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J Bras Nefrol 2009;31(1):39-47 RESUMO Introdução: A preservação a frio geralmente é utilizada para minimizar a injúria renal durante a preservação. Testamos se a adição de sinvastatina, captopril, e ramipril à solução de Euro-Collins (EC) ou o pré-tratamento de rins de ratos doadores com ramipril e/ou sinvastatina poderia reduzir a injúria da preservação renal. Métodos: Inicialmente, adicionamos ramipril e sinvastatina à solução de EC, contendo fragmentos de rins de ratos que foram preservados a frio por 24 horas (n=6). O dano tecidual foi avaliado pela liberação de desidrogenase lática (DHL). In vivo, ramipril, por gavagem, e/ou sinvastatina, intraperitonealmente, foram administrados aos ratos doadores 18h antes da nefrectomia. Fragmentos renais foram estocados a frio em EC durante 24h ou 48h. O dano tecidual foi avaliado, utilizando a liberação de DHL, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS), teste do MTT e pelo exame morfológico após 0, 24, e 48h (n=10). Concomitantemente, captopril foi acrescentado à solução de EC e fragmentos adicionais dos rins de ratos controles foram estocados a frio durante 24h e 48h, com dano tecidual avaliado por liberação de DHL e exame histológico. Resultados: A adição de ramipril e sinvastatina à solução de EC não afetou a viabilidade dos fragmentos renais (p>0,05). A adução de captopril na solução de EC também não melhorou a viabilidade durante a preservação a frio, avaliada pela liberação de desidrogenase lática e pelo escore histológico (p>0,05). O pré-tratamento dos doadores renais com ramipril e/ou sinvastatina não alterou significativamente o MTT, MDA, DHL ou escores histológicos. Discussão: Inibidores da ECA e estatinas protegem contra a injúria da isquemia-reperfusão (I/R) após pré-tratamento por alguns dias e reduzem o estresse oxidativo e marcadores inflamatórios e poderiam melhorar a capacidade antioxidante da solução de EC. Nas concentrações testadas, a inclusão de captopril, ramipril e sinvastatina na solução de EC não melhorou a qualidade da preservação a frio de fragmentos renais de ratos. O pré-tratamento de ratos doadores de rim com sinvastatina e/ou ramipril, 18 horas antes da nefrectomia, não resultou, nas doses testadas, em aumento na viabilidade de fragmentos renais preservados a frio. Conclusões: Não encontramos evidência de proteção contra a injúria da preservação a frio em nosso modelo. Descritores: Inibidores da ECA. Preservação a frio. Isquemia. Rim. Sinvastatina. ABSTRACT Background: Cold storage is generally used to minimize kidney injury during preservation. We tested whether or not addition of simvastatin, captopril, and ramipril in the Euro-Collins solution (EC) or pre-treatment of rat kidney donors with ramipril and/or simvastatin reduced preserved kidney injury. Methods: We first added ramipril and simvastatin to EC with rat kidney fragments that were cold-stored for 24 hours (n=6). Tissue damage was assessed by lactate dehydrogenase (LDH). In vivo, ramipril, by gavage, and/or intraperitoneal simvastatin , were administered to donor rats 18h before nephrectomy. Kidney fragments were cold-stored in EC for 24h or 48h. Tissue damage was assessed by LDH release, TBARS, MTT-assay, and by morphologic assessment at 0, 24, and 48h (n=10). Concomitantly, captopril was added to EC and additional fragments of control rat kidneys were cold- stored for 24 and 48h, with damage assessed by LDH release and histology. Results: The addition of ramipril and simvastatin to EC solution did not change the viability of rat kidney fragments (p>0.05). The addition of captopril in the EC solution also did not improve cold-storage viability, as assessed by LDH release levels and histological scores (p>0.05). Pre-treatment of kidney donors with ramipril and/or simvastatin did not significantly change MTT, MDA, LDH levels or histological scores.Discussion: ACEIs and statins protect against organ I/R injury after donor pre-treatment for a few days and reduce oxidant stress and inflammatory markers, and could improve the antioxidant capacity of EC solution. In the tested concentrations, inclusion of captopril, ramipril, and simvastatin in the EC solution did not improve the preservation quality of cold-stored rat kidney fragments. Pre-treatment of kidney donor rats with simvastatin and/or ramipril, 18 hours prior to donor rat nephrectomy, in the referred doses did not result in improvement of the viability of cold-stored rat kidney fragments. Conclusions: We did not find evidence of protection against cold-storage injury in our model. Keywords: ACE inhibitors. Cold storage. Ischemia. Kidney. Simvastatin. Efeitos do Ramipril, Captopril e Sinvastatina na Injúria da Preservação a Frio de Rins de Ratos Effects of Ramipril, Captopril, and Simvastatin on Cold-storage Damage in Rat Kidneys Luis Alberto Batista Peres 1 , Vinicius Daher Alvares Delfino 2 , Lissa Akari Tutida 3 , Bruno Alberto Fabris 3 , Décio Sabbatini Barbosa 3 , Maria Emília Favero 3 , Tiemi Matsuo 4 1 Departamento de Nefrologia-UNIOESTE-Cascavel-PR, Brasil; 2 Departamento de Nefrologia-UEL- Londrina-PR, Brasil; 3 Departamento de Patologia Aplicada- UEL-Londrina-PR, Brasil; 4 Departamento de Matemática Aplicada- UEL-Londrina-PR, Brasil Artigo Original Recebido em 11/11/08 / Aprovado em 03/02/09 Endereço para correspondência: Luis Alberto Batista Peres R. São Paulo 769- Ap. 901 Bairro Centro - Cascavel - PR, Brasil CEP 85801-020 E-mail: [email protected]

