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Universidade Federal Rural de Pernambuco Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Programa de Pós-graduação em Botânica EFEITO DA INTEGRAÇÃO AO MERCADO SOBRE O CONHECIMENTO ECOLÓGICO LOCAL Temóteo Luiz Lima da Silva RECIFE-PE 2016

EFEITO DA INTEGRAÇÃO AO MERCADO SOBRE O ...Um agradecimento mais que especial aos integrantes do LEA-Fulni-ô, composto por Juliana Loureiro (coordenadora da equipe), Josivan Soares,

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Universidade Federal Rural de Pernambuco

Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

Programa de Pós-graduação em Botânica

EFEITO DA INTEGRAÇÃO AO MERCADO SOBRE O

CONHECIMENTO ECOLÓGICO LOCAL

Temóteo Luiz Lima da Silva

RECIFE-PE

2016

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TEMÓTEO LUIZ LIMA DA SILVA

EFEITO DA INTEGRAÇÃO AO MERCADO SOBRE O

CONHECIMENTO ECOLÓGICO LOCAL

Trabalho de dissertação apresentado ao

Programa de Pós-graduação em Botânica

da Universidade Federal Rural de

Pernambuco, como parte das exigências

para a obtenção do título de Mestre em

Botânica.

Orientador: Dr. Ulysses Paulino de

Albuquerque – Departamento de

Biologia - UFRPE

RECIFE-PE

2016

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Ficha catalográfica

S586e Silva, Temóteo Luiz Lima da

Efeito da integração ao mercado sobre o conhecimento

ecológico local / Temóteo Luiz Lima da Silva. – Recife, 2016.

Recife, 2016.

40 f. : il.

Orientador: Ulysses Paulino de Albuquerque.

Dissertação (Mestrado em Botânica) – Universidade Federal

Rural de Pernambuco, Departamento de Biologia, Recife,

2016.

Inclui referências e anexo(s).

1. Etnobotânica 2. Artesanato 3. Conhecimento híbrido

I. Albuquerque, Ulysses Paulino de, orientador II. Título

CDD 581

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EFEITO DA INTEGRAÇÃO AO MERCADO SOBRE O CONHECIMENTO ECOLÓGICO

LOCAL

TEMÓTEO LUIZ LIMA DA SILVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Botânica da Universidade Federal

Rural de Pernambuco, desenvolvido dentro da Área de Concentração de Ecologia de

Ecossistemas, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Botânica.

Aprovado pela Banca Examinadora em: ___/___/2016

Orientador: __________________________________________

Dr. Ulysses Paulino de Albuquerque

Universidade Federal Rural de Pernambuco

Examinadores:

__________________________________________

Dr. Washington Soares Ferreira Junior - Titular

Universidade de Pernambuco

__________________________________________

Dra. Patrícia Muniz de Medeiros - Titular

Universidade Federal de Alagoas

__________________________________________

Dr. Thiago Antônio de Sousa Araújo - Titular

Universidade Federal do Tocantins

__________________________________________

Dra. Taline Cristina da Silva - Suplente

Universidade de Pernambuco

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao

Conselho Nacional de Desenvolvimentos Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio

financeiro fornecido durante a realização do mestrado.

Ao meu orientador Ulysses Paulino de Albuquerque, pelo qual tenho grande respeito e

admiração, agradeço por todas as contribuições e oportunidades de crescimento pessoal e

profissional.

Ao Programa de Pós-graduação em Botânica da Universidade Federal Rural de Pernambuco

por todo apoio, na figura de seu atual coordenador o Dr. Reginaldo Carvalho e de sua

antecessora a Dra. Carmem Zickel. Especial agradecimento a Kênia Azevedo, a secretaria

mais competente que já conheci.

Agradeço ao pajé Fulni-ô Gildiere Pereira, aos índios Jemerson Caetano, Renildo Macêdo,

Lúcia Macêdo, Gibson Cruz, Jucié da Silva, Romário Torres, Antônio Feitosa Filho, Wilke

Torres, Towê, Rosângela Lúcio, José Ribeiro Neto e a todos funcionários da Escola Marechal

Rondon pelo apoio no desenvolvimento do estudo. Um agradecimento especial ao Mestre

(Jailson) pelo intercâmbio de conhecimento e a Vicente Torres por ser tão prestativo.

Agradeço também a todos os índios que compartilharam seu conhecimento para a realização

dessa pesquisa.

Agradecimento especial a minha segunda família, os amigos do Laboratório de Ecologia e

Evolução de Sistemas Socioecológicos (LEA), pelo companheirismo, contribuições e

descontrações concebidas durante o curso.

Um agradecimento mais que especial aos integrantes do LEA-Fulni-ô, composto por Juliana

Loureiro (coordenadora da equipe), Josivan Soares, Wendy Marisol, André Santos, André

Borba e Flávia Rosa. Com o apoio de vocês as visitas a aldeia indígena se tornaram mais

agradáveis. Obrigado pela ajuda na coleta de dados e as contribuições durantes todo o

processo.

Entre os agradecimentos pessoais, gostaria de resgatar a importância da amizade e

companheirismo de Leonardo Chaves, Daniel Sousa e André Santos que sempre estão comigo

nos momentos tristes, felizes, tensos e descontraídos. A Leonardo por não me cobrar pela sua

função de conselheiro pessoal. A Juliana Loureiro, pessoa que me inspira respeito e

admiração. Você tem sido uma pessoa muito importante em minha vida. Ao meu amigo

Josivan Soares pela amizade e companheirismo.

Aos meus amigos queridos: Clivson Ruy, Bonifácio Santana, Marcos Antônio, Reginaldo

Freitas, Adson Farias, Miguel Alcântara, Thiago Medeiros.

A minha adorável mãe Edivânia, sempre cuidadosa e amorosa. Ao meu pai Luiz Carlos. Aos

meus irmãos Terciene Maria e Teófilo Luiz pela fraternidade.

Por fim, agradeço a todos que de alguma forma contribuíram para essa dissertação.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Estatística descritiva do perfil socioeconômico e variáveis dependentes do modelo

de GLM do efeito da integração aos mercados entre os índios Fulni-ô, Nordeste do Brasil

................................................................................................................................................. 35

Tabela 2 - Lista de espécies registradas como úteis para fins artesanais entre os índios Fulni-

ô, Nordeste do Brasil .............................................................................................................. 36

Tabela 3 - Sumário do Modelo Linear Generalizado para o efeito das variáveis

socioeconômicas sobre o conhecimento de plantas e artesanatos tradicionais e não tradicionais

dos artesãos Fulni-ô, Nordeste do Brasil

.................................................................................................................................................. 40

Tabela 4 - Sumário do Modelo Linear Generalizado para o efeito das variáveis

socioeconômicas sobre o consumo de biomassa para produção de artesanatos tradicionais e

não tradicionais dos artesãos Fulni-ô, Nordeste do Brasil

.................................................................................................................................................. 40

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SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................................ vii

ABSTRACT........................................................................................................ viii

1. INTRODUCÃO GERAL ............................................................................... 9

2. REVISÃO DE LITERATURA...................................................................... 10

2.1 Integração aos mercados por populações indígenas e locais 10

2.2 Integração aos mercados e o conhecimento ecológico local 11

2.3 Integração aos mercados e o uso de recursos naturais 13

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................... 15

Capítulo 1: Efeito da integração ao mercado sobre o conhecimento ecológico

local e uso dos recursos vegetais – estudo de caso com os índios Fulni-ô no

Nordeste do Brasil

18

RESUMO.............................................................................................................. 19

1. INTRODUÇÃO................................................................................................ 20

2. MÉTODOS........................................................................................................ 21

2.1 Área de Estudo............................................................................................. 21

2.2 Procedimentos de coleta de dados................................................................ 23

2.3 Análise de dados........................................................................................... 25

3. RESULTADOS 26

4. DISCUSSÃO 28

5. CONCLUSÃO 29

6. AGRADECIMENTOS 30

7. REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS 31

ANEXOS 41

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Silva, Temóteo Luiz Lima. Universidade Federal Rural de Pernambuco. Efeito da

integração ao mercado sobre o conhecimento ecológico local e uso dos recursos vegetais

– estudo de caso com os índios Fulni-ô no Nordeste do Brasil. Ulysses Paulino de

Albuquerque.

