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EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA · 2016. 1. 12. · da PUCRS. [email protected] Guy Barros Barcellos Licenciado em Ciências Biológicas pela PUCRS (2009),

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  • EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICACENTROS E MUSEUS DE CIÊNCIAS NO BRASIL

  • Chanceler

    Dom Jaime Spengler

    Reitor

    Joaquim Clotet

    Vice-Reitor

    Evilázio Teixeira

    Conselho Editorial

    Presidente

    Jorge Luis Nicolas Audy

    Diretor da EDIPUCRS

    Gilberto Keller de Andrade

    Editor-Chefe

    Jorge Campos da Costa

    Agemir Bavaresco

    Augusto Buchweitz

    Carlos Gerbase

    Carlos Graeff-Teixeira

    Clarice Beatriz da Costa Söhngen

    Cláudio Luís C. Frankenberg

    Érico João Hammes

    Gleny Terezinha Guimarães

    Lauro Kopper Filho

    Luiz Eduardo Ourique

    Luis Humberto de Mello Villwock

    Valéria Pinheiro Raymundo

    Vera Wannmacher Pereira

    Wilson Marchionatti

  • EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICACENTROS E MUSEUS DE CIÊNCIAS NO BRASIL

    Regina Maria Rabello Borges

    Ana Lúcia Imhoff

    Guy Barros Barcellos

    Organizadores

    porto alegre2015

  • © EDIPUCRS 2015, Versão Eletrônica da 1º Edição impressa no anos de 2012;

    CAPA Giovani DomingosREVISÃO DE TEXTO Caren CapaverdeREVISÃO FINAL Regina Rabello BorgesDIAGRAMAÇÃO Graziella Morrudo

    Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

    EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS

    Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – BrasilFone/fax: (51) 3320 3711E-mail: [email protected] - www.pucrs.br/edipucrs

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

    Publicação apoiada pela Capes.Esta obra não pode ser comercializada

    e seu acesso é gratuito.

    E24 Educação e cultura científica e tecnológica : centros e museus deciências no Brasil [recurso eletrônico] / orgs. Regina MariaRabello Borges, Ana Lúcia Imhoff, Guy Barros Barcellos. –Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2015.361 p.Modo de acesso: ISBN 978-85-397-0761-41. Ciências - Ensino. 2. Centros de Ciências – Brasil.

    3. Museus de Ciências - Brasil. 4. Professores – FormaçãoProfissional. I. Borges, Regina Maria Rabello. II. Imhoff, AnaLúcia. III. Barcellos, Guy Barros. CDD 372.35

  • Com relação a suas dimensões fundamentais, todos os períodos históricos se revelam como manifestações

    de uma só existência ou episódios de um só drama [...]. Por estar no mundo, estamos condenados ao sentido; e não podemos fazer nada, não podemos dizer nada

    que não tome um nome na história.

    [...] a consciência é contemporânea de todos os tempos. [...] o tempo tem necessidade de uma síntese.

    O problema consiste, agora, em explicitar este tempo em estado nascente [...] que não é um objeto

    do nosso saber, mas uma dimensão do nosso ser.

    MERLEAU-PONTY

  • SOBRE OS AUTORESAna Lúcia Imhoff Licencianda em Física pela PUCRS, Bolsista de Iniciação Científica

    (BIC/FAPERGS em 2011 e BPA/PUCRS em 2012). [email protected]

    André Luís Mattedi DiasLicenciado em Matemática pela UFBA (1988), doutor em História

    Social pela USP (2002). Atualmente é professor da UFBA e atua no Pro-grama de Pós-Graduação em Ensino, História e Filosofia das Ciências, da Universidade Estadual de Feira de Santana e da Universidade Federal da Bahia (UEFS – UFBA). [email protected]

    Antonio Carlos Souza de AbrantesGraduado em Engenharia Eletrônica pela UFRJ (1992), doutor

    em História das Ciências pela Fundação Oswaldo Cruz (2008). Chefe de Divisão (DICEL) do Instituto Nacional de Propriedade Industrial. [email protected]

    Ascendino Flávio Dias e SilvaGraduado em Engenharia Elétrica pela UFPE (1975), doutor na área

    de Eletrônica Industrial, Sistemas e Controles Eletrônicos pelo Institute National des Sciences Apliqueés de Toulouse-França (1986). Professor da UFPE. Ex-diretor da Coordenadoria do Ensino de Ciências do Nordeste (CECINE/UFPE). [email protected]

    Beatriz Coelho SilvaGraduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora

    (UFJF) (1975), especialista em História do Brasil na Universidade Federal Fluminense (UFF) (2008) e em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. É repórter, roteirista e autora de dois livros e do Guia de Visitação do Museu Nacional/UFRJ. Iniciação Científica em 60 minutos. Dirigiu também o documentário Olho na Edu-cação, para o Canal Futura. [email protected]

    Carla Wanessa do Amaral CaffagniGraduada em Ciências Biológicas pela PUC-SP (2000), mestre em

    Educação pela USP (2010). Doutoranda da Faculdade de Educação da USP. Atua desde 1996 na área de educação formal e não formal. Profes-sora de Ciências no Colégio Bialik (São Paulo). Tutora no Curso de Ensino de Ciências do REDEFOR/USP. [email protected]

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    Daniela Fabrini VallaLicenciada em Ciências Biológicas pela UFRJ (2007), mestre em Edu-

    cação pela Faculdade de Educação da UFRJ (2011). Durante a graduação, foi bolsista PIBIC/CNPq no projeto de pesquisa “Currículo de Ciências: ini-ciativas inovadoras nas décadas de 1950/60/70”. Professora de Ciências da SME/RJ, da Prefeitura do Rio de Janeiro e do Departamento de Ciências da Faculdade de Formação de Professores da UERJ. [email protected]

    Deise Miranda ViannaGraduada em Física pela UFRJ (1973), doutora em Ensino de Ci-

    ências pela Faculdade de Educação da USP (1998), pós-doutora pela Universidade de Santiago de Compostela. Foi presidente do CECIERJ de 1995 até janeiro de 1998. Atualmente atua em programas de Pós-Gradu-ação em Ensino de Física (Mestrado Profissional) do Instituto de Física da UFRJ e em Ensino de Biociências e Saúde (Mestrado Acadêmico e Doutorado) do Instituto Oswaldo Cruz / FIOCRUZ. [email protected]

    Diego Vaz BevilaquaGraduado em Física pela UFRJ (1997), doutor em Física pela UFRJ

    (2002), pós-doutor pela Harvard University (2005). Atualmente é tecno-logista em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz. Tem experiência na área de Divulgação Científica, atuando principalmente nos seguin-tes temas: museu de ciência, educação não formal, aplicativos virtuais e interatividade. [email protected]

    Graziela Grazziotin CostaBacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Luterana do

    Brasil (ULBRA) (2005), licencianda em Ciências Biológicas pela PUCRS. Atualmente é estagiária do Laboratório de Ensino em Ciências e Biologia da PUCRS. [email protected]

    Guy Barros BarcellosLicenciado em Ciências Biológicas pela PUCRS (2009), mestre em

    Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS (2012), doutorando em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS. Professor na rede de escolas da ULBRA, onde criou e orienta o Museu da Natureza. [email protected]

    Inês Angélica Andrade FreireLicenciada em Matemática pela Fundação de Ensino Superior de

    Olinda (FUNESO) (1994), mestre em Ensino, Filosofia e História das Ci-ências (UFBA) (2009), doutoranda em Ensino, Filosofia e História das

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    Ciências (UEFS-UFBA). Professora da Universidade Estadual do Sudoes-te da Bahia (UESB). [email protected]

    Jeter Jorge BertolettiLicenciado e Bacharel em História Natural pela PUCRS (1963),

    doutor em História Natural e Livre-docente em Geografia Biológica pela PUCRS (1977). Professor, museólogo e biólogo. Atuou na PUCRS no período de 1961 a 2008 e atualmente é membro do Comitê Temático de Divulgação Científica do CNPq.

    Lauro BarcellosGraduado em Oceanologia na Fundação Universidade do Rio

    Grande (FURG) (1981). Estudou Ecologia Bentônica na Duke Universi-ty em Beaufort (EUA) (1984) e Museologia no Natur-Museum Sencken-berg, em Frankfurt (Alemanha) (1990). Em 1974, começou a trabalhar no Museu Oceanográfico da FURG; e desde 1991, é diretor do complexo de Museus da FURG. [email protected]

    Marcia Serra FerreiraGraduada em Ciências Biológicas pela UFRJ – licenciatura (1988)

    e bacharelado em Ecologia (1989), doutora em Educação pela UFRJ (2005). Professora da Faculdade de Educação da UFRJ, superintendente Acadêmica de Pós-Graduação da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pes-quisa (PR2). Professora no curso de Ciências Biológicas e no Programa de Pós-graduação em Educação da instituição. [email protected]

    Martha MarandinoLicenciada e bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade

    Santa Úrsula (1987), doutora em Educação pela USP (2001). Professora da Faculdade de Educação da USP. [email protected]

    Nara AzevedoGraduada em História pela UFRJ (1979), doutora em Sociologia

    pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ/UCAM) (2000). Professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (COC / Fiocruz) e diretora da Casa de Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo Cruz. [email protected]

    Oneida EnneGraduada em Serviço Social pela UFRJ (1968), mestre em Ensino

    em Biociências e Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (2010). Coorde-nadora desde 1995 do Projeto Praça da Ciência Itinerante – Fundação CECIEJ/CEDERJ. [email protected]

