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EDUCAÇÃO NA CRISE DO CAPITAL
Evandro Ribeiro Lomba
Graduando em Administração - Universidade Veiga de Almeida
Introdução: Neste presente ensaio, buscarei apresentar elementos que
caracterizam as contradições do sistema sociometabólico do capital e suas tendências para
educação, assim como seus impactos sobre o mundo do trabalho, tendo em vista um
cenário de crise aguda e profunda da economia capitalista e do Estado, que agora utiliza
de um ferramental político/ideológico para salvaguardar os interesses na obtenção do
lucro. Assim, encontra-se na educação um mecanismo para geração de valor via
privatizações desse setor estratégico, como também oferecer uma formação parcelar e
fragmentada e baseada no avanço tecnológico para então mercado de trabalho.
Não é de hoje que vivenciamos alterações no mundo do trabalho e da educação,
tendo em vista as características de cada momento histórico derivadas da construção
humana e do desenvolvimento dos modos de produção. Com a estruturação do sistema
capitalista industrial no século XVIII/XIX, observa-se uma maior divisão do trabalho e,
consequentemente, uma maior submissão da classe trabalhadora aos imperativos dessa
forma estranhada de relação produtiva. Mas o que notamos hodiernamente é que vivemos
uma fase nefasta de alterações e limitações do sistema do capital, que busca a qualquer
custo, manter sua hegemonia em um momento crucial de sua crise estrutural, que a rigor
transpassava uma “acumulação de capital (na verdade, acumulação fracassada) no campo
produtivo da atividade econômica.” (MÉSZÁROS, 2011)
Entretanto, para tentar “amenizar” os impactos desse processo inerente ao sistema,
busca-se uma remodelagem da esfera produtiva, introduzindo “novos” métodos de gestão
do trabalho (que na verdade ainda permeiam com as bases do binômio taylorista-fordista)
e um avanço nas chamadas tecnologias da informação que moldaram o esqueleto da
empresa de caráter enxuta, flexível e de alta tecnologia. E com fluxo migratório dos
capitais e o processo de “globalização” da economia, mudam muitos dos parques
produtivos dos países do “Centro” para as “Periferias” do capitalismo, buscando reduzir
os custos de produção.
Assim, para que todo esse processo seja concretizado, é necessário subordinar
ainda mais a classe trabalhadora e seus filhos às novas “empreitadas” do capital.
“Dessa forma, para além do horizonte da “obsolescência artificial”, somos
subitamente exposto a “teorias” que defendem o planejamento de cortes
artificiais no fornecimento de energia, a produção de escassez material
artificial também como antídoto ao excesso de “tempo livre” que envolve o
perigo de um desenvolvimento de consciência social; da solidariedade espacial
e do suspense artificial manipulado etc.” (MÉSZÁROS, 2011, p.61)
Se um dos pilares para a subordinação da classe trabalhadora aos novos métodos
de extração da mais-valia, ou seja, para as remodelagens da gestão do labor, cujo
significado real é um trabalho cada vez mais intensificado e reificado as tecnologias
informacionais, a educação aos moldes do Estado neoliberal obtém, portanto, um papel
central em formar jovens e adultos para os objetivos da realidade estabelecidas nas
relações de mercado. Entretanto, neste processo, vemos uma real tendência para
precarização da educação de caráter publico, assim como as práticas pedagógicas sendo
cada vez mais ameaçadas pela “neutralidade”, que aos olhos dos gestores públicos e dos
“homens de negócios” deve ser estabelecida com finalidade de anular toda a formação de
pensamento crítico.
Nota-se que as inclinações dos interesses da burguesia sobre a esfera educacional
é a busca de uma maior mercantilização, gerando assim, valor e mais-valia derivada da
exploração de trabalhadores e trabalhadoras desse ramo, ou seja, professores e de mais
profissionais que estão submetidos à relação trabalho assalariado e capital. Para
solidificar esses argumentos, é indispensável citar a teoria marxiana e buscar os
compassos da empreitada burguesa e estatal (que andam de mãos dadas) sobre a educação
nos tempos atuais.