RESUMO

Estudos empíricos evidenciam que a integração aos mercados pode provocar mudanças em

práticas culturais afetando o conhecimento ecológico local e o uso de recursos nativos. Em

nosso estudo, objetivamos verificar tal efeito sobre o conhecimento ecológico local e

aproveitamento de recursos nativos para confecção de artesanatos entre os índios Fulni-ô do

Nordeste do Brasil. Esta etnia fabrica dois tipos de artesanatos: os tradicionais de sua cultura e

os artesanatos não tradicionais que refletem a visão de “índio” da sociedade globalizada.

Utilizamos o conhecimento sobre os artesanatos não tradicionais como medida de integração

aos mercados para verificar se: i) variáveis socioeconômicas podem predizer o conhecimento

e uso de artesanatos tradicionais e não tradicionais. Acreditamos que esse tipo de análise pode

indicar setores da sociedade que são mais suscetíveis ao processo de integração; e ii) se

artesanatos não tradicionais demandam maior consumo de biomassa que artesanatos

tradicionais. Análises de GLM foram executadas para ver a relação entre essas variáveis. O

consumo de biomassa vegetal foi registrado utilizando a técnica do inventário in situ. O teste

Wilcoxon foi utilizado para verificar diferenças no consumo de biomassa para usos

tradicionais e não tradicionais. Como principais resultados, encontramos que os

conhecimentos tradicional e não tradicional se concentram nos mesmos segmentos da

sociedade. Artesãos mais experientes detêm uma maior riqueza de conhecimento sobre

artesanatos tradicionais, sendo importantes na manutenção desse conhecimento. Os Fulni-ô

concentram seu consumo de biomassa na produção de artesanatos não tradicionais.

Concluímos que a integração aos mercados afetou o conhecimento local diversificando-o, mas

afeta expressivamente os recursos naturais, podendo ter efeitos negativos sobre as populações

das espécies utilizadas.

Palavras-chave: Conhecimento híbrido; Conservação da biodiversidade; Etnobiologia;

Etnobotânica

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Silva, Temóteo Luiz Lima. Universidade Federal Rural de Pernambuco. Effect of

market integration on the local ecological knowledge and use of plants resources – a case

of study with Fulni-ô Indians, Northeast of Brazil. Ulysses Paulino de Albuquerque.

ABSTRACT

Empirical studies show that the integration of markets can cause changes in cultural practices

affecting the local ecological knowledge and the use of native resources. In our study, we

aimed to determine such an effect on the local ecological knowledge and use of native

resources for making handicrafts among the Indians Fulni-ô in the Northeast of Brazil. This

ethnic group manufactures two types of crafts: the traditional of its culture and non-traditional

that reflect the vision of "Indian" of globalized society. We use the knowledge about non-

traditional crafts as measure of integration to markets to verify that: i) socio-economic

variables can predict the knowledge and use of traditional and non-traditional crafts. We

believe that this type of analysis can indicate sectors of society that are more susceptible to

the integration process; and ii) non-traditional handicrafts demand higher consumption of

biomass that traditional handicrafts. GLM analysis were performed to see the relationship

between these variables. The consumption of vegetal biomass was recorded using the

technique of inventory in situ. The Wilcoxon test was used to assess differences in the

consumption of biomass for traditional and non-traditional uses. As main results, we found

that traditional and non-traditional knowledge focus on the same segments of society. Most

experienced craftsmen have an abundance of knowledge about traditional crafts, and are

important for the maintenance this knowledge. The Fulni-ô focus their consumption of

biomass in the production of non-traditional handicrafts. We conclude that the integration of

markets has affected local knowledge diversifying it, but significantly affect natural resources

and can have negative effects on the populations of the species used.

Keywords: Hybrid Knowledge; Biodiversity conservation; Ethnobiology; Ethnobotany

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1. INTRODUÇÃO GERAL

As mudanças no conhecimento ecológico local de indígenas e populações rurais têm

sido foco de diversos estudos etnobotânicos e geralmente têm sido associadas ao acesso à

educação formal (REYES-GARCÍA et al., 2013), processos de modernização (BENZ et al,

2000) e, mais comumente, a integração aos mercados (GODOY et al, 2005; REYES-

GARCÍA et al, 2005). Como efeito da modernização, populações indígenas estão mais

propensas a ingressar no mercado através de atividades econômicas, mas tal processo pode

influenciar seu bem-estar, conhecimento ecológico local e uso de recursos naturais.

Alguns autores defendem que a integração aos mercados está associada a perda de

conhecimento local (GODOY; BROKAW; WILKIE, 1998; LU, 2007). No entanto, estudo

empíricos têm mostrado que a participação nos mercados pode produzir diferentes efeitos

como a manutenção do conhecimento ecológico local (REYES-GARCÍA et al, 2007) e até

mesmo a aquisição de novos conhecimentos (GUEST, 2002). Em contextos de integração aos

mercados o conhecimento ecológico local também pode ser híbrido (GÓMEZ-

BAGGETHUN; REYES-GARCÍA, 2013), sendo composto por conhecimento tradicional e

não tradicional. Em relação ao uso dos recursos naturais, a integração aos mercados pode

promover a especialização (RUIZ-PÉREZ et al., 2004; SIERRA; RODRIGUEZ; LOSOS,

1999) bem como a intensificação no consumo de produtos florestais (MORSELLO et al.,

2014). Famílias integradas tendem a se aperfeiçoarem na produção de bens e serviços que

atendem as demandas do mercado (VADEZ et al., 2004).

Diante disto, o presente trabalho teve como objetivo estudar os efeitos da integração

aos mercados sobre o conhecimento e aproveitamento dos recursos vegetais nativos entre os

índios Fulni-ô, do Nordeste do Brasil. Esse grupo indígena possui traços de etnicidade e

resistência cultural como a manutenção da língua nativa, além disso, apresenta um cenário de

integração aos mercados interessante, pois fabrica artesanatos que são tradicionais, com

demanda cultural e baixa demanda comercial, e artesanatos não tradicionais, que atendem a

uma demanda externa de mercado. Buscamos avançar no conhecimento sobre os efeitos a

integração aos mercados propondo as seguintes perguntas de investigação: i) fatores

socioeconômicos podem predizer o conhecimento e uso de artesanatos tradicionais e não

tradicionais? ii) artesanatos não tradicionais demandam um maior consumo de biomassa

vegetal para sua produção?

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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Integração aos mercados por populações indígenas e locais

Diante dos atuais padrões de desenvolvimento econômico e modernização,

pesquisadores têm buscado entender os efeitos do acesso aos mercados sobre as populações

indígenas e locais. A integração ao mercado, ou participação no mercado, é definida como

atividades que resultam na produção de bens e serviços para intercâmbio com pessoas de fora

da comunidade (GROSS et al, 1979). Este processo promove mudanças no estilo de vida de

populações locais, podendo ser percebidas no consumo de produção de bens (OLSEN, 2013),

na saúde, no conhecimento ecológico local e uso dos recursos naturais (GODOY et al., 2005).

