Educação Infantil LER IMPORTANTE

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  • 1Volume I

    Diretrizes Educacionais Pedaggicas para a

    Educao Infantil

  • 2FICHA TCNICA

    Prefeito Municipal de FlorianpolisDrio Elias Berger

    Secretrio Municipal de EducaoRodolfo Joaquim Pinto da Luz

    Coordenao GeralDiretoria de Educao Infantil

    RevisoAssessoria de Comunicao

    Sidneya Gaspar de Oliveira - OrtografiaHemilin Candido Alves - Grfica

    Design GrficoJuliana Gonalves

    Ficha Catalogrfica

    Diretrizes educacionais pedaggicas para educao infantil / Prefeitura Municipal de Florianpolis. Secretaria Municipal de Educao. Florianpolis : Prelo Grfica & Editora ltda , 2010.

    205 p. : il.

    1. Educao Infantil. 2. Aes Pedaggicas.

    CDD .21372

  • 3Prefeitura Municipal de FlorianpolisSecretaria Municipal de Educao

    Diretoria de Educao Infantil

    Diretrizes Educacionais Pedaggicas para a

    Educao Infantil

    Ilha de Santa Catarina, 2010Volume I

  • 4Drio Elias BergerPrefeito Municipal

    Joo Batista NunesVice-Prefeito Municipal

    Rodolfo Joaquim Pinto da LuzSecretrio Municipal de Educao

    Sidneya Gaspar de OliveiraSecretria Adjunta Municipal de Educao

    Sonia Cristina de Lima FernandesDiretora da Educao Infantil

    Gisele Pereira JacquesGerente de Articulao Pedaggica

    Janete Aparecida de Oliveira da SilvaGerente de Atividades Complementares

    EQUIPE

  • 5Educao Infantil

    Ana Claudia da Silva

    Ana Regina Ferreira de Barcelos

    Cludia de Almeida Ten Caten

    Cristiane Vignardi Peres

    Isabela Jane Steininger

    Jairo Norberto Pereira

    Joo Dimas Nazrio

    Joice Jacques da Costa Pereira

    Josiana Piccolli

    Kathia Soares da Cunha Macedo

    Lenir Medeiros da Fonceca

    Mrcia Gonalves Soares Pereira

    Mariza Aparecida Meksenas

    Marlise Oestreich

    Rosetenair Feij Scharf

    Rosinete Valdeci Schmitt

    Simoni Conceio Rodrigues Claudino

    Zenaide Souza Machado

    Zenilda Ferreira Francisco EQUIPE

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    Parte I

    NDICE

    Estratgias pertinentes ao pedaggica

    Aes pedaggicas com crianas de 0 a 3 anos em creches: o cuidado como tica

    Contribuies da educao infantil para a forma-o do leitor e produtor de textos

    Educao infantil, arte e criao: ensaios para transver o mundo

    Sobre o corpo em movimento na educao infan-til: a cultura corporal e os contedos/linguagens

    Superviso na Educao Infantil e a organizao do trabalho educacional pedaggico

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    Conferncias

    Diretrizes Educacionais - Pedaggicas para a Educao Infantil

  • 7Contares, rimas e cantaresEscola Desdobrada e Nei Costa da Lagoa

    Nosso mundo, nossa casaCreche Doralice Teodora Bastos

    Avaliando o cotidiano atravs da imaginaoCreche Irmo Celso

    Interao: Uma proposta de trabalho pedaggico... Onde tudo pode acontecerCreche Idalina Ocha

    Uma viagem, muitas histriasNcleo de Educao Infantil Colnia Z11

    Os desafios de uma proposta: Trabalhando com grupos de crianas de diferentes idades na Ed. InfantilNcleo de Educao Infantil Orisvaldina Silva

    Turma do peixe: Nadando procura de conhecimentos!Ncleo de Educao Infantil Canto da Lagoa

    Boi de Mamo: Uma brincadeira de faz de contaCreche Jardim Atlntico

    Um projeto de cultura e arte na creche: Algums possibilidades...Creche Nossa Senhora Aparecida

    O mundo encantado do circo travessuraCreche Irmo Celso

    Parte II106112123134145156160176183196

    Relatos de Experincia

  • 8APRESENTAOO ato de cuidar e de educar um ato complexo e desafiador que tem merecido inmeros estudos, nas l-timas dcadas, no que se refere Educao Infantil. Publicaes oficiais do Ministrio da Educao, bem como outras, como a hoje apresentada, procuram orientar os educadores na difcil tarefa de, sem parame-trizar, lanar mltiplos olhares sobre os modos de preparar a criana para o convvio social.

    A Secretaria Municipal de Educao de Florianpolis, que h mais de 30 anos vivencia em seu meio a Edu-cao Infantil, no poderia deixar de mostrar sua experincia na rea, atravs de trabalhos de consultores externos e de educadores, que fazem o dia-a-dia das Creches e Ncleos de Educao Infantil, em nosso municpio.

    O livro, que temos a honra de prefaciar, apresenta as mltiplas atividades desenvolvidas em nossas uni-dades educativas na base da formao humana. Os educadores convidados a exporem suas concepes tericas e prticas sobre a Educao Infantil contribuem para a formao do pensar filosfico da rede municipal a respeito dos objetivos da Educao Infantil, da importncia da formao de educadores para essa etapa da vida das crianas, bem como para qualificar, cada vez mais, os debates sobre o cuidar e o educar, que agregaro, certamente, elementos essenciais de processos de desenvolvimento da criana como um todo.

    Nossos cumprimentos Diretoria de Educao Infantil pela iniciativa, aos autores pelo estudo e dedica-o, e especialmente aos atores, razo de existir de todo este movimento testemunhal de ampliao dos olhares sobre a Educao Infantil.

    Rodolfo Joaquim Pinto da LuzSecretrio Municipal de Educao

  • 9INTRODUOO estabelecimento de Diretrizes Educacionais-Pedaggicas para a Educao Infantil busca responder aos anseios da Rede Municipal de Educao, bem como cumpre com a determinao legal da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, do Plano Nacional de Educao e da Organizao, do Financiamento e Manu-teno do Sistema Municipal de Ensino de Florianpolis, bem como do seu Plano Municipal de Educao.

    O objetivo deste documento estabelecer diretrizes para o sistema educacional, no que se refere organi-zao e funcionamento das instituies de Educao Infantil.

    Cabe salientar que esta sistematizao no tem pretenso de inaugurar uma nova proposta para a Edu-cao Infantil, na rede, desconsiderando o movimento histrico de tantas outras iniciativas que demar-caram (e ainda marcam) sua trajetria desde seu incio em 1976. Evidencia sim, o desejo explicitado na notoriedade de muitas prticas institudas na rede, sejam elas materializadas nas produes j sistematiza-das, nas pesquisas realizadas por esta Diretoria, ou demarcadas na riqueza e na diversidade das prticas educacionais-pedaggicas. So, pois, reveladoras do profcuo processo de produo e elaborao, no qual os profissionais da rede tm se engajado, e que precisa ser conhecido, socializado, refletido, ampliado e sistematizado.

    As Diretrizes Educacionais-Pedaggicas foram elaboradas pela professora Elosa Acires Candal Rocha, que retoma os Princpios Pedaggicos para a Educao Infantil, produzidos em 2000, com o objetivo de ampliar, esclarecer e atualizar as bases tericas j definidas, especialmente, funo social da educao infantil, aos ncleos da ao pedaggica e s implicaes desses aspectos na definio do carter da do-cncia, ou seja, do papel das professoras e professores.

    As Diretrizes foram apresentadas aos professores conferencistas, como um texto referncia, para que os mesmos proferissem suas conferncias a partir dos indicativos apresentados nas diretrizes. Deste modo, o documento est organizado em duas partes. Na parte um, so apresentados os textos ela-borados pelos professores conferencistas, e na parte dois, as experincias praticadas nas unidades edu-cativas da rede.

    A professora Daniela Guimares em seu texto: Aes pedaggicas com crianas de 0 a 3 anos em creches: o cuidado como tica, discute as tenses na relao entre educao e cuidado, apontando perspectivas na educao da criana pequena na creche; pontua tambm, algumas iniciativas de comunicao e conta-to, especialmente dos bebs, que se colocam como pistas para os caminhos de troca e dilogo com elas.

    No texto da professora Verena Wiggers, Estratgias pertinentes ao pedaggica, ela aborda a relao entre aprendizagem e desenvolvimento, a relevncia da brincadeira e sua relao com o trabalho educativo pedaggico e finaliza abordando os procedimentos metodolgicos.

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    Pensar na presena da arte como um componente do projeto educacional-pedaggico na educao infan-til, bem como da educao esttica, das mltiplas linguagens e criao o que trata o texto: Educao infantil, arte e criao: ensaios para transver o mundo, da professora Luciana Esmeralda Ostteto. Neste texto, a professora retoma algumas concepes e prticas relacionadas ao desenho, ao espao enquanto um ambiente que contribua para a construo cultural do olhar e da sensibilidade, e, ao papel do professor como pessoa-chave para mediar os caminhos da criana no mundo simblico da cultura.

    A professora Suely Amaral Mello, em seu texto, Contribuies da educao infantil para a formao do lei-tor e produtor de textos, nos convida a refletir acerca dos processos envolvidos na aprendizagem da lin-guagem escrita e de entender esse processo na educao infantil, a partir das contribuies de Vygotsky.

    O Corpo em Movimento na Educao Infantil: a cultura corporal e os contedos/linguagens, escrito pelo professor Maurcio Roberto da Silva, constitui-se no desafio de pensar o corpo em movimento das crian-as nos ambientes das unidades educativas de educao infantil, considerando as categorias dialticas implcitas no movimento do corpo produtivo e do corpo brincante.

    Na parte dois, do documento, apresentamos o texto Superviso na Educao Infantil e a Organizao do Trabalho Educacional Pedaggico, de Ana Regina Ferreira de Barcelos, fruto da formao realizada com supervisores das Creches e Ncleos de Educao Infantil da Rede Municipal, bem como, relatos de experincias vivenciadas com e para as crianas, organizados pelas professoras da Rede Municipal de Educao Infantil: A professora Solange Rocha dos Santos, do NEI Costa da Lagoa apresenta o projeto CONTARES, RIMAS E CANTARES.

