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1 Índice 1. Introdução ................................................................................................................................ 2 1.1. Problema ............................................................................................................................ 2 1.2. Objectivos .......................................................................................................................... 4 1.3. Justificativa ........................................................................................................................ 4 2. Sanção Administrativa .............................................................................................................. 5 2.1 Conceito e Modalidades ................................................................................................... 5 2.2. Características .................................................................................................................... 7 2.3 Diferença com a Sanção Penal .......................................................................................... 8 3. Princípios Fundamentais Essenciais .......................................................................................... 9 3.1 Princípio da prossecução do interesse público .................................................................. 9 3.2 Princípio da legalidade ................................................................................................... 10 3.3 Princípio da Separação de poderes .................................................................................. 11 3.4 Princípio da mínima intervenção e da necessidade .......................................................... 11 3.5 Princípio “non bis in idem” ............................................................................................ 12 5. Efeitos da sentença penal no Processo Administrativo Disciplinar .......................................... 14 5.1Independência entre responsabilidade disciplinar e criminal ............................................ 14 5.2 Intersecções entre procedimento administrativo (disciplinar) e criminal ......................... 16 5.3 Efeitos não penais da sentença penal e a inconstitucionalidade do artigo 76 CP .............. 17 6. Conclusão ............................................................................................................................... 21 7. Recomendações ...................................................................................................................... 22 8. Proposta de Bibliografia ......................................................................................................... 23 Obras ...................................................................................................................................... 23 Legislação ............................................................................................................................... 23

Efeitos Da Decisão Penal No Processo Administrativo DAS

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Direito Administrativo

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    ndice

    1. Introduo ................................................................................................................................ 2

    1.1. Problema ............................................................................................................................ 2

    1.2. Objectivos .......................................................................................................................... 4

    1.3. Justificativa ........................................................................................................................ 4

    2. Sano Administrativa .............................................................................................................. 5

    2.1 Conceito e Modalidades ................................................................................................... 5

    2.2. Caractersticas .................................................................................................................... 7

    2.3 Diferena com a Sano Penal .......................................................................................... 8

    3. Princpios Fundamentais Essenciais .......................................................................................... 9

    3.1 Princpio da prossecuo do interesse pblico .................................................................. 9

    3.2 Princpio da legalidade ................................................................................................... 10

    3.3 Princpio da Separao de poderes .................................................................................. 11

    3.4 Princpio da mnima interveno e da necessidade .......................................................... 11

    3.5 Princpio non bis in idem ............................................................................................ 12

    5. Efeitos da sentena penal no Processo Administrativo Disciplinar .......................................... 14

    5.1 Independncia entre responsabilidade disciplinar e criminal ............................................ 14

    5.2 Interseces entre procedimento administrativo (disciplinar) e criminal ......................... 16

    5.3 Efeitos no penais da sentena penal e a inconstitucionalidade do artigo 76 CP .............. 17

    6. Concluso ............................................................................................................................... 21

    7. Recomendaes ...................................................................................................................... 22

    8. Proposta de Bibliografia ......................................................................................................... 23

    Obras ...................................................................................................................................... 23

    Legislao ............................................................................................................................... 23

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    1. Introduo

    O presente trabalho se insere na disciplina de Direito Administrativo Sancionatrio, ministrado no

    Curso de Mestrado em Direito Administrativo, na Universidade Catlica, em Chimoio.

    O tema proposto os efeitos da deciso penal no processo administrativo disciplinar e

    discute a constitucionalidade do artigo 76 do CP.

    O exerccio do ius puniendi, num Estado de democrtico de Direito, deve ser subordinado a

    normas objectivas e entregue a rgos prprios cuja legitimidade seja reconhecida por lei. Assim,

    a aplicao de qualquer sano jurdica dever ser norteado por princpios de objectividade,

    proporcionalidade, legalidade, entre outros.

    Na senda do conceito de Margarida Ermelinda Lima de Morais de Faria, a sano disciplinar

    essencialmente uma sano jurdica e define-se como toda a consequncia desfavorvel imposta

    pelo Direito no caso de violao de uma norma jurdica. A Sano constitui, assim, uma reaco

    da ordem jurdica face a comportamentos que se no conformam com o modelo definido pelas

    suas normas e que, como tal, constituem uma infraco a um dever por ela imposto.1

    Nessa medida, sano jurdica assume especificidade na medida em que existem meios que visam

    a sua efectiva aplicao ao transgressor, garantes da observncia das normas jurdicas.

    Por outro lado, acentua-se que a sano disciplinar uma sano administrativa, no sentido de que

    as competncias sancionatrias so da Administrao Pblica, nas diversas formas que assume

    actualmente, tm como limite e fundamento o expressamente previsto na lei.2

    1.1. Problema

    No ordenamento jurdico vigente em Moambique, estatui a lei penal efeitos da condenao em

    pena maior, asseverando que o ru definitivamente condenado a qualquer pena maior, incorre

    () na perda de qualquer emprego ou funes pblicas ().3

    Aquele dispositivo reconhece, ento, que, a sentena criminal produza efeitos na esfera

    administrativa do funcionrio pblica, levando mesmo a aplicao de uma sano administrava

    1 Citando Enciclopdia Polis, Tomo V, pg. 98 ss. 2 FARIA, Margarida Ermelinda Lima de Morais de, O sistema das sanes e os princpios do direito administrativo

    sancionador, 2007. 3 Vide n 1, do artigo 76 do CP.

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    (perda do emprego ou funes), atravs de um acto judicial, ou seja, de um rgo que no seja da

    Administrao Pblica (executivo).

    Na linha de Farias4, o poder sancionador da Administrao ter, inevitavelmente, a natureza de

    poder administrativo sancionador especial, uma vez que, segundo ela, decorre de relaes

    hierrquicas, contratuais ou sectoriais.

    Alias, o Estatuto Geral do Funcionrios e Agentes do Estado (EGFAE) vinca estes pressupostos

    ao estabelecer, no seu artigo 102, n 2 que o processo disciplinar independente do

    procedimento criminal ou civil para efeitos de aplicao de penas disciplinares.

    Continua o mesmo diploma que as penas de demisso e expulso s podem ser aplicadas pelos

    dirigentes que tm competncia para nomear () 5 (o sublinhado nosso).

    Por um lado, o reconhecimento da faculdade do poder judicial aplicar sanes de natureza

    administrativa (concretamente a de demisso) parece fazer perigar o princpio da separao de

    poderes, pois, a relao entre a capacidade sancionadora da Administrao e as competncias

    do poder judicial potencialmente geradora de tenses6.

