na cultura mundial nascente (p.14).

Diante de tal afirmação, considera-se fundamental que dentro do espaço escolar se tenha à preocupação em inserir o aluno ao mundo da leitura escrita, para que ele perceba o quanto são múltiplas as possibil-idades de uso dessas habilidades na sociedade. Assim, consciente dessa importância será mais fácil conduzir o processo ensino-aprendizagem dentro da sala de aula.

É nessa perspectiva que se concebe a importância da leitura es-crita para aprendizagem dos conceitos científicos, pois, no ensino de Ciências Naturais do Ensino Fundamental o objetivo principal é que o aluno compreenda e saiba descrever como acontecem os fenôme-nos naturais no mundo que o cerca.

Para essa descrição a habilidade da escrita constitui-se um dos

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requisitos básicos, pois, na pesquisa científica ao pesquisar o pesquisa-dor precisa registrar os dados coletados para posteriormente divulgá-los a sociedade. Quando se trata de pesquisa dentro da sala de aula, antes de realizar tais processos o aluno elabora conceitos sobre deter-minado objeto, fenômeno, etc. Segundo Severino (2007):

O Conceito é a imagem mental por meio do qual se representa um objeto, sinal imediato do objeto representado. O conceito garante uma referência direta ao objeto real. Esta referência e dita in-tencional no sentido de que o conceito adquirido por processos especiais de apreensão das coisas pelo intelecto, que não vem a propósito aqui, se refere às coisas, aos objetos, a seres, a idéias, de maneira representativa e substitutiva. Este objeto passa então a existir para a inteligência, passa a ser pensado. Portanto, o conceito representa e “substitui” a coisa no nível a inteligência (p.84).

Uma situação interessante e relacionada a tal afirmação pode ser observada quando alunos do 1º ano do Ensino Fundamental, os quais tem faixa etária de seis anos, são interrogados pelo professor durante a aula sobre a noite e dia: Por que fica escuro? Serão muitas as respostas que o professor terá para tal questão, muitas engraçadas e outras até próximas de um conceito científico, por exemplo, “fica escuro porque o sol vai dormir”, “fica escuro porque a lua quer aparecer”, “fica escuro porque a terra roda”. Todas são respostas que foram formuladas a partir de um fenômeno real que os alunos conhecem. Eles fizeram uma ima-gem mental sobre o fenômeno, pensaram e elaboraram seus conceitos.

Esses conceitos formulados mentalmente poderão ser transcritos para o papel através de desenhos, rabiscos, palavras, etc, desde que os alunos sejam orientados e incentivados pelo professor. Uma vez feito tal atividade, será possível iniciar o ensino da leitura e escrita.

Leitura – porque mesmo sendo através de desenhos e rabiscos que para um adulto pode não ter nenhum significado, as crianças lerão as imagens e palavras escritas, se conhecerem os símbolos gráficos do

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alfabeto.Escrita – por mais que os alunos ainda não dominem esta habili-

dade, será a oportunidade de iniciar esse processo. Isto ocorre quando se começa a utilizar os símbolos gráficos alfabéticos para escrever o nome dos objetos, o conceito elaborado por eles, ainda que não seja correto. A partir dos conceitos não verdadeiros, que também podem ser chamados de hipóteses, será possível levar os alunos a iniciar a prática da pesquisa, investigar em várias fontes de informação a res-posta provável e tida como verdadeira, ou seja, o aluno iniciará o pro-cesso de aprendizagem dos conceitos científicos. Buscará uma resposta científica para a pergunta sobre o fenômeno natural que faz parte de seu dia a dia.

Considerações Finais

A partir do estudo e análise das literaturas sobre o tema foi possível perceber que, uma vez sendo a leitura e escrita usadas como facilitadores da aprendizagem e do processo de comunicação, e importantes no sentido de possibilitarem uma maior motivação e compreensão dos conteúdos estudados na sala de aula. Torna-se fun-damental entender como se dá à relação entre o ler e escrever e a aprendizagem dos conceitos científicos nas aulas de Ciências Naturais.

Essas são questões relevantes quando se quer mudar a atual situação em que se encontra o ensino no Brasil, já que durante muito tempo o ensino de Ciências se limitava apenas à mera transmissão de conteúdos através de aulas expositivas. Essa metodologia levava os alunos apenas a receberem o conhecimento repassado pelos professo-res sem fazerem sequer uma relação com o ambiente. A aprendizagem ocorria de forma mecânica.

Efetivar a mudança na educação requer a implementação de propostas metodológicas que torne o processo de aprendizagem dos conceitos científicos e conseqüentemente da leitura e da escrita sig-nificativo para os alunos. Requer ainda um ensino que além de con-siderar os conhecimentos prévios dos alunos, trabalhe os conteúdos de forma contextualizada, estimule os alunos a perguntarem e, sobretudo

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busquem compreender o que acontece no mundo que os cerca e assim construam novos conhecimentos.

Portanto, nosso objetivo como pesquisadores e educadores, é fazer do ato de ensinar os conceitos científicos e a ler e escrever, não apenas uma conquista, mas também um momento de prazer.

Referências

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CASTANHEIRA, Maria Lúcia; FRANCISCA, Isabel Pereira Maciel; MAR-TINS, Raquel Márcia Fontes, (orgs.). Alfabetização e Letramento na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica Editora: Ceale, 2008. (Coleção Alfabetização e Letramento na Sala de Aula).

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910 – 1989. Miniaurélio Século XXI Escolar: o minidicionário da Língua Portuguesa. Coords. Margarida dos Anjos, Marina Baird Ferreiro, lexicografia, Margarida dos Anjos... [et. al]. 4. ed. rev.e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

MENDONÇA, Onaide Schwartz; MENDONÇA, Olympio Correa. Alfabet-ização: método sociolingüístico: consciência social, silábica e alfabé-tica em Paulo Freire. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

MOREIRA, Marco Antonio; MASINI, Elcie F. Salzano. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2006.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23. ed. rev.e atual. São Paulo: Cortez, 2007.

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12 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA, MODELOS MENTAIS E ANALOGIAS NO CONTEXTO CONSTRUTIVISTA: UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL PARA

A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

Saulo Cézar Seiffert Santos 1 Augusto Fachín Téran 2

Resumo

Este trabalho teórico teve com objetivo aproximar o uso de Analogias em in-terfase de Modelos Mentais em relação à teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) de Ausubel (2003) (MORREIRA & MANSINI, 2001) no contexto da Edu-cação em Ciência numa visão construtivista de educação. O uso de Analogias é presente como recurso didático, no entanto não é sistematizado o seu uso, desta forma buscou-se aproximar o uso da Analogia, com o conceito de Mod-elo Mental ao conceito de Subsunçor da TAS e de Organizador Prévio, e desta forma versa uso deste recurso na reflexão desta teoria.

Palavras-Chave: Aprendizagem Significativa. Analogias. Educação em Ciên-cias. Construtivismos.

Introdução

A existência da Educação em Ciência se justificar no momento que há necessidade de romper as visões e concepções do senso comum para o conhecimento científico, pressupondo que a concepção cientí-fica é a mais adequada ao ensino, principalmente ao ensino escolar. Nesta visão há muitos esforços para alcançá-lo (GIL-PÉREZ & CARV-ALHO, 2006). Essa busca acima citada tem caminhado ao decorre das últi-mas décadas em forma diferentes de teorização para a aprendizagem, desde uma perspectiva tecnicista behaviorista até ao que chamamos de

1 Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. Docente pela SEMED Manaus/AM. E-mail: [email protected] Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia - PPGEECA, na Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

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construtivismo (MORREIRA, 1999). No entanto, a teorização especifica sobre o fenômeno da aprendizagem no contexto escolar tem múltiplas possibilidades, assim sendo, procura-se aproximar a teoria da Apren-dizagem Significativa (AP) de Ausubel (2003) e o uso de Analogias em interfase de Modelos Mentais (MM) para Educação em Ciências numa visão construtivista contextualizada, busca-se uma viabilidade entre AS e uso de Analogias. A partir do uso do raciocínio analógico em analogias podem verificar o uso de conhecimentos prévios em forma de Modelos Mentais, estes conhecimentos organizados sistematicamente na analogia e de forma metodológica possibilitando a reflexão dos lim-ites das analogias pode-se assemelhar cognitivamente ao uso de sub-sunçores para aprendizagem significativa, como também a ocorrência do conflito cognitivo e equilibração em Piaget.

Consciência sobre a educação em ciência como uma construção necessária

A Aprendizagem Significativa tem sido utilizada em Educação em Ciência, assim houve uma evolução no contexto do ensino de ciên-cias no âmbito internacional, buscando uma melhoria do ensino em função da sociedade, que se descentralizou do centro estratégico mili-tar e de formação das elites (KRASILCHIK, 2004), oportunizando desa-fios a se enfrentar, Malafaia e Rodrigues (2008) assumem a justificação da necessidade efetiva e prática do ensino de Ciências em progresso:

[...] o ensino de ciências justiça-se parcialmente na medida em que se consegue fazer com que os alunos e futuros cidadãos sejam capazes de en-frentar situações cotidianas, analisando-as e in-terpretando-as através dos modelos conceituais e também dos procedimentos próprios da Ciência (2008, p. 2).

Moreira (2004, p. 1, 2) faz referência aos objetivos para a Edu-cação em Ciências, pois se o estudo sobre as Ciências Naturais é acla-mado como importante, a sua delimitação também:

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A educação em ciências, por sua vez, tem por ob-jetivo fazer com que o aluno venha a compartil-har significados no contexto das ciências, ou seja, interpretar o mundo desde o ponto de vista das ciências, manejar alguns conceitos, leis e teor-ias científicas, abordar problemas raciocinando cientificamente, identificar aspectos históricos, epistemológicos, sociais e culturais das ciências. Idealmente, a formação de um futuro cientista deve incluir a educação em ciências, porém a recíproca não é verdadeira: a educação em ciên-cias não implica “por o aluno no laboratório”, nem “transformá-lo em um especialista em resolução de problemas”, tampouco “vê-lo como um futuro pesquisador”.

Assim, foi importante fazer essa observação para contextuali-zar de forma a possibilitar a instrumentalização da Educação por meio da Aprendizagem Significativa, Modelos Mentais e a Analogias em sala de aula por meio da instrução.

Construtivismo e a Teoria da Aprendizagem Significativa deAusubel

Sobre os pressupostos numa educação com aspectos construtiv-ista Mortimer aponta: 1) a aprendizagem se dá através do ativo en-volvimento do aprendiz na construção do conhecimento; 2) as idéias prévias dos estudantes desempenham um papel importante no pro-cesso de aprendizagem (MORTIMER, 1996, p. 22).

“Trabalhos atuais de didática concordam unanimemente sobre o aspecto construtivista da aquisição dos conhecimentos [...]” (ASTOLFI & DEVELAY, 1990, p. 73). Para El-Hani e Bizzo (2002) com uma revisão no tema construtivismo referem-se a uma corrente que é predominante no ensino de ciências, por várias razões. Relaciona entre os comen-tários: a existência de uma concordância de várias propostas, mesmo com suas distinções da visão construtivista (GIL-PEREZ, 1993); a razão

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que o construtivismo foi tão bem aceito na educação científica foi que nas suas proposições básicas nada têm de excepcionais (MILLAR, 1989); e as posições do construtivismo educacional são lugares comuns pedagógicos (MATTHEWS, 1997).

Krasilchik (2004) comenta que o construtivismo apareceu a par-tir de trabalhos de metodologia cognitivista, desenvolvendo outras linhas de pesquisa e teorias para explicar como adquiri-se, interpreta-se e usa-se informações construindo o conhecimento, denominando de “construtivismo”. Sendo o compromisso central de uma posição con-strutivista é que o conhecimento não é diretamente transmitido, mas construído ativamente pelo aprendiz (DRIVER et al., 1999).

Duit (1996) relaciona os pontos comuns do construtivismo para a educação em ciência: 1) Construção ativa em base das já concepções existentes; 2) Há tentativa de construção a partir do mundo exterior de verificação na natureza; 3) Há viabilidade de utilidade para o mes-mo; e, 4) vê a construção do conhecimento como produto da sociedade.

A partir desse pressuposto construtivista, Pozo e Crespo (2009) entende que a Aprendizagem Significativa se ancora com a possibili-dade de aprendizagem por exposição-recepção. Desta forma definiram-se AS no trabalho de Morreira e Masini (2006) realizada em abordagem cognitivista como:

processo quando o material novo, idéias e infor-mações que apresentam uma estrutura lógica, in-terage com o conceito relevantes e inclusivos, cla-ro e disponíveis na estrutura cognitiva, sendo eles assimilados, contribuindo para sua diferenciação, elaboração e estabilidade. Assim uma experiência consciente, claramente articulada e precisamente diferenciada, que emerge quando sinais, símbolos, conceitos e proposições potencialmente significa-tivos são relacionados à estrutura cognitiva e nela incorporados (MOREIRA & MASINI, 2006, p. 14).

É necessário o entendimento de alguns termos e conceitos (MOREIRA & MASINI, 2006, p. 14, 108): 1) Estrutura cognitiva: con-

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teúdo total de idéias de um certo individuo e sua organização, ou conteúdo e organização de suas idéias em uma área particular de con-hecimento; Significado: é um produto fenomenológico do processo de aprendizagem, no qual o significado potencial, inerente aos símbolos, converte-se em conteúdo cognitivo, diferenciado para um determinado indivíduo; Subsunçor (idéias-âncora): idéias (conceito ou proposição) mais amplas, que funciona como subordinador de outros conceitos na estrutura cognitiva e como ancoradouro no processo de assimilação. Como resultado dessa interação (ancoragem), o próprio subsunçor é modificado e diferenciado.

A diferenciação progressiva e reconciliação integrativa fazem parte integrante da TAS. Um corpo de conteúdo instrucional possui uma estrutura lógica conceitual dedutiva.

O processo de diferenciação de um conceito mais geral para um conceito mais especifico formando uma proposição é chamada de dife-renciação progressiva. O processo de reconectar um conceito especifico a um conceito mais geral de forma proposicional é chamada de recon-ciliação integrativa (integradora).

Figura 1: O processo de diferenciação progressiva e reconcilia-ção integrante.

Todo material potencialmente significativo deve estabelece esta lógica sem a qual não possibilitará uma AS superordenada ou combi-natória.

Ausubel (2003) explora basicamente três tipos aprendizagens na perspectiva cognitivista: mecânica, recepção e descoberta. A primeira

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se caracteriza pela aquisição de informação ter pouca ou nenhuma interação com conceitos ou proposições relevantes existentes na estru-tura cognitiva, sendo por memorização; a segunda apresenta a infor-mação aprendida em forma mais ou menos final por exposição verbal; e a terceira, o conteúdo deve ser descoberto pelo aprendiz, antes que o possa ser assimilado. Essas aprendizagens estão presentes no ensino de ciências, no entanto, algumas delas podem interagir para a verificação da AS. Sendo não contraditória, por exemplo, a recepção numa per-spectiva cognitivista ser “significativa”, pois, é qualitativo ser signifi-cativo, sendo caracterizado pela estrutura pedagógica de intervenção em não ser de organização arbitraria e literal para a estrutura cognitiva do aprendiz.

A condição para o aprendizado significativo (no sentido cogni-tivo) se dá na necessidade de encontrar estruturas prévias de conheci-mentos que possa relacioná-las com a nova informação. Essa estrutura é chamada de “subsunçores” de aprendizagem, termo cunhado por Au-subel. Assim a Aprendizagem Significativa é apreendida nas estruturas psíquicas e cognitivas quando existe relação significado para o sujeito. Isto é, a compreensão genuína de um conceito ou proposição implica a posse de significado claro, preciso, diferenciado e transferível (MOR-REIRA & MASINI, 2006, p. 24).

A informação é integrada, após a recepção, a estrutura cognitiva através dos subsunçores adequadamente significativo transformando de forma recursiva a ambos, a nova informação e o subsunçor se al-teram do estado inicial, relacionam-se depois de se alterarem recursi-vamente as informações com relação significativa mais ampla e inte-gradas-ligadas na estrutura cognitiva.

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Figura 2: A AS na visão clássica de Ausubel, extraído de Mor-reira (2005).

Quando a informação integra a um subsunçor não adequado ocorre à recursividade de alteração entre a informação nova e o sub-sunçor e a mudança de ambos, mas não há mais a interação significa-tiva, esse evento é chamada de informação obliterada, ou alterada sem integração significativa completa possibilitando o esquecimento pela baixa interação.

A informação com significado na estrutura cognitiva é formada por hierarquia (subordinada), logo sendo por valorização cognitiva sig-nificativa, mais para umas informações do que outras pela construção cognitiva de informações com entendimento conhecidos formando uma estrutura de hierarquia na aprendizagem do geral para as espe-cificações.

No processo de AS será necessário verificar os conhecimentos prévios por uma sondagem didática para reconhecimento de subsun-çores para futuras ancoragens, mas na ausência dos mesmos de forma inclusiva e especifica no conceito ou teoria desejada, podem-se or-ganizar as informações com algo significativo formando o chama-se de “organizador prévio”, apresentar a nova informação vinculada ao organizador prévio (subsunçor gerado), e desenvolver as particulari-

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dades da nova informação, fazer a verificação de armazenagem das informações. Sendo que o organizador prévio é o material introdutório apresentado antes do material a ser aprendido, porém em nível mais alto de generalização, inclusividade e abstração do que o material em si e, explicitamente, relacionando às idéias relevantes existentes na estrutura cognitiva e a tarefa de aprendizagem (MOREIRA & MANSINI, 2006, p. 107).

Ausubel (2003, p. 12) aconselha que o organizador prévio (chamado também de organizador avançado) deve possuir uma funda-mentação lógica: 1) possuem-se idéias relevantes, estabelecidas e dis-poníveis na estrutura cognitiva para logicamente novas idéias possam ser potencialmente significativas sejam formadas, e assim realmente significativas e estáveis; 2) as idéias mais gerais e inclusivas como idéias ancoradas alterada adequadamente pode oferecer maior esta-bilidade se realmente disponível na estrutura cognitiva; 3) o fato do organizador tentar identifica um conteúdo relevante e indicar de modo explicita a relevância do novo material de aprendizagem.

A introdução antes da situação de aprendizagem cumpre objeti-vo através dos produtos da interação entre a especificidade de idéias e a relação ao novo material, assim, em primeiro entre o organizador e as idéias relevantes da estrutura cognitiva, e segundo entre o organizador e as novas idéias da situação de aprendizagem. Desta forma não fugir em abstrações vagas no qual se assimile informações não relevantes (AUSUBEL, 2003, p. 66).

A administração de organizadores avançados se difere de in-troduções breves, pois, as idéias contêm (1) são abstrações mais ab-stratas, inclusivas e gerais do que o material de aprendizagem, (2) são mais relacionadas e explicativas do que as idéias relevantes existentes. Assim um organizador de material desconhecido é o expositivo para fornecer subsunçores relevantes próximos, pois mantém a relação sub-ordinada em relação ao material novo, assim a possibilidade de ancora-gem. Ou no caso de material familiar seria um organizador comparativo para uso de novas idéias semelhantes na estrutura cognitiva, como também para maior discriminação entre idéias novas e as existentes (AUSUBEL, 2003, p. 151, 152).

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Dentro desta teoria da aprendizagem podem ser utilizados vários métodos de ensino e verificação de aprendizado como modelagem con-ceitual, mapas conceituais, analogias e metáforas, etc. de formas ver-bais, pictóricas ou ambas.

A AS para Educação em Ciência é uma teórica viável de promoção didática, uma vez que podemos usar um rico material como organiza-dor prévio em forma de vídeos, artigos, jornais, analogias e metáforas, etc. (metodologicamente), pois, entendemos que o aluno não vem à sala de aula como se fosse uma “tábua rasa” sem informações e conhe-cimentos prévios que possam ser potencializados no processo ensino-aprendizagem. Os pressupostos construtivistas assumidos e articulados com a teoria da AS deverá ser uma ferramenta útil para o Ensino de Ciências.

No entanto, o que fazer quando não há subsunçores adequados para a promoção de ensino por meio da AS, quais estratégia tomar? Ausubel apontou os organizadores prévios. Por meio dessa linha, pode-se apontar o uso de Analogias com modelização mental para criar tais situações. Na próxima sessão tentaremos o fazer.

Modelos Mentais e o raciocínio analógico

Como se pode aproximar a AS do uso de Analogias no Ensino de Ciências. Normalmente em aulas já se ouviu termos assim: [...] como se fosse..., se parece..., semelhante... [...]. No ensino o uso de representações para compreensão de con-ceitos é comum. Essas representações busca fazer uma aproximação de um domínio familiar para outro que se busca compreender ou aprender. Esse processo se dá por formação de modelos mentais em base de um raciocínio analógico. Um processo por modelo mental porque é uma representação interna a partir de uma representação exterior de modelo conceitual (KRAPAS et al, 1997, p. 2). Sendo que modelos mentais a partir da definição de Johnson-Laird, Moreira (1996, p.5) entende que é

modelo mental é uma representação interna de

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informações que corresponde, analogamente, ao estado de coisas que estiver sendo representado, seja qual for ele. Modelos mentais são análogos estruturais do mundo.

Entendem-se AS numa visão cognitivista contemporânea há uma possibilidade de interação com a teoria dos Modelos Mentais (MORREIRA, 2005, p.6). Sendo que há várias formas de representações para o Ensino, segundo Treagust (2008) as representações podem ser como os mod-elos, analogias, equações, gráficos diagramas, figuras e simulações. No entanto centra-se em especial em modelos mentais e analogias. Pires (2005) relaciona sobre Analogia: “O termo analogia deri-va do grego “ ”, que significa “proporção” ou “relação de se-melhança/identidade entre duas ou mais coisas”, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001)”. Hartwig e Rocha-Filho (1988, p.333) definem “analogia instrucional concreto que tem pontos semelhantes com algo abstrato que se pretende ensinar”; ou simples-mente o processo de identificação de relações entre de semelhanças entre dois domínios; Duarte (2005) considerando como a mera com-paração entre semelhanças superficiais, entre atributos, presentes nos domínios considerados; Nagem e Oliveira (2004) compreendem que “analogia é uma comparação explicita entre dois domínios”. Concorda-se com Nagem e Oliveira, entende-se nessa pesquisa analogia nestes termos. Na estrutura da linguagem analógica há dois domínios: o domínio de conhecimento familiar ou conhecido é denominado de análogo, veículo ou fonte (GLYNN, 2008; TREAGUST, 2008; NAGEM et al, 2001). E o domínio não familiar ou desconhecido é denominado de alvo que aparece haver um consenso, sendo que domínio é o “termo para designar a rede conceitual abrangente a que pertencem os concei-tos alvo e análogo” (DUARTE, 2005). Na pesquisa de Duarte (2005) relaciona algumas potenciali-dades do uso de analogias: a) Levam à ativação do raciocínio analógico, organizam a percepção, desenvolvem capacidades cognitivas como a

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criatividade e a tomada de decisões; b) Tornam o conhecimento cientí-fico mais inteligível e plausível, facilitando a compreensão e visualiza-ção de conceitos abstratos, podendo promover o interesse dos alunos; c) Constituem um instrumento poderoso e eficaz no processo de facili-tar a evolução ou a mudança conceptual; d) Permitem percepcionar, de uma forma mais evidente, eventuais concepções alternativas; e, e) Podem ser usadas para avaliar o conhecimento e a compreensão dos alunos. Cachapuz (1989, p.119) indica algumas dificuldades no manuseio da linguagem metafórica no Ensino de Ciências: a) A in-fluência de concepções positivas e racionalistas inclina em entender que seria uma substituição ou um desvio que impede o conhecimento objetivo da realidade; b) não existe nenhuma teoria sobre a linguagem metafórica que auxiliasse ao docente prever se uma analogia ou metá-fora é ou não adequada. Mas, mesmo assim, essa falta não indica que se deve banir do ensino, mais é necessário prudência. Normalmente a representação de conceitos científicos que os estudantes constroem em suas mentes, se difere das representações das construções dos cientistas (representações externas). Pois a con-strução de um Modelo Mental (MM) de uma concepção para o estudante como um conceito teórico e abstrato é um processo de comparação de modelos confeccionados como recurso didático no processo de ensino-aprendizagem de Ciências, assim o modelo inicial vem a servir de base para outros posteriores aprendizagem futura (GONZALEZ, 2005). Sendo que os modelos mentais têm suas características, que se difere dos modelos conceituais, a partir de Norma (1983) Moreira (1996, p. 8) defini as características dos MM, nos quais destacamos:

1. modelos mentais são incompletos;2. a habili-dade das pessoas em “rodar” seus modelos men-tais é muito limitada;3. modelos mentais são in-stáveis: as pessoas esquecem detalhes do sistema modelado (...);4. modelos mentais não têm fron-teiras bem definidas (...); 5. modelos mentais são “não-científicos”: as pessoas mantêm padrões de comportamento “supersticiosos”, mesmo quando

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sabem que não são necessários; os modelos men-tais de uma pessoa refletem suas crenças sobre o sistema físico; e, 6. modelos mentais são par-cimoniosos: freqüentemente as pessoas optam por operações físicas adicionais ao invés de um planejamento mental que evitaria tais operações; as pessoas preferem gastar mais energia física em troca de menor complexidade mental. No entanto, os Modelos conceituais são [...] representações precisas, consistentes e completas de sistemas físicos. São projetados como ferramentas para o entendimento ou para o ensino de sistemas físi-cos.

Desta forma relaciona-se ao que Gonzalez (2005) refere ao raciocínio analógico, no qual é composto de elemento familiar que é o análogo e o elemento que será objeto de compreensão, o alvo. Ambos, o análogo e o alvo (tópico) se relacional recursivamente em informa-ções formando o modelo mental como produto dessa interação, essa interação chama-se relação analógica, sendo uma estrutura lógica. O conteúdo dessa relação analógica são os nexos (ligações das relações analógicas), componentes (elementos de comparações) e atributos (são as características dos componentes). Essa relação na formação do mod-elo mental é realizada o raciocínio analógico pela relação analógica a partir de um planejamento ou organização das mesmas (o trama para Gonzalez).

Figura 03: Figura modificada da Estrutura da analogia de Gon-zalez (2005, p. 6).

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Consideramos a reinterpretação do conceito de subsunçor (con-hecimento prévio) relacionado ao modelo mental. Desta forma, o uso da analogia haveria dois pontos de contato:

a) Subsunçor como modelo mental;b) Organizador prévio a partir do modelo mental.Isto implicaria que a construção de Analogia poderia evoluir

para esquema piatiano (MORREIRA, 2008). Haveria uma aprendizagem subordinada ou superordenada.

Neste trama (Organizador Prévio) deve-se propor uma metodo-logia de ensino por meio de analogia para distanciar de possíveis re-lações irrelevantes da comparação comum na construção de conhe-cimentos escolares. No qual se sugere a Metodologia de Ensino com Analogia – MECA (Nagem et al., 2001) no qual constitui em nove pas-sos: 1) Definição da área de conhecimento: área especifica disciplinar; 2) Definição do assunto: o conteúdo a ser ministrado; 3) Definição do público: as pessoas que deseja atingir com a analogia para o det-alhamento do perfil; 4) Escolha adequada do veiculo com o perfil do aluno: escolha do domínio familiar, o veiculo (o análogo) é a própria analogia para proporcionar compreensão do objeto estudado; 5) De-scrição da analogia: é a apresentação do veiculo (análogo), depois se trata do alvo, assim a analogia serve de elemento motivador na aula; 6) Explicação das semelhanças e diferenças: busca-se de forma obje-tiva e relevante para a compreensão do alvo. Aqui, chama-se atenção para reforças as semelhanças e para as diferenças e explicadas para não haver dúvidas, quanto a diferença entre semelhança e diferen-ças deve encontrar mais semelhanças, pois se não a analogia pode tornar-se confusa; 7) Reflexão com o conteúdo: analisa-se junto aos alunos a validade da analogia com as suas limitações para verificar os pontos que falha a analogia, e assim o conteúdo ser preservado de más interpretações; 8) Estimulo de atitude crítica e reflexiva: por uma ação reflexiva e critica da compreensão do conteúdo, ser realizada por professores e estudantes alguma estratégia de avaliação qualitativa da assimilação, baseada no grau de compreensão atingido; 9) E avaliação: aqui o estudante é instigado a criar a sua própria analogia, propor vei-culo mais familiar e suas experiências e levantar similaridades e dife-

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renças, explicitando, dessa forma, sua compreensão acerca do objeto de estudo (2001, p. 206)

Para todo esse processo é fundamental o tempo para internal-ização das informações, para a reflexão e busque respostas para as questões propostas. Nessa proposta busca garantir que o novo conceito seja compreendido e entendido à partir das semelhanças e das diferen-ças apresentadas.