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J Bras Nefrol 2009;31(1):39-47

RESUMO

Introdução: A preservação a frio geralmente é utilizada para minimizar a injúria renal durante a preservação. Testamos se a adição desinvastatina, captopril, e ramipril à solução de Euro-Collins (EC) ou o pré-tratamento de rins de ratos doadores com ramipril e/ou sinvastatinapoderia reduzir a injúria da preservação renal. Métodos: Inicialmente, adicionamos ramipril e sinvastatina à solução de EC, contendo fragmentosde rins de ratos que foram preservados a frio por 24 horas (n=6). O dano tecidual foi avaliado pela liberação de desidrogenase lática (DHL). Invivo, ramipril, por gavagem, e/ou sinvastatina, intraperitonealmente, foram administrados aos ratos doadores 18h antes da nefrectomia.Fragmentos renais foram estocados a frio em EC durante 24h ou 48h. O dano tecidual foi avaliado, utilizando a liberação de DHL, substânciasreativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS), teste do MTT e pelo exame morfológico após 0, 24, e 48h (n=10). Concomitantemente, captopril foiacrescentado à solução de EC e fragmentos adicionais dos rins de ratos controles foram estocados a frio durante 24h e 48h, com dano tecidualavaliado por liberação de DHL e exame histológico. Resultados: A adição de ramipril e sinvastatina à solução de EC não afetou a viabilidadedos fragmentos renais (p>0,05). A adução de captopril na solução de EC também não melhorou a viabilidade durante a preservação a frio,avaliada pela liberação de desidrogenase lática e pelo escore histológico (p>0,05). O pré-tratamento dos doadores renais com ramipril e/ousinvastatina não alterou significativamente o MTT, MDA, DHL ou escores histológicos. Discussão: Inibidores da ECA e estatinas protegem contraa injúria da isquemia-reperfusão (I/R) após pré-tratamento por alguns dias e reduzem o estresse oxidativo e marcadores inflamatórios e poderiammelhorar a capacidade antioxidante da solução de EC. Nas concentrações testadas, a inclusão de captopril, ramipril e sinvastatina na soluçãode EC não melhorou a qualidade da preservação a frio de fragmentos renais de ratos. O pré-tratamento de ratos doadores de rim comsinvastatina e/ou ramipril, 18 horas antes da nefrectomia, não resultou, nas doses testadas, em aumento na viabilidade de fragmentos renaispreservados a frio. Conclusões: Não encontramos evidência de proteção contra a injúria da preservação a frio em nosso modelo.

Descritores: Inibidores da ECA. Preservação a frio. Isquemia. Rim. Sinvastatina.