    As professoras Patrcia Lcia B. da Silva, Daniela Tasquini, Elenir M. da Silva, Cludia de Almeida ten Caten, da Creche Doralice Teodora Bastos relatam experincias vivenciadas com as crianas no projeto NOSSO MUNDO, NOSSA CASA. Andria Cristina Custdio Correa, Daniela Cristina Silva, Luciano Gon-zaga Galvo e Silvia Albertina Venncio so professoras da Creche Irmo Celso que apresentam o projeto AVALIANDO O COTIDIANO ATRAVS DA IMAGINAO. O projeto coletivo, da Creche Idalina Ocha, relata a experincia sobre interao, chamado: INTERAAO: UMA PROPOSTA DE TRABALHO PEDAG-GICO...ONDE TUDO PODE ACONTECER.... As professoras Alcinia Bernardo da Silva Caetano, Fernanda Noronha Pandolfi, Jorgeane Rachadel Ramos, Jaqueline Teixeira Correia, Marilene knoner Archer, Mrcia Maria Romo, Roseneide Ivone Gonalves, do NEI Colnia Z-11, apresentam o projeto: UMA VIAGEM, MUITAS HISTRIAS..... A Supervisora Mrcia Maria Borges Wageck, do NEI Orisvaldina Silva, nos relata a experincia de como trabalhar com crianas de diferentes idades: OS DESAFIOS DE UMA PROPOSTA: TRABALHANDO COM GRUPOS DE CRIANAS DE DIFERENTES IDADES NA EDUCAO INFANTIL. As professoras Ana Lcia Tamutis Pereira e Ivelize Lindomar da Costa, do NEI Canto da Lagoa, apresentam o projeto: TURMA DO PEIXE: NADANDO A PROCURA DE CONHECIMENTOS!. As professoras Geisa Mara Laguna Santana e Rosiane de Ftima Ribeiro da Silva, da Creche Jardim Atlntico, relatam a experincia sobre o BOI-DE-MAMAO: UMA BRINCADEIRA DE FAZ DE CONTA. A Supervisora da Creche Nossa Senhora Aparecida, Adriana de Souza Broering, apresenta a experincia de UM PROJETO DE CULTURA E ARTE NA CRECHE: ALGUMAS POSSIBILIDADES.... As professoras Patrcia Vieira Leite, Ana Maria da Silva e Rute Rosa Amorim, da Creche Irmo Celso, apresentam o projeto: O MUNDO ENCANTADO DO CIRCO TRAVESSURA.

    Esperamos que as Diretrizes Educacionais-Pedaggicas para a Educao Infantil contribuam para solidifi-car as prticas presentes nas creches e NEIs da Rede Municipal de Educao de Florianpolis, qualifican-do cada vez mais a Educao Infantil.

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    DIRETRIZES EDUCACIONAIS PEDAGGICAS

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    Diretrizes Educacionais - Pedaggicas para a Educao Infantil

    Eloisa Acires Candal Rocha Universidade Federal de Santa Catarina

    Ncleo de Estudos e Pesquisas da Educao da Pequena Infncia

    A intensidade dos estudos, dos debates e a acumulao das experincias educativas no mbito da educao infantil, em Florianpolis, representam, em alguma medida, aquele que tem sido o movimento nacional em torno da definio das orientaes educativas para as crianas de zero a seis anos. Contudo, no h dvida de que em Florianpolis existem significativos diferenciais no que diz respeito organizao do sistema, ao grau de formao inicial e continuada dos profissionais e, principalmente, em relao ao nvel de mobilizao alcanado neste coletivo frente a algumas das principais questes e desafios terico-prticos gerados nos espaos pblicos de educao infantil.

    Desde a definio dos Princpios Pedaggicos para a Educao Infantil (2000), no documento orientador da rede municipal, que resultou de um amplo processo de discusso, muitas tm sido as demandas tericas e prticas, o que vem exigindo continuidade no processo de reflexo e de debate coletivo, no sentido de orientar e apoiar a tomada de decises que, tanto direta como indiretamente, define o trabalho educativo nas creches e ncleos de educao infantil do municpio.

    Nesse texto, pretendemos retomar algumas daquelas bases pedaggicas j definidas com o intuito de ampliar e esclarecer aspectos centrais das orientaes apresentadas em documentos anteriores. Referiremos-nos, especialmente, funo social da educao infantil, aos ncleos da ao pedaggica e s implicaes desses aspectos para uma definio do carter da docncia, ou seja, do papel das professoras e professores.

    Na difcil tarefa de ter que selecionar, dentro dos limites de espao e tempo que o momento compor-ta, em busca dos objetivos que nos propusemos atingir, resolvemos, inicialmente, retomar, como referncia, as prprias deliberaes definidas pelas Diretrizes para a Educao Infantil Nacional, rela-tivas s propostas pedaggicas e seus fundamen-tos, expressos em carter mandatrio:

    I As Propostas Pedaggicas das Institu-ies de Educao Infantil devem respeitar os seguintes fundamentos norteadores:

    a) Princpios ticos da Autonomia, da Respon-sabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;

    b) Princpios Polticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exerccio da Criticidade e do Res-peito Ordem Democrtica;

    c) Princpios Estticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestaes Artsticas e Culturais.

    Neste sentido, reafirmamos o reconhecimento da especificidade da educao infantil como primeira etapa da educao bsica, cuja funo sustenta-se no respeito aos direitos fundamentais das crianas e na garantia de uma formao integral orientada para as diferentes dimenses humanas (lingustica, intelectual, expressiva, emocional, corporal, social e cultural), realizando-se atravs de uma ao inten-cional orientada de forma a contemplar cada uma destas dimenses como ncleos da ao pedaggica.

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    O desenvolvimento das experincias educativas, com as bases aqui expostas, depende de uma organizao pedaggica cuja dinmica, ou se preferirem, metodologia, se paute na intensifica-o das aes das crianas relativas aos contex-tos sociais e naturais, no sentido de ampli-los e diversific-los, sobretudo atravs das interaes sociais, da brincadeira e das mais variadas for-mas de linguagem e contextos comunicativos. Consideramos que estas formas privilegiadas, pelas quais as crianas expressam, conhecem, exploram e elaboram significados sobre o mundo e sobre sua prpria identidade social, indicam a impossibilidade de organizar e planejar de forma separada e parcial cada um dos diferentes n-cleos da ao pedaggica na educao infantil.

    Nesta direo, a apropriao dos sistemas sim-blicos de referncia exige, essencialmente, con-siderar as crianas como ponto de partida, inse-ridas, como no poderia deixar de ser, no mbito de uma infncia determinada. A responsabilidade de dirigir o desenvolvimento da ao educativa envolve, para ns, um compromisso com o de-senvolvimento e a aprendizagem das crianas a partir da ampliao das experincias prximas e cotidianas, em direo apropriao de conheci-mentos no mbito mais ampliado e plural, porm, sem finalidade cumulativa ou com carter de ter-minalidade em relao elaborao de conceitos.

    A necessidade de darmos visibilidade aos ncleos da ao, como forma de orientar a organizao do trabalho dirio junto s crianas, no prescinde da afirmao de uma pedagogia que tome a infncia como um pressuposto; que reconhea as crianas como seres humanos concretos e reais, pertencen-tes a contextos sociais e culturais que as constituem. Enquanto construo social, a infncia deve ser reconhecida em sua heterogeneidade, conside-rando fatores como classe social, etnia, gnero, religio, como determinantes da constituio

    das diferentes infncias e de suas culturas.

    Neste sentido, cabe ainda destacar que o projeto educacional- pedaggico mais amplo e exige a definio dos processos de organizao e estrutura que viabilizaro o cumprimento das funes scio-educativas da educao infantil: o espao e os ma-teriais, os mecanismos de relao com as famlias e os processos de formao dos profissionais, etc. Comprometida com a direo explicitada at aqui, uma orientao pedaggica para a infncia (e para a educao infantil) definir seus proje-tos educacionais-pedaggicos, tendo em vista o cumprimento da funo educativa de ampliao, diversificao e sistematizao das experincias e conhecimentos das crianas.

    O desafio para a constituio e consolidao de uma Pedagogia da Infncia tem-nos exigi-do sobretudo a partir da acumulao cientfica e da diversificao das prticas pedaggicas em mbito local e nacional retomarmos critica-mente as bases educacionais e pedaggicas orientadoras para a educao infantil, a par-tir de uma perspectiva social, histrica e cul-tural da criana, da infncia e de sua educao. nesse sentido que entendemos a dimenso dos conhecimentos na educao das crianas peque-nas. Estabelecem-se numa relao extrema-mente vinculada aos processos gerais de consti-tuio da criana, uma vez que toda e qualquer aprendizagem consequncia das relaes que as crianas estabelecem com a realidade so-cial e natural no mbito de uma infncia situada.

    Por uma Pedagogia da Infncia

    A consolidao de uma Pedagogia da Infn-cia (e no uma Pedagogia da Criana, tal como nas pedagogias liberais) exige, portanto, to-mar como objeto de preocupao os proces-sos de constituio do conhecimento pelas cri-anas, como seres humanos concretos e reais,

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    pertencentes a diferentes contextos sociais e culturais, tambm constitutivos de suas infncias. A construo deste campo poder diferenciar-se, na medida em que considere as diferentes dimenses humanas envolvidas na construo do conhecimento e os sujeitos histricos objetos da interveno educativa, e supere uma viso homognea de criana e infncia, que segundo Sarmento e Pinto (1997), s pode ser considerada se pensarmos no fato de a infncia ser constituda por seres humanos de pouca idade. Desvelar o que conforma e d forma s diferentes infncias exige considerar as prprias crianas nesta dimenso social.

    Uma Pedagogia comprometida com a infn-cia necessita definir as bases para um projeto educacional-pedaggico para alm da aplica-o de modelos e mtodos para desenvolver um programa. Exige, antes, conhecer as cri-anas, os determinantes que constituem sua existncia e seu complexo acervo lingustico, intelectual, expressivo, emocional, etc., enfim, as bases culturais que as constituem como tal.

    Exige dar ateno s duas dimenses que constituem sua experincia social, o entorno social e as experincias das crianas como agentes e como receptores de outras instncias sociais, definidas, portanto, no contexto das relaes com os outros. Numa perspectiva assim definida, a identificao dos ncleos da ao pedaggica nos permite retomar um detalhamento dos seus contedos de ao4 , de forma a orientar os objetivos gerais de cada ncleo e suas consequncias para a prtica docente. So eles:

    Linguagem: gestual- corporal, oral, sonoro-musical, plstica e escrita.

    A linguagem tem um lugar central no desenvolvi-

    mento dos ncleos de ao, uma vez que a funosimblica representa a base para o estabelecimento das relaes culturais e de compartilhamento social.

    Compreender o mundo passa por express-lo aos outros, envolve comunicao e domnio dos siste-mas simblicos j organizados na cultura. A diver-sificao das linguagens objetiva: 1. a expresso e as manifestaes das culturas infantis em relao com o universo cultural que lhe envolve; 2. o domnio de signos, smbolos e materiais; 3. a apreciao e a experincia literria e esttica com a msica (na escuta e produo de sons, ritmos e melodias); com as artes plsticas e visuais (na observao, explorao e criao, no desenho, na escultura, na pintura, e outras formas visuais como a fotografia, o cinema, etc.); 4. com a linguagem escrita, no sen-tido de uma gradual apropriao desta representa-o (no momento, com nfase na compreenso de sua funo social e suas estruturas convencionais em situaes reais) em que se privilegie a narrativa, as histrias, a conversao, apoiadas na diversifi-cao do acesso a um repertrio literrio e potico.

