12
EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: formação contínua com profissionais da educação infantil 1 Eulia Rejane SILVA 2 Lazara da P. R. REGATIERI 3 Gercina Santana NOVAIS 4 RESUMO No ano de 2013, a Secretaria Municipal de Educação de Uberlândia iniciou um movimento de elaboração da Política Pública de Educação e propôs a construção coletiva de uma escola pública, popular, democrática, gestada em Rede e de qualidade social. Essa proposta ancorava-se nas Leis Federais 9.394/96, 10.639/03, 11.645/08, 12.796/13 e na Lei Municipal 11.444/2013. A materialização dessa política contemplava elaboração e desenvolvimento de um projeto de formação com os/as profissionais da educação. Por meio do Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz(CEMEPE)/Núcleos de Estudos interdisciplinares, buscou-se desenvolver ações com os/as profissionais da educação, ancoradas em uma concepção de formação contínua, em serviço e em rede, com foco na problematização das práticas pedagógicas, tendo em vista os interesses dos/as alunos/as, as demandas formativas e o compromisso de praticar uma educação livre de qualquer tipo de preconceito e discriminação. As formações desenvolvidas pelo Núcleo das Infâncias-NInf, no CEMEPE, e nas unidades escolares, abordaram temas vinculados aos currículos para a educação na infância, orientados por culturas infantis e relações étnico-raciais. Neste texto, a opção foi por discorrer sobre resultados de uma pesquisa documental acerca de um dos processos formativos, intitulado Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Reorientação Curricular na Educação Infantil, especificamente sobre os Módulos 4, 5 e 6 - Culturas Regionais e Locais, realizado pelo NInf, em parceria com o Núcleo de Educação para as Relações étnico-raciais-NERER. Os procedimentos didático-metodológicos adotados foram: Roda de Conversa, Exposição Dialogada e Debates em Pequenos Grupos, criando espaços de problematização e elaboração coletiva, a partir da realidade concreta dos/as alunos/as e dos/as profissionais da educação, resgatando e valorizando culturas, articulando teorias e práticas, 1 Trabalho apresentado no X Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as X COPENE realizado de 12 a 17 de outubro de 2018 na Universidade Federal de Uberlândia UFU, em Uberlândia/MG. 2 Graduada em Letras e Pedagogia. Especialista em Educação Escolar e Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia. Professora da Educação Básica atua na Rede Municipal de Ensino de Uberlândia. Desenvolve pesquisas nas áreas de Educação e Letras com ênfase em formação de professores, identidade, infância, avaliação na educação infantil e educação para as relações étnico-raciais. 3 Graduada em Pedagogia. Especialista em Educação Básica pela Faculdade Católica de Uberlândia. Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade de Ampére FAMPER. Professora de Educação Básica. Atua na Rede Municipal e na Rede Estadual de Ensino de Uberlândia, MG. Aluna do Curso de Mestrado Profissional em Educação da UNIUBE. Desenvolve pesquisas nas áreas de Formação docente, direito de aprender e práticas pedagógicas- FORDAPP, e avaliação na educação infantil. 4 . Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora aposentada da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. Membro do Grupo de Pesquisa Formação Docente, Direito de Aprender e Práticas Pedagógicas- FORDAPP-, da UNIUBE.

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EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: formação contínua com

profissionais da educação infantil1

Eulia Rejane SILVA2

Lazara da P. R. REGATIERI3

Gercina Santana NOVAIS4

RESUMO

No ano de 2013, a Secretaria Municipal de Educação de Uberlândia iniciou um movimento

de elaboração da Política Pública de Educação e propôs a construção coletiva de uma escola

pública, popular, democrática, gestada em Rede e de qualidade social. Essa proposta

ancorava-se nas Leis Federais 9.394/96, 10.639/03, 11.645/08, 12.796/13 e na Lei Municipal