    Na verdade, o princpio da separao de poderes um princpio informador do Estado de Direito e

    constitui uma conquista da Revoluo Liberal. A Administrao passou ento a prosseguir

    essencialmente uma funo preventiva, enquanto o poder judicial detinha o monoplio do poder

    repressivo estatal.7 Mostra-se, ento, inconstitucional esta situao por desconformidade com o

    que dispe o artigo 134 CRM.

    E por outro lado, a aplicao de sano administrativa como acessria pena (criminal) aplicada

    ao agente pblico, mostra-se inconstitucional pela violao ento princpio non bis in idem,

    presente no artigo 59, n 3 segundo o qual, nenhum cidado pode ser julgado mais do que uma

    vez pela prtica do mesmo crime () .

    Viola, ainda e principalmente, o n 3 do artigo 61 CRM que estatui que nenhuma pena implica a

    perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou polticos, nem priva o condenado dos seus

    direitos fundamentais, salva as limitaes inerentes ao sentido da condenao e s exigncias

    especficas da respectiva execuo.

    4 Op. cit. 5 N 4 do artigo 113 EGFAE. 6 FARIA, Margarida Ermelinda Lima de Morais de, op. cit. 7 Segundo LOZANO, Blanca, Panormica General de la Potestad Sancionadora da la Administracion en Europa:

    Despenalizacion y Garantia, in Revista de Administracin Pblica, n. 121, Enero-Abril, 1990.

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    1.2. Objectivos

    Geral:

    - Discutir a conformidade dos efeitos da sentena penal no processo administrativo, com os

    princpios do direito penal e constitucionais

    Especficos:

    - Aprofundar o instituto da sano administrativa no processo administrativo sancionatrio;

    - Analisar os princpios vigentes nos processos administrativo

    - Avaliar a legitimidade e conformidade da aplicao de sano administrativa pelo poder judicial

    - Propor inovaes nos processos penal e administrativo actualmente em vigor.

    1.3. Justificativa

    Durante a nossa actuao como magistrado do Ministrio Pblico no processo penal, temos

    constatado que, algumas sentenas penais, em homenagem ao artigo 76 CP (e outros normativos

    extravagantes), tem aplicado, par das penas, sanes administrativas, repercutindo-se, ento, na

    esfera profissional do agente pblico.

    Tais situaes despertaram o interesse de discutir, sob ponto de visto tcnico-jurdico, a sua

    conformidade com os mais elementares princpios jurdicos, com destaque aos princpios da

    separao de poderes e do non bis in idem.

    Porque o trabalho constitui um direito fundamental (direito social e econmico) nos termos da

    CRM, a privao desse direito deve ser norteado por regras objectivas e de legalidade. Da que o

    presente tema se reveste de particular importncia, sob o ponto de vista jurdico-social e, em

    particular, para o estudo do direito administrativo sancionador.

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    2. Sano Administrativa

    2.1 Conceito e Modalidades

    O conceito da sano administrativa est intimidante ligado ao conceito da infraco

    administrativa, pois, a sano (pena) s aplicada a um infractor.

    Daniel Ferreira define a infraco administrativa como o comportamento voluntrio, violador da

    norma de conduta que o contempla, que enseja a aplicao, no exerccio da funo

    administrativa, de uma directa e imediata consequncia jurdica, restritiva de direitos, de

    carcter repressivo8.

    Segundo ele, a infrao administrativa constitui espcie de infraco jurdica e se distingue das

    demais pelo facto de figurar como causa lgico-jurdica da imposio de sano de mesma

    natureza a ser imposta por um agente pblico no exerccio regular de funo administrativa.

    Por seu turno, a infraco disciplinar o facto voluntario praticado pelo agente administrativo

    com violao de algum dos deveres que nessa qualidade lhe caibam9.

    Por seu turno, Ana Neves10 assevera que a sano disciplinar a expresso punitiva das condutas

    disciplinarmente antijurdicas do trabalhador. Constitui a censura disciplinar formal da

    inobservncia culposa dos seus deveres e obrigaes na relao jurdica de emprego pblico. Cria

    uma situao jurdica desfavorvel ou gravosa na esfera jurdico-profissional do trabalhador

    punido. So trs os seus elementos identificativos: pressupe uma infraco disciplinar; tem

    carcter punitivo ou sancionatrio e tem valorao e efeitos jurdico-laborais.

    Nesta perspectiva, a infraco disciplinar reserva algumas similitudes com a infraco

    administrativa, ocorrendo igualmente com as respectivas sanes como a seguir mencionaremos.

    O conceito de sano administrativa proposto por Marcelo Prates11, o qual advoga que sano

    administrativa a medida punitiva prevista em acto normativo, que pode ser aplicada

    directamente pela Administrao no mbito das suas relaes jurdicas gerais, a quem, sem

    justificao, deixe de cumprir um dever administrativo certo e determinado normativamente

    8 FERREIRA, Daniel, Teoria geral da infrao administrativa a partir da Constituio Federal de 1988. Belo

    Horizonte: Frum, 2010. 9 CAETANO, Marcello, Manuel do Direito Administrativo, Tomo II,. 10 Op. cit. 11 Citado por FARIA, Margarida Ermelinda de Morais de, op. cit.

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    imposto. E acrescenta Faria que ela acentua a sua natureza de pena em sentido tcnico,

    enquadrando-a no conceito de sano jurdica.

    Por seu turno, Eduardo Garcia ENTERRA12 admite distino no conceito de sano administrativa

    em duas categorias: as sanes administrativas de autoproteo e sanes administrativas de

    proteco da ordem geral.

    Segundo Enterra13, as sanes administrativas assumem quatro manifestaes caractersticas do

    poder sancionatrio de auto proteco da Administrao: sanes disciplinares, sanes

    rescisrias de actos administrativos favorveis, sanes tributrias e sanes da polcia dominial

    (que visam defender a integridade da propriedade pblica).

    Para Faria, as sanes administrativas de autotutela constituem o poder da Administrao

    destinada proteco da prpria Administrao, com efeitos sobre aqueles que com ela esto

    relacionados e no contra os cidados em geral, impondo o respeito de uma disciplina que a

    instituio administrativa deve garantir mediante o uso de um poder que lhe inerente.14

    Por seu turno, as sanes administrativas de proteco da ordem geral (heterotutela) se destinam a

    tutelar a ordem social no seu conjunto, com efeitos sobre o cidado em geral e no apenas sobre

    aqueles que se encontram numa relao especial com a Administrao15.

    Segundo Faria, nas sanes administrativas de proteco da ordem geral ou de heterotutela que

    se coloca dvidas no concernente aos princpios como o da separao dos poderes ou da nulla

    poena sine legale judicio.

    Garca de Enterria advoga que a confuso entre o poder sancionatrio geral da Administrao e

    o poder judicial verdadeiramente inextrincvel, trespassando para alm do razovel o princpio

    da separao dos poderes16.

