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-~-CoMPANHIA DAS LETRASE. P. Thompson
Costumesem comumESTUDOS SOBRE ACULTURA POPULAR
TRADICIONAL
At poucos anos atrs a memria histrica da venda de esposas na Inglater-ra seria mais bem descrita como amnsia. Quem iria querer lembrar prticas tobrbaras? Por volta da dcada de 1850, quase todos os comentadores admitiama viso de que a prtica era a) extremamente rara, e b) totalmente ofensiva moralidade (embora, de forma a se justificar, alguns folcloristas comeassem abrincar com a noo de resduos pagos).
O tom do The book of days (1878) de Chambers representativo. O quadro" simplesmente um atentado decncia [... ). S pode ser considerado comoprova da ignorncia apatetada e dos sentimentos brutais de parte de nossa po-pulao rural". E o mais importante era repudiar e denunciar a prtica, porqueos "vizinhos continentais" da Gr-Bretanha tinham notado os "casos fortuitosde venda de esposas", e "acreditam seriamente que um hbito de todas as clas-ses de nosso povo, citando-o constantemente como evidncia de nossa civiliza-o inferior".' Com sua habitual frivolidade rancorosa, os franceses eram osmais agressivos a esse respeito: milorde John Bull' era representado, de botas eesporas, no mercado de Smithfield, gritando "quinze livres mafemmel" [mi-nha mulher por quinze libras I), enquanto a senhora, presa por uma corda, semantinha de p num pequeno cercado.'
The book of days conseguiu reunir apenas oito casos, entre 18'15 e 1839, eesses casos, junto com mais trs ou quatro, foram postos em circulao, semmaiores investigaes, por meio de relatos de jornais ou de antiqurios durantecinqenta anos ou mais. medida que crescia o esclareciInento, a curiosidadediminua. Na primeira metade deste sculo, a memria histrica geralmente se
satisfazia com referncias fortuitas insignificantes em descries populares doscostumes do povo no sculo xvu!. Essas eram comumente oferecidas como umelemento colorido dentro de uma liturgia antittica que contrastava a cultura ani-malesca dos pobres (Gin Lane, Tyburn" and Mother Proctor's Pews [a vida dogim, cadafalso de Tybum e os bancos da madre inspetora], a prtica de aularces contra touros, os rojes atados em animais, o pugilismo com botas pregadasno cho, as corridas nuas, as vendas de esposas) com qualquer forma esclareci-da que supostamente as teria substitudo. J
Contra esse fundo de indiferena, uma poderosa influncia se afirmou: areconstruo cuidadosa da venda de uma esposa, num contexto humanoverossmil, assumindo um lugar significativo na estrutura do enredo de um ro-mance importante, The mayor of Casterbridge. Thomas Hardy foi um obser-vador extremamente perspicaz dos costumes populares, e raramente seu trao mais seguro do que nesse romance. Mas no episdio em que Michael Henchardvende sua esposa Susan numa feira de beira de estrada a um marinheiro que pas-sava, Hardy no parece ter se apoiado na observao (nem na tradio oral dire-ta), mas em fontes jornalsticas. Essas fontes (como veremos) so geralmenteenigmticas e opacas. E o episdio, assim como est delineado no romance, comsua origem aparentemente casual e sua expresso brutal, no se ajusta s evi-dncias mais "tpicas". O leilo de Susan Henchard no tem caractersticas ri-tuais; o comprador aparece fortuitamente e faz sua oferta no impulso domomento. Hardy consegue reconstruir o episdio e desvendar as suas conse-qncias de forma admirvel, ao apresentar o consenso popular geral quanto legitimidade da transao e quanto a seu carter irrevogvel- uma convicocertamente partilhada por Susan Henchard' Mas, em ltima anlise, a apresen-tao de Hardy ainda recaa no mesmo esteretipo do The book of days. "De mi-nha parte", diz o bbado Henchard, "no vejo por que os homens que tmmulheres e j no as querem no deveriam se ver livres delas, como essesciganos fazem com os cavalos velhos [...]. Por que no deveriam oferec-Ias evend-Ias em leilo a homens que esto precisando desse tipo de artigo?"