As populações participam dos mercados buscando melhorar seu bem-estar (GODOY,

2001; LU, 2007), embora nem sempre essas duas variáveis estejam relacionadas

(MASFERRER-DODAS et al., 2012). Outros autores acreditam que as populações se

integram aos mercados pelo desejo por mercadorias estrangeiras, pela simples exposição as

ideias e valores ocidentais (GROSS et al., 1979) ou pela escassez de recursos naturais

(DIAMOND, 1995).

Na literatura não há consenso sobre as medidas de integração aos mercados. Já foram

utilizadas como medidas a acessibilidade geográfica, conhecimento de bens florestais e

consumo de bens de mercado (GODOY et al, 2005). Além destas, outras medidas também

foram utilizadas, como o número de horas que um adulto gasta em atividades de mercado

durante um período de tempo (LU, 2007), a composição da dieta (SANTOS et al., 1997), a

renda adquirida através de um trabalho assalariado e a renda adquirida pela venda de produtos

florestais (REYES-GARCÍA et al., 2007). As diferentes e contraditória respostas para este

processo podem ser fruto desta variedade de medidas empregadas.

2.2 Integração aos mercados e o conhecimento ecológico local

Diferentes pesquisadores têm relacionado a integração aos mercados por populações

locais e indígenas com a perda de conhecimento ecológico local (REYES-GARCÍA et al.,

2005; GODOY et al., 2005; GOMEZ-BAGGETHUN et al., 2010; LU 2007). Se o acesso aos

mercados tem efeitos deletérios sobre conhecimento local, não existe a possibilidade de

conservar o conhecimento local e promover o desenvolvimento econômico simultaneamente.

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No entanto, há evidências na literatura de que os impactos da integração aos mercados no

conhecimento ecológico local podem variar amplamente entre populações (GODOY et al.,

1998). O tipo de atividade pela qual a população acessa os mercados é um dos fatores que

influencia essa variação.

Alguns pesquisadores buscaram confrontar o conhecimento local de pessoas que se

envolvem em atividades de comércio de recursos naturais e atividades que reduzem o contato

da população com o meio ambiente (e.g. trabalho assalariado) para verificar os efeitos da

integração aos mercados no conhecimento ecológico local. Godoy, Brokaw e Wilkie (1998)

encontraram que a integração aos mercados através do comércio de cultivos agrícolas ou

trabalho assalariado estava associado com menor conhecimento local sobre plantas e animais

entre os índios Tawahka, em Honduras. No entanto, pessoas que participam dos mercados

através do comércio de produtos florestais apresentaram maior conhecimento ecológico local.

De forma semelhante, Reyes-García et al., (2007) evidenciaram que a integração aos

mercados através do comércio de produtos florestais não erode o conhecimento local. Assim,

atividades de ingresso aos mercados que mantem as pessoas em contato com os recursos

naturais podem promover a manutenção do conhecimento ecológico local.

Em seu estudo em Palestina, uma comunidade de pescadores do norte do Equador,

Guest (2002) evidenciou que o acesso a mercados pode promover e acelerar aquisição de

conhecimento sobre os recursos naturais. Ele registrou que a atividade de carcinicultura,

recentemente introduzida na comunidade, levou a aquisição de conhecimento sobre a ecologia

de três espécies de camarão e que esse conhecimento estava compartilhado entre os

pescadores. Ahmed et al. (2010), estudando a comunidade indígena Akha, do sul da China,

encontraram que o aumento da integração aos mercados através da do comércio de chá verde

(Camellia sinensis var. Assamica (L.) Kuntze Theaceae) estava associado com o aumento do

conhecimento ecológico local sobre essa espécie. Esses resultados sugerem que o

envolvimento em atividades econômicas que envolvem o comércio de recursos naturais pode

conduzir a aquisição de conhecimento sobre os recursos utilizados.

De acordo com Gómez-Baggethun et al. (2013), contextos de forte integração aos

mercados podem promover a aquisição de novos conhecimentos sem necessariamente erodir

o conhecimento local. A população passa a possuir um conhecimento híbrido, adaptado as

novas condições econômicas e ecológicas. Estudando três comunidades locais da Península

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Ibérica, Reyes-García et al. (2014) encontraram um conhecimento local híbrido, composto

pelo conhecimento agrícola tradicional e o conhecimento sobre variedades de culturas

agrícolas comerciais (denominado como conhecimento moderno). A manutenção de alguns

aspectos do conhecimento tradicional e a incorporação de novos conhecimentos é um

elemento importante na adaptação às mudanças ambientais e socioeconômicas (REYES-

GARCÍA et al., 2014).

Pesquisadores interessados em estudar os efeitos da integração aos mercados nas

populações locais também têm buscado entender como este processo influencia a distribuição

do conhecimento ecológico local nos diferentes segmentos da sociedade (GÓMEZ-

BAGGETHUN et al., 2010; GUEST, 2002). Esse tipo de abordagem permite conhecer quais

segmentos da sociedade seriam mais suscetíveis a mudanças em seu conhecimento local.

Evidências de estudos etnobotânicos reforçam o poder preditivo de fatores socioeconômicos

sobre o conhecimento local (BYG e BALSLEV, 2001; CAMPOS et al, 2015; GAVIN e

ANDERSON, 2007; McELWEE, 2008; MEDEIROS et al., 2012).

Guest (2002) identificou que a experiência em pesca de uma comunidade de

pescadores no Equador estava relacionada com a aquisição de conhecimento ecológico local,

fruto da integração aos mercados. Gómez-Baggethun et al. (2010) evidenciaram que a idade

estava relacionada com a perda de conhecimento ecológico local frente as rápidas mudanças

da agricultura de subsistência para a produção de culturas de interesse do mercado. Além da

idade e do tempo de experiência, outros fatores socioeconômicos, como tamanho da família e

renda familiar, poderiam ser sensíveis aos efeitos do mercado pois são características que

podem aumentar a força de trabalho e intensificar a coleta de produtos florestais (GAVIN e

ANDERSON, 2007).

Vale salientar que poucos estudos diferem entre o conhecimento e o uso. Essas duas

variáveis nem sempre estão relacionadas (REYES-GARCÍA et al., 2005) e podem apresentar

diferentes respostas aos efeitos da integração aos mercados (GODOY et al., 2005). Reyes-

Gárcia et al (2007) verificaram que atividades de trabalho assalariado estão associados a um

menor conhecimento local, no entanto não estão associadas com o uso. Portanto, é

recomendado a distinção entre o conhecimento e o uso nos estudos futuros sobre efeitos de

integração aos mercados no conhecimento ecológico local.

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2.3 Integração aos mercados e o uso de recursos naturais

A integração aos mercados muda a forma pela qual as populações humanas interagem

com os recursos naturais (GODOY et al., 2005; OLSEN, 2013). A teoria econômica, ou

modelo de mercado ricardiano, sugere que a integração aos mercados estimula as populações

locais a se especializarem no uso dos recursos naturais para maximizar suas oportunidades

econômicas (GODOY; BROKAW; WILKIE, 1998; RUIZ-PÉREZ et al., 2004). Estudos

empíricos têm corroborado essa ideia (MORSELLO et al., 2014; SIERRA; RODRIGUEZ;

LOSOS, 1999; VADEZ et al., 2004), evidenciando que as populações locais se aperfeiçoam

em atividades ou uso de recursos orientados pela demanda do mercado.