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    Regina Maria Rabello BorgesLicenciada e Bacharel em História Natural pela PUCRS (1970), dou-

    tora em Educação pela PUCRS (1997). Professora da Faculdade de Bio-ciências e do PPG em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. [email protected]

    Ricardo José MirandaGraduado em Biblioteconomia na UFES (1992), com especialização

    em Formação de Leitores pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá (FIJ) (2012). Atualmente é bibliotecário-chefe da Biblioteca da Faculdade de Educação (FAE/UFMG). [email protected]

    Ronaldo MancusoGraduado em História Natural pela UFRGS (1967) e mestre em

    Educação na linha de pesquisa Educação e Ciências pela UFSC (1993). Foi diretor do CECIRS e atualmente está aposentado, prestando con-sultoria em educação científica (incluindo feiras e clubes de ciências). [email protected]

    Silvania Sousa do NascimentoGraduada em Física pela UFMG (1983), doutora em Didactique Des

    Disciplines pela Université Pierre et Marie Curie, LISE / CNRS, França (1999), pós-doutora em Educação pela UNICAMP (2008). Atua na Direto-ria de Divulgação Científica PROEX UFMG. [email protected]

    Valderez Marina do Rosário LimaLicenciada em Ciências Biológicas pela PUCRS (1980), doutora

    em Educação pela PUCRS (2003). Professora do PPG em Educação em Ciências e Matemática/ PUCRS. Coordenadora de Ensino e Desenvolvi-mento Acadêmico da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD/PUCRS). [email protected]

    Vicente HillebrandLicenciado em Ciências pela PUCRS (1974), licenciado em Física

    pela PUCRS (1976), doutor em Educação pela PUCRS (2000). Professor na Faculdade de Física/PUCRS. [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]

  • SUMÁRIO

    APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................13

    PARTE I: OS CENTROS DE CIÊNCIAS E O CONTEXTO DA SUA CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NO PAÍS

    CULTURA E EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA EM CENTROS DE CIÊNCIAS NO BRASIL ............................................................................................................23

    Regina Maria Rabello Borges, Ascendino Flávio Dias e Silva e André Luís Mattedi Dias

    CONCEPÇÕES SOBRE A NATUREZA DAS CIÊNCIAS NOS CENTROS DE CIÊNCIAS E EM PROJETOS CURRICULARES IMPORTADOS ........................................................................41

    Regina Maria Rabello Borges

    DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA EDUCAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES EM CENTROS E MUSEUS DE CIÊNCIAS NO BRASIL ....................................................................55

    Regina Maria Rabello Borges

    RAÍZES DOS CENTROS DE CIÊNCIAS (CECIS): O IBECC E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CIÊNCIA NO BRASIL ..............................................................................................................67

    Antonio Carlos Souza de Abrantes e Nara Azevedo

    IMPORTÂNCIA DOS CENTROS DE CIÊNCIAS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL ...............................................................................................................103

    Ronaldo Mancuso

    PARTE II: OS SEIS CENTROS DE CIÊNCIAS CRIADOS NO BRASIL EM 1965BREVE HISTÓRIA DO CECINE : COMO A VERDADE CIENTÍFICA VIROU DÚVIDA E EXPERIMENTAÇÃO .........................................................................................117

    Beatriz Coelho Silva

    EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO CECIBA: PROPOSTAS E ATIVIDADES PARA RENOVAÇÃO DO ENSINO NO ÂMBITO ESCOLAR (1965-1969) ....................................................133

    Inês Angélica Andrade Freire e André Luís Mattedi Dias

  • O CENTRO DE CIÊNCIAS DE SÃO PAULO – CECISP .....................................................................157Graziela Grazziotin Costa, Ana Lúcia Imhoff e Regina Maria Rabello Borges

    CURRÍCULO DE CIÊNCIAS : INVESTIGANDO AÇÕES E RETÓRICAS DO CECIGUA NOS ANOS DE 1960/70 ..............................................................................................................169

    Daniela Fabrini Valla e Marcia Serra Ferreira

    ACOMPANHANDO A TRAJETÓRIA DO CECIERJ ..........................................................................185Deise Miranda Vianna e Oneida Enne

    O CENTRO DE ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA DE MINAS GERAIS – CECIMIG ...................199Silvania Sousa do Nascimento e Ricardo José Miranda

    A HISTÓRIA DO CENTRO DE CIÊNCIAS DO RIO GRANDE DO SUL (CECIRS) ...................................211Regina Maria Rabello Borges, Ronaldo Mancuso, Valderez Marina do Rosário Lima e Vicente Hillebrand

    PARTE III: ALGUNS MUSEUS DE CIÊNCIASA PRODUÇÃO DO DISCURSO DE MONITORES EM MUSEUS E CENTROS DE CIÊNCIAS ...........................................................................................................225

    Carla Wanessa do Amaral Caffagni e Martha Marandino

    PROMOÇÃO DA SAÚDE , POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA E MEDIAÇÃO NO MUSEU DA VIDA ..............................................................................................247

    Diego Vaz Bevilaqua

    UM MUSEU VOLTADO PARA O MAR ..........................................................................................263Lauro Barcellos e Guy Barros Barcellos

    MUSEU DE CIÊNCIAS CONSTRUÍDO POR ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL: ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA NA ESCOLA .........................................................283

    Guy Barros Barcellos e Regina Maria Rabello Borges

    MUSEU DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DA PUCRS PROJETOS ESPECIAIS – 1967-2007 .........................................................................................299

    Jeter Jorge Bertoletti

    CONCLUINDO O LIVRO NO CONTEXTO DO PROGRAMA PRÓ-CULTURA .........................................359

  • APRESENTAÇÃO

    Mesclar ciência, história, educação e cultura em centros de ciên-cias e museus interativos implica vida e paixão. Tantas histórias pes-soais e institucionais envolvidas! E o tempo que passa e a tudo trans-forma. Conexões que se desvelam. Compreensões que transcendem o espaço físico imenso do Brasil e nos aproximam uns aos outros... Ao ler estas páginas, sem necessidade de se ater a uma sequência determinada de capítulos, você vai se surpreender.

    Que privilégio poder organizar este livro em que tantos autores estão presentes! Muitos deles são protagonistas do que revelam. To-dos expressam e despertam admiração por grandes figuras humanas que construíram as bases da nossa cultura científica e tecnológica, em interação com outros. É muito bom poder compartilhar tudo isso, amplamente, graças ao apoio da Capes (Central de Aperfeiçoa mento de Pessoal de Ensino Superior), entidade do governo brasileiro volta-da à formação de recursos humanos.

    O livro foi produzido no contexto do projeto interinstitucional “Ciência, história, educação e cultura: dos centros de treinamento para professores de ciências aos atuais centros e museus interativos” (BORGES; SILVA; DIAS, 2009), elaborado em coerência com o Edi-tal n. 07/2008 CAPES/MINC, do Programa Pró-Cultura. Foi apoiado também pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS), mediante concessão de uma Bolsa de Iniciação Científi-ca (BIC), e pelo CNPq, por meio de recursos concedidos ao projeto “Evolução histórica da divulgação científica na educação permanen-te de professores de ciências: dos centros de treinamento aos centros e museus interativos”, estreitamente relacionado e complementar ao projeto interinstitucional referido.

    A cultura científica e tecnológica de um país vincula-se à popula-rização das ciências e à alfabetização científica. As artes plásticas, a po-esia, a música, a literatura, o cinema, o teatro e tantas outras formas de manifestação cultural integram-se, muitas vezes, a novas tecnologias e a conhecimentos científicos diversificados, em várias áreas do conhe-cimento. Por outro lado, o conhecimento científico pode ser veiculado de diferentes modos, como no teatro, na literatura, em mídias digitais

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    e no processamento de imagens. Tende a ser superada a fragmentação do saber. Mas os posicionamentos diante de problemas relacionados aos processos de ensino e aprendizagem e aos conteúdos curriculares relacionam-se às ideias, à cultura e às atitudes dos professores e essas variam no decorrer do tempo, tanto individualmente como nos grupos, sendo poderosa a influência dos consensos estabelecidos.

    Foi assim no Brasil, desde meados do século XX, quando sucessi-vos governos buscaram ampliar e renovar a educação científica, em diversos níveis, inclusive no âmbito do ensino primário e secundário, como no caso da criação, em 1965, de seis centros de ciências em di-versas regiões do país. Ao longo do tempo, eles se modificaram. Alguns estão extintos, outros permanecem. Os de São Paulo, do Rio Grande do Sul e da Bahia não mais existem. Há atualmente apenas três, localiza-dos em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.

    Ao elaborar o projeto, sabíamos que ao menos dois desses cen-tros haviam sido pesquisados em nível de pós-graduação, o CECIRS1 e o CECIBA2, mas havia também duas pesquisas sobre o CECIGUA/CECIERJ3, cada qual sobre uma das fases desse centro. No contexto do projeto, há pesquisas em desenvolvimento sobre o CECINE4 e o CECIMIG5. Sobre o CECISP6 não foi encontrada uma pesquisa especí-fica, mas foram organizadas informações contidas sobre esse centro em pesquisas sobre outros temas. Os seis centros de ciências criados em 1965 estão contemplados no livro, e também alguns museus de ciências. O livro está dividido em três partes:

    Parte I: Os centros de ciências e o contexto da sua criação e de-senvolvimento no país. Contém os capítulos de 1 a 5, com textos mais amplos sobre os centros de ciências e o IBECC.

