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XVI Congresso Nacional de Estudantes de Engenharia Mecânica - 17 a 21/08/2009 - Florianópolis – SC Paper CREEM2009-CM07 EFEITO DA MORFOLOGIA DOS CARBONETOS E DA VARIAÇÃO DA MICRODUREZA EM REVESTIMENTOS DUROS RESISTENTES AO DESGASTE ABRASIVO COM APLICAÇÃO NA INDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA Bruno Pereira Navarro Macedo e Juno Gallego UNESP, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Curso de Engenharia Mecânica Campus de Ilha Solteira – Avenida Brasil Centro, 56 – CEP 15385-000 – Ilha Solteira, SP E-mail para correspondência: [email protected] RESUMO e OBJETIVOS A deposição de recobrimento duro é uma técnica bastante difundida para manutenção dos componentes do setor sucroalcooleiro sujeitos ao desgaste abrasivo, sendo este mecanismo de dano superficial responsável pela perda de produtividade nas usinas de açúcar e álcool. Dessa forma, novos materiais começam a ser investigados e testados para que o revestimento duro seja de melhor qualidade e com uma relação custo/benefício mais vantajosa em relação aos produtos existentes no mercado. O presente trabalho tem por objetivo investigar a aplicação de vários ferro-ligas em eletrodos/arames destinados ao setor sucroalcooleiro, comparando o desempenho com os consumíveis com teor de cromo tradicionalmente empregados. Para tanto, corpos de prova foram revestidos com até duas camadas, onde foram empregados ferro-ligas a base de nióbio, titânio, cromo e manganês. Estas peças foram testadas em ensaios de desgaste abrasivo, além de terem sido realizados ensaios de microdureza e análises por microscópia óptica. Verificou- se que os revestimentos com carbonetos de morfologia globular foram mais resistentes ao desgaste abrasivo que os revestimentos compostos por carbonetos com morfologia prismática; o decaimento contínuo da microdureza contribuiu para que a resistência ao desgaste abrasivo fosse amplificada, sendo correlacionada à uniformidade da microestrutura; e que a aplicação de uma única camada com os ferro-ligas Fe-Nb e Fe-Ti se mostrou mais eficiente do que a aplicação de duas camadas de ferro-liga Fe-Cr, ao considerar aspectos de economia de material. Palavras chaves : soldagem, carbonetos, morfologia, microdureza, desgaste abrasivo. INTRODUÇÃO O Brasil tem um grande parque industrial instalado em plena atividade e com horizontes de expansão no segmento sucroalcooleiro e detém a maior produção de açúcar do mundo e a segunda maior produção de etanol (Lima, 2009). Diante do aumento do consumo interno de álcool combustível e a demanda para a exportação, o rendimento de moagem da cana-de-açúcar deve ser elevado ao máximo possível, minimizando as paradas para manutenção e as conseqüentes perdas da produção e aumento dos custos. Para tanto, é necessário que os componentes mecânicos utilizados no processamento da cana-de-açúcar – facas e martelos desfibradores, moendas, entre outros – estejam sempre com a superfície de trabalho em ótimo estado. Devido ao arraste de resíduos e partículas inorgânicas – principalmente sílica – junto com a matéria- prima, verifica-se uma acentuada deterioração dos dentes das moendas e dos perfis de ataque de corte das facas e martelos desfibradores. Tal fenômeno é devido à ação do desgaste abrasivo, no qual o movimento relativo entre a superfície metálica das peças e as partículas minerais promove uma usinagem em escala microscópica, cuja repetição leva a uma significativa perda de massa. Com o agravamento do desgaste, o rendimento da moagem, que em condições ótimas pode atingir um valor em torno de 96%, pode decair em mais de 6% - sendo inadmissível considerando que normalmente numa usina típica cerca de 10 mil toneladas de cana podem ser processadas em um único dia. A quantidade de resíduo mineral arrastado junto com a matéria prima pode chegar a 2% em massa, dependendo do tipo de colheita e das condições climáticas. Para prolongar a vida operacional dos equipamentos é aplicado um recobrimento duro, onde normalmente são empregadas técnicas de soldagem e uma expressiva quantidade de consumíveis específicos para esta finalidade (Carvalho Júnior, 2007).