Segundo Marx:
“A produção capitalista não é apenas a produção de mercadorias, ela é
essencialmente produção de mais-valia. O operário não produz pra si, mas para
o capital. [...] Ele tem de produzir mais-valia. Só é produtivo o operário que
produz mais-valia para o capitalista ou que serve para a autovalorização do
capital. Se é lícito colher um exemplo fora da esfera da produção material,
um mestre-escola é operário produtivo quando não só cultiva as cabeças
das crianças, mas se esfalfa para enriquecimento do empresário. O fato de
o ultimo ter investido o seu capital numa fábrica de ensino, em vez de numa
de salsichas, não altera nada na relação. O conceito de operário produtivo não
inclui, por isso, de modo algum, meramente uma relação entre atividade e
efeito útil, entre operário e produto de trabalho, mas também uma relação de
produção especificamente social, surgida historicamente, que cunha o operário
em meio imediato de valorização do capital. (ANTUNES, R. (org), 2013,
p.158) (Grifo Meu)
Portanto, o movimento das privatizações no Brasil e na América Latina (pois é
caso que temos um contato maior) é um movimento que é inerente à lógica do capital,
pois a busca pela mais-valia e realização da mesma em lucros (cada vez maiores) é o
sentido que norteia esta economia capitalista.
Com as privatizações e a ofensiva do Estado neoliberal e da extrema-direita, a
educação torna-se um ferramental de mistificação dos reais acontecimentos na política,
economia e outros setores estratégicos, pois o aluno deve estar sendo formado para o
mercado e não para construção de seus próprios valores de cidadania, autonomia e
pensamento crítico. Aos olhos dos gestores do capital (Estado) no caso brasileiro, é visto
como “balburdia” toda forma de educação calcada na construção de conhecimentos que
possam beneficiar a população e/ou ir de encontro as ideologias disseminadas por esses
governantes. Programar uma educação de caráter empresarial para classe trabalhadora é
objetivo das reformas que o setor público vem colocando em pauta, pois, até o século XX,
a educação especializada fordista tinha por finalidade: “[...] um novo tipo de
trabalhador/a, adaptado a nova configuração da produção.” (ANTUNES, R., 2017), que,
além disso, possui mais uma característica essencial neste processo:
“Visou subsequentemente, formar uma nova classe trabalhadora e um
ideal de “novo cidadão”, numa nova ordem burguesa. Em particular, a
experiência fordista delineia, assim, uma trajetória que se estende desde
a reformulação da organização industrial e produtiva como um todo,
para desencadear “num novo projeto societário dentro dos limites da
reprodução do capital”. (Idem)
Entretanto, essa sociedade encontra-se em adversos entraves (em suas
particularidades regionais, pois, no caso brasileiro, a industrialização e a formação técnica
estava em alta nesse período, devido ao golpe militar e os interesses imperialistas norte-
americano no país), gerados a partir dos anos 70, com a limitação estrutural de
acumulação de capital pelo padrão taylorista-fordista de produção e o esgotamento do
Estado Keynesiano e suas políticas de Bem Estar Social1, produzindo como contrapartida
a vanguarda Neoliberal para a “superação” desta problemática.
É neste contexto que iremos levantar alguns questionamentos para o avanço do
texto. Como a máquina estatal administra as condições escolares em um processo de
avanço das privatizações? Qual é a participação da gestão do Estado nisso?
A Escola em Crise? O Fracasso da Reforma na Educação Popular
Como antes apresentado, vemos o imperativo do capital sobre a educação,
buscando através das privatizações uma maior participação nesse setor estratégico tanto
para “sobrevivência” das taxas de lucro, como também na atuação política/ideológico
para reprodução das relações de mercado.
Mas para realização efetiva desse movimento, os homens de negócios necessitam
de uma peça chave para dar o xeque mate nesse jogo. Nota-se que o Estado possui um
papel de gestor desse sistema e dos interesses da classe dominante, assim sendo
fundamental para sobrevivência do capitalismo em hegemonia. Este é o ponto de partida
para que se modifique o sentido das políticas públicas de educação para dar um lugar
maior ao ensino empresarial, baseado no discurso de melhor “qualificação” da força de
trabalho (principalmente) dos jovens, e com isto, maiores possibilidades de ingressar no
mercado de trabalho.