    1 CECIRS: Centro de Ciências do Rio Grande do Sul, na origem denominado Centro de Treinamento para Professores de Ciências do Rio Grande do Sul.2 CECIBA: Centro de Ensino de Ciências da Bahia.3 CECIGUA: Centro de Treinamento para Professores de Ciências da Guanabara – depois CECIERJ: Centro de Ciências do Rio de Janeiro, quando se constituiu o estado do Rio de Janeiro onde antes era a Guana-bara. Atualmente, esse Centro constitui a Fundação CECIERJ/CEDERJ.4 CECINE: Centro de Ensino de Ciências do Nordeste.5 CECIMIG: Centro de Ciências de Minas Gerais, na origem denominado Centro de Treinamento para Professores de Ciências de Minas Gerais.6 CECISP: Centro de Ciências de São Paulo, na origem denominado Centro de Treinamento para Profes-sores de Ciências de São Paulo.

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    Parte II: Os seis centros de ciências criados no Brasil em 1965. Apresenta, nos capítulos 6 a 12, textos específicos sobre cada um dos centros de ciências.

    Parte III: Alguns museus de ciências. Apresenta os capítulos 13 a 17, contendo pesquisas sobre mediação e a história e desenvolvimen-to de alguns museus de ciências no país.

    No capítulo 1, “Cultura e educação científica e tecnológica em centros de ciências no Brasil”, Regina Borges, Ascendino Silva e An-dré Mattedi Dias abordam a pesquisa que coordenam no âmbito do Programa Pró-Cultura. Argumentam quanto à importância da re-construção histórica dos seis centros de ciências criados no Brasil em 1965 e buscam resgatar o patrimônio cultural representado por eles, considerando a marcante contribuição da cultura científica e tecnológica ao desenvolvimento de um país e o modo como essa cul-tura se manifesta, junto a outras áreas do conhecimento, em centros e museus interativos de ciências.

    No capítulo 2, Regina Borges analisa “Concepções sobre a natu-reza das ciências nos centros de ciências e em projetos curriculares importados”, veiculadas nos capítulos introdutórios aos projetos tra-duzidos pelas equipes do IBECC e dos centros de ciências. Quais eram esses projetos? Quem os desenvolveu e financiou? Por quê? Quanto a concepções sobre a natureza das ciências, veiculam ideias empiristas e indutivistas então predominantes, subjacentes às inovações preten-didas no ensino e assumidas com entusiasmo pelas equipes que pro-moviam cursos de treinamento para professores. Na época, não eram consideradas as ideias prévias dos alunos, nem havia contextualiza-ção do processo educacional junto às comunidades envolvidas.

    No capítulo 3, “Divulgação científica na educação permanente de professores em centros e museus de ciências no Brasil”, Regina Borges resume resultados do projeto “Evolução histórica da divulga-ção científica na educação permanente de professores de ciências”, vinculado ao Edital Universal MCT/CNPq 14/2009. A pesquisa, com-plementar à que foi apresentada no capítulo 1, voltou-se a repensar processos de ensino e aprendizagem, formação de professores nas licenciaturas e educação continuada de professores em exercício, de modo integrado à divulgação científica e à popularização das ciên-cias em centros de ciências e museus.

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    No capítulo 4, Antonio Abrantes e Nara Azevedo apresentam as “Raízes dos centros de ciências (CECIs): o IBECC e a institucionaliza-ção da ciência no Brasil”, focalizando o Instituto Brasileiro de Educa-ção, Ciência e Cultura (IBECC) como Comissão Nacional da Unesco no Brasil, criado logo após o fim da Segunda Guerra com o objetivo de atuar em projetos de educação, ciência e cultura. O IBECC precedeu os centros de ciências e com eles se relacionou diretamente. Assim, o capítulo analisa o desenvolvimento do IBECC, especialmente em São Paulo, onde cientistas e educadores se engajaram em uma experiência inovadora em termos de divulgação científica e ensino de ciências.

    No capítulo 5, Ronaldo Mancuso aborda “A importância dos centros de ciências no contexto da educação científica no Brasil”.Esse autor teve a própria vida pessoal e profissional entrelaçada com o trabalho no CECIRS por 30 anos, desde a sua criação até o seu fe-chamento. Ele focaliza a formação continuada dos professores em cada estado onde os centros estavam localizados, popularização da ciência, orientação e desenvolvimento de atividades extraclasse, in-clusão social de alunos e professores por meio de atividades realiza-das nas escolas e outras ações desenvolvidas mediante intenso inter-câmbio de experiências entre os diversos centros de ciências no país.

    No capítulo 6, Beatriz Coelho Silva apresenta o primeiro dos centros de ciências em uma “Breve história do CECINE: como a ver-dade científica virou dúvida e experimentação”. Com base em docu-mentos e em entrevistas com protagonistas dessa história, produziu um texto dialógico em que o CECINE aparece como a experiência-piloto dos centros de ciências. Criado um semestre antes dos demais, abrangia oito estados do nordeste: Pernambuco, Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe (a Bahia per-tencia à região leste). E segue a história até a época atual, quando Ascendino Silva assumiu a coordenação da CECINE (já então Coorde-nadoria do Ensino de Ciências do Nordeste) e promoveu sua reforma e a reabertura em 2008.

    No capítulo 7, Inês Freire e André Mattedi Dias contam a histó-ria da “Educação matemática no CECIBA: propostas e atividades para renovação do ensino no âmbito escolar (1965-1969)”. O Centro de Ensino de Ciências da Bahia (CECIBA) funcionou nas dependências da Escola Politécnica da UFBA de 1965 a 1969, quando sua estrutura

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    foi incorporada à Faculdade de Educação da UFBA, constituindo o Programa de Treinamento e Aperfeiçoamento de Professores de Ci-ências Experimentais e Matemática (PROTAP, 1969-1974). Nesse con-texto, os autores analisam historicamente a produção, implantação e desenvolvimento de propostas e atividades pela equipe da Seção Científica de Matemática (SCM) do CECIBA.

    No capítulo 8, “O Centro de Ciências de São Paulo – CECISP”, Gra-ziela Costa, Ana Imhoff e Regina Borges organizam informações sobre o CECISP contidas em pesquisas que não tinham por objetivo estudar esse Centro, que mudou de nome ao longo do tempo, mas manteve a mesma sigla. Nas referências ao CECISP é evidenciada sua integra-ção com o IBECC, desde a origem em 1965, e depois também com a FUNBEC, criada em 1966 por iniciativa do IBECC. As três instituições funcionavam no mesmo prédio da Universidade de São Paulo (USP). O estudo realizado estabelece algumas relações na expectativa de que novas pesquisas possam lançar mais luz sobre a história do CECISP.

    No capítulo 9, “Currículo de ciências: investigando ações e retóricas do CECIGUA nos anos de 1960/70”, Daniela Valla e Márcia Serra Ferreira buscam compreender as retóricas e as ações do Centro de Treinamento para Professores de Ciências do Estado da Guanabara (CECIGUA), nos anos de 1960/70. Utilizando entre as fontes de estudo entrevistas com o professor Ayrton Gonçalves da Silva, fundador e primeiro presidente, focalizam a criação do CECIGUA, suas ações iniciais e algumas visões norteadoras sobre ciência e educação, no contexto do movimento de renovação do ensino de ciências que ocorreu no período.

    No capítulo 10, “Acompanhando a trajetória do CECIERJ”, Deise Miranda Vianna e Oneida Enne focalizam momentos em que estive-ram presentes na instituição como protagonistas dessa história, pois lá estudaram, ensinaram, coordenaram e dirigiram, em diferentes épocas, desde sua criação até os dias atuais. Destacam três aspectos: Formação Continuada de Professores, Divulgação Científica e Praça da Ciência Itinerante. Registram percepções epistemológicas e peda-gógicas que nortearam ações apresentadas em conjunto com inova-ções metodológicas, com o objetivo da melhoria da sala de aula dos professores que as acompanhavam.

    No capítulo 11, “O Centro de Ensino de Ciências e Matemática de Minas Gerais – CECIMIG”, Silvania do Nascimento e Ricardo Miranda

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    apresentam uma avaliação inicial de documentos do CECIMIG sob a guarda do Centro de Pesquisa, Documentação e Memória da Faculda-de de Educação da UFMG (CEPDOC). Os 120 documentos analisados, datados de 1965 a 1987, geram a expectativa de uma nova fase de tra-tamento de informações contidas no acervo, pois a análise documen-tal pode desnudar alguns obstáculos superados pelas equipes envolvi-das na constituição dessa história, tendo o sujeito professor no centro da produção de saberes docentes.

    No capítulo 12, Regina Borges, Ronaldo Mancuso, Valderez Lima e Vicente Hillebrand contam “A história do Centro de Ciências do Rio Grande do Sul (CECIRS)”, desde a criação do Centro de Treinamento para Professores de Ciências do Rio Grande do Sul, em 1965, e comen-tam suas diferentes fases. Em 1999, após uma trajetória de 34 anos com muitas realizações e transformações, começou bruscamente a ser desativado, de modo dissimulado, com negativa oficial da inten-ção de extinguir o Centro. Retomando o texto, o grupo compartilha o impacto daquele corte, que se impôs apesar da mobilização intensa do grupo tentando revertê-lo.

    No capítulo 13, “A produção do discurso de monitores em mu-seus e centros de ciências”, Carla Caffagni e Martha Marandino des-tacam o papel educacional dessas instituições e diferentes formas de nelas atuar, focalizando em especial a presença de monitores no desenvolvimento de atividades educativas, na mediação com o público. Apresentam uma pesquisa envolvendo certos aspectos do discurso do monitor, identificando alguns fatores que influenciam a construção desse discurso na Estação Ciência, em São Paulo.