    Designam-se as sanes de autotutela como sanes especiais e as sanes de heterotutela como

    sanes gerais.

    A doutrina assevera que as sanes administrativas especiais ou de autotutela no se reduzem s

    sanes disciplinares, seno havendo trs poderes a saber: poder administrativo disciplinar

    12 ENTERRA, Eduardo Garca de e FERNANDEZ, Toms-Ramn, Curso de Derecho Administrativo, Tomo II, 4.

    Ed., Madrid: Civitas, 1993, citado por FARIA, op. cit. 13 Idem. 14 FARIA, Margarida Ermelinda de Morais de, op. cit., citando MURGEON. 15 FARIA, Margarida Ermelinda de Morais de, op. cit. 16 ENTERRIA, Eduardo Garcia e FERNANDES, Toms-Ramon, op. cit.

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    (derivado do poder de direco da Administrao face quelas pessoas a ela subordinadas

    hierarquicamente), o poder administrativo sancionador contratual (por incumprimento de

    obrigaes contratuais assumidas pelo administrado e se aproxima da sano civil) e poder

    administrativo sancionador sectorial (que surgem no mbito de uma colectividade administrativa

    organizada e sujeita a regras prprias e especficas).

    Faria17, aplaudindo Vital Moreira da opinio que o poder sancionador sectorial deve incluir-se

    no poder disciplinar derivado da relao entre poder de direco dever de obedincia s regras

    internas desses organismos estabelecida entre estas entidades e os seus membros.

    2.2. Caractersticas

    importante realar algumas caractersticas da sano administrativa que a identificam como tal,

    apartando-se de outras medidas punitivas diversas.

    Desde logo, trata-se de uma sano, portanto de um uma consequncia desfavorvel imposta

    pelo Direito no caso de violao de uma norma jurdica18 ou ento, de uma medida de caracter

    aflitivo segundo Pasquale CERBO19.

    Dessa conceitualizao resulta ento que, a sano administrativa uma sano jurdica pois,

    como ficou dito, ela uma reaco da ordem jurdica perante condutas que violam regras

    definidas pelas normas, constituindo uma infraco.

    A sano surge assim como pena em sentido tcnico (dirigida preveno geral e especial), por

    ser resultado de um ilcito, compreendido como violao de um preceito imputado a um sujeito.

    E outra caracterstica importante que se trata de sano administrativa, ou seja, prprio da

    Administrao. Em conformidade com o princpio da especialidade administrativa, segundo o qual

    o interesse pblico delimita a capacidade de actuao da Administrao, sero competentes para

    aplicar as sanes administrativas as entidades administrativas responsveis pela tutela dos

    interesses protegidos ou promovidos pela norma sancionadora.20

    17 Op. cit. 18 FARIA, Margarida Ermelinda de Morais de, op. cit., retirado da Enciclopdia Polis. 19 Citado por FARIA, op, cit. 20 FARIA, Margarida Ermelinda de Morais de, op. cit.

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    Garca de ENTERRA entende por sano administrativa um mal infligido pela Administrao a

    um administrado como consequncia de uma conduta ilegal21.

    A ser assim, a sano administrativa deve ser aplicada por rgos de administrao activa e no

    exerccio de uma funo administrativa. Os rgos jurisdicionais, porque exercem uma funo

    especfica (a funo jurisdicional) no pode ser, nesta perspectiva, entendidas como exercendo a

    funo administrativa, sem prejuzo das competncias dos rgos da gestao das magistraturas

    (conselhos superiores).

    Por isso, na opinio de Pascuale Cerbo, a sano administrativa imposta no exerccio de um

    poder administrativo como consequncia de um comportamento de um sujeito em violao de

    uma norma ou de um procedimento administrativo. (sublinhados nossos).

    2.3 Diferena com a Sano Penal

    Quer a sano administrativa como a sano penal, tratam-se de consequncias desfavorveis

    aplicadas a quem viola normas jurdicas e at, segundo Marcello Caetano, a violao da

    disciplina dos servios administrativos d, pois, lugar aplicao de penas, tal como a infraco

    criminal22. Porm, inmeras particularidades os diferenciam.

    Na verdade, a questo da diferena entre sanes administrativas e penas () tem repercusses

    ao nvel prtico, nomeadamente ao nvel das garantias que se concedem aos cidados23.

    Por seu turno, Eduardo Correia defende que: o trao principal da caracterizao () reside no contedo do ilcito. O direito criminal protege bens ou valores fundamentais da comunidade, aqueles interesses primrios cuja falta de observncia a vida em sociedade no seria possvel: a vida humana, a integridade fsica, liberdade

    sexual, honra, patrimnio. () os valores protegidos pelo direito administrativo no so interesses fundamentais da vida comunitria. So simples valores de criao e manuteno de uma certa

    ordem social, mais ou menos estranhos ordem moral. 24

    Para Correia, o ilcito criminal supe sempre um juzo pessoal de censura ao agente por ter agido

    como agiu, mas ilcito administrativo pode bastar-se com a produo do evento proibido a ttulo

    de dolo ou negligencia.

    21 El Problema Jurdico de las Sanciones Administrativas, in Revista Espaola de Derecho Administrativo, citado por Faria, Margarida Ermelinda de Morais de, op. cit. 22 CAETANO, Marcello, Manual do Direito Administrativo, Tomo II, 10 edio, 9 reimpresso, Almedina, Coimbra,

    2010. 23 FARIA, Margarida Ermelinda de Morais de, op. cit. 24 CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, vol. I, Almedina,

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    A sano criminal e a administrativa diferem da sano disciplinar uma vez que esta funda-se na

    proteco de valores de obedincia e disciplina no quadro de um servio pblico. Refira-se que a

    represso disciplinar consiste no poder punitivo particular fundado na necessidade de defesa de

    coeso e eficincia de certo grupo existente na comunidade poltica, diferentemente da repreenso

    criminal em que o poder punitivo se funda na defesa geral contido na soberania do Estado para a

    defesa dos interesses essenciais da prpria comunidade politica e dos seus membros.25

    A repreenso disciplinar encontra seu fundamento na necessidade de assegurar a coeso e a

    prossecuo dos interesses prprios de certo grupo social () resultante de uma organizao de

    um departamento ou servio administrativo26. Contrariamente, a repreenso criminal funda-se na

    necessidade de proteger e defender certos interesses reputados essenciais vida de uma sociedade

    politicamente organizada.

    3. Princpios Fundamentais Aplicveis

    3.1 Princpio da prossecuo do interesse pblico

    O princpio em anlise vigora fundamentalmente no direito administrativo, numa perspectiva de

    que, a Administrao prossegue um fim pblico e, a sua actuao deve ser orientada para essa

    finalidade.