Assim, István Mészáros vai apontar o movimento de defesa da ordem do capital
por parte do Estado e qual é o papel da reforma nesse sentido:
“Pois caso não se valorize um determinado modo de reprodução da sociedade
como o necessário quadro de intercâmbio social, serão admitidos, em nome da
reforma, apenas alguns ajustes menores em todos os âmbitos, incluindo o da
educação. As mudanças sob tais limitações, apriorísticas e prejulgadas, são
admissíveis apenas com o único e legítimo objetivo de corrigir algum detalhe
defeituoso da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as
determinações estruturais fundamentais da sociedade como um todo, em
1 Que no caso brasileiro não chegamos a vivenciar de fato como nos países do centro capitalista, mas que
teve sua maior semelhança com a ascensão e consolidação dos governos do Partido dos Trabalhadores
(PT).
conformidade com as exigências inalteráveis da lógica global de um
determinado sistema de reprodução. (MÉSZÁROS, 2009, p.25)
É nessa sequência que a reforma vai buscar dentro do quadro então vigente do
sistema sociometabólico baseado no tripé capital, trabalhado assalariado e Estado, ajustes
no campo da economia e da formação da classe trabalhadora e de seus filhos para as novas
feições de acumulação de lucros que são as tentativas (que estão a ver navios) para
superação dos problemas do sistema atual.
E como é feito essas modificações, sem uma manifestação popular dando
contrapartida?
Notamos que o primeiro passo estratégico por parte da classe dominante é criar
um discurso de “crise da escola”, pois assim poderá ganhar espaço nesse cenário que até
então não era de interesse por parte dessa elite e que estava na posse do Estado.
“Simultaneamente às formulações críticas sobre a desqualificação da escola e
o fracasso escolar, a questão da ineficiência seria retomada e atualizada por
formulações que persistiriam na discussão da produtividade direta da escola
para o sistema (qualificação adequada às necessidades da produção) ou se
encaminhariam para uma discussão mais “conformista”, limitada à
necessidade de organização do setor, educacional, da escola e do ensino que
garantisse a efetivação da escolarização nos aspectos mais elementares: a
aprendizagem de conhecimentos e habilidades básicos (ler, escrever, contar) e
a expansão da certificação escolar.” (ALGEBAILE, 2009, p.68)
Foi criada a premissa de que a escola pública é ineficaz para formação de “mão
de obra” ao então mercado de trabalho da “Era da informação” ou da “Era do
Conhecimento”2 como alguns dos apologistas do “livre mercado” vem chamando nos
últimos anos, alinhada a uma política estatal neoliberal e neoconservadora principalmente
na América Latina e, especialmente no caso brasileiro, notamos um movimento de
privatizações e reduções de gastos no setor educacional publico3. Além de uma redução
2 Podemos destacar como autores ou apologistas dessas teses autores da administração empresarial como
Peter Drucker e Chavienatto. 3 A desculpa apresentada pelos gestores públicos é de que o Estado está “quebrado” e não há orçamento para execução de investimentos nessa área. Entretanto o que é verdadeiro é grande dívida externa com as grandes organizações bancárias que comandam o sistema financeiro no capitalismo contemporâneo. Por isso é necessário uma série de cortes, privatizações e invocar o “Deus mercado”
dos currículos a fatores técnicos, cujo objetivo central é a redução do pensamento crítico
e autônomo dos educandos.
“Na perspectiva da classe dominante, historicamente, a educação dos
diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los
técnica, social e ideologicamente para o trabalho. Trata-se de subordinar a
função social da educação de forma controlada para responder às demandas do
capital.” (FRIGOTTO, 2010, p. 28)
Portanto, começamos a desmitificar alguns possíveis pontos da finalidade do
projeto reformador da classe dominante (seja na modificação via privatizações ou
alterações de currículos). Vemos que a subordinação aos novos “paradigmas do século
XXI”, ou seja, as consequências criadas pela crise do capital e a conciliação com estas
adversidades crônicas são um dos seus objetivos centrais desse projeto
político/ideológico. Além de manter o “livre mercado” como fórmula salvadora de todas
as mazelas criadas e o avanço técnico-científico-informacional como um horizonte e/ou
trampolim para uma sociedade sem estranhamentos e alienações4. As instituições formais
de educação certamente são uma parte importante do sistema global de internalização
(MÉSZÁROS, 2008), pois dada as reformas (limitadoras) que engendram nos jovens
proletariados uma condição de imobilidade de descortinar a volumosa névoa que oculta
um horizonte “Para Além do Capital”. Assim, acorrentando-os a este sistema desigual,
cujo objetivo é o enriquecimento e poder para uma classe e para outra o pauperismo.