    No capítulo 14, “Promoção da saúde, popularização da ciência e mediação no Museu da Vida”, Diego Bevilaqua condensa informa-ções sobre esse museu de ciências da Casa de Oswaldo Cruz, sua re-lação com o campo da saúde e com a instituição a que pertence: a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde. Tece considerações sobre as especificidades do trabalho educativo desenvolvido, destacando a mediação humana e o Programa de For-mação de Monitores, com foco no contexto socioambiental, na criti-cidade e na construção da cidadania.

    No capítulo 15, “Um museu voltado para o mar”, Lauro Barcellos e Guy Barcellos apresentam a história do Museu Oceanográfico fundado

  • 19

    em 1953, que teve início a partir da organização de uma coleção de con-chas marinhas pelo professor Eliézer Rios e está vinculado à Universi-dade Federal do Rio Grande (FURG) desde 1975. Atualmente, o Museu Oceanográfico Professor Eliézer de Carvalho Rios e o Instituto de Oce-anografia trabalham em colaboração com suas equipes de cientistas, técnicos, professores, estudantes, funcionários e voluntários, o que tem garantido progresso nas pesquisas e nas atividades socioambientais.

    No capítulo 16, Guy Barcellos e Regina Borges apresentam, em “Museu de ciências construído por alunos de Ensino Fundamental: alfabetização científica e tecnológica na escola”, uma pesquisa que se deu no contexto da construção de um museu escolar, o Museu da Natureza (MN), realizada por alunos do Ensino Fundamental e me-diada pelo autor. Ele vivenciou um processo semelhante enquanto aluno, quando tinha 14 anos e foi diretor do primeiro MN, em Rio Grande/RS. O novo MN foi construído ao longo do ano de 2010, bus-cando entender contribuições da construção participativa do museu à alfabetização científica e tecnológica dos alunos participantes.

    No capítulo 17, Jeter Bertoletti apresenta “Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS: Projetos Especiais – 1967-2007”, em que se mesclam as histórias do museu e da sua própria vida, como criador e diretor durante 40 anos. Ele buscou e acompanhou o crescimento e transformações, detalhadas e ilustradas com fotografias do seu acer-vo pessoal, e refere como grandioso o apoio da PUCRS para a concre-tização do museu por meio de ações dos magníficos reitores Ir. José Otão, Ir. Norberto Francisco Rauch e Ir. Joaquim Clotet, pelos quais a universidade permitiu que o Rio Grande do Sul tivesse o maior mu-seu da América Latina.

    Por fim, na conclusão do livro, incluímos breves considerações sobre “O livro no contexto do Programa Pró-Cultura”, agradecendo a todos os autores.

    Os organizadores

  • PARTE I

    OS CENTROS DE CIÊNCIAS E O CONTEXTO DA SUA CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NO PAÍS

  • CULTURA E EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA EM CENTROS DE CIÊNCIAS NO BRASIL7

    Regina Maria Rabello Borges Ascendino Flávio Dias e Silva

    André Luís Mattedi Dias

    Este capítulo apresenta a pesquisa ligada ao projeto enviado em atenção ao Edital n. 07/2008 CAPES/MINC, Programa Pró-Cultura: “Ciência, história, educação e cultura: dos centros de treinamento de professores de ciências aos atuais centros e museus interativos”. A pesquisa focaliza a reconstrução histórica dos seis centros de ciên-cias criados no Brasil em meados do século passado, visando resga-tar o patrimônio cultural representado por eles na história da edu-cação brasileira, considerando a marcante contribuição da cultura científica e tecnológica ao desenvolvimento de um país, e o modo como essa cultura se manifesta, integradamente a outras áreas do conhecimento, em centros e museus interativos de ciências.

    O objetivo geral da pesquisa foi analisar historicamente a tra-jetória dos seis centros de ciências criados em 1965, no Brasil, como instituições em que ocorreram processos de difusão e apropriação de culturas científicas que engendraram a produção de uma nova cultura científica escolar. Isso se estende às ações desenvolvidas nos seus sucedâneos atuais, incluindo museus interativos, em relação à popularização das ciências e à cultura científica e tecnológica no Brasil, buscando, entretanto, preservar e destacar a identidade da cultura brasileira, sem esquecer suas raízes históricas.

    Os autores tiveram intenso envolvimento em relação a três des-ses centros – seja em forma de ações, coordenações, pesquisas pró-prias ou orientação de pesquisas em nível de pós-graduação stric-to sensu já realizadas ou em realização (BORGES, 1997, 1999, 2005; DIAS, 2001, 2008; FREIRE, 2009). Portanto, a partir de interações que

    7 Adaptação e atualização de artigo que consta nos Anais do VII ENPEC (BORGES; SILVA; DIAS, 2009).

  • iniciaram no ano de 2008, consideram fundamental reconstruir, no seu conjunto, a história desses centros, estabelecendo inter-relações na retrospectiva histórica de sua criação, desenvolvimento, transfor-mação e/ou extinção, nos respectivos contextos socioculturais, em diferentes níveis: regional, nacional e internacional.

    A importância da cultura científica e tecnológica no desenvol-vimento da cidadania e da inclusão social, na sociedade brasileira contemporânea, relaciona-se ao papel exercido por centros de ciên-cias e museus interativos na educação permanente de professores e junto à população em geral. Isso é coerente com a pluralidade de meios de acesso ao conhecimento científico e tecnológico e com a in-tegração de diversas áreas de conhecimento, sobretudo nos espaços dos modernos museus de ciências e nos processos de mediação que eles implicam, de modo adequado ao processo de globalização e ao multiculturalismo, predominantes na atualidade.

    A popularização das ciências é imprescindível como um rele-vante fator cultural na sociedade contemporânea, em todo o mundo, o que é intensificado pelo processo de globalização. Como Zanetic (1989) defende desde a sua tese de doutoramento, a “Física também é cultura” e está sujeita a determinantes socioculturais. O mesmo é válido para todas as ciências. A importância da cultura científica e tecnológica para as transformações pelas quais passaram as socieda-des contemporâneas ocidentais ao longo do século XX, notadamente durante as guerras mundiais e no período posterior conhecido como Guerra Fria, é bem reconhecida pela historiografia (HOBSBAWN, 1995; EDGERTON, 2006).

    Nesse contexto, um dos objetivos específicos da pesquisa foi reconstruir a história dos seis centros de ciências referidos, com base na busca de documentos e em entrevistas com pessoas que de-les tenham participado, e também de contatos com outros pesqui-sadores, com ênfase no papel que os centros desempenharam na popularização das ciências e no desenvolvimento da cultura cientí-fica e tecnológica no Brasil.

    No contexto desse projeto, foram buscadas alternativas à con-tinuidade das pesquisas ligadas ao tema, além de orientações de pesquisas individuais em cursos de mestrado e doutorado. Assim,

    24 CULTURA E EDUCAÇÃO – BORGES, R. M. R.; SILVA, A. F. D.; DIAS, A. L. M.

  • pesquisas diferenciadas integraram-se na pesquisa mais abrangente apresentada neste capítulo.

    Subsídios iniciais sobre o tema

    Inicialmente foi considerada a vasta historiografia que aborda o problema da circulação, apropriação e institucionalização da cul-tura científica de raízes europeias (conhecimentos, técnicas, valores, equipamentos, textos, produtos, dentre outros aspectos) nas diversas sociedades atingidas pelo expansionismo colonialista e imperialista, desde os primórdios do capitalismo, notadamente nos séculos XVIII e XIX (PETITJEAN, JAMI, MOULIN, 1992; VESSURI, 1994). Todavia, é bem mais modesta a historiografia sobre a mesma temática, mas de-limitada à segunda metade do século XX, quando a produção e a cir-culação das ciências assumiram novas formas institucionais.

    A história integrada dos centros de ciências no país permite si-tuar a iniciativa institucional para a sua criação no âmbito das polí-ticas educacionais e culturais, sintonizadas com o processo de urba-nização e de industrialização que marcaram a inclusão do Brasil na reestruturação global do bloco capitalista, no período da Guerra Fria, como também analisar as formas locais de apropriação (CHARTIER, 1990; DE CERTEAU, 1998) das diversas culturas científicas – matemá-tica, física, química, biologia, geociências – que engendraram a pro-dução de uma nova cultura escolar (JULIA, 2001; FARIA FILHO et al., 2004; FRAGO, 2007, 1995), respaldada por programas de formação e atualização de professores, pela produção de materiais didáticos – em outras palavras, pela indústria cultural do livro didático, que assumiu novos e extraordinários padrões (MUNAKATA, 1997).

    Contextualização da criação dos centros em 1965

    Desde a década de 1970, os estudos sociais e históricos sobre as ciências ganharam uma direção nova, sofrendo também, de certa forma, uma “virada cultural” (PESTRE, 1996; PICKERING, 1992) com a realização dos estudos etnográficos sobre os laboratórios científicos, as pesquisas historiográficas sobre a internacionalização da cultura científica associada aos processos de colonização do expansionismo capitalista moderno e, enfim, os estudos feministas e pós-coloniais

    25EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

  • sobre a circulação e apropriação das culturas científicas nos diversos espaços políticos e sociais nacionais e transnacionais (HESS, 1995; HARDING, 1998).

    No Brasil, no período da Guerra Fria, sucessivos governos em-preenderam diversas iniciativas de ampliação e renovação da edu-cação científica, seja no âmbito universitário, como no caso da Co-missão Supervisora do Plano de Institutos (COSUPI), que financiou a criação de institutos científicos em muitas universidades brasileiras no final da década de 1950 (DIAS, 2001, 2008) , seja no âmbito do ensino primário e secundário, como no caso da criação, em 1965, de seis centros de ensino de ciências no país.