11.444/2013. A materialização dessa política contemplava elaboração e desenvolvimento de

um projeto de formação com os/as profissionais da educação. Por meio do Centro Municipal

de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz(CEMEPE)/Núcleos de Estudos

interdisciplinares, buscou-se desenvolver ações com os/as profissionais da educação,

ancoradas em uma concepção de formação contínua, em serviço e em rede, com foco na

problematização das práticas pedagógicas, tendo em vista os interesses dos/as alunos/as, as

demandas formativas e o compromisso de praticar uma educação livre de qualquer tipo de

preconceito e discriminação. As formações desenvolvidas pelo Núcleo das Infâncias-NInf, no

CEMEPE, e nas unidades escolares, abordaram temas vinculados aos currículos para a

educação na infância, orientados por culturas infantis e relações étnico-raciais. Neste texto, a

opção foi por discorrer sobre resultados de uma pesquisa documental acerca de um dos

processos formativos, intitulado Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Reorientação

Curricular na Educação Infantil, especificamente sobre os Módulos 4, 5 e 6 - Culturas

Regionais e Locais, realizado pelo NInf, em parceria com o Núcleo de Educação para as

Relações étnico-raciais-NERER. Os procedimentos didático-metodológicos adotados foram:

Roda de Conversa, Exposição Dialogada e Debates em Pequenos Grupos, criando espaços de

problematização e elaboração coletiva, a partir da realidade concreta dos/as alunos/as e dos/as

profissionais da educação, resgatando e valorizando culturas, articulando teorias e práticas,

1 Trabalho apresentado no X Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as – X COPENE

realizado de 12 a 17 de outubro de 2018 na Universidade Federal de Uberlândia – UFU, em

Uberlândia/MG. 2 Graduada em Letras e Pedagogia. Especialista em Educação Escolar e Mestre em Estudos Linguísticos

pela Universidade Federal de Uberlândia. Professora da Educação Básica atua na Rede Municipal de Ensino

de Uberlândia. Desenvolve pesquisas nas áreas de Educação e Letras com ênfase em formação de

professores, identidade, infância, avaliação na educação infantil e educação para as relações étnico-raciais. 3 Graduada em Pedagogia. Especialista em Educação Básica pela Faculdade Católica de Uberlândia.

Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade de Ampére – FAMPER. Professora de Educação Básica.

Atua na Rede Municipal e na Rede Estadual de Ensino de Uberlândia, MG. Aluna do Curso de Mestrado

Profissional em Educação da UNIUBE. Desenvolve pesquisas nas áreas de Formação docente, direito de

aprender e práticas pedagógicas- FORDAPP, e avaliação na educação infantil. 4 . Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora aposentada da Escola de Educação

Básica da Universidade Federal de Uberlândia. Membro do Grupo de Pesquisa Formação Docente, Direito

de Aprender e Práticas Pedagógicas- FORDAPP-, da UNIUBE.

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2

com a finalidade de desenvolver formação sobre história e culturas afro-brasileira, indígena e

cigana, ancorada, principalmente, nas formulações dos/as autores/as sobre educação das

relações étnico-raciais (TRINIDAD, 2012; GOMES, 2001; AMPUDIA, 2016; SOUZA,

2013). O resultado das análises articuladas do mapa de frequência, dos registros das narrativas

e das avaliações das cursistas permite afirmar que o processo formativo colaborou para o

desenvolvimento pessoal e profissional, potencializando um trabalho colaborativo, inspirado

na metodologia adotada na formação, capaz de auxiliar na transformação das práticas

pedagógicas. Afirmar, ainda, que em relação à temática, a formação possibilitou a

consolidação de saberes e práticas sobre culturas infantis, culturas regionais e relações étnico-

raciais fundamentais para o diálogo com as infâncias.

PALAVRAS-CHAVE: Relações étnico-raciais. Formação.

INTRODUÇÃO

A formação sobre a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana está prevista na Legislação brasileira desde

2004, quando foi promulgada a Resolução do CNE nº 1, que instituiu as Diretrizes

Curriculares Nacionais a serem observadas pelas instituições de ensino e, em especial,

por instituições responsáveis por programas de formação inicial e continuada.