    Contempla Neves que os servidores pblicos esto exclusivamente ao servio do interesse pblico

    o que exige o exerccio da funo pblica de forma isenta e correcta do ponto de vista da

    atendibilidade dos interesses protegidos por lei27.

    O princpio em aluso encontra assentamento constitucional no n 1 do artigo 249 CRM, segundo

    o qual, a Administrao Pblica serve o interesse pblico (). Assim, na actuao dos agentes

    pblicos e na aplicao de qualquer sano administrativa disciplinar, deve se ter sempre em conta

    o interesse pblico.

    25 Cfr. CAETANO, Marcello, op. cit. 26 CAETANO, Marcello, Manual, op. cit. 27 NEVES, Ana Fernanda, O direito da Funo Pblica, in OTERO, Paulo, at all (org.), Tratado do Direito Administrativo Especial, Vol. IV., Almedina, Coimbra, 2010.

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    3.2 Princpio da legalidade

    O n 2 do artigo 249 CRM expende que os rgos da Administrao Pblica obedecem

    Constituio e lei (). Tal significa que a Administrao deve agir dentro dos parmetros

    legais e, no respeito intransigente lei e ao Direito.

    A doutrina assume que o princpio da legalidade assume dupla dimenso, sendo uma normativa e

    outra axiolgica: a primeira expressiva da tipicidade objectiva (da conduta como pretendida em

    lei, e que se mostra mais elstica quando houver um especial e voluntrio liame) e a segunda

    reveladora do juzo de reprovabilidade (da conduta: por certo mais rigoroso no caso de regime

    de sujeio especial espontneo) 28.

    No mbito do Direito Penal e ainda do direito disciplinar, o princpio da legalidade no implica

    apenas a legalidade criminal ou infraccional (nullum crimen sine lege), mas tambm e

    principalmente da legalidade das penas (nulla poena sine lege) e da legalidade processual (nulla

    poena sine legale iudicio).29

    Segundo Ana Neves, o princpio da legalidade um dado fundamental do Estado de Direito para

    cumprir uma funo de defesa dos cidados contra intervenes pblicas no consentidas na

    liberdade, propriedade e segurana e que no tivessem uma formulao genrica e abstracta (em

    ordem a prevenir o arbtrio).30

    O princpio da legalidade encontra relevncia nas relaes de emprego pblico. Neste mbito, no

    que diz respeito ao recorte das infraces que sejam causa da cessao da relao jurdica de

    emprego pblico, a definio dos crimes, penas e medidas de segurana, resulta que no se exige a

    definio concreta de todas as infraces disciplinares, sequer destas. Significa que no foi

    expressamente querida uma reserva de definio parlamentar dos ilcitos disciplinares, como

    sustenta Neves.

    Segundo ela, uma vez que o regime jurdico disciplinar parte do regime jurdico da funo

    pblica, no deixa de estar abrangido pela reserva parlamentar das respectivas bases e que vigora

    o princpio nullum crimen nulla poena sine lege edificado a um princpio da legalidade

    sancionatria, como argumento para colocar tambm os ilcitos disciplinares pblicos no

    domnio da reserva de lei, por equiparao de natureza punitiva e necessidade de garantia da

    28 FERREIRA, Daniel, Sanes administrativas: entre direitos fundamentais e democratizao da ao estatal, in

    Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 12, n. 12, p. 167-185, julho/dezembro de 2012. 29 Idem. 30 NEVES, Ana Fernandes, Direito Disciplinar da Funo Pblica, Vol. II, dissertao de doutoramento, Lisboa, 2007.

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    segurana jurdica do trabalhador, reconhecendo-se ser de duvidosa sustentabilidade uma tal

    qualificao e porque ofusca o tratamento autnomo da matria disciplinar.31

    3.3 Princpio da Separao de poderes

    A nossa Constituio, depois de indicar no artigo 133 os rgos de soberania como sendo o

    Presidente da Repblica, o Governo (poder executivo), a Assembleia da Repblica (poder

    legislativos), os Tribunais (poder judicial), estatui imediatamente que os rgos de soberania

    assentam nos princpios de separao e interdependncia de poderes consagrados na

    Constituio ()32.

    Para Fernando Correia, o princpio da separao de poderes permite a individualizao, no topo

    do Estado, de um poder especificamente estruturado da tarefa de administrar (o poder executivo),

    ao lado do poder legislativo e do poder judicial.33

    Canotilho defende ento que o princpio da diviso de poderes (separao e interdependncia)

    um princpio informador da estrutura orgnica da constituio. Separando os rgos e

    distribuindo as funes consegue-se, simultaneamente, uma racionalizao do exerccio das

    funes de soberania e o estabelecimento de limites recprocos34.

    Assim, pelo princpio da separao de poderes, cabe aos rgos administrativos (executivo) a

    aplicao de sanes administrativas (incluindo a disciplinar) e aos tribunais (judicial) a aplicao

    de sanes penais. por isso que Canotilho acrescenta que o princpio da separao e

    interdependncia concretiza-se atravs do princpio da tipicidade dos rgos de soberania e pelo

    princpio da reserva constitucional no que respeita () competncia e funcionamento dos

    mesmos rgos35 como resulta entre ns do artigo 134 CRM.

    3.4 Princpio da mnima interveno e da necessidade

    O princpio da mnima interveno vigora no direito penal e tem sido traduzido na ideia de que

    este ramo de direito residual, na medida em que s dever intervir quando outros ramos de

    direito sejam insuficientes ou ineficazes.

    O princpio tambm se alia ao os princpios da necessidade e da subsidiariedade, no sentido de que

    o Direito Penal s deve intervir quando estejam em causa bens jurdicos fundamentais e que

    31 Vide, idem. 32 Artigo 134 CRM. 33 CORREIA, Fernando Alves, Alguns conceitos de direito administrativo, 2 edio, Almedina, S/D. 34 CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional, 6 edio revista, Livraria Almedina, Coimbra, 1993. 35 CANOTILHO, J.J. Gomes, op. cit.

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    outros ramos de direito no sejam suficientes para salvaguardar os bens jurdicos. A ideia de

    necessidade a pena deve ser necessria.

    Por outro lado, de harmonia com o princpio ou com o carcter fragmentrio do Direito Penal, no

    so todos os bens jurdicos que o Direito Penal deve tutelar, mas to s os bens fundamentais.

    aquele que Eugnio Zaffaroni36 chama de princpio de mnima proporcionalidade da

    interveno punitiva considerando-o um dos limites que deve observar o exerccio do poder

    punitivo, e que no se deriva nenhuma natureza nem funo retributiva da pena, seno pela

    necessidade de conter a irracionalidade do poder.