ABSTRACT

Background: Cold storage is generally used to minimize kidney injury during preservation. We tested whether or not addition of simvastatin, captopril,and ramipril in the Euro-Collins solution (EC) or pre-treatment of rat kidney donors with ramipril and/or simvastatin reduced preserved kidney injury.Methods: We first added ramipril and simvastatin to EC with rat kidney fragments that were cold-stored for 24 hours (n=6). Tissue damage wasassessed by lactate dehydrogenase (LDH). In vivo, ramipril, by gavage, and/or intraperitoneal simvastatin , were administered to donor rats 18h beforenephrectomy. Kidney fragments were cold-stored in EC for 24h or 48h. Tissue damage was assessed by LDH release, TBARS, MTT-assay, and bymorphologic assessment at 0, 24, and 48h (n=10). Concomitantly, captopril was added to EC and additional fragments of control rat kidneys were cold-stored for 24 and 48h, with damage assessed by LDH release and histology. Results: The addition of ramipril and simvastatin to EC solution did notchange the viability of rat kidney fragments (p>0.05). The addition of captopril in the EC solution also did not improve cold-storage viability, as assessedby LDH release levels and histological scores (p>0.05). Pre-treatment of kidney donors with ramipril and/or simvastatin did not significantly change MTT,MDA, LDH levels or histological scores.Discussion: ACEIs and statins protect against organ I/R injury after donor pre-treatment for a few days andreduce oxidant stress and inflammatory markers, and could improve the antioxidant capacity of EC solution. In the tested concentrations, inclusion ofcaptopril, ramipril, and simvastatin in the EC solution did not improve the preservation quality of cold-stored rat kidney fragments. Pre-treatment ofkidney donor rats with simvastatin and/or ramipril, 18 hours prior to donor rat nephrectomy, in the referred doses did not result in improvement of theviability of cold-stored rat kidney fragments. Conclusions: We did not find evidence of protection against cold-storage injury in our model.

Keywords: ACE inhibitors. Cold storage. Ischemia. Kidney. Simvastatin.

Efeitos do Ramipril, Captopril e Sinvastatina na Injúria daPreservação a Frio de Rins de Ratos

Effects of Ramipril, Captopril, and Simvastatin on Cold-storage Damage in Rat Kidneys

Luis Alberto Batista Peres1, Vinicius Daher Alvares Delfino2, Lissa Akari Tutida3, Bruno AlbertoFabris3, Décio Sabbatini Barbosa3, Maria Emília Favero3, Tiemi Matsuo4

1Departamento de Nefrologia-UNIOESTE-Cascavel-PR, Brasil; 2Departamento de Nefrologia-UEL- Londrina-PR, Brasil;3Departamento de Patologia Aplicada- UEL-Londrina-PR, Brasil; 4Departamento de Matemática Aplicada- UEL-Londrina-PR, Brasil

Artigo Original

Recebido em 11/11/08 / Aprovado em 03/02/09

Endereço para correspondência:

Luis Alberto Batista PeresR. São Paulo 769- Ap. 901Bairro Centro - Cascavel - PR, BrasilCEP 85801-020E-mail: [email protected]

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Injúria da Preservação a Frio de Rins de Ratos40

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INTRODUÇÃO

O transplante renal é um tratamento efetivo parapacientes em estágio terminal de doença renal crônica. Nocaso do transplante com doador falecido, o tempo de is-quemia fria é um fator de risco para o desenvolvimento deinjúria renal aguda1. A simplicidade e o baixo custo dapreservação a frio estática com soluções de preservaçãosão motivos para utilizá-la com o intuito de minimizar ainjúria tecidual2.

A cada dia o número de pacientes nas listas de esperapara o transplante renal vem aumentando. Em decorrênciadisto, rins em condições subótimas (doadores com critériosexpandidos) são frequentemente utilizados, sendo aindamais importante a qualidade da preservação do órgão.Soluções de preservação de melhor qualidade são capazesde melhor preservar os órgãos e, consequentemente, au-mentar a sobrevida dos mesmos. Testes in vitro são co-mumente utilizados antes do transplante experimental deórgãos para avaliar a qualidade das soluções de preservaçãoa frio ou os efeitos de aditivos a estas soluções3,4.

Os inibidores da enzima HMG-CoA redutase, co-nhecidos por estatinas, são comumente usados para re-duzir os níveis de colesterol sanguíneo e melhorar afunção endotelial, diminuindo a injúria vascular induzidapor Angiotensina II. Atuam como imunomoduladores porapresentarem propriedades anti-inflamatórias, reduzindoos níveis plasmáticos de fator de necrose tumoral-alfa,molécula de adesão intercelular-1 (ICAM-1) e proteína Creativa, independentemente de alterações nos níveis delipoproteínas5-8. A sinvastatina mostrou efeito anti-inflamatório e antiaterosclerótico independentemente doefeito hipolipemiante em ratos9. Há evidências de que asestatinas possam reduzir o dano celular da isquemia/reperfusão (I/R) em coração e rins de ratos10-15.