Em um estudo no México, Van Dusen e Taylor (2005) encontraram que na medida em

que a integração aos mercados aumenta, a diversidade de culturas agrícolas diminui. Vadez et

al. (2004) verificaram que as famílias mais integradas aos mercados especializam sua

produção com o cultivo de arroz, que possui maior demanda de mercado e confere maior

vantagem econômica em relação aos outros cultivos

Os resultados do estudo de Ruiz-Pérez et al. (2014) nos permite fazer associação entre

o grau em que uma população está integrada aos mercados e as suas estratégias de produção.

Os autores encontraram que famílias menos integradas tendem a utilizar um número maior de

produtos florestais, principalmente para fins de subsistência. Famílias mais integradas

geralmente possuem maior renda e adotam uma estratégia especializada de produção. Um

estágio intermediário de integração estaria relacionado com a estratégia de diversificação da

produção. Assim, a transição da economia de subsistência para a economia de mercado

promove um processo de especialização, que está relacionado com maiores retornos

econômicos.

A integração aos mercados também pode influenciar diretamente o uso dos recursos.

Além de se especializarem, famílias integradas aos mercados podem intensificar o uso dos

recursos buscando aumentar o retorno econômico (MORSELLO et al., 2014). Além disso, o

aumento da demanda de mercado por produtos florestais tende a resultar em sobrexploração,

como observado por Ruiz-Pérez et al. (2014). De Waroux e Chiche (2013), estudando

comunidades locais em Morocco, verificaram que a integração aos mercados aumentou a

demanda da madeira de argan (Argania spinosa (L.) Skeels) e promoveu um forte declínio na

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cobertura vegetal. Por fim, Kusters et al. (2006) encontraram correlação positiva entre as

taxas de degradação e o grau pelo qual as famílias foram beneficiadas monetariamente a partir

da venda de recursos florestais.

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3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Capitulo 1

EFEITO DA INTEGRAÇÃO AO MERCADO SOBRE O CONHECIMENTO

ECOLÓGICO LOCAL E USO DE RECURSOS VEGETAIS – ESTUDO DE CASO

COM OS ÍNDIOS FULNI-Ô NO NORDESTE DO BRASIL

Artigo a ser submetido ao periódico Ecological Economics

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EFEITO DA INTEGRAÇÃO AO MERCADO SOBRE O CONHECIMENTO

ECOLÓGICO LOCAL E USO DE RECURSOS VEGETAIS – ESTUDO DE CASO

COM OS ÍNDIOS FULNI-Ô NO NORDESTE DO BRASIL

TEMÓTEO L. L. da SILVA¹ e ULYSSES P. ALBUQUERQUE1

¹ Laboratório de Ecologia e Evolução de Sistemas Socioecológicos (LEA). Autor para correspondência:

[email protected], Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Biologia. Rua Manoel de

Medeiros, s/n, Dois Irmãos, Recife – PE.

Resumo

A integração aos mercados por populações locais pode levar a perda, aquisição e/ou

manutenção do conhecimento ecológico local, além de modificar a forma com que as pessoas

interagem com os recursos naturais. Nós estudamos o efeito deste processo sobre o uso e

conhecimento de plantas utilizadas na confecção de artesanatos pela tribo indígena Fulni-ô,

Nordeste do Brasil. Através dessa atividade, os artesãos dessa etnia participam dos mercados

comercializando artesanatos tradicionais e não tradicionais de sua cultura. Buscamos

verificar 1) se os conhecimentos tradicional e não tradicional se concentram em diferentes

segmentos da sociedade e 2) se os artesanatos não tradicionais demandam maior consumo de

biomassa vegetal. Identificamos os artesãos pela amostragem bola de neve e registramos seu

perfil socioeconômico e conhecimento local sobre plantas e artesanatos através de entrevistas.

Por meio de GLM, testamos a distribuição do conhecimento. Com o teste de Wilcoxon

verificamos se usos não tradicionais demandam mais biomassa do que os usos tradicionais.

Ao final do estudo, verificamos que o conhecimento sobre artesanatos tradicionais e não

tradicionais está igualmente distribuído entre os segmentos da sociedade. Artesãos mais

experientes possuem maior conhecimento ecológico local sobre artesanatos tradicionais e

podem exercer um papel fundamental na manutenção do conhecimento tradicional em

contextos de integração aos mercados. Os artesanatos não tradicionais demandam maior

consumo de biomassa e proporcionam maior retorno econômico. Por fim, a integração aos

mercados favoreceu o estabelecimento de um conhecimento híbrido, mas está afetando

expressivamente o uso dos recursos naturais.

Palavas-chave: Conhecimento híbrido; Conservação da biodiversidade; Etnobiologia;

Etnobotânica

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1. Introdução

Diferentes pesquisadores têm buscado entender os processos que podem levar a

mudanças no conhecimento ecológico local. Têm recebido maior atenção na literatura os

processos que geram mudanças culturais, como o acesso à educação formal (Reyes-García,

2013), ou mudanças econômicas (Pérez-Llorente et al., 2013). No contexto de mudanças

econômicas, a integração de populações rurais ou indígenas aos mercados tem sido objeto de

estudos empíricos (Conway-Gómez, 2008; Lu, 2007; Guest, 2002; Reyes-García et al., 2007;

Sierra et al., 1999; Vadez et al., 2004). Podemos entender a integração aos mercados como

todas as atividades que geram bens e serviços para intercâmbio com pessoas de fora da

comunidade (Gross et al., 1979). A integração aos mercados pode mudar a forma com que as

pessoas utilizam os recursos florestais (Godoy et al. 1998). As populações integradas aos

mercados se especializam na produção de bens orientados pela demanda de mercado e que

conferem maior vantagem econômica (Vadez et al, 2004; Morsello et al., 2014). Além disso,

este processo pode intensificar o aproveitamento dos recursos, resultando em sobrexploração

(Ruiz-Pérez et al., 2004).

Há evidências de que a integração aos mercados pode provocar mudanças no

conhecimento ecológico local (Gómez-Baggethun et al., 2010, Ahmed et al., 2010). Alguns

autores defendem que este processo pode conduzir a substituição do conhecimento ecológico

local por um conhecimento não tradicional (Lu, 2007; Olson, 2013). No entanto, outros

pesquisadores têm evidenciado a integração aos mercados pode favorecer a aquisição de

conhecimento ecológico local, especialmente quando a atividade desenvolvida no ingresso

aos mercados envolve o uso de recursos naturais (Guest, 2002; Reyes-García et al., 2007).

Gómez-Baggethun et al. (2013) argumentam que em um contexto de forte integração

ao mercado, as populações podem adotar novas formas de conhecimento, passando a possuir

um conhecimento híbrido, adaptado a novas condições socioeconômicas ou ecológicas. A

natureza dinâmica e adaptativa do conhecimento ecológico local favorece a acomodação de

novos conhecimentos no sistema de conhecimento tradicional (Reyes-García et al., 2014).

Segundo Reyes-García et al. (2014), a manutenção de alguns aspectos do conhecimento

tradicional e a incorporação de novos conhecimentos é um elemento importante na adaptação

às mudanças ambientais e socioeconômicas.

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Neste contexto, buscamos estudar o cenário de integração aos mercados pelos índios

Fulni-ô do Nordeste do Brasil. Esse grupo indígena apresenta alguns traços de etnicidade e

resistência cultural, como a manutenção da língua nativa, o yatê, e de seu sigiloso ritual

sagrado, o Ritual do Ouricuri. Além disso, a produção de artesanatos indígenas, a qual tem

uma importância cultural e econômica, vem sendo influenciada por uma demanda externa de

mercado. Isto pode ser percebido pelo número de artesanatos não tradicionais que foram

incorporados e são produzidos pelos artesãos dessa aldeia, visando a comercialização.