O pressuposto subjacente a ambos os relatos que avenda da esposa era umacompra direta de um bem. E uma vez estabelecido o esteretipo, demasiado f-cil interpretar a evidncia por meio do clich. Pode-se ento admitir que a esposaera leiloada como um animal ou mercadoria, talvez contra a sua vontade, sejaporque omarido queria se ver livre dela, seja por motivos puramente mercenrios.Como tal, o costume desautorizava qualquer exame escrupuloso. Podia ser toma-
(11) Tybum foi, at 1783, o principal local de execues pblicas em Londres. "Gin Lane",quadro de W. Hoganh (1697-1764) representando a degradao dos pobres alcoolizados pelo gimque incentivou a aprovao do GinActem 175 I, taxando a bebida para inibir seu consumo. (N. R.)
do como um exemplo melanclico de abjeta opresso feminina, ou como ilus-trao da leviandade com que os homens pobres consideravam o casamento.
Mas esse esteretipo - e no o fato de que as esposas eram ocasional-mente vendidas - que requer investigao. De qualquer modo, parecia acon-selhvel coletar alguns dados antes de apresentar explicaes seguras. Nadcada de 1960, com muita ajuda de amigos e correspondentes, comecei a for-mar arquivos sobre as vendas "rituais" nos sculos XVIII e XIX; e no final da d-cada de 1960 e durante toda a dcada de 1970, infligi esboos deste captulo amuitas audincias na Gr-Bretanha e nos Estados Unidos. Em 1977,j tinha unstrezentos casos em minhas fichas, embora pelo menos cinqenta sejam'demasiado vagos ou dovidosos para serem tomados como evidncia. Nessemeio tempo, adiava a publicao de minhas concluses, embora elas fossemsucintamente relatadas no trabalho de outros pesquisadores.' Novo adiamentofez com que minha pesquisa se tornasse ultrapassada, pois em 1981 foi publica-do um volume substancial, Wivesfor saZe [Esposas venda], escrito por SamuelPyeatt Menefee.
O estudo etnogrfico do sI. Menefee foi realizado como dissertao juntoao Departamento de Antropologia Social na Universidade de Oxford, e o as-sunto talvez tenha chegado ao conhecimento desse departamento quando deiuma palestra sobre o tema num de seus seminrios, No podia reivindicar direi-tos autorais sobre o tpico, e na realidade a minha inteno fora despertar o in-teresse histrico e antropolgico. Ainda assim, minha primeira reao foiconsiderar que meu trabalho se tornara redundante pela ao de terceiros. O sr.Menefee investigara o tema com grande diligncia; pesquisara em muitas bi-bliotecas e reparties de registros civis; reunira material muito curioso e svezes relevante; e ultrapassara minhas prprias contas, com um apndice de 387casos. Alm disso, ele partilhava minharedefinio do ritual ao dar a seu volumeo subttulo "Um estudo etnogrfico do divrcio popular britnico". Com umpouco de tristeza - pois o tema me preocupara por alguns anos - deixei meuensaio de lado.
Retomo agora o estudo, apresentando-o tardiamente ao pblico, porqueno acho afinal que o sr. Menefee e eu tenhamos nos repetido, nem que as nos-sas investigaes se reportem s mesmas questes. O sI. Menefee escreveu otexto como aprendiz de etngrafo, e seu conhecimento da histria social britni-ca e de suas disciplinas era bsico. Por isso, tinha pouco discernimento do con-texto social, poucos critrios para distinguir entre a e~idncia confivel e aadulterada, e seus exemplos fascinantes aparecem no meio de uma mistura dematerial irrelevante e interpretaes contraditrias. Seu livro muito meticu-loso e cuidadosamente documentado, ao que devemos agradecer, mas ele nopode ser tomado como a palavra final sobre a venda das esposas.