Os inibidores da enzima conversora da angio-tensica (iECAs) são antioxidantes e tem atenuado ainjúria da I/R em modelos animais16-23. A solução daUniversidade de Wisconsin (UW) é superior à de Euro-Collins (EC) em prevenir necrose tubular aguda24-27. Noentanto, UW é muito mais cara que a solução de EC, deforma que esta é a solução de preservação hipotérmicamais frequentemente utilizada em nosso meio, tanto parapreservação de rins de doadores falecidos quanto para ade rins de doadores vivos. A combinação de iECAs e/ouestatinas reduz o estresse oxidativo e os marcadores infla-matórios28 e poderia melhorar a capacidade antioxidanteda solução de EC.

Os objetivos do presente estudo foram avaliar se aadição de captopril, ramipril ou sinvastatina à solução deEuro-Collins foi capaz de melhorar a preservação hipo-térmica de fragmentos corticais de rins de ratos e se o pré-

tratamento do rato doador renal com ramipril e/ou sin-vastatina foi capaz de melhorar a preservação hipotérmicade fragmentos corticais de rins de ratos subsequentementepreservados em solução de EC por 24 e 48 horas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Animais utilizados nos experimentos

Ratos Lewis isogênicos machos entre 12 e 22 semanasde vida, obtidos junto ao biotério do Hospital Universitário daUniversidade Estadual de Londrina foram utilizados em todosos experimentos (n=46). Durante todo o estudo, os animais re-ceberam água e ração apropriada para ratos, “ad libitum”, e fo-ram tratados em consonância com os princípios éticos quenorteiam o manuseio de animais de experimentação (PositionStatement of the American Diabetes Association29) e com alegislação nacional (Lei nº 9.605/1998).

Solução de preservação, drogas e reagentes

A solução de EC foi obtida da Fresenius (Alemanha) efoi usada a 4°C. Captopril foi obtido da DEG (Suíça); ramipril esinvastatina da Henrifarma (China). Sinvastatina foi ativada invitro por hidrólise alcalina30, antes da diluição na solução deEC. MTT (3-(4,5-dimetiltiazol-2yl)-2,5-difenil brometo detetrazolina) e RPMI-1640 foram obtidos da Sigma ChemicalCompany (USA), soro fetal bovino da Gibco (USA) e dimetil-sulfóxido (DMSO) da Nuclear (Brasil). Ácido tiobarbitúrico emalondialdeído foram obtidos da Acros Organics (EUA).

Procedimento cirúrgico de obtenção do tecido renalutilizado nos experimentos

Todo o procedimento cirúrgico foi realizado utilizandoéter como anestésico. Os ratos doadores de rins para o expe-rimento foram tricotomizados previamente à laparotomia xifo-púbica, a qual foi realizada sob anestesia inalatória com éteretílico. Antissepsia foi obtida pela fricção da área tricotomizadacom álcool a 70%. Após a abertura da cavidade peritoneal, osanimais foram sacrificados por exanguineação, obtida pelasecção da aorta e da veia cava inferior caudalmente aos rins.

Os rins foram removidos e então transferidos para abancada do laboratório imersos em solução salina 0,9% a 4°C.Após isso, os rins foram longitudinalmente cortados ao meio, deforma a produzir uma metade ventral e outra dorsal, o mais se-melhantes possível, para cada rim. Em seguida, do córtex de cadametade renal foram obtidos fragmentos que foram pesados embalança analítica com sensibilidade de 0,1mg. Para procedimentode corte dos fragmentos, foi utilizada uma metade renal de cadavez, enquanto as demais foram mantidas em solução salina a 4°C.Fragmentos corticais de aproximadamente 4-7mg cada foramusados nos estudos de preservação, exceto para a determinação doMDA, que foram usados fragmentos de 10-15mg.

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Avaliação do dano renal

A injúria renal foi avaliada utilizando-se a liberação dedesidrogenase lática (DHL), determinação de substânciasreativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS), teste do MTT eanálise morfológica. Exceto para a análise morfológica, todos ostestes foram feitos em duplicata.