No munícipio Uberlândia-MG, essas formações eram desenvolvidas,

principalmente, pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal de

Uberlândia NEAB/UFU, Centro Nacional de Estudos e de Políticas de Igualdade na

Educação – CENAFRO e por membros da comunidade negra. Mas, observando o

cotidiano das escolas públicas da rede municipal de ensino, no ano de 2013, evidenciou-

se o fato de que a educação das relações étnico-raciais não se configurava como eixo

estruturante dos projetos políticos pedagógicos elaborados pela maioria das unidades

escolares. Parcela significativa das escolas desenvolvia ações pontuais e em datas

específicas acerca dos temas Cultura Afro-Brasileira e Africana e racismo.

No ano de 2013, a Secretaria Municipal de Educação de Uberlândia (SME)5 iniciou

um movimento de elaboração da Política Pública de Educação e propôs a construção

coletiva de uma escola pública, popular, democrática, gestada em Rede e de qualidade

5 Para conhecer detalhes da referida política, consultar: PREFEITURA MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA.

Política Pública Educacional em Movimento. Relatório sobre ações/resultados da Secretaria Municipal de

Educação nos anos 2013 a julho de 2016. Prefeitura Municipal de Uberlândia. 2016. 329p.

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social. Essa proposta ancorava-se, principalmente, nas Leis Federais 9.394/96, 10.639/03,

11.645/08, 12.796/13 e na Lei Municipal 11.444/20136.

A referida secretaria possui um Centro Municipal de Estudos e Projetos

Educacionais Julieta Diniz (CEMEPE). Esse Centro iniciou suas atividades em março de

1991, tendo sido oficializado no dia 15 de janeiro de 1992, por meio do Decreto n° 5338,

com a finalidade de desenvolver formação para os/as profissionais da educação; formação

esta organizada por áreas. No ano de 2013, o CEMEPE passou a atuar por meio de

Núcleos Interdisciplinares de Estudos e intervenção pedagógica. Esses Núcleos

assumiram a responsabilidade de promover a formação contínua e em serviço com os/as

profissionais da educação, incorporando formação na escola, no CEMEPE, na

Universidade Federal de Uberlândia e em outros espaços formativos. Com dez núcleos

criados pelo Decreto7 nº 14.035, de 29 de abril de 2013, o trabalho desenvolvido, no

período de 2013 a 2016, foi ancorado em uma rede de apoio para atender as unidades

escolares, organizadas em cinco Polos conforme as regiões da cidade: Polo Centro, Polo

Oeste, Polo Norte, Polo Sul e Polo Leste.

Destacam-se, neste texto, dois Núcleos: o Núcleo das Infâncias-NInf e o Núcleo

de Educação para as Relações étnico-raciais-NERER, por estarem envolvidos

diretamente no processo formativo sobre educação étnico-racial na infância, e

contemplarem formação e pesquisa.

A SME, por meio dos Núcleos Interdisciplinares de Estudos e Intervenção

Pedagógica, buscou desenvolver ações educacionais pautadas no incentivo à liberdade de

aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Adotou uma

concepção de formação contínua, permanente, em serviço e em rede, com os/as

profissionais da educação, tendo como referência a problematização das práticas

6 A Rede Pública Municipal pelo Direito de Ensinar e de Aprender consiste em uma forma de atuação

conjunta de instituições que desenvolvam atividades relacionadas à educação, capazes de agir em

cooperação e de estabelecer relações pautadas na autonomia, na complementaridade, na horizontalidade e

no interesse comum de contribuir para garantir o direito aos alunos à educação pública, gratuita, laica,

democrática, popular e qualificada socialmente. (Lei Municipal 11.444/2013). 7 Decreto nº 16.966, de 7 de fevereiro de 2017, revogou o decreto nº 14.035, de 29 de abril de 2013 que

dispõe sobre os programas e projetos de estudos, pesquisa e intervenção do Centro Municipal de Estudos e

Projetos Educacionais Julieta Diniz.

Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/.../uberlandia/decreto/2017>. Acesso em: 02 jul.2017.

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pedagógicas e seus significados para o cumprimento dos objetivos de uma educação

qualificada socialmente.

As formações partiam da realidade concreta dos/as alunos/as e dos/as profissionais

da educação, dos interesses dos/as alunos/as, das demandas formativas e do compromisso

de praticar uma educação livre de qualquer tipo de preconceito e discriminação. Foram

planejadas e executadas, em parceria com outras secretarias, órgãos públicos e

instituições de ensino público e privado, formações orientadas pelo princípio da

promoção de experiências de aprendizagem, de modo a possibilitar aos/às participantes e

professores/as formadores/as, estabelecer relações entre os temas e as vivências

cotidianas na perspectiva de uma Cidade Educadora.

Seguindo as orientações da SME e com base no resultado das avaliações das

formações desenvolvidas pelo Núcleo das Infâncias, foi proposta uma formação intitulada

“Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Reorientação Curricular na Educação Infantil”

que contemplou três Dimensões do Processo Educativo: 1 - Convivência, 2 - Prática

Pedagógica, 3 - Gestão Escolar Democrática e Gestão Democrática da produção e

comunicação do conhecimento, orientada pela educação das relações étnico-raciais.

A formação, fundamentada nas culturas infantis e nas relações étnico-raciais, que

habitam diferentes espaços da cidade, considerou os seguintes Eixos de Trabalho: 1 –

Base Nacional Comum: Identidade e Autonomia, Movimento, Artes Visuais, Linguagem

Oral e Escrita, Natureza e Sociedade, Matemática, Música e 2 – Parte Diversificada:

Culturas Regionais e Locais.

Neste texto, a opção foi por discorrer sobre resultados de uma pesquisa

documental acerca de um dos processos formativos, intitulado “Um Olhar Sensível e

Reflexivo sobre a Reorientação Curricular na Educação Infantil”, especificamente sobre

os Módulos 4, 5 e 6 - Culturas Regionais e Locais, realizado pelo NInf, em parceria com

o Núcleo de Educação para as Relações étnico-raciais-NERER, incluindo na formação o

estudo sobre culturas afro-brasileira e indigena e dos grupos ciganos, lendo culturas locais

e regionais.

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: METODOLOGIA DA

PESQUISA

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5

Trata-se de uma pesquisa documental com uso da abordagem qualitativa. É

fundamental reafirmar que por meio dos dez Núcleos8 Interdisciplinares de Estudo e

Intervenção Pedagógica, o CEMEPE desenvolveu, no período de 2013 a 2016, as

formações contínuas em sistema de colaboração com instituições ligadas à educação, na

perspectiva da consolidação da Rede9 Pública Municipal pelo Direito de Ensinar e de

Aprender. A Roda de Conversa adotada pela Rede foi utilizada pelo CEMEPE como

espaço formativo. Nascimento e Silva define a roda de conversar como uma

[...] Metodologia, bastante utilizada nos processos de leitura e

intervenção comunitária, consiste em um método de participação

coletiva de debates acerca de uma temática através da criação de

espaços de diálogo, nos quais os sujeitos podem se expressar e,

sobretudo, escutar os outros e a si mesmos. Tem como principal

objetivo motivar a construção da autonomia dos sujeitos por meio da

problematização, da socialização de saberes e da reflexão voltada para

a ação. Envolve, portanto, um conjunto de trocas de experiências,

conversas, discussão e divulgação de conhecimentos entre os

envolvidos nesta metodologia. (NASCIMENTO & SILVA, 2009, p. 01,

grifo nosso).