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XVI Congresso Nacional de Estudantes de Engenharia Mecânica - 17 a 21/08/2009 - Florianópolis – SC

Paper CREEM2009-CM07

EFEITO DA MORFOLOGIA DOS CARBONETOS E DA VARIAÇÃO DA MICRODUREZA EM REVESTIMENTOS DUROS RESISTENTES AO DESGASTE ABRASIVO COM APLICAÇÃO NA

INDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA

Bruno Pereira Navarro Macedo e Juno Gallego UNESP, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Curso de Engenharia Mecânica

Campus de Ilha Solteira – Avenida Brasil Centro, 56 – CEP 15385-000 – Ilha Solteira, SP E-mail para correspondência: [email protected]

RESUMO e OBJETIVOS A deposição de recobrimento duro é uma técnica bastante difundida para manutenção dos componentes do setor sucroalcooleiro sujeitos ao desgaste abrasivo, sendo este mecanismo de dano superficial responsável pela perda de produtividade nas usinas de açúcar e álcool. Dessa forma, novos materiais começam a ser investigados e testados para que o revestimento duro seja de melhor qualidade e com uma relação custo/benefício mais vantajosa em relação aos produtos existentes no mercado. O presente trabalho tem por objetivo investigar a aplicação de vários ferro-ligas em eletrodos/arames destinados ao setor sucroalcooleiro, comparando o desempenho com os consumíveis com teor de cromo tradicionalmente empregados. Para tanto, corpos de prova foram revestidos com até duas camadas, onde foram empregados ferro-ligas a base de nióbio, titânio, cromo e manganês. Estas peças foram testadas em ensaios de desgaste abrasivo, além de terem sido realizados ensaios de microdureza e análises por microscópia óptica. Verificou-se que os revestimentos com carbonetos de morfologia globular foram mais resistentes ao desgaste abrasivo que os revestimentos compostos por carbonetos com morfologia prismática; o decaimento contínuo da microdureza contribuiu para que a resistência ao desgaste abrasivo fosse amplificada, sendo correlacionada à uniformidade da microestrutura; e que a aplicação de uma única camada com os ferro-ligas Fe-Nb e Fe-Ti se mostrou mais eficiente do que a aplicação de duas camadas de ferro-liga Fe-Cr, ao considerar aspectos de economia de material. Palavras chaves: soldagem, carbonetos, morfologia, microdureza, desgaste abrasivo. INTRODUÇÃO O Brasil tem um grande parque industrial instalado em plena atividade e com horizontes de expansão no segmento sucroalcooleiro e detém a maior produção de açúcar do mundo e a segunda maior produção de etanol (Lima, 2009). Diante do aumento do consumo interno de álcool combustível e a demanda para a exportação, o rendimento de moagem da cana-de-açúcar deve ser elevado ao máximo possível, minimizando as paradas para manutenção e as conseqüentes perdas da produção e aumento dos custos. Para tanto, é necessário que os componentes mecânicos utilizados no processamento da cana-de-açúcar – facas e martelos desfibradores, moendas, entre outros – estejam sempre com a superfície de trabalho em ótimo estado. Devido ao arraste de resíduos e partículas inorgânicas – principalmente sílica – junto com a matéria-prima, verifica-se uma acentuada deterioração dos dentes das moendas e dos perfis de ataque de corte das facas e martelos desfibradores. Tal fenômeno é devido à ação do desgaste abrasivo, no qual o movimento relativo entre a superfície metálica das peças e as partículas minerais promove uma usinagem em escala microscópica, cuja repetição leva a uma significativa perda de massa. Com o agravamento do desgaste, o rendimento da moagem, que em condições ótimas pode atingir um valor em torno de 96%, pode decair em mais de 6% - sendo inadmissível considerando que normalmente numa usina típica cerca de 10 mil toneladas de cana podem ser processadas em um único dia. A quantidade de resíduo mineral arrastado junto com a matéria prima pode chegar a 2% em massa, dependendo do tipo de colheita e das condições climáticas. Para prolongar a vida operacional dos equipamentos é aplicado um recobrimento duro, onde normalmente são empregadas técnicas de soldagem e uma expressiva quantidade de consumíveis específicos para esta finalidade (Carvalho Júnior, 2007).