Liberação de DHL

Foram obtidos fragmentos corticais de rins de ratos compesos de aproximadamente 6 a 8mg. Para o tempo zero,fragmentos frescos foram transferidos para 2mL de EC, ondepermaneceram em incubação durante 2h e 30 minutos, a 37ºC,em meio rico em oxigênio..Em seguida, os fragmentos foramlevados para agitação em um agitador de Kline durante 15minutos. Após esse período, os fragmentos foram retirados e oseu sobrenadante, separado para determinação da DHL pelométodo enzimático em um autoanalisador Dimension (Dade-Behringer), conforme as recomendações do fabricante.

Da mesma maneira, esse procedimento foi realizado nosfragmentos mantidos sob preservação a frio, 24 horas para aparte 1 e 24 e 48 horas para a parte 2. Os dados foram expressosem U/L/mg de tecido. Todos os testes foram realizados emduplicata, sendo obtida a média das duas amostras e calculado oaumento percentual nos tempos 24 (Partes 1 e 2) e 48 horas(Parte 2) em relação ao valor obtido no tempo zero.

Determinação de TBARS

Para avaliar a peroxidação lipídica, foi estimada a for-mação de malondialdeído (MDA), conforme descrito porJentzsch e colaboradores31. O sobrenadante onde os fragmentosrenais foram preservados foi submetido à análise espectrofoto-métrica em 535nm. Os valores de TBARS gerados (nmol/ mL)foram lidos em curvas padronizadas (0.15-0.01875 µmol) ecorrigidos para o conteúdo de proteína celular usando o métodovermelho de pirogalol (nmol/mg proteína).

Teste do MTT

A redução da viabilidade do tecido renal foi avaliadaapós preservação a frio, usando o método descrito porMosmann’s32, com algumas modificações feitas em nosso labo-ratório33. Fragmentos corticais com pesos de aproximadamente4mg a 6mg foram transferidos para 1mL do meio de culturaRPMI 1640, acrescido de 10% de soro fetal bovino, mantidosem uma pré-incubação de 30 minutos, a 37ºC em meio com 5%de CO2.

Em seguida, o meio foi substituído para uma segundapré-incubação de 2 horas, nas mesmas condições já mencio-nadas. Após esse período, o meio foi substituído por 1mL desolução de MTT 2mg/mL, acrescido de soro fetal bovino a 10%,e permaneceu em incubação durante 180 minutos, a 37ºC emmeio rico em oxigênio. A seguir, o meio foi substituído por 1mLde DMSO e agitado por 30 minutos e, depois, foi feito leitura da

densidade óptica (DO) em espectrofotômetro Micronal B242 IIem comprimento de onda de 510nm. Após preservação a frio,durante 24 e 48 horas em solução de EC, os fragmentos foramtransferidos para o meio de cultura de RPMI, acrescido de sorofetal bovino 10%, e submetidos ao mesmo procedimento des-crito acima para aqueles do tempo zero.

Os dados foram expressos em densidade óptica x1.000/mg de tecido. Foi calculada a média das duas duplicatas ea percentagem de viabilidade nos tempos 24 e 48 horas em re-lação ao valor obtido no tempo zero (100% de viabilidade). Esteteste foi realizado somente para a parte 2.

Análise histológica

Os fragmentos corticais foram transferidos para formalinatamponada a 10%, logo após sua obtenção no tempo zero, e nostempos 24 e 48 horas, após terem sido retirados da solução de EC.As peças foram clivadas e processadas com desidrataçãoprogressiva em álcool etílico e diafanação pelo xilol, impregnaçãopela parafina e blocagem no laboratório de patologia.

Os cortes foram obtidos em micrótomo ajustado para 4micras e colocados em lâminas previamente untadas com albu-mina de Meyer e mantidos para secagem em estufas à temperaturade 37ºC por 24 horas. Foi utilizada a coloração pela hematoxilinae eosina. Para análise, utilizou-se microscópio de luz comobjetivas planas, acromáticas com aumento de 100 a 400 vezes.