    Relaes sociais e culturais: contexto espacial e temporal; identidade e origens culturais e

    sociais

    O ncleo que constitui as relaes sociais e cul-turais evidencia de forma mais clara a impossibi-lidade de desenvolver uma ao pedaggica que isole cada um dos ncleos de ao. Seu objetivo se pauta na identidade pessoal-cultural, no re-conhecimento das diferentes formas de organiza-o social, no respeito diversidade, nas mani-festaes culturais e normas de funcionamento grupal e social, na tica da solidariedade e tolern-cia atravs de experincias de partilha em espaos de vida social, relacionando as formas conhecidas com as diferentes das suas, as do presente com as do passado, as prximas com as distantes, etc.

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    Neste ncleo, situa-se todo o conjunto de experin-cias que daro a base para a apropriao dos co-nhecimentos sobre o mundo natural, incluindo as in-tervenes humanas sobre ele. A ao pedaggica aqui se baseia na explorao, na descoberta, nas primeiras aproximaes com as explicaes cient-ficas pautadas na manipulao, na observao, no uso de registros bsicos de medidas e mensura-es, nas pesquisas de campo, comparaes em situaes de brincadeira, construes com dife-rentes materiais e com os elementos da natureza, controle do ritmo temporal e relaes matemticas.No seria demais enfatizar, nesse mbito, que conhecer as crianas nos permite aprender mais sobre as maneiras como a prpria sociedade e a es-trutura social do conformidade s infncias; apren-der sobre o que elas reproduzem das estruturas e o que elas produzem e transformam; sobre os signifi-cados sociais que esto sendo socialmente aceites e transmitidos e sobre o modo como, mais particu-larmente, as crianas como seres humanos novos, de pouca idade - atuam na produo cultural e na transformao dos sistemas simblicos com base nas relaes sociais. (James, Jenkes, Prout; 1998).

    Insistimos nisso, porque experincias anteriores de estabelecimento de orientaes para sistemas p-blicos de educao, nas quais tivemos a oportuni-dade de participar, mostraram que, pela fora das representaes e prticas conservadoras, espe-cialmente num momento histrico em que as polti-cas neoliberais exigem a definio de competn-cias mnimas em todos os nveis de ensino, h uma tendncia de descolar o trato com os conte-dos do processo de constituio social dos sujei-tos de pouca idade. Tal tendncia tem-nos levado a prescrever muita cautela em indicar contedos especficos para trabalhar na faixa etria de 0 a 6 anos. Mesmo quando redefinidos e reorientados,

    conforme procuramos explicitar aqui, percebemos um risco enorme no sentido de enquadramento como programa curricular. Insistimos, ento, em manter um alerta vermelho neste particular!

    Relaes Pedaggicas

    A auscultao5 das crianas coloca-se como pri-mordial para esta reorientao. Implica desdo-bramentos na prtica pedaggica que, associada ao conhecimento sobre os contextos educativos, permite um permanente dimensionamento das orientaes e da tomada de deciso dos profes-sores sobre os ncleos a serem privilegiados a cada momento e as prticas pedaggicas cor-respondentes. A aproximao s crianas e s infncias concretiza um encontro entre adultos e a alteridade da infncia e exige que eduquemos o nosso olhar, para rompermos com uma rela-o verticalizada, de subordinao, passando a constituir relaes nas quais adultos e crianas compartilham amplamente suas experincias nos espaos coletivos de educao, ainda que com patamares inevitavelmente diferenciados.

    importante salientar que no temos o enten-dimento de que seja possvel eliminar a hierar-quia entre saberes. Compreendemos, contudo, que no h saber em geral e nem ignorncia em geral. Nesse sentido, entre os saberes e as ignorncias de que todos somos portadores e o reconhecimento do outro como igual a mim pela sua humanidade (e, portanto, to digno de ser levado em conta como eu), acreditamos ser possvel, sim, constituir uma relao de horizon-talidade verdadeiramente interessada em superar em si a ignorncia que tem do conhecimento do outro. Nesse dilogo, poder haver complemen-taridades ou contradies. O que cada saber con-tribui para tal dilogo o modo como orienta uma dada prtica na superao de uma dada ignorn-cia , ou, como se refere SANTOS, o confronto

    Natureza: manifestaes, dimenses, elementos, fenmenos fsicos e naturais

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    e o dilogo entre saberes o confronto e o dilogo atravs do qual prticas diferentemente ignoran-tes se transformam em prticas diferentemente sbias. (2005, p. 107)

    A construo de estratgias comunicativas nestadireo coloca-se como base para o estabeleci-mento de relaes de troca cultural de sentido horizontal de compartilhamento, necessrio compreenso de pontos de vista diferentes, mas que convivem num mesmo espao e tempo seja nas situaes de investigao, seja nas aes de interveno scio-educativas.

    No entanto, o que as crianas fazem, sentem e pensam sobre a sua vida e o mundo, ou seja, as culturas infantis no tm um sentido absoluto e autnomo ou independente em relao s confi-guraes estruturais e simblicas do mundo adul-to e tampouco mera reproduo. As crianas no s reproduzem, mas produzem significaes acerca de sua prpria vida e das possibilidades de construo da sua existncia concreta.

    Esses pressupostos acarretam, portanto, uma to-mada de posio, sobretudo no que se refere participao infantil. Deixar as crianas falarem no suficiente para o pleno reconhecimento de sua inteligibilidade, ainda que nem isso ainda se tenha conquistado no campo cientfico e da ao; depende de uma efetiva garantia de sua partici-pao social, da construo de estratgias, em especial no mbito das instituies educativas da qual fazem parte e que tm representado espao e contexto privilegiados das vivncias da infncia.

    Esta perspectiva de uma pedagogia pautada nas relaes permite outras configuraes dinmica da educao infantil, como afirmam as autoras Bondioli e Mantovani:

    Atravs das trocas sociais, isto , atravs das relaes que progressivamente se entrelaam e

    se aperfeioam entre a criana sozinha e os adul-tos e entre as crianas no grupo de jogo cria-se um conjunto de significados compartilhados, uma espcie de histria social que tpica de uma de-terminada creche em um perodo especfico, cons-tituindo pelo conjunto das rotinas (que criam ex-pectativas), pelas regras, pelas divises temporais (que criam ritmos reconhecveis), permitindo, as-sim, tambm o gosto pelo imprevisto, pelos signifi-cados e pelas funes que os objetos e pessoas assumem naquele contexto particular. (1998, P. 29)

    E para citar um estudo recm concludo entre ns, SCHIMITT (2008) tambm afirma ao estudar as relaes sociais dos bebs em creche que :

    A referncia de outras relaes importante ain-da para o esclarecimento de que no se pretende hiperbolizar ou isolar as aes dos bebs, como se fossem originrias em si, mas afirmar que na medida em que vo se constituindo socialmente, formando a sua subjetividade na relao com adul-tos e no universo cultural mais amplo traz elemen-tos dessa formao no encontro com seus pares, desde cedo. (2008, p. 58-59)

    Funo educativa da Educao Infantil

    Definidas as funes sociais e as bases educa-cionais - pedaggicas para a educao infantil, resta ainda esclarecer alguns pontos relativos s consequncias para a definio do papel dos profissionais e da docncia na educao infantil6.

    As afirmativas indicadas descartam desde logo qualquer consequncia identificada com uma isen-o da atuao docente, da sistematizao e da organizao da ao pedaggica e, bvio, com qualquer limite ao rigor da formao dos professo-res para atuar na educao infantil. Ao contrrio, amplia-se a funo docente e as exigncias forma-tivas, quando a ao pedaggica extrapola uma perspectiva simplesmente reprodutora e transmissiva.Por outro lado, a crtica ao que temos definido como

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    antecipao da escolarizao, tambm no se identifica como vimos at aqui, com qualquer nega-o da funo da formao intelectual das crian-as e de apropriao cognitiva de outros saberes.

    Para esclarece melhor este ponto, retomemos, por-tanto, as bases da psicologia histrico-cultural de forma a explicitar esta posio de afirmao da es-pecificidade/ particularidade da educao infantil.

    De acordo com SAMORUKOVA, e LOGUINOVA,

    L.S. Vygotsky foi o primeiro a colocar a questo referente ao carter programtico do ensino pr-escolar, e fundamentou o principio da sistematiza-o dos conhecimentos para os pr-escolares, refletidos no programa, assim como tambm a diferena do programa de ensino pr-escolar em relao ao escolar. Ele analisou o papel do en-sino no desenvolvimento da criana pr-escolar e a preparao do mesmo para o ensino na es-cola, e conclamou a no copiar os contedos e mtodos de trabalho da escola (1990, p.6 )

    Esta mesma posio colocada por Hurtado (2001) quando afirma que este sentido da preparao est longe de aproximao com perspectivas de treinamento ou de antecipao da educao escolar:

    (...) quando falamos em preparao da criana para seu ingresso na escola no nos referimos ao domnio de conhecimentos e procedimentos, habi-lidade especifica para a posterior aprendizagem da leitura e escrita e da matemtica como objetivos da educao primria, mas sim de fazer formaes mais amplas e necessrias, sem que se negue que esta preparao seja ela tambm necessria. Trata-se de fazer que a criana forme uma atitude favorvel at sua entrada na escola, que nela se tenham formado motivos e interesses para apren-der, para conhecer os fenmenos do mundo que a rodeia, que nela se tenha posto a responsabilidade

    do cumprimento das tarefas ou encomendas, que aceite trabalhar e compartilhar do trabalho cole-tivo com seu grupo de companheiros. (...) mais importante que as crianas se interessem em ler, ao gosto de escutar um conto, a satisfao por comunicar-se com os demais, que aprender j al-guns fonemas ou grafemas que correspondem aprendizagem da leitura no primeiro grau. Como se pode ver, se trata de trabalhar aspectos do de-senvolvimento e da formao da criana, mais que do que deter-se aos conhecimentos. (2001, p. 19)

    Isto determina uma posio contrria quelas tendncias de acelerao que equivocadamente veem nesse processo uma forma de garantir o acesso ao conhecimento e, em consequncia, democratizar a educao.

    Nesta direo, no mesmo sentido que j temos indicado (Rocha, 1999, 2001; Cerisara, 1998), Hurtado (idem) reafirma que

    Possibilitar aos pequenos o desenvolvimento de seu pensamento, o domnio das aes sensori-ais em ao com os objetivos do mundo que os rodeia, desenvolvimento fundamental para to-das as suas aquisies posteriores e formaes cognitivas e intelectuais - a organizao de sua experincia social enriquecida para que seja ca-paz de comunicar-se com os outros, compartilhar suas alegrias, sentir a satisfao pelo bem estar dos outros como se fosse seu prprio, tudo isso como parte de sua formao, constitui um slido argumento para no aceitar as ideias de uma acelerao artificial do desenvolvimento psquico infantil e aceitar a concepo da psicologia e da pedagogia de fazer, nesta etapa, a ampliao e o enriquecimento desse desenvolvimento (p.20).