A realização das Rodas de Conversa permitiu diálogos sobre temas que

perpassassem todas as formações, de modo a estabelecer conversas entre as diferentes

áreas do conhecimento, identificar as percepções dos sujeitos envolvidos nos processos

de ensinar e de aprender e desenvolver formações contextualizadas, que consideravam as

práticas educativas no interior das unidades escolares e suas especificidades.

Durante a realização das Rodas de Conversa, os/as professores/as-formadores/as

registravam o ocorrido. Esses registros foram tomados como uma das fontes de dados da

pesquisa documental, além dos registros escritos sobre outros espaços formativos

(exposição dialogada e debates em pequenos grupos) e relatórios do referido Núcleo.

Foram, utilizados, ainda, os registros das avaliações da formação e mapa de frequência

dos/as cursistas, como fontes de dados.

8 A proposta pedagógica que orienta as atividades e formações dos Núcleos fundamenta‐se na Carta às

pessoas que optaram por participar ativamente da concretização do direito de ensinar e de aprender, em

Uberlândia. 9 Lei municipal nº 11.444/2013.

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SIGNIFICADOS DA FORMAÇÃO CONTÍNUA EM REDE: OPÇÕES TEÓRICO-

METODOLÓGICAS

Conforme consta nos relatórios analisados, o NInf compreendia que educar

significa propiciar às crianças situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens

orientadas por culturas infantis. Argumentava a favor do acesso aos conhecimentos

ampliados da realidade social e cultural dos/as alunos/as. Por conseguinte, oportunizou

momento formativo com os/as profissionais da educação, com o propósito de sensibilizar

para a importância do conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais,

estéticas e éticas. Sensibilizar, ainda, para a identificação e valorização das culturas dos/as

grupos de convivência dos/as alunos/as. Baseou‐se nos direitos humanos, na dignidade,

na justiça social, na inclusão, na proteção, na diversidade cultural, linguística, de gênero

e étnica, para planejar e desenvolver as formações contínuas com os/as profissionais da

educação. Promoveu diversos momentos de reflexão-ação sobre a importância da

instituição de educação infantil constituir-se em espaço de inserção das crianças na

educação das relações étnicas, propiciando uma educação para a igualdade com respeito

às diferenças.

Com essa proposta formativa, as cursistas tiveram a possibilidade de repensar a

própria prática e planejar momentos, nas unidades escolares, em que as crianças

pudessem desenvolver identidades e a autonomia, conforme orienta os Referenciais

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998).

Nessa linha de trabalho, planejar e realizar formações com professores/as,

educadores/as infantis da Rede Municipal e Conveniada sobre Culturas Regionais e

Locais; e propor nessas formações, módulos específicos de estudo sobre a temática

História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena e de grupos ciganos foram objetivos

específicos definidos pelo NInf.

No ano de 2016, o NInf desenvolveu 207 formações com temáticas específicas

(conforme Quadro 1). Assim, foi possível abordar as temáticas Raça e etnia e Culturas

Regionais e Locais, totalizando 44 formações, como forma de introduzir uma discussão

sistemática sobre as relações étnico-raciais e a história e cultura africanas, afro-

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brasileiras, indígenas e ciganas, e de inserir na proposta pedagógica da escola esses temas

para que sejam trabalhados continuamente, e não mais como intervenções pontuais,

buscando a identificação e análise de culturas locais e regionais e seus vínculos com as

culturas dos/as alunos/as.

Quadro 1 – Total de Formações por Temáticas NInf em 2016

Fonte: Arquivos Ninf/CEMEPE. (Grifo nosso).