Com as complexidades das relações de mercados percebe-se que os
desdobramentos das reformas no âmbito educacional não possibilitam uma emancipação
real da classe trabalhadora, mesmo que governos ditos mais a esquerda estejam no poder,
pois com o diálogo e estreitamento das afinidades com o grande capital (os oligopólios
do setor financeiro e produtivo), limitam a vida ainda na ordem estabelecida, tendo em
vista que os currículos buscam atuar na formação de aspectos da subjetividade como
“polivalência”, “multifuncionalidade” e “um mínimo de cultura geral”.
para controlar uma catástrofe orçamentária causada pelo estreitamento dos laços com essas corporações. 4 Buscando como referência as teorias do fim do trabalho de Robert Kurz – ver a crítica em Os Sentidos
do Trabalho (ANTUNES, R, 2009) e Também em Gaudêncio Frigotto – Educação e a Crise do
Capitalismo Real (Cortez, 2010)
Utilizando de um trecho longo de Mészáros, vamos tecer melhor nossa
argumentação:
“Quanto mais “avançada” a sociedade capitalista, mais unilateralmente
centrada na produção de riqueza reificada como um fim em si mesma e na
exploração das instituições educacionais em todos os níveis, desde as escola
preparatórias até as universidade – também na forma de “privatizações”
promovida com suposto zelo ideológico pelo Estado – para a perpetuação da
sociedade de mercadorias.
Não é surpreendente, pois, que o desenvolvimento tenha caminhado de mãos
dadas com a doutrinação da esmagadora maioria das pessoas com os valores
da ordem social do capital como a ordem natural inalterável, racionalizada e
justificada pelos ideólogos mais sofisticados do sistema em nome da
“objetividade científica” e da “neutralidade de valores”. As condições reais da
vida cotidiana foram plenamente dominadas pelo ethos capitalista, sujeitando
os indivíduos – como uma questão de determinação estruturalmente
assegurada – ao imperativo de ajustar suas aspirações de maneira conforme,
ainda que não pudessem fugir à áspera situação da escravidão assalariada.
Assim o “capitalismo avançado” pôde seguramente ordenar seus negócios de
modo a limitar o período e educação institucionalizada em uns poucos anos
economicamente convenientes da vida dos indivíduos e mesmo fazê-lo de
maneira discriminadora/elitista.” (MÉSZÁROS, 2008, p.80-81)
Vemos, portanto, que a vida só pode ser reproduzida dentro do ethos capitalista,
(segundo seus apologistas e gestores) e assim o processo educacional cada vez mais
mercantilizado deve obter um caráter parcelado, unilateral e centralizado nas relações de
mercado. Individualizando, fragmentando e subordinando populações de varias regiões
do globo e gerando por consequência um processo de concorrência entre os mesmos. O
discurso de “crise da escola” é vendido como forma de engendrar no pensamento de uma
parcela carente da população, mas que ainda sobrevive de alguma renta salarial na compra
de “serviços educacionais” propostos por grupos que agora buscam dominar o mercado,
tendo em vista que isto proporcionaria uma “melhor qualificação” sobre os demais que
ainda insistem na formação pública e gratuita. O diferencial propagado pelo marketing e
pela publicidade é ter um currículo mais flexível e de acordo com as necessidades do
novo molde do mercado de trabalho baseado no caráter alterado do sistema produtivo e
da esfera dos serviços, em que a empresa enxuta, flexível e da “alta tecnologia”, com o
formado toyotista, é a feição mais estruturada dessa ação.