    3.5 Princpio non bis in idem

    O sentido literal da expresso que no devido duas vezes do mesmo e o seu sentido no

    Direito disciplinar o da proibio de dupla sano pelos mesmos factos.37 Argunmenta-se

    ainda que tal duplicidade sancionatria que se quer evitar tanto pode ser referida relao entre

    sanes disciplinares, entre uma sano disciplinar e uma sano administrativa e entre aquela e

    uma sano penal. Precedentemente, como garantia processual, o princpio postula que uns

    mesmos factos no sejam objecto de dois procedimentos sancionatrios38.

    O princpio non bis in idem tem previso constitucional relativamente ao crime, mas aplicvel

    tambm por analogia nos outros direitos sancionatrios pblicos, no mbito interno respectivo

    como se tem pronunciado a jurisprudncia lusa.

    Na verdade, o n 3 do artigo 59 da CRM que estatui nenhum cidado pode ser julgado mais do

    que uma vez pela prtica do mesmo crime ().

    Expende Fernanda Neves39 que aplicao do princpio non bis in idem duplicidade de sanes

    disciplinares no oferece dificuldades pois, no pode aplicar-se ao mesmo funcionrio ou agente

    mais do que uma pena disciplinar por cada infraco. E no nosso caso, a lei reconhece que a

    nenhum arguido aplicada mais de uma sano pela mesma infraco disciplinar.40

    36 ZAFFARONI, Eugnio Ral, Derecho Penal, Parte General, 2 edio, Buenos Aires, 2002. 37 NEVES, Ana Fernandes, Direito disciplinar da funo pblica, op. cit. 38 JALVO, Beln Marina, La problemtica solucin de la concurrencia de sanciones administrativas y penales.

    Nueva doctrina constitucional sobre el principio non bis in idem, citado por NEVES, Ana Fernandes, idem. 39 Direito disciplinar da Funo Pblica, op. cit. 40 Artigo 88, n 1 do EGFAE.

  • 13

    Mas tal no impede a acumulao de infraces num mesmo ou em mais do que num

    procedimento, sem prejuzo da sua considerao individualizada, ser apreciada, tambm, pelo

    comportamento global do trabalhador, o que harmoniza melhor com o princpio non bis in idem,

    para alm de acautelar a razo da economia processual.

    No mbito deste trabalho, o princpio em tela se coloca na aplicao cumulativa de uma sano

    disciplinar e de uma sano penal. , efectivamente, nesta relao que mais frequentemente

    questionada, pela aplicao do princpio, a possibilidade de acumulao de sano disciplinar e de

    sano penal pela prtica dos mesmos factos.

    Ana Fernandes Neves41 discorre sobre esta situao com profundidade, espedindo que h quem

    no vm na dualidade sano disciplinar e sano penal qualquer contrariedade ao princpio:

    afirmada, em regra, a possibilidade de um mesmo facto ser simultaneamente um crime e uma

    infraco disciplinar e de dar lugar aplicao simultnea a um mesmo trabalhador de uma

    sano penal e de uma sano disciplinar.

    Fundamentam tais posies de que se tratam de duas formas distintas de represso, na medida

    em que visam a tutela de interesses distintos e pretenses punitivas de mbito diverso, pois, a

    sano penal funda-se no facto de a prtica de crime atingir interesses reputados essenciais da

    comunidade poltica e a sano disciplinar no facto de a infraco ofender ou pr em perigo

    interesses prprios de um grupo ou do empregador. O processo penal no deve, assim, excluir a

    tramitao do procedimento disciplinar a que haja lugar. o caso portugus, onde

    tradicionalmente se afirma a respectiva independncia.

    Contra aquele entendimento, destacada igualmente a existncia de uma identidade mnima,

    uma identidade substancial bsica entre a sano penal e a sano administrativa, uma mnima

    natureza comum derivada do seu carcter de sano42.

    Na verdade, a previso de sanes acessrias tende a gerar dvidas sobre a ocorrncia de bis in

    idem relativamente punio administrativa, na medida em que aparecem no sistema

    administrativo contra-ordenacional com uma lgica penal excessiva, enquanto desempenham,

    semelhana das penas acessrias, uma funo preventiva adjuvante da pena principal.43

    41 Idem. 42 Toms Cano Campos, citado por NEVES, Ana Fernandes, op. cit. 43 FARIA, Margarida Ermelinda de Morais de, op. cit.

  • 14

    Porm, Faria entende que correcta a transposio da lgica penal ao Direito Administrativo

    Sancionador nesta matria, uma vez que as sanes acessrias constituem instrumento para fazer

    valer o princpio da igualdade material e proporcionalidade das sanes, adequando-as gravidade

    das infraces e culpa do agente, alm de desempenharem um papel essencialmente preventivo,

    muitas vezes mais eficaz que a prpria sano principal pelo que a sua funo preventiva

    adjuvante se mostra determinante na prossecuo dos interesses pblicos visados pela norma.

    4. Efeitos da sentena penal no Processo Administrativo Disciplinar

    4.1 Independncia entre responsabilidade disciplinar e criminal

    Como defendido e com razo por Marcello Caetano44, a regra de que o procedimento disciplinar

    independente do procedimento criminal est formulado em todos os textos. Entre ns, o n 2 do

    artigo 102 do EGFAE refere que o processo disciplinar independente do procedimento

    criminal () para efeitos de aplicao de penas disciplinares.

    Como tem sido defendido pela jurisprudncia administrativa portuguesa, cujas normas aplicveis

    so bastante prximas das moambicanas, a independncia dos dois procedimentos conduz, pois,

    independncia na aplicao das penas. Porm, no constitui violao da regra non bis in idem a

    punio do mesmo facto nas duas jurisdies.

    Unnime jurisprudncia lusa sentencia que

    o processo disciplinar independente e autnomo do processo criminal, uma vez que,

    no obstante a aplicao ao processo disciplinar (como, de resto, a todos os processos

    de natureza sancionatria), a ttulo subsidirio, de normas ou princpios do direito

    criminal, so diversos os fundamentos e os fins das duas jurisdies, bem como os

    pressupostos da respectiva responsabilidade, podendo pois ser diversas as valoraes

    que cada uma delas faz dos mesmos factos e circunstncias (...). Tratando-se, assim, de

    processos distintos e autnomos, sendo o procedimento disciplinar independente do

    apuramento e sancionamento eventualmente feito sobre os mesmos factos em processo

    criminal.

    certo que o Cdigo Penal inclui certas penas especiais para empregados pblicos no artigo

    57, com denominao e efeitos idnticos a penas disciplinares: mas trata-se de penas criminais,

    aplicveis por sentena e cuja cominao na lei penal no impede que sejam aplicadas pelo

    44 Cfr. CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, op. cit.

  • 15

    superior competente, pelos mesmos factos, em processo disciplinar concludo antes do julgamento

    pelo tribunal, idnticas penas disciplinares.