o ritual talvez tenha interesse apenas marginal, e pouca relevncia geralpara o comportamento sexual ou as normas conjugais. Abre apenas uma peque-na janela para essas questes. Entretanto, no h muitas dessas janelas, e nuncateremos uma viso panormica at que todas as cortinas sejam abertas e as pers-pectivas se cruzem. Dessa evidncia fragmentria e enigmtica, devemos ex-trair todas as percepes possveis sobre as normas e a sensibilidade de umacultura perdida, bem como sobre as crises internas aos pobres.
As evidncias quantitativas a respeito da venda de esposas e sua freqn-cia so, sob muitos aspectos, as menos satisfatrias a serem oferecidas nestecaptulo, por isso comearemos por elas. Coletei cerca de trezentos casos, den-tre os quais rejeitei cinqenta por serem duvidosos. Menefee lista 387 casos,mas esse nmero inclui muitos casos vagos e duvidosos, freqente contagemdupla do mesmo caso, e casos que no so vendas rituais "verdadeiras". Vamosdizer que tenho 250 casos autnticos, e que Menefee tem trezentos. Mas cercade 150 casos aparecem em ambas as listas - casos coligidos em fontes evi-dentes como Notes and Queries, os arquivos do The Times, compilaes de fol-clore etc. Portanto, j untos coletamos uns quatrocentos exemplos.
Ainda assim, achei necessrio podar esse material, especialmente nosprimeiros anos (antes de 1760) e naqueles depois de 1880. A venda ou troca deesposa, para servios domsticos ou sexuais, parece ter ocorrido ocasional-mente na maioria dos lugares e pocas. Pode ser apenas uma transao aber-rante, com ou sem pretensa base contratual- registrada, s vezes, ainda hojem dia. Infelizmente, alguns dos primeiros exemplos no fornecem quase ne-nhuma evidncia quanto natureza da prtica. Assim, o registro de um historia-dor local "baseado num antigo documento relativo a Bilston" - "Novembro de1692. John, o filho de Nathan Whitehouse, de Tipton, vendeu sua mulher ao sr.Bracegirdle" - pode no possuir, sem outras evidncias, a pertinncia para sercontado como um caso de venda ritual de esposa.6 Mas alguns dos exemplos pos-teriores, embora mais bem documentados, tambm apresentam dificuldades.Assim, em 1913, uma jovem casada afirmou num tribunal de pequenas contra-venes de Leeds (num caso de reivindicao de sustento) que o marido avendera por uma libra a um colega de trabalho que morava na rua vizinha. O fi-lho foi adotado pelo segundo homem: ele o aceitou por seis semanas, e depoismandou que ela afogasse a criana. Mas esse homemj era casado, e mais tardevoltou sua mulher.7 Se esse caso foi uma venda de esposa, o costume j estava
num avanado estado de decomposio, e a prtica se afastando do uso anterior-mente aceito.
H alguns casos antes de 1760 e depois de 1880 que fornecem melhoresevidncias. Mas, para fins de contagem, decidi deixar os casos antes de 1760para historiadores mais bem qualificados para interpretar a evidncia, e ignoraraqueles depois de 1880. Isso me reduziu a 218 casos que posso aceitar comoautnticos entre 1760 e 1880:8
Vendas de esposas: casos visveis1760-1800 421800-1840 1211840-1880 55
Os casos vieram de todas as regies da Inglaterra, mas s tenho um caso da Es-ccia nesse perodo e bem poucos casos do Pas de Gales. Os condados com dezou mais exemplos so: Derbyshire (10), Devon (12), Kent (10), Lancashire (12),Lincolnshire (14), Middlesex e Londres (19), Nottinghamshire (13), Stafford-shire (16), Warwickshire (10), e (bem no topo da tabela) Yorkshire (44).