    E alerta ainda:Isto no se faz mediante um ensino inicial voltado interrupo da infncia e a transformar antes do

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    tempo o pequeno pr-escolar em um escolar an-tecipado, ao contrrio, utilizando ao mximo o enriquecimento da experincia comunicativa da criana com os adultos e coetaneos e a realiza-o de atividades, que alm de dar-lhes prazer, constituam para seu desenvolvimento e enriquec-imento intelectual, como so o jogo, a construo, o desenho, as atividades plsticas e criativas em geral (p.20)

    Retoma-se aqui, portanto, atravs desses inter-locutores citados, o que est na base da teoria do prprio Vygotsky, de acordo com MELLO,

    medida que amplia seu olhar ao mundo que a rodeia, o interesse da criana se expande dos objetos em si para sua funo social. A imitao dos adultos em suas relaes sociais o objeto do faz-de-conta que se constitui como atividade principal da criana at prximo dos seis anos. Nessa atividade ldica no produtiva so exer-citadas funes importantes em processo de de-senvolvimento na criana como a memria, a imaginao, o pensamento, a linguagem oral, a ateno, a funo simblica da conscincia. Ao se colocar no lugar do outro adulto que busca representar levada a expressar seu com-portamento num nvel mais elevado de exign-cia social. Com isso, exercita e aprende, pouco a pouco, a controlar sua vontade e conduta. No faz-de-conta, portanto, amplia seu conhecimento do mundo, organiza e reorganiza seu pensamen-to, interpreta e compreende os diferentes papis sociais que percebe na sociedade que conhece. (MELLO, 2007, p.97).

    tambm neste sentido que se coloca para os responsveis pela ao pedaggica a neces-sidade de conhecer as crianas, observ-las e analisar suas manifestaes para compreender o que j possuem, suas possibilidades reais e suas

    necessidades e aspiraes e as novas exign-cias sociais que se colocam para elas. Portanto, a definio dos projetos educacionais - pedaggicos exige tomar as crianas como fonte permanente e privilegiada da orientao da ao.

    Inserem-se, assim, na docncia da Educao In-fantil, ferramentas imprescindveis da ao: a ob-servao permanente e sistemtica, o registro e a documentao como forma de avaliar o proposto, conhecer o vivido e replanejar os mbitos de ex-perincias atravs de ncleos de ao pedaggica a serem privilegiados e as formas de organizao dos espaos dos tempos e dos materiais para es-tes fins.

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    O termo educacionalpedaggico utilizado por Maria Lcia Machado para explicitar as diferentes dimenses destas bases no plano poltico, institucional e pedaggico propriamente dito (com carter de intencionalidade definida, planejada e sistematizada da ao junto criana), que ao meu ver integram a definio dos Projetos Polticos Pedaggicos nas unidades de E.Infantil Outros autores optam por denominar estas bases ou orientaes como propostas, programa peda-ggico ou curricular. Ver em MEC/COEDI, 1996)

    Agradeo o profcuo debate com a equipe da coordenao da Educao Infantil no ano de 2007 e a indicao de tpicos para aprofundamento. Agradeo tambm aos profissionais da rede com os quais tenho convivido de forma mais prxima nos ciclos de debate do NUPEIUN, nos estgios do curso de Pedagogia e atravs das pesquisas, que abrem o dilogo e nos permitem confrontar e ampliar pontos de vista sobre a realidade. Espero que neste texto, que busca sistematizar os caminhos de um debate, ter conseguido ser minimante fiel s suas contribuies.

    Referimo-nos aqui a uma Pedagogia da Infncia como um campo mais amplo, que inclui a Educao Infantil e as espe-cificidades que constituem as instncias educativas para as crianas antes da entrada na escola de ensino fundamental, mas que pode no se restringir a este mbito, na medida em que pensar a educao da infncia no se restringe a uma delimitao etria.

    4 O termo: contedo da ao definido aqui com o objetivo de detalhar os ncleos/mbitos da ao pedaggica, diferente do contedo curricular da escola tradicional, por no constituir-se nesta etapa educativa, por um programa disciplinar, com fins de estabelecer um padro de terminalidade e concluso de apropriao conceitual. Visa aqui estabelecer e dar visibi-lidade para os diferentes mbitos pedaggicos que orientam a ao docente na direo da atividade infantil.

    5 Para uma simples ampliao do sentido semntico, ausculta redefine nossa ao, no como uma mera percepo audi-tiva ou recepo da informao envolve a compreenso da comunicao feita pelo outro. Inclui a recepo e a compre-enso, que, principalmente neste caso a expresso do outro/criana orienta-se pelas prprias intenes colocadas nessa relao comunicativa e lembremos que, quando o outro uma criana, a linguagem oral no central e nem nica, ela fortemente acompanhada de outras expresses corporais, gestuais e faciais.

    6 Limitar-nos-emos, aqui, a apenas alguns pontos deste tema. Pretendemos apresentar noutro momento um aprofunda-mento sobre a constituio da docncia na Educao Infantil

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    BONDIOLI, Anna e MANTOVANI, Susanna (orgs). Manual de Educao Infantil: de 0 a 3 anos uma abordagem reflexiva. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1998.

    CERISARA, A. B. A Educao Infantil e as implicaes Pedaggicas do modelo Histrico-Cultural. Ca-dernos CEDES, p.65-78, n.35, 1998.

    HURTADO, Josefina L. Un Nuevo concepto de Educaccin Infantil. Habana, Cuba, 2001.

    JAMES, Allison; JENKES, Chris; Prout, Alan. Theorizing Childhood Cambridge: Polity Press, 1998.

    MELLO, Suely Amaral. Infncia e humanizao: algumas consideraes na perspectiva histrico cul-tural. Perspectiva. Revista do Centro de Educao da Universidade Federal de Santa Catarina. V. 25, n. 1. jan/jun, 2007.

    ROCHA, Elosa Acires Candal. A pesquisa em educao infantil no Brasi: trajetria recente e perspec-tiva de consolidao de uma Pedagogia da Infncia. Florianpolis:NUP, 1999.

    ____________________.A pedagogia e a educao infantil. Revista Brasileira de Educao. n 16. ANPED, 2001.

    SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramtica do tempo: por uma nova cultura poltica. 2 ed. So Paulo: Cortez, 2008.

    SAMORUKOVA, P.G. e LoguiNova, V.I. Pedagogia preescolar: metodologia e organizacin de la edu-cacin comunista en el crculo infantil Tomo II- Editorial Pueblo e Educacin, Ministerio da Educacin, Habana, Cuba, 1990.

    SCHMITT, Rosinete. Mas eu no falo a lngua deles! As relaes sociais de bebs em creche. Flori-anpolis, 2008. Dissertao de Mestrado (Mestrado em Educao), Centro de Educao, UFSC.

    Florianpolis, PMF. SME. Princpios Pedaggicas para a Educao Infantil Municipal. 2000.

    TRISTO, Fernanda Carolina. Ser professoras de bebs; um estudo de caso em uma creche conve-niada. Florianpolis, 2004. Dissertao de mestrado (Mestrado em educao), Centro de Educao, UFSC.

    Referncias Bibliogrficas

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    PARTE ICONFERNCIAS

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    Estratgias pertinentes ao pedaggica

    Verena Wiggers

    1 Prembulo inicial

    O cuidado e a educao das novas geraes, ao longo da histria humana, adquiriram diferen-tes configuraes, objetivando atender as pecu-liaridades e demandas dos diversos contextos sociais e culturais. Dada a evoluo das socie-dades, estas prticas passaram a ser compartil-hadas com diferentes segmentos pblicos, dei-xando de ser responsabilidade exclusiva da famlia.

    O compartilhar dessa tarefa tpico das so-ciedades industriais que se reorganizam para adequ-la a novas demandas do mundo do tra-balho e, para alm das suas necessidades mais imediatas, buscam novos modos de so-cializao e educao das novas geraes, em espaos alternativos ao ciclo da famlia.

    Vivemos, atualmente, no Brasil um momento no qual, pelo menos do ponto de vista legal, a edu-cao infantil tornar-se parte dos servios edu-cacionais. A responsabilidade pela oferta da citada modalidade educativa dos municpios; sendo assim, no plano local que as polti-cas so modeladas e as prticas executadas.

    Entre outras funes, so de responsabilidade dos rgos federais, a sistematizao de orien-tao sobre os padres de atendimento que de-vem ser seguidos pelos sistemas educacionais estaduais e municipais, incluindo-se a as escolas privadas e as instituies subvencionadas com re-cursos pblicos. Entre as orientaes em causa, destacam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais

    para a Educao Infantil (1999). Estas, de carter obrigatrio, estabelecem princpios gerais que devem fundamentar as propostas pedaggicas das creches e pr-escolas, pblicas e privadas.

    De acordo com o citado documento, as Propostas Pedaggicas das Instituies de Educao Infantil devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores:

    Princpios ticos da Autonomia, da Responsabili-dade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Co-mum; Princpios Polticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exerccio da Criticidade e do Res-peito Ordem Democrtica; Princpios Estticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestaes Artsticas e Cul-turais (BRASIL 1999).

    Alm dos citados princpios norteadores, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, as propostas pedaggicas da instituio devero tambm acatar as seguintes indicaes:

    (...) explicitar o reconhecimento da importncia da identidade pessoal de alunos, suas famlias, profes-sores e outros profissionais, e a identidade de cada Unidade Educacional, nos vrios contextos em que se situem; (...) promover prticas de educao e cuidados, que possibilitem a integrao entre os aspectos fsicos, emocionais, afetivos, cognitivo/lin-gusticos e sociais da criana, entendendo que ela um ser completo, total e indivisvel; (...) buscar, a

    Doutora em Educao e Professora de educao infantil no Ncleo de Desenvolvimento Infantil da Universidade Federal de Santa Cata-

    rina NDI/CED/UFSC e integrante do Ncleo de Estudos e Pesquisa da Educao na Primeira

    Infncia NUPEIN.

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    partir de atividades intencionais, em momentos de aes, ora estruturadas, ora espontneas e livres, a interao entre as diversas reas de conheci-mento e aspectos da vida cidad, contribuindo as-sim com o provimento de contedos bsicos para a constituio de conhecimentos e valores; (...) or-ganizar suas estratgias de avaliao, atravs do acompanhamento e dos registros de etapas alcan-adas nos cuidados e na educao para crianas de 0 a 6 anos, sem o objetivo de promoo, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; (...) ser cria-das, coordenadas, supervisionadas e avaliadas por educadores, com, pelo menos, o diploma de Curso de Formao de Professores, mesmo que da equi-pe de Profissionais participem outros das reas de Cincias Humanas, Sociais e Exatas, assim como familiares das crianas; (...) Da direo (...) deve participar, necessariamente, um educador com, no mnimo, o Curso de Formao de Professores; (...) garantir direitos bsicos de crianas e suas fam-lias educao e cuidados, num contexto de aten-o multidisciplinar com profissionais necessrios ao atendimento; proporcionar condies de funcio-namento das estratgias educacionais, do uso do espao fsico, do horrio e do calendrio escolar, que possibilitem a adoo, excecuo, avaliao e o aperfeioamento das diretrizes (BRASIL 1999).