    Algumas publicações permitem nos reportarmos àquela época. Uma delas é o Boletim do CECIRS, que, em 1967, e um breve histórico do Centro de Treinamento para Professores de Ciências do Rio Gran-de do Sul (CECIRS) e de outros cinco centros equivalentes, cada um abrangendo uma determinada região do país, visando “melhorar o nível do ensino das ciências experimentais, através de treinamento de professores de ciências e do atendimento permanente às escolas e professores de nível médio” (HENNIG, 1967a, p. 2). Para atender a esse objetivo, houve uma ênfase na tradução de projetos importados (sobretudo dos Estados Unidos e da Inglaterra), “em convênio com os centros de treinamento de Recife, Bahia, Guanabara, Minas Gerais e São Paulo” (HENNIG, 1967a, p. 4). O que unia os centros, inicial-mente, era esse compromisso de traduzir os projetos curriculares e preparar professores para implementá-los (BORGES, 2005). O desejo de atualizar e dinamizar a educação científica escolar correspondia a “uma visão do conteúdo científico, como um todo dinâmico e em constante progresso” (MONTE, 1968, p. 2).

    Os projetos de currículo correspondiam a uma expectativa de renovação que foi sendo colocada em prática, em um envolvimen-to gradual e constante, conforme relatam Monte e Santos (1969, p. 5): A partir de um “trabalho de estágio”, em que “adaptam-se novos projetos curriculares, elaboram-se cursos, testam-se técnicas de en-sino”, um grupo de jovens professores (futuros técnicos do Centro) é capacitado a “divulgar, através dos cursos, o que há de novo em matéria de ensino.” Assim, na área da biologia, em 1969, já havia o “Projeto Biological Science Curriculum Study (BSCS), em suas versões

    26 CULTURA E EDUCAÇÃO – BORGES, R. M. R.; SILVA, A. F. D.; DIAS, A. L. M.

  • azul e verde; na de ciências, o Projeto Introductory Physical Science (IPS), o Nuffield e o de geociências; na física, o PSSC; e na química, o CHEM Study.” Nesse período, havia também “uma série de trabalhos de conteúdo prático e metodológico”, já elaborados, testados e em fase final para publicação.

    Os centros não se restringiam à capacitação de professores, en-tão chamada de treinamento (MENEZES, 2009). Houve neles intensa atividade de produção de material didático e, ainda, algo que poderia ser considerado como pesquisa em ensino (elaboração de projetos, produção de materiais didáticos, livros didáticos em forma de apos-tilas que eram experimentadas, testadas, ajustadas e publicadas).

    Mais adiante, foram criados alguns projetos curriculares nacio-nais, com enfoque multidisciplinar (CECISP, 1977; CECIRS, s/d, 1977). Porém, tais projetos não tiveram repercussão significativa, pois as aulas permaneceram predominantemente expositivas na maioria das escolas (KRASILCHIK, 2004).

    Comparação entre as histórias dos primórdios dos centros de ciências

    Os centros de ciências focalizados na pesquisa são mais conhe-cidos pelas siglas que os designavam: CECINE, CECIRS, CECIBA, CE-CISP, CECIMIG e CECIGUA/CECIERJ. Tais siglas correspondem aos no-mes desses órgãos, alguns dos quais se mantiveram e outros foram alterados, sendo as siglas modificadas ou não. Mudanças nos nomes desses órgãos, em geral, aconteceram devido a trocas dos órgãos pú-blicos responsáveis por eles. Conforme publicações do CECIRS, nos anos 1960, e o testemunho de pessoas que nele trabalharam naquela época, as denominações iniciais dos centros foram, respectivamen-te, Centro de Treinamento de Professores de Ciências: do Nordeste, do Rio Grande do Sul, da Bahia, de São Paulo, de Minas Gerais e da Guanabara – esse último (CECIGUA) tornando se o Centro de Ciên-cias do Rio de Janeiro (CECIERJ), em 1975, com extinção do estado da Guanabara.

    Entretanto, havia divergências entre dados de pesquisas na identificação e análise de subsídios e documentos sobre dois dos centros de ciências, localizados em Recife e na Bahia. Conforme

    27EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

  • documentação encontrada no Centro de Memória da Faculdade de Educação da UFBA, diferentemente do que consta na produção tex-tual do antigo CECIRS, o CECINE foi denominado Centro de Ensino de Ciências do Nordeste desde o início, assim como o CECIBA não foi chamado de Centro de Treinamento de Professores de Ciências da Bahia, e sim de Centro de Ensino de Ciências da Bahia.

    Com o tempo, os seis centros foram se transformando ou sendo extintos. Os de São Paulo, do Rio Grande do Sul e da Bahia não mais existem. Atualmente há apenas três, localizados em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Ao menos três desses centros fo-ram objeto de pesquisas em nível de pós-graduação: CECIRS (BOR-GES, 1997; MANCUSO, 1993; VIÊRA, 2010), CECIBA (FREIRE, 2009) e CECIGUA (VALLA, 2011).

    CECIRS – Centro de Ciências do Rio Grande do Sul

    Tem sido feita uma releitura de diferentes fases da história do Centro de Ciências do Rio Grande do Sul, com as concepções e ações correspondentes, situadas historicamente nos diversos contextos so-cioculturais, ao longo de 30 anos (BORGES, 1997). Essa pesquisa foi retomada dois anos depois (BORGES, 1999), quando o CECIRS estava ameaçado de extinção, o que aconteceu de fato, embora não oficial-mente, apesar de todos os esforços empreendidos para reverter o processo (MANCUSO; BORGES, 1999). Por outro lado, diferentes en-foques foram considerados nas dissertações de Mancuso (1993), fo-calizando o Programa Estadual de Feiras de Ciências no Rio Grande do Sul; Viêra (2010), relacionando a história do CECIRS com a vida de um professor que nele trabalhou; e em outra ainda em desenvol-vimento, já qualificada (BALESTRIN, 2012), abordando a educação matemática no CECIRS.

    Uma síntese sobre a história do CECIRS pode ilustrar alguns processos de mudança (BORGES, 1997). Em outubro de 1979, o CE-CIRS passou a denominar-se PROCIRS (Programa de Treinamento para Professores de Ciências do Rio Grande do Sul), a partir de um convênio assinado pela Fundação para o Desenvolvimento de Recur-sos Humanos (FDRH) com o MEC. Houve então mudanças significa-tivas quanto às concepções e ao trabalho realizado, talvez devido ao envolvimento em projetos financiados pelo Ministério da Educação

    28 CULTURA E EDUCAÇÃO – BORGES, R. M. R.; SILVA, A. F. D.; DIAS, A. L. M.

  • e Cultura (MEC), através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), dentro do Subprograma Educação para a Ciência (SPEC). Entre esses projetos, o mais marcante para o PROCIRS foi o ACOMECIM (Ação Conjunta para a Melhoria do Ensino em Ciências e Matemática), com sua rede interinstitucional. Uma das principais características dessa rede foi a “descentralização das de-cisões sobre os modelos pedagógicos”, a partir do “envolvimento dos professores dos diversos níveis de ensino com o processo decisório”, superando a ideia de “treinamento” (FASOLO, 1989, p. 15). A partir dos anos 1980, os professores passaram a ser cada vez mais envolvi-dos, pelo PROCIRS, como participantes do processo. Isso se acentuou no novo CECIRS, que surgiu em 1988, quando foi criado, na Diretoria Pedagógica da Secretaria da Educação, o Centro de Ciências do Rio Grande do Sul, mantendo a sigla conhecida no período entre 1965 e 1979 e procurando, mais do que antes, desenvolver com os professo-res os currículos de Ciências (MORAES, 1980). Entretanto, o CECIRS, que conciliava conflitos e discussões com estabilidade e continuida-de, transformando-se ao longo do tempo, foi desativado em 1999.

    CECIBA – Centro de Ensino de Ciências da Bahia

    Uma dissertação sobre o CECIBA foi realizada no Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da UFBA/UEFS: A modernização do ensino da Matemática: relevância do Centro de Ensino de Ciências da Bahia (1965-1970) (FREIRE, 2009). O CECIBA (1965-1970) foi transformado no PROTAP (Programa de Treinamento e Aperfeiçoamento de Professores), permanecendo até meados dos anos 1980. Pesquisas sobre o CECIBA enfatizam atividades científicas (de pesquisa e produção de material de ensino) e profissionais (de treinamento de professores), ou seja, a produção cultural lá institu-cionalizada, por conta dos interesses na discussão do problema da modernização, considerando a apropriação da matemática moderna e a produção de uma nova matemática escolar.

    No caso da matemática, o CECIBA constituiu-se no clímax de um processo de profissionalização iniciado muito antes, com o curso de Matemática da Faculdade de Filosofia da Bahia (1942), já que a equi-pe da sua seção de Matemática era dirigida por Martha Dantas, pro-fessora de Didática da Matemática e fundadora do Instituto de Mate-

    29EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

  • mática e Física (1960), Omar Catunda, diretor desse Instituto desde 1963, e envolvia uma equipe de professoras dessa Faculdade, todas participantes de um processo de renovação profissional iniciado em 1955, quando Martha Dantas organizou o I Congresso Nacional de Ensino da Matemática no Curso Secundário.