Discussão

Morreira (2005, p 7) chama atenção que para o Modelo Mental e sua construção pode ser considerado o primeiro passo para a AS, pois, o modelo não tem a missão de produzir significados, mas de ter funcio-nalidade. Para isto, pode-se ser alterado pelo processo de modelagem mental no processo de negociação de significados e até mesmo evoluir para esquemas de assimilação. Isto aproxima pelo processo de evolução dos modelos de Gonzalez, assim sendo as seguintes aproximações entre AS, MM e Analogias:

• A construção do conhecimento por meio da Analogia, instru-mentalizada pela AS e MM pode ser por recepção feita pelo professor (ou por criação do aluno);

• As Analogias podem ser estudadas como organizadores prévios ou por modelagem mental na dinâmica de produção e fixação de sub-sunçor;

• As informações devem está organizadas de forma não arbitraria e não literal, como também são substantivas no processo de relação analógica, uma vez que podem ser trabalhadas suas semelhanças e diferenças no processo analógico e dos objetos de ensino, como tam-bém criticadas e reconstruídas as sentenças de aproximação do objeto de ensino;

• Em caso de uma assimilação obliterada pode ser reconstruída a Analogia e ser constituída no processo de semelhanças e diferenças no processo de esquecimento, logo podendo fazer uma aproximação correta e desviar de possíveis vícios de associação erronia.

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Figura 4: Síntese do uso de Analogia a partir da perspectiva dos Modelos Mentais e da TAS.

Pensando em Ensino de Ciências, é uma possibilidade viabilizar a relação entre AS, MM e Analogias no tratamento de conteúdo pos-sível numa realidade de impossibilidades de subsunçores. Apesar do processo analógico ocorre naturalmente em muitos casos, é necessário salientar que os conceitos prévios mal aprendidos ou fato de condições estudantis serem limitadas podem causar alguns obstáculos difíceis. Logo o direcionamento ser realizado pelo professor, com objetivo de inteirar os conhecimentos prévios do aluno ao novo conteúdo. Para isso Pádua (2002) relaciona Duit (1991) sobre alguns aspectos do uso de analogias e metáforas: a) Por mais fáceis que sejam a detecção dos nexos entre alvo-análogo, o professor deve o fazer, apontando as dife-renças para que os estudantes não confundam as limitações de cada nexo; b) Deve certifica-se que todos os estudantes compreenderam totalmente a analogia ou que o análogo realmente é familiar, caso contrario, as percepções errôneas ocorreram, e poderão ser transferi-das para o alvo; c) Não se utiliza conceitos científicos como análogos, pois se caso foi aprendido de forma errônea, os próximos serão, isso

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também é recomendado para a verificação de concepções alternativas; d) Em conceitos mais amplos, utilizam-se analogias múltiplas para pos-sibilitar a solução de dificuldades que possam surgir com a explicação de uma única analogia; e) Deve-se fazer levantamento de similaridades de nexo superficiais como mais elevados; e, f) Deve-se seguir a uma orientação sistemática para aplicação de analogias em ensino.

Conclusão

A alternativa de empreender o uso de MM e Analogias tem a finalidade de aproximar mais os conhecimentos científicos dos estu-dantes, pois a linguagem científica entendida como cultura é muito difícil de ser apreendida, como El-Hani e Bizzo (2002) analisam como se uma pessoa que já é alfabetizada numa língua materna, que lê e escreve e a exerce em sociedade, no entanto na escola formal é imposta uma nova cultura (a científica) com sua própria linguagem, mecanis-mos e produção de conhecimento. A partir da aproximação da AS, MM e Analogia, achamos que foi possível fazer as vinculações e proporções numa visão construtiv-ista para a Educação em Ciência, assim na perspectiva teórica da AS us-ando MM e Analogias como organizadores prévios para a construção de subsunçor, ou outra estratégia para significar as informações científi-cas a partir do os estudantes já sabem, sendo que se considera já como cidadãos, os estudantes, na educação básica, tendo a possibilidade de exercer o direito de dá credito ou não a idéias e conhecimentos que contribuem para a sociedade e para consigo. Além de auxiliar os alunos nesse exercício democrático, a ciência passa a ser mais democrática, realizando uma verdadeira inclusão facilitando as informações para no-vas formas de linguagem. Mesmo que como Mayer (1983) em Hartwig e Rocha-Filho (1988) informe que as contribuições com analogias constituem-se uma das cinco técnicas instrucionais mais utilizadas no ensino, os facilita-dores do conhecimento científicos (os professores) ainda não a uti-lizam com a devida eficácia para esse intento (DUARTE, 2005). Assim como no trabalho de Pádua (2003) observou: o propósito

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relevante na docência é “fornecer aos estudantes um nível de conforto e segurança que lhes permita conectar seu mundo ao mundo das teor-ias e abstrações” (BLOOM, 1992).

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13 SOBRE A PERSPECTIVA DE NATUREZA HUMANA DE STEVEN PINKER E SUAS IMPLICAÇÕES PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

DE CIÊNCIAS

Irailton Lima 1 Ierecê Barbosa 2

Resumo

Neste estudo destacamos conceitos e fundamentos epistemológicos da abor-dagem sobre natureza humana exposto por Steven Pinker e a contribuição destes para Educação, especificamente para a formação de professores de ciên-cias. Os procedimentos metodológicos centram-se em pesquisas bibliográficas, tendo como base não só o autor supra referenciado, mas Dennet (2006), Gam-boa (2007), dentre outros. Diante da negação da unidade psicológica de nossa espécie entre acadêmicos e intelectuais contemporâneos buscamos evidenciar que a perspectiva baseada no conceito de natureza humana pode auxiliar os professores de ciências a saber mais sobre si e as outras pessoas com quem interagem no processo ensino-aprendizagem. Os resultados sinalizam que a inclusão desta perspectiva na formação de professores de ciências pode am-pliar a perspectiva ontológica dos mesmos, além de fundamentar estratégias e metodologias de ensino.

Palavras-chave: Natureza Humana. Formação de professores. Ensino de Ciên-cias.

Introdução

Todos precisamos de uma teoria sobre a natureza humana para poder prever o comportamento. De outro modo não teríamos desen-

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected] Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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volvido a Psicologia, a Sociologia a Educação e tantas outras Ciências Humanas que têm em seu bojo, mesmo que implicitamente, uma teoria da natureza humana. Não há, porém, uma única teoria da natureza humana, o que dificulta a comunicação e o avanço do entendimento de muitos aspectos comuns a todos os seres humanos, independente do que cremos que somos.

Todo mundo precisa prever o comportamento dos outros, e isso significa que todos nós necessita-mos de teorias sobre o que motiva as pessoas. Uma teoria tácita da natureza humana – a de que o comportamento é causado por pensamentos e sen-timentos – está embutida no próprio modo como pensamos sobre as pessoas. Encorpamos essa teo-ria perscrutando nossa própria mente e supondo que a outra pessoa é como nós, observando o com-portamento das pessoas e arquivando na mente as generalizações. Outras idéias absorvemos de nosso clima intelectual: de opinião de especialistas e da sabedoria convencional de nossa época (PINKER, 2004, p. 19).

Esta teoria está ligada ao modo como aprendemos. Quando esta-mos motivados a aprender utilizamos as mais diversificadas estratégias que possam servir para ampliar o repertório de nossa mente sobre o que queremos saber, sobre as competências e habilidades que nos per-mitem atingir nossos objetivos.

Muitos intelectuais e acadêmicos vêm negando a existência de uma natureza humana. Em outras palavras, negam a idéia de que todo ser hu-mano vem ao mundo com um equipamento padrão de reações impulsos e sentimentos que a genética e a evolução instalaram em nossa espécie, o que consolida uma unidade psicológica da espécie (PINKER, 2004).

Buscaremos demonstrar com base em conceitos expostos por Ste-ven Pinker a importância do conhecimento sobre a natureza humana para formação de professores a partir da exposição de argumentos apre-sentados pelo autor e também uma abordagem sobre os pressupostos

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epistemológicos das ciências que sustentam sua perspectiva além de propor a inclusão desta mesma perspectiva na formação de professores de ciências como subsídio para ampliação da perspectiva ontológica dos mesmos sobre natureza humana.

Sobre a perspectiva de natureza humana de Steven Pinker

Defender a idéia de que há uma natureza humana hereditária, ou organização inata da mente que permite explicar o pensamento e comportamento humano é considerado por alguns autores algo imoral porque sustentaria o racismo, sexismo, guerra, ganância, eugenia, des-caso com desfavorecidos etc. como se tal idéia corroborasse tais práticas.

Quando se trata de explicar o pensamento e o comportamento humanos, a possibilidade de a he-reditariedade ter algum papel, seja ele qual for, ainda tem o poder de escandalizar. [...] Qualquer afirmação de que a mente possui uma organiza-ção inata é interpretada não como uma hipótese que pode ser incorreta, mas como um pensamento imoral até para ser cogitado (PINKER, 2004, p.10-11).

Há um equívoco em pensar desta forma, pois se há uma na-tureza humana inata isto não significa que os indivíduos não possam ser responsabilizados por suas ações. Não são os genes que tomam as decisões, mas um ser consciente com uma mente complexa. O dogma de que a natureza humana não existe corrompe a indicação contrária baseada nos fatos obtidos pela ciência e pelo bom senso. Como destaca Pinker (2004, p.12) “o tabu da natureza humana não só põe antolhos nos pesquisadores mas, também, faz de qualquer discussão sobre o tema uma heresia que precisa ser aniquilada”.

Para superar os mal-entendidos, dogmas e preconceitos precisa-mos investigar e analisar ainda mais sobre o que vem a ser esta na-tureza humana e buscar esclarecer seus oponentes de que não se trata de uma afronta ao humanismo, à abordagem cultural, o construtivismo

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ou algo equivalente, mas uma necessidade crescente em virtude dos avanços de nossa época.

A negação da natureza humana transbordou da academia e pro-vocou uma desconexão entre a vida intelectual e o bom senso (id. ibid. p.13). O bom senso, porém, é algo que vai além da sala de aula quando se trata de aprendê-lo. Se há hoje uma desconexão entre a vida intelec-tual e o bom senso é porque há muitos intelectuais insensatos que não levam em consideração determinados aspectos sobre o comportamento humano.

Destacamos inicialmente que o comportamento humano é fruto de uma complexa interação e não há como justificá-lo por meio de uma ou outra dimensão unicamente. Pinker destaca que:

Nesta era científica, “entender” significa tentar explicar o comportamento como uma complexa interação entre os genes, a anatomia do cérebro, o estado bioquímico deste, a educação que a pessoa recebeu na família, o modo como a sociedade tra-tou esse individuo e os estímulos que se impõem à pessoa. De fato, cada um desses fatores, e não apenas as estrelas ou genes, tem sido impropria-mente invocados como origem de nossas falhas e justificativa de que não somos senhores de nosso destino (PINKER, 2008, p.64).

Complementando esta idéia destacamos outra: a de que a na-tureza não impõe o que devemos aceitar ou o modo como devemos levar a vida. Seguindo a linha de raciocínio são destacadas por Pinker as seguintes implicações errôneas sobre a natureza humana:

Primeira, se a mente possui uma estrutura inata, pessoas diferentes (ou diferentes classes, sexos, e raças) poderiam ter estruturas inatas diferentes. Isso justificaria a discriminação e a opressão.Segunda, se comportamentos detestáveis como agressão, guerra, estupro, nepotismo e busca de status e riqueza são inatos, isso os torna “nat-

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urais” e, portanto, bons. E mesmo se forem con-siderados censuráveis, eles estão nos genes e não podem ser mudados, por isso as tentativas de re-forma social são fúteis.Terceira, se o comportamento é causado pelos genes, os indivíduos não podem ser responsabi-lizados por suas ações. Se o estuprador está at-endendo a um imperativo biológico para propagar seus genes, não é culpa dele (Id. Ibid. p.58).

Nestas implicações notamos uma perspectiva que tende a con-siderar o que é inato como bom por se tratar de algo natural. Seguindo a mesma linha de raciocínio teríamos que admitir que terremotos, tsu-namis, tempestades e outros fenômenos da natureza são coisas boas. Estabelecer o que é bom ou ruim por meio da falsa idéia de que tudo o que é natural possui uma conotação moral não passa da mais equivo-cada forma de julgar os valores não prezados numa sociedade dita civi-lizada.

Fundamentos epistemológicos do conceito de natureza humana

A perspectiva de Steven Pinker (1998) sobre a mente como um conjunto de órgãos mentais produzidos pela seleção natural e de como estes foram se especializando para resolver problemas enfrentados ao longo da evolução de nossos ancestrais em seu modo de vida como caçadores-coletores é uma teoria que esclarece sobre a evolução dos processos cognitivos. Estes envolvem o funcionamento da mente hu-mana nos aspectos que lhe são inatos e, além disso, universais em todo indivíduo “normal” no sentido clínico, ou, em outras palavras, um indivíduo que goza plenamente de suas faculdades mentais e por conta disto tem “n” possibilidades de pensamento e ação inteligentes devido a uma mente constituída de órgãos (ou módulos) mentais especializa-dos em faculdades específicas.

A teoria é fundamentada na perspectiva evolucionista, onde se admite a seleção natural, a replicação dos replicantes e suas conse-qüentes modificações genéticas como explicação do desenvolvimento

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de fatores inatos como a linguagem e outras faculdades mentais (PINK-ER, 1998; 2002). Esta concepção levou o autor a defender a idéia de que existe uma natureza humana universal. Pinker fundamenta boa parte de seus conceitos nas Ciências cognitivas, Neurociências, Gené-tica comportamental e Psicologia evolucionista, exploraremos a seguir alguns de seus principais fundamentos.

Sobre as ciências cognitivas

Para um grande número de historiadores-epistemólogos a data simbólica de “nascimento” das ciências cognitivas é a de 1956, ano em que ocorreu o Symposium on Information Theory do MIT (Mas-sachussets Institute of Tecnology) que reuniu psicólogos e lingüistas interessados em integrar seus trabalhos com o objetivo de simular os processos cognitivos em computador. Estes estudos originaram-se, principalmente, sob a influência, dos estudos da cibernética no perío-do pós-guerra. Há um acordo quase unânime entre alguns autores de que as ciências cognitivas foram oficialmente reconhecidas por volta desta data. Neste período o objeto “cognição” recebe atribuições de conteúdos e orientações específicas por parte de diferentes disciplinas. (VIGNAUX, 1991; GARDNER, 2003,)

As ciências cognitivas eram entendidas neste período como “aquelas que têm como finalidade descrever, explicar e, eventualmente, simular as principais disposições e capacidades do espírito humano, entendidas como a linguagem, raciocínio, percepção, coordenação mo-tora e planificação” (ANDLER apud VIGNAUX, 1991, p. 7). Ressalta-se ainda que esta primeira definição apresentou um duplo inconveniente: o de sugerir um caráter totalizante das ciências cognitivas como se fosse uma “nova ciência do espírito” e de tal definição levar a acreditar que o objeto de estudo de tais ciências seria apenas “científico” ou descritivo, mas não filosófico (Id. Ibid.).

A falta de bases filosóficas enfraqueceu os primeiros estudos das ciências cognitivas. Contudo, a reconhecida abordagem realizada pela chamada Filosofia da mente mostra o caráter de certeza quanto a esta última observação sobre seu caráter totalizante. Daniel Dennet, por

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exemplo, observa que a Filosofia da mente

[...] se tornou um ramo da própria filosofia da ciên-cia, com os fundamentos conceituais e problemas das ciências da mente. Isso mudou a conformação e a textura das teorias filosóficas da mente, in-troduzindo na discussão das questões tradicionais muitos dos dados e das ferramentas conceituais das novas abordagens científicas, e levantando no-vas questões, que decorrem dos quebra-cabeças e das armadilhas dessas abordagens (2006, p. 16).

Decorre daí que as ciências cognitivas não puderam ser “auto-suficientes” no que se refere a algumas capacidades tais como lingua-gem, raciocínio, percepção, coordenação motora, entre outras, sendo a Filosofia da mente fundamental para subsidiar tais ciências no que se refere às questões epistemológicas que permeiam o objeto de estudo de tais ciências. A definição proposta por Gardner (2003, p. 19), no entanto, apresenta um pouco mais de cautela quanto à abrangência e objetivos das ciências cognitivas:

Defino a ciência cognitiva como um esforço con-temporâneo, com fundamentação empírica, para responder questões epistemológicas de longa data – principalmente àquelas relativas à natureza do conhecimento, seus componentes, suas origens, seu desenvolvimento e seu emprego.

Gardner, nesta definição apresenta uma delimitação mais viável e condizente com os esforços contemporâneos em definir e aplicar os conhecimentos advindos destas ciências ao que chama de “natureza do conhecimento”. É notável que a Filosofia da mente trata destas e de outras questões, porém existem muitas “filosofias da mente”. Por vezes os autores das neurociências, ciências cognitivas e da psicologia fazem o claro uso de uma filosofia da mente, porém, não estão preocupados em atingir uma definição da mente a partir de uma perspectiva filosó-

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fica. Como cientistas, buscam uma definição mais próxima possível e também mais coerente com as descobertas da ciência que corroboram esta ou aquela assertiva dentro de seu modelo de ciência normal.

Neurociência Cognitiva

A Neurociência Cognitiva pode ser definida como uma combina-ção de métodos de vários campos tais como da biologia celular, neu-rociências de sistemas, neuroimagem, psicologia cognitiva, neurolo-gia comportamental e ciência computacional que deram origem a esta abordagem (KANDEL, 2003, p.382).

A Filosofia e a Psicologia aliaram suas forças ao universo da Biologia e criaram uma aliança singular, mas produtiva. Por meio de abordagens científicas não muito coesas a perspectiva atualmente con-hecida como Neurociência Cognitiva, permitiu novos avanços na com-preensão da visão, da memória e da linguagem.

Nas duas últimas décadas, o trabalho em neurociência cognitiva tornou-se especialmente frutífero, pois o desenvolvimento de novas técnicas para observar o cérebro, visando conhecer sua estrutura e função, permite-nos agora associar determinado comportamento que observamos, clinicamente ou em um experimento, não só a um cor-relato mental presumido desse comportamento, mas também a marca-dores específicos de estrutura ou atividade cerebral (DAMÁSIO, 2000).

A Genética Comportamental

A genética comportamental (o estudo de como os genes afetam o comportamento) apresenta três leis que servem de base para esta abordagem: 1ª - Todas as características de comportamento humano são hereditárias; 2ª – O efeito de ser criado na mesma família é menor que o efeito dos genes; 3ª Uma porção substancial da variação em car-acterísticas complexas do comportamento humano não é explicada por efeitos de genes ou famílias (PINKER, 2004).

Os genes propagam-se ao buscar fazer uma cópia de si mesmos. Para que isso ocorra os humanos têm que compartilhar estes genes e

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compartilhamos genes quando nos reproduzimos, pois todo potencial para pensar, aprender e sentir que distingue os humanos de outros animais reside nas informações contidas no DNA do óvulo fertilizado.

A implicação das leis da genética comportamental causa ainda grandes controvérsias, sendo a mais discutida a suposta possibilidade dos genes determinarem o comportamento (com exclusão do verbo in-fluenciar). Os genes não determinam o comportamento. Esta é uma concepção errônea quanto às influências biológicas na constituição da natureza humana. Isto levou a absurdos incríveis, por conta da má in-terpretação sobre o papel dos genes no comportamento humano. Não se pode dar crédito a uma justificativa do tipo “os genes me fizeram fazer isso”, primeiro porque a maioria dos efeitos dos genes é probabilística e segundo seus efeitos podem variar dependendo do ambiente. Pinker destaca que é preciso encontrar em cada caso o significado das descobe-rtas da genética comportamental para nossa compreensão da natureza humana (PINKER, 2004).

Sobre a Psicologia Evolucionista

Destacam-se no campo da Psicologia Evolucionista os psicólogos John Tooby e Leda Cosmides que publicaram durante o fim dos anos de 1980 e começo de 1990 diversos artigos que culminaram no trabalho intitulado The psicological fondations of culture (As bases psicológicas da cultura) posteriormente incluso na obra The adapted Mind (A mente adaptada) editado juntamente com Jerome Barkow. O trabalho dos au-tores tem desafiado muitas das noções convencionais sobre a mente ao compará-la com um canivete suíço.

Para Tooby e Cosmides só podemos compreender a natureza da mente moderna se a considerarmos um produto da evolução humana. Os autores partem do princípio de que sendo a mente uma estrutura funcional complexa, esta não poderia ter surgido do acaso e o único processo conhecido que pode ter dado origem a tamanha complexidade é a seleção natural. A mente é como outro órgão do corpo humano, um mecanismo evoluído, construído e ajustado em resposta às pressões seletivas enfrentadas por nossa espécie durante a evolução enquanto

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viviam como caçadores-coletores nos ambientes do Pleistoceno. Como esse modo de vida terminou a apenas uma fração de tempo em termos evolutivos, nossas mentes permanecem adaptadas à caça e à coleta.

A mente é, nesta concepção, um canivete suíço com um grande número de lâminas altamente especializadas, em outras palavras, de módulos mentais múltiplos, cada um projetado pela seleção natural para lidar com um determinado problema adaptativo enfrentado pe-los caçadores-coletores durante nosso passado. Os módulos não ape-nas fornecem conjuntos de regras para resolvermos problemas, como também proporcionam muita informação necessária para tal (MITHEN, 2002, p.67-69).

Pinker é um psicólogo que aprofundou seus estudos em neu-rolinguística e o modelo de ciência normal que a sustenta ainda tem fortes raízes no positivismo das Ciências Cognitivas e Neurociências. Isto decisivamente influencia bastante o autor em sua definição de mente, mas não lhe impede, apesar de suas reconhecidas limitações , ter buscado um diálogo com outras ciências como a Psicologia Evolu-cionista e a Genética Comportamental para expor uma abordagem mais complexa sobre a mente, linguagem e natureza humana.

Contribuições da perspectiva sobre natureza humana à formação de professores

Não há como se estabelecer um controle supremo sobre as práti-cas educativas, tampouco apontar um modo “certo” de fazer educação. Qualquer pedagogo, professor, ou quem lida com educação formal ou informal sabe que isto é uma grande falácia. Se realmente acreditás-semos que ensinar pressupõe um pacote ou um conjunto de normas e procedimentos a serem seguidos à risca a fim de se atingir determina-dos fins de um determinado tipo de educação, estaríamos cometendo a maior das contradições e sustentando novamente o conceito de Tabula Rasa no processo de ensino-aprendizagem.

No cotidiano de nossa prática docente observamos, porém, que muitas das atividades de ensino-aprendizagem poderiam ser norteadas por uma visão de homem, mundo, história e sociedade baseada nos

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estudos de Pinker. Eles poderiam contribuir para percepção de que con-teúdos ontológicos baseados nos estudos sobre a mente podem servir para determinar uma visão coesa com o sentido de mente, linguagem e natureza humana expostos por este autor.

Ao mencionar o termo ontologia explicitamos que o mesmo remete a uma tradição histórica na filosofia que engloba dois aspectos. O primeiro referente à percepção do indivíduo sobre a existência e a realidade e o segundo sobre a natureza própria das coisas. (AIRES, 2003; ABBAGNANO, 1998).

A prática de ensino não é neutra, pois se guia por uma visão de mundo, valores e preconceitos de quem ensina. Morais (apud MORAIS, 2007) observa que “[...] o mestre não é um ser amorfo e desfigurado por uma inútil neutralidade, mas, ao contrário, tem seus pontos de vista e os defende normalmente”. Gonzaga (2005, p. 45), ao analisar o espaço da sala de aula, observa que o ato de ensinar é uma “[...] atividade que em nenhum caso pode considerar-se neutra, já que pressupõe a tentativa de acomodar ou não os indivíduos aos valores predominantes de sua sociedade”. Concordando com estas perspectivas, afirmamos que ensinar não é somente um ato técnico-científico ou pedagógico, mas um ato baseado numa ontologia pessoal. Gamboa expõe que, no nível dos conteúdos, os ontológicos são as:

[...] concepções de homem, da sociedade, da história, da educação e da realidade, que se ar-ticulam na visão de mundo implícita em toda produção científica. Essa visão de mundo (cosmo-visão) tem uma função metodológica integradora e totalizadora que ajuda a elucidar os outros el-ementos de cada modelo ou paradigma (SANCHEZ e GAMBOA apud GAMBOA, 2007, p. 54).

Pensamos que os conteúdos ontológicos estão incluídos na prática pedagógica e isto inclui o Ensino de Ciências. Deste modo, os conteúdos ontológicos baseados nos estudos sobre a mente podem servir para determinar uma visão de homem, mundo e sociedade in-tegrados e coesos ao sentido de natureza humana exposto por Pinker.

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Destacaremos apenas que, a nosso ver, a natureza e o valor cog-nitivo de algumas práticas de ensino não atendem (ou nunca aten-deram) ao que se conhece, até o presente momento, sobre os processos de aprendizagem. Para sermos mais específicos concordamos com Ghe-din (2007, p. 258), quando este destaca que “a ‘explosão’ cognitiva que se produziu na psicologia, longe de trazer consigo uma teoria unitária, supôs uma multiplicação das alternativas teóricas sobre o funciona-mento da mente humana”.

Entendemos que as bases epistemológicas das ciências cognitivas ainda encontram-se em construção, por isto mesmo, com um campo epistemológico indefinido, mas independente disto reconhecemos que alguns enfoques podem ser bastante frutíferos, tais como os de Pinker, pois busca uma conciliação com enfoques das neurociências, psicologia evolucionista, genética comportamental e a própria teoria da evolução de Darwin, todos explicando aspectos antes indecifráveis sobre a na-tureza da mente e do comportamento humano.

Defendemos a inclusão da perspectiva apresentada sobre a na-tureza humana na formação de professores de ciências (e também na formação de professores em geral) como um subsídio à construção da perspectiva ontológica docente posto as condições imanentes ao ato de ensinar, ou, melhor dizendo, de ser o mediador entre os estudantes e o conhecimento no processo ensino-aprendizagem. A Educação, assim como outras Ciências Humanas, é uma das práticas que mais se envolvem com os aspectos da natureza humana. Neste sentido:

A formação dos professores, suas formas de partic-ipação em sala de aula, em um programa educacio-nal, sua inserção na instituição e no sistema, são pontos vitais. No caso dos processos de educação a distância observa-se a importância do professor, desde a criação/produção/ revisão/recomposição dos materiais didáticos, até aos contatos com os alunos, mais diretos ou indiretos, em diferentes momentos, por diferentes modalidades: na colo-cação de temas, de problemas, em consultas, em tutoria, em revisões, em processos de recupera-

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ção, etc; por e-mails, por webcam, por telefone, em bases de atendimento, etc. O professor não é descartável, nem substituível, pois, quando bem formado, ele detém um saber que alia conheci-mento e conteúdos à didática e às condições de aprendizagem para segmentos diferenciados. Edu-cação para se ser humano se faz em relações hu-manas profícuas (GATTI, 2009, p.91).

No Brasil a formação de professores parece interessar mais a uma urgente demanda quanto ao aceleramento de formação de professores para atuarem na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamen-tal dada também a obediência ao artigo 62 da LDB 9394/96 que trata da obrigatoriedade do diploma de ensino superior para os professores que lecionam para a Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fun-damental. Isto, claro, sem contar interesses políticos prejudiciais que, infelizmente, sempre acabam envolvendo as questões educacionais, e que, não é de surpreender, acabam tendo como os maiores prejudicados os estudantes.

A estrutura e o desenvolvimento curricular das li-cenciaturas, entre nós, aí incluídos os cursos de pedagogia, não têm mostrado inovações e avanços que permitam ao licenciando enfrentar o início de uma carreira docente com uma base consistente de conhecimentos, sejam os disciplinares, sejam os de contextos sócio-educacionais, sejam os das práticas possíveis, em seus fundamentos e técni-cas. As poucas iniciativas inovadoras não alcan-çaram expansão ficando restritas às poucas insti-tuições que as propuseram (GATTI, 2009, p.95).

Atentamos para o fato de que o aspecto cognitivo tomou o lugar das outras formas de conhecimento, na escola. Com isto não quere-mos negar a existência e importância das outras perspectivas en-volvidas no processo ensino-aprendizagem, mas daí decorre a grande importância de conceber a educação e o processo ensino-aprendizagem

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nesta perspectiva. Não se trata de reduzir a educação à Psicologia da aprendizagem, ou mesmo à Biologia. Buscamos agregar outras formas de conhecimento ao processo ensino-aprendizagem, mais especifi-camente a formação de professores de ciências. Tais conhecimentos podem trazer enormes benefícios na medida em que auxiliam saber as limitações e possibilidades humanas para aprimorar sua aprendiza-gem e conseqüentemente o ensino, além de conhecer os processos envolvidos na ação de ensinar-aprender e a partir disto desenvolver projetos educacionais, assim como metodologias e procedimentos que aperfeiçoem e beneficiem a todos os envolvidos.