    Alm das indicaes postas, de acordo com os Parmetros de Qualidade Para a Educao In-fantil, a sistematizao de propostas pedaggicas pelas instituies de educao infantil devero, tambm, considerar que o trabalho a desenvolvi-do complementar ao da famlia, e a integ-rao entre as duas instncias essencial para um trabalho de qualidade. Devero ainda explici-tar o reconhecimento da importncia da identidade pessoal dos alunos, suas famlias, professores e outros profissionais, e a identidade de cada uni-dade educacional nos vrios contextos em que se situam; reconhecer a incluso como direito das crianas com necessidades educativas espe-ciais; desenvolver com autonomia suas proposta

    pedaggicas a partir das orientaes legais; funcionar durante o dia, em perodo parcial ou integral, sem exceder o tempo que a criana-passa com a famlia; prever e viabilizar a orga-nizao dos agrupamentos de forma flexvel; que a gesto seja exercida por profissionais com os cargos de direo, administrao, coordenao pedaggica ou coordenao geral, de acordo com a exigncia estabelecida pelo aporte legal brasileiro, garantindo que as instituies de Edu-cao Infantil realizem um trabalho de qualidade com as crianas que as frequentam; que osprofissionais que atuam diretamente com as cri-anas sejam professores de Educao Infantil; garantir o bem-estar, assegurar o crescimento e promover o desenvolvimento e a aprendiza-gem das crianas da educao infantil; asse-gurar uma relao de confiana e colaborao recproca entre os diferentes profissionais da instituio; assegurar que os espaos, mate-riais e equipamentos das instituies de edu-cao infantil destinam-se, prioritariamente s crianas, mas tambm s necessidades das famlias e ou responsveis pelas crianas ma-triculadas e dos profissionais que nela trabalham.

    Desta maneira, as prticas pedaggicas estru-turadas no cotidiano da creche e da pr-escola precisam tomar, como suas, determinaes e orientaes legais, aliadas aos conhecimentos produzidos pelas pesquisas na rea, bem como pressupostos e fundamentos tericos advindos da filosofia, antropologia, sociologia e psicologia, em que se destacam os pressupostos da Psicologia Histrico-Cultural.De acordo com a referida cor-rente psicolgica, a natureza humana no dada de forma biolgica ao homem, mas produzida ao longo dos anos na sua relao com a natureza e com os outros homens. Consequentemente, a ao educativa constitui o ato de produzir a hu-manidade em cada novo ser da espcie humana, mediante a aquisio da cultura que a cerca. Di-ante disso, tal como a humanidade, tambm o fe-

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    nmeno educativo exclusivamente dos seres humanos que necessitam, cotidianamente, pro-duzir sua existncia. a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento os instrumentos para sua evoluo. O simples amadurecimento do sistema nervoso no garante o desenvolvim-ento de habilidades intelectuais mais complexas (Galvo, 1995, p. 41).

    Por conseguinte, atravs da apropriao cultur-al mediada pelo outro, processada por intermdio das diversas interaes, sejam estas realizadas de forma espontnea ou com um determinado propsito1, que cada indivduo desenvolver as foras, as aptides, as competncias e as fun-es especificamente humanas; ou seja, as fun-es decorrentes do processo histrico de hu-manizao.

    Deste pressuposto decorre que, ao longo da histria humana, as novas geraes necessitam manter-se em relao com as demais, para que, por intermdio destas relaes, desenvolvam suas funes psicolgicas superiores. Em vista disso, o processo de desenvolvimento psqui-co da criana se realiza no processo do ensino e transmisso da experincia acumulada pelas geraes precedentes. neste processo que a criana se apropria de valores, crenas e conhe-cimentos, pensamento e linguagem, constitutivos dos aspectos emocionais, cognitivos, psicolgi-cos, sociolgicos, dentre outros, de modo a se tornarem elementos significativos da conduta, da percepo, da linguagem, do pensamento e da conscincia.

    Assim sendo, todas as crianas necessitam as-similar um determinado conjunto de habilidades fsicas, intelectuais, lingusticas, sociais e artsti-cas, entre outras, tendo em vista que as aptides humanas esto postas na cultura. Por intermdio desta apropriao, cada novo ser da espcie ir produzir em si as funes psicolgicas superiores,

    especficas do ser humano, como resultado da re-construo interna da atividade social partilhada, o que revela a importncia das mediaes do con-texto fsico e social, sobretudo dos parceiros mais experientes adultos, profissionais da instituio; crianas do grupo, interlocutores ausentes a exem-plo dos livros, vdeos, CDs, DVDs e demais mate-riais didticos para a estruturao dos processos de ensino e aprendizagem na educao infantil.

    Os processos educativos, consequentemente, recaem sobre o papel das mediaes em suas mais diferentes formas. Isto requer a interven-o do professor, pois funo deste organizar o espao interativo. ele que carrega a respon-sabilidade pelo processo de aprendizagem e, em consequncia, do desenvolvimento das crianas.

    2 Relao entre aprendizagem e desenvolvimento

    luz do que indicam os estudos de Vygotsky (1996), para que se compreenda o desenvolvimento e a aprendizagem, preciso considerar dois nveis de desenvolvimento: o real e o potencial. O nvel real se refere ao conjunto de atividades que a criana consegue desenvolver sozinha. Esse nvel indicativo de ciclos de desenvolvimento j completados, isto , refere-se s funes psicolgicas que a criana j construiu at determinado momento. J o nvel potencial se vincula ao conjunto de atividades que a criana no consegue realizar sozinha, mas que, com a ajuda de algum que lhe d algumas orientaes adequadas (um adulto ou uma criana mais experiente), ela consegue resolver. Indica, portanto, o desenvolvimento prospectivamente.

    Sendo assim, a criana:

    em qualquer domnio, tem um nvel evolutivo real que pode ser avaliado, quando ela indiviualmente testada, e um potencial imediato para o desen-

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    volvimento naquele domnio. Vygotsky chamou a diferena entre os dois nveis de zona de desen-volvimento proximal, que definiu como a distn-cia entre o nvel evolutivo real, determinado pela resoluo independente do problema, e o nvel de desenvolvimento potencial determinado pela resoluo de um problema sob a orientao do adulto, ou em colaborao com colegas mais ca-pazes (Vygotsky apud Moll, 1996, p. 152 - 153).

    Para Vygotsky (1989), portanto, h que se considerar o que a criana j conseguiu como resultado de de-terminado processo de desenvolvimento, que se consolidou no sujeito, e o que est por se desen-volver. entre estes espaos que se interpreta o espao onde devem concentrar-se as diversas mediaes, e, tambm as aes da educao in-fantil. Identifica-se, aliado ao conceito de zona de desenvolvimento proximal, o destaque dado s mediaes, tanto fsicas quanto sociais. Estas me-diaes, no entanto, no podem ser efetuadas de forma aleatria, mas devidamente selecionadas a partir dos nveis de desenvolvimento real e poten-cial. , ento, sobre a zona de desenvolvimento proximal que devem atuar as mediaes, tendo em vista que s em determinado nvel de desenvolvi-mento torna-se possvel ao ser humano apreender determinados conceitos, contedos e habilidades.

    Deste modo, evidencia-se que existe uma relao entre determinado nvel de desenvolvimento e a capacidade potencial de aprendizagem (LEONTIEV, 1988, p. 111). A principal caracterstica da aprendizagem a que pe em movimento a zona de desenvolvimento proximal, ou seja, faz emergir na criana um conjunto de habilidades decorrentes do processo de desenvolvimento, resultado do processo de relao com o outro.

    3 Relevncia da brincadeira e sua relao com o trabalho

    Outro pressuposto a considerar refere-se rele-

    vncia da brincadeira/jogo protagonizado ou jogo de reconstituio de papis. Esta atividade considerada como a atividade principal da cri-ana de 3 a 6 anos, cujo desenvolvimento go-verna as mudanas mais importantes nos proces-sos psquicos e nos traos psicolgicos da per-sonalidade da criana, em certo estgio de de-senvolvimento (LEONTIEV, 1988, p. 63).

    Isto no quer dizer, entretanto, que os proces-sos psquicos ocorram apenas nesta atividade, ou que todos eles sejam desenvolvidos atravs dela, mas, alm da brincadeira; a criana deve ter, tambm, a possibilidade de envolver-se em atividades de outras naturezas, que desempe-nham papel subsidirio (LEONTIEV, 1988, p. 63).

    De acordo com Leontiev (1988), a atividade princi-pal caracteriza-se como a atividade em cuja forma surgem outros tipos de atividade e dentro da qual eles so diferenciados [...], atividades genetica-mente ligadas a ela (LEONTIEV, 1988, p. 64). A atividade principal, portanto, agrega em torno de si um conjunto de atividades de outras origens, que iro modelar no indivduo competncias e capacidades distintas, no entanto igualmente sig-nificativas e complementares entre si, necessrias ao desenvolvimento pleno do ser humano.

    Elkonin (1988), referindo-se a Vygotsky, afirma que este considera a brincadeira como o tipo principal de atividade das crianas pequenas, e que, atravs dela, a criana elabora hipteses e vivencia inmeras sensaes e experincias significativas, o que promove o desenvolvimento da personalidade e a formao da conscincia. A partir do que foi exposto, identifica-se a importncia desta atividade na vida das crianas, o que justifica o seu uso enquanto um dos eixos fulcrais do trabalho com a criana de trs a seis anos na educao infantil.

    Vygotsky, ao referir-se s possibilidades ofertadas

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    pela brincadeira, afirma que o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criana. No brinquedo, a criana sempre se comporta alm do comportamento habitual de sua idade, alm de seu comportamento dirio; no brinquedo, como se ela fosse maior do que na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contm to-das as tendncias do desenvolvimento sob forma condensada, sendo ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento (Vygotsky, 1989a, p. 117).

    Makarenko apud Usova (1976) afirma que jogo e trabalho apresentam uma relao dialtica, de modo que na relao entre a brincadeira e o trabalho que o educador deve pautar suas aes no trabalho pedaggico com crianas de trs a seis anos. Destarte, faz-se necessrio dedicar brincadeira um espao ao lado do trabalho e no em seu lugar (BROUGRE, 1998, p. 155).

    Entretanto, para chegar a esta forma elaborada de atuar sobre a realidade, cada novo ser da espcie necessita superar as formas iniciais de atuao sobre a realidade, ampliando-as, tendo em vista que, inicialmente se dispe apenas de for-mas de comunicao no verbais. Destarte, pelos processos de mediao, a comunicao verbal vai se colocando como necessria, indicando para a relao entre sons e significados. Neste processo, alimentada, sobretudo, pelas propriedades senso-riais, estabelece relaes essencialmente manipu-latrias com os objetos, subordinados s condies objetivas existentes.