Buscamos avançar no conhecimento sobre os efeitos da integração aos mercados no

conhecimento ecológico local e uso dos recursos vegetais propondo as seguintes hipóteses: i)

Fatores socioeconômicos podem predizer o conhecimento de artesanatos tradicionais e não

tradicionais. Se a integração aos mercados influencia o conhecimento ecológico local,

esperamos que o conhecimento local sobre artesanatos tradicionais e não tradicionais se

concentrem em diferentes segmentos da população; ii) A confecção de artesanatos não

tradicionais promove um maior consumo de recursos vegetais. Se a integração aos mercados

promove a produção de artesanatos que atendem as necessidades dos mercados externos,

esperamos encontrar maior consumo de biomassa para a produção de artesanatos não

tradicionais em relação aos tradicionais.

2. Métodos

2.1 Área de estudo

O estudo foi desenvolvido no Território Indígena Fulni-ô que está localizado no

município de Águas Belas, Pernambuco, distante cerca de 315 km da capital do estado,

Recife, Nordeste do Brasil. O município abrange uma área de aproximadamente 886 km² e

possui uma população de 40.566 habitantes (CONDEPE/FIDEM, 2015). Localizada na

microrregião do Agreste pernambucano, Águas Belas está inserida na bacia hidrográfica do

Rio Ipanema, sob clima semiárido, quente e úmido, com temperatura média anual de 25° C e

média pluviométrica anual de 600 mm (CONDEPE/FIDEM, 2015). O território indígena

Fulni-ô possui aproximadamente 11.500 hectares e está inserido em uma típica vegetação de

caatinga. Segundo dados do IBGE (2010), a população indígena é de 3.675 pessoas,

distribuída em duas aldeias distintas: a aldeia principal, que abriga a maioria das famílias e

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dista 500 metros do centro urbano de Águas Belas; e a aldeia Xixiakhla, que é habitada por

poucas famílias que optaram por residir em um local próximo a vegetação nativa e distante do

contato com o centro urbano.

Os índios Fulni-ô são um dos sete grupos indígenas encontrados no estado de

Pernambuco (Socioambiental, 2007) sendo o único que mantém sua língua nativa, o “yatê”,

que é falada diariamente entre os membros da comunidade, principalmente entre os mais

velhos (Albuquerque et al., 2011a). O calendário anual Fulni-ô é marcado pelo Ritual do

Ouricuri que ocorre anualmente entre setembro e novembro. Durante o ritual, a população se

estabelece na aldeia ouricuri que está inserida na mata do ouricuri, ambos considerados

sagrados. A mata do ouricuri é o principal local de coleta de recursos vegetais pela

comunidade, por isso, nos meses do ritual, o extrativismo de produtos vegetais é intensificado

(Albuquerque et al., 2011b).

Entre os Fulni-ô, a produção de artesanato é realizada durante todo ano, com maior

demanda no mês de abril devido a comemoração nacional do “dia do índio”. Os artesãos

costumam se organizar em grupos e viajar em caravanas pelas grandes capitais do Brasil para

fazer apresentações culturais e vender sua produção durante todo esse mês. Assim, entre

fevereiro e março, a coleta de recursos e produção de artesanatos se torna mais intensa.

Os artesãos dessa etnia produzem atualmente artesanatos tradicionais de sua cultura,

os quais geralmente possuem utilidade doméstica, ornamental, lúdica e/ou mágico-religioso,

bem como artesanatos que não são tradicionais, frutos de uma demanda externa de mercado.

Entre os artesanatos tradicionais se destacam os produzidos a partir das folhas da palmeira

Ouricuri (Syagrus coronata Mart.(Becc.), como esteiras, tapetes, cestos, bolsas e vassouras.

Em um momento histórico desta etnia, esses itens eram vendidos a comerciantes da cidade de

Águas Belas e garantiam o sustento das famílias. Outros artesanatos tradicionais

comercializados são a maracá (instrumento musical utilizado em danças e rituais), produzido

a partir de frutos de cabaça (Curcubita sp.) e a xanduca (cachimbo amplamente utilizado por

índios adultos), produzida a partir do caule do angico (Anadenanthera colubrina var. cebil

(Griseb.) Altschul).

Entre os artesanatos não tradicionais figuram itens que não possuem valor cultural

para esta etnia e refletem a imagem que o “branco” possui do “índio”, como arco-e-flecha,

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machadinhas, zarabatanas e lanças. São produzidos a partir de recursos madeireiros, oriundos

das florestas locais, principalmente visando a comercialização durante as caravanas do mês de

abril, mês em que se comemora o dia nacional do índio no Brasil.

2.2 Procedimento de coleta de dados

O primeiro contato com a comunidade foi realizado na companhia de pesquisadores do

Laboratório de Ecologia e Evolução de Sistemas Socioecológicos (LEA), da Universidade

Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que estavam desenvolvendo estudos ecológicos e

etnobotânicos na aldeia. Em fevereiro de 2014, realizamos uma reunião com os líderes

indígenas (pajé e cacique) a fim de explicar os objetivos da pesquisa e obter a autorização e

consentimento locais. Para atender as exigências legais de acesso ao conhecimento local e ao

Território Indígena, o estudo foi submetido ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (IPHAN) e à Fundação Nacional do Índio (FUNAI), respectivamente, e se encontra

em processo de apreciação. O estudo também foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa

(CEP) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e se encontra em processo de

apreciação.

Algumas visitas a comunidade foram realizadas durante fevereiro e agosto de 2014

para estabelecer o Rapport. A coleta de todas as informações locais foi realizada entre janeiro

e maio de 2015. Entre os meses de setembro e novembro não é possível realizar atividades na

comunidade, pois todos os Fulni-ô ficam reclusos em seu ritual sagrado.

Nós recrutamos para o estudo todos os artesãos Fulni-ô que atualmente produzem

artesanatos a partir de recursos vegetais nativos da região. Eles foram identificados

incialmente por meio da técnica bola de neve, que consiste em solicitar que um informante

indique outros informantes, até que os nomes indicados se repitam, indicando que a amostra

está saturada (Albuquerque et al., 2014). O primeiro informante foi identificado com o auxílio

de Jemerson de Sá, um índio biólogo, professor na escola de educação básica local e que

detém prestígio na comunidade. O mesmo também nos guiou na escolha de auxiliares

bilíngues para nos acompanhar nas visitas as residências. Participaram do estudo 67 artesãos,

uma que vez que outros sete artesãos se recusaram a participar.

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Os artesãos recrutados foram convidados a fornecer informações sobre o

conhecimento e uso das plantas empregadas na confecção de artesanatos. As informações

foram acessadas em três etapas, não necessariamente simultâneas. Na primeira etapa,

registramos o perfil socioeconômico dos recrutados e o seu conhecimento ecológico local

para responder nossa primeira pergunta. Utilizamos entrevistas estruturadas para traçar o

perfil socioeconômico dos recrutados. Registramos as seguintes informações: idade,

escolaridade, número de pessoas na família, número de membros da família que estão

envolvidos na produção de artesanatos, renda proveniente da produção de artesanato e o

tempo de experiência na atividade. Utilizamos a técnica Lista-Livre para acessar o

conhecimento ecológico local sobre as plantas utilizadas na produção de artesanatos (ver

Albuquerque et al., 2014). Inicialmente perguntamos quais plantas eram conhecidas como

úteis para a confecção de artesanatos. A partir da lista de plantas, questionamos quais

artesanatos são produzidos.