O que agregar à formação de professores?

O que pretendemos chamar a atenção, inicialmente, é sobre o fato de que nossas mentes têm mais em comum do que nossos ideais de ordem e progresso, ou socialismo utópico. E isto não se trata de mais uma “ideologia pós-moderna” (seja ela qual for). Nossas mentes são produtos da evolução e da seleção natural que foram submetidos nossos ancestrais caçadores-coletores (PINKER, 1998). Partir desta afir-mação como um aspecto básico a respeito da natureza humana para fundamentar o processo ensino-aprendizagem pode contribuir com a Educação e conseqüentemente com o Ensino de Ciências e a formação de professores.

A contribuição da perspectiva sobre a natureza humana pode nortear o olhar do professor sobre os aspectos fundamentais exis-tentes na relação do conhecimento, principalmente os de natureza cognitiva que servirão como base da prática do Ensino de Ciências. Destacamos alguns dos conceitos que fundamentam a perspectiva de natureza humana e que podem servir de subsídio à perspectiva on-tológica de professores de ciências.

• MENTE – Uma das características da mente [...] é que mes-mo nossos conceitos mais abstratos são compreendidos em termos de cenários concretos (PINKER, 2008, p.15). O conceito de mente já apre-sentado ao longo deste trabalho se fundamenta numa evolução ocor-rida em meio a pressões e desafios enfrentados por nossos ancestrais

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e de como por meio da herança genética adquirimos faculdades inatas tais como uma física intuitiva. Para o professor de física o desafio seria o de mediar este conhecimento inato com os conhecimentos básicos da física moderna. Além de utilizar mais instrumentos concretos para melhor simular o fenômeno a ser estudado, o movimento ondulatório através da observação de uma pedra jogada na água, por exemplo.

• PENSAMENTO/ COGNIÇÃO – Pensar é computar. Processar in-formações de forma consciente ou inconsciente para obtermos sucesso quanto aos objetivos de nossas ações. Pinker observa:

É fácil para nós, seres humanos, seguros dentro de nossa mente eficiente, achar sem graça as ativi-dades banais da cognição, e, em vez delas, nos preocupar com o extraordinário e o chocante. Mas a ciência da mente começa com o reconhecimento de que as atividades mentais normais – ver, ouvir, lembrar, mexer-se, planejar, raciocinar, falar – exi-gem que nosso cérebro solucione problemas cabe-ludos de engenharia (PINKER, 2008, p.43).

• LINGUAGEM – Para os seres humanos que têm em suas mentes um módulo mental inato para produzir linguagem não é das tarefas mais impossíveis adquirir um vocabulário e internalizar regras ocultas da língua que seu grupo social compartilha. O desafio do professor, neste caso, seria o de transmitir os múltiplos usos que podemos faz-er de nossa linguagem para aprendermos a linguagem matemática e científica, por exemplo. No Ensino de Ciências a Alfabetização científi-ca é fundamental para inserir os estudantes, desde cedo, na linguagem do mundo das ciências.

• APRENDIZAGEM – A neuropsicologia entende a aprendizagem como recepção e troca de informações entre ambiente e os centros nervosos (fatores ambientais e genéticos) . A aprendizagem é, nesse sentido, o conjunto de processos neurológicos ou de experiência que dão lugar a modificações permanentes do comportamento (LEMOS, 2001, p. 237).

Na concepção construtivista a aprendizagem é um processo de elaboração de uma representação pessoal sobre um conteúdo ou objeto

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da realidade, um processo de construção de conhecimentos (QUEIROZ, 2003, p.22).

Para Ghedin (2007) aprendizagem é um processo interno do or-ganismo e, por mais que esteja motivada pela interação social, as rep-resentações têm sua sede na mente individual e mudam por processos cognitivos próprios dessa mente. Trata-se de trazer parcelas do mundo exterior, integrá-las no universo subjetivo do sujeito e assim construir sistemas de representação cada vez mais aprimorados.

Para Pinker (1998) a aprendizagem se dá pelo mecanismo ina-to projetado para efetuar o aprendizado. Afirmar que existem vários módulos inatos é afirmar que existem várias máquinas de aprender inatas, cada qual aprendendo segundo uma lógica específica.

• INTELIGÊNCIA - Sobre o conceito de inteligência, Pinker o aborda como um tipo de pensamento racional. O processamento de informações a partir de um conjunto de regras (racionais; decisões baseadas em alguns elementos de verdade) e que devem ser usadas em função de um objetivo motivado por desejos, crenças ou interesses. O objetivo pode ser atingido de maneiras diferentes. Nas palavras do autor inteligência “[...] é a capacidade de atingir objetivos diante de obstáculos, por meio de decisões baseadas em regras racionais (que obedecem à verdade)”. Como afirma o autor podemos ter problemas para definir inteligência, mas a reconhecemos quando a encontramos (PINKER, 1998, p.71-72).

Tomar decisões “racionalmente”, segundo algum conjunto de regras, significa basear as decisões em alguns elementos de verdade: correspondên-cia com a realidade ou correção das inferências. Um alienígena que trombasse com as arvores ou continuasse a andar ate cair num abismo, ou que fizesse todos os movimentos de cortar uma arvore, mas estivesse na verdade dando golpes contra uma rocha ou no vazio, não pareceria inteligente. Tam-bém não pareceria inteligente um alienígena que visse três predadores entrarem em uma caverna, dois saírem e então ele próprio entrasse na cav-erna como se estivesse vazia.

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Essas regras devem ser usadas a serviço do segun-do critério, desejar e buscar alguma coisa diante de obstáculos. Se não tivéssemos uma idéia do que a criatura queria, não poderíamos nos impres-sionar quando ela fizesse algo para obtê-lo. Quem garante que a criatura não estava querendo trom-bar com a árvore ou dar machadadas na rocha e, portanto, atingido brilhantemente seu objetivo? De fato, sem uma especificação dos objetivos da criatura, a própria idéia de inteligência não tem sentido. Um cogumelo poderia receber um troféu de gênio por realizar, com precisão milimétrica e confiabilidade infalível, a proeza de estar parado exatamente ali onde ele está. Nada nos impediria de concordar com o cientista cognitivo Zenon Py-lyshyn, para quem as pedras são mais inteligentes que os gatos, pois elas têm a sensatez de ir em-bora quando as chutamos (Id. Ibid. p.72).

Os conceitos apresentados podem influenciar decisivamente na perspectiva não só ontológica como metodológica do professor, na me-dida em que buscam superar uma concepção de tábula rasa que pode ser identificada no Ensino de Ciências quando não refletimos e quest-ionamos sobre a condição humana ao tratar dos conteúdos científicos. Gonzaga alerta que:

É necessário que seja quebrado o mito de que en-sinar Ciências implica apenas na transmissão de conteúdos científicos, através de ações pontuais. Pelo contrário, é um ato que precisa ser experien-ciado como oportunidade para reflexões e ques-tionamentos da própria condição humana, e da importância da relação de interdependência entre os demais seres vivos, na preservação dos diversos sistemas que sustentam a vida no planeta (GON-ZAGA, s.d.).

Desde já vislumbramos um desafio que é o de superar os limites

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da formação docente a partir da própria desconstrução e reconstrução de nosso problema em função da peculiaridade do fazer ciência na Amazônia. O Ensino de Ciências na Amazônia pode ser pensado atu-almente como o desafio de um grupo interdisciplinar de professores para ressignificar conceitos relacionados ao Ensino de Ciências e a par-tir disto a própria formação de professores e a consolidação de uma Didática das Ciências. Destacamos ainda que:

As transformações mais importantes no desen-volvimento da ciência resultam não da invenção de novas técnicas de tratamento de informações, mas de novas maneiras de ver essas informações. As mudanças mais importantes se expressam em novas teorias e essas, por sua vez, surgem de no-vos esquemas conceituais ou de novos enfoques epistemológicos. (GAMBOA, 2007. p. 69)

Para nós estes enfoques que podem ser tanto conceituais quanto epistemológicos apresentam-se muito úteis, para não dizer o diferen-cial do docente num contexto onde diversas mentes se juntam para compartilhar informações, valores e pontos de vista e transformá-los em conhecimento. O professor de ciências, nesse ínterim, estimula a inteligência do estudante buscando que este pense de forma científica. Isto implica transmitir o que é a ciência, como ela “funciona”, em que se baseia, limites e possibilidades, além de se saber como se pensa e como se pensa o pensamento.

Considerações finais

Os conceitos e fundamentos epistemológicos da abordagem sobre natureza humana exposto por Steven Pinker podem contribuir para Educação, especificamente à formação de professores de ciências. A perspectiva sobre natureza humana de Pinker proporciona uma visão mais completa da condição humana (seus limites e possibilidades) por meio de uma visão integradora de várias teorias e disciplinas. Permite a professores e estudantes ter uma noção mais aprofundada sobre o fun-

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cionamento da mente e os processos cognitivos envolvidos no processo ensino-aprendizagem.

Os conceitos apresentados não são, nem podem ser definitivos, representam o que está em debate na atualidade. A definição do que é a mente parece provisória, mas já é um avanço em relação a out-ras concepções. Na tentativa de ressignificar nossa própria perspectiva ontológica, buscamos nos aprofundar nestes assuntos e a partir deles poder consolidar nossas discussões que esperamos possa servir a pro-fessores e estudantes interessados.

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14 SABERES DOCENTES E TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL EM MANAUS

Gabriel Rodrigues do Nascimento 1

Ellis Regina V. de Sousa 2

Ierecê Barbosa 3

Resumo

Este artigo versa sobre a transposição didática nas séries iniciais do Ensino Fundamental, fazendo uma retrospectiva histórica com vistas à contextualiza-ção, perpassando pelos conceitos fundamentais dessa temática, objetivando não só embasar o docente no que tange as questões teóricas, mas também a aplicabilidade em sala de aula. O percurso metodológico pautou-se pelo aprofundamento bibliográfico, seguido da pesquisa de campo. Os resultados evidenciam que a sala de aula é entendida como o espaço onde se ensina e aprende, ou seja, o espaço em que há uma negociação - entre professor-aluno-saber - que conduz à construção do conhecimento. Esses saberes que são buscados tanto pelos professores quanto pelos alunos sofrem uma evolução, desde sua origem na comunidade científica, até chegarem à sala de aula onde serão ensinados.

Palavras–chave: Transposição Didática. Séries Iniciais. Práticas Pedagógicas.

Introdução

As transformações sofridas pela sociedade provocam o apare-cimento de processos como globalização, toyotismo, produtividade,

1Mestrando do Programa do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected] Mestrando do Programa do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected] Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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entre outros, que desencadeiam mudanças nos campos econômico, social e político. No plano individual, é possível verificar que, de um lado se oferece novas oportunidades para a realização de trabalhos e aquisição de conhecimentos, por outro, abalam-se velhas crenças e ábitos, provocando tensões, incertezas que não raro deterioram as relações interpessoais.

Para melhor compreensão, é vital a reflexão sobre o desenvolvi-mento científico e seus desdobramentos para o campo educacional, como se percebe no atrelamento da produção do conhecimento com a economia. Para Santos (1999, p. 64), o modelo de racionalidade que sustenta a ciência moderna desde o século XVI atravessa uma crise irreversível, devido a diversas condições sociais e teóricas, como ela evidencia abaixo.

Pode-se dizer que a ciência moderna, em alguns aspectos assumiu o lugar da religião, sacralizan-do suas verdades, difundindo a crença de que o conhecimento científico é rigoroso, sistemático e ordenado, portanto, seguro, criando maior pos-sibilidade de previsão e de controle sobre os fenômenos. No entanto, na atualidade, modifica-se esta visão da ciência frente às constatações de que o conhecimento científico de ponta está mais relacionado com a incerteza do que com a certeza, com a desordem do que a ordem.

Então, percebe-se a inviabilização da hipótese do determinismo mecanicista, uma vez que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que a dividimos para observar e medir, e com isso, a ir-reversibilidade nos sistemas abertos significa que estes são produtos da sua história. Outro ponto é o mito da imparcialidade e neutralidade na produção científica, onde interesses econômicos, de classe, étnico e gênero movimentam e direcionam as principais descobertas da hu-manidade.

Com o advento da pós-modernidade, o universo será inevitavel-mente complexo, pois assistirá à perda do sentimento de qualquer

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certeza, reconhecendo o caráter instável de todo o conhecimento. Nesse artigo, temos como objetivo discutir as possibilidades teóricas e práticas provenientes da articulação das categorias “saberes” e “trans-posição didática” nas primeiras séries do Ensino Fundamental, abrindo perspectivas para melhor compreensão dos processos envolvidos.

Saberes e Transposição didática

Estudos sobre a transformação do conhecimento científico para fins pedagógicos são focados principalmente no que diz respeito ao ensino de ciências e da matemática. Dentro desses estudos, a idéia de Transposição Didática (TD) foi formulada originalmente pelo sociólogo francês Michel Verret1, em 1975. Porém, em 1980, o matemático Yves Chevallard retorna essa idéia e a insere num contexto mais especifico, fazendo dela uma teoria e com isso analisando questões importantes no domínio da Didática da Matemática (BROCKINGTON & PIETROCOLA, 2005).

Mas para compreensão da Transposição Didática e os processos de processo ensino-aprendizagem, faz-se necessário primeiramente conhecermos a sua etimologia e um pouco de seu percurso histórico. De acordo com o dicionário de Língua Portuguesa Michaelis (2002), transposição significa “1 Ato ou efeito de transpor. 2 Gramática: Al-teração na colocação ou ordem dos termos na oração. 3 Gramática: Processo que consiste em dar a um termo aplicação diversa da que lhe é própria”.

Quanto ao vocábulo didática este se deriva da expressão (tech-né didaktiké), que se traduz por arte ou técnica de ensinar. Esta expressão surge graças à ação de Jan Amos Comênius (1592-1670), considerado o pai da Didática, pois escreveu a obra Didactica Magna, no século XVII. Considera-se a Didática como a parte da pedagogia que se ocupa dos métodos e técnicas de ensinos destinados a colocar em prática as diretrizes da teoria pedagógica. Portanto, o objetivo princi-pal da didática e estudar os processos de ensino e aprendizagem.

Relacionando os dois termos, a transposição didática é com-preendida como o conjunto das transformações que um determinado corpo de conhecimentos científicos invariavelmente sofre, com o ob-

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jetivo de ser ensinado, implicando, necessariamente, determinados deslocamentos, rupturas e transformações diversas nesse conjunto de conhecimentos, e não como uma mera aplicação de uma teoria de referência qualquer (MACHADO, 2000, p. 2).

Nesse caso, entendemos o saber como uma construção histórica. A comunidade científica produz saberes de referência que são compar-tilhados pelos membros dessa comunidade e reconhecidos socialmente como tal. (CARNEIRO, 2009, p. 26). Segundo Conne (2000) este saber é considerado um tipo especial de conhecimento, cuja utilidade se faz com um relativo grau de operacionalidade. O termo saber (savoir) é então utilizado para designar o objeto sujeito a transformações (ALVES FILHO, 2000).

Os saberes, enquanto formas de conhecimento, se definem pelo uso na perspectiva dos atores sociais e não dos sistemas de oferta de conhecimento, nos permitindo interrogar sobre quais os tipos de uso de saberes no trabalho técnico-intelectual. Tardif (1991) propõe uma solução para a questão do “pluralismo epistemológico” dos saberes do professor, e estabelece e descreve, muito sucintamente, uma nova classificação e tipologia, integrada por quatro saberes diferentes: 1) da formação profissional (da ciência da educação e da ideologia ped-agógica), referente ao conjunto de saberes transmitidos pelas insti-tuições de formação de professores; 2) disciplinares, relacionados com os saberes dos diversos campos do conhecimento, os saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas (por exemplo, matemática, literatura, história, etc.); 3) curriculares, associado aos discursos, obje-tivos, conteúdos e métodos, a partir dos quais a instituição escolar cat-egoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos de cultura erudita e de formação para a cultura erudita; 4) experienciais, vinculados ou baseados no trabalho cotidiano do pro-fessor e no conhecimento de seu meio, os quais brotam da experiência e são por ela validados, ou “incorporam-se à vivência individual e cole-tiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser” (TARDIF, 1991, p. 220).

Chevallard caracteriza sistemas de saberes como savoir savant

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(saber cientifico) e savoir enseigne (saber ensinado). Assim, a cat-egoria principal trabalhada pelo autor – o conceito de transposição didática – designa a passagem do saber cientifico para o saber ensi-nado (VALENTE, 2003).

Na transposição didática, percebemos que o embate provocado no saber produzido pelos cientistas e o saber produzido pelos homens no seu dia-a-dia, provocam sérias discussões acerca da legitimidade do segundo. E acompanhando a tendência atual, há numerosas críti-cas sobre a visão linear e cartesiana de mostrar o desenvolvimento da ciência, na questão de que “só quem produz ciência são os cientistas”.

A Transposição Didática nos anos iniciais do Ensino Fundamental

Optou-se, na ação descrita, por um trabalho reflexivo, em con-traposição a uma perspectiva meramente informativa que limita a par-ticipação do professor ao de expectador. Para isso, foram consideradas as idéias do professor como um agente construtor de conhecimentos capaz de mobilizar diferentes saberes no exercício da docência.

Gauthier (1998), por exemplo, consideram que a atividade do-cente não se fundamenta apenas no domínio do conteúdo, mas de-pende de saberes diversos, entre eles o aprendizado do professor com sua prática educacional, seja, enquanto aluno ou no exercício da docência. Assim não enxergam a prática como mera aplicação de teor-ias, contradizendo o conceito de racionalidade técnica, segundo o qual os problemas em sala de aula seriam resolvidos por meio da aplicação de rotinas bem treinadas e estabelecidas na formação. Tais modelos mostram o ensino como uma atividade interativa, de aprendizado con-tínuo por parte do professor, valorizando as atividades de formação.

A experiência aqui relatada se dá no contexto de uma escola do Ensino Fundamental, da rede municipal de ensino, em Manaus. Nesse contexto, ensina-se e não se sabe por que está sendo utilizando tal metodologia de ensino; o que isto significa e como se dá o processo de transmissão de conhecimento. Isto pode ser confirmado com o relato de experiência de um dos autores deste trabalho:

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“Como professora, dos anos iniciais do Ensino Fundamental, há oito anos, não tenho lembran-ças de ter estudado durante a formação inicia, o tema “Transposição Didática”, nem muito menos nos cursos de formação continuada. Pois, os temas mais trabalhados nos cursos de formação continu-ada dos professores oferecidos pela Secretaria de Educação do Município estão relacionados a apre-ndizagem da leitura e escrita. O tema transposição didática só me foi apresentado no curso de pós-graduação, quando foi possível compreender como se processa o conhecimento científico (o saber sábio), o qual chega até o destinatário final, que é o aluno, através do saber a ensinar, apresentado nos livros didáticos”.

Quando se observa a prática pedagógica em sala de aula, é pos-sível constatar que a maioria dos professores tem dificuldade em con-ceituar a prática que estão realizando ou simplesmente desconhecem-na. Barbalho et al (2006, p. 80), diz que precisamos repensar tanto nossa postura diante do saber quanto nossas escolhas metodológicas de ensino. Isso é necessário para que não se repita dentro das salas de aula uma realidade que chega até ser comum em muitas escolas, de que “os professores costumam reproduzir durante suas atuações pedagógicas uma prática de mera transmissão de conteúdos da mesma forma que lhes foi ensinada dentro da universidade”.

Nos anos iniciais do Ensino Fundamental a transposição didática pode acontecer em outros momentos diferentes dos apresentados por Chevallard (1991), que fala especificamente sobre como o conhecimen-to científico (saber sábio) se transforma em saber a ensinar e em sa-ber ensinado, conhecimento específico das áreas exatas; por exemplo, quando o professor utiliza as informações jornalísticas que são veicu-ladas nos meios de comunicação escritos e televisivos e faz uso dessas informações com os alunos em sala de aula, ele não repassa as infor-mações tais como elas estão escritas ou são veiculadas televisivamente, pois a linguagem utilizada para apresentar e informar a sociedade, é

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uma linguagem técnica. Com alunos de 06 a 10 é necessária a utiliza-ção de uma linguagem simples e clara, que estes possam compreender o que está sendo repassado, contudo essa nova linguagem utilizada pelo professor, não significa que este vá mudar o sentido das informa-ções, apenas facilitar a compreensão.

Quanto ao uso do livro didático pelos professores com os alunos desta modalidade de ensino, o que Chevallard (1991) chama de saber ensinado, também se pode perceber a transposição didática, é claro que o fato do conhecimento está sendo apresentado no livro já se constitui em um dos processos da transposição didática. Mas, o que vale ressaltar é que além desse processo já ter ocorrido, no momento em que o professor trabalha o conteúdo do livro com os alunos, este já transpõe este conhecimento para uma nova linguagem, em um outro contexto diferente do exposto no livro, em uma outra realidade.

Este fato acontece, e faz parte da realidade de muitas escolas municipais que trabalham com o ciclo de formação humana na cidade de Manaus, onde existe professor com turma de 4º ano do Ensino Fun-damental, em que apenas 70% da turma, dominam bem a leitura e escrita e o restante que ainda está em processo de alfabetização. Neste caso, para ensiná-los o professor terá que pensar estratégias e utilizar metodologias de ensino que facilitem a aprendizagem destes, em que o conhecimento apresentado nos livros não seja alterado, principalmente quando se tratar de conteúdos que estejam fora do contexto desses alunos, ou seja, que a transposição realizada pelo professor durante o processo ensino-aprendizagem não mude o sentido científico, pois este ainda é à base de todo conhecimento escolar.

Considerações Finais

A necessidade de investigar como os saberes produzidos nas di-versas áreas da Ciência, ao longo da história, sofre alterações para que se tornem ensináveis, e os questionamentos relativos à quais deles serão legitimados como objetos de ensino, levam-nos a refletir sobre essa problemática de didatização dos saberes científicos.

A sala de aula é entendida como o espaço onde se ensina e

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aprende, ou seja, o espaço onde há uma negociação - entre professor-aluno-saber - que conduz à construção do conhecimento. Esses saberes que são buscados tanto pelos professores quanto pelos alunos sofrem uma evolução, desde sua origem na comunidade científica, até chega-rem à sala de aula onde serão ensinados.

Destacam a tendência, muitas vezes presente, de apresentar uma ‘imagem espetáculo’ e “acrítica” da ciência, em detrimento de uma visão histórica e mais humanizada, que revele os embates na sua con-strução e as relações entre ciência, tecnologia e sociedade (MARAN-DINO, 2005, p. 163).

Percebemos também que, apesar da importância de levar em con-ta os saberes produzidos pelos sujeitos em outros ambientes (família, comunidade, associações, etc.), o saber científico produzido pela aca-demia deve permanecer como base, uma vez que foram os cientistas que produziram aquele conhecimento, sob rigorosos passos metodológicos e análises cuidadosas. Uma das grandes preocupações é a linha tênue entre o conhecimento científico e o senso comum, no que tange a uti-lização da transposição didática sem alguma reflexão.

Referências

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BARBALHO, C. R. S. et al. Didática I. 3. ed. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas/PROFROMAR, 2006.

BROCKINGTON, G.; PIETROCOLA, M. Serão as regras da transposição didática aplicáveis aos conceitos de Física Moderna. Investigações em Ensino de Ciências. v. 10, n. 3, p. 387-404, 2005.

CARNEIRO, M. A. B. A transposição didática e os conteúdos de meio ambiente e educação ambiental em áreas de manguezais na 4º série do Ensino Fundamental. , 2009. [s.p] f. (Mestrado no Ensino

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de Ciências e Matemática), Universidade Federal Rural de Pernambuco.

CHEVALLARD, Y. La Transposición Didáctica: del saber sabio al saber enseñado. La Pensée Sauvage. Argentina, 1991.

MARANDINO, M. A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus da ciência. Manguinhos : História, Ciências, Saúde. v. 12. p. 161-81, 2005. (suplemento).

MACHADO, Anna Rachel. Uma experiência de assessoria docente e de elaboração de material didático para o ensino de produção de textos na Universidade. D.E.L.T.A., v. 16, n. 1, p. 1-26. 2000.

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15 A DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS

Ana Paula Sá Menezes 1

Francisco Dionízio Carvalho da Silva 2

Márcio dos Santos Pessoa 3

Ierecê Barbosa 4

Resumo

Aborda-se, nesse artigo, os problemas mais gerais relacionados com o Ensino de Ciências e a otimização do processo ensino-aprendizagem na escola. O texto foi elaborado de maneira tal que são expostas as posições fundamen-tais das diferentes tendências da Didática que existem hoje em dia e sua expressão concreta no Ensino de Ciências. A metodologia utilizada se deu a partir de investigação bibliográfica. Os objetivos específicos são: apresentar as Didáticas Especiais de Física, Química e Biologia, enfatisando o papel do professor nessa área e evideciar as novas tendências e propostas alternati-vas do processo ensino-aprendizagem de cada uma dessas três componentes curriculares. Concluiu-se que o objeto de estudo da Didática consiste não somente no conhecimento da estrutura e funcionamento do processo real de ensino-aprendizagem, mas, também, do estado desejável que queremos alcançar, ou seja, o objeto da Didática vai se construindo, paulatinamente, configurando o existente. Enfim, mais que respostas, espera-se que este texto possa brindar o leitor com inquietudes, fundamentais para análise e incen-tivo do trabalho científico.PALAVRAS-CHAVE: Didática. Ensino de Ciências. Processo Ensino-Aprendiza-gem.

1 Mestra em Ensino de Ciiências pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E - m a i l : [email protected] Licenciado em Filosofia pela Faculdade Salesiana Dom Bosco - FSDB. Especialização em Docência Universitária pela Faculdade Unilasalle-AM. 3 Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda. Especialista em Design, Pro-paganda e Marketing. 4 Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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Introdução

Nos últimos anos, os estudos didático-pedagógicos vinculados ao aperfeiçoamento do trabalho educativo na escola têm alcançado relevân-cia Não obstante a isso, continuam sendo de grande atualidade as pes-quisas vinculadas aos problemas didáticos das diferentes componentes curriculares que se explicam em cada um dos níveis de Ensino.

O Ensino de Ciências, em particular, vem recebendo nas últimas décadas uma atenção especial, que se explica facilmente ao considerar o importante papel do desenvolvimento técnico-científico na socie-dade moderna e a influência que tem o processo de informatização em todas as áreas da ação humana na atualidade.

O estudo, que ora apresentamos, aborda os problemas mais gerais relacionados com o Ensino de Ciências e a otimização do processo en-sino-aprendizagem na escola. Nosso texto foi elaborado de maneira tal que são expostas as posições fundamentais das diferentes tendências da Didática que existem hoje em dia e sua expressão concreta no En-sino de Ciências. Para isso, nossos objetivos específicos são: apresentar as Didáticas Especiais de Física, Química e Biologia, enfatisando o pa-pel do professor nessa área e evidenciar as novas tendências e propos-tas alternativas do processo ensino-aprendizagem de cada uma dessas três componentes curriculares.

Apesar de entendermos que a área de Ciências Naturais deva ser vista de forma interdisciplinar entre as três componentes – Física, Química, Biologia –, apresentamos a Didática específica de cada uma delas separadamente, pois cada uma tem seu objeto de estudo distinto e competências particulares a serem desenvolvidas (BRASIL, 2002). Os PCN+ entendem ainda que:

A condução de um aprendizado [...], mais do que do conhecimento científico e pedagógico acumu-lado nas Didáticas específicas de cada disciplina da área, depende do conjunto de práticas bem como de novas diretrizes estabelecidas no âmbito escolar, ou seja, de uma compreensão amplamente partilhada do sentido do processo educativo. O

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aprendizado dos alunos e dos professores e seu contínuo aperfeiçoamento devem ser construção coletiva, num espaço de diálogo propiciado pela escola, promovido pelo sistema escolar e com a participação da comunidade (BRASIL, 2002, p. 7).

Os autores partem da opinião que se trata de sustentar a condução do aprendizado em todo seu desenvolvimento. Para que isso ocorra deve-se fazer uso da Didática, que enquanto processo de aprendizagem, es-tabelece critérios para o desenvolvimento da prática do professor. Estes critérios são os nortes que o professor utiliza metodologicamente para sua construção de conhecimento e práticas pedagógicas. Para o Ensino das Ciências é necessário que o professor entenda qual a necessidade que os alunos têm para construir um plano de ensino, utilizando os conteú-dos das disciplinas de Física, Química e Biologia.