    Impulsionado pelas aquisies efetuadas ao longo do primeiro ano de vida aquisio da marcha, domnio inicial da comunicao verbal , na busca de satisfao de suas necessidades, a criana vai adquirindo novos modos de atuar com os elemen-tos, fsicos e sociais, presentes no contexto que a cerca.

    Posteriormente, com a aquisio de sua iden-tidade, alteridade, linguagem simblica e maior elaborao da percepo, ateno, memria etc., a criana ganha formas mais complexas e ela-boradas de organizao do seu pensamento e de agir sobre o mundo.

    Destarte, da atuao inicial eminentemente ma-nipulatria e exploratria, ela caminha para o de-senvolvimento de novas propriedades motoras, cognitivas, afetivas e sociais, permitindo-lhe dom-inar um crculo muito mais amplo de atividades. Neste processo, passa a desejar integrar o seu contexto social, necessitando compreender as relaes sociais postas no seu entorno, o que cria as condies para a origem dos jogos protago-nizados, conforme desenvolvido anteriormente2 .

    Assim sendo, as formas de insero e apropria-o do contexto fsico e social, efetuados pela criana, colocam-se de diferentes formas em dife-rentes idades e contextos, imputando s prticas pedaggicas em creches e pr-escolas a necessi-dade de incorporar diferentes configuraes, for-mas de estruturaes dos espaos e tempos, bem como das possibilidade que devero compor os processos de aprendizagem e desenvolvimento.

    Neste sentido, fundamental considerar no apenas a especificidade da criana, mas tambm, a faixa etria com a qual se trabalha, para selecio-nar as possibilidades que se mostram promisso-ras e necessrias aprendizagem e desenvolvim-ento da criana em diferentes idades e momentos de vida. Tais exigncias, alm de indicarem a estruturao de uma proposta pedaggica para cada instituio, requer tambm, a estruturao de uma proposta especfica para cada grupo de crianas, de modo que se possa selecionar, de forma adequada, as possibilidades de aprendiza-gens pertinentes a cada grupo de trabalho.

  • 27

    As prticas educativas em causa devem respon-der, assim, a interesses de um dado modelo de ser humano e sociedade. Assim sendo, as possibi-lidades dos processos educativos levados a efeito em creches e pr-escolas necessitam ocupar-se de diferentes aspectos, conferindo ateno s diferentes dimenses que constituem a humani-dade, dando acesso a diversos saberes.

    Tais demandas requerem a oferta de espaos e ambientes seguros, agradveis e saudveis, com rotinas flexveis, onde as crianas possam orga-nizar os seus jogos e brincadeiras, expressar sua sexualidade, ouvir msica, cantar, danar, expres-sar-se atravs de desenhos, pintura, modelagem, dramatizaes e colagem. L que elas possam tambm: ouvir e contar histrias; interagir com as crianas maiores, menores e adultos; correr, saltar, pular, engatinhar e explorar novos ambientes; en-contrar conforto e apoio sempre que precisam; receber ateno individual, proteo e cuidado dos adultos; desenvolver sua auto-estima curiosidade e autonomia; ser tratadas sem discriminao; no ser obrigadas a suportar longos perodos de es-pera; ter suas famlias bem-vindas e respeitadas nas instituies; ter momentos de privacidade e quietude, onde possam se recostar, desenvolver atividades calmas, descansar e dormir; receber o atendimento de suas necessidades de alimen-tao, sade e higiene, como tambm expressar seus pensamentos, fantasias, lembranas e tantas outras situaes fundamentais para o desenvolvi-mento das novas geraes3 .

    Diante do exposto, nota-se que a estruturao do trabalho cotidiano na creche e na pr-escola pre-cisa considerar um conjunto de fatores que en-volvem aspectos legais, pressupostos tericos, filosficos e metodolgicos. Por conseguinte, pre-cisa dar acesso ao conhecimento cientfico siste-matizado, s diferentes linguagens e aos valores sociais, ticos, estticos e polticos, normas, prin-

    cpios ou padres sociais aceitos e mantidos no interior da sociedade a que pertence, tais como costumes, hbitos de vida, sistemas morais, bem como de instrumentos, procedimentos, atitudes, e hbitos necessrios convivncia na sociedade em que a criana est inserida. Estas aprendiza-gens exigem previso e controle de procedimen-tos metodolgicos.

    4 Procedimentos metodolgicos

    Como vimos, o enastrar de fatores que con-stituem os processos educativos levados a efeito em creches e pr-escolas, conforme desenvolvido ao longo deste texto, imputam ao trabalho cotidi-ano, na educao infantil, a necessidade de siste-matizao de um conjunto de aes vinculadas a naturezas distintas e que precisam ser pensadas teleologicamente.

    Neste contexto, conforme indicado por Rocha, adquirem significado os ncleos da ao pedaggica. Conforme a citada autora, estes permitem retomar um detalhamento dos seus contedos de ao4 , de forma a orientar os objetivos gerais de cada mbito e suas consequncias para a prtica docente. So eles: Linguagem: gestual, corporal, oral, sonoro-musical, plstica e escrita; Relaes Sociais e Culturais: contexto espacial e temporal; identidade e origens culturais e sociais e Natureza: manifestaes, dimenses, elementos, fenmenos fsicos e naturais.

    A partir das indicaes efetuadas ao longo do texto, para efeitos didticos, poderamos dizer que o planejamento cotidiano poder ser estruturado em torno de eixos fulcrais da ao pedaggica ou do planejamento: estruturao dos espaos e dos tempos; atendimento das necessidades bsicas da criana; sistematizao do trabalho em torno de projetos: estruturao de atelis/ oficinas ou

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    situaes diversas5 .

    A estruturao dos espaos e tempos objetivava potencializar o desenvolvimento de jogos e brinca-deiras estruturados e desenvolvidos a partir de situaes criadas pelas crianas e/ou professores/auxiliares e bolsistas, bem como de um conjunto de outras situaes que constituam os enredos do co-tidiano. Estes devem ser estruturados de forma te-leolgica, de modo a favorecer as interaes entre as crianas e destas com os adultos. Objetivava-se tambm possibilitar s crianas fazerem escolhas, eximindo-as da constante imposio e coero das propostas feitas exclusivamente pelos adultos.O gerenciamento do tempo e do espao precisava estar de acordo com as diferentes crianas acolhi-das e ser rico em condies interativas e ldicas, alm de reservar tambm espaos em que a pri-vacidade possa ser garantida, conforme indicado pelos Parmetros de Qualidade para a Educao Infantil (BRASIL, 2006). concebvel que os diver-sos espaos da instituio devem ser explorados e utilizados pelas crianas de forma autnoma e, ain-da, que todos os espaos institucionais devem ser pensados, refletidos, pesquisados e organizados com intencionalidade e premeditao, de modo a contemplar a disposio adequada de materiais ldicos, pedaggicos, bem como de mobilirio adequado.

    O atendimento das necessidades bsicas da crian-a (alimentao, higiene, descanso, etc.), tradicio-nalmente denominadas de cuidado, compreendi-do como forma de ajudar o outro a desenvolver-se enquanto ser humano. Nesta perspectiva, as aes do cuidar articulam-se diretamente s do educar, no se distinguindo umas das outras. Destarte, passaram a adquirir outro carter, sendo incorpo-radas como atividades estritamente pedaggicas. Devem, tambm, ser sistematicamente pensadas e planejadas.O trabalho estruturado em torno de projetos toma ponto de partida as indagaes fei-

    tas pelas crianas em meio aos elementos do mundo fsico e social. Podem estar relacionadas apropriao de conhecimentos cientficos vinculados s diferentes reas disciplinares, da linguagem, ou apenas a elementos culturais (valores ticos; polticos e estticos). Essas demandas requeriam a sistematizao de aes que dessem resposta a um conjunto amplo de curiosidades e indagaes6,efetuadas pelas crianas. Sua estruturao toma como base o que as crianas j sabem/dominam, mas, de forma especial, contedos que lhes so possveis de serem ensinados. Assim sendo, devero ser planejados em acordo com perguntas e curiosidades das crianas e a zona de desenvolvimento proximal, considerando suas potencialidades. Seu percurso dever se desdobrar medida que um grupo particular de crianas e adultos interagem, colocando em movimento uma dinmica nica e irrepetvel. Nesse processo, ns, profissionais de educao, deveremos observar e ouvir as crianas para definio e redefinio constante das situaes a serem estruturadas no processo de ensino/aprendizagem.

    A estruturao de atelis/oficinas ou situaes diversas devero contemplar atividades com objetivos em si mesmas ou relacionadas diretamente categoria trabalho, ou seja, ainda que almejem um produto final no tero obrigatoriamente fins didticos especficos.

    Tambm no devero obrigatoriamente se vincularem a um complexo de vivncias articuladas umas s outras a exemplo dos projetos. Constituir-se-o em atividades de desenhar, de modelar, de escrever, de ouvir histrias, de realizar uma atividade de culinria, de observar fenmenos da natureza, de correr, de saltar, passear, etc. Elas possuem, em si, situaes desafiadoras e significativas que favorecem a explorao, a descoberta, a apropriao e a transformao da

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    cultura que cerca a criana.

    Ao pensar esses espaos faz-se necessrio ter claro que, conforme indicado por Machado (1996, p. 8), o pedaggico no reside na atividade em si, mas na possibilidade de a criana interagir, de trocar experincias e partilhar significados. Deste modo, a ao pedaggica no residiria obrigatoriamente nas atividades propostas e coordenadas por ns professores, mas nas interaes que o cotidiano da instituio possibilita s crianas, logo, perpassariam todas as aes e possibilidades ofertadas teleologicamente no cotidiano.

    Com o uso destas estratgias, pretendemos romper com a lgica que tradicionalmente monitoraram a estruturao dos espaos e tempos na educao infantil. Ou seja, a lgica que prev sistematicamente o desenvolvimento de atividades nicas para todo o grupo, na qual as proposies, em geral, so feitas apenas pelos professores e todas as crianas do grupo, e por vezes da instituio, devem realiz-las no mesmo tempo e espao. Convm ainda lembrar que no consideramos que um ou outro aspecto citado seja mais educativo e significativo para a criana do que outro, mas que cada um deles possui caractersticas e possibilidades prprias, de modo a se complementarem e at mesmo de um impulsionar a realizao de outro. Significam uma das condies objetivas para a garantia de uma ampla gama de jogos, dramatizaes, brincadeiras ao ar livre, audio de histrias, encenao de papis, culinria, tarefas domsticas, atividades ligadas ao cuidado corporal, cantigas de roda, jogos tradicionais, pintura, colagem, modelagem, etc.

    Para assegurar o acompanhamento do trabalho cotidiano, o professor dever utilizar-se da obser-vao, registro e avaliao do processo vivido jun-

    to ao grupo e a cada criana. Os processos de avaliao esto intimamente imbricados aos processos de planejamento das aes educa-tivas levadas a efeito no cotidiano da educao infantil. Esta dever ser formativa, ou seja, re-alizada ao longo do processo visando a aper-feio-lo no sendo conveniente o seu uso para rotular, enquadrar, emitir juzo, comparar, quantificar, julgar ou prestar contas para algum, ou, ainda, para a constatao de problemas.