Tendo em vista que

As instituições necessariamente precisam conhecer as culturas plurais

que constituem o espaço da creche e da pré-escola, a riqueza das

contribuições familiares e da comunidade, suas crenças e

manifestações, e fortalecer formas de atendimento articuladas aos

saberes e às especificidades étnicas, linguísticas, culturais e religiosas

de cada comunidade (PARECER CNE/CEB Nº: 20/2009, p. 11),

o referido Núcleo, articulando os temas sobre culturas locais/regionais e raças/etnias,

optou por incluir, na formação, módulos específicos em que as temáticas pudessem ser

problematizadas e se transformassem em referência para o trabalho nas escolas. Além

disso, como ficou evidenciado na análise do relatório do curso, o diálogo com os/as

profissionais da educação foi fundamentado, especialmente, nas formulações de Gomes

(2001) sobre estratégias de atuação no âmbito da educação escolar e relações raciais, de

Trinidad (2012) acerca da diversidade étnico-racial e proposições sobre práticas

Temáticas

CEMEPE Unidades

Escolares/Outros

espaços

Total

Raça e Etnia 16 01 17

Gestão Democrática 02 00 02

Direitos Humanos 10 02 12

Linguagens e Artes 10 02 12

Infâncias 80 02 82

Reorientação Curricular 27 04 31

Pedagogos/as, Gestores/as (Ed. Infantil e

Fundamental)

17 05 22

PNAIC 01 00 01

Culturas Regionais e Locais 26 01 27

Orientação e Prevenção de atos de violência física ou

psicológica

00 01 01

TOTAL de Formações por temáticas em 2016 207

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pedagógicas na educação infantil, de Ampudia (2018) sobre cultura indígena e de Souza

(2013) a respeito da cultura cigana.

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: UM OLHAR

REFLEXIVO SOBRE A FORMAÇÃO ESPECÍFICA

A formação intitulada “Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Reorientação

Curricular na Educação Infantil” contou com carga horária de 30 horas, sendo seis

módulos presenciais (24h) e dois módulos não presenciais (6h), no período compreendido

entre os meses de março e outubro de 2016. O módulo “Culturas Regionais e Locais” foi

realizado em três etapas: Módulo 4, em parceria com o Núcleo de Educação para as

Relações étnico-raciais-NERER, aconteceu no CEMEPE, na 4ª Semana do mês de Junho

e início de Julho (27, 28, 29, 30/06 e 01/07), em dois turnos (manhã e tarde) de modo que

contemplasse os dias de módulos (tempo remunerado destinado para estudo e

planejamento) e horário disponível dos profissionais. O Módulo 5, com o mesmo nome

Culturas Regionais e Locais, foi a oportunidade para que as cursistas desenvolvessem em

seus locais de trabalho a atividade não presencial proposta sobre a temática: Culturas

Regionais e Locais. O Módulo 6, aconteceu no Cemepe, na 4ª semana do mês de agosto

(22/08 a 26/08) e foi o momento de Socialização de Práticas pelas profissionais-cursistas,

envolvendo levantamento sobre as culturas dos/as alunos/as e seus vínculos com as

culturas afro-brasileiras, indígenas e de grupos ciganos.

No módulo 5, foi destacada por cursistas, durante as narrativas sobre as

implicações da formação na prática pedagógica, a realização de Roda de Conversa com

os/as alunos/as, na escola, com o objetivo de identificar as culturas dos/as referidos/as

alunos/as e as marcas de pertencimento étnico-raciais. A quantidade significativa de

alunos/as participantes do Congado10, especialmente a festa de celebração da Nossa

10 Brasileiro (2001, p. 13) apresenta a seguinte definição para a congada: “Um culto aos ancestrais de

hierarquia superior, realizado por nações diversas, possuidoras de antepassados comuns e que através de

danças, de percussões africanizadas, de cantorias antes venerativas somente ao Rei Congo e depois

cristianizada”.

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Senhora do Rosário e de São Benedito11, também, foi sublinhada. Esses/as alunos/as são

filhos/as de congadeiros/as. Evidenciou-se mudança na representação da cultura indígena,

na medida em que professores/as abandonaram figurinos estereotipados de índios

brasileiros em momentos de celebração da cultura indígena.

Todavia, em relação aos grupos ciganos, veio à tona a continuidade do medo de

relacionar com ciganos/as, acampados/as próximos das residências de profissionais da

educação, transferindo para os grupos de ciganos a dificuldade de interagir com outros

grupos e mantendo a dificuldade de valorizar a cultura cigana. Dessa forma, a formação

em tela não impactou as representações e práticas em relação às culturas dos grupos

ciganos.