A Didática deve ser entendida como processo e não como um procedimento pedagógico: processo porque ela se configura como uma estrutura continua de mecanismos formais estabelecendo norteamento e reorganização dentro do próprio Ensino das Ciências. Outro aspecto que se torna relevante é a própria construção deste currículo que será condicionado à realidade do aluno e sua necessidade inerentes e emer-gentes que surgirão durante o decorrer do curso. Portanto, a Didática deve ser pensada para além do modelo tradicional de ensinar e trans-mitir os conteúdos (LIBANEO, 2006).

O procedimento não se caracteriza porque é apenas o mecanis-mo que o professor tem para estruturar a dinâmica de suas aulas. Os conteúdos trabalhados com os procedimentos adequados dão suporte para que os procedimentos didáticos sejam mais significativos e mais motivantes o que não deixa de ser uma forma processual dentro do binômio ensino aprendizagem. Porém não é o suficiente para dar conta da dinamicidade da Didática.

A Educação é o conjunto das ações, processos, influências, estruturas, que intervêm no desen-volvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num

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determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais (LIBÂNEO, 2004, p.30).

Cada disciplina tem seu objeto próprio como conteúdos de en-sino e que não deve ser desconsiderado. É o que contempla Oliveira (1992), quando estabelece os discernimentos das disciplinas em con-teúdos didáticos para a Educação Básica. Ora se a disciplina tem estru-turas próprias como então trabalhar estes conteúdos de forma que os alunos possam ficar envolvidos e motivados para melhor compreender e apreender estes conteúdos? Esta resposta poderia ser atribuída ao pensar de Libâneo (2006) quando constrói seu discurso sobre as fun-ções cognitivas do sujeito na (re)construção do conhecimento. Segun-do este autor, o sujeito ao se deparar com o conhecimento sua funções cognitivas reagem, levando-o à uma outra construção, o que ele chama de competência cognitiva ou pedagogia do pensar.

A competência cognitiva é o processo no qual o aluno ao se confrontar com o saber que lhe é apresentado ressignifica este saber e faz à ligação necessária com os conhecimentos prévios já existentes, construindo um novo saber, a inteligência então oportuniza o sujeito a conhecer aquele saber que está sendo transmitido pelo professor e codifica na sua estrutura cognitiva, reformulando esta informação de acordo com suas necessidades de compreensão.

Portanto, a Didática configura como o direcionamento imediato da prática ensino-aprendizagem, articulando teoria e prática (LUCKE-SI, 1994), isto é, a prática se faz necessária a partir de uma teoria já existente. O mesmo acontece com a teoria, pois para ela se funda-mentar, a prática tem que estar presente. Podemos dizer então que a Didática é a arte de ensinar; tornar o ensino eficiente; dirigir a forma-ção do indivíduo; estimular capacidades cognitivas do sujeito inserido no processo ensino-aprendizagem e dar discernimento orientador para que se construa um novo saber ressignificado. O objetivo da Didática é, então, “dirigir, orientar e efetivar a aprendizagem, fundamentada no incentivo, na motivação e nos métodos” (HENNIG, 1998, p. 24)

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Desenvolvimento

O Ensino de Ciências no mundo e particularmente no Brasil apre-senta sérias dificuldades perante a falta de motivação de docentes e discentes para o estudo das componentes curriculares de Física, Quími-ca e Biologia.

Num universo de quarenta e um países, os estudantes brasileiros na faixa etária dos quinze anos ocupam o penúltimo lugar no desem-penho em Matemática e Ciências e o trigésimo sétimo em Leitura. Na média das três áreas de conhecimento, nosso país fica à frente apenas do Peru, ocupando a quadragésima posição.

Se formos avaliar o Ensino de Ciências, o Brasil figura em último lugar, num grupo de trinta e dois países, segundo uma pesquisa da União Européia, realizada em 2000. Enquanto a média dos países da União Européia na pesquisa foi de 500, o Brasil ficou com menos de 370, muito distante do México, o penúltimo colocado.

Os dados constam da pesquisa sobre desempenho escolar, di-vulgada em julho de 2007 pela Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (UNESCO). Segundo o estudo, cerca de 50% dos estudantes brasileiros de quinze anos está abaixo do nível 1 de alfabetização, uma escala criada pela UNESCO que classifica os estu-dantes que têm dificuldade em utilizar os instrumentos da leitura para aumentar seus conhecimentos em outros assuntos.

De cinqüenta e cinco mil escolas públicas no Brasil, apenas cento e sessenta e seis delas têm Índice de Desenvolvimento em Edu-cação Básica (IDEB) igual ou maior que 6 (seis) numa escala de 0 a 10 (zero a dez). Índice esse considerado médio entre países da Orga-nização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) em qualidade de ensino.

O IDEB considera o desempenho dos estudantes na Prova Brasil (Exame realizado por todas as crianças de 4ª e 8ª séries do Ensino Fun-damental do país) e no SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica, feito por amostragem). O SAEB é aplicado a cada dois anos, desde 1990 e avalia o desempenho dos alunos brasileiros da 4ª e da 8ª séries do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio, nas componentes

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curriculares de Língua Portuguesa (Foco: Leitura) e Matemática (Foco: Resolução de Problemas).

Raramente, encontramos nas escolas públicas ou privadas es-tudantes que tenham prazer, interesse e facilidade de estudar quais-quer uma dessas três componentes curriculares na Educação Básica. Esse comportamento preconceituoso dos estudantes acaba refletindo também no comportamento dos professores que iniciam o ano letivo preocupados por não saberem como despertar em seus jovens estu-dantes o interesse por essa área, como cativá-los e já antevendo o desastroso resultado de mais um ano letivo, traduzido nos altos índices de reprovação da maioria dos estudantes. Segundo os PCN+ (BRASIL, 2002), quando se fala do Ensino das Ciências, alguns ingredientes são freqüentemente esquecidos: o apreço pela cultura e, principalmente, a alegria do aprendizado:

Quando a escola promove uma condição de apren-dizado em que há entusiasmo nos fazeres, paixão nos desafios, cooperação entre os partícipes, ética nos procedimentos, esta construindo a cidadania em sua prática, dando as condições para a forma-ção dos valores humanos fundamentais, que são centrais entre os objetivos da educação (BRASIL, 2002, p.55).

Com essa intenção, apresentamos a seguir as Didáticas especiais dessa área.

A Didática especial da Física

De maneira geral,

A Didática e as metodologias específicas das ma-térias de ensino formam uma unidade, mantendo entre si relações recíprocas. A Didática trata da teoria geral do ensino. [...] , com base em seus vínculos com a Pedagogia, generaliza processos e procedimentos obtidos na investigação das ma-

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térias específicas, das ciências que dão embasa-mento ao ensino e à aprendizagem e das situações concretas da prática docente (LIBÂNEO, 1994, p. 26).

É notório o divórcio entre os alunos e o Ensino de Física. Infe-lizmente, muitos de nós, professores, não possuímos uma metodolo-gia necessária para enfrentar esse problema, principalmente porque desconhecemos uma Didática específica para o Ensino de Física.

Alguns autores (BUGAEV, 1999; CANALS, 1999; DANILOV, 1984; HERNANDEZ, 1999; KALHIL, 2003; OREJOV, 1980; ZAYAS, 1999) partem da opinião que se trata de sustentar em todo seu desenvolvimento, que a Didática da Física é uma Ciência particular, especial, cujo objeto de estudo é o processo docente educativo que tem lugar ao produzir-se o ensino da Física. A partir desta consideração, avaliam as relações desta ciência com as restantes componentes das Ciências Pedagógicas e com a Física propriamente dita.

A Didática da Física dedica especial atenção à formulação dos ob-jetivos do processo ensino-aprendizagem e sua relação com os compo-nentes restantes do processo. Incluem-se, nesse aspecto, recomenda-ções aos professores sobre a terminologia a se utilizar para a formulação precisa dos objetivos dos conteúdos programáticos, as unidades e na própria sala de aula. Nessa Didática, há uma significação especial, a qual é conferida ao processo de formação de conceitos no contexto de Física, enquanto considerando os conceitos como elementos essenciais no pro-cesso ensino-aprendizagem. A Didática Especial da Física é o lugar privi-legiado para encontrar tais objetivos e discutir sobre a importância dos mesmos na orientação de professores e alunos em relação às exigências que a sociedade atual, multimídia e globalizada, formula a todos nós.

Ela também se faz necessária ao apresentar os diferentes crité-rios que usualmente encontramos em literatura especializada em rela-ção à formação de conceitos e as diferentes ferramentas que podem ser úteis ao professor de Física na complexa tarefa de mediar este processo em sala de aula.

A palavra Didática deriva da palavra grega didactos que significa

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instruir, sendo a Ciência que estuda o processo ensino-aprendizagem. A Pedagogia estuda todo tipo de processo educativo, em suas distintas manifestações. Entretanto, a Didática atende somente ao processo mais sistêmico e eficiente, que se executa sobre fundamentos teóricos e por profissionais especializados: os professores. Em conseqüência disso, podemos dizer que a Didática é um ramo da Pedagogia (ZAYAS, 1999).

O impetuoso progresso e desenvolvimento da Física como ciência e a influência que esta exerce sobre a vida e a sociedade, fizeram com que aparecesse e se desenvolvesse o Ensino de Física como um assunto independente do ponto de vista curricular. A necessidade de funda-mentar o processo ensino-aprendizagem de Física, a busca de métodos de ensino cada vez mais efetivos para se fazer cumprir os objetivos tra-çados pela escola, o emprego de meios modernos para dar apoio a esses métodos, dentre outros fatores, conduziram ao nascimento e posterior evolução da Didática Especial da Física.

A Didática Especial da Física é uma Ciência Pedagógica que tem como objeto de estudo o processo ensino-aprendizagem de Física em quaisquer níveis de Ensino. Enquanto a Didática estuda o processo em geral, neste caso se particulariza o Ensino da Física. Este processo ensino-aprendizagem se converte também em seu objeto de investiga-ção ao estudar as regularidades, os caminhos e os métodos de ensino, educação e desenvolvimento dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem da Física.

Ao se analisar a estrutura do processo ensino-aprendizagem de Física no plano teórico, observar-se-á que o mesmo se caracteriza por um conjunto de componentes: o problema, o objetivo, o conteúdo, o método, a forma, o meio e a avaliação (DANILOV, 1984).

O problema é a situação que se apresenta um objeto e que gera em alguém uma necessidade (ZAYAS, 1999). Em nosso caso, como pro-fessores, é responder a cada dia a uma simples pergunta: Por que se aprende e se ensina?

O objetivo (por que aprendemos e ensinamos?) está muito rela-cionado ao problema, já que expressa a meta que se deseja alcançar, assim como que processo de formação deve ser seguido para vencer os obstáculos apresentados no problema.

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O conteúdo (o que ensinar? O que aprender?) está relacionado com o objetivo, já que a função deste é determinar o quê o estudante deve se apropriar. No caso da Física, o conjunto de conhecimentos acu-mulados através dos séculos, refletindo sobre a evolução do objeto de estudo desta Ciência e as habilidades recorrentes de como o homem se relaciona com o dito objeto de estudo. Para Danilov (1984):

El contenido en la enseñanza de la Física cumple funciones instructivas, educativas y desarrollado-ras. Estas funciones no son cumplidas independi-entemente unas de otras, sino que por el contrario se presuponen y complementan entre sí. Siempre la instrucción debe llevar consigo la educación y el desarrollo, de la misma manera que es impo-sible hablar de educación sin instrucción. Ello es un importante elemento a tomar en consideración por el maestro o profesor de Física en su labor cotidiana .

O método (como ensinar, como aprender?) se refere a como se desenvolve o processo para alcançar o objetivo, é decidir que ações mais eficientes o professor e seus alunos devem utilizar para o cum-primento dos objetivos durante o processo ensino-aprendizagem. Se o processo ensino-aprendizagem é uma mão dupla (não há ensino sem aprendizagem e vice-versa) por excelência, então o método é a orga-nização desse processo, e nele quem intervém são o professor e os estudantes.

Os meios de ensino (com o quê se ensina e se aprende?) inte-gram, em Física, os instrumentos nos quais se apóiam a atividade do-cente, em função do cumprimento dos objetivos e da correspondência com os conteúdos e os métodos a se empregar.

As formas de organização (como organizar o ensino-apren-dizagem) representam a ordem que se adota no processo para alca-nçar o objetivo e nela intervêm todos os implicados: alunos, profes-sor, escola, família e sociedade.

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A avaliação (em que grau se aprendeu e se ensinou?) é o com-ponente que nos oferece a possibilidade de checar e avaliar o grau de cumprimento dos objetivos inicialmente estipulados, assim como saber se nossa decisão, como professores, no processo educativo, foi ou não acertada. Deve-se, inclusive propiciar uma auto-avaliação para os es-tudantes.

O esquema representado na figura 1 resume os componentes do processo ensino-aprendizagem de Física numa característica educomu-nicativa , tendo em conta o contexto sócio-histórico concreto de cada país, sem desconhecer as peculiaridades de cada região, centro docente em particular e as características psicológicas da personalidade de cada um dos próprios estudantes implicados no processo.

Figura 1: Esquema representando os componentes do processo ensino-aprendizagem de Física, tendo em conta o contexto só-cio-histórico (MENEZES, 2009).

A Didática Especial da Física não sobrevive sozinha. Ela se rela-ciona com outras ciências, dentre elas:

Filosofia: é a sua base metodológica, pois considera o método dialético do conhecimento como via para abordar o estudo da Ciência Física, chegando a compreender seus conceitos, leis e teorias. Como é dialética, é um processo internamente contraditório no qual aparecem

O que se ensina?O que se aprende?

Como se ensina?Como se aprende?

Com o que se ensina?

Com o que se aprende?

Como se organiza o pro-cesso ensinar/

aprender

Em que grau se ensinou?

Em que grau se aprendeu?

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aspectos opostos (mas que se complementam): o ensino e a aprendiza-gem, o velho e o novo, a essência e o fenômeno;

Didática Geral: são dela as características estruturais, os com-ponentes e as causas do desenvolvimento do processo ensino-apren-dizagem. A Didática Geral é o ponto de partida e sustentáculo das leis e regularidades que a Didática da Física estuda;

Psicopedagogia: a Didática da Física também leva em conta as regularidades da atividade psíquica dos estudantes no processo ensino-aprendizagem de Física, bem como na forma como eles percebem o mundo exterior, pensam, dominam os conhecimentos, as habilidades, os hábitos e as atitudes. Seus dados se tomam em consideração tanto a organizar o curso de Física, como a eleger os métodos para dirigir o processo.

Para alguns autores (BUGAEV, 1999; CANALS, 1999; DANILOV, 1984; HERNANDEZ, 1999; KALHIL, 2003; OREJOV, 1980; ZAYAS, 1999), as tarefas da Didática da Física para o III Milênio são:

• Consolidar um autêntico sistema teórico, que sirva de susten-táculo à prática dos docentes em sala de aula e ao trabalho investiga-tivo nas Universidades a fim de enriquecer a própria Didática da Física como Ciência;

• Materializar relações interdisciplinares que facilitem a forma-ção de estudantes de capacidades integradoras dos conhecimentos que recebem;

• Modificar a estrutura profissional do docente investigador, em função da necessidade de que os mesmos tenham uma participação ativa no processo de aperfeiçoamento do Ensino de Física;

• Processamento teórico da informação empírica acumulada;• Eliminar a dicotomia entre investigação qualitativa e quanti-

tativa;• Unidade entre a teoria e a prática.

No início deste III milênio, o qual está precedido pelo gigantesco desenvolvimento das TIC, não é possível pensar em um professor que não reconheça na pesquisa o reflexo do desenvolvimento da Física em particular e das Ciências de modo geral. Por isso, urge a formação do-

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cente com forte espírito investigador, capaz de dar soluções aos prob-lemas do Ensino de Física que ele detecta em suas aulas.

A Didática e a Identidade do Professor de Química

Quando se escreve ou se discute sobre o processo ensino-apre-ndizagem de Química há uma ênfase na baixa qualidade tanto das propostas de ensino como da compreensão da ciência Química, em particular, na Educação Básica. Há um razoável consenso entre os químicos (MALDANER e PIEDADE, 2006) de que o objeto da Química é o estudo dos fenômenos químicos. Mas, como falar e interpretar transformações químicas da matéria causadas pelo favorecimento de novas interações entre as partículas constituintes da matéria, nas mais diversas situações? Como levar nossos alunos a esse nível de compreensão tão abstrata do fenômeno químico? Muitos professores ainda continuam em sua práxis pensando que podem responder a essas questões transmitindo/ transferindo seus próprios conceitos de Química a seus alunos, numa educação bancária (FREIRE, 1987).

Há uma necessidade eminente que professores atuantes na com-ponente curricular de Química assumam seu papel de transformadores sociais. Esta postura se fundamenta na medida em que a escola tem a finalidade de formação de sujeitos críticos e reflexivos unindo a teo-ria, o conhecimento já existente, com a prática, realidade do sujeito. Portanto, é vital que o conhecimento de Química tenha significado para o aluno. Este conhecimento, se relacionado ao cotidiano, poderá ser mais significativo ultrapassando a mera codificação dos conceitos. Chassot (2003) pondera que o conhecimento de Química não deve ser meramente transmissão ou relação teoria e prática, mas também sig-nificado social. Neste sentido, a Química passa a ter uma relevância para a vida do sujeito.

A educação, nos dias atuais, tem sido trabalhada para formação de indivíduos que tenham a competência de refletir e criticar a re-alidade. O Ensino de Química pode ter participação significativa neste contexto inovador, é o que explica Chassot (1990, p.30) “a Química é também uma linguagem. Assim, o ensino de Química dever ser um fa-

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cilitador da leitura do mundo. Ensina-se Química, então para permitir que o cidadão possa interagir melhor com o mundo”. Devemos prever que o professor ao assumir este papel deve estar bem integrado com projeto Político Pedagógico da escola. Porém, há escolas que determi-nam os conteúdos e até os procedimentos didático-pedagógicos, o que não deve ser impedimento para este profissional de Ensino de Química.

Para que o professor de Química não cometa o erro de ser mais um transmissor do conhecimento deve levar em conta que “o estudo da Química deve-se principalmente ao fato de possibilitar ao homem o desenvolvimento de uma visão critica do mundo que o cerca, po-dendo analisar, compreender e utilizar este conhecimento no cotidi-ano” (CARDOSO e COLINVAUX, 2000, p.401)

Podemos considerar o pensamento de Santos (2003, p.89) “a ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por recon-hecer nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para en-riquecer a nossa relação com o mundo”. Neste sentido, o professor de Química pode desvincular estes dois conhecimentos, o cientifico (teórico) e o cotidiano do sujeito (prática), levando sempre em con-sideração sua relação social.

A Didática e o Papel do Professor de Biologia

A Biologia é única. Quer se esteja abordando seus aspectos mais abrangentes quer quando enfoca seus menores e mais complexos de-talhes, o biólogo está sempre voltado à compreensão de um único e mesmo fenômeno: a vida.

Abordaremos, a seguir, alguns aspectos relevantes do Ensino de Biologia, como os Livros Didáticos, Analogias e Metáforas, Espaços Não Formais e Interações com a Web.

Os Livros Didáticos

Os Livros Didáticos de Biologia têm sofrido poucas alterações nas edições dos últimos anos. Não se explora temas que são foco de discussão nos dias atuais. Souza (2007) afirma que há um avanço

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letárgico nos livros de Biologia do Ensino Médio em relação aos con-hecimentos adquiridos desde 1970. A própria Genética, ciência que, segundo Souza (2007), mais evoluiu nos últimos cinqüenta anos, não encontra nos Livros Didáticos um acompanhamento adequado, estando estes completamente alheios aos novos grandes temas da área.

Talvez a culpa não esteja simplesmente no Livro Didático, pois ele não pode ser o único instrumento de Didática a ser utilizado pelo professor. Hoje, vivemos em uma era de informações e tecnologias. E nesta era, a educação, que necessita ser continuamente revista para acompanhar uma era em constantes mudanças, precisa oferecer subsí-dios que vão ao encontro do novo comportamento do aluno de Ensino Médio.

Fornecer apenas Livros Didáticos é não acompanhar a dinâmica que o mundo tem experimentado nos últimos anos. Não se pode olhar para o ensino apenas em salas de aula.

A educação compreende os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os indivídu-os estão envolvidos de modo necessário e inevi-tável pelo simples fato de existirem socialmente; neste sentido, a prática educativa existe numa grande variedade de instituições e atividades decorrentes da organização econômica, política e legal de uma sociedade, da religião, dos costumes, das formas de convivência humana. (LIBÂNEO, 1994, p.17)

Analogias e Metáforas

A metáfora e a analogia são inerentes do ser humano. E como tal, podem ser usadas perfeitamente para o auxílio da aprendizagem em diversas áreas. Porém esta forma de Didática deve ser aproveitada com extremo cuidado. Andrade (2002), fala que Bachelard possuía preocupa-ção com a analogia e com a metáfora. Apesar de aparentar ser contra, o que ele propunha era tão apenas tomar certas precauções para sua utilização.

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Concordamos plenamente com Bachelard quanto ao perigo das analogias e metáforas serem mal utilizadas, serem tomadas como cópias fiéis da re-alidade e se transformarem em esquemas gerais que permanecem, em vez de assumirem um papel transitório. É importante ressaltar, em educação, a necessidade de um maior preparo das analogias e metáforas, pelo professor, que as utiliza muitas vezes de forma espontânea e inadequada. (AN-DRADE, 2002, p.10)

Espaços Não Formais

Os espaços não formais são recursos interessantes para o apre-ndizado de Biologia, porém pouco explorado. Esses espaços fornecem a possibilidade de se fazer experiências com produtos de reação não perigosa, explorar conceitos (como habitat) através do bosque da ciên-cia, do zoológico (em seu contraponto) e o do jardim botânico. Vários seriam os procedimentos didáticos e atividades que poderiam ser usu-fruídos. Podemos citar aqui a observação em loco (com a construção de um relatório da visita), pesquisa de campo, desenvolvendo comparati-vos entre a teoria e a prática, e seminários temáticos, apresentando os resultados da pesquisa desenvolvida na visitação ao espaço não formal.

Interações da Web

A educação acontece em muitos lugares e cada vez mais aumenta os meios de informação disponíveis para esta nova geração. Libâneo (2002) afirma que a escola precisa ser repensada para se ajustar a esta era tecnológica e da informação. Ela deve deixar de ser uma transmis-sora de informação e se transformar em um lugar para análises críticas e transformação da informação.

O ensino está diretamente conectado com toda a rotina da vida do aluno. E esta rotina, por sua vez, está diretamente conectada com as interações sociais que a internet oferece.

Werthen (2004, p.3) afirma:

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As novas tecnologias hoje ocupam um lugar es-sencial em nossas vidas. Constituem a estrutura de nosso sistema de comunicação, seja local, na-cional, internacional ou global. E elas são respon-sáveis por profundas transformações no relaciona-mento que temos em todas as áreas de nossa vida: no trabalho, em casa, na escola e no lazer. O fato é que agora “temos” que conviver com as novas tecnologias e há muito isso deixou de ser uma op-ção: quer queiramos ou não elas estão aqui, do nosso lado, interferindo profundamente em nossa relação com o mundo. A começar por uma refor-mulação da noção de tempo e de espaço que elas nos impõem. É necessária uma revisão completa nesses conceitos.

As teorias de McLuhan já se transformaram em realidade nos dias atuais. Hoje vivemos em uma “aldeia global”, tendo os meios de comu-nicação como extensão do nosso corpo (MCLUHAN,1974). Se podemos falar isso dos meios tradicionais, o que .poderíamos dizer a respeito da internet? Ela é uma extensão do nosso convívio social. McLuhan foi um teórico da comunicação que criticou a escola tradicional. Em seus conceitos relacionados à educação, ele dizia que tudo o que diverte, educa. Há algumas décadas atrás, você encontrava as crianças nas ruas, brincando de futebol, queimada, cemitério, elástico, peteca, papagaio entre outros. Hoje elas encontram em seus computadores pessoais, ou em lan houses, a diversão para esse novo século através de jogos e internet. Se a internet é um ambiente de diversão, devemos atentar a ela como uma oportunidade para a educação. Como reforço a esta teoria, Marinho comenta que “a Internet (Web) como meio e não como fim, pode auxiliar no processo de construção do conhecimento” (2006, p.15).

Com o avanço da tecnologia, fornecendo novas interações aos jovens e adolescentes através da internet (blog, flog, vlog, podcasts, orkut, flick, twitter, entre outros) fica explícito a oportunidade de inovação da Didática do ensino de Biologia através destas interações.

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Como exemplo, poderíamos utilizar a mídia social Orkut que faz parte do dia-a-dia dos alunos quando os mesmos estão fora da sala de aula. Esta mídia social você encontra o nome e dados pessoais de amigos, bem como fotografias dos mesmos. Poderia usar esse modelo para fazer um perfil de um ribossomo, “humanizando-o”, dando-lhe uma aparên-cia jovem, descrevendo seus dados pessoais e fotografias. Isso poderia despertar no aluno a curiosidade de conhecer os demais elementos da Biologia disponíveis nesta rede social. E, quem sabe, o aluno poderia até adicionar o ribossomo em seu grupo de amizades.

O Novo Professor

Novas Didáticas são importantes, mas devemos observar que o professor deve ser o principal influenciador e divulgador desta Didáti-ca interativa através das redes sociais da internet. Aguiar (2006, p.14) explica que:

As interações de indivíduos em suas relações co-tidianas – familiares, comunitárias, em círculos de amizades, trabalho, estudo, militância etc – caracterizam as redes sociais informais, que surgem sob as demandas das subjetividades, das necessidades e das identidades.Mas redes sociais também podem ser fomentadas por indivíduos ou grupos com poder de liderança, que articulam pessoas em torno de interesses, necessidades e/ou objetivos (estratégicos e táti-cos) comuns.

Além do conhecimento que o aluno já traz consigo para a sala de aula, devemos levar em consideração como são produzidos esses conhecimentos através de suas vivências. Desta forma, obteremos a atenção do aluno quando o mesmo contextualizar o aprendizado for-necido com a sua própria vida.

De acordo com Ausubel (cf. MOREIRA, 1982), a aprendizagem significativa, por fazer sentido com algum conteúdo pré-existente na cognição do aluno, é o principal objetivo do ensino acadêmico, pois as

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novas idéias conseguem se estabelecer por mais tempo. Ainda como contribuição de Ausubel, encontramos a proposta do ensino em um equilíbrio entre aulas fora da sala de aula e aulas em classe. As au-las em ambientes não formais não precisam ser necessariamente no horário regular da escola e nem por uma imposição educacional. O aluno pode dar continuidade em seu aprendizado fora da sala de aula e no seu tempo livre. Mas se faz necessário a presença do professor em classe para levar o aluno a uma reflexão do aprendizado adquirido fora da sala de aula.

A importância do papel do professor em sala de aula aumenta cada vez mais, pois ele, de acordo com Libâneo (2002), torna-se o catalisador que auxiliará o aluno a “atribuir significado às mensagens e informações recebidas das mídias, das multimídias e formas variadas de intervenção educativa urbana” (2002, p.28).

O educador poderá se contextualizar com o universo do aluno através de lições bem elaboradas disponíveis em grupos sociais da web. O educando, por sua vez, terá facilidade em aprender através da apre-ndizagem cooperativa, que é uma aprendizagem informal e livre do rigor programático e linear de uma sala de aula (MARINHO, 2006). Não há nada mais importante do que conhecer o dia-a-dia do aluno e suas interações sociais para utilizá-las como proposta Didática de ensino na Biologia. Tanto Marinho (2006) quanto Libâneo (2002), afirmam que o professor de hoje tem que ser capaz de ajustar sua Didática às novas realidades, sejam sociais, do conhecimento, do próprio aluno ou dos meios de comunicação. O professor deverá ser um sujeito complexo, isto é, ter habilidades em várias áreas do conhecimento, estabelecendo conexão entre elas, e saber transmitir essa complexidade ao aluno, transformando-o em um indivíduo pensante, crítico, eclético e de for-mação complexa.

Assim, o professor deverá não só usufruir dos livros didáticos, data show, tabelas e outros recursos em suas aulas expositivas, mas também explorar os jogos e as mídias sociais que fazem parte do am-biente extraclasse do aluno para atraí-lo a um prazeroso e diferente estudo da Biologia.

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Considerações Finais

Para compreender o que é Didática e qual seu objeto de estudo é necessário vê-la em seu contexto. Os elementos analisados atuam tanto como contexto de legítima epistemologia como de significa-ção.