    No entanto, j no pode punir-se mais de uma vez disciplinarmente o mesmo facto, muito embora

    a condenao anterior possa ser tida em conta na apreciao da conduta do agente ao puni-lo por

    nova infraco45. E nesta perspectiva, o artigo 88, n 1 do EGFAE assevera que a nenhum

    arguido aplicada mais de uma sano pela mesma infraco disciplinar.

    A prova ou a qualificao de certos factos numa jurisdio relativamente a outra pode produzir,

    efectivamente alguma influncia, mas sem ferir a independncia entre os processos. O artigo 153

    CPP diz a condenao definitiva proferida na aco penal constituir caso julgado quanto

    existncia e qualificao do facto punvel e quanto determinao dos seus agentes, mesmo nas

    aces no penais em que se discutam direitos que dependam da existncia da infraco.

    O CPP acrescenta no artigo 154 que a sentena absolutria proferida em matria penal e com

    transito em julgado constituir nas aces no penais simples presuno legal da inexistncia dos

    factos que constituem a infraco ou de que os arguidos a no praticaram, conforme o que se

    tenha julgado, presuno que pode ser ilidida por prova em contrrio.

    Como defendido por Caetano46, resulta que se em processo disciplinar se derem como provados

    factos que a sentena penal considerou no provados, esta deciso no prevalece sobre aquela. A

    Administrao pode considerar ilidida pela prova que reuniu a presuno constituda pela

    sentena proferida no processo-crime.

    Argumenta o autor luso que, o mesmo facto pode, por isso, no ser provado em processo criminal

    com o grau de certeza necessrio para ser punido por sentena penal e todavia aparecer em

    processo disciplinar com suficiente consistncia para demostrar que o agente perigoso ou

    inconveniente ao servio.

    A independncia dos dois procedimentos conduz a que no se suspenda o processo disciplinar a

    aguardar a concluso do processo judicial, havendo mesmo quem defende que o efeito suspensivo

    do procedimento disciplinar conduz inegavelmente compresso do princpio da tempestiva

    valorao dos factos em sede interna no emprego pblico o que pode contrariar com a

    45 Cfr. Idem. 46 CAETANO, Marcello, Manual do Direito Administrativo, op. cit.

  • 16

    garantia do bom funcionamento e da imagem das administraes e tal s pode ser, em parte,

    acautelado com a suspenso preventiva do trabalhador.47

    4.2 Interseces entre procedimento administrativo (disciplinar) e criminal

    Apesar de se reconhecer que a sano penal e a sano disciplinar reservam algumas destrinas,

    no deixa de ser verdade que a ofensa a interesse do grupo pode determinar uma reaco da

    comunidade poltica, ou seja, o mesmo facto pode desencadear a repreenso disciplinar e a

    repreenso criminal, ser considerado infraco disciplinar e crime48, pois, algumas condutas

    alm de ofenderem interesses prprios do servio a que pertence o agente, podem extravasar e

    lesar toda uma sociedade poltica (Estado).

    Aceita-se que o direito administrativo guarda relaes com o direito penal, fixando-se maior

    relevncia aos crimes contra a Administrao Pblica que consubstanciam falta disciplinar

    passvel de pena demissria. E ainda, a maior aproximao se d sobremaneira enquanto ambos

    so ramos do direito pblico de carcter punitivo.49

    Porm, preciso notar que

    os actos funcionais cometidos por servidor que podem ser considerados crimes no sero

    administrativamente apurados como tal - como crimes - em funo da independncia das instncias,

    da harmonia entre os poderes e das competncias exclusivas de cada poder. No se aceita que uma

    comisso disciplinar, no termo de indiciao ou no relatrio de um processo administrativo

    disciplinar, enquadre o acto funcional infracional que tambm configura crime no dispositivo da lei

    penal, sob pena de sobrestar a instncia administrativa at a manifestao definitiva da sede penal,

    exclusivamente competente para tal.50

    Mas esta constatao no dignifica que os actos apurados como criminosos no processo

    administrativo sejam impunes, devendo, pois, tais actos, de acordo com a sua gravidade, serem

    sancionados por rgos competentes.

    Para Beling51, a nica diferena que pode ser reconhecida entre as duas espcies de ilicitude de

    quantidade ou de grau: est na maior ou menor gravidade ou imoralidade de uma em cotejo com a

    outra. O ilcito administrativo um minus em relao ao ilcito penal.

    47 FARIA, Margarida Ermelinda de Morais de, op. cit., aderindo a Giustina Noviello e Vito Tenore. 48 CAETANO, Marcello, Princpios fundamentais do Direito Administrativo, 1. reimpresso portuguesa, Coimbra:

    Almedina, 1996. 49 Cfr. SILVA, Marcelo Aguiar da, Interseco entre direito administrativo disciplinar e direito penal: Uma viso

    garantista do ilcito administrativo disciplinar, Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3119, 15 jan. 2012, disponvel em

    www.jus.com.br/artigos/20853, acesso em 14 de novembro de 2013. 50 SILVA, Marcelo de Aguiar, op. cit. 51 Citado por Nelson Hungria, apud SILVA, Marcelo de Aguiar, op. cit.

  • 17

    4.3 Efeitos no penais da sentena penal e a inconstitucionalidade do artigo 76 CP

    Iniciamos este ttulo com a ideia de que o objecto do Direito Penal se traduz na persecuo do jus

    puniendi contraposto com o direito liberdade, ao passo que no direito disciplinar se procura uma

    sancao correctiva, preventiva e repreensiva, sem implicar a privao da liberdade.

    Porm, esta factualidade no impede os efeitos de cada um dos procedimentos produza efeitos na

    esfera de outro.

    inegvel que no existe diferena ontolgica entre crime e infraco administrativa ou entre

    sano penal e sano administrativa, sendo ambos considerados ilcito e sancionados pela ordem

    jurdica.

    Algumas vezes no restam dvidas que, por exemplo, havendo o cometimento de uma

    transgresso-crime, nasce para a instncia administrativa e penal, o poder-dever de persecuo,

    instaurando-se o respectivo processo, at a deciso final.52

    O que sucede que, a par desse facto, uma sentena proferida no processo penal repercute no

    processo disciplinar, mas a recproca no verdadeira, porquanto a deciso prolatada pela

    autoridade disciplinar encerra uma etapa meramente administrativa, sempre aprecivel pelo poder

    judicirio53.