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Na maioria dos consumíveis utilizados, há a presença de elementos formadores de carbonetos. Os carbonetos são microconstituintes que conferem a elevada dureza a esse tipo de revestimento. Neles, as ligações químicas são preponderantemente covalentes, o que torna estes compostos muito resistentes mecanicamente. Eles podem ser encontrados em diversos tamanhos, morfologias (globulares ou prismáticos) e estequiometrias, como MC, M3C, M7C3 e M23C6, de acordo com a razão metal/carbono presente na poça de fusão. Os elementos formadores de carbonetos nos aços são metais, cuja estabilidade química e afinidade pelo carbono é crescente na seguinte ordem: ferro, cromo, molibdênio, tungstênio, vanádio, nióbio e titânio (He et al, 1997). O manganês normalmente participa na composição química dos carbonetos na forma de elemento substitucional, especialmente na cementita (Mn,Fe)3C; todos os outros elementos citados possuem uma afinidade química maior pelo carbono do que o ferro, tornando possível a formação de carbonetos complexos a partir de determinados teores, abaixo dos quais se dissolvem na cementita (Macedo, 2008). No entanto, as aplicações de ligas à base de cromo são as mais utilizadas para esta finalidade devido à maior disponibilidade e custo mais baixo. METODOLOGIA EXPERIMENTAL Para os ensaios de desgaste abrasivo conforme a norma ASTM G65-94 foram utilizadas 4 peças de aço estrutural ASTM A36 com 75 mm de comprimento, 25 mm de largura e 11,2 mm de espessura, sobre as quais foram depositados revestimentos duros elaborados a partir de ferro-ligas em pó. As amostras foram recobertas com duas camadas, depositadas por uma tocha TIG através da fusão de tubos preenchidos com o pó. As misturas em pó utilizadas eram compostas por Fe-Nb, Fe-Ti, Fe-Cr e Fe-Mn, compactadas no interior dos tubos de aço inoxidável AISI 304 com 4,0mm de diâmetro externo, 0,3mm de espessura de parede e 250mm de comprimento. A composição química dos mesmos é mostrada na Tab. 1. O ferro-manganês e o ferro-cromo foram fornecidos com alto teor de carbono, enquanto que o carbono (na forma de grafite puro em pó fino) teve que ser adicionado ao ferro-nióbio e ao ferro-titânio. A adição do carbono a estes ferro-ligas foi realizada considerando a razão estequiométrica para os carbonetos do tipo MC. Os ensaios de desgaste ASTM G65-94 foram realizados na primeira camada e na segunda camada, seguindo os parâmetros mais severos (procedimento A).

Tabela 1 – Composições nominais do tubo e ferro-ligas utilizados para recobrimento duro (% massa). Material Nb Ti Cr Mn C Si P Al S AISI 304 - - 18,0 2,0 0,08 1,00 0,04 - 0,030

Fe-Nb 64,7 - - - 0,09 2,70 0,20 1,3 0,006 Fe-Ti - 28,5 - - 0,02 1,35 0,02 7,9 0,020 Fe-Cr - - 55,2 - 7,70 3,50 0,03 - 0,030 Fe-Mn - - - 75,4 6,50 0,50 0,20 - 0,007

Para a realização de análises macro e micrográfica, foi extraída uma amostra da seção transversal do