O objeto de estudo da Didática é resultado da determinação do conjunto de problemas com certa afinidade a um encargo social, à ne-cessidade de formar as novas gerações de acordo com os interesses da sociedade, o que determina seu objeto de estudo: o processo ensino-aprendizagem, o qual se manifesta na atividade pedagógica.

A atividade do professor – o ensino – e a dos estudantes – a aprendizagem –,são as expressões internas deste próprio processo, mas não se reduz a isto; nele estão presentes, essencialmente, as re-lações mais íntimas do objeto que se estuda: as leis, que constituem, em última instancia, a expressão pedagógica das relações sociais, que são, como se sabe, a essência do ser humano.

O objeto de estudo da Didática consiste não somente no conheci-mento da estrutura e funcionamento do processo real de ensino-apre-ndizagem, mas, também, do estado desejável que queremos alcançar, ou seja, o objeto da Didática vai se construindo, paulatinamente, con-figurando o existente. O caráter obrigatoriamente prático e construtivo da Didática exige um desenvolvimento normativo, prescritivo, que oriente a construção do objeto.

Enfim, esperamos que o presente trabalho, nas mãos dos profes-sores de Ciências, possa contribuir modestamente a canalizar as in-quietudes sobre os aspectos supracitados vinculados ao Ensino desta componente curricular. Esperamos que, mais que respostas, o texto lhes brinde com inquietudes para sua análise e incentivo para seu tra-balho científico.

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16 A TEORIA DA PSICANÁLISE EM FREUD E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS.

Maria de Fátima Fernandes Vieira 1

Ierecê Barbosa Monteiro 2

Resumo

Esse artigo tem como objetivo mostrar a teoria da Psicanálise desen-volvida por Sigismud Freud e suas implicações para o Ensino de Ciências. Os procedimentos metodológicos foram embasados no aprofundamento bibliográfico, sendo selecionados os seguintes tópicos: Primórdios da Psicologia e da Psiquiatria; A Psicanálise: Considerações sobre Freud; A gênese do pensamento Freudiano e a Psicopatologia. O resultado a que se chegou é que essa teoria pode ser utilizada no Ensino de Ciências, tendo em vista não só a relevância para a compreesão dos conflitos humanos existenciais, mas também como esclarecedora dos níveis de desenvolvimento psíquico dos alunos e suas conseqüências no processo de aprendizagem.

Palavras-chave: Psicanálise. Inconsciente. Ensino de Ciências.

Introdução

A originalidade e a força das idéias freudianas formuladas numa época em que a ciência era muito valorizada foi um duro golpe para o homem naquilo que lhe era mais caro: o império da inteligência hu-mana. Ao redefinir a imagem do ser humano, demonstrando que ela

1Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazonas. 2 Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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era presa de desejos inconfessos e de algo mais profundo que a razão Freud sacudiu a sociedade, fez adeptos e inimigos tóricos e políticos, deixando um legado à humanidade de significativo valor.

Estudando o inconsciente, Freud postulou a existência da sexu-alidade infantil e de atos psíquicos, como os sonhos, os atos falhos e os chistes e as elaborações “superiores” da consciência.

Freud fez alguns comentários sobre questões pertinentes à educação de sua época, inclusive sobre sua experiência como estu-dante, mas não chegou a desenvolver uma reflexão mais aprofundada e sistemática sobre o assunto.

Entretanto, a psicanálise revolucionou outros campos da ciência com uma forma totalmente nova de conceber o homem e a sua relação com a cultura e vários pensadores educacionais se preocuparam em empreender estudos para a compreensão de suas formulações para a educação.

Primórdios da Psicologia e da Psiquiatria

A reflexão sistemática sobre a alma e sobre a atividade psíquica se originou na Grécia antiga, ao mesmo tempo em que surgia a Filoso-fia que englobava tudo o que se pretendia conhecer sistematicamente no Universo. A alma, como princípio vital que anima os seres, segundo Platão, era a responsável pela comunicação entre o mundo sensível e o mundo da razão.

Aristóteles estabeleceu alguns princípios clássicos da psicologia sobre o conhecimento e a distinção entre as qualidades anímicas, e a partir dessas teorias Santo Tomás de Aquino postulou na Idade Média a distinção entre a vida vegetativa sensorial, intelectual e volitiva, sen-do que, as duas últimas são manifestadas nas faculdades do raciocínio e da vontade livre: exclusividade do homem.

Posteriormente, o pensamento racionalista se esforçou em sepa-rar a observação empírica dos fenômenos psicológicos das especulações metafísicas. René Descartes e Gottfried Wilhelm Leibniz introduziram a filosofia racionalista na Psicologia, enquanto Immanuel Kant con-tribuiu postulando uma teoria sobre os processos cognitivos baseada

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em dados fornecidos pela sensibilidade que a priori se ordenariam na estrutura mental.

Os filósofos do séc XVII enfocaram a Psicologia numa perspec-tiva empirista e centralizaram-se na observação das experiências mais sensíveis e suas manifestações. Dessa forma a Psicologia começou a consolidar-se como disciplina autônoma, com suas áreas de estudos específicas e separadas de outras áreas do saber.

A Psicologia científica experimental iniciou-se na segunda metade do séc XIX com os trabalhos de Wilhelm Wundt para a for-mulação de leis gerais sobre a percepção e a sensação. O objetivo de medir as funções da experiência interna deu origem a psicofisiologia e a psicofísica, desenvolvidas entre outros por Gustav Theodor Fechner.

Alguns discípulos de Wundt eram a favor da aplicação do método experimental às atividades psíquicas superiores, os psicólogos poste-riores se opuseram por considerar que só o comportamento pode ser objeto de estudo científico.

No final do séc XIX, Sigmund Freud formulou a Teoria Psi-canalítica que centralizava na investigação dos mecanismos mentais inconscientes e que teve como desdobramento a descoberta da estru-tura da personalidade. Mas a Psicanálise não era apenas uma teoria, era também uma terapia específica que foi modificada e aperfeiçoada pelos seus seguidores.

A Teoria Psicanalítica formula a existência de mecanismos incon-scientes de repressão, que, impedindo as manifestações de conflitos internos da personalidade, originam os transtornos psíquicos.

Psicanálise

De um modo geral, pode-se afirmar que, a psicanálise é a ciência dos processos mentais, sendo assim, é um método para a investigação dos processos mentais inacessíveis e uma terapêutica para o trata-mento das desordens neuróticas. Essas práticas constituem uma dis-ciplina científica e um método de análises dos motivos do comporta-mento. Freud (1856-1939) valorizou e aperfeiçou a técnica e formulou os conceitos nos desdobramentos posteriores do método e da doutrina,

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valendo-se do pensamento de alguns filósofos e de sua experiência profissional.

A ousadia da concepção e da descoberta de que o sexo é o com-bustível da motivação humana e também a fonte da felicidade foi sur-preendente num momento em que o mundo passava por um processo de transformação de teses evolucionistas e de respostas que vinha de encontro ao contexto histórico.

A questão da motivação sexual fez com que alguns discípulos de Freud, entre eles Carl Jung, Otto Rank e Alfred Adler se afastassem e elaborassem suas próprias teorias. No geral, a psicanálise foi forte-mente contestada por outras correntes, inclusive da fenomenologia, do existencialismo e da logoterapia, mas a descoberta dos processos do inconsciente é reconhecida por todos aqueles que se filiam aos seus ensinamentos e a relevância desse legado deixado por Freud.

Freud

Sigismund Schlomo Freud nasceu em Freiberg (atualmente Prí-bor, República Tcheca), uma pequena cidade da então Moravia, na Eu-ropa Central, em 6 de maio de 1856, de família pobre, filho primogêni-to de Amália Nathansohn Freud e de Kallamon Jacob Freud, um judeu, comerciante de lãs.

Amália foi à terceira esposa de Jacob. Freud foi muito amado pelo seu pai e sua mãe. Eles chamavam Freud de: “meu Sigi de ouro”. Foi educado por uma babá, que segundo a mãe de Freud, era uma “mulher madura, feia e esperta”, ela era também católica apostólica e muito devota, seu nome era Nannie e contava histórias religiosas a Freud e o levava a visitar igrejas. Peter Gay escreve, na biografia que fez de Freud, diz que ele “gostava de receber cuidados amorosos das duas mães”.

Outros biográfos do psicanalista enfatizam bem essa complexa configuração das relações familiares de Freud e como isso foi influente no desenvolvimento da sua personalidade, lhe permitindo a formulação de sua Teoria Psicanalítica.

Em outubro de 1859 a família de Freud mudou-se para Leipzig,

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na Alemanha, lá permaneceram por pouco tempo, devido às dificul-dades financeiras. Em 1860, seus pais instalam-se em Leopoldstadt, o bairro judeu de Viena.

Freud sempre manteve sentimentos ambivalentes em relação à Viena, declarando certa vez, que nunca se sentira realmente à vontade naquela cidade, mas, posteriormente em 1938, logo depois de chegar a Londres ,ele disse que amava muito “a prisão da qual fora libertado” e, por isso o sentimento de libertação era também acompanhado por um sentimento de tristeza.

Estrutura do aparelho psíquico

Freud distinguiu três regiões na estrutura do psiquismo, que não corresponde às zonas estritamente delimitadas: a consciente, a pré-consciente e a inconsciente. Inicialmente, Freud identificou o sistema consciente-pré-consciente com a instância do ego e con-ceituou o conflito como se opusesse esse sistema consciente-pré-con-sciente ao sistema inconsciente. Porém, em 1923, propôs outro es-quema representativo do conflito (a perspectiva central de sua idéia), no qual distinguiu entre as instâncias do ego, do superego e do id.

O id, regido pelo “princípio do prazer”, tinha a função de descar-regar as tensões biológicas, é a zona dos impulsos instintivos e a reser-va inconsciente dos desejos voltados para a preservação e propagação da vida. O Ego, a porção mais superficial do Id, lida com a estimulação que vem tanto da mente quanto do meio exterior, é a parte racional da alma, no esquema platônico, pois a doutrina platônica inspirou Freud e o impressionou em seu curso de filosofia.

O Ego é pressionado pelos desejos insaciáveis do Id, a severidade do Superego e os perigos do mundo externo. Se o ego submete-se ao Id, a pessoa torna-se imoral e destrutiva; submete-se ao Exigente Superego, se tornará insatisfeita e desesperada e se não se submeter á realidade será aniquilada por ela.

No indivíduo normal, a função de inibição dos instintos, o equilíbrio entre o prazer e o dever (imposto pelos limites internos e externos) é cumprido a contento, nos neuróticos e psicóticos o Ego

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sucumbe, seja porque o id (ou o Superego) é excessivamente forte, seja porque o Ego é excessivamente fraco.

O Superego, também inconsciente, é o regulador, ele se com-porta como um vigilante moral, impedindo o indivíduo de satisfazer plenamente seus instintos e desejos, particularmente os desejos sex-uais. O Superego ou censura desenvolve-se em um período que Freud designa como período de latência, entre os 6 ou 7 anos e o início da adolescência, no período de formação da personalidade moral e social (1923).

Teoria da sexualidade

Freud formulou com essa teoria, através de observações e téc-nicas a própria noção de sexualidade, fixou sua teoria na sexualidade infantil e com isso descobriu o verdadeiro sentido das perversões, mas, Freud foi mais longe e mostrou o caráter sexual de certas formas de conduta, aparentemente desvinculadas de significado sexual.

Para Freud a sexualidade infantil tem duas fases básicas: uma fase auto-érotica e heteroerótica. A primeira é constituída da fase oral-sádica e da fase anal sádica.

Fase oral-sádica – o desejo e o prazer localizam-se primordial-mente na boca, na ingestão de alimentos e no seio materno. A mama-deira, a chupeta e os dedos são objetos de prazer, nessa fase a libido se volta para o próprio corpo.

Fase anal-sádica – O desejo e o prazer localizam-se primordial-mente nas exercesse e nas fazes, nessa fase brincar com massas e com tintas, amassar barro ou argila, comer coisas cremosas e sujar-se são atos prazerosos.

A essas duas fases básicas sucede o período de latência, que ter-mina na puberdade, quando a libido toma direção sexual definida e se instala a sexualidade genital. Nessa fase o desejo e o prazer localizam-se primordialmente nos órgãos genitais e nas partes do corpo que ex-citam tais órgãos e é também nessa fase que se caracteriza o complexo de Édipo, que consiste na fixação da libido no genitor de sexo oposto, num sentido evidentemente oposto.

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Teoria das Neuroses

O estudo das Neuroses envolve dois pressupostos: o etiológico e o terapêutico. Sobre o aspecto etiológico, ou seja, das causas neuróti-cas, Freud enfatizou as determinações de ordem psicológica, embora reconhecendo os fatores somáticos em certos tipos de neuroses, espe-cialmente as narcísicas.

Do ponto de vista terapêutico, remover as causas que determi-nam as causas é o que interessa a psicanálise. Consiste no desrecal-camento e a interpretação, no primeiro caso é realizada por meio da simples rememoração das experiências traumáticas, nesse processo é observado o fenômeno da resistência.

Psicopatologia da Vida Cotidiana

Os lapsos, os esquecimentos, os erros etc são estudados na obra Zur Psychopathologie des Altagslebens (1904; Psicologia da Vida Cotid-iana). Freud deu-lhes um significado, não os considerando acidentais. Com isso, generalizou o princípio do determinismo psicológico, que caracteriza esses atos como expressões de motivações inconscientes.

A classificação dos atos falhos compreende três grupos: 1) atos sintomáticos 2) atos perturbados e 3) atos inibidos.

Entende-se por ato sintomático a luta do consciente com o subconsciente (conteúdo evocável) e o inconsciente (conteúdo não evocável) e se cumpre sem recalque incompleto. Dentro da perspectiva psicanalítica, que sustenta a continuidade entre o normal e o patológi-co, os atos falhos ou sintomáticos são comuns no homem normal.

Os atos perturbados são resultados de um encontro de forças e anunciam uma situação de conflitos, estes podem ser de visão, de audição e de gesto, também podem estar presentes em erros de memória.

As experiências traumáticas sofrem um processo de repressão por parte dos escrúpulos e temores morais, instalando-se no indivíduo como um sentimento de culpa e que é relegado a áreas marginais e

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obscuras da consciência. Essas experiências recalcadas tentam exteri-orizar-se, mas as forças do consciente não o permitem e estabelecem o conflito: uma rigorosa censura que flutua entre o que pode e o que não pode aflorar.

O ato inibido pode se manifestar no domínio cognitivo – es-quecimento, como no domínio motor-paralisia, esse último situa-se na esfera patológica.

Essa dimensão imaginária de nossa vida psíquica – transferên-cias, sonhos, esquecimentos, atos falhos, prazeres e desprazeres com objetos e pessoas indicam o caminho para se chegar ao inconsciente e possuem dois níveis: o nível do conteúdo manifesto (escada, mar e incêndio, no sonho; a palavra esquecida e a pronunciada, no lapso; pé torcido ou objeto partido, no ato falho) e o nível do conteúdo latente, que é o conteúdo inconsciente real e oculto (os desejos sexuais). Por meio da terapêutica psicanalítica pode-se decifrar o conteúdo latente que se dissimula sob o conteúdo manifesto.

Implicações para o Ensino de Ciência

A psicanálise ao formular a teoria da sexualidade trouxe a luz às descobertas sobre os processos psíquicos, evidenciando lacunas ex-istentes nos estudos do ser humano, pois muitos estudiosos e pes-quisadores dessa área ao menosprezarem o caráter sexual na infância conceberam o homem em termos superficiais e incompletos.

Freud enfatiza que, “Somente alguém que possa sondar as men-tes das Crianças será capaz de educá-las e nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais entendemos a nossa própria infância” (BACHA, 2006, p. 74).

Sendo assim, a compreensão desses processos no comportamen-to das crianças é relevante na educação e requer o alicerce de uma concepção científica e humanista porque:

Somente por uma abordagem histórica e cultural sobre a construção da sexualidade humana funda-mentada por uma rigorosa compreensão cientifica do desenvolvimento psicossexual da criança po-

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deremos analisar as manifestações da sexualidade (SILVA, 2000, p.72).

Neste sentido, os conceitos de Freud vêm de encontro à neces-sidade de romper com certos padrões estabelecidos no senso comum quando se trata de conceber a criança como um indivíduo desprovido de desejos e anseios e na maioria dos casos sujeitos a modelos “criados” pelo adulto, modelos repressivos e neuróticos.

A teoria de Freud fornece uma explicação satisfatória quando se remete a questão sexual na infância para desvendar alguns comporta-mentos que a primeira vista é de difícil análise por parte dos educado-res, pelo fato dessas análises ainda serem baseadas nos elementos mais conservadores e tradicionais de uma cultura repressiva, reforçada pela família, pela religião e pela própria escola. Essa dificuldade tem sua ori-gem no desconhecimento de um fundamento e de uma reflexão crítica, histórica e científica (SILVA, 2000, p. 75).

A orientação sexual na escola tornou-se destacável nos temas transversais presente na atual reforma de Educação Básica no Brasil, compreende-se que o tema, cuja relevância é de caráter urgente na nossa sociedade, que vive momentos de conflitos internos externos ao homem não devam ser tratado com superficialidade, desvinculado de um contexto histórico e social e nem tão pouco fragmentado e volun-tarista, essa é uma questão inerente à condição humana, portanto, a “Ciência, vista como prática da discussão criteriosa e do rigor investi-gativo, só se realiza plenamente no ideal da pluralidade e na constante suspeita sobre seus próprios constructos e conclusões” (SILVA, 2000, p.108), dessa forma o vislumbre de uma educação voltada para a apre-sentação de uma sexualidade humana, numa dimensão pedagógica e educacional, terá condições de melhorar e transformar o homem na-quilo que lhe é mais essencial: a sua condição humana subjetiva.

Considerações finaisNão há como desvincular a psicanálise de Freud da verdadeira

natureza do homem quando se trata de conceber o homem da maneira que Freud investigou, descobriu e concebeu : o homem nas profunde-zas do inconsciente,

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Freud fez uma viagem ousada para o seu tempo, revolucionando os pilares da Psicologia e da sociedade. .Ele realmente colocou o homem no seu devido lugar, já que para espanto da sociedade, que vinha con-cebendo o homem como dono do seu destino, vê-se que em referência ao seu mundo interno, o homem não está no comando daquilo que ele pensa que é, sendo um enigma para si próprio. Por isso, Freud foi responsábilizado pela terceira ferida narcísica desverida na humani-dade. (A primeira foi obra de Galileu que retirou o homem do centro do universo. A segunda ficou por conta de Darwim que seqüestrou o caráter da criação divina do homem, com a sua tese evolucionista).

Em relação à educação, a psicanálise vem contribuindo bastante e poderá contribuir muito mais se levar em conta à necessidade de compreender o outro, partindo da compreensão de si mesmo e bus-cando na teoria e na prática a aplicação de métodos de construção e formação da pessoa num processo de desenvolvimento mais digno e humano.

A Psicanálise, se tratando especificamente da teoria de Freud poderá ajudar a explicar alguns comportamentos para compreensão dos processos que resultam dos mecanismos psíquicos de fase anteriores da pessoa. Em se tratando da criança, um olhar mais investigativo é fundamental para que haja uma intervenção e talvez uma mudança significativa no processo, amenizando ou anulando as conseqüências que poderão advir desses comportamentos.

Quando se trata de trabalhar essas questões de comportamento na escola e explicitá-los em forma de temas transversais, é importante destacar a condição humana, histórica e social para não perder de vista o caráter subjetivo do homem e suas particularidades e a escola ex-ercendo o papel de orientadora e educadora tem o dever de conhecer e compreender o homem e a cultura desse homem que ela está formando.

Exige-se, no contexto atual, uma postura de compromisso do educador frente aos conflitos com que eles se deparam no dia a dia. Repensar conceitos e valores é um desafio na escola, nas aulas, nas disciplinas. Para tanto, em se tratando de orientação sexual, os temas transversais precisam ser resignificados para que possam chegar ao aluno de modo a facilitar o processo de transformação bio-psico-social.

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17 A EPISTEMOLOGIA DA BIOLOGIA

Tatyanna de Melo Afonso 1 Suleima Pantoja Tello 2

Ana Frazão Teixeira 3 Manoel do Carmo Campos 4

Resumo

Este artigo aborda a Epistemologia da Biologia perspectiva de reflexão, tra-zendo à tona aspectos relevantes da constituição filosófica e histórica da Biologia, uma das ciências mais belas que existe. Apresenta a Biologia e a sua consolidação como ciência e enfoca as contribuições dos Filósofos da Natureza e de Aristóteles para essa consolidação. Ainda faz relação da epistemologia da Biologia com a Bioética numa preocupação de suscitar reflexões no campo ético que ponham em evidência a valorização das pesquisas científicas em Biologia num contexto de valorização e respeito à vida e a permanência desta no planeta.

Palavras-chave: Filosofia. Biologia. Epistemologia.

Introdução

O marco inicial para tratar da Epistemologia da Biologia é a re-flexão sobre a filosofia e a biologia propriamente ditas e em consonân-cia uma com a outra.

O mundo ocidental em sua tradição filosófica reafirmou o racio-nalismo, engendrando, dessa forma, o antropocentrismo radical em 1 Mestranda do programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazôniza pela Universidade do Estado Física - UEA. E-mail: [email protected] Mestranda do programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazôniza pela Universidade do Estado Física - UEA. E-mail: [email protected] Doutora em Química pela Universidade de São Paulo - USP. Professora da PPGEECA na Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: [email protected] Doutor em Teologia Moral pela Pontiíica Faculdade de Teologia Nossa Sra. de Assunção em São Paulo - PUC/SP. Professor na Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected]

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que se considera o dualismo cartesiano como principal paradigma. Ao fazer essa dissociação entre corpo e mente e ao enfatizar a razão como valor maior, a filosofia acabou fazendo do homem um ser repleto de in-completude, diante do seu próprio ser composto pela conexão de corpo e mente e exposto em um contexto natural e social.

Assim, é imprescindível que haja uma nova abordagem filosófica e biológica sobre o homem e que seja respeitado seu papel social, cul-tural e natural, considerando–o como um ser que, além de filosófico, é essencialmente biológico, que luta também pela sobrevivência.

Nesse sentido, a Epistemologia da Biologia apresenta uma re-flexão mais ampla sobre a nova concepção de ciência e filosofia no con-texto social e natural em que estamos inseridos, enquanto seres vivos.

A Biologia

O termo Biologia é originário do grego e significa - bios = vida - logos = estudo, ou seja, o estudo da vida. A Biologia é considerada o ramo da Ciência que estuda os seres vivos, através do conjunto dos seus diferentes ramos como Citologia, Zoologia, Ecologia, Botânica, Etologia, Genética, Evolução, entre outros (WIKIPEDIA, 2009).

A Biologia surgiu a partir das discussões e estudos realizados pelos filósofos da natureza, tendo Aristóteles como um dos mais im-portantes contribuidores dessa ciência, como destaca Farias (2009, p. 11-12):

Aristóteles era um “sábio completo”, que se dedi-cou a muitos ramos do conhecimento. No tocante à Biologia, especificamente, vale a pena desta-car que ele é considerado o fundador da zoolo-gia. Dentre outros feitos no campo da Biologia, Aristóteles promove a classificação sistemática dos seres vivos, tendo estudado a morfologia e o comportamento de aproximadamente quinhentas diferentes classes de animais (realizando inclusive dissecações). É proposição sua a divisão dos ani-mais em vertebrados e invertebrados, tendo iden-

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tificado corretamente que a baleia e o morcego são mamíferos.

Aristóteles participou da consolidação da Biologia como ciência

através da classificação de plantas e animais, e de seus objetos de conhe-cimento. Elucidou as relações desses objetos, explicando de modo causal as classificações e estabelecendo as leis entre eles, de modo que conservou o caráter qualitativo ou lógico, patamar básico da Matemática.

A Filosofia e a Biologia de Aristóteles

Antes de falarmos sobre a Biologia de Aristóteles é oportuno res-saltar que os primeiros folósofos gregos são conhecidos como filósofos da natureza, porque tinham muito interesse em estudar a natureza e seus processos de transformação. Questionavam sobre como tudo que existe no mundo se torna no que é, livre de explicações mitológicas, dando os primeiros indícios na maneira científica de pensar. Dessa for-ma, a filosofia se desligou da religião e abriu caminhos para as ciências naturais. E foi assim que após duzentos anos Aristóteles sintetizou as conclusões dos filósofos da natureza sobre como ocorriam as transfor-mações no mundo natural.

Aristóteles foi um dos maiores filósofos gregos, natural da Macedônia. Discípulo de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é considerado, até hoje, um dos maiores pensadores de todos os tempos, criador do pensamento lógico e intitulado o primeiro biólogo, como ressalta Gaarder (1995, p. 121)

Aristóteles não nasceu em Atenas. Ele era natu-ral da Macedônia e veio para a academia quando Platão tinha sessenta e um anos. Seu pai era um médico de renome; um centista da natureza, por-tanto. Este pano de fundo já diz alguma coisa so-bre o projeto filosófico de Aristóteles. Seu maior interesse estava justamete na natureza viva. Ele não foi apenas último filósofo grego; foi também o primeiro grande biólogo da Europa.

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O mestre de Aristóteles, Platão, recusava a realidade do mundo dos sentidos; para ele toda a mudança que se observava diariamente era apenas ilusão, reflexos do real supra-sensível que poderia ser ver-dadeiramente conhecido. E a geometria, o ramo da matemática mais desenvolvida do seu tempo, era a ciência fundamental para conhecer o domínio supra-sensível. Para Platão, só se podia ter conhecimento do domínio supra-sensível, a que ele chamou o domínio das ideias ou formas. Do mundo sensível não se podia, senão, ter opiniões, uma vez que, se encontram em constante fluxo. O domínio do sensível era, para Platão, uma forma de opinião inferior e instável que nunca levaria à verdade universal, eterna e imutável, já que se a mesma coisa fosse verdadeira, num momento, e falsa no momento seguinte, então não poderia ser conhecida.

Para Aristóteles o grande desafio era saber como o conhecimento se processava a partir dos desejos humanos e naturais de compreender o seu próprio ser, seu princípio e causa. Ele simplesmente saiu do mun-do das idéias, da razão, de seu mestre Platão e partiu para o mundo das mudanças dos processos naturias, dos sentidos, em contato direto com a natureza, observando animais e vegetais.

Segundo Ghedin (2003, p.261), a preocupação de Aristóteles é com o real em si, em que tudo que é, possui uma natureza que lhe pertence apenas como ser e essa natureza pode ser conhecida.

Aristóteles, apesar de discípulo de Platão e de concordar com ele que as “ideias” fluem e as “formas” são eternas e imutáveis, discor-dava que as “ideias” ou as “formas”, conceitos criados pelos e para os homens, existisse antes da experiência vivida. De acordo com Gaarder (2003, p. 123),

Aristóteles nos chama a atenção para o fato de que não existe nada na cosnciência que já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos. Platão poderia ter dito que não existe nada na natureza que não etivesse existido antes no mundo das ide-ias ... Aristóteles achava que todas as nossas ide-ias e pensamentos tinham entrado em nossa con-sciência através do que víamos e ouvíamos. Mas nós também temos uma razão inata. Temos uma

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capaciade inata de ordenar em diferentes grupos e classes todas as nossas impressões sensoriais.

Dessa maneira, Aristóteles dá início a uma das suas maiores contribuições para a Biologia, a criação da lógica, dos conceitos e da sistemática, passando a representar um avanço importante para a história da ciência. Além de ter fundado várias disciplinas científicas (como a taxionomia biológica, a cosmologia, a meteorologia, a dinâmi-ca e a hidrostática), ele também deu um passo importante ao encarar a observação da natureza de um ponto de vista mais sistemático, car-acterizando a ciência tal como hoje a conhecemos. À medida que para Platão, a verdadeira ciência se fazia na contemplação do universo, de-sprezando os sentidos e a observação da natureza, que é fundamental para ciência.

A Epistemologia da Biologia

O termo Epistemologia ou teoria do conhecimento vem do grego (episteme) e significa ciência, no sentido de produção do conheci-mento, na “busca e descoberta da verdade” como compreendiam gregos no pensamento antigo; (logos), que significa discurso. É um ramo da Filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados à crença e ao conhecimento, ou seja, trata-se de uma reflexão filosófica sobre o conhecimento científico (WIKIPEDIA, 2009).

Pouco se tem discutido nas universidades sobre as bases epis-temológicas da Biologia, como as de muitas outras ciências. Mas, é fato que a necessidade dessa discussão está associada ao conhecimento profundo dessa ciência que estuda a vida e que é indiscutível a sua relevância ao mundo contemporâneo.