    Como anteriormente nos referimos, os efeitos da sentena penal no processo administrativo

    depende se a deciso judicial condenatria ou absolutria.

    A sentena condenatria deve ser avaliada nos termos do artigo 153 CPP. Segundo aquele

    dispositivo legal, a condenao definitiva proferida na aco penal constituir caso julgado

    quanto existncia e qualificao do facto punvel e quanto determinao dos seus agentes,

    mesmo nas aces no penais em que se discutam direitos que dependam da existncia da

    infraco.

    Resulta assim que tendo sido o arguido condenado em processo penal, a jurdica disciplinar deve

    considerar provados os factos referentes existncia e qualificao da matria e da autoria do

    52 SILVA, Pedro Aparecido Antunes, Efeitos da sentena penal na esfera administrativa disciplinar, disponvel em

    http://www.jurisway.org.br, acesso em 11 de nov. de 2013. 53 Idem.

  • 18

    arguido desses factos. Dito de outra forma, um arguido condenado definidamente no processo

    penal no pode vir ser considerado no culpado, pelos mesmos factos em sede disciplinar.

    Como defendido por Marcello Caetano54, a doutrina deste artigo relevante em matria

    disciplinar. Portanto se o tribunal criminal deu como provada a existncia de certos factos, o

    caso julgado tem autoridade no domnio disciplinar. Da mesma forma a Administrao tem de

    aceitar o que a sentena decidir quanto autoria dos factos. J no ter interesse a qualificao,

    pois esta feita luz da lei criminal e no impede diversa qualificao dos mesmos factos no

    domnio disciplinar.

    Por seu turno, quando se trate de sentena absolutria, j neste caso, a sentena penal apenas

    uma mera presuno da inocncia do reu em sede disciplinar, podendo tal presuno ser ilidida.

    Resulta, mesmo, do artigo 154 CPP que defende que a sentena absolutria proferida em

    matria penal e com transito em julgado constituir nas aces no penais simples presuno

    legal da inexistncia dos factos que constituem a infraco ou de que os arguidos a no

    praticaram, conforme o que se tenha julgado, presuno que pode ser ilidida por prova em

    contrrio.

    Daqui resulta que se em processo disciplinar se derem como provados factos que a sentena penal

    considerou no provados, esta deciso no prevalece sobre aquela. Ou seja, a Administrao pode

    considerar ilidida pela prova que reuniu a presuno constituda pela sentena proferida no

    processo-crime.

    Segundo este entendimento, justifica-se a posio do legislador por so diversos os fundamentos

    e os fins da jurisdio criminal e da jurisdio disciplinar: da a independncia dos dois

    processos e das respectivas decises. No processo criminal exige-se certo grau de certeza assente

    em provas produzidas na instruo contraditria para se proferir a sentena.55

    Segundo Caetano, no processo disciplinar basta que o superior hierrquico se convena de que a

    infraco se produziu ou ate mesmo que o agente, pela sua conduta, precisa ser corrigido ou no

    convm que continue no servio pblico.

    54 Manual do Direito Administrativo, op. cit. 55 CAETANO, Marcello, idem.

  • 19

    O mesmo facto pode, por isso, no ser provado em processo criminal com o grau de certeza

    necessrio para ser punido por sentena penal e todavia aparecer em processo disciplinar com

    suficiente consistncia para demostrar que o agente perigoso ou inconveniente ao servio.56

    A posio vai mais fundo e expende que pode haver casos em que a confiana do pblico em

    determinado servio fica abalada se nele permanecer um funcionrio que no tenha conseguido

    provar a sua cabalmente a sua inocncia em factos de que voz corrente a sua autoria e culpa.

    Quando a ns, o que atrs ficou exposto, trata-se dos casos em que, o mesmo facto seja

    considerado crime e infraco disciplinar. Neste caso, julgamos ser pacfico que, a deciso penal

    tenha efeitos na esfera administrativa, pois, entre ns, as decises dos tribunais prevalecem sobre

    as das demais autoridades e so de cumprimento obrigatrio, como ressalta do artigo 215 da

    CRM.

    Porm, mesmos a prtica de factos que no configurem infraco criminal, a sentena penal

    condenatria se repercute na esfera disciplinar igualmente. Basta analisarmos o artigo 76 do CP.

    Segundo aquele dispositivo legal, o ru definidamente condenado a qualquer pena maior,

    incorre () na perda de qualquer emprego ou funes pblicas (). E j a condenao em

    qualquer pena correccional, implica na suspenso de emprego ou qualquer funo pblica

    desempenhada pelo condenado.57

    H quem defenda que a perda de cargo pblico, funo pblica to-somente efeito

    administrativo da deciso judicial, de modo que a motivao/fundamentao, para esse efeito da

    pena, pode decorrer do prprio conjunto da deciso judicial. Implica dizer, noutro falar, que a

    perda preconizada pelo CP, na questo em anlise, seria efeito imediato e incondicional da

    condenao, sem necessidade de especfica de motivao/fundamentao da deciso.

    Ora, preciso, porm, notar que a CRM defende no seu artigo 61, n 3, ao fixar os limites das

    penas, refere que nenhuma pena implica a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou

    polticos, nem priva o condenado dos seus direitos fundamentais, salva as limitaes inerentes ao

    sentido da condenao e s exigncias especficas da respectiva execuo.

    56 Cfr. Idem. 57 Vide artigo 78 CP.

  • 20

    Muitas posies j defenderam que as normas legais, que prevem a perda de funes pblicas

    como consequncia necessria de condenao definitiva em pena maior violam o disposto

    naquele preceito constitucional58

    Eduardo Correia defendeu, nesta matria que, a Constituio apenas probe que a condenao

    em certa pena implique automaticamente a perda de quaisquer direitos profissionais, civis ou

    polticos; no probe que estas consequncias se sigam necessariamente condenao por certos

    crimes. Aqui o legislador ordinrio tem liberdade para optar entre dois sistemas: ou enumera os

    tipos de crimes que acarretam aquelas consequncias como o fez o Cdigo Penal de 188659 ou

    formula um critrio geral orientador da deciso que, caso a caso, ser tomada pelo julgador

    ().

    Na senda do artigo 65 CP, um funcionrio condenado por furto, roubo, burla, quebra fraudulenta,

    abuso de confiana e fogo posto, em pena de priso necessariamente demitido.

    O princpio constitucional de que nenhuma pena envolve como efeito necessrio a perda de

    quaisquer direitos civis, profissionais ou polticos probe que o legislador ordinrio ligue

    automaticamente a perda desses direitos condenao em pena de certa natureza ou gravidade,

    mas j no condenao por certos crimes, enunciados nominalmente ou atravs de um critrio

    geral.