Na segunda etapa, registramos as informações referentes a utilização de biomassa

vegetal na produção de artesanatos para responder nossa segunda pergunta. Utilizamos a

técnica do inventário in situ (Ramos et al., 2014) para registrar a biomassa vegetal dos

artesanatos presentes nas casas dos informantes. A identificação dos artesanatos e plantas

utilizadas na confecção de cada item foi feita pelos próprios artesãos. O fato de ser uma

atividade tradicional da cultura Fulni-ô na qual poucas espécies vegetais são utilizadas

garante a acurácia na identificação. Para toda planta identificada, mensuramos a quantidade

de peças produzidas e a biomassa das plantas utilizadas.

A biomassa foi mensurada com uma balança digital de mão WeiHeng, com limites

entre 0,1 g e 50 kg e precisão de 0,1 g. Artesanatos que eram constituídos por mais de uma

planta eram desmontados e a biomassa de cada planta era mensurada. No caso da Imburana de

Cambão (Commiphora leptophloeos (Mart.) J.B.Gillett), a qual é utilizada na confecção de

machadinhas, em associação com pedaços de rocha, nossa medida de biomassa foi

subestimada, uma vez que não foi possível desmontar algumas peças para serem pesadas. As

sementes, geralmente utilizadas na confecção de colar e brinco, não tiveram sua biomassa

mensurada devido ao fato de esses artesanatos serem constituídos por sementes de diferentes

espécies, especialmente de espécies exóticas que são adquiridas por meio de troca com etnias

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de outras regiões durante as caravanas e feiras. Nossa análise consumo de biomassa vegetal,

portanto, está centrada em madeira, folhas e frutos.

Os inventários foram realizados durante o mês de março de 2015, que é o período de

maior produção de artesanatos, já que na primeira semana de abril partem as caravanas para

as grandes capitais. Nesta etapa do estudo, o tamanho da amostra diminui, uma vez que 11

artesãos rejeitaram a participação e 19 não possuíam artesanatos fabricados ou não estavam

disponíveis nas tentativas de visitas. A amostra final do inventário in situ foi composta por 37

artesãos. Na terceira etapa, buscamos fazer distinção entre artesanatos tradicionais e não

tradicionais. Isso foi necessário pois estamos assumindo que o conhecimento sobre

artesanatos não tradicionais é fruto do processo de integração aos mercados. Em posse da lista

de artesanatos citados nas entrevistas, recrutamos três detentores de saberes tradicionais da

aldeia para classificar os artesanatos em Tradicional e Não Tradicional a partir de suas

próprias perspectivas. Esses detentores foram indicados pelas lideranças locais sendo

reconhecidos por possuírem um vasto conhecimento sobre as tradições da cultura Fulni-ô.

Além disso, todos foram artesãos quando mais jovens, sendo capazes de discernir entre os

artefatos tradicionais (que sempre estiveram presentes na cultura) e os artesanatos não

tradicionais (que passaram a ser produzidos recentemente por uma demanda externa não

tradicional).

2.3 Análise de dados

Para testar nossa primeira hipótese e verificar o efeito da integração aos mercados no

conhecimento local sobre artesanatos e plantas, realizamos análises de GLM (General Linear

Model) com distribuição de Poisson, utilizando o modelo Quasi-Poisson para corrigir os erros

padrões. Esta análise nos permite conhecer a variação do conhecimento ecológico local em

diferentes segmentos da sociedade. Como variáveis resposta utilizamos as medidas do

número de espécies conhecidas e de artesanatos conhecidos para usos tradicionais e não

tradicionais. Também utilizamos como variáveis resposta as medidas de consumo de

biomassa total e de biomassa para artesanatos tradicionais e não tradicionais, totalizando,

assim, seis modelos diferentes.

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Como variáveis explicativas utilizamos as características de perfil socioeconômico dos

participantes. Geramos uma matriz de correlação para identificar as variáveis com

autocorrelação a fim de excluir das análises aquelas que apresentassem correlação maior que

0,8. Excluímos, portanto, a variável “idade” por apresentar alta correlação com a variável

“experiência na atividade” e pelo fato da mesma ser menos ajustada aos modelos finais do que

a segunda. Nos modelos finais, os preditores foram a experiência na atividade, a escolaridade,

a renda anual advinda da comercialização de artesanatos, o tamanho da família e a quantidade

de membros familiares envolvidos na atividade. As análises de GLM foram executadas no

software R, versão 3.2.3 (Team R Development Core 2010), utilizando o pacote Vegan.

Baseado na teoria do Consenso Cultural (Rommey et al., 1986), assumimos que o

conhecimento é a concordância de informações por um grupo de pessoas sobre um

determinado domínio de sua cultura, existindo assim uma resposta culturalmente correta para

cada pergunta acerca de algum domínio cultural. Por isso, optamos por excluir de nossas

análises as informações sobre plantas e artesanatos que não apresentaram consenso entre os

recrutados, considerando apenas as citações de pelo menos três pessoas. Adotamos esse

critério para analisar apenas as informações culturalmente validadas, evitando vieses de

informações idiossincráticas.

Para testar nossa segunda hipótese e verificar se existem diferenças no consumo de

biomassa para usos tradicionais e não tradicionais utilizamos o teste de Wilcoxon. Optamos

por um teste pareado para diminuir os efeitos das variações internas nos dois grupos. O teste

Wilcoxon foi executado no software Bioestat 5.0 (Ayres, 2007).

3. Resultados

Os resultados descritivos são apresentados na tabela 1. As espécies reportadas e as

medidas de biomassa para a produção de artesanatos estão apresentadas na tabela 2.

Nossa primeira hipótese foi parcialmente corroborada. Nenhum dos preditores

apresentou relação com o conhecimento sobre artesanatos não tradicionais, nossa medida de

integração aos mercados (Tabela 3). Isto indica que os conhecimentos sobre artesanatos

tradicionais e não tradicionais estão bem distribuídos em todos os segmentos da população.

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No entanto, em nosso modelo, a experiência na atividade é uma variável preditora do número

de artesanatos tradicionais conhecidos. A medida em que se tornam mais experientes os

artesãos vão conhecendo mais os artesanatos tradicionais (p= 0,03, R²= 0,12). As outras

variáveis preditoras incluídas nos modelos não apresentaram respostas significativos.

Nosso modelo também aponta a renda proveniente da produção de artesanatos como

uma variável preditora do consumo de biomassa total (p= 0,04, R²= 0,11) e para usos não

tradicionais (p= 0,005, R²= 0,04) (Tabela 4). Os artesãos que alcançam maior renda com a

produção de artesanatos utilizam mais biomassa vegetal, especialmente para usos não

tradicionais, indicando que o retorno econômico desta atividade está guiando a extração de

recursos vegetais. Nenhum dos preditores analisados mostrou relação com o consumo de

biomassa para usos tradicionais (Tabela 4).

Corroboramos nossa segunda hipótese que afirma que usos não tradicionais promove

um maior consumo de biomassa. Verificamos que a demanda de biomassa para artesanatos

não tradicionais (�̅�= 3322,91; ±= 4306,1; m= 2000;) é maior do que a mensurada para

artesanatos tradicionais (�̅�= 2773,22; ±= 7991,32; m= 910) (Z= 3,5302; p= 0,0002).