Esses nmeros mostram pouca coisa, exceto que aprtica certamente ocor-ria, e em muitas regies da Inglaterra. Os nmeros so de casos visveis, e a visi-bilidade deve ser considerada em pelo menos trs sentidos. Primeiro, soocorrncias cujos vestgios por acaso se tornaram claros para mim. EmboraMenefee e eu apresentemos o mesmo perfil geral, em certo sentido ambos de-pendemos do que chamou a ateno dos folcloristas ou do que foi registrado pe-los jornais metropolitanos. No existem fontes das quais se possa extrair umaamostra sistemtica, e apenas uma pesquisa detalhada nos jornais provincianosde todas as regies poderia pretender criar tal amostra.9 Segundo, havia ocor-rncias que tinham de adquirir uma certa notoriedade para deixar algum tipo devestgio nos registros. Uma venda ritual na praa do mercado de uma cidade re-lativamente grande poderia ter esse efeito, mas tal no aconteceria necessaria-mente com uma venda privada numa taverna, a no ser que fosse acompanhadade alguma circunstncia inusitada. Como a segunda forma era a preferida emalguns distritos, e geralmente substituiu a primeira forma depois de 1830 ou1840, no h esperana de recuperar quantidades precisas.
Mas a visibilidade num terceiro sentido a que tem mais importncia, a queoferece restries mais amplas a quaisquer quantificaes, e aque ilustra a na-tureza escorregadia das evidncias com que devemos lidar. Pois quando foi quea venda de esposas se tornou visvel a um pblico refinado ou de classe mdia,sendo assim digna de uma nota na imprensa? A resposta d~ve estar relacionadacom mudanas indistintas na conscincia social, nos padres morais e nos valo-res das notcias. A prtica se tornou tema de reportagem e comentrios mais fre-qentes no incio do sculo XIX. Durante grande parte do sculo XVUI, porm, os
jornais no se prestavam a veicular comentrios sociais ou domsticos dessetipo. H boas razes para se supor que as vendas de esposas fossem amplamentepraticadas bem antes de 1790. O costume foi pouco noticiado, porque no eraconsiderado digno de registro, a menos que alguma circunstncia adicional(cmica, dramtica, trgica, escandalosa) lhe conferisse interesse. Esse silnciopode ter acontecido por vrios motivos: ignorncia polida (a distncia entre acultura do pblico de jornais e a dos pobres), indiferena a um costume tocomum que no exigia comentrios, ou averso. As vendas de esposas tornaram-se dignas de meno na imprensa junto com o reflorescimento evanglico, que,ao elevar o limiar da tolerncia da classe mdia, redefiniu uma questo de"ignorncia" popular como uma questo de escndalo pblico.
Isso tem conseqncias infelizes. Pois embora a prtica seja s vezes re-latada depois de 1790 como comdia ou caso de interesse humano, mais fre-qentemente noticiada num tom de desaprovao moral to forte a ponto deobliterar aquela evidncia que s a objetividade poderia ter produzido. As vendasde esposas mostravam que um "sistema de comrcio de carne humana" no esta-va "confinado s praias da frica"; a corda que prendia a esposa poderia ser maisbem empregada para enforcar ou chicotear as partes interessadas na transao; e(comumente) era "uma cena muito desagradvel e vergonhosa" (Smithfield,1832), "uma dessas cenas revoltantes que so uma desgraa para a sociedade ci-vilizada" (Norwich, 1823), "uma transao indecente e degradante" (York,1820). O marido que vendia a esposa era "um animal em forma humana" (Not-tingham, 1844), e a prpria esposa era uma "vagabunda desavergonhada", ou ob-jeto de piedade sentimental.