Dessa maneira, é imprescindível associar a discussão pertinente ao homem concomitante à vida, às suas interações sociais, ao seu or-ganismo e funcionamento, ao seu comportamento. Vale ressaltar que, Filosofia e Biologia são áreas distintas na efetiva prática de estudo, mas com objeto de estudo em comum. Partindo dessa reflexão, é im-portante compreender o objeto de estudo da Epistemologia da Biologia.

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A Epistemologia é sinônimo de Filosofia da Ciência e estuda o processo de produção/construção do conhecimento científico e, em contexto mais amplo, a Teoria do Conhecimento. Dessa forma, a Episte-mologia da Biologia, preocupa-se como os métodos e critérios que são utilizados para produzir conhecimento na área de Biologia.

Quando se faz a tessitura da Epistemologia da Biologia com o contexto educacional, é fundamentalmente importante considerar o estudo dos processos epistemológicos do educando, conhecer as dife-rentes maneiras como o educando adquire o conhecimento e seus mo-dos de conhecer. Mas também, a maneira como os biólogos vem trabal-hando esse conhecimento.

A Epistemologia da Biologia tem desencadeado preocupação em muitos filósofos da biologia em traçar discussões acerca do que é vida e não-vida, assim como investigar as práticas, as teorias e os concei-tos utilizados pelos biólogos. Essas discussões têm contribuido para o entendimento dessa ciência, por meio de indagações na busca por respostas para cada conceito biológico, e principalmente tentando rel-acioná-los com o contexto social, intervenção realizada pelos filósofos da Biologia que conduzem a sociedade a repensar os valores em todos os aspectos da vida humana. Como por exemplo:

Como a Ecologia está relacionada à Medicina?” “O que são espécies Biológicas? “Como é possível determinarmos nossas origens biológicas?” “Como nosso entendimento biológico das Raças, sexuali-dade e gêneros refletem valores sociais?” “O que é seleção natural, e como ela age na natureza?” “Como os médicos definem as doenças?” “Onde a linguagem e a lógica se formam?” “Qual é a ma-téria-prima da Consciência?” “O que é vida?” “O que faz um ser humano único?” “Quais são as bas-es do pensamento moral?” “Quais são os fatores que utilizamos para o julgamento estética?” “É a evolução compatível com o Cristianismo ou outros sistemas religiosos?”(WIKIPEDIA, 2009).

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Sendo assim, a Epistemologia da Biologia abre caminhos para uma discussão sobre a Bioética, na medida em que apresenta question-amentos sobre as controvérsias do progresso científico e tecnológico, bem como das técnicas biológicas.

A Epistemologia da Biologia e a Bioética

O termo bioética é originário do grego bios, que quer dizer vida e ethos, ética, (FERNÁNDEZ, 2000).

A Bioética é o estudo transdisciplinar entre biologia, medicina, filosofia (ética) e direito (biodireito) que investiga as condições ne-cessárias para uma administração responsável da vida humana, animal e responsabilidade ambiental. (WIKIPEDIA, 2009). Considera, portan-to, questões onde não existe consenso moral como a fertilização in vitro, o aborto, a clonagem, a eutanásia, os transgênicos e as pes-quisas com células tronco, bem como a responsabilidade moral de cientistas em suas pesquisas e suas aplicações.

A bioética se predispõe a levantar um grande diálogo entre todas as ciências para que os avanços tecnológicos e centíficos não sejam apenas de relevância técnica, mas principalmente humana.

A humanidade defronta-se, desde a segunda metade do século XX, com questionamentos surgidos a partir do desenvolvimento da ciência. E segundo Moser (2006, p. 17),

A capacidade humana de destruir a biosfera e de manipular as espécies, ou de interferir tecnologiamente em sua evolução e em sua própria constituição, indicavam um novo período no qual os valores e os princípios éticos clássicos passariam a ser revitalizados em âmbi-tos dversos da ação humana. Isso não significava atestar a disfunção generalizada desses valores e princípios, mas a constatação de que já não era mais suficiente a aplicação de normas antigas aos novos casos.

Sendo assim, a Bioética passa a questionar o comportamento humano com relação à preocupação com a vida e as condutas nas pes-quisas científicas.

Adentrando-se no campo da Bioética para tratar sobre os princípios básicos introduzidos por Darwin em 1859, com a publicação

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da Origem das Espécies, e que tanto abalaram o mundo científico e filosófico de então, pode-se dizer que, a teoria do Darwinismo rejeitou todos os fenômenos e causas sobrenaturais, abrindo espaço para a ex-plicação estritamente científica e todos os fenômenos naturais, pos-sibilitando o estabelecimento de fundamentos científicos para a ética, uma vez que, a seleção natural favorece o comportamento altruísta (DARWIN,1981).

Darwin introduziu o pensamento populacional e refutou a tipo-logia, ou seja, o conceito, originado com os gregos antigos, de que toda variedade da vida consistia de um número reduzido de “tipos” ou “essências” cada uma formando uma classe. Assim, para a teoria da evolução tornou-se desnecessária qualquer intervenção de origem tecnológica, ou seja, qualquer “causa final” que conduza a vida a graus de perfeição cada vez mais elevados e eliminou o determinismo, acei-tando a aleatoriedade como produtora da variabilidade da vida (DAR-WIN, 1981).

Embora Darwin tenha retirado o homem do lugar central, que lhe fora reservado pelas religiões judaico-cristãs, o darwinismo possibili-tou uma nova visão de homem e de humanidade, onde o homem surge como único animal dotado de linguagem verdadeira, com gramática e sintaxe, e de cultura rica.

Nesse contexto, Moser (2006, p. 29) argumenta que

o surgimento da bioética na reflexão social, política e científica está profundamente ligado aos progressos alcançados, nas três últimas déca-das, na medicina e na genética. Estes avanços científicos, expressos através de uma variabili-dade de tecnologias, incidem cada vez mais sobre a vida diária de muitas pessoas. Essas tecnologias podem permitir melhor qualidade de vida, mas os riscos e as ameaças delas decorrentes podem pas-sar despercebidos.

Diante disso, é importante ressaltar a preocupação acerca desses aspectos da bioética e de suscitar a reflexão sobre o desenvolvimento

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da Biologia, percepção de uma ciência crítica, vinculada às questões éticas, políticas, sociais e históricas, em que a vida, seu maior objeto de investigação, seja além de refletida, respeitada.

Considerações Finais

A humanidade está em pleno desenvolvimento de suas potên-cias: a ciência e a tecnologia, porém é inerente a elas a compreensão da natureza como um todo e de ser vivo constituinte dessa natureza. É imprescindível que, ao mesmo tempo que as descobertas científicas e tecnológicas surgem e avançam, a filosofia, enquanto epistemologia, esteja aliada às ciências da natureza, com o intuito maior de com-preender a vida e, consequentemente o homem, de modo que melhore a sua relação com os seres vivos e os não vivos.

Diante disso, considerar apenas a Biologia e seus paradigmas, assim como apenas a Filosofia, não é salutar para o desenvolvimento da ciência, pois podemos cair em um terreno perigoso. É necessário, antes de tudo, conhecer e questionar o conhecimento apresentado pela Biologia e o seu suporte epistemológico, e confrontá-lo, sempre que preciso, numa perspectiva ética.

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Referências

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18 A TEORIA DA APRENDIZAGEM EM HENRI WALLON E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS.

Maria de Fátima Fernandes Vieira 1 Ierecê Barbosa 2

Resumo

Esse artigo tem como objetivo mostrar a teoria da Aprendizagem em Henri Wallon e suas implicações para o Ensino de Ciências. Para tanto, os estudos centraram-se nos seguintes tópicos: Considerações sobre Wallon; A Gênese do Pensamento; Princípio Metodológico; Fundamentos Epistemológicos: A Con-sciência; As Leis Organizacionais da Formação do Sujeito e Os campos Funcio-nais do Desenvolvimento Humano. Os resultados reforçam o uso dessa teoria no Ensino de Ciências, tendo em vista não só a relevância, mas também a sua aplicabilidade no processo ensino, alavancando a aprendizagem.

Palavras-chave: Teorias da Aprendizagem. Wallon. Ensino de Ciências.

Introdução

A primeira formação de Henri Wallon foi como médico nos cam-pos de batalha, na guerra foi um médico atuante e os soldados aten-didos por ele se constituíram nos seus primeiros objetos de pesquisa, ele descobriu que a base biológica altera o desenvolvimento do sujeito. Estudando as crianças, percebeu que os danos biológicos tinham rela-ção com o comportamento, enfim, os fatores biológicos e sociais acar-retavam modificações no comportamento das pessoas.

Na 2ª guerra, Wallon fez resistência aos movimentos nazistas e adquiriu uma postura socialista e comunista, do ponto de vista ide-

1 Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazonas. 2 Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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ológico, influenciado por Marx e assim como o grande sociólogo, ele também defendia a dialética, confrontando o social e o biológico.

Na sua formação de educador foi autor de um plano revolu-cionário na França, ele estava convencido que a interação de forma corporativa tornaria as pessoas mais felizes. Esta dimensão político–social da educação fica bem expressa no projeto Langevin, o projeto or-ganizava todos os âmbitos do sistema de ensino, em torno do princípio de justiça social e apoiava o conhecimento científico do ser humano em desenvolvimento, sobre a psicogênese. Havia a preocupação de um trabalho voltado para a orientação vocacional, levando em conta as descobertas dos gostos e preferências individuais. Ao lado dos procedi-mentos psicopedagógicos, o projeto previa procedimento de natureza financeira, além da gratuidade do ensino, a implantação de um regime remunerado ao estudante – para assegurar a todos os indivíduos o ple-no desenvolvimento de suas potencialidades. A integração era uma ex-igência primordial que deveria existir sempre entre escola e sociedade.

A teoria de Henri Wallon aponta a infância como um período específico e a função primordial da educação seria a constituição da pessoa relacionada aos campos funcionais de afetividade, cognição e movimento visando o aprofundamento e a compreensão de como acon-tece essas manifestações e as relações dos campos funcionais nos dife-rentes estágios do desenvolvimento da criança.

Wallon indica a observação como uma ferramenta essencial para se ter acesso às diversas manifestações e expressões da criança em seu contexto. O autor afirma que só é possível entender as atitudes da criança se houver compreensão do ambiente na qual ela está in-serida. Ele propõe o estudo da pessoa completa, tanto em relação ao seu caráter cognitivo quanto em relação ao seu caráter afetivo e motor. Para Wallon, a cognição não é mais importante que a afetividade e a motricidade.

Psicologia Genética Walloniana

Wallon considerou três elementos de estudo, são eles:

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MotorAfetivoCognitivo

Para ele, a integridade desses três elementos forma a consciên-cia.

Em seus estudos ele utilizou o método da Análise Comparativa Multidimensional:

• comparando a criança com o adulto;• comparando a criança com problemas e a criança normal;• comparando o adulto com problema e o adulto normal;• trabalhando os processos envolvidos num processo dialético.

Fundamentos Epitemológicos

Toda a teoria walloriana é ancorada em pressupostos, a saber: Pressuposto: Materialismo dialético provocando constante al-

ternância nos sujeitos.Pressuposto do desenvolvimento:

• A criança é um ser em processo (não é seqüenciada nem esta-cionada);• Pessoas são totalidade a cada instante, a compreensão do ob-jeto faz a criança ser a soma desse conhecimento naquele mo-mento;• O indivíduo é dependente do contexto histórico;• Não existe uma aprendizagem limitada e fechada;• Os conflitos de evolução e desenvolvimento avançam, regridem e avançam novamente.

Wallon e a Consciência

A estrutura da consciência (pensamentos, sentimentos e ati-tudes) é o processo fundamental na interação e formação da pessoa,

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essa construção do eu depende dessa interação, mesmo que haja a negação do outro é imprescindível que a criança estabeleça esse con-tato para a descoberta de si mesma no outro.

Aos 3 anos de idade, a criança já demonstra o que ela quer ou não quer através de manipulação, chantagens e imitações do outro, o que é bastante comum nesta fase, sendo assim, o que Wallon propõe é um estudo integrado do desenvolvimento, sem dicotomizar e dissociar o caráter biológico do social no homem. Esta é uma característica fun-damental da teoria Walloniana.

Wallon (1986) mostra através dos seus estudos que o desenvolvi-mento da consciência da pessoa acontece no mesmo caminho que o de-senvolvimento de conscientização do mundo, e que não é determinado fisiologicamente como defendiam alguns estudiosos.

Leis Organizacionais

Formação dialética do sujeito com o meio

1ª Lei

Alternância funcional – Enfoca as diferenças de papéis e o con-fronto das interações (Eu faço assim e o outro faz assim: diferenciando o papel de si e o papel do outro). A lei da alternância funcional indica duas direções opostas que se alternam ao longo do desenvolvimento: uma centrípeta, voltada para a construção do eu e a outra centrífuga, voltada para a elaboração da realidade externa e do universo que a ro-deia. Essas duas direções se manifestam alternadamente, constituindo o ciclo da atividade funcional.

2ª Lei

Alternância da predominância – Em determinada hora prevalece o elemento motor, em outro a predominância cognitiva e em outro a predominância afetiva, as três dimensões ou subconjuntos prepon-deram, alternadamente, ao longo do desenvolvimento do homem: mo-

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tora, afetiva e cognitiva. A função motora predomina nos primeiros meses de vida da criança, enquanto as funções afetivas e cognitivas se alternam ao longo de todo o desenvolvimento, ora visando à formação do eu (predominância afetiva), ora visando o conhecimento do mundo exterior (predominância cognitiva).

3ª Lei

Integração funcional – Integração das etapas já processadas pela criança (uma base) para sua consciência, a partir daí a criança começa a exigir mais elementos afetivos, cognitivos e motor na sua formação, são essas múltiplas facetas que constituirão sua consciência e o sujeito passa a entender que a afetividade, o movimento e o conhecimento são diferentes no outro, o que Wallon chama de formação da pessoa.

Emoção e afetividade

Dois importantes conceitos na obra de Wallon são emoção e af-etividade, enquanto emoções seriam processos internos, a afetividade seria o estado psicológico que viabiliza a comunicação das emoções, um fato fisiológico nos seus componentes humorais e motores e, ao mesmo tempo, um comportamento social na sua função de adaptação do ser humano ao seu meio:

[...] As emoções são a exteriorização da afetividade [...] Nelas que assentam os exercícios gregários, que são uma forma primitiva de comunhão e de comunidade. As relações que elas tornam possíveis afinam os seus meios de expressão, e fazem deles instrumentos de sociabilidade cada vez mais espe-cializados. (WALLON, 1995, p. 143).

A emoção, antes da linguagem, é o meio utilizado pelo recém–nascido para estabelecer uma relação com o mundo humano. Grada-tivamente, os movimentos de expressão, primeiramente fisiológica,

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evoluem até se tornarem comportamentos afetivos mais complexos, nos quais a emoção, aos poucos, cede terreno aos sentimentos e depois às atividades intelectuais.

Wallon enfatiza que os métodos mecanicistas não são tão sufi-cientes para apreender a complexidade das emoções, ele também não nega o caráter biológico dessas teorias, destacando que as emoções ocorrem sob o comando do sistema nervoso central e que dependem da estrutura orgânica do sujeito. A emoção surge através da ontogênese no momento em que certas terminações nervosas desenvolvem-se até um nível de complexidade.

Porém ele considera as emoções como a primeira ferramenta de interação com o meio que uma criança terá. Por exemplo, um bebê que é totalmente dependente do adulto para satisfação de suas ne-cessidades básicas e secundárias e como não possui domínio sobre a linguagem para se comunicar usa o choro, que é a única maneira que a criança tem de fazer com que as suas necessidades sejam atendidas, sendo o choro o primeiro passo do estabelecimento gradual pela cri-ança, de relacionamento entre ele e o meio.

A emoção cumpre papel importante entre a motricidade emo-cional (a capacidade de reagir a estímulos externos com movimen-tos próprios) e a sensibilidade emocional (a capacidade de representar mentalmente problemas em geral) A emoção é que também dá origem à consciência do indivíduo, ajudando-o a distinguir-se da realidade a sua volta.

Os campos funcionais

Para Wallon, a cognição está alicerçada em quatro categorias de atividades cognitivas, que são denominadas de campos funcionais, que são: o movimento, a afetividade, a inteligência e a pessoa.

Movimento

Segundo a teoria Walloniana, as emoções dependem essencial-mente da organização dos espaços para se manifestarem,. Portanto,

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a motricidade tem caráter pedagógico. Nas idéias de Wallon (1986) a escola mobiliza as crianças numa carteira e num espaço limitado, não deixando que a criança expresse suas emoções e seus pensamentos, limitando com isso também o desenvolvimento completo dessa criança.

Isso não acontece somente nas escolas, onde os espaços parece reduzirem-se cada vez mais para comportar lugares para assuntos bu-rocráticos e menos para as brincadeiras, para as artes e as leituras. Os espaços urbanos cada vez mais estão sendo tomadas por carros e menos praças para nossas crianças e para o lazer, e também nas casas, principal-mente nas classes menos desfavorecidas. Devido ao grande contingente de pessoas num mesmo espaço, a liberdade de movimento não é mais um privilégio nem das crianças e nem dos adultos.

Afetividade

A afetividade seria a primeira forma de interação com o meio ambiente e a motivação primeira do movimento, já que o movimento responde a uma necessidade e proporciona experiências à criança, por-tanto, a afetividade serve de mediadora das relações entre a criança e o ambiente.

Inteligência

Na obra de Wallon a inteligência tem um conceito bem especí-fico, ela está diretamente relacionada com duas importantes atividades cognitivas humanas: o raciocínio simbólico e a linguagem. À medida que a criança vai aprendendo a pensar nas coisas que estão fora do seu alcance, ela vai adquirindo cada vez mais a percepção e desenvolvendo o raciocínio simbólico, ou seja, o poder de abstração. Ao mesmo tempo, e relacionadamente, as habilidades de linguagem surgem no indivíduo, potencializando cada vez mais o pode de abstração.

A Pessoa

Este seria também o campo funcional responsável pelo desen-

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volvimento da consciência e da identidade do eu, este campo coorde-naria os demais, mas, as relações entre eles não acontecem de forma harmônica, surgindo sempre conflitos. O que ocorre é um processo constante de tese, antítese e síntese entre os campos funcionais, a cognição desenvolve-se de maneira dialética.

Os estágios de desenvolvimento

Wallon sequenciou os estágios de desenvolvimento, sem contudo engessá-los pois para ele cada criança é um mundo a parte.

Estágio: Impulsivo Emocional (0 a 1 ano)

Este estágio sinaliza um trabalho muito centrado em si mesmo, a criança movimenta-se para fora, esperando uma resposta que venha para si, a criança ainda não possui habilidades motoras, seus movi-mentos são descordenardos e desajeitados, as emoções são o principal instrumento de interação com o meio. O controle do próprio corpo traz para si a resposta do outro correspondendo mais à força que vem de fora para dentro.

Estágio Sensório Motor e Projetivo (1 a 3 anos)

Neste estágio há uma interação mais autônoma por parte da cri-ança (muito movimento com a fala e com as mãos), ela interage e exige mais nessa interação. Os pensamentos muito comumente se projeta em atos motores.

No estágio sensório-motor, a criança realiza um extenso e dife-renciado acordo entre as percepções e os movimentos, uma determinada excitação corresponde um determinado movimento. Com a maturação neurológica, os reflexos são inibidos e a criança se torna capaz de reali-zar exercícios sensórios motores que conduzem a um duplo resultado: ligar o efeito perceptível aos movimentos próprios para produzi-los e diversificar os movimentos e os efeitos possíveis.

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Estágio do Personalismo (3 a 6 anos)

É o momento introspectivo, do mundo de imaginação, a criança busca compreender aquilo que ela faz com aquilo que ela conseguiu fazer nas fases anteriores. É somente nesse estágio que a criança real-mente se diferencia do outro, que toma consciência de sua autonomia em relação aos demais. Ela percebe as relações e os papéis diferentes dentro do universo familiar, ao mesmo tempo em que se percebe como um elemento fixo, como ser o filho mais velho ou o mais novo, ser filho e irmão, assim por diante.

Estágio Categorial (6 a 11 anos)

Na etapa seguinte, denominada Categorial, idade de esco-laridade obrigatória na maioria dos países, o desenvolvimento cognitivo da criança está aguçado e a sua sociabilidade ampliada. A criança se vê capaz de participar de vários grupos com graus e classifi-cações diferentes segundo as atividades de que participa. Esta etapa é importante para o desenvolvimento das aptidões intelectuais e sociais da criança.

Vivenciar a necessidade de se perceber como indivíduo, e, ao mesmo tempo, de medir sua força em relação ao grupo social a que pertence, faz desta fase um período crítico do processo de socialização, pois segundo Wallon (1975 p. 215): “Há tomada de consciência pelo indivíduo do grupo de que faz parte, há tomada de consciência pelo grupo da importância que pode ter em relação aos indivíduos”. Estas são características marcantes nesse período:

• Influência marcante;• Organização daquilo que ela (a pessoa) já tem e possui;• Abundante informação e abundante interação social influenci-ando no seu sentir e na sua cognição;• Tenta formular os seus próprios conceitos;• Busca autonomia• Relações com grupos de amigos

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• Conflitos com as regras (confronto)• Prevalência das idéias;• Um sujeito efetivamente social (representante do seu meio) atingiu a grande consciência.

As três leis da predominância já se fazem mais presente nesse estágio.

Considerações finais

A teoria de Wallon traz contribuições relevantes, sendo ne-cessária a sua análise e interpretação para que os professores do En-sino de Ciências possam planejar suas atividades e criar as condições adequadas que favoreçam o aprendizado nessa área.

Observa-se que através de atividades de exploração da imagi-nação, expressividade da criança e de manipulação de objetos, fer-ramentas indispensáveis na teoria Walloniana para os processos de desenvolvimento da criança, o professor pode fazer uma ponte com o Ensino de Ciências que utilizando essas ferramentas para a formação do espírito científico. Nesse caso, o professor é mediador e precisa ter competência para mediar, visando alcançar os objetivos propostos, preocupando-se em organizar a interação do aluno com o meio, bus-cando a superação do senso comum.

Outra questão relevante diz respeito aos temas tratados no arti-go, tais como: emoção, movimento, formação de personalidade, lingua-gem, pensamento e tantos outros. Os proefessores precisam fazer com que a ciência tenha sentido para os alunos e destacar a necessidade da superação da dicotomia existente entre indivíduo e sociedade.

A dialética muito presente na obra de Wallon fornece subsídios para conduzir uma educação nesses termos, sem dicotomizar os temas tratados e destacando sempre a interação dos indivíduos na sociedade.

No atual panorama da Ciência, cabe ressaltar a importância desse discurso inovador do pensamento Walloniano, o qual ressalta a neces-sidade de compreender os indivíduos em seus estágios de desenvolvi-mento, não perceber o indivíduo numa visão reducionista e limitada,

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mas, numa concepção que propõe o estudo da pessoa completa e que nesse processo há conflitos e superações que precisam ser visualizados de maneira progressiva e não de forma linear.

Sendo assim, ampliar esse olhar é o ponto chave na descoberta desse ser em desenvolvimento para que possa buscar alternativas de aprendizagem que reforcem os processos educativos e direcioná-los de acordo com os campos funcionais dos indivíduos para que haja um mel-hor aproveitamento e enriquecimento de suas potencialidades, habili-dades e descobertas, exigindo deles aquilo que eles podem fazer, ser e ter e de acordo com as suas capacidades cognitivas, afetivas e motoras.

Referências

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MAHONEY, Abigail Alvarenga. Introdução. In: WALLON, Henri. Psicolo-gia e educação. São Paulo: Loyola, 2000.

WALLON, Henri. Psicologia e Educação da Infância. Lisboa: Estampa, 1975.

_____. Do acto ao pensamento. Lisboa: Moraes, 1979.

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19 CONSTRUTIVISMO E ENSINO DE CIÊNCIAS

Cíntia Emanuelly de Oliveira Ramos 1

Rosa Oliveira Marins Azevedo 2

Resumo

Este artigo centra suas discussões em Piaget e Vygostk e tem por objetivo apontar algumas contibuições do construtivismo para o Ensino de Ciências. Para tanto, foi utilizado a pesquisa bibliográfica, apresentando o construtiv-ismo como uma abordagem interacionista. Os resultados sinalizam diversas considerações sobre o uso do construtivismo que nos levam a afirmar que o Ensino de Ciência, na perspectiva do construtivismo, requer do professor ações planejadas no sentindo de levar os estudantes a estabelecer diálo-gos com os conhecimentos espontâneos e científicos, de modo que possam utilizá-los em sua vida diária.

Palavras-chave: Construtivismo. Ensino de Ciências. Ensino/Aprendizagem.

Introdução

Muito se tem falado sobre a abordagem construtivista no pro-cesso ensino-aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental, principalmente, a partir de 1997 com os Parâmetros Curriculares Na-cionais (BRASIL, 1997a) Essa abordagem encontra nos estudos desen-volvidos por Jean Piaget e Lev Vygotsky, duas das principais linhas de sustentação, além de Emília Ferreiro e Marta Kohl, entre outros, que dão continuidade aos estudos.

Nesse artigo, em que centramos as discussões nas abordagens de Piaget e Vygotsky, propomo-nos a apontar algumas contribuições do construtivismo para o Ensino de Ciências nos anos iniciais do En-

1 Pedagoga formada pela Escola Superior Batista do Amazonas. Professora do Ensino Fundamental. 2 Mestra em Ensino de Ciências pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: [email protected]

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sino fundamental. Para tanto, no primeiro momento, fizemos uso de uma pesquisa bibliográfica, apresentando o construtivismo como uma abordagem interacionista, passando ao diálogo com Piaget e Vygotsky em que evidenciamos diferentes ênfases que tais teóricos dão a deter-minados aspectos de seus estudos. No segundo momento, apontamos algumas contribuições do construtivismo para o Ensino de Ciências.

Cabe salientar que as considerações que desenvolvemos so-bre o construtivismo e, particularmente, sua contribuição para o Ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental, apresentam apenas uma tentativa de relacionar a abordagem à área de ensino em questão e sugerir caminhos para o aprofunda-mento de estudos.

A abordagem construtivista

O construtivismo se distancia da abordagem inatista, cujo foco se situa no sujeito cognoscente, na inteligência pré-formada, assim como também da abordagem empirista, que entende o sujeito como conhecedor passivo, que recebe de fora os elementos para a elaboração do conteúdo mental.

Aranha (1996, p.184) explica como o construtivismo, visto como uma concepção interacionista, procura superar estas duas abordagens:

Os construtivistas pretendem superar essa di-cotomia explicando o conhecimento como resul-tado de uma construção contínua, entremeada pela invenção e descoberta, e por isso nem é inato nem dado pelo objeto, mas antes se forma pela interação entre ambos. Daí o construtivis-mo ser visto como uma concepção interacionista [...] o homem se faz pela interação social, pelas relações entre os homens e por sua ação sobre o mundo.

Nessa perspectiva, tomamos a abordagem construtivista como uma abordagem interacionista “que estuda as interações sujeito-sujei-

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to e destes com o meio, bem como a influência que o meio exerce sobre os sujeitos” (FERREIRA, 2004, p. 14).

Embora a abordagem interacionista esteja de acordo tanto com o pensamento de Piaget quanto com o de Vygotsky, ambos têm em suas obras pontos peculiares, com diferentes ênfases. Um desses pontos é “a relação entre natureza e ambiente ou educação no desenvolvimento do indivíduo, que quer dizer a relação entre personalidade e socialidade, entre liberdade e autoridade” (MANACORDA, 2006, p. 324).

Outro ponto peculiar, de diferente ênfase, diz respeito à con-strução do conhecimento pela criança. Ainda que as concepções de Vygotsky e Piaget a respeito do desenvolvimento intelectual sejam análogas, por sustentarem que a inteligência é construída a partir das relações recíprocas do homem com o meio, Piaget entende que a construção do conhecimento evolui de uma visão particular para se tornar socializada, enquanto para Vygotsky a construção do conhe-cimento se dá do social para o individual (DAVIS e OLIVEIRA, 1990).

Tais pontos, a nosso ver, ao invés de distanciá-los, aproximam pela possibilidade de aprofundamento teórico, uma vez que entendem o homem como um ser de aprendizagem dinâmica que se expressa de diferentes formas, tanto na experiência individual, quanto na vivência no grupo ao qual pertence.

Dessa forma, discutir a abordagem construtivista no Ensino de Ciências pode ser de grande contribuição, particularmente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esse ensino, a despeito de todas as mudanças que vem acontecendo na educação brasileira, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9394/96 (BRASIL, 1996) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997b), man-tém-se pautado na transmissão de conteúdos aos estudantes, vistos como seres passivos e prontos a memorizar as informações recebidas do professor (AZEVEDO, 2009).