4. Discussão

Nossos resultados mostraram que o conhecimento sobre artesanatos tradicionais e não

tradicionais coexistem em um corpo de conhecimento híbrido. Esse conhecimento híbrido

reflete a capacidade do conhecimento ecológico local de persistir frente as mudanças sociais e

econômicas provocadas pela integração aos mercados. De acordo com Reyes-García et al.

(2014), o conhecimento ecológico local não é estático. Ele possui uma natureza dinâmica que

envolve a acomodação de novas formas de conhecimento bem como a saída de informações

obsoletas. Segundo Gómez-Baggethun et al. (2013), é essa natureza dinâmica do

conhecimento local que o torna capaz de se adaptar a novas condições socioeconômicos ou

ecológicas. Nossos achados, portanto, sustentam a visão de que a participação em mercados

não necessariamente promove a perda de conhecimento ecológico local, como também foi

observado por Guest (2002) e Reyes-García et al. (2007).

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Outros estudos também verificaram a coexistência entre o conhecimento tradicional e

o conhecimento não tradicional, fruto de processos geradores de mudança cultural. Reyes-

García et al. (2014) evidenciaram a coexistência entre o conhecimento agrícola tradicional e o

conhecimento sobre variedades de culturas agrícolas comerciais (denominado como

conhecimento moderno) em três comunidades locais da Península Ibérica. De forma

semelhante, Giovannini et al. (2011) verificaram que o conhecimento sobre plantas

medicinais e produtos farmacêuticos coexistiam e eram complementares numa população

indígena em Oaxaca, México.

Baseado na literatura, poderíamos esperar que a integração aos mercados exercesse

efeitos deletérios sobre populações locais, levando a perda de conhecimento tradicional

(Godoy et al., 1998; Gómez-Baggethun et al., 2010; Lu, 2007). No entanto, nossos resultados

mostraram que o conhecimento local acomodou o novo conhecimento, fruto da integração aos

mercados. A persistência desse novo conhecimento pode estar ligada ao retorno econômico

que ele confere, haja visto que nossos resultados apontam que renda advinda desta atividade

está relacionada ao maior consumo de biomassa para usos não tradicionais. Por outro lado, a

persistência do conhecimento sobre artesanatos tradicionais pode estar relacionada ao valor

simbólico e cultural destes itens para a etnia Fulni-ô que historicamente vem lutando para

manter as suas tradições.

Também evidenciamos que os artesãos mais experientes conhecem mais artesanatos

tradicionais. É possível que esta relação esteja ligada ao fato de que artesãos mais experientes

tiveram mais tempo durante sua história de vida para assimilar o conhecimento (Voeks e

Leoni, 2004). Além disso, neste cenário em que os artesanatos não tradicionais conferem

maior retorno econômico, conhecer artesanatos tradicionais pode ser menos vantajoso, por

isso os artesãos menos experientes possuem menos desse conhecimento. Desta forma, os

artesãos mais experientes podem exercer um papel fundamental na manutenção do

conhecimento tradicional no contexto de integração aos mercados.

Nossos resultados também apontam que a produção de artesanatos não tradicionais

demanda maior quantidade de biomassa vegetal em relação aos artesanatos tradicionais. Isto

pode indicar que a integração aos mercados influenciou o uso dos recursos naturais,

conduzindo a especialização no consumo de recursos orientado pelas demandas de mercado, o

que está em consonância com a literatura (Godoy et al., 1998, Rudel et al., 2002; Sierra et al.,

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1999). Os artesanatos tradicionais da cultura Fulni-ô não gozam do mesmo apelo comercial

que os itens que refletem a imagem do “índio” para a sociedade. Assim, a demanda do

mercado por itens não tradicionais, como arco e flecha, machado e cocar, está guiando os

padrões de produção e consumo de biomassa vegetal.

A literatura também aponta a intensificação e sobrexploração dos recursos naturais

como efeito da integração aos mercados (Morsello et al., 2014; Ruiz-Pérez et al., 2004).

Nosso estudo registrou elevados valores de biomassa para algumas espécies (Tabela 2),

especialmente para usos não tradicionais. Esses resultados apresentam algumas implicações

para a conservação. Muitas espécies vegetais utilizadas na produção de artesanatos possuem

outros usos locais (Albuquerque et al., 2011a, 2011b, 2011c; Soldati e Albuquerque, 2012),

principalmente a extração de cascas para fins medicinais. A versatilidade de usos de espécies

é comum em florestas secais sazonais (Albuquerque, 2006; Albuquerque et al., 2009).

Portanto, o extrativismo dessas espécies para uso em outras categorias pode aumentar os

danos ao nível individual e populacional.

Além disso, a demanda por biomassa de artesanatos não tradicionais está ligada ao uso

de recursos madeireiros, o que representa um uso mais danoso para as populações vegetais

(Medeiros et al., 2012). Por fim, esta demanda está concentrada principalmente em duas

espécies vegetais (Capparis flexuosa (L.) L e Coutarea hexandra (Jacq.) K. Schum).

Albuquerque et al. (2011b) já registraram baixas densidades relativas para C. flexuosa no

território Fulni-ô. O elevado consumo de biomassa verificado representa uma ameaça para as

populações vegetais locais.

5. Conclusão

Nossos resultados sugerem que os conhecimentos tradicional e não tradicional não são

mutualmente excludentes, evidenciando que a participação em mercados não necessariamente

promove a perda de conhecimento, mas pode favorecer a diversificação do conhecimento

ecológico local. Em nosso cenário, evidenciamos que o tempo na experiência é uma

importante característica para a retenção do conhecimento local. Em contextos de integração

aos mercados, o conhecimento ecológico local pode ser híbrido, adaptado às novas condições

sociais e econômicas.

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Nosso estudo também sustenta a ideia de que a integração aos mercados pode

promover a especialização no uso dos recursos naturais orientado pela demanda de mercado.

A integração aos mercados não apresentou efeitos negativos no conhecimento ecológico

local. No entanto, este processo está afetando o uso dos recursos de maneira expressiva,

podendo ter efeitos negativos sobre as populações das espécies utilizadas.

Por fim, o fato de realizar as medidas de consumo de biomassa em um único evento

para cada informante representa uma limitação de nosso estudo. Mesmo sendo realizado

durante o momento de maior produção de artesanatos, é possível que, no momento da

entrevista, algumas pessoas não tivessem finalizado sua produção ou até mesmo iniciado.

Assim, o consumo de biomassa para produção de artesanatos pelos Fulni-ô pode estar

subestimado. Para futuros estudos, recomendamos a triangulação de métodos que

proporcionem medidas dinâmicas de consumo, como por exemplo, o uso de entrevistas

semiestruturadas para registrar a taxa de reposição dos recursos utilizados ou a realização de

várias medidas num determinado intervalo de tempo.

6. Agradecimentos

Os autores agradecem aos índios Fulni-ô, especialmente aqueles artesãos que

contribuíram compartilhando o seu conhecimento local. Aos membros do Laboratório de

Ecologia e Evolução de Sistemas Socioecológicos da Universidade Federal Rural de

Pernambuco (LEA - UFRPE) por todo suporte. A Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsa de estudo ao primeiro autor. Ao

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de

produtividade fornecida para Ulysses Paulino de Albuquerque.

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31

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Tabela 1 - Estatística descritiva do perfil socioeconômico e variáveis dependentes do

modelo de GLM do efeito da integração aos mercados entre os índios Fulni-ô, Nordeste

do Brasil.