Isso dificulta a investigao. Um cmputo por dcada dos casos visv.eisentre 1800 e 1860revela: 1800-9,22; 1810-9,32; 1820-9,33; 1830-9,47; 1840-9,22; 1850-9, 14.'0 Se traado num grfico, esse cmputo mostrari;l uma curva as-cendente de vendas, atingindo o clmax no incio da dcada de 1830 (nove ven-das em 1833) e depois caindo abruptamente. Mas um grfico das vendas reaispoderia se contrapor a um grfico das vendas visveis. Pois esse ltimo no re-vela as vendas, mas a afronta moral provocada pelas vendas. Essa afronta eraacompanhada de uma crescente ao contra as vendas por parte de magistrados,policiais, funcionrios do mercado e moralistas. Era tambm associada a umacorrente cada vez mais forte de desaprovao no mbito da prpria cultura po-pular, alimentada por fontes evanglicas, racionalistas e radicais ou sindicais. bem possvel que as vendas reais tenham atingido o clmax em algum ponto nosculo XVIIl ou bem no incio do sculo XIX, e a publicidade dada s vendas en-tre 1820 e 1850 pode ter revelado resduos tardios e um tanto envergonhados deuma prtica j em declnio. Essa publicidade, por sua vez, pode ter ajudado a
expulsar a venda de esposas da praa do mercado, fazendo com que a prticaadotasse formas mais discretas.
Algumas evidncias literrias confirmam essa sugesto. Assim h umaclara descrio de venda ritual da esposa, com leilo pblico e com entrega damulher presa por uma corda, num tratado legal primoroso sobre The laws res-pecting women as they regard their natural rights [As leis concementes s mu-lheres no que diz respeito a seus direitos naturais], publicado em 1777. Nem eu,nem Menefee temos muitos casos antes de 1777 que indiquem claramente umavenda ritual, mas o autor desse tratado no teria motivos para inventar a questo.Em seu Observations on popular antiquities [Observaes sobre antiguidadespopulares], John Brand tambm relata a prtica em termos que sugerem res-duos de uma tradio mais vigorosa: "Uma superstio extraordinria aindaprevalece entre os mais baixos dentre os vulgares, a de que um homem podevender legalmente a sua mulher para outro, desde que ele a entregue com umacorda ao redor do pescoo"." Com base nessas referncias, poderamos suporque a venda ritual da esposa era lugar-comum em 1777, dificilmente digna decomentrio, e que assim o fora por um sculo ou mais. Acho tal coisa im-provvel, e o tom dos relatos na imprensa sugere uma evoluo diferente. As-sim, um caso de Oxford em 1789 registrado como "o modo vulgar de divrcioadotado ultimamente"; em 1790, um relato de Derbyshire falava da entrega damulher presa numa corda "na forma habitual que tem sido praticada nos ltimostempos", e no mesmo ano jornais de Derby e Birmingham acharam necessrioobservar que, "como casos de venda de esposas vinham ocorrendo com fre-qncia entre a classe mais baixa do povo", essas vendas eram "ilegais e semefeito"." Isso poderia sugerir que a venda de esposas, na sua.f()[maritual doleilo na praa do mercado e da mulher presa por uma corda, embora difundidaem algumas regies do pas, estava em 1777 apenas lentamente se espalhandopara outras regies." Por volta da dcada de 1800, os jornais se referem a ven-das "no estilo habitual" e a "cenas vergonhosas que ultimamente tm se torna-do comuns" .'. Mas a evidncia a respeito dessa evoluo incerta, e a questodeve ficar em aberto.