Vejamos um pouco mais da abordagem construtivista, a partir de Piaget e Vygotsky, considerando os pontos de ênfase dos dois teóricos, sem, contudo, a intenção de privilegiar um em detrimento do outro, mas em um sentido de aproximação teórica, para então discutirmos as contribuições ao Ensino de Ciências.

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Piaget e Vygotsky: algumas idéias

Piaget

A teoria de Piaget não é propriamente uma teoria de aprendiza-gem, mas uma teoria de desenvolvimento mental, pois trabalha com os processos de cognição da mente, explicando a origem e a estrutu-ração do pensamento bem como os processos pelos quais os sujeitos constroem o conhecimento, como explica Manacorda (2006, p. 327):

Piaget coloca conscientemente seu pensamento [...] declarando não ser empirista nem compor-tamentalista [...] nem inatista ou maturacionista [...]. Declara-se construtivista {grifo do autor], porque sustenta que a inteligência não é pré-for-mada nem nos objetos nem no sujeito, mas é con-struída pelo sujeito na interação com a realidade; a interação não copia, mas assimila e integra o objeto nas estruturas mentais do sujeito.

Quanto à assimilação Piaget (1998, p. 48 apud FERREIRA, 2004, p. 14) explica que “toda experiência necessita de uma estruturação real, isto é, que o registro de todo dado exterior supõe a existência de instrumentos de assimilação inerentes à atividade do sujeito”.

Essa atividade do sujeito, de acordo com Piaget (s/d apud MANA-CORDA, 2006, p. 328), está condicionada a quatro estágios principais na construção das operações psíquicas: o primeiro, sensório-motor (0 a 2 anos), no qual a criança executa somente ações motoras, sem atividades de pensamento; o segundo, pré-operatório (2 a 7 anos), em que aparece a função simbólica, a linguagem, o jogo, as imagens mentais e as repre-sentações; o terceiro, operações concretas (7 a 11 anos), quando a cri-ança é capaz de pensar sobre os objetos logicamente; o quarto, operações proposicionais ou formais (11 a 15 anos), em que a criança raciocina tanto sobre objetos quanto sobre hipóteses e consegue lidar bem com abstra-ções.

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Piaget (s/d apud MANACORDA, 2006) condiciona o desenvolvim-ento da criança a três fatores: maturação, experiência e sociabilidade. De modo que, qualquer tentativa de ensinar à criança algo que esteja em estágio superior àquele em que ela se encontra, não logrará exito, pois a criança ainda não alcançou a maturação biológica para a aqui-sição daquele conhecimento.

No plano pedagógico isso comporta um terminus a quo [grifo do autor] na vida infantil, antes do qual qualquer ensinamento correspondente ao nível superior é totalmente sem eficácia intelec-tual e, portanto, negativo também sob qualquer outro aspecto (afetivo, motivacional, etc.). Em outros termos, a educação deve adequar-se ao de-senvolvimento. (MANACORDA, 2006, p. 329)

Piaget defende o método ativo que confere especial ênfase à pes-quisa espontânea da criança e exige que toda verdade adquirida seja reinventada pelo aluno, e não simplesmente transmitida pelo professor, como comenta Mizukami (apud FERREIRA, 2004, p. 16):

O ensino tem deve ser baseado no ensaio e no erro, na pesquisa, na investigação, na solução de prob-lemas por parte do aluno, e não na aprendizagem de fórmulas, nomenclaturas, definições, [...] o objetivo da educação, portanto, não consistirá na transmissão de verdades, informações, demonstra-ções de modelos, etc. e sim que o aluno aprenda por si próprio a conquistar essas verdades.

Para tanto, “é preciso que o mestre-animador [o professor] não se limite ao conhecimento da sua ciência, mas esteja muito bem infor-mado a respeito das peculiaridades do desenvolvimento psicológico da criança” (PIAGET apud GADOTTI, 1998, p. 157).

Com isso, Piaget sinaliza aspectos importantes que precisam ser considerados na formação do professor. Para ele, “o que se deseja é que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que estimule

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a pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com a transmissão de soluções já prontas” (PIAGET apud GADOTTI, 1998, p. 157).

Vygotsky

Para Vygotsky (2001) o desenvolvimento psicológico do indi-víduo é resultado tanto da evolução geral da humanidade, de seus precedentes históricos, quanto da participação do mesmo na sociedade contemporânea. Para ele, o primeiro contato da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança se apropria dele, tornando-o voluntário e independente.

Essa participação do adulto nas atividades da criança é explicada por (MANACORDA, 2006, p.326).

Inicialmente outras pessoas agem sobre a criança, depois ela mesma entra em relação de interação com aqueles que a circundam, em seguida começa por sua vez a agir sobre os outros e, no fim e so-mente no fim, começa a agir sobre si mesma.

Desta forma, podemos afirmar que para Vygotsky (1984) a so-ciedade é a base sobre a qual estão alicerçadas a individualidade e a personalidade. No plano pedagógico, ele chama a atenção para a existência na criança de uma zona de desenvolvimento proximal. Essa zona corresponde a “divergência entre o nível de realização das tarefas executadas sob a guia e com a ajuda dos adultos, e o nível das tarefas realizadas autonomamente pela criança” (MANACORDA, 2006, p. 326). Em outras palavras, é a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo que ela tem o potencial de aprender.

Este potencial é demonstrado toda vez que a criança realiza com a colaboração do adulto uma atividade que não poderia realizar soz-inha. Portanto, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela próximo de conse-guir, mas que ainda precisa de ajuda.

Saber identificar essas duas possibilidades da criança e trabalhar

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o percurso de cada aluno entre ambas é um dos principais papéis do professor no processo ensino-aprendizagem, que deve se antecipar ao que o aluno ainda não sabe nem é capaz de aprender sozinho.

Nesse sentido, o papel do professor assume função mediadora e impulsionadora do desenvolvimento da criança.

Isso significa que o único ensino eficaz é aquele que precede o desenvolvimento, estimulando-o, e que, portanto, toda a atividade didática deve basear-se não no ontem da criança, mas no seu amanhã. Isso não quer dizer, para Vygotsky, que o ensino não deva adequar-se ao nível de desen-volvimento mental da criança; esse nível, de fato, não é determinado somente com base no que é atualmente (nível real), mas também naquilo que pode vir a ser (nível potencial), e permite conhec-er e estimular o amanhã da criança. O que pode acontecer somente numa atividade coletiva, sob a direção dos adultos. (MANACORDA, 2006, p. 326).

A criação de uma área de desenvolvimento potencial deve ser estimulada em cada momento do desenvolvimento que, segundo Vy-gotsky (1984), atravessa quatro fases: imediata sensorial, evidente-situacional, lógico-conceitual e, por fim, a vontade. Os três primeiros pertencem ao campo biológico, mas o último é o que torna a psicologia humana e histórica, liberta do cativeiro da biologia, aliando-se ao fator cultural, tema central dos estudos de Vygotsky.

Desse modo, podemos inferir que para Vygotsky o processo de desenvolvimento do ser humano se dá do social para individual, en-quanto que para Piaget ocorre o inverso. Nisso o que importa, em nosso entendimento, é que tanto Piaget quanto Vygotsky entendem a crian-ça como um ser de ação que cria e recria proposições sobre o seu meio.

A partir disso, vejamos, então, as principais contribuições do con-strutivismo para o Ensino de Ciências, com ênfase na construção de con-hecimento, a partir da mediação de outros sujeitos.

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Construtivismo e Ensino de Ciências

A ciência ainda é ensinada por meio da transmissão e memo-rização de conhecimentos científicos, sem permitir aos estudantes compreender a forma como esses conhecimentos são construídos, levando-os a visões distorcidas da ciência, que causam desinteresse e constituem-se em obstáculos para o aprendizado dos estudantes, pois essa forma de trabalhar ciências afasta-se profundamente do que se considera por construção de conceitos científicos (CACHAPUZ et al, 2005).

Ao propor como uma das metas no Ensino de Ciências que os estudantes saibam utilizar conceitos científicos, os Parâmetros Cur-riculares Nacionais (BRASIL, 1997b) põem em evidencia a centralidade desses conceitos nessa área de ensino.

Procurando relacionar o trabalho com conceitos científicos à vida dos estudantes, principalmente em tratando dos anos iniciais do Ensino Fundamental, quando os estudantes estão em fase de suas pri-meiras descobertas do mundo, entendemos que o objetivo é “mostrar a Ciência como um conhecimento que colabora para a compreensão do mundo e suas transformações, para reconhecer o homem como parte do universo e como indivíduo” (BRASIL, 1997b, p. 21).

Logo, a Ciência não está para alguns, na condição de privile-giados, mas sim para todos, com o firme propósito de contribuir para torná-los cidadãos efetivos e capazes de desconstruí-la e reconstruí-la, possibilitando o entendimento da dinamicidade do mundo, assim como as constantes e contínuas mudanças pelas quais ele passa.

Para tanto, não é possível ensinar a Ciência tendo por base uma prática calcada na descrição teórica e/ou experimental, afastando-a de seu significado ético e das relações com o mundo do estudante, como ainda ocorre nas escolas, a exemplo da pesquisa realizada por Azevedo (2009).

Um Ensino de Ciência que favoreça a construção de conceitos científicos incide em possibilitar aos estudantes identificar as situa-ções propostas pelo professor; formular de perguntas; emitir hipóteses; sistematizar conhecimentos, dialogando com diferentes áreas do con-

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hecimento; produzir textos científicos, socializando-os.

Por conceito podemos entender

[...] uma palavra ou símbolo que rotula uma dada coisa que partilha atributos em comum, assum-indo característica de definição, uma vez que, se o atributo que o conceito rotula não pode ser en-contrado na coisa representada, então o conceito não pode ser aplicado (TEIXEIRA, 2006 apud AZE-VEDO, 2009, p 47).

Quanto a conceitos científicos,

[...] a mesma linha de entendimento pode ser en-contrada entre aqueles que os compreendem como [...] propriedades perceptíveis, fruto de constata-ção feita pelos pesquisadores de regularidades no mundo empírico, em que é feito um registro do que foi verificado, enumerando e descrevendo as circunstâncias em que as propriedades foram ob-servadas, nomeando-as (AZEVEDO, 2009, p. 49).

Vistos por esse prisma, podemos entender que a única diferença entre um conceito científico e um não-científico, é que o primeiro foi elaborado por meio de registros sistemáticos, retratado por descrição fiel ao fato observado.

Piaget (2002) ao tratar da formação de conceitos, refere-se a conceitos espontâneos como aqueles originados da realidade das cri-anças, considerando-os independentes dos conceitos não-espontâneos, que quando surgem vão, gradativamente, substituindo os conceitos espontâneos.

Vygotsky (2000) ao abordar a questão, refere-se a dois tipos de conceitos: aqueles apreendidos na vivência diária, pessoal e concreta das crianças, situados como conceitos cotidianos e aqueles apreendidos na escola, considerados como conceitos científicos.

Para tanto, apresenta três fases, consideradas básicas na forma-

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ção de conceito: a primeira, a criança tem uma imagem vaga e desar-ticulada dos diferentes elementos a sua volta; a segunda, já é um nível mais elevado, em que ocorre um pensamento mais coerente e objetivo e a terceira, é fase em que a criança começa efetivamente a operar com conceitos, o que pressupõe abstrair, isolar elementos e examinar os elementos abstratos separadamente da totalidade da experiência con-creta de que fazem parte (VYGOTSKY, 2000) Em tais ações, de acordo com esse teórico, a mediação social é imprescindível.

Com isso, podemos inferir que os conceitos científicos, consid-erados o principal elemento de trabalho dos professores ao ensinar Ciências (BRASIL, 1997b), para serem construídos pelos estudantes, precisam da mediação do professor em um processo ensino-aprendiza-gem dinâmico, ativo e não com os estudantes memorizando ou decor-ando fórmulas e enunciados.

Considerações finais

Ao tecermos considerações sobre o construtivismo, com funda-mentos em Piaget e Vygotsky, procuramos evidenciar como essa abor-dagem pode contribuir para o Ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

O estudo permitiu-nos visualizar algumas considerações que de-vem ser observadas pelos professores que buscam centrar suas práticas pedagógicas na abordagem de cunho construtivista:

- oferecer atividades que desafiem os estudantes e observar at-entamente o tipo de ajuda que necessitam para realizá-las com êxito;

- valorizar o trabalho em equipe, de modo que os estudantes não apenas formem e realizem as atividades individualmente, mas ofe-recendo-lhes orientação como forma de garantir discussões para que realizem as atividades cooperativamente;

- oferecer vários recursos didáticos aos estudantes, além do liv-ro, para o estudo de determinado de conteúdo, de modo que possam ter visões diferenciadas para uma mesma temática, o que poderá fa-vorecer, de modo crítico, a construção de conceitos científicos;

- entender que cabe à escola promover a construção de conceitos

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científicos, para tanto, os estudantes, particularmente, dos anos inici-ais do Ensino Fundamental, precisam estar em constantes atividades;

- compreender que as atividades ou ações dos estudantes no espaço de sala de aula não podem prescindir da mediação atenta do professor.

Tais considerações nos levam a afirmar que o Ensino de Ciência, na perspectiva do construtivismo, requer do professor ações planejadas no sentindo de levar os estudantes a estabelecer diálogos com os conheci-mentos espontâneos e científicos, de modo que possam utilizá-los em sua vida diária.

Referências

ARANHA, M. L. de A. História da educação. 2. ed. São Paulo: Mod-erna, 1996.

AZEVEDO, R. O. M. Ensino de Ciências e formação de professores. Manaus: BK, 2009.

BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curricula-res nacionais. v. 1 ao 10. Brasília: MEC/SEF, 1997a.

______. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curricula-res nacionais: ciências naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997b.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF, 1996.

CACHAPUZ, A. et al. (Orgs.). A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005.

DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. de. Psicologia na educação. São Paulo: Cortez, 1994.

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FERREIRA, L. M. S. Retratos da avaliação: conflitos, desvirtuamentos e caminhos para a superação. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2004.

GADOTTI. M. História das idéias pedagógicas. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998.

MANACORDA, M. A. História da educação: da Antiguidade aos nossos dias. 12. ed. São Paulo: Cortez 2006.

PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Uni-versitária, 2002.

VYGOTSKY, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ______. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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20 O ENSINO DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INDÍGENA

Ruth Ferreira Segundo 1 Ierecê Barbosa 2

Resumo

Este artigo busca compreender o processo de educação escolar vivenciado pelos povos indígenas da Amazônia, voltado para o ensino da matemática. O propósito é abordar a Educação Indígena em relação com a vida escolar do aluno, destacando sua evolução histórica no Brasil; a formação dos profes-sores e seu papel no âmbito da escola pública. Os objetivos são: compreender qual a relação do ensino da matemática nas comunidades indígenas; verificar o papel do professor e sua formação e identificar as estratégias da educação dentro da escola pública de acordo com a legislação de ensino. A metodologia foi pautada na pesquisa bibliográfica e está baseada na literatura científica, em que são destacados idéias e pensamentos de diversos autores que privile-giam a temática levantada no cotidiano escolar. .Os resultados apontam para a implementação da proposta diferenciada como forma de assegurar a oferta de uma educação de qualidade aos povos indígenas, caracterizada por ser comu-nitária, específica, intercultural e multilíngüe. Esta deverá propiciar aos povos indígenas acesso aos conhecimentos universais a partir da valorização de suas línguas maternas e saberes tradicionais, contribuindo para a reafirmação de suas identidades e sentimentos de pertencimento étnico.

Palavras-Chave: Educação Indígena. Formação do Professor. Ensino da Matemática.

Introdução

Este artigo tem como objetivo apresentar um olhar sobre o pro-

1Licenciada em Matemática no Centro Integrado de Ensino Superior – CIESA. Especialista em Ensino da Educação Matemática pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM.2Doutora em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN. Professora do PPGEECA na Universi-dade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: [email protected]

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cesso de educação escolar indígena, destacando o ensino da matemáti-ca com sua metodologia própria para a formação dos alunos na escola pública, vivenciada pelos povos indígenas da Amazônia.

A proposta de educação escolar indígena diferenciada e suas in-terpretações derivativas guiaram as discussões e práticas políticas e pedagógicas dentro e fora das comunidades indígenas. A análise desen-volvida neste estudo se fundamenta na experiência pessoal vivenciada em diferentes espaços e níveis de discussão e prática da matemáti-ca. Esta experiência pessoal corresponde a dois momentos distintos: primeiro a compreensão do ensino da matemática como metodologia para os indígenas no seu habitar natural e segundo corresponde às experiências vividas com a política pública educacional direcionada para estas etnias.

Este artigo tem sua relevância em demonstrar e refletir as práticas educativas e também abordar sobre o ensino da matemática para indíge-nas, demonstrando suas diversas metodologias. Perpassa, também, pela necessidade de compreensão da problemática do ensino-aprendizagem indígena e pelo entendimento da sua dinâmica histórica.

As hipóteses que estão relacionadas com os problemas ambi-entais e são advindas da falta de educação direcionada para as co-munidades, estudantes e educadores, que diante da problemática da preservação da sua cultura se sentem impotentes em adquirir infor-mações precisas e eficazes na preservação dos seus costumes e hábitos relacionadas a educação escolar.

Educação Escolar Indígena no Brasil

Nos últimos anos, pode-se contabilizar uma série de avanços e consensos na estruturação de uma política pública, no âmbito nacional de educação escolar indígena. Tais avanços se deram tanto no plano legal quanto no plano administrativo. Todavia, ainda não se estruturou um sistema que atenda às necessidades educacionais dos povos indíge-nas de acordo com seus interesses, respeitando seus modos e ritmos de vida, resguardando o papel da comunidade indígena na definição e no funcionamento do tipo de escola que desejam. A impressão que se tem

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é que a educação escolar indígena caminha a passos lentos: avança-se em direção a algumas conquistas, mas inúmeros obstáculos se apresen-tam a cada momento.

Segundo Grupioni (2000), à “legislação verifica um processo len-to, mas segue de forma gradativa e cumulativa, onde o direito à uma educação diferenciada, garantido na Constituição de 1988, vem sendo regularmente cumprido por meio da legislação subseqüente”. Além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e da Resolução 3/99 do Conselho Nacional de Educação, a educação indígena está con-templada no Plano Nacional de Educação e no projeto de lei de revisão do Estatuto do Índio.

Pode-se considerar que esta legislação trata da educação escolar indígena e que tem apresentado formulações que dão abertura para a construção de uma escola indígena que, inserida no sistema educacio-nal nacional, mantenha atributos particulares como o uso da língua indígena, a sistematização de conhecimentos e saberes tradicionais, o uso de materiais adequados preparados pelos próprios professores índios, um calendário que se adapte ao ritmo de vida e das atividades cotidianas e rituais, a elaboração de currículos diferenciados, a par-ticipação efetiva da comunidade na definição dos objetivos e rumos da escola.

Esta legislação também tem colocado os índios e suas comuni-dades como os principais protagonistas da escola indígena, resguar-dando a elas o direito de terem seus próprios membros indicados para a função de se tornarem professores a partir de programas específicos de forma e titulação.

Todavia, essas definições no plano jurídico ainda encontram-se mais como princípios do que como práticas que norteiam os processos de efetivação da escola no meio indígena. Várias são as amarras admin-istrativas que retardam o processo, embora esta condição não se possa generalizar em algumas localidades.

De acordo com a política indigenista, “a FUNAI, atualmente esta transferindo a responsabilidade da coordenação das iniciativas educacionais em terras indígenas para o Ministério da Educação (MEC), que

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responde em muito pelas alterações ocorridas neste setor”. Com essa transferência abriu a possibilidade, ainda não efetiva, de que as escolas indígenas fos-sem incorporadas aos sistemas de ensino do país, de que os então “monitores bilíngües” fossem forma-dos e respeitados como profissionais da educação e de que o atendimento enquanto política pública, seria responsabilidade do Estado (DIAS, 1997).

Assim, este ciclo é marcado pela transferência de responsabili-dades do órgão indigenista para missões religiosas no atendimento das necessidades educacionais indígenas.

Outras iniciativas importantes vieram somar-se a este novo con-texto. Consolidou-se uma coordenação geral de educação escolar in-dígena no âmbito do MEC, ao mesmo tempo em que se incentivou a criação de instâncias gestoras nas secretarias de educação estadual para cuidar das escolas e da formação dos professores indígenas. A nova medida levou o MEC a formular um programa de financiamento de projetos na área da educação indígena para apoiar ações desenvolvidas por organizações de apoio aos índios e universidades, além de direcio-nar recursos orçamentários do FNDE para que as secretarias de estado da educação pudessem também chegar a todas as escolas indígenas de todo país.

Portanto, constata-se que entre a legislação e a realidade e o discurso e a prática da educação indígena há inúmeras dificuldades para sua implementação no âmbito estadual, esfera responsável pela efetivação da escola indígena. Fundamentalmente esbarramos em falta de vontade política e administrativa dos governos estaduais em en-camparem a educação indígena como uma prioridade e, com isto, ai-nda está distante a consolidação de um cenário, onde a escola esteja a serviço dos interesses e dos projetos de futuro dos povos indígenas, permitindo que estes tenham acesso a informações essenciais para um convívio mais harmônico e menos destrutivo com os demais segmentos da sociedade brasileira.

Para D´ambrosio (1998), “a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), conhecida como Lei Darcy Ribeiro, apresenta

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três artigos que regulamentam a oferta de educação escolar em co-munidades indígenas, os artigos 32 e 210 asseguram às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem no Ensino Fundamental”.

Ainda que não se tenha dados precisos sobre a população indí-gena no Brasil é certo afirmar que eles já foram muito mais numerosos no passado. Estima-se que em 1500, a população indígena estava em torno de seis milhões de indivíduos, quando da chegada dos primeiros conquistadores. E já chegaram a um patamar populacional bem infe-rior ao estimado no presente: na primeira metade do século passado, a população indígena teria chegado a 200.000 pessoas.

E nos artigos 78 e 79 da Constituição Federal preconiza-se como dever do Estado o oferecimento de uma educação escolar bilíngüe e in-tercultural, que fortaleça as práticas socioculturais e a língua materna de cada comunidade indígena e proporcione a oportunidade de recuperar suas memórias históricas e reafirmar suas identidades, dando-lhes, tam-bém, acesso aos conhecimentos técnicos-científicos da sociedade nacio-nal, como em especial tratado neste estudo o ensino-aprendizado da matemática (BAZIN, 2005).

O Brasil hoje reconhece a diversidade sociocultural dos povos in-dígenas. Ela se expressa pela presença de mais de 220 povos indígenas distintos, habitando centenas de aldeias localizadas em praticamente todos os estados da Federação. Vivem em 628 terras indígenas descon-tínuas, totalizando 12,54% do territorial nacional. Apesar da ampla distribuição, mais de 60% da população indígena está concentrada na região da Amazônia Legal.

Do litoral ao sertão, da caatinga ao pantanal, da floresta ao cerrado, são muitos os ambientes nos quais os povos indígenas estão localizados, resul-tando em diferentes formas de interação e adapta-ção a natureza e em diferentes modos de vida. Há povos que tem na agricultura sua principal fonte de alimentos, enquanto outros diversificam suas estratégias de sobrevivência com atividades de pesca, caça e coleta de produtos silvestres. E há

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também aqueles que estão inseridos na economia de mercado, seja comercializando excedentes seja vendendo sua força de trabalho (BELLO, 2000).

Nos últimos 30 anos, revertendo a curva decrescente da população indígena, tem se registrado um aumento populacional constante, an-corado na melhoria das condições sanitárias e de assistência médica nas aldeias, na proteção e demarcação de territórios indígenas e no reconhe-cimento dos direitos dessas populações em manterem suas identidades e especificidades culturais, históricas e lingüísticas.

A população indígena no Brasil está hoje estimada entre 400 e 500 mil índios em terras indígenas, segundo agências governamentais e não-governamentais. Não há informações sobre índios urbanizados, embora muitos deles preservem suas línguas e tradições. De acordo com o censo populacional do IBGE, realizado em 2000, a população indíge-na no Brasil seria de 734.131 indivíduos. Segundo Ferreira (2007), esse total é questionado por especialistas, uma vez que o IBGE chegou a ele por meio do quesito cor de pele, e não por meio da auto-identificação étnica. Assim, pessoas que consideram que tem a pele cor indígena não necessariamente se reconhecem e são reconhecidas como pertencentes a uma comunidade indígena particular.

De modo geral, os povos indígenas no Brasil conformam grupos com baixa densidade populacional: mais de 50% desses povos são con-stituídos por menos de 500 indivíduos e apenas 3 povos são formados por mais de 20.000 pessoas.

Alguns povos indígenas que habitam o território brasileiro também vivem em países vizinhos. Há notícias da existência de cerca de 40 “povos isola-dos” no Brasil, que tem se recusado a um contato mais direto e permanente com segmentos da socie-dade brasileira. E nos últimos tempos, vários po-vos considerados “extintos”, estão se fortalecendo em meio a processos de re-afirmação étnica, exig-indo o reconhecimento de suas identidades por parte do governo brasileiro. São, assim, diversas

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e dinâmicas as experiências históricas de contato dos povos indígenas com a sociedade brasileira, resultando numa heterogeneidade de situações de contato e convívio (FERREIRA, 1997).

As situações sócio-lingüísticas vividas pelos povos indígenas são também extremamente diversas. Hoje são conhecidas 180 línguas in-dígenas, distribuídas em 41 famílias, dois troncos lingüísticos e dez línguas isoladas. Alguns povos indígenas falam mais de uma língua, outros são monolíngües quer na língua indígena, quer no português, como é o caso de vários povos que habitam próximo ao litoral, para os quais hoje o português é sua única língua de expressão. Face a baixa densidade populacional de vários povos, e o fato de se constituírem em povos minoritários, dentro do Estado Nacional, muitas línguas indíge-nas hoje correm o risco desaparecer. Cabe a escola, que no passado foi um dos principais instrumentos de negação da diversidade lingüística e de imposição do português, como língua nacional, desenvolver estraté-gias para a manutenção e a valorização das línguas indígenas.

Escolas Indígenas nos Sistemas de Ensino

Foi em 1999, por meio do Parecer 14 e da Resolução 03, que o Conselho Nacional de Educação, interpretando dispositivos da Lei de Dir-etrizes e Bases da Educação Nacional e da Constituição Federal, instituiu a criação da categoria escola indígena nos sistemas de ensino do país. Estas deveriam ser criadas atendendo as “normas e aos ordenamentos jurídicos próprios”, com o intuito de promover o ensino intercultural e bilíngüe, “visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica” (art.1, Resolução CEB 03).

Para garantir a especificidade dessa nova categoria de escola e modalidade de ensino, o Conselho Nacional de Educação definiu os el-ementos básicos para a organização, estrutura e funcionamento destas escolas, que deveriam ser localizadas em terras habitadas por comuni-dades indígenas, dando atendimento exclusivo a essas comunidades,

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por meio do ensino ministrado em suas línguas maternas, e contando com uma organização escolar própria. Para Domite (2000), esta orga-nização escolar autônoma deveria ser elaborada com a participação da comunidade indígena, levando-se em consideração as estruturas so-ciais, práticas socioculturais e religiosas, atividades econômicas, for-mas de produção de conhecimento, processos próprios e métodos de ensino-aprendizagem, além do uso de materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo com o contexto sociocultural de cada povo indí-gena (Art. 2 e 3, Res. CEB 03).

As escolas indígenas, assim constituídas, deverão contar com regimentos escolares próprios e projetos pedagógicos construídos com a participação das comunidades indígenas tendo por base as diretrizes curriculares nacionais referentes a cada etapa da educação básica, as características particulares de cada povo ou comunidade, suas realidades sociolingüísticas e os conteúdos curriculares especificamente indígenas, alicerçados nos modos próprios de constituição do saber e da cultura indígena (Art.5, Res. CEB 03).

Dois anos depois de aprovação desta Resolução, o Plano Nacional de Educação (Lei 10.172 de 2001) estabeleceu o prazo de um ano para a criação da categoria oficial de “escola indígena”, de modo a garantir a especificidade do modelo de educação intercultural e bilíngüe.

Como se vê, ainda que sob regulamentação recente, os sistemas de ensino já deveriam estar operando com o reconhecimento dessa nova categoria de escola, condição sine qua non para a realização dessa modalidade particular de ensino, que é a educação escolar indígena. Para Dángelis (1997), em todo o Brasil, porém, as escolas indígenas apresentam diferentes situações de reconhecimento legal, não hav-endo números precisos sobre quais são reconhecidas como escolas indí-genas. Até bem pouco tempo atrás, em sua grande maioria, as escolas indígenas eram consideradas como escolas rurais ou salas de extensão de escolas urbanas, seguindo calendários e currículos próprios destes estabelecimentos. O reconhecimento das escolas das aldeias como es-colas indígenas, com estatuto diferenciado, é, portanto, algo novo no sistema, e está em processo em todo o Brasil.