    Mais recentemente, um grupo de pesquisadores brasileiros e portugueses (VALENTE, MATOS, 2007; FISCHER et al., 2008; Revista diálogo educacional, 2006, 2008), seguindo o exemplo de Belhoste, Gispert e Hulin (1996), vem realizando uma investigação histórica sobre a apropriação da Matemática Moderna nas escolas do Brasil e de Portugal, no âmbito do movimento internacional sustentado por autoridades políticas e especialistas científicos, que pregavam a necessidade de atualização dos programas de ensino secundário da matemática, para atender às demandas da educação científica no contexto do desenvolvimento econômico amparado pela produção científica e tecnológica no período da Guerra Fria.

    No contexto do projeto vinculado ao Programa Pró-Cultura, está sendo desenvolvida na Universidade Estadual de Feira de Santana a dissertação A modernização do ensino de matemática e os centros de treinamento de professores de ciências no Brasil: o trabalho do Scho-ol Mathematics Study Group (SMSG) na Bahia (PINHEIRO, 2011), por Mariana Moraes Lobo Pinheiro, mestranda no Programa de Pós-Gra-duação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da UEFS/UFBA.

    CECIGUA/CECIERJ/Fundação CECIERJ-CEDERJ

    Quanto ao CECIGUA, o artigo “De CECIGUA a CECIERJ, lembran-ças de uma fundação” (MENEZES, 2009) apresenta uma entrevista do Portal da Educação Pública com a professora Marly Cruz Veiga da Silva, que conta a sua história ligada à Fundação CECIERJ.

    Na entrevista, a professora Marly relata que, em 1965 e 1966, foram realizados dois estágios para 120 professores, sendo então se-lecionados os que comporiam a equipe responsável pelos cursos no CECIGUA, “[...] então chamados de treinamentos”. Ela considera que a alegria por ter sido bem-sucedida mostrou-lhe o caminho de ser professora de ciências, evidenciando entusiasmo nesse sentido.

    30 CULTURA E EDUCAÇÃO – BORGES, R. M. R.; SILVA, A. F. D.; DIAS, A. L. M.

  • A entrevista traz outras informações, entre as quais destaca-se a seguinte:

    De 1965 a 1974, a direção do CECIGUA esteve a cargo da equipe fundadora – professores Nelson Santos, Fritz de Lauro e Ayrton Gonçalves da Silva. Em 1975, com a extinção do estado da Guana-bara, o campo de atuação foi ampliado para o atendimento aos 62 municípios. Nessa ocasião, para a direção do CECIERJ foi escolhi-do um professor da equipe que tivesse experiência administrativa junto à Secretaria de Educação. Fui escolhida e permaneci no cargo até 1983.

    Dois capítulos deste livro aprofundam conhecimentos sobre esse Centro e suas transformações: “Currículo de Ciências: investi-gando ações e retóricas do CECIGUA nos anos de 1960/70”, de Daniela Fabrini Valla e Márcia Serra Ferreira, e “Acompanhando a trajetória do CECIERJ”, de Deise Miranda Vianna e Oneida Enne.

    A atual Fundação CECIERJ/CEDERJ registra seu início em 1965, sendo na origem o Centro de Ciências da Guanabara (CECIGUA). Essa fundação integra várias IES e tem cursos para formação de profes-sores a distância. Promove a mostra Ver Ciência, a Praça da Ciência Itinerante, Espaços da Ciência e Jovens Talentos para Ciência, envol-vendo, portanto, intensas atividades culturais.

    CECINE – Centro de Ensino de Ciências do Nordeste

    O CECINE, localizado em Recife, foi o primeiro dos seis centros criados em 1965. Tal como os demais, foi criado com “o objetivo de promover a melhoria da qualificação de professores do Ensino Bási-co, sobretudo da rede pública” (CECINE, 2009) e, atualmente, cons-titui a CECINE (Coordenadoria do Ensino de Ciências do Nordeste), órgão suplementar da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ligado à Pró-Reitoria de Extensão.

    Apesar de haver registros sobre o CECINE em algumas fontes, sobretudo na tese de Abrantes (2008) e em pesquisas que focaliza-ram alguns dos outros centros de ciências, não tinha havido ainda uma pesquisa específica sobre sua história antes do projeto vincula-

    31EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

  • do ao Programa Pró-Cultura focalizado neste livro. No projeto inte-rinstitucional, o professor Ascendino Silva, um dos coordenadores, convidou a jornalista científica Beatriz Coelho Silva a fazer parte do grupo de pesquisa, com o desafio de investigar a história do CECINE. Ela o fez mediante acesso a documentos e realização de entrevistas, que trazem dados reveladores e mesmo surpreendentes, como pode ser constatado no capítulo de sua autoria: “Breve história do CECI-NE. Como a verdade científica virou dúvida e experimentação”. Por exemplo, ela fez uma ressalva sobre a dinâmica do CECINE. Segundo depoimentos dos entrevistados, o órgão teve um caráter experimen-tal de projeto-piloto, como se fosse o caso de se observar os resulta-dos para aplicar nos centros de ciências criados em seguida. Trata-se, então, de uma leitura instigante, revelando uma pesquisa em proces-so, com um envolvimento intenso relatado na primeira pessoa e a intenção explícita de seguir buscando aprofundamento em algumas questões. Os esclarecimentos que traz proporcionam subsídios para compreender melhor a história desse centro e dos demais.

    CECIMIG – Centro de Ensino de Ciências e Matemática de Minas Gerais

    O CECIMIG ainda existe e é igualmente bem diferente do cen-tro inicial, conforme consta em sua página na Internet8: “Criado em 27 de julho de 1965, vem se modernizando e aprimorando, sempre antenado com o mundo.” Na atualidade, constitui o Centro de Ensi-no de Ciências e Matemática, vinculado à Faculdade de Educação da UFMG. Um dos seus destaques é o evento cultural Café Pedagógico, divulgado também no site:

    [...] uma iniciativa do Centro de Ensino de Ciências e Matemática (CECIMIG) e do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE), ambos da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG. O evento é perió-dico e aberto ao público. Seu objetivo é criar espaços para o diálogo entre profissionais de diversos campos e para a participação de diversos setores da comunidade.

    8 Disponível em: www.cecimig.fae.ufmg.br/ Acesso em: 18 jun. 2009.

    32 CULTURA E EDUCAÇÃO – BORGES, R. M. R.; SILVA, A. F. D.; DIAS, A. L. M.

    http://www.cecimig.fae.ufmg.br/

  • No site não há informações disponíveis sobre a história desse Centro. Dessa forma, o capítulo de autoria da professora doutora Sil-vania Sousa do Nascimento – “A experiência do Centro de Ensino de Ciências e Matemática (CECIMIG)” – corresponde a uma primeira ava-liação da documentação sob a guarda do Centro de Pesquisa, Docu-mentação e Memória da Faculdade de Educação da UFMG (CEPDOC), incluindo o acervo arquivístico do CECIMIG. Esse acervo, composto de 295 caixas-arquivos, foi alvo de um inventário para identificar e descrever os dossiês ou documentos isoladamente. Nesse trabalho inicial, houve o estudo de 120 documentos datados de 1965 a 1987, trazendo subsídios importantes ao resgate histórico e desafiando a novas pesquisas.

    CECISP – Centro de Treinamento de Professores de Ciências de São Paulo

    Quanto ao CECISP, foi extinto e não deixou traços na Internet, ao contrário dos demais, em que há possibilidade de obtenção de da-dos dessa forma. Inicialmente, teve grande destaque e participação junto aos demais centros, como indicam publicações do antigo CE-CIRS nos anos 1960, anteriormente referidas. Duas teses (ABRANTES, 2008; GOUVEIA, 1992), embora focadas em outros objetivos, trazem importantes informações sobre o CECISP, como é apresentado em um dos capítulos deste livro.

    Assim, a pesquisa documental e a análise de entrevistas com pessoas que vivenciaram ou pesquisaram a criação dos centros e suas transformações são essenciais para resgatar uma parte da his-tória da cultura científica no país.

    Convém reconhecer e contextualizar as concepções assumidas pelos seis centros em diversos períodos históricos da cultura brasi-leira, buscando maior compreensão do momento presente. Isso tem exigido um trabalho interinstitucional abrangente e integrado, que ultrapassa as possibilidades de ser esgotado no contexto deste proje-to. Entretanto, as diversas pesquisas registradas em capítulos deste livro permitem a ampliação de conhecimentos e constituem um con-

    33EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

  • vite a novas pesquisas, na expectativa de que sejam obtidas progres-sivamente mais informações e clareza.

    A metodologia da pesquisa interinstitucional inerente ao proje-to é apresentada a seguir.

    Metodologia

    A pesquisa, em sua fase inicial, foi desenvolvida a partir de consultas na Internet e retomada de pesquisas anteriores sobre o tema, envolvendo ainda outros materiais para serem submetidos à análise documental, incluindo e comparando produções diversas e buscando informações em centros e museus de ciências, bibliotecas e secretarias de educação. Entre os materiais em análise, há docu-mentos consultados na tese sobre o CECIRS e também uma vasta do-cumentação sobre o CECIBA e o PROTAP (Programa de Treinamento e Aperfeiçoamento de Professores – sucedâneo do CECIBA na década de 1970), no Centro de Memória da Faculdade de Educação da UFBA (DIAS, 2001, 2008; FREIRE, 2009), além de outras fontes nos locais que sediaram os demais centros.

    A metodologia de análise teve abordagem predominantemente qualitativa, sendo articulados elementos históricos, epistemológicos, culturais e educacionais em uma perspectiva comparada, histórico-narrativa. Segundo Clandinin e Connelly (1991, p. 272), essa metodo-logia permite interpretar e inter-relacionar as informações obtidas em diferentes momentos da análise, para que o pesquisador possa reconstruir “[...] uma história a partir de uma experiência primária”, na qual “interpreta o significado dos acontecimentos, revelando a avaliação que está implícita” (GALVÃO, 1996, p. 75).