sempre incerto se os casos relatados so a ponta de um iceberg ou umndice verdadeiro de freqncia." Em qualquer momento antes de 1790-1830, avisibilidade no pode ser tomada como indicador da natureza excepcional do ca-so. Quando em 1819 o proco de Clipsham em Rutland acusou um paroquianode comprar a esposa, observou-se que "o comprador feti escolhido para serpunido por ser o mais rico e o mais apropriado para servir de exemplo" - masClipsham naquela poca tinha apenas 33 casas e 173 habitantes. '6 Nas dcadasde 1830 e 1840, entretanto, h mais sugestes de que os casos visveis eram con-siderados inusitados ou resduos de costumes antigos. Em 1839, uma venda em
Witney foi vista como "uma dessas ocorrncias vergonhosas, felizmente pouco[...] freqentes"; enquanto uma venda em Bridlington no ano anterior foi com-parada a "uma transao semelhante" ocorrida na mesma cidade dez anosantes.'7
O consenso da opinio esclarecida na metade do sculo XIX era o de que aprtica existia apenas entre os estratos mais inferiores dos trabalhadores, espe-cialmente nas zonas rurais mais afastadas: como Brand dissera, "os mais baixosdentre os vulgares". Isso pode ser verificado pelas ocupaes atribudas ao mari-do ou ao comprador na minha amostra. Embora a natureza dos relatos no garan-ta preciso de informaes, so atribudas ocupaes em 158 casos:
Vendas de esposas: ocupaes atribudas ao marido ou ao compradorl5 Trabalhadores8 Mineiros de carvo (incluindo os mineiros e os trabalhadores nos poos das mi-nas)
7 Operrios em escavaes (incluindo os que construam valas e diques)6 Cocheiros (incluindo postilhes e cavalarios)5 Ferreiros; agricultores; trabalhadores da fazenda ou "homens do campo"; sapa-teiros; soldados; alfaiates
4 Limpadores de chamin; jardineiros3Assentadores de tijolo; fabricantes de tijolo; aougueiros; carpinteiros oumarceneiros; operrios da fbrica; negociantes de cavalos ou gado; fabricantesde pregos; latoeiros
2 Padeiros; escreventes; condutores de burros; lixeiros; cavalheiros; invernadoresde gado; moleiros; trabalhadores em ferro; marinheiros; fabricantes de malhas;barqueiros; tecelesiFabricante de cestas; vendedor ambulante de cobertores; fabricante de calas;botoeiro; carroceiro; limpador de cinzas; fabricante de l; carvoeiro; cavador;peleiro; vendedor ambulante de bolo de gengibre; chapeleiro; vendedor defeno; condutor de porcos; acendedor de lampies; pedreiro; fabricante decolches; funcionrio; pintor; taverneiro; mercador de trapos; carregador deareia; serrador; aceiro; cortador de pedra; cortador de palha; negociante; guar-da florestal
Designados antes pelo cargo, situao de vida etc., do que pela ocupao: mendi-gos (2); pensionistas (2); recm-chegados do exlio (2); caador ilegal (I); e Hen-ry Brydges, 2"duque de Chandos.
Deve-se acrescentar a essas sugestes gerais (mas imprecisas) que a venda deesposas era predominante entre certos grupos ocupacionais, como operrios deferrovias, barqueiros, funileiros ambulantes ou viajantes. Mas ocupaesaltamente picarescas, com grande mobilidade e muitos acasos da sorte, parecemter encorajado - como acontece com os marinheiros e os soldados - notaes
diferentes de "casamento", que era visto por ambos os lados como um arranjomais transitrio.