Souza (2013) chama a atenção para o estigma social que acompanha a identidade

cigana e reconhece a necessidade de mudança nos elementos presentes no imaginário da

população em geral acerca dos/as ciganos/as. Assim, é importante retomar as discussões

acerca das representações sobre ciganos nos cursos de formação continua dos/as

profissionais da educação.

Com a formação “Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Reorientação Curricular

na Educação Infantil”, o NInf buscou articular as práticas sociais com as políticas

públicas e os conhecimentos pertinentes a essa modalidade de ensino. A pluralidade e

diversidade regional e local foram valorizadas e explicitadas no Plano de Formação do

Núcleo que se manteve em constante diálogo com as orientações da Secretaria de

Educação de Uberlândia e, também, previstas no Projeto Político Pedagógico do

CEMEPE.

Os três módulos específicos sobre Culturas Regionais e Locais, realizado pelo

NInf em parceria com o Núcleo de Educação para as Relações étnico-raciais-NERER

oportunizaram trabalho coletivo; organização e elaboração de materiais e recursos

11 “A festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, ou simplesmente a Congada (ou

Congado), é registrada como Patrimônio Imaterial Municipal pelo Decreto nº 11.321 de 29/08/2008.

Considerado um movimento da resistência negra na cidade e na região. Tem seu ponto alto nas imediações

da Igreja do Rosário, onde acontece o encontro dos 24 ternos da cidade. A igreja, o mais antigo prédio

religioso do espaço urbano da cidade, é tombada como Patrimônio Histórico Municipal pela Lei nº 4.263

de 09/12/1985”. Disponível em: <diariodeuberlandia.com.br/noticia/13732/festa-da-congada>. Acesso em:

15 fev.2018.

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10

didático‐pedagógicos; contato com as histórias e culturas africanas, afro‐brasileiras e

indígenas; e debates sobre formas de combate ao racismo e à discriminação, tendo em

vista o papel das instituições de Educação Infantil como primeiro espaço de educação

coletiva fora do contexto familiar e comprometida com o fim de qualquer tipo de

preconceito e discriminação.

CONCLUSÕES POSSÍVEIS

Com base nos resultados das análises dos documentos, pode-se afirmar que o

Núcleo das Infâncias desempenhou papel político-pedagógico ao realizar estudos,

pesquisas e intervenções sobre infâncias, culturas locais e regionais e a educação para

as relações étnico-raciais. Isso porque as formações com os/as profissionais da

educação tiveram um papel importante para a problematização das propostas

educativas, a reorganização dos espaços, dos tempos, dos conteúdos, a valorização das

culturas dos/as alunos/as, com base em uma proposta de educação das relações étnico-

raciais.

O resultado das análises articuladas do mapa de frequência dos/as cursistas, dos

registros das narrativas e das avaliações feitas pelas cursistas permite afirmar, ainda,

que o processo formativo colaborou para o desenvolvimento pessoal e profissional,

potencializando um trabalho colaborativo, inspirado na metodologia adotada na

formação, capaz de auxiliar na transformação das práticas pedagógicas. Afirmar,

também, que em relação à temática, a formação possibilitou a consolidação de saberes

e práticas sobre culturas infantis, culturas locais/regionais e relações étnico-raciais

fundamentais para o diálogo com as infâncias.

REFERÊNCIAS

AMPUDIA, R. O que (não) fazer no dia do índio. Disponível em: <

www.ceert.org.br/noticias/educação>. Acesso em: 15 abr. 2018.

BRASIL Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n° 9.394/96, publicada

23/12/1996, Seção I, p. 27839. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1996.

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11

______. Ministério da Educação da Cultura e do Desporto. Secretaria da Educação

Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. v.1.

Brasília: MEC/SEF, 1998.

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