    Antes de submeter o material à análise, serão atendidas reco-mendações do Comitê de Ética em Pesquisa de uma das instituições envolvidas, por meio do encaminhamento de um Termo de Consenti-mento Livre e Esclarecido (TCLE) específico a este projeto, a ser assi-nado pelos participantes, sujeitos da pesquisa.

    Considerações finais

    Na sociedade contemporânea, a inserção na realidade atual é fa-vorecida em espaços como centros de ciências e museus interativos,

    34 CULTURA E EDUCAÇÃO – BORGES, R. M. R.; SILVA, A. F. D.; DIAS, A. L. M.

  • devido à problematização do saber e a atividades desafiadoras, pos-sibilitando a compreensão de que a realidade pode ser transformada. Com o dinamismo dos museus interativos atuais, é possível veicular conhecimentos de modo integrado e participativo. De modo seme-lhante, isso ocorre em centros de ciências que se abrem à comunidade e oferecem perspectivas diversificadas e criativas de acesso a conheci-mentos científicos e tecnológicos.

    Assim, este artigo corresponde a uma busca de reconstrução da trajetória dos seis centros de ciências criados em meados dos anos 1960 até os modernos centros de ciências e museus intera-tivos no Brasil. Há investigações sobre dois desses centros, con-forme foi referido (BORGES, 1997, 1999, 2005; DIAS, 2001, 2008; FREIRE, 2009). Alguns dados não convergiam, mas a pesquisa aqui apresentada possibilitou integrá-los, reunindo a história de cada um dos demais. Com isso, dialogicamente, podem ser com-parados novos e antigos conhecimentos e práticas. Isso implica reconhecer a influência das correntes epistemológicas, educacio-nais e socioculturais predominantes em cada período histórico, de modo contextualizado, contemplando as diferenças regionais do país e influências internacionais, ao reconstruir um percurso que se expressa de diversos modos em processos de mudança, como, por exemplo, passar da capacitação de professores para aplicar projetos curriculares a uma ação docente conjunta para buscar a melhoria da educação em ciências e matemática, e da visão de neutralidade das ciências à de caminhos múltiplos para acesso ao conhecimento científico, sem descartar a influência de conheci-mentos prévios, crenças, receios, sonhos e expectativas, presentes na base de qualquer inovação.

    Enfim, a expectativa dos autores é compartilhar a pesquisa como um todo, disponibilizando, neste livro, diversos estudos reali-zados por pesquisadores da área no país, pois iniciativas conjuntas assumidas pelos envolvidos poderão contribuir para resgatar laços em comum entre a história da educação em ciências em diversas re-giões do Brasil, de modo interligado aos respectivos contextos cultu-rais, o que possibilitará novos e enriquecedores intercâmbios e futu-ras parcerias em outros projetos.

    35EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

  • Referências

    ABRANTES, Antonio Carlos Souza de. Ciência, educação e sociedade: o caso do IBECC- FUNBEC. Tese (Doutorado em História das Ciências). Fundação Oswaldo Cruz, 2008.

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  • CONCEPÇÕES SOBRE A NATUREZA DAS CIÊNCIAS NOS CENTROS DE CIÊNCIAS E EM PROJETOS

    CURRICULARES IMPORTADOS9

    Regina Maria Rabello Borges

    Ao analisar concepções sobre ciências e educação na trajetória do CECIRS (Centro de Ciências do Rio Grande do Sul), na minha tese de doutoramento (BORGES, 1997), reconstruí também o processo his-tórico de criação dos primeiros centros de treinamento para profes-sores de ciências no Brasil, distribuídos em seis regiões e centradas em um estado: CECIRS (Rio Grande do Sul); CECINE (Pernambuco); CECIBA (Bahia), CECIGUA (Guanabara), CECIMIG (Minas Gerais); CE-CISP (São Paulo). Uma das finalidades pelas quais eles foram criados era traduzir e introduzir no Brasil projetos curriculares de ciências criados nos Estados Unidos e na Inglaterra, via treinamento de pro-fessores. Os principais foram: BSCS – Biological Science Curriculum Study (versões azul e verde); IPS – Introductory Physical Science; PSSC – Physical Science Study Committee; CHEM Study – Chemical Education Material Study.

    No entanto, o objetivo da tese em que esse estudo estava inseri-do era reconstruir a História do CECIRS. Como fazê-lo? Como saber quais as concepções que se mantiveram e quais se modificaram ao longo do tempo? Para isso, recorri a textos e conversei com pessoas envolvidas, em uma pesquisa cooperativa. Trata-se, então, de uma história interpretada (como qualquer história) e reinterpretada sob diversas perspectivas. Ao reconstruí-la, procurei relacioná-la a ou-tros acontecimentos históricos (AZEVEDO, 1963) e a ideias então do-minantes, partindo dos primórdios dos centros de ciências no Brasil.

    9 BORGES, R. M. R. Primórdios dos centros de ciências no Brasil: concepções de ciências em projetos curriculares. 10° Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. Anais do 10° SNHCT, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2005.

  • Inicio com a apresentação do CECIRS (Centro de Treinamento de Professores de Ciências do Rio Grande do Sul), do modo como o encontrei em textos escritos naquela época, pois os mesmos se refe-rem a características compartilhadas pelos seis centros.

    O CECIRS foi criado, oficialmente, em 1965, no início do perí-odo da ditadura militar. Logo começou a desenvolver publicações próprias, destinadas aos professores de ciências, química, física, bio-logia e matemática, conforme explica Monte (1967, p. 1) na apresen-tação do primeiro Boletim:

    Pretende este Boletim, caro Professor, mantê-lo atualizado acerca de conteúdos significativos das diversas disciplinas experimentais, suas técnicas de ensino, como também informá-lo periodicamente das nossas atividades, das oportunidades que se oferecem para o aprimoramento didático, de tudo o que se faz e se pretende fazer para um ensino melhor.

    Essas publicações permitem que nos reportemos àquela época. O mesmo Boletim conta um breve histórico do Centro de Treinamento para Professores de Ciências do Rio Grande do Sul (CECIRS) e de ou-tros cinco centros, cada um abrangendo uma determinada região do país, visando “melhorar o nível do ensino das ciências experimentais, através de treinamento de professores de ciências e do atendimento permanente às escolas e professores de nível médio” (HENNIG, 1967, p. 2). Para isso, houve uma ênfase em projetos instrucionais importa-dos, “[...] em convênio com os centros de treinamento de Recife, Bahia, Guanabara, Minas Gerais e São Paulo” (HENNIG, 1967, p. 4).

    Este capítulo focaliza justamente a ênfase que houve em pro-jetos curriculares importados. Os seis centros foram criados no ano de 1965, com o compromisso de traduzir tais projetos. O CECIRS ini-ciou pelo “Projeto BSCS – Bloco de Laboratório – em convênio com o IBEEC”, envolvendo-se também com os outros centros na “Tradução e adaptação do Projeto BSCS – versão verde” (HENNIG, 1967a, p. 4), como é detalhado por Azevedo (1967, p. 23):

    O trabalho de adaptação da VERSÃO VERDE I continua sendo re-alizado pelos centros de treinamento. No plano geral de estágios para 1968 já está incluído um estágio de BSCS VERSÃO VERDE para continuação dos trabalhos, iniciados em 1967. Em reunião de assessores de Biologia prevista para breve, será discutida a

    42 CONCEPÇÕES SOBRE A NATUREZA – BORGES, R. M. R.

  • continuidade dos trabalhos e a realização do 10 Curso Nacional de BSCS VERSÃO VERDE, que talvez seja realizado em julho deste ano ou janeiro do próximo, em Barbacena, Minas Gerais, na Esco-la de Cadetes da Aeronáutica.

    O CECIRS compartilhava a orientação pedagógica presente em projetos instrucionais norte-americanos, resumida pelo IPS (1972, p. 1): “[...] fazer o estudante realizar experiências e guiá-lo no raciocí-nio da sua experimentação”. Tratava-se, na época, de acordo com os depoimentos das pessoas envolvidas, de uma reação ao ensino de ci-ências tradicional, com aulas expositivas e destaque ao produto final das atividades científicas. Ou, ainda, a aulas em que se fazia demons-tração de experimentos para reforçar as teorias expostas. Os projetos de currículo correspondiam a uma expectativa de renovação, que foi sendo colocada em prática, em um envolvimento gradual e constante, conforme relatam Monte e Santos (1969, p. 5): a partir de um “trabalho de estágio”, em que “adaptam-se novos projetos curriculares, elabo-ram-se cursos, testam-se técnicas de ensino”, professores eram capa-citados a “divulgar, através dos cursos, o que há de novo em matéria de ensino.” Na área da Biologia, já havia o “Projeto Biological Science Curriculum Study (BSCS), em suas versões azul e verde; na de ciências, o Projeto Introductory Physical Science (IPS), o Nuffield e o de geociên-cias; na física, o PSSC; e na química, o CHEM Study.”

    Como eram esses projetos curriculares? Quem os desenvolveu? Quem os financiou? Em que concepções sobre a natureza do conhe-cimento científico estavam fundamentados? É importante procurar conhecê-los melhor, pois eles relacionam-se ao início da história e da filosofia dos centros de ciência no Brasil.