    58 Neste sentido, inmeras decises e pareceres da PGR de Portugal, aplicveis no nosso caso. 59 Julgamos que aqui se referia ao artigo 65 CP.

  • 21

    5. Concluso

    Aplaudimos a ideia de Faria segundo a qual, a lei, elasticizada no seu contedo e perturbada na

    sua eficcia, sujeita-se discusso jurdica do seu papel e limites e com ela a discusso da

    normatividade estadual.

    Na verdade, o disposto no artigo 76 do CP vai contra todos os princpios do direito que temos

    vindo a enunciar neste trabalho. Seno vejamos, a demisso do funcionrio pblico no seu empego

    deve ser uma deciso administrativa ou, seja, segundo as suas caractersticas, tomada pela

    Administrao pblica (strito sensu) e no pode poder judicial. Afinal, trata-se de uma sano de

    natureza profissional e, o desligamento do servio deve ser prosseguido de acordo com os

    princpios da prossecuo do interesse colectivo, da especialidade administrativa, entre outras.

    A aplicao de uma sano administrativa pelo rgo judicial lesa o princpio da separao de

    poderes e, quando a ns, a produo de efeitos disciplinares da sentena penal, permite uma

    dualidade sancionatria e fere, assim, o princpio non bis in idem.

    As actuais tendncias de purificao do direito penal, aliadas aos princpios da mnima

    interveno e com ele, o da necessidade e subsidiariedade, pretende retirar do direito penal as

    bagatelas que, so mais eficazes sancionadas no mbito de outros ramos. Assim, julgamos ser uma

    interveno excessiva e desnecessria do direito penal ao, de forma no descriminada, admitir-se

    que, qualquer pena maior (mais de 2 anos) implique a perda do emprego.

    , pois, inconstitucional este dispositivo pois, no tem em ateno sequer o facto da conduta ter

    repercusses disciplinares que implique a quebra da confiana e f na Administrao Pblica.

  • 22

    6. Recomendaes

    Assim expostas as coisas, nossas sugestes so no sentido de que, em homenagem ao princpio da

    independncia dos processos penal e disciplinar, da separao dos poderes e da proibio da dupla

    punio, se fixasse que:

    - Tendo o agente pblico praticado uma conduta que, ao mesmo tempo constitua crime e infraco

    disciplinar, os dois processos decorram de forma independente, devendo cada um deles tomar a

    deciso que for conveniente. Tal no prejudica que, a condenao do ru em processo penal

    produza dos efeitos do artigo 153 CPP.

    - Porm, em caso de procedimento criminal por crime que no constitua infraco disciplinar, o

    processo no poder produzir efeitos na esfera jurdica, sem prejuzo do arguido vir-lhe a ser

    instaurado processo disciplinar autnomo, por faltas injustificadas e aplicar a pena que couber;

    - Se, num processo penal se constatar que os factos de que o arguido acusado constituem

    infraco disciplinar, devem ser extradas cpias a serem remetidos ao superior hierrquico dos

    servios do arguido para instaurao do processo disciplinar, sem prejuzo de se servir da prova

    careada em processo criminal.

    - A sentena penal condenatria pode aplicar ao funcionrio pblico a sano acessria de

    proibio do exerccio, por um perodo, de funes, em razo de cujo exerccio cometeu um crime

    for praticados com flagrante e grave abuso da funo, com manifesta e grave violao dos deveres

    que lhe so inerentes e revelar indignidade no exerccio do cargo ou implicar a perda da confiana

    necessria ao exerccio da funo.

    - Em razo da fora obrigatria da deciso penal condenatria transitada em julgado, que

    prevalece sobre as decises de quaisquer outras autoridades (artigo 61, n. 3, da CRM), se um

    tribunal criminal aplicou a pena acessria de suspenso da funo, a mesma impe-se

    Administrao, que deve promover a sua execuo.

  • 23

    7. Referncias de Bibliografia

    Obras

    1. CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Tomo II, 10 edio, 10

    reimpresso, Almedina, Coimbra, 2010.

    2. CAETANO, Marcello, Princpios fundamentais do Direito Administrativo, 1. reimpresso

    portuguesa, Coimbra: Almedina, 1996.

    3. CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, Almedina, Coimbra,

    2002.

    4. CORREIA, Fernando Alves, Alguns conceitos de direito administrativo, 2 edio, Almedina,

    S/D.

    5. DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal: Questes fundamentais a doutrina geral do crime,

    1996.

    6. FARIA, Margarida Ermelinda Lima de Morais de, O sistema das sanes e os princpios do

    direito administrativo sancionador, 2007.

    7. FERREIRA, Daniel, Sanes administrativas: entre direitos fundamentais e democratizao

    da ao estatal, in Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 12, n. 12, p. 167-

    185, julho/dezembro de 2012.

    8. FERREIRA, Daniel, Teoria geral da infrao administrativa a partir da Constituio Federal

    de 1988. Belo Horizonte: Frum, 2010.

    9. GONCALVES, Manuel Lopes Maia, Cdigo Penal Portugus, anotado e comentado, na

    doutrina e na jurisprudncia, 2 edio, reimpresso, Almedina, Coimbra, 2007.

    10. LOZANO, Blanca, Panormica General de la Potestad Sancionadora da la

    Administracion en Europa: Despenalizacion y Garantia, in Revista de Administracin Pblica, n.

    121, Enero-Abril, 1990.

    11. NEVES, Ana Fernanda, O direito da Funo Pblica, in OTERO, Paulo, at all (org.),

    Tratado do Direito Administrativo Especial, Vol. IV., Almedina, Coimbra, 2010.

    12. NEVES, Ana Fernandes, Direito Disciplinar da Funo Pblica, Vol. II, dissertao de

    doutoramento, Lisboa, 2007.

    13. SILVA, Marcelo Aguiar da, Interseco entre direito administrativo disciplinar e direito

    penal: Uma viso garantista do ilcito administrativo disciplinar, Jus Navigandi, Teresina, ano 17,

    n. 3119, 15 jan. 2012, disponvel em www.jus.com.br/artigos/20853, acesso em 14 de novembro

    de 2013.

    14. SILVA, Pedro Aparecido Antunes, Efeitos da sentena penal na esfera administrativa

    disciplinar, disponvel em http://www.jurisway.org.br, acesso em 11 de nov. de 2013.

    15. ZAFFARONI, Eugnio Ral, Derecho Penal, Parte General, 2 edio, Buenos Aires,

    2002.

    Legislao

    - Cdigo do Processo Penal

    - Cdigo Penal

    - Constituio da Repblica de Moambique (2004).

    - Lei n 14/2009 de 17 de Maro, aprova o Estatuto Geral dos Funcionrios e Agentes do Estado,

    abreviadamente designado por EGFAE.