Esta característica é vangloriada como “Modernização”, ou seja, um processo
brusco de redução dos custos (salários e demissões) e do engendramento do maquinário
técnico-informacional no processo produtivo (desemprego estrutural) e também da
produção educacional como forma de melhor atender as demandas do mercado (este que
por sinal vivência uma crise aguda e profunda). Assim, é necessário criar uma imagem
suja e degradante das instituições formais de ensino de caráter público, consequentemente
do Estado que tenham em sua “filosofia” políticas que proporcionaram uma garantia
maior de direitos aos assalariados.
Somente o Estado neoliberal e neoconservador (que no caso brasileiro acaba de
ser renovado) em conformidade com os interesses da classe dominante pode promover
reformas “adequadas” às necessidades do mercado de trabalho e promovendo maiores
“chances de empregabilidade” aos que só tem a venda da força de trabalho com forma de
sobrevivência. Notamos que essa estrutura de discurso é de interesse exclusivo da classe
dominante para manter em hegemonia o sistema capitalista e a centralização e
acumulação do lucro para essa classe. Pois, na realidade, vemos uma emergência do
desemprego crônico.
“Isso porque nas décadas recentes o desemprego, nos países capitalistas
altamente desenvolvidos, limitava-se em grande parte “aos bolsões de
subdesenvolvimento”; e as milhões de pessoas afetadas por ele costumavam
ser otimisticamente ignoradas, no grande estilo de autocomplacência
neocapitalista, como representando os “custos inevitáveis da modernização”
sem que houvesse muita preocupação – se é que havia – pelas repercussões
socioeconômicas da própria tendência.” (MÉSZÁROS, 2011, p.69)
Além disso, uma série de precarizações que estão em emergência no mundo do
trabalho tanto primordialmente nos países subdesenvolvidos, assim como o desemprego
formado pelo advento mais agudo das tecnologias informacionais no processo produtivo
necessário para o “avanço” da “Sociedade do Conhecimento”. “Em tais circustâncias, a
miséria necessária associada a todos os tipos de desemprego – inclusive aquele produzido
no interesse da “modernização” – podia ser capitalisticamente justificada em nome de um
brilhante futuro de consumo a todos” (MÉSZÁROS, 2011). Logo, a visão míope e
contraditória daqueles que gerenciam o sistema do capital que dentro de uma esfera de
crises que são inerentes a sua própria reprodução, busca-se na tentativa de manutenção
das suas problemáticas acusar trabalhadores (as) de não serem “qualificados” para atuar
no atual cenário de metamorfoses.
Em consequência desses fenômenos e da gestão do Estado neoliberal, observamos
que o discurso de “crise da escola” apresenta-se apenas como feitio da mercantilização e
geração de riquezas para classe dominante e para utilização desse instrumento como
forma de alienação ideológica da classe trabalhadora e seus filhos no momento atual de
crise do sistema sociometabólico do capital. Pelo lado da formação efetiva, temos a
redução do processo pedagógico formativo do ser social à fatores meramente técnicos
que submete os jovens e adultos (em diversos estágios do processo de desenvolvimento
escolar) a uma quantidade parcelar e fragmentada do conhecimento, em que as operações
básicas de leitura, escrita e matemática são necessários para habilitar e modelar para o
então mercado de trabalho. Dentro desse arcabouço curricular construindo pelas grandes
corporações capitalistas, enaltece-se aspectos da objetividade do mundo material apenas
reificado a manutenção e reprodução da sociedade baseada no fetichismo da mercadoria.
Currículo, Sociedade e Ciberespaço: A Formação Parcelar Para o Mundo Virtual.
Notamos a necessidade vir a levantar questões sobre o processo formativo que nos
tempos atuais está se tornando regra. O decurso da formação baseado nas chamadas
“tecnologias informacionais” torna-se um viés analítico muitíssimo importante para
compreender os moldes da relação Trabalho e Educação.
“A evolução tecnológica e as lutas sociais têm modificado as relações no
mundo do trabalho. Devido a essas tensões, atualmente, não se admite mais a
existência de trabalhadores que desempenhem apenas tarefas mecânicas. O
uso das tecnologias de comunicação e da informação tem transformado o
trabalho em algo menos sólido. Já convivemos com trabalhos feitos em rede
ou trabalhos feitos em casa, bem como com trabalho sem carteira assinada e
trabalho no mundo virtual. Convivemos, também, com a valorização de
profissões que não geram produtos industriais, tais como artes, saúde,
comunicação, educação e lazer.” (BRASIL. Ministério da Educação 2013, p.