corpo de prova submetido ao segundo ensaio de desgaste, usando-se corte com disco abrasivo sob resfriamento. Em seguida realizou-se o embutimento em resina e a preparação metalográfica convencional. O ataque químico, nas quatro amostras, foi efetuado com um reagente constituído por 5g de cloreto de cobre II, 100ml de ácido clorídrico, 100ml de etanol e 100ml de água destilada, indicado para amostras de ferro fundido com alto cromo (Macedo, 2008). Para a determinação da densidade dos revestimentos, confeccionaram-se amostras de revestimento puras – sem diluição com metal base – através de um cadinho de cobre com um rasgo central, na qual pequenas peças com 40mm de comprimento do tubo preenchido com a mistura de ferro-liga era fundido através da tocha TIG. O resfriamento do cadinho metálico durante a soldagem era realizado através de um fluxo contínuo de água a temperatura ambiente que percorria toda a extensão do rasgo, 5mm abaixo do mesmo. Foram fundidas 3 amostras para cada tipo de ferro-liga sendo determinada a seguir a densidade das amostras através do método da picnometria. Desta forma, a perda de massa obtida nos ensaios de desgaste pôde ser convertida também em perda de volume. Realizou-se uma análise sistemática nas quatro amostras acerca da microdureza Vickers. Para estes ensaios, utilizou-se uma carga padrão de 100gf, variando-se a profundidade das medidas em incrementos padronizados em 200μm a partir da superfície do revestimento. A linha de varredura foi localizada na região central da amostra, na qual a roda de borracha promoveu o desgaste de forma mais crítica.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO As três principais variáveis que foram correlacionadas com a resistência ao desgaste abrasivo foram a perda em volume, a variação da microdureza e a morfologia dos carbonetos. Na Fig. 1, é possível observar a perda em volume dos revestimentos depositados em uma e duas camadas. Os resultados obtidos permitiram identificar que houve efeito significativo do tipo e do número de camadas sobre o desgaste. O Fe-Mn não tem por característica a formação de carbonetos, e isso refletiu na sua resistência ao desgaste abrasivo, sendo o tipo de ferro-liga no qual o desgaste foi mais severo, deixando-o com a maior perda de volume, tanto no ensaio na 1ª camada quanto na 2ª camada.

Os dados da primeira camada mostram que os ferro-ligas Fe-Nb e Fe-Ti foram mais resistentes ao desgaste abrasivo que o Fe-Cr, ferro-liga tradicionalmente utilizado na confecção dos eletrodos revestidos para manutenção no setor sucroalcooleiro. Já na segunda, Fe-Nb e Fe-Ti tiveram desempenhos análogos e o Fe-Cr a menor perda de volume nos ensaios realizados. Seria de se esperar que a tendência observada na 1ª camada fosse observada 2ª camada, uma vez que a diluição com o metal base diminuiu nesta. Como o Fe-Nb e o Fe-Ti tem uma grande afinidade por carbono, a superfície do 2º revestimento pode ter ficado muito tensionada devido ao aumento da fração volumétrica de carbonetos, favorecendo assim o surgimento de microtrincas, lascamento e destacamento de carbonetos. Logo, Fe-Nb e Fe-Ti têm seu ponto ótimo de resistência ao desgaste abrasivo na 1ª camada, já o Fe-Cr tem seu ponto ótimo na 2ª camada de deposição, segundo os dados observados. Através da utilização de Fe-Nb e Fe-Ti, uma única camada pode ser aplicada e resultados melhores de resistência ao desgaste abrasivo serão obtidos e com economia de material.

Figura 1 – A perda de volume devido ao desgaste abrasivo nos 4 tipos de ferro-ligas.

Já na Fig. 2, é possível observar como a microdureza dos revestimentos variou em função da profundidade. Nota-se que a microdureza próxima a superfície desses revestimentos foram: Fe-Nb: 677HV, Fe-Ti: 741HV, Fe-Cr: 490HV e Fe-Mn: 677HV. Nesta posição, Fe-Nb e Fe-Mn tiveram valores análogos e perda de volume em ensaio de desgaste muito distintos. Por mais que a microdureza analise uma região muito localizada, ela mostra que a dureza nem sempre está relacionada de maneira proporcional à resistência ao desgaste abrasivo. Ainda na Fig. 2, pode ser visualizada a relação entre o tamanho das indentações com a dimensão dos microconstituintes.

No corpo de prova à base de Fe-Nb, verificou-se uma significativa oscilação da microdureza. Isso ocorreu devido a não uniformidade da distribuição dos microconstituintes conforme a direção de avanço das medidas. Ocorreram situações de uma medida de dureza numa região mais profunda ser maior que na direção superior, na qual a diluição tende a ser menor e a dureza é normalmente maior.

Já no corpo de prova à base de titânio, a microdureza teve uma tendência de diminuição conforme o avanço das medidas. Isso foi motivado pela própria microestrutura observada, que mostrou carbonetos de titânio mais bem distribuídos sem regiões de aglomeração e/ou com baixa fração volumétrica, como ocorreu no ferro-liga Fe-Nb. No corpo de prova à base de Fe-Cr, observou-se uma oscilação dos valores em torno de 500HV, também motivado por uma continuidade dos microconstituintes sem decaimento brusco da tendência observada.