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Os dados do Censo Escolar INEP/MEC 2006 apon-tam a existência de 2.422 escolas funcionando nas terras indígenas atendendo a mais de 174 mil estudantes. Nestas escolas trabalham aproximada-mente 10.200 professores, 90% deles indígenas. 1.113 escolas estão vinculadas diretamente às Secretarias Estaduais de Educação. Outras 1.286 escolas, principalmente nos estados do Mato Gros-so, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Pará, Paraná, Bahia, Paraíba e Espírito Santo, são mantidas por Secretarias de Educação de 179 Municípios. Ex-istem ainda algumas escolas indígenas mantidas por projetos especiais, como da Eletronorte, e por entidades religiosas. Estas escolas são declara-das no Censo Escolar como “escolas particulares” (FERNANDES, 1975).

Bases Legais da Educação Escolar Indígena

A título de registro, vale destaccar as bases legais que amparam essa modalidade especial de ensino. São elas:

• Constituição Federal de 1988: artigos: 210, 215, 231 e 232; • Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: artigos: 26, 32, 78 e 79; • Plano Nacional de Educação (Lei 10.172 - 9 de janeiro de 2001): Capítulo sobre Educação Escolar Indígena; • Parecer 14/99 - Conselho Nacional de Educação - 14 de setem-bro de 1999; • Resolução 03/99 - Conselho Nacional de Educação - 10 de no-vembro de 1999. • Decreto Presidencial 5.051, de 19 de abril de 2004, que pro-mulga a Convenção 169 da OIT.

Pela listagem supra, pode-se inferir que não é por falta de am-paro legal que a Educação Indígena não se consolida, mas sim por falta de decisão política.

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Formação do Professor

Formar professores indígenas, membros de suas respectivas et-nias, para que assumam a docência e a gestão das escolas em terras indígenas é o principal desafio para a consolidação dessa nova propos-ta de escola indígena. Hoje estão em curso as primeiras experiências de formação de docentes indígenas em nível de licenciatura, dando seguimento aos cursos de magistério indígena, que promoveram a es-colarização básica e a formação específica de professores indígenas em diferentes regiões do país.

De acordo com Freire (1996), a qualificação profissional dos do-centes indígenas é condição fundamental para que de fato as comu-nidades indígenas possam assumir suas escolas, integrando-as à vida comunitária, de modo que possam responder suas demandas e projetos de futuro. Não há e nem pode haver um único modelo de escola indí-gena a ser desenvolvido em todo país. O Ministério da Educação tem procurado, junto aos sistemas de ensino, apoiar a consolidação de ex-periências particulares de organização escolar, discutidas e construídas a partir dos interesses e da participação de cada comunidade indígena, tal como preconiza a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que foi ratificada pelo Brasil e entrou em vigor em julho de 2003.

Nesse sentido, a lei prevê a formação de pessoal especializado para atuar nessa área e a elaboração e publicação de materiais didáticos específicos e diferenciados. Segundo a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Indígena (LDBEN), a regular-izacao dos curriculos e cursos de formacao de pro-fessores indígenas foi abordada em palestras pro-ferida pelo Prof. Julio Winggers (SC). A inclusão da educação escola indígena no Plano Nacional de Educação foi apresentada por Luis Donisete Grupioni (Mari/SP). A construcao de referenciais pedagógicos curriculares indígenas foi o tema da

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palestra de Nietta Monte (CPI-AC). E a discussao sobre a municipalizacao ou estadualização foi conduzida pelo Prof. Gersen Baniwa, secretario de São Gabriel da Cachoeira (AM) (BAZIN, 2005).

As experiências de formação de professores indígenas desen-volvidas por organizações não-governamentais de apoio foi tema de uma sessão do encontro. Foram apresentadas as experiências da OGPTB entre os Ticunas, do Instituto Sócio Ambiental da Amazônia (ISA) no Xingu.

As principais ações da Secretaria de Educação Continuada, Alfa-betização e Diversidade – SECAD do Ministério da Educação para garan-tir a oferta de educação escolar de qualidade são as seguintes:

1. Formação Inicial e continuada de professores indígenas em nível médio (Magistério Indígena). Estes cursos têm em média a du-ração de cinco anos e são compostos, em sua maioria, por etapas intensivas de ensino presencial (quando os professores indígenas de-ixam suas aldeias e, durante um mês, participam de atividades con-juntas em um centro de formação) e etapas de estudos autônomos, pesquisas e reflexão sobre a prática pedagógica nas aldeias. A SECAD/MEC oferece apoio técnico e financeiro à realização dos cursos.

2. Formação de Professores Indígenas em Nível Superior – Li-cenciaturas Intercultuais. O Ministério da Educação lançou um Edital para viabilizar a implantação de Cursos de Licenciatura Intercultural em universidades públicas federais e estaduais. O objetivo principal é garantir educação escolar de qualidade e ampliar a oferta das quatro séries finais do Ensino Fundamental e implantar o Ensino Médio em terras indígenas.

3. Produção de material didático específico em línguas indíge-nas, bilíngües ou em português. Livros, cartazes, vídeos, CDs, DVDs e outros materiais produzidos pelos professores indígenas são editados com o apoio financeiro do MEC e distribuídos às escolas indígenas.

4. Apoio político-pedagógico aos sistemas de ensino para a am-pliação da oferta de educação escolar em terras indígenas. A SECAD

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trabalha em articulação com as secretarias estaduais e municipais de ensino com o objetivo de atender a estas demandas indígenas, pois é urgente a implantação do Ensino Fundamental completo nas terras indígenas no País. Muitas comunidades reivindicam também a oferta de Ensino Médio.

5. Promoção do Controle Social Indígena. A SECAD/MEC desen-volve, em articulação com a FUNAI, cursos de formação para que pro-fessores e lideranças indígenas conheçam seus direitos e exerçam o controle social sobre os mecanismos de financiamento da educação pública, bem como sobre a execução das ações e programas em apoio à educação escolar indígena. A CGEEI divulga sistematicamente todas as informações importantes para garantir transparência no uso dos recursos destinados às escolas indígenas. Além destas ações, está em funcionamento a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena – CNEEI, instância de participação, proposição e deliberação a respeito das políticas de educação escolar indígena desenvolvidas pelo MEC. Esta Comissão é formada por quinze representantes indígenas indica-dos por organizações indígenas de todas as regiões do País.

6. Apoio Financeiro à Construção, Reforma ou Ampliação de Es-colas Indígenas. A expansão da oferta de educação escolar e o cresci-mento da população indígena demandam a ampliação da rede física nas terras indígenas. O MEC apóia financeiramente os sistemas estaduais e municipais de ensino na construção, reforma e ampliação de escolas e na aquisição de equipamentos para estas escolas.

7. Educação escolar em conformidade com a territorialidade in-dígena. Muitos povos indígenas têm seus territórios em mais de uma unidade da federação. A SECAD/MEC está promovendo a articulação entre os diversos sistemas de ensino para que um mesmo Povo Indí-gena tenha políticas de educação escolar coerentes com suas neces-sidades, independentemente das divisões administrativas de estados e municípios.

8. Apoio aos Sistemas de Ensino. A SECAD/MEC oferece apoio técnico aos Conselhos Estaduais de Educação e às equipes de educação escolar indígena das Secretarias Estaduais de Educação por meio da promoção de seminários nacionais, encontros regionais, reuniões de

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trabalho nos estados, análise de projetos etc., com o objetivo de apri-morar a gestão dos programas de educação escolar voltados à população indígena. A execução dos programas de merenda escolar, fornecimento de livros didáticos às escolas indígenas, transporte escolar, dinheiro direto na escola, entre outros, é permanentemente acompanhada pela CGEEI.

9. Divulgação das Culturas Indígenas. Por meio da divulgação de programas temáticos e debates na TV Escola e através da distri-buição de livros didáticos a SECAD/MEC contribui para a divulga-ção das temáticas e culturas indígenas, como forma de combate ao desconhecimento, a intolerância e o preconceito em relação à popu-lação indígena.

De acordo com Bazin (2005), Professor não e para trazer coisas de fora; e para ajudar a melhor mergulhar, conscientemente, dentro da cultura da comunidade, registrá-la e reforçá-la com a participação dos estudantes. Ser professor e ser um modesto catalisador das ini-ciativas para descobertas, para auto-descobertas, para redescobertas da riqueza das criações intelectuais e materiais da comunidade na sua cultura própria.

Ser professor e saber descobrir junto com os outros; e também saber orientar as pesquisas dos alunos na comunidade. São os próprios alunos que descobrem o mundo, como ele e, e como funcionam as coi-sas e as pessoas.

Ensino da Matemática para Indígenas

Em qualquer parte do país, quando se coloca uma escola para dentro de uma comunidade indígena os índios não sabem para que serve, eles não conhecem a escola; não sabem quais os objetivos da escola; o que ela está tentando fazer lá. Se ela quer melhorar ou piorar, ou quer afundar ou quer acabar ou quer exterminar os índios, ninguém sabe. Mas quem colocou a escola sabe o que quer. Segundo Grupioni (2000) “Quer dizer, eles sabem o que eles querem, mas nós, índios, não estamos sabendo desses interesses. A gente ainda tem embarcado no barco deles”.

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O simplismo com que são tratadas questões fundamentais em educação escolar indígena é constatado pelo império do senso comum. E, como seria de esperar, o senso comum de uns legitima o senso co-mum de outros (assim como quando alguém recorre a um ditado): os “assessorados” identificam o valor de suas práticas intuitivas na fala de assessores que têm, a diferenciar-se deles, uma capacidade razoavel-mente superior de articulação (como se fossem “camelôs pedagógicos”) ou um espaço de poder que lhes confere o direito do “discurso com-petente”.

Às vezes, porém, são especialistas que caem na armadilha do senso comum, o que é lamentável e, ao que parece, fruto de falta de clareza política e da adoção de discursos e ações populistas.

Segundo Gallois (2001), os seguintes “conselhos”, são bastante comuns, quando se fala de construir um currículo indígena para a es-cola, ou de construir uma “escola indígena”:

Na comunidade há muitos conhecimentos agrícolas (técnicas de plantio, escolha e cuidados com sementes, tipos de solo, terra forte e fraca, época de plantio, cuidados e riscos com o clima), muito con-hecimento empírico dos acidentes geográficos (rios, serras, tipos de vegetação etc.) e dos limites das terras (Geografia).

Ciência (ou a etnociência) é todo conhecimento construído pelo povo indígena, ao longo de gerações e de séculos, acerca do seu meio, da fauna, da flora, do clima etc.

A tradição indígena construiu, em cada povo, técnicas ou formas próprias de contagem e de manipulação de quantidades e medidas. Todo índio um dia precisa construir um arco, medi-lo, medir uma fle-cha, uma casa em construção, a área de uma cobertura ou avaliar a du-ração de uma viagem ou expedição. Tudo isso é feito segundo padrões de conhecimento próprio (Matemática).

A questão que se coloca é: para que uma comunidade indígena quer escola? Que função a escola tem ou a comunidade está disposta a lhe conferir?

Pode-se considerar, por exemplo, o caso dos conhecimentos agrí-colas, transcrito acima. Se o conhecimento existe – e, com certeza, há centenas de anos – em uma comunidade indígena, e antes de haver

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escola esse conhecimento pôde ser transmitido, reelaborado, melho-rado, geração após geração, é óbvio que esse tipo de conhecimento não precisa da escola ou, dito de outro modo, que a comunidade não precisa da escola para conservar, construir e transmitir esse tipo de conhecimento. Parece, pois, que nos propomos a fugir de um precon-ceito (o de que o conhecimento construído pelos povos indígenas não é conhecimento) alimentando outro (o de que o conhecimento indígena será conhecimento verdadeiro se for ensinado na – ou avalizado pela – escola). A comunidade indígena tem suas formas próprias de ensinar e não está provada (nem faria sentido que alguém tentasse provar) que a escola (ou o ensino escolar) é a forma mais adequada, mais eficiente, mais segura para se garantir a continuidade e o aprofundamento de toda e qualquer forma de conhecimento.

Nesse pressuposto, pode-se considerar a comparação do período contra a ditadura da escola. Em que hoje se vê reacender pelo Brasil afora uma marcha de cunho positivista, cheia de esperança em um progresso inexorável da humanidade pela razão, cujo “templo” a im-plantar-se em toda e qualquer aldeia e a escola. Diz-se, no meio indig-enista, que a escola é instrumento que os índios tomam para se livrar do jugo branco, como forma de luta, como meio de apoderar-se de conhecimentos e técnicas que os brancos manipulam contra eles, como forma de conquistar sua autonomia. Há um explícito discurso não-”civilizatório” nessa “cruzada escolar” (que, não por acaso, coincide com a existência de recursos oficiais, possibilidades de convênios etc.), mas que parece contradito pelo próprio caráter de “cruzada” dessa “epidemia educacional” e, sobretudo, por essa prática fundada em um certo senso comum de “enfiar” toda a cultura para dentro da escola.

O resultado dessa prática de transformar a cultura indígena em conteúdo de programa ou currículo escolar não será uma escola indígena, mas uma cultura indígena ocidentalizada, deformada pela usurpação de espaços próprios da educação indí-gena. Defendo também que o conhecimento não é independente das formas próprias de sua con-strução, dos mecanismos de sua produção. Assim,

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qualquer agricultor entende que não faz o menor sentido ensinar numa sala de aula qual é o terreno mais adequado ao plantio de uma ou outra cul-tura (sem intenção de fazer trocadilho), a melhor forma de seleção ou conservação de sementes etc. Alguém objetaria que ao propor que se faça isso na escola, ou que a escola tome esses conhecimentos como conteúdo, não se está propondo, necessaria-mente, que se faça isso no espaço da sala de aula, mas que a escola, ao contrário, deve ser indígena também nisso, saindo do espaço de um prédio etc. (MARTINS, 2003).

No caso exemplificado, dos conhecimentos agrícolas, em qual-quer sociedade ou comunidade de agricultores o aprendizado se faz pela observação, imitação, orientação, e mesmo por meio de conselhos e explanações, porém sempre relacionados aos momentos reais, efeti-vos, de uso daqueles conhecimentos. Em certo sentido, pode-se dizer que um (a) menino (a) indígena aprende a plantar como aprende a falar: em muitos aspectos ele(a) repete gestos observados, aprendidos, transmitidos silenciosamente por muitas gerações, sobre os quais não há qualquer explicação ou necessidade dela.

No fundo, o que está em jogo também aqui é a questão da au-tonomia possível ou impossível das escolas indígenas. Por que não se admite que uma escola, em uma comunidade indígena, não tem nada a dizer sobre certas questões, tem muito pouco a dizer sobre outras, e deveria preocupar-se em fazer bem aquilo para o que foi desejada ou solicitada por aquela comunidade?

É comum e recorrente a afirmação de que as comunidades indí-genas pedem escola porque querem saber ler, escrever e fazer conta “pra deixar de ser enganadas pelos brancos” e coisas semelhantes. Mas será que as escolas em áreas indígenas estão realmente empen-hadas, por um lado, em um bom ensino de matemática e, por outro, em formar efetivamente leitores (e não meros decifradores de sílabas, num arremedo de processo que se costuma chamar de “alfabetiza-ção”)? Atuassem as escolas indígenas de maneira intensa e eficiente

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nessas duas áreas, resolvendo as questões fundamentais que estão sempre presentes nas solicitações das comunidades indígenas, e tudo o mais seria dispensável.

Para Prezia (2000), alguns gostariam de interpretar está atitude, então, como a defesa de uma escola “capenga” para os povos indí-genas. Nada mais contrário ao que disse ou quero dizer. Em primeiro lugar, lembro sempre, e mais uma vez, que não há uma situação única e, provavelmente, sequer uma situação padrão das escolas indígenas no país. Realidades totalmente distintas, em razão de culturas dis-tintas, de diferentes histórias e, mesmo, da diferenciação no processo de ocupação e desenvolvimento das várias regiões do país (e ainda de regiões diferenciadas dentro de um mesmo estado), tudo isso faz com que uma escola indígena possa ser, nos casos extremos, muito distintos até mesmo de outra escola indígena a menos de 20 km de distância.

Por outro lado, mesmo com essa diferenciação bastante grande, arrisco-me a dizer que, em sua maioria, as escolas indígenas estão em grande descompasso com as necessidades das comunidades em que se encontram e que, em todos esses casos, sem exceção, substituir uma escola ruim com um vasto currículo por uma boa escola que ensine só e simplesmente a ler (e não silabar), a escrever e bem contar é a melhor forma de contribuir efetivamente para a autonomia das comunidades indígenas.

Assim, nos casos em que se pode ou deve investir em uma es-cola “completa”, nas quais um currículo “amplo” tem sua importância, dadas as funções efetivamente atribuídas à escola naquelas circun-stâncias, o conteúdo das disciplinas não deve conflitar com as formas próprias e particulares de educação no sentido que já apontei, ou seja, não deve tomar espaços que pertencem às formas próprias da cultura indígena, “escolarizando” conteúdos que não dizem respeito à escola. No fundo, o que parece ocorrer é que muitos educadores confundem na prática o que não confundem no discurso: igualam escola à educação, querendo fazer, então, uma “escola indígena” que seja igual a uma “educação indígena”.

É preciso reconhecer que, sendo a escola uma instituição não-in-dígena, surgida em contextos de sociedades radicalmente distintas das

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sociedades indígenas, criar hoje a “escola indígena” é ainda um desa-fio. Ele vem sendo assumido por muita gente em muitos lugares, o que tem gerado muitas experiências importantíssimas que, aos poucos, vão permitindo acúmulo de conhecimento nessa área bastante nova, mas em nenhum caso pode-se afirmar com segurança que já se construiu uma “escola indígena”. O que temos conseguido são escolas mais, ou menos, indianizadas. Na esmagadora maioria dos casos são tentativas de “tradução” da escola para contexto indígena.

A criação de algo que tenha características de ensino escolar (ou seja, um ensino formalizado, num espaço ritualizado de produção em geral, de mera reprodução de conhecimento) em uma sociedade indí-gena que mantém suas formas e seus processos próprios de educação, de forma que esse ensino formalizado seja apenas um elemento que se toma no que tenha de útil, mas que se digere e se tritura e se refaz, num processo “antropofágico”, como fizemos com o football em tem-pos idos (antes do “futebol de resultados” típico do Brasil anos 80 e 90), isso é algo ao que ainda não assistimos em nenhuma sociedade in-dígena no Brasil. Impossível? Provavelmente sim, pelo menos por ora, quando no Brasil talvez existam, em média, um assessor (mission-ário, educador, professor, lingüista, antropólogo, indigenista) para cada 70 ou 80 índios. Nesse contexto, há muito pouco espaço – e, freqüentemente, muito dinheiro – para permitir aos povos indígenas qualquer arremedo de verdadeira autonomia.

Retomamos, pois, ao tema da tutela sobre a escola e sobre o movimento indígena, que abordamos. Quem não queira ser agente dessa dominação viverá sempre a tensão das escolhas, a autocrítica permanente, a dúvida jamais resolvida dos limites de sua intervenção. Os inconseqüentes dormirão sempre mais tranqüilos.

Afinal, se os objetivos dos índios coincidirem com os seus, óti-mo, caso contrário, não era essa, para eles, a preocupação primordial: para muitos, índios (ou educação indígena) são mero pretexto, que poderá ser substituído por reprodução controlada de borboletas, estu-do dos riscos para a camada de ozônio, contabilização de assassinatos de menores, mapeamento do DNA ameríndio ou contagem de centímet-

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ros quadrados publicados sobre a Amazônia em jornais de circulação nacional.

A questão indígena é refém, infelizmente, de um mercado de serviços, em que muita gente séria obriga-se a negociar o emprego, e freqüentemente é levada a escolhas entre a manutenção deste ou a tomada de posições que rompem com interesses de burocracias indigenistas, encasteladas em todas as instituições (SACRISTÁN, 2000).

Os povos indígenas já têm uma educação própria, no entanto,

eles desejam incorporar os conhecimentos dos brancos em sua forma-ção para poderem viver bem e melhor. Eles consideram mais urgente a aprendizagem da matemática e da língua portuguesa, pois esses con-hecimentos e técnicas podem favorecê-los a compreender melhor a so-ciedade que os envolve.

Os povos indígenas: Kaingang, Terena, Guarani, Tupi-Guarani e Krenack valorizam muito a matemática acadêmica e se empenham para aprendê-la, no entanto, percebemos que a afirmação de Gallois (2001), procede sobre a escola oficial “eles são acostumados a ‘fazer contas’ nas aulas de matemática – e eles são bons nisso -, mas nunca são treinados a refletir sobre a utilidade e o contexto de utilização dessas contas.” O curso de formação do professor indígena na área de matemática teve como base filosófica a etnomatemática, os professores não-índios le-varam em conta o conhecimento cotidiano matemático desses grupos a partir da história, da ancestralidade e da cultura. E de forma con-textualizada tentaram mostrar a estrutura e a origem da matemática acadêmica. De alguma forma todas as outras áreas do conhecimento foram trabalhadas a partir do que o professor indígena conhecia, de sua cultura, da sua história.

A secretaria de educação tentou levar em consideração as reivin-dicações desses povos ao decidir sobre qual grupo de pesquisa poderia coordenar o curso. Primeiro levaram em consideração o interesse dos indígenas pela matemática acadêmica e, depois, a dificuldade desse grupo em compreender essa ciência no contexto cotidiano e formal. A

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secretaria da educação considerou imprescindível para as comunidades indígenas e não-indígenas um processo ensino-aprendizagem que parta do que o aluno conhece para depois transcender para o desconhecido a fim de se obter uma aprendizagem com significado e contextualizada, que é uma premissa básica da etnomatemática - respeitar e valorizar os conhecimentos que o educando traz para a sala de aula.

Por um lado, a opção teórico-metodológica das pesquisas em etnomatemática vem construindo um conhecimento fundado na experiência et-nográfica, na percepção do “outro”, do ângulo de sua lógica. Por outro lado, a etnomatemática em termos de aprendizagem e ensino pode ser considerada como modos de compreender as dife-rentes formas de raciocinar, medir, contar, tirar conclusões dos educandos, associados a grupos culturais diversos, procurando entender como a cultura se desenvolve e potencializa as questões epistemológicas” (DOMITE, 2003, p.45).

As aulas de matemática e as outras disciplinas tentaram fazer com que o professor índio estabelecesse relações entre o mundo e a história dessas disciplinas, a fim de desenvolver um olhar crítico da matemática e das outras disciplinas e tentando perceber quando elas estão sendo usadas para favorecer a classe dominante que oprime ai-nda mais as pessoas e quando elas são usadas para a vida, para que as comunidade indígenas exerçam a cidadania. A Etnomatemática pro-cura justamente mostrar a possibilidade de valorizar o conhecimento do aluno, da sua cultura, do seu meio social para uma aprendizagem significativa e crítica da matemática.

Com a etnomatemática no centro da perspectiva de formação de professores indígenas, estaríamos procurando caminhos que nos orientassem frente às relações entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento existente no fazer de um grupo sócio-cultural diferente do nosso (DOMITE, 2003).

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A busca por novos conhecimentos está impregnada no homem e isso não pode ser negado aos índios, embora, muitas vezes, o que a classe dominante pretenda é homogeneizar as pessoas através dos mei-os de entretenimento, da escola e de comunicação em geral, ditando o que se deve falar, pensar e consumir para que se possa fazer parte de um meio social considerado adequado por esses veículos de opressão e alienação. A importância da escola e educação diferenciadas para os indígenas consiste justamente na luta para que a homogeneização, degradação de conhecimentos tipicamente indígenas não ocorram. É isso que a etnomatemática tenta combater.

Uma pedagogia bem ordenada começa por si mes-ma. Mas a culpa de um pedagogo de tipo usual reside em não duvidar de si mesmo. Detentor da verdade, propõe-se apenas impô-la aos outros pelas técnicas mais eficazes. Falta-lhe ter tomado consciência de si, ter feito a prova de sua própria relatividade perante a verdade e de se ter colocado a si mesmo em questão” (GRUPIONI, 2000, p.25).

Assim, temos que ter consciência de que a etnomatemática ain-da está engatinhando nas práticas pedagógicas, e há poucos trabalhos nesse sentido. Ela é uma possibilidade pedagógica que pode desenvolv-er e estimular a criatividade dos educandos, respeitando as diferenças e a cultura, em especial a indígena.

Silva (2008) discorre que o Estado está tentando cumprir seu papel com as comunidades indígenas ao dar mais autonomia aos pro-fessores nas escolas indígenas, o que é um avanço histórico. Mas isso não basta para que os índios possam desfrutar dos seus direitos de cidadãos, de donos de suas terras, de identidade e de educação. Sil-va sempre defendeu a abordagem de questões indígenas nas escolas regulares. Estas questões deveriam ser tratadas de forma mais com-promissada pelos professores e pelos alunos não-índios e o respeito, a solidariedade e o compromisso pelos direitos dos povos indígenas deveriam ser imperantes (SILVA, 2001). Assim, gradualmente, poder-se-ia, de alguma forma, minar o poder que envolve o Estado por todos

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os lados. Essa atitude educacional parece simples, mas é uma forma de reconhecer e respeitar o cidadão indígena. Por isso, dentre outras coisas, Silva tem razão de afirmar que a escola regular pode ser o prin-cipal local de promoção de mudanças de concepções preconceituosas, racistas etc.

Considerações Finais

Entende-se pelo exposto que a Educação Indígena deve fazer parte de um processo formativo e não informativo e será efetiva quan-do cumprir o papel de conscientização do indivíduo, ajudando-o na aquisição da sua cidadania.

Desta forma, o homem como principal ator nesta formação, pode ser visto fora do seu papel social. A maneira como vivem as pessoas também se reflete na saúde, numa interação dinâmica com as práticas pessoas. O desafio posto para a Educação no Brasil é o de mergulhar na trama das relações da sociedade e meio ambiente, contribuindo para a construção dos novos entendimentos e práticas democráticas e ao mesmo tempo questionar o atual estilo de vida.

É importante que pequenos cidadãos sejam educados a ponto de serem sensíveis a um fato tão relevante para suas vidas, o ambiente em que vivem.

A educação somente pode alcançar seus objetivos se ela for produto da própria comunidade, concordando assim com as teorias de Paulo Freire. Para este pedagogo é mister formatar o potencial de pen-sar o mundo criticamente através de ação – reflexão – ação sobre suas práticas e os sistemas sociais.

A escola tem a grande tarefa de abranger as relações sociais da comunidade escolar para a construção do processo de conservação am-biental. O envolvimento de alunos de forma prática mostra que é pos-sível desencadear ações de cidadania para uma boa qualidade de vida.

Os professores indígenas formados em matemática sentem ne-cessidade de acompanhar e construir todo processo educacional de sua escola, para que possam atender os interesses de sua comunidade com

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responsabilidade e compromisso. As tradições indígenas devem ser de-stacadas na escola e não exemplos sem importância.

Se, por um lado, as escolas indígenas podem locais de diálogo entre as culturas indígenas e a dominante, além de ser um instrumen-to de resistência, reconstrução cultural e afirmação; por outro lado, corre-se o risco da cultura escolar dominante seduzir os indígenas e fazer com que estes passem a negar a sua cultura e a sua identidade, deixando-se integrar docilmente à sociedade, deixando de ser índio.

Desta forma, a escola indígena pode ser um local de diálogos que podem favorecer a comunidade ou podem destruí-la. Ela tem, sim, um espaço e um tempo de atuação bem definido, que vem responder às no-vas necessidades, à realidade das situações históricas vividas. Por isso, dentre outras coisas, podemos dizer que a escola indígena vale a pena.

A escola pode ser uma espaço de poder dos índios, um espaço que os defenda e, isso muito os incentiva, pois eles podem ter “melhor controle de suas relações com agências assistenciais e de represent-antes da população regional; defesa do próprio território, de forma a compreenderem e utilizarem os instrumentos jurídicos que dão legit-imidade a essas terras; proteção contra a exploração a que são submeti-dos nas transações comerciais, transmissão dentro de suas próprias comunidades, da técnica de alfabetização e de todo o processo de en-sino subseqüente; impor-se ao mundo dos brancos e obter, dos diversos setores da sociedade nacional, tratamento digno. É um avanço para a educação indígena gestar a sua própria escola, embora reconheçamos os limites de atuação da maior parte desses profissionais pelo fato de terem pouco tempo de experiência na profissão docente.

Cabe ressaltar que o professor indígena é comprometido e en-volvido com seu trabalho na comunidade e, professores indígenas e nós da sociedade que os envolve esperamos que as crianças da sua comunidade sejam críticas em suas análises político-sócio-culturais.

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