207-208) (GRIFO MEU)
O trabalho vem tornando-se algo mais heterogêneo no mundo atual, visto uma
modificação que alterou os métodos de gestão do trabalho e da própria feição do capital,
em que a financeirização bancária ganhou mais espaço nas relações de mercado, além da
formação gradual dos oligopólios como uma tendência de centralização, acumulação e
reprodução da ordem vigente.
Assim, percebe-se no conjunto das metamorfoses estruturais do modo produtivo
o engendramento de um maquinário técnico-informacional cada vez mais complexo e
autônomo que reduz os custos de produção e reproduz um modo de vida cada vez
virtualizado. Aliado a introdução de uma série de aparelhos como Smartphones, Tablet’s
e tantos outros no cardápio do consumismo exacerbado das relações sociais baseadas no
fetichismo da mercadoria. Pois, se antes o automóvel tinha um papel central na relação
capitalista de produção, hoje esses aparelhos tecnológicos são a “bola da vez”.
No decurso dessa sociedade mais virtualizada, em que o cyberespaço agora é uma
nova tendência, é preciso delinear que tipo de sociedade é essa, que está em constante
formação através das reformas em setores estratégicos, suas composições estruturais e os
enfrentamentos entre Capital, Trabalho e Educação.
Vemos que:
“O “cyber” é também o resultado da convergência, cada vez mais, intrínseca
entre cultura e técnica, um espaço, como um lugar “animado”, de práticas e
movimento, um cruzamento de sujeitos, informações em movimento, em
trânsito, em lugar de fluxos e encontros, um fenômeno marcante nas
transformações socioeconômicas desde o final do século passado.” (LINHAS,
Ronaldo N.; CHAGAS, Alexandre M. Título, 2017, P.21-22)
Nota-se, portanto, que a criação de um “espaço virtual” é fruto das modificações
da ordem do capital que necessita de uma maior segurança de dados, e que também busca
criar um locus de informações, em que “culturas e técnicas” são transmitidas para todos
os sujeitos (que podem pagar) numa espécie de “democratização do conhecimento”. Este
é um fator que vai levar alguns autores que são favoráveis às relações baseadas no
“investimento em sí mesmo”, ou seja, a geração de um capital humano e assim, modelar
uma possível “Sociedade do Conhecimento”, onde todos podem obter uma mesma
educação e não sofrer com as então atrocidades do chamado “capitalismo selvagem”, suas
desigualdades e limitações (que na cabeça de alguns autores, não existe mais ou é apenas
uma aguda miopia de nossa então realidade material).
Pois bem, é necessário a reformulação dos currículos educacionais, tendo como
base “a tecnologia digital como infraestrutura do ciberespaço cria, por meio da internet,
além de novos processos de comunicação, sociabilidade, organização e de transação surge
um novo mercado de informação e do conhecimento.” (LINHAS, Ronaldo N.; CHAGAS,
Alexandre M. 2017 aput LÉVY,1999). Este mercado é visto com bons olhos por parte de
uma classe que domina os meios de produção de uma mercadoria não material (software)
que são cada vez mais vendidos para múltiplos segmentos, cujo educacional não fica de
fora, pois com a incorporação desses software nas plataformas digitais curriculares, temos
a infraestrutura necessárias para essa falsa sociabilidade e inclusive baixando os custos
relacionados a produção educacional.
“Além disso, o deslocamento do lugar da informação e do conhecimento na
sociedade capitalista como produto e mercadoria da economia informacional,
atravessa o espaço escolar, como instituição cultural e espaço relações
comunicacionais e modifica o olhar sobre as mídias e por conseguinte as
práticas e experiências de aprender e ensinar na cibercultura” (idem)
Nota-se que a tendência é a negação das relações educacionais informais (não
estruturadas em uma instituição de ensino) como forma de aprendizagem e de troca do
mesmo, nas formulações técnicas para/e com o trabalho e dos aprendizados da vida
cotidiana. Fundamenta-se absolutamente um tipo de aprendizado baseado dentro desses
padrões virtuais que vão “capacitar” para o então mundo do trabalho vigente. Um
currículo estruturado para ser seguido e não questionado, além de uma falsa
“flexibilidade”, pois o aluno possui uma série de cronogramas já pré-estabelecidos.