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Figura 2 – Variação dos valores de microdureza nos vários tipos de ferro-ligas e suas respectivas microestruturas. Superfície polida. Ataque químico: vide texto. Ampliação padronizada em 550 vezes.

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Por fim, na amostra à base de Fe-Mn, observa-se um decaimento dos valores praticamente contínuo. O decaimento suave da microdureza é o comportamento ideal, semelhante àquele encontrado em Fe-Ti e Fe-Mn, uma vez que, caso ocorram fenômenos de lascamento, as propriedades do revestimento não se alteram de maneira brusca, o que garante uma maior eficácia contra o desgaste. A oscilação encontrada na amostra de Fe-Nb é um dos motivos de ter sido levemente mais desgastada que a amostra de Fe-Ti na 1ª camada, embora tenham durezas semelhantes. A maior resistência ao desgaste abrasivo da 1ª camada, conforme Fig. 1, foi da amostra de Fe-Ti e este fato pode estar relacionado ao decaimento sutil da microdureza. Fenômenos de lascamento aumentam os danos superficiais nos componentes do setor sucroalcooleiro, podendo ser destacadas partes micrométricas ou muito maiores (Lima, 2009). Logo, a aferição da dureza na superfície do revestimento não é um parâmetro confiável como medida da resistência ao desgaste abrasivo. A análise da microdureza ao longo do revestimento, segundo as evidências, mostra que o comportamento desejável e necessário é um o decaimento contínuo e suave, sem oscilações bruscas da microdureza. A continuidade da microestrutura do revestimento duro ao longo da profundidade também pode contribuir para um acréscimo na tenacidade do revestimento, uma vez que caso uma parte superfície dura se destaque, a nova superfície exposta continuaria mantendo praticamente as mesmas propriedades da parte do revestimento removido ao invés de expor uma superfície mais dúctil, que prejudicaria o recobrimento.

As microestruturas presentes nos revestimentos à base de Fe-Ti e Fe-Nb são muito distintas daquelas encontradas no revestimento à base de Fe-Cr, no tocante da morfologia de carbonetos. Num estudo de morfologia de carbonetos realizado anteriormente (Macedo, 2008), os carbonetos de nióbio e titânio, com estequiometria NbC e TiC, semelhantes as encontradas na bibliografia (Oliveira et al, 2006), (Xiaojun Wu et al, 2007) e (Buchely et al, 2005), possuem morfologias globulares, enquanto que carbonetos de cromo são normalmente prismáticos com seção tranversal hexagonal, conforme Fig. 3. Estudos recentes sobre desgaste (Yaer et al, 2008) mostram que quando carbonetos precipitam no formato esférico não há uma grande concentração de tensões na região da interface com a matriz, ao contrário do que normalmente ocorre com os carbonetos com morfologia prismática, resultando no aumento da resistência ao desgaste abrasivo, devido à diminuição da ocorrência de fratura de carbonetos, que são partículas muito mais duras do que os abrasivos encontrados em meio ao arraste da cana-de-açúcar. Já os carbonetos de cromo formados têm grande tendência à concentração de tensões devido a sua morfologia, o que limita sua resistência ao desgaste por ter pontas que facilitam a concentração de tensão.

Além disso, foi verificado que os carbonetos de titânio têm dimensões menores que os de nióbio e cromo e uma elevada microdureza, conforme Tab. 2. Dessa forma, há uma proteção muito eficaz da matriz, através de uma grande fração volumétrica de microconstituintes com pequenas dimensões e formato globular, sendo o limite desta proteção uma matriz relativamente tenaz totalmente coberta por carbonetos de titânio – os carbonetos globulares menores seriam mais tenazes, por conterem menor quantidade de defeitos e com isso são mais difíceis de fraturarem. Dessa forma, há um refinamento da microestrutura contra o desgaste abrasivo justificando a sua menor perda de volume na 1ª camada, já que as comparações na segunda camada ficam comprometidas devido ao elevado tensionamento superficial resultante nas amostras de Fe-Nb e Fe-Ti.