    Biological Sciences Curriculum Study (BSCS): Versão Azul e Versão Verde

    Em 1959, o American Institute of Biological Sciences (AIBS), associação representada então por 85 mil biólogos, instituiu o BSCS “como um meio de contribuir para a reestruturação do ensino de Biologia nas escolas”, conforme consta no prefácio da “Versão Azul”. Para isso, criou uma Comissão Diretora, mantida financeiramente

    43EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

  • pela National Science Foundation. O material produzido foi organi-zado em diversas Conferências de Redação e consta de três versões, cada uma das quais com livro-texto, guia de laboratório, guia do pro-fessor e filmes. Foi preparado para estudantes dos cursos secundá-rios americanos, “independentemente de suas aptidões ou das car-reiras que pretendem seguir” (BSCS, 1959, p. 7).

    O IBEEC de São Paulo integrou-se ao BSCS em 1961, enviando dois professores que participaram da segunda Conferência de Reda-ção dos textos. Após a promulgação da LDB, que permitiu maior li-berdade no currículo, a versão Azul do BSCS foi integralmente adap-tada ao Brasil. Em seguida, a versão verde também foi adaptada pelos centros de treinamento de professores de ciências.

    Referindo-se à “ciência como investigação”, o BSCS (1967, p. 24-5) define ciência como “um conjunto de informações obtidas a partir de fatos [...] enfim, uma atividade que relaciona fatos e hipóteses”. Considera que “experiências controladas são essenciais para a veri-ficação de hipóteses e para a descoberta de novos fatos”, pois o con-trole experimental é uma “tentativa de conservar todas as condições constantes, exceto aquela cuja influência se quer verificar”.

    Os centros trabalharam na difusão desse projeto através de di-versos cursos.

    Physical Science Study Committee (PSSC)

    O PSSC iniciou na década de 1950 e foi trazido ao Brasil pelo IBEEC/Unesco, seção de São Paulo, que também a partir de 1950 aler-tou sobre a necessidade de cientistas se envolverem na reestrutura-ção do ensino de ciências. Isaías Raw, introduzindo o texto traduzido, justifica a escolha do curso do PSSC: “Fizemo-lo porque nos conven-cemos de sua excelência, acompanhando cuidadosamente sua evolu-ção nos Estados Unidos, desde seu início, e realizando alguns testes no Brasil”. Promoveu, então, o primeiro curso de PSSC em 1962 no Brasil. O programa expandiu-se no país e, a partir de São Paulo, em toda a América Latina, financiado pela Fundação Ford e pela Funda-ção Rockefeller, com colaboração da National Science Foundation.

    No prefácio, James R. Killian Jr., da Educational Services In-corporated (ESI), informa que o curso foi testado em centenas de escolas e milhares de estudantes, tendo boa aceitação de alunos e

    44 CONCEPÇÕES SOBRE A NATUREZA – BORGES, R. M. R.

  • professores. Resume o programa, que é apresentado em quatro volu-mes (Parte I, II, III e IV), esclarecendo que “a física deve ser estudada como um todo. Tempo, espaço e matéria, em particular, não podem ser separados. [...] a física é um assunto em desenvolvimento [...] resulta do trabalho de imaginação de homens e mulheres”. A física trabalha com modelos. A discussão desses modelos “ilustra repetida-mente o modo pelo qual se desenvolve, virtualmente, todo o conhe-cimento científico” (PSSC, 1969, p. 8). Na época da pesquisa (1996), fiquei surpresa ao me deparar com essa concepção não empirista sobre a natureza do conhecimento científico no PSSC. Mas, apesar de apresentar uma concepção não empirista sobre a natureza do co-nhecimento científico em sua introdução, a proposta em si, no PSSC, assemelha-se à dos demais projetos analisados.

    Introductory Physical Science (IPS)

    O IPS é um curso de introdução à física. Originou-se no progra-ma de Física do Projeto PSSC, que era destinado a alunos de Ensino Médio, pois relatórios de diversos projetos curriculares recomen-daram proporcionar aos alunos “um conhecimento da Física expe-rimental e alguma habilidade científica básica” antes de iniciarem cursos científicos. Inicialmente, foi financiado pelo ESI (Educational Services Incorporated). Depois, sua manutenção ficou a cargo da Na-tional Science Foundation.

    No prefácio da edição brasileira (IPS, 1972), Antonio S. Teixeira Júnior e Manoel Jorge Filho contam que, em 1966, receberam bolsas para acompanhar o curso do IPS nos Estados Unidos, com viagem paga pela OEA. Após seguir o curso, por oito semanas, acertaram na sede do ESI a tradução do projeto no Brasil e a realização de um cur-so em São Paulo, em 1967. Eles agradeceram “a conjugação de esfor-ços do IBEEC e do CECISP” nas traduções e na seleção e confecção de material para laboratório. Agradeceram também aos representantes da OEA, do ESI e da National Science Foundation.

    Segundo o prefácio da edição americana, o IPS (1972, p. 1) visa não só conhecimentos básicos de física, mas também “apresentar al-gumas ideias sobre os meios pelos quais o conhecimento científico é adquirido”, através do método experimental.

    45EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

  • Plínio Fasolo complementa essas informações em uma entrevis-ta (novembro/1996), pois ele e Ronaldo Mancuso trabalharam com o IPS: “O IPS foi introduzido no CECIRS só em 1971-72. Ao contrário dos outros projetos, voltados para o segundo grau e as licenciaturas, não informava conteúdos. Era dirigido ao final do primeiro grau. Re-construía investigações conduzidas ou redescobertas – técnica muito utilizada na época”.

    Chemical Education Material Study (CHEM Study): Química – uma ciência experimental

    O Projeto CHEM Study (1967, p. IX) foi “preparado em três anos por um grupo de professores de escolas secundárias e de universi-dades, com o apoio financeiro da National Science Foundation” (Es-tados Unidos). Foi testado em milhares de estudantes, em 46 estados norte-americanos.

    O CHEM Study (1967), ou CHEMS, também destaca o método ex-perimental: “Observações e medidas levam ao desenvolvimento de princípios unificadores e, a seguir, esses princípios são usados para inter-relacionar diversos fenômenos” (p. IX-X). No capítulo 1 (p. 2) apresenta, como atividades científicas básicas:

    • acumular informações através da observação;

    • organizar essa informação e nela procurar uma regularidade;

    • perguntar por que existe essa regularidade;

    • comunicar as descobertas aos outros.

    E complementa:

    Então, a atividade científica começa com a observação. A observa-ção é mais útil quando as condições que a afetam são controladas sistematicamente. Uma condição é controlada quando ela é fixa, conhecida e pode ser variada deliberadamente se o desejarmos. [...] Quando a observação é realizada sob controle cuidadoso, ela é dignificada por um nome especial – uma sequência controlada de observações é chamada uma EXPERIÊNCIA. TODA A CIÊNCIA É CONSTRUÍDA SOBRE RESULTADOS EXPERIMENTAIS. (CHEM Stu-dy, 1967, p. 2)

    46 CONCEPÇÕES SOBRE A NATUREZA – BORGES, R. M. R.

  • Acrescenta, em seguida, que observações e busca de regularidades permitem sistematizar as informações através do raciocínio indutivo.

    A introdução ao projeto, assim como outros trabalhos propostos pelo CECIRS no período, destaca o empirismo e a indução. Entretanto, Roque Moraes, que trabalhou com o CHEM Study no CECIRS, consi-derava que, embora os textos introdutórios destacassem o método científico empirista-indutivista, as atividades envolviam, geralmente, investigações realizadas a partir de problemas e não de observações. Ele argumentava que na introdução aparecia o discurso predomi-nante na época, tanto no Brasil como em outros países.

    As citações sobre metodologia que constam nos projetos de currículo permitem perceber semelhanças e diferenças entre esse discurso e o que predomina hoje. Por outro lado, o que caracteriza uma atividade experimental realizada em aula como empirista ou construtivista é, sobretudo, a condução do trabalho, conforme a con-cepção do professor que a orienta. Uma investigação que problema-tiza o conteúdo e desafia os alunos pode não ser empirista (BORGES, 1991, 2000, 2007).

    É importante ressaltar também que a partir dos projetos im-portados foram criados alguns projetos curriculares nacionais, com enfoque multidisciplinar.

    Ciência Integrada: um projeto nacional

    Ciência Integrada (Projeto MEC – Premen – CECISP), com finan-ciamento do Plano Setorial de Educação 1972-1974 e coordenação de Myriam Krasilchik, destinava-se a alunos do Primeiro Grau. Não separava conteúdos específicos de biologia, física, química, geoci-ências, eles eram integrados nos seguintes capítulos: “A ciência”, “A energia”, “Os materiais”, “O homem”, “As populações” e “O futuro”. No CECIRS, esse projeto foi trabalhado por Júlio César Boeira.

    O conhecimento científico, de acordo com o projeto de Ciência Integrada, parte de problemas, tanto nas ciências sociais como nas ci-ências naturais: “Apesar de serem diferentes, ambas são classificadas como pesquisas científicas”, apresentando “formulação do problema – elaboração de hipóteses – coleta de dados – análise de dados – verifi-cação de hipóteses – solução do problema” (CECISP, 1977, p. 16). Consi-dera que a ciência utiliza representações da realidade, isto é, modelos,

    47EDUCAÇÃO E CULTURA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

  • modificando-se. Isso torna “a ciência dinâmica: uma afirmação aceita hoje como correta poderá deixar de sê-lo amanhã” (CECISP, 1977, p. 18). Isso mostra, talvez, influência das ideias de Popper (1985).

    PEC – Projeto Ensino de Ciências: outro projeto nacional

    O Projeto Ensino de Ciências (PEC), financiado com recursos prioritários dos Planos Setoriais de Educação 1972-1974 e 1975-1979, foi inteiram