    Para sistematizao do planejamento, registro e avaliao, conforme bibliografia da rea, podemos fazer uso de diferentes estratgias, tais como: re-gistros em cadernos; relatrios; dirios de classe; registros de acompanhamento dos avanos e conquistas das crianas; registros individuais e coletivos; organizao de portflios; dossis; ar-quivos biogrficos que arquivam e registram um conjunto de aes desenvolvidas pelas crianas ao longo do perodo que permanece na institu-io, permitindo a reconstruo doprocesso vi-vido pela criana, bem como expressar inmeras vozes (pais, crianas, e professores); contatos e depoimentos de pais; comentrios de cole-gas, entre tantas outras estratgias que podem ser criadas e adaptadas por todos aqueles que se incumbem da sistematizao dos processos de aprendizagem e desenvolvimento da criana de zero a seis anos em creches e pr-escolas.

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    1 A idia de intencionalidade aqui explicitada se vincula concepo de ensino, portanto, a uma forma especfica de realizar o processo educativo.

    2 Para maiores detalhes ver Elkonin (1998).

    3 Indicado por Brasil (1995).

    4 Conforme a autora, contedo da ao definido com o objetivo de detalhar os mbitos de experincia envolvidos na ao pedaggica, diferente do contedo do currculo da escola elementar, por no constituir-se num programa por disciplinas, com base em processos transmissivos com fins de terminalidade nica e conclusiva.

    5 Essa configurao foi delineada por Wiggers (2004).

    6 Ainda que no explicitadas com apoio da linguagem oral.

  • 31Referncias bibliogrficas

    BRASIL. Ministrio da Educao. Critrios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianas, Braslia, DF MEC/SEF/COEDI, 1995.

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    _______ . Os princpios psicolgicos da brincadeira pr-escolar, p. 119 142. In VYGOTSKY, L. S.;

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    VYGOTSKY, L. S. A formao social da mente. 3. ed. So Paulo; Martins Fontes, 1989. 168 p.

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    Aes pedaggicas com crianas de 0 a 3 anos em creches: o cuidado como tica

    Daniela Guimares

    1 Introduo

    Hoje, a Educao, no campo das prticas e no terreno das polticas pblicas, enfrenta um im-portante desafio: construir propostas para o tra-balho com as crianas de 0 a 3 anos, tendo em vista a integrao das creches aos siste-mas pblicos de ensino. Trata-se de delinear princpios que desviem das iniciativas assisten-cialistas e higienistas tradicionais neste contexto.

    Neste caminho, diversos desafios podem ser pon-tuados. Um dos principais o rompimento da di-viso entre educao e cuidado. Ainda hoje, h uma polarizao no entendimento do que educar e cuidar, sendo a educao compreendida como en-sinar e o cuidado relacionado com atividades con-sideradas de rotina. Este texto tem como objetivo problematizar essa questo, apontando perspec-tivas na educao da criana pequena na creche.

    Em um primeiro momento, discutimos as tenses na relao entre educao e cuidado, propondo o cuidado como postura tica, atitude respon-siva, de escuta e dilogo com as crianas, o que dilata as possibilidades da educao. Assim, o cuidado compreendido como uma qualidade da educao, um modo de ser educador e educar. Em seguida, pontuamos algumas iniciativas de comunicao e contato das crianas pequenas, especialmente dos bebs, que se colocam como pistas para os caminhos de troca e dilogo com elas. Olhar, imitar, ofertar objetos, apontar so gestos de explorao do mundo e que convidam

    o outro relao. No lugar de educadores, somos convocados a refletir sobre como respondemos a esses atos, como os observamos, damos visibi-lidade a eles, considerando os bebs e crianas pequenas como parceiros na produo do mun-do, na construo de significados compartilhados.

    2 O cuidado como orientador do trabalho educacional com crianas de 0 a 3 anos

    As prticas que constituem a creche so oriun-das de iniciativas sanitaristas e filantrpicas, en-fatizando o cuidado como proteo e preveno. Kramer (1992) destaca que no incio do sculo XX, alm dos interesses dos grupos privados pela criana pequena (especialmente os mdicos e religiosos), h iniciativas estatais voltadas ao fornecimento de alimentao, garantia de sade, dentre outras aes que visam a compensar as necessidades. A famlia compreendida como lo-cus privilegiado da criana. Todas as iniciativas de atendimento prescrevem uma srie de cuidados preventivos e higinicos como condies para a relao com os bebs, substituindo a famlia. Nasce a idia de uma educao compensatria, baseada na viso da criana (particularmente a criana pobre) como ser privado dos laos fa-miliares e de condies ideais de vida. O cui-dado considerado como proteo, como uma forma racional de governo sobre as crianas

    Somando-se a isso, vemos a emergncia do

    Doutora em Educao pela PUC-Rio. Professora do Curso de Especializao em Educao Infantil -

    Perspectivas de trabalho em creches e pr-escolas; PUC-Rio.

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    discurso da Psicologia, especialmente numa prespectiva desenvolvimentista, que focaliza a criana, em geral, pelo que lhe falta, ou pelo que est por se completar. Essa perspectiva es-tabelece um paradigma de atendimento centrado numa viso de quem supre, seja as necessidades de cuidado, seja a formao da racionalidade e de hbitos que sero teis mais tarde, na pr-escola ou na escola. A creche vista como provedora, colocando-se como responsvel por completar esse ser em falta. A criana considerada como algum que ser formado a partir das aes dos adultos sobre ela, numa perspectiva de controle..

    Os anos 80 inauguram uma reorientao nestas perspectivas, medida que se busca um des-vio em relao s prticas compensatrias. De acordo com a legislao atual1, as crianas so sujeitos de direito, sujeitos de ao. Ento, edu-car e cuidar so atos indissociveis e comple-mentares no cotidiano da Educao Infantil. De-limitam o que especfico do trabalho com as crianas pequenas. No entanto, nas prticas co-tidianas, constituem-se diversas formas de viver estas duas aes ainda de modo segmentado. Muitas vezes, a ao de educar compreendida como instruir e transmitir conhecimentos (ensinar as cores, os nomes dos objetos, etc), como tu-tela da ao da criana e de sua compreenso do mundo. Cuidar considerado como atender s demandas de sono, higiene e alimentao, proteger, dar conta da rotina, ou tomar conta, numa inteno disciplinadora, onde a criana ocu-pa um lugar de passividade, de quem s recebe.

    Apesar da reordenao legal e discursiva, esse iderio permanece nas relaes entre famlias e profissionais da creche. A creche entendida somente como lugar para deixar a criana en-quanto a me trabalha, quase um depsito. A linha de ao e preocupao higienista afeta at hoje de modo muito forte o trabalho com as cri-

    anas pequenas, delimitando a construo de rotinas e as formas de relao com os peque-nos, especialmente os bebs. A perspectiva das necessidades e da famlia nuclear como seio do desenvolvimento da criana suplanta a pos-sibilidade de ver o que pode um beb, o que produz, como se relaciona com os pares e com contextos sociais complementares famlia.

    O cuidado como ateno e escuta da criana funo importante da creche. O fato de ser considerado como um trabalho sem prestgio ou focado na proteo, relaciona-se tambm com a ligao ao que domstico, feminino, vinculado tambm ao controle das populaes em nosso pas. De fato, o atendimento s crianas pequenas no Brasil esteve sempre ligado a intervenes sanitaristas e higienistas que contriburam para que a qualidade relacional do trabalho com a criana fosse tutelada e desqualificada (na perspectiva de seu corpo, suas emoes e seus afetos).

    A dissociao destas duas aes, educar e cui-dar, e os limites na abrangncia de seus sentidos provocam uma srie de reflexes e estudos2, no movimento de redirecionar as prticas, tendo em vista viver nas creches sem dicotomizar cuidado e educao.

    Neste contexto, torna-se importante redimen-sionar a perspectiva do cuidado, entendendo-o de modo mais amplo, como uma postura tica, no s como ao dos adultos sobre as crianas. O dilogo com Montenegro (2005) contribui para que possamos compreender as prticas de cui-dado a partir da raiz etimolgica da palavra cui-dar. Cuidar uma expanso de sentido de cogi-tare, agitar pensamentos, cogitar, pensar naquilo que se cuida, estar atento ao objeto do que se cuida; tambm, no sentido de desvelo, solicitude

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    ou esmero (diferente de pensar ou cogitar como pesar, avaliar ou examinar). Ento, no envolve s uma habilidade tcnica, mas uma ateno, reflexo, contato e, levando em conta o compo-nente emocional, cuidar envolve carinho, ateno ao outro. Trata-se de algo da ordem do corpo, da emoo e da mente, de modo integrado. Ao mesmo tempo, apesar de cuidado relacionar-se com reflexo, no se restringe ao campo da in-trospeco, mas implica tambm atitudes para com o outro, podendo dirigir-se a coisas ou pes-soas; portanto, voltado para si e para o mundo.

    Educar vem do latim educare, por sua vez ligado a educere, verbo composto do prefixo ex (fora) + ducere (conduzir, levar), e significa literal-mente conduzir para fora, ou seja, acompanhar aquele que se educa na conquista do mundo. Como j foi apontado, cuidar vem do latim cogi-tare, com muitas possibilidades de traduo, alm de pensar. Cuidar significa atender, con-siderar. De fato, seria possvel acompanhar o outro sem consider-lo e estar atento a ele?

    Neste caminho, o cuidado amplia as possibilidades da educao. Talvez, justapor as duas aes (educar e cuidar) no contribua para o entendi-mento do entrelaamento de suas perspectivas. medida que tiramos o cuidado de uma dimen-so instrumental, de disciplinarizao e controle sobre os corpos (na creche isso significa, por exemplo, dar banho, alimentar, como exigncias tcnicas e rotineiras, somente), para coloc-lo na esfera da tica, da ateno a si e ao outro, ele contribui na concepo de educao como en-contro da criana com o adulto, num sentido de dilogo, abertura e experincia compartilhada.

    A interlocuo com Foucault (2004) em seus estudos sobre o cuidado de si nas culturas antigas expande tambm a perspectiva do cuidado. O autor afirma que na civilizao greco-romana o

    cuidado de si atrelava-se ao conhecimento de si. Conhecer a si relacionava-se com realizar uma prtica de si, no sentido da ateno a si mesmo. Cuidar de si envolvia inquietar-se com a prpria existncia, desacomodar-se dos lugares j instalados. O tema do cuidado de si tomado no cerne da constituio de uma arte da existncia, no desenvolvimento de uma cultura de si. Foucault esclarece que o cuidado no se refere somente a uma preocupao difusa e abstrata, mas diz respeito a prticas concretas. Trata-se de uma atitude, um modo de se comportar, impregnando formas de viver, constituindo-se como prtica social e abrindo espao para relaes interindividuais.