Busca-se no horizonte da ingenuidade uma maneira de “democratizar o
conhecimento” ainda baseado no ethos capitalista, mascarando os reais interesses sobre
a formação de oligopólios especializados na comercialização educacional e a na geração
de mais-valia derivada da espoliação do labor de professores de mais profissionais do
ramo, cujo currículo é fundamentado no receituário neoliberal dos grandes bancos e
entidades financeiras como FMI. É o cerne dessa questão, em que se nota uma divisão
brutal entre uma educação para elite e outra para aqueles que vivem da venda da força de
trabalho. É notório que a clivagem está naqueles que podem pagar ou também obter uma
base formativa direcionada para aquilo que já almeja (gerenciar os negócios da família
ou criar novos softwares mais complexos e eficientes para empresas). A forma de ingresso
nas universidades (tanto públicas como privadas) torna-se um elevador moderno e
confortável, quanto para aquele que vivem do trabalho assalariado é uma escadaria sem
fim.
Estes que vivem de uma renda muitíssimo baixa, em que a finalidade somente
satisfaz as duras e cruas necessidades para reprodução da vida, contentam-se com uma
educação parcial, fragmentada e sem pensamento crítico. Porém, com muito esforço e
algum privilégio (seja por via de recursos próprios ou de organizações autônomas como
Pré-Vestibulares sociais), visam galgar patamares mais elevados do nível formativo e já
não se limitam a empregabilidade do trabalho manual. Mas que entram agora, mais do
que nunca, numa outra parte da divisão internacional do trabalho, cujo labor virtual ligado
à esfera dos serviços torna-se uma rota construída por conta da remodelagem dos
currículos educacionais (onde o papel do Estado é fundamental para efetivação desse fato)
para formar uma “mão de obra especializada” na operação dessas novas tecnologias da
informação.
Vemos que, por mais que esse discurso do trabalho mais virtualizado seja
apresentado como um salto qualitativo dentro do mundo laborativo, no campo da
realidade nota-se uma subordinação ainda maior do homem ao maquinário digital, em
que o processo educacional nada se perde com a lógica fundante do sistema do capital,
pois essa tecnologia está calcada sobre o ethos capitalista.
“O conceito da evolução histórica como um resultado das lutas de classe nos
mostrou, com efeito, que a educação é o processo mediante o qual as classes
dominantes preparam na mentalidade e na conduta das crianças as condições
fundamentais da sua própria existência.” (PONCE, 1998, P.169)
A existência agora é baseada na produção e operação de informações e tecnologias
digitais pelos oligopólios do mundo empresarial. A formação precisa ainda ser parcial e
fragmentada, mas com noções básicas de computação e/ou operações de aparelhos
tecnológicos e aplicativos (como exemplo: Smartphones e Tablet’s), em que a geração de
valor acontece de forma contínua, transformando-se em lucros cada vez maiores. “A
classe que domina materialmente é também a que domina com a sua moral, a sua
educação e as suas ideias.” (PONCE, 1998).
Alterar o real sentido do trabalho e da educação para a estruturação de um campo
mercantilizado, cujo lucro está à frente dos reais anseios da sociedade como um todo,
mostra o quanto a esfera educacional está precarizada e em crise nos tempos da crise
estrutural do capital e do Estado. Pois este “cyberespaço” demonstra o quanto está
ameaçado a figura do professor, como aquele que possui na essência da sua formação,
não apenas a mera transmissão de conteúdos, mas também um papel em comunhão aos
educandos de conscientizar sobre o mundo e não formar para a reprodução e
gerenciamento de um sistema brutal e desumano, pois falar de neutralidade da educação
é expressar uma vontade de mistificação (FREIRE, 1980).