Tabela 2 – Valores médios de microdureza nos carbonetos. Carga de ensaio: 20g. Amostra Fe-Nb Fe-Ti Fe-Cr Fe-Mn

HV0,02 2863 4663 2742 2433

Apesar de Fe-Nb e Fe-Ti se mostrarem mais resistentes ao desgaste abrasivo, são ferro-ligas mais caros que o Fe-Cr. Contudo, a aplicação de quantidades menores de nióbio pode incrementar significativamente a resistência ao desgaste abrasivo, com um aumento no custo do insumo de soldagem perfeitamente aceitável. Já no caso do Fe-Ti, também poderiam ocorrer pequenas adições deste ferro-liga na composição dos eletrodos, de forma que a co-precipitação de carbonetos complexos resulte em um revestimento duro de maior durabilidade. A eficiência destes carbonetos complexos será objeto de estudo nos próximos trabalhos a serem desenvolvidos.

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Figura 3 – Morfologias representantes dos carbonetos de Nb, Ti, Cr e microestrutura de Fe-Mn. Superfície polida.

Ataque químico: vide texto. Ampliação padronizada em 700 vezes. CONCLUSÕES

• As morfologias dos carbonetos precipitados exercem fundamental importância nos revestimentos duros resistentes ao desgaste abrasivo. Morfologias globulares de carbonetos de Ti e Nb mostram-se mais resistentes ao desgaste abrasivo que os tradicionais carbonetos prismáticos de Cr.

• O decaimento contínuo e suave da microdureza, sem picos de grandes oscilações, contribui para que a resistência ao desgaste abrasivo fosse aumentada, sendo correlacionada à uniformidade da microestrutura. Dessa forma, os efeitos subsequentes de possíveis lascamentos seriam amenizados.

• A aplicação de uma única camada de revestimento com Fe-Nb e Fe-Ti se mostrou mais eficiente do que a aplicação de duas camadas de Fe-Cr, ao ser ponderada a economia de material.

• O fato de que no ferro-liga onde não havia elementos principais formadores de carbonetos – Fe-Mn – foi preponderante para que o Fe-Mn apresentasse um desgaste de maior intensidade.

AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e à COFEL FERRO LIGAS pelo fornecimento dos materiais empregados neste estudo e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsas PIBITI/UNESP 115322/2008-6 (BPNM) e PQ 307877/2008-6 (JG). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Buchely, M. F.,Gutierrez, J.C., León, L.M., Toro, A, “The effect of microstructure on abrasive wear of

hardfacing alloys”. Wear, v. 259, pp. 52-61 (2005). Carvalho Junior, D. A., “Avaliação do Desgaste Abrasivo sobre Revestimentos Endurecidos Aplicados sobre

Equipamentos da Indústria Sucroalcooleira”, Trabalho de Conclusão de Curso, UNESP/FEIS, 2007. He, Y. et al. “Standard free energy change of formation per unit volume: a new parameter for evaluating

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Lima, A. C., Ferraresi, V. A., “Avaliação da Resistência ao Desgaste de Facas Picadoras de cana-de-açúcar revestida com arames tubulares autoprotegidos”, Anais do 5º Congresso Brasileiro de Engenharia de Fabricação (em CD-ROM), 10p., Belo Horizonte, MG, 2009.

Macedo, B. P. N., Gallego, J., “Simulação do Processo de Soldagem com Arame Tubular para Deposição de Revestimentos Duros à Base de Diferentes Carbonetos”, Anais do 15º Congresso Nacional de Estudantes de Engenharia Mecânica (em CD-ROM), 6p., Curitiba, PR, 2008.

Oliveira, C.K.N., Muñoz Riofano, R.M., & Casteletti, L.C., “Micro-abrasive wear test of niobium carbide layers produced on AISI H13 and M2 steels”, Surface & Coatings Technology 200 (2006) 5140 – 5144.

Wu, X., et al “Effect of titanium on the morphology of primary M7C3 carbides in hypereutectic high chromium white iron”, Materials Science and Engineering A 457 (2007) 180–185.

Yaer, X. et al. “Erosive wear characteristics of spheroidal carbides cast iron”. Wear, v. 264, pp. 947 – 957, 2008.