    Essas idias so fecundas na direo de pensarmos o trabalho dos educadores com eles mesmos e o trabalho com as crianas. Como cuidar do outro a criana sem a perspectiva de cuidar de si? A partir das referncias foucaultianas, para governar a cidade, para focalizar o outro, era recomendado o cuidado de si mesmo por parte do futuro governante. Na relao entre adultos e crianas, possvel perguntar: o quanto o educador/adulto est atento para o cuidado de si, que no se restringe aos hbitos cotidianos de higiene, por exemplo, mas refere-se a um trabalho de ateno s prprias aes e emoes, reflexo sobre seus fazeres e intervenes?

    Quando escutam, observam, do visibilidade ou dialogam com os movimentos das crianas (espe-cialmente quando as crianas no se expressam verbalmente), os educadores indicam que seus gestos e expresses tm um valor. No dirigir as crianas, mas incentiv-las a dirigirem-se, desen-volvendo autonomia, escolha e iniciativa uma forma de cuidarem do cuidado da criana sobre si, desenvolver uma ateno da criana sobre si.

    Cuidar e cuidado no se restringem a aes instrumentais dos adultos para com as crian-

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    as, mas dizem respeito criao de prti-cas dos adultos para com eles mesmos, que produzem uma atmosfera de ateno, escu-ta e disponibilidade na creche como um todo.

    A compreenso da criana como sujeito com di-reito participao em ambientes coletivos incre-menta polticas e projetos pedaggicos para as creches. Nesta perspectiva, a criana pequena no s objeto de ao do outro, mas sujeito de aes. Neste contexto, cabe a pergunta: como as prticas do visibilidade ao beb e expem o que ele pode, sua potncia, de fato? Tudo isso con-voca a qualificar e buscar os detalhes das aes dos bebs e deles com os adultos no cotidiano da creche.

    3 Iniciativas das crianas pequenas e desa-fios na sua educao

    Para alm da inscrio das crianas na cul-tura, ou seja, para alm da funcionalidade que o corpo ganha no cotidiano, importante obser-var como as crianas se apropriam da cultura, como desenvolvem iniciativas no contato com os adultos e com a realidade que as circunscreve.

    Em estudo recente, numa creche do Rio de Ja-neiro3, foi possvel perceber que as iniciativas dos adultos no contato com os pequenos esto muito ligadas ou transmisso de tcnicas (modos de comer, dormir, etc) que configuram as rotinas, ou instruo (sob certo contgio do modelo edu-cacional da pr-escola e da escola), o que se ex-plicita pela presena forte dos trabalhinhos. Por outro lado, na pesquisa, foi possvel dar visibili-dade para como as crianas respondem ao contato dos adultos e como demandam deles respostas.

    Bakhtin (2003) prope uma reflexo a respei-to da atitude responsiva que est envolvida na produo de enunciados. Ouvir, ou melhor, com-

    preender, envolve uma tomada de posio. O autor afirma que todo enunciado um elo numa cadeia discursiva (idem, p.289). A produo de lingua-gem da criana apresenta-se como continuidade de algo que brotou antes, provocando ressonncia nas produes posteriores, conectada no coletivo. As palavras isoladas, oraes pequenas constru-das pela criana que comea a falar ou aes cor-porais sugerem as questes: como se engajam no elo da cadeia discursiva que compem? Ao qu respondem e em que direo apontam (ou para onde/quem se endeream)? Como so respondidos? De acordo com Faraco (2003), para Bakhtin, relaes dialgicas, constitudas nas interaes face a face, so relaes de sentido que se estabelecem en-tre enunciados referenciados no todo da interao verbal (no apenas em cada evento circunscrito). O contexto, a histria, as intenes, a entonao que envolvem as interaes so elementos fun-damentais na construo do dilogo, de fato, onde a criana convidada a colocar-se e responder.

    Assim, a possibilidade da criao da linguagem e subjetividade no se d no ponto de partida, na primeira manifestao de cada palavra ou ex-presso, mas acontece no processo de experin-cia com o corpo, com a palavra e tambm com os objetos. Bakhtin (2003) afirma que a princpio a criana assimila a palavra do outro, inicial-mente as palavras da me. Em seguida, essas palavras alheias so reelaboradas em minhasalheias palavras, e, por fim, em minhas palavras, com a perda das aspas, evidenciando a possibili-dade criadora. O processo de criao da e na lingua-gem relaciona-se com a perda das aspas, ou seja, o movimento de tornar prprio o que nasce colado nas referncias do outro, o que acontece no campo da experincia, da realidade concreta e da vida.

    O entendimento da constituio do eu como fruto das relaes, a relevncia de uma atitude respon-siva (por parte de crianas e adultos em interao),

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    a compreenso do dilogo como formao de elos em uma cadeia discursiva maior do que cada inte-rao face a face so contribuies bakhtinianas importantes na focalizao das aes das crianas no cotidiano. O posicionamento do adulto no conta-to com a posio que ocupa a criana implica uma atitude tica, uma reflexo sobre modos possveis de ao, um jeito de ser, um modo de cuidar4, que envolve no s intervir ou iniciar aes na direo das crianas, mas tambm agir sobre si, refletir so-bre o sentido do seu prprio olhar e emoo, tendo em vista observar os bebs e dar sustentao s suas experincias. Neste percurso, agir com os bebs, na relao com eles, pode abrir espao para encaminh-los, oferecer modelos/tcnicas ou observar e acompanhar suas aes e iniciativas.

    Desde os primeiros instantes da existncia, dife-rentes mecanismos culturais entram em ao, con-ferindo ao movimento do beb um carter cada vez menos automtico e cada vez mais imitativo e deliberativo. Ento, choros, sorrisos, desloca-mentos e olhares so interpretados pelos adultos, criando formas relacionais com os bebs. Este seria o nascimento cultural do beb. A forma na-tureza (reflexos, movimentos fortuitos, balbucios, etc) adquire um novo modo de existncia quando ganha significao nas relaes interpessoais. Ou seja, no incio, a funo sensorial e a funo mo-tora constituem o primeiro circuito de comunicao das crianas com os outros. Podemos v-las trocan-do objetos, olhares, muitas vezes de forma casual e contingente. Ao entrar em funcionamento, esse circuito coloca as crianas numa rede de relaes onde suas aes vo ganhando significao, de acordo com a tradio cultural do seu grupo. Pouco a pouco, ganham intencionalidade, sentido e direo.

    Portanto, torna-se importante que o profissional da creche o adulto que dedica cuidado criana atente para suas respostas e movimentos furtivos e impulsivos. Por exemplo, responder ao olhar, no-

    mear o que a criana aponta e dialogar com o choro so formas de construir um padro cultural e relacional com os bebs. Neste enfoque, o corpo entendido como espao de construo simblica e cultural a partir da relao.

    O trabalho educacional cotidiano com as crianas pequenas implica v-las na relao com outras crianas e adultos, percebendo modalidades de dilogo, como assumem posies singulares nas interaes, como se vinculam com as construes dos adultos, como desenvolvem iniciativas. Mais especificamente, como se constituem rela-es, pela mediao de palavras, toques, olhares e palavras?

    No dia a dia do trabalho com as crianas peque-nas, fundamental perceber o entrelaamento entre ao, palavra, emoo e significao nas interaes delas entre si e delas com os adultos. Como emergem significaes nas aes? Quais as suas relaes com as primeiras palavras? Como se entrelaam aes conjuntas, palavras, emoes e significaes? Como so constitudos e tornados visveis sentidos, sem e com a partici-pao da palavra?

    A comunicao e a expresso das crianas pequenas esto centradas nas possibilidades sensoriais e motoras. Sensaes e movimentos so modos de explorar o mundo e formas tam-bm de desenvolverem trocas e contatos soci-ais. Um processo importante neste caminho a imitao, como provocadora de construo de sentido, fazendo a ponte entre o eu e o outro.

    Ao investigar as relaes entre bebs de mais ou menos um ano, no contexto da creche, foi constatado que a imitao era uma forma de contato recorrente entre as crianas. No dilogo com Mauss (1974), no plano da Antropologia, foi possvel afirmar que na imitao o ato impe-se de

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    fora, no sentido de que as crianas escolhem imitar aquilo que tem prestgio, valor social e interesse para elas. O ato de imitar ao mesmo tempo em que se apia no outro, revela a potncia criadora de quem imita. Coloca-se como ato responsivo, comprometido com o outro, mas deslocando-se dele, no sentido do novo (Guimares, 2008).

    A imitao se apresenta como expanso da criana, explorao de possibilidades que brotam no contato com o social e afetam quem imita. No campo da psicologia histrico-cultural, Vygotsky (1989) prope que a criana s imita aquilo que est no seu nvel de desenvolvimento. Por iniciativa prpria, no imita qualquer ato, em qualquer tempo. A imitao revela o que ela j pode fazer, sua potncia, no contato com o outro. Portanto, importante aprofundar o mapeamento das formas de imitao nas crianas pequenas no cotidiano do trabalho com elas, reconhecendo o que, quem e como imitam.

    Para Wallon (1988), aps o nascimento, a motri-cidade disponvel, alm dos reflexos, compe-se de movimentos impulsivos que pouco a pouco so in-terpretados pelo mundo adulto circundante, estabe-lecendo comunicao, o que marca a etapa ex-pressivo-emocional do desenvolvimento da cri-ana. Neste processo, ganha primazia o dilogo-tnico, forma de contato com o outro, mediada pelo olhar, sorrisos, posturas e contatos corpo-rais. Pouco a pouco, a partir da interao com o mundo social, ao lado dos movimentos instrumen-tais (preenso, competncia visual e de marcha) entram em cena outras formas de movimento, atravessados por imagens, os ideomovimentos (movimentos que contm idias), as imitaes..

    Alm disso, destaca-se o olhar como iniciativa de contato por parte das crianas. A experin-cia de si que o olhar permite a da confiana. O mergulho nas possibilidades das coisas e no

    chamamento do mundo conduzido e possibilita-do pelo olhar que, muitas vezes, vai do objeto para o adulto e deste para o objeto, quando a criana est indo em direo ao novo. como se o movi-mento estivesse amparado no olhar. Muitas vezes, o olho o primeiro a chegar numa experincia ex-terior que interessa ou que convida (seja um objeto perto, seja uma cena distante). Se a criana no se sente confiante, busca o adulto com o olhar. Se o ambiente faz com que se sinta segura, depois do olho, segue-se a ao corporal, tocar, movimentar-se em direo ao que chama (Guimares, 2008).

    Por outro lado, tambm pela via do olhar possv-el perceber quando e como as crianas desviam-se de si mesmas e de seus campos de interesse. Isso faz parte da dinmica social, mas seria im-portante refletir sobre a intensidade dessa reti-rada da criana de si. Perceber o olhar dos be-bs significa perceber onde esto situados, no movimento de desenvolver com eles responsivi-dade. Os adultos acompanham o olhar dos be-bs? Ou dirige