Cabe, portanto, nas lutas de classes hoje uma responsabilidade tamanha, pois é no
posicionamento político/ideológico de professores, estudantes e demais profissionais do
ramo (ou não), acreditando que o trabalho é categoria central nas relações sociais. E partir
disso, buscar a práxis, a superação efetiva de uma educação que nega a libertação e a
conscientização do ser social. Negar a forma social capital que gera o estranhamento e o
pauperismo de toda a classe trabalhadora.
Portanto, para fecharmos esse ensaio, mas nunca de forma definitiva, tendo em
vista que os estudos sobre essa temáticas estão ainda em pleno andamento e
sistematização de antigas e novas literaturas, buscamos nas palavras de Gaudêncio
Frigotto a expressão mais coerente do nosso atual tempo histórico nesta tentativa de
entender as relações entre Currículo, Sociedade e Cyberespaço:
“No plano cultural, instaura-se uma profunda dominação com hegemonia do
poder do império norte-americano. As grandes redes privadas de televisão e de
informação, monopólios de poucos grupos, imputam os valores de consumo
das economias centrais e do seu estilo de vida. Uma cultura mediada pelo
dinheiro, pela pedagogia do medo e da violência, que é exposta online em
tempo real. Mas, sobretudo, uma mídia que manipula a opinião pública com a
produção sistemática das versões da realidade, versões que interessam a quem
essa mídia representa e da qual é parte: o capital.” (FRIGOTTO, 2017, P.19-
20)
Conclusão:
Aqui jamais seremos a favor das teorias que pregam o “fim da história”, do “livre
mercado” e do “Escola sem Partido”, e que o sistema capitalista seja único e eterno.
Acreditamos que o papel da educação, assim como o do trabalho, possuem uma
centralidade vital na vida de qualquer ser social e que não podemos cair em
“reformismos” vulgares que buscam a manutenção da ordem vigente através de um
avanço tecnológico sobre a luz da mercantilização, mas sim buscar uma reflexão e uma
práxis para que possamos chegar a outro estágio da vida social, rompendo de forma
definitiva com as relações de mercado e propor uma nova forma de relação educacional.
“Portanto, desde o início o papel da educação é de importância vital para
romper com a internalização predominante nas escolhas políticas circunscritas
à “legitimação constitucional democrática” do Estado capitalista que defende
seus próprios interesses. Pois também essa “contrainternalização” (ou
contraconsciência) exige a antecipação de uma visão geral, concreta e
abrangente, de uma forma radicalmente diferente de gerir as funções globais
de decisão da sociedade, que vai muito além da expropriação, há muito
estabelecida, do poder de tomar todas as decisões fundamentais, assim como
das suas imposições sem cerimônia aos indivíduos, por meio de políticas como
uma forma de alienação por excelência na ordem existente” (MÉSZÁROS,
2008, P.61).
Pois o que notamos através dessa pesquisa é que o sistema do capital passa por
uma crise aguda e profunda. Assim, busca a mercantilização de novos segmentos, como
o educacional, confirmando o seu caráter expansivo para uma maior concentração,
centralização e acumulação dos lucros.
Busca no interior da esfera produtiva uma remodelagem de sua estrutura,
buscando reduzir os custos de produção investindo em maquinários mais autônomos e
robotizados, numa gestão do trabalho que mescla ainda os ritmos intensos sobre as bases
do taylorismo/fordismo, mas que agora visa novos elementos que o toyotismo
proporciona para subordinação e aceitação de uma exploração do trabalho cada vez maior.
A educação tem um papel politico e ideológico fundamental para efetivação
desses novos métodos, pois através dos currículos pode introduzir uma formação
“flexível”, ou seja, destinada as necessidades que o então mercado de trabalho requer, e
que crucialmente busca a limitação do pensamento crítico e autônomo frente às variadas
contradições do sistema capitalista. Tem a escola um papel fundante na produção de força
de trabalho, ora especializada para alguns seguimentos que usam alta tecnologia, como
também para serviços braçais e precários.
Portanto, o Estado possui um papel de efetivar os interesses da classe dominante,
modificando os currículos, privatizando o ensino e retirando os direitos da população para
salvar o capitalismo de alguma forma de seu estado crônico da crise.
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