Essa tabela de ocupaes traz poucas surpresas ( exceo do duque deChandos)." H um grande grupo (19) envolvido de alguma maneira com ocomrcio de gado e transporte, freqentadores provavelmente assduos dosmercados de gado. Outro grupo (14) vem dos ofcios de construo, que parti-lhava com os trabalhadores em escavaes uma grande mobilidade. Os restantesso os de status social mais elevado. Dos dois reputados cavalheiros, um com-prou a mulher de um fabricante de l em Midsomer Norton, Somerset, por seisguinus em 1766; no mencionado nenhum ritual pblico, a venda foi porcon-trato particular, e, pelas declaraes da esposa, ela no foi consultada (ver p.249-50). No outro caso, em Plymouth em 1822, o cavalheiro era o marido e ovendedor da esposa: voltaremos a esse caso inusitadamente bem documentado(pp. 253-4). Ainda outro caso, em Smithfield em 1815, chamou a ateno pre-cisamente por causa da riqueza e status das partes envolvidas: o marido era in-vernador de gado, o comprador um "famoso negociante de cavalos", o preo dacompra era elevado (cinqenta guinus e "um cavalo valioso que servia de mon-taria ao comprador"), e "a dama (o objeto da venda), jovem, bela e elegante-mente vestida, foi levada ao mercado numa carruagem, e exposta aos olhos docomprador com uma corda de seda ao redor dos ombros, que estavam cobertospor um rico vu de renda branca". Observou-se na imprensa em tom de re-provao que "at ento s vamos aqueles que pertencem s classes mais baixasda sociedade degradando-se desse jeito" .'9
O perfil ocupacional sugerido por essa amostra no o dos ofcios de luxo,nem o dos artesos qualificados, mas oda cultura plebia mais antiga que os pre-cedeu e por muito tempo com eles coexistiu. Os trabalhadores na indstria pro-dutora de fibra txtil, tecidos, esto bem pouco representados; embora Yorkshirefornea mais exemplos do que qualquer outro condado, Yorkshire apresentamineiros de carvo e ofcios no qualificados, mas nenhum tosquiador ou car-dado r, e apenas dois teceles. H ferreiros na amostra, mas nenhum engenheiroou fabricante de instrumentos; h operrios em escavaes, mas nenhum tra-balhador do estaleiro; e apenas trs trabalhadores de moinho ou operrios defbrica. Por serem casadas, as mulheres so descritas pela sua aparncia, com-portamento ou suposta conduta moral, mas muito raramente pela ocupao.Mas sabemos que havia duas empregadas de minas; pelo menos duas erammendigas, vendidas para poupar as taxas assistenciais da parquia; uma eraoperria de fbrica, e outra fazia novelos numa fiao. '
Seria vo (por razes que se tornaro evidentes) quantificar a elevao oua queda do preo das esposas. No topo da lista (um caso insatisfatrio), um car-voeiro de Wolverhampton, em 1865, teria supostamente vendido a esposa para
um marinheiro americano por cem libras, mais 2S libras por cada uma das duascrianas.'" No outro extremo, as esposas eram entregues de graa ou por umcopo de cerveja; o valor mais baixo negociado foi trs farthings. Talvez o preomdio estivesse na faixa de dois xelins e seis pence a cinco xelins, emboramuitos exemplos fiquem acima ou abaixo desse valor. Mas o marido freqente-mente exigia uma tigela de ponche ou um galo de cerveja alm do preo dacompra, e s vezes algum outro artigo - um relgio de pulso, uma pea deroupa, uma poro de tabaco. Um condutor de burros de Westminster vendeu aesposa para outro condutor por treze xelins e um burro. Num caso muito citadoem Carlisle (1832), um agricultor, que arrendava 42 acres, vendeu a esposa paraum pensionista por vinte xelins e um grande cachorro terra-nova. Ele retirou dopescoo da mulher a corda de palha com que a conduzira ao mercado, e colo-cando-a ao redor do pescoo de sua nova aquisio, dirigiu-se tavema maisprxima."
Isso bom para aqueles que gostam de fofocas quantitativas, mas devemosagora empreender trabalho srio e questionar: qual o significado da forma decomportamento que tentamos calcular? O material aparece na imprensa combastante freqncia, de forma abreviada ou de vez em quando sensacionalista,opaca investigao. A notcia pode ser brevssima: "Na tera-feira, 2S defevereiro, um certo Hudson levou a sua mulher para o mercado de Stafford evendeu-a em leilo pblico, depois de muitas ofertas, por cinco xelins e cincopence".22 "Um sujeito chamado Jackson vendeu a sua mulher por dez xelins t