Característica Mínimo Máximo Média Desvio Padrão

Idade 16 69 37,8 13,58

Experiência na atividade 3 47 22,04 11,07

Renda (R$) 1.000 12.000 3.618,64 2.400,32

Tamanho da família 1 10 4,8 1,72

Quantidade de membros

envolvidos na produção 1 9 2,96 1,79

Riqueza de espécies conhecidas 4 23 9,66 4

Consumo de biomassa total (g) 1.235 55.015 10.542 11.724

Consumo de biomassa para usos

tradicionais (g) 95 55.015 4.852 10.702

Consumo de biomassa para usos

não tradicionais (g) 515 34.365 33.850 8.624

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Tabela 2 - Lista de espécies registradas como úteis para fins artesanais entre os índios Fulni-ô, Nordeste do Brasil.

Espécies

Nome local Número de

citações

Número de

artesanatos Biomassa (g) Parte utilizada

Tra

dic

ional

Não

trad

icio

nal

Tra

dic

ional

Não

trad

icio

nal

Tra

dic

ional

Não

trad

icio

nal

Euterpe oleraceae Mart. Açaí - 25 - 6

Sementes

Anadenanthera colubrina var.

cebil (Griseb.) Altschul Angico 40 88 2 10 19845

Madeira e sementes

Myracroduon urundeuva Allemão Aroeira 7 34 2 6 1880

Madeira e galhos

Bambusa sp. Bambu - 43 - 12 370 9940 Madeira

Schinopsis brasiliensis Engl Baraúna 5 6 2 3

Madeira

Maytenus rigida Mart. Bom nome - 4 - 4

Madeira

Mauritia flexuosa L. Buriti - 6 - 3

Fibras, folhas e sementes

Sapium sp. Burra leiteira 1 5 1 5

730 Madeira

Curcubita sp. Cabaça 32 - 4 - 33610

Frutos

Anacardium occidentale L. Cajueiro - 3 - 3

Madeira

Ruellia asperula (Mart. Ex Ness)

Lindau

Canela de

nambu 1 10 1 5

Madeira

Coutarea hexandra (Jacq.) K. Canela de 5 83 2 5

95913 Madeira

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Schum. veado

Hypolytrum sp. Capim

navalha - 3 - 1

Sementes

Neoglaziovia variegata (Arruda)

Mez Crauá 45 8 9 2

Fibras

Anemopaegma sp Cipó 7 30 4 2

18115 Madeira

Cocos nucífera L. Coco da praia 10 5 2 3

610 Frutos

Tabebuia aurea Hook Craibeira 2 6 1 5

4525 Madeira

Crescentia cujete L Cuité 14 - 3 - 2015

Frutos

Piptadenia stipulacea

(Benth.) Ducke

Espinheiro

branco - 20 - 5

Madeira e sementes

Senegalia bahiensis (Benth.)

Siegler & Ebinger

Espinheiro

vermelho - 6 - 2

Madeira

Capparis flexuosa (L.) L. Feijão bravo 3 111 2 7

100480 Madeira e sementes

Commiphora leptophloeos

(Mart.) J.B.Gillett)

Imburana de

cambão 3 41 3 7

2095 Madeira

Phytelephas macrocarpa Ruiz &

Pav. Jarina - 5 - 2

Sementes

Genipa americana L. Jenipapo 3

1

Madeira e frutos

Ziziphus joazeiro Mart. Juazeiro

3

3

Madeira e sementes

Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir. Jurema

27

5

3660 Madeira

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Coix lacryma-jobi L. Lágrima de

N. Senhora 13

3

Sementes

Leucaena leucocephala (Lam.) de

Wit Leucena

8

33

Sementes

Bromelia laciniosa Mart. ex

Schult. & Schult.f. Macambira

3

2

Inflorescências

Senna obtusifolia L. Irwin &

Barneby Mata pasto

11

4

Madeira

Bauhinia cheilantha Steud. Mororó 3 36 2 4

4285 Madeira

Schefflera morototoni. (Aubl.) Morototó

6

4

Sementes

Dioclea grandiflora Mart. ex

Benth Mucunã

23

4

Sementes

Erythrina velutina willd Mulungu 30

5

9250 Madeira e sementes

Abrus precatorius L. Olho de

pombo 4

2

Sementes

Syagrus coronata Mart.(Becc.) Ouricuri 135 3 17 2 55050 95 Folhas, frutos e sementes

Socratea exorrhiza (Mart.) H.

Wendl Patioba

3

1

Sementes

Caesalpinia echinata Lam Pau brasil 1 11 1 5 3835

Madeira e sementes

Libidibia ferrea (Mart.ex. Tul.)

L.P.Queiroz Pau ferro 2 3 1 3

Madeira

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Aspidosperma pyrifolium Mart. Pereiro 13 36 4 3 5170

Madeira e sementes

Jatropha molissima (Pohl) Baill. Pião bravo - 9 - 3

Madeira

Jatropha curcas L. Pinhão manso - 3 - 1

Madeira

Jatropha gossypiifolia L. Pinhão roxo - 3 - 1

Madeira

Sideroxylon obtusifolium (Roem.

& Schult.) T.D.Penn Quixaba 5 23 3 2 1690 3420 Madeira

Guadua sp. Taboca 2 16 1 4 515 14480 Madeira

Merostachys sp. Taquara - 6 - 2

5955 Madeira

Merostachys sp. Taquari - 17 - 7

4030 Madeira

Astrocaryum aculeatum Meyer Tucumã - 3 - 2

Frutos

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Tabela 3 – Sumário do Modelo Linear Generalizado para o efeito das variáveis socioeconômicas sobre o conhecimento sobre as plantas e

artesanatos tradicionais e não tradicionais dos artesãos Fulni-ô, Nordeste do Brasil.

Riqueza de plantas conhecidas Artesanatos tradicionais conhecidos Artesanatos não tradicionais conhecidos

Fontes de variação SS t value p R² SS t value p R² SS t value p R²

Experiência 8.508e-03 1.459 0.151

2.046e-02 2.209 0.031 0,128 1.853e-03 0.225 0.823

Número de artesãos 2.276e-02 0.560 0.578

2.140e-02 0.321 0.749

5.051e-03 0.086 0.931

Tamanho da família 3.027e-04 0.007 0.994

1.245e-02 0.188 0.851

-1.393e-02 -0.229 0.820

Renda 7.112e-06 0.299 0.766

-1.313e-05 -0.327 0.744

-1.411e-05 -0.406 0.686

Escolaridade -3.486e-02 -0.345 0.732

-2.333e-02 -0.141 0.888

-8.022e-02 -0.571 0.571

Tabela 4 – Sumário do Modelo Linear Generalizado para o efeito das variáveis socioeconômicas sobre o consumo de biomassa para

produção de artesanatos tradicionais e não tradicionais dos artesãos Fulni-ô, Nordeste do Brasil.

Biomassa total Biomassa tradicional Biomassa não tradicional

Fontes de variação SS t value p R² SS t value p R² SS t value p R²

Experiência 2.016e-02 1.192 0.240

1.430e-02 0.787 0.436

0,0447989 1,195 0,239

Número de artesãos -4.568e-04 -0.004 0.996

7.927e-02 0.657 0.515

-0,3321600 -1,228 0,226

Tamanho da família -3.691e-02 -0.292 0.772 -2.363e-02 -0.174 0.863

-0,0728102 -0,258 0,797

Renda 1.342e-04 2.118 0.040 0,119 5.622e-05 0.776 0.442

0,0003619 2,907 0,005 0,042

Escolaridade -1.394e-01 -0.598 0.553

-8.172e-02 -0.323 0.748

-0,2883522 -0,546 0,588