Os parâmetros analisados foram edema da célula tubular,perda da borda em escova e condensação nuclear com escores de0 a 3 para cada um deles, na dependência da intensidade das alte-rações, sendo considerado 0: histologia normal; 1, 2 e 3: compro-metimento leve, moderado e severo, respectivamente. Cada lâminafoi numerada e, de maneira cega, avaliada por patologista comexperiência em biópsias renais. Em cada lâmina, foram analisadostrês campos de grande aumento (x400): lateral esquerdo, médio elateral direito. Este exame foi realizado somente para a parte 2.

Estudos de Preservação: Desenho experimental

Parte 1: Adição de ramipril e/ou sinvastatina à soluçãode EC e avaliação após 24 horas de preservação a frio.

Os fragmentos corticais foram expostos à solução de ECe foi determinada a liberação de DHL imediatamente após ocorte dos mesmos (T0) e após serem mantidos a 4°C por 24horas em EC (grupo controle) ou EC contendo ramipril (1, 5, 10ou 25µmol/L) ou sinvastatina (1, 5, 25 ou 100µmol/L).

Parte 2: Pré-tratamento in vivo com ramipril e/ousinvastatina 18h antes da nefrectomia, com danoavaliado após 24 ou 48h de preservação a frio. Captopriladicionado à solução de EC, com dano avaliado após 24ou 48h de preservação a frio.

Ramipril (10mg/kg peso), por gavagem e/ousinvastatina (1mg/kg peso), intraperitonealmente, administradosaos ratos doadores 18 horas antes da nefrectomia. Os fragmentos

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corticais foram preservados a frio em EC durante 24 ou 48h. Aviabilidade tecidual foi avaliada pela liberação de DHL,determinação de TBARS teste do MTT e pela análisehistológica após 0, 24 e 48h de preservação a frio. Fragmentosdo grupo controle foram preservados a frio durante 24 ou 48hem EC com 500µmol/L de captopril (n=10). A viabilidadetecidual foi avaliada por determinação de liberação de DHL epela análise histológica.

Análise estatística

Parte 1: Os resultados dos experimentos dos gruposdesta parte do estudo: controle (EC puro), EC + ramipril (1, 5,10 e 25 micromol/L) e EC + sinvastatina (1, 5, 25, e 100micromol/L) foram expressos em médias e desvios-padrão eanalisados de acordo com a técnica da análise de variância(ANOVA) para experimentos em blocos casualizados. Utilizou-se a transformação logarítmica dos resultados do DHL paraadequar os dados aos pressupostos de normalidade e homo-geneidade de variâncias. A análise estatística foi realizada coma média de duplicatas. Os testes que apresentaram valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Parte 2: Os experimentos foram analisados com atécnica de análise de variância (ANOVA) para delineamento emblocos completos casualizados em esquema fatorial para ostestes MTT, DHL e MDA. A análise de variância no esquemafatorial contemplou os efeitos de grupo, tempo e interação grupox tempo em blocos completos casualizados. O fator grupo ava-liou os grupos controle, ramipril, sinvastatina e a combinação deramipril com sinvastatina para MTT e MDA; para DHL, foiacrescido o grupo captopril.

O fator tempo avaliou os tempos 24 e 48 horas em rela-ção ao tempo zero. Para o MTT, foram realizadas nove repe-tições; para o MDA e DHL, dez repetições e, para o histológico,oito repetições (blocos). Utilizou-se a transformação logarítmicaapenas na variável DHL com o objetivo de adequá-la aospressupostos de normalidade (teste de Shapiro-Wilk) e homo-geneidade de variâncias (teste de Bartlett).

A análise estatística foi realizada com a média deduplicatas, exceto para o histológico, para o qual foi feita a somados escores dos três parâmetros avaliados, calculadas as me-dianas e foi utilizado o teste de Friedman para comparação entreos grupos. Os testes que apresentaram valores de p< 0,05 foramconsiderados estatisticamente significativos.

RESULTADOS

Comparando-se a concentração de DHL nossobrenadantes dos frascos contendo os fragmentos comramipril ou sinvastatina diluídos à solução de EC dosdiferentes grupos experimentais, não houve diferençaestatisticamente significativa após 24 horas de pre-servação a frio (p = 0,66). A média dos valores basais deDHL foi de 14,4 + 4,6 U/L/mg de tecido. A Tabela 1 apre-senta os resultados.

Quanto ao pré-tratamento dos ratos doadores comramipril e/ou sinvastatina, não houve diferença estatis-ticamente significativa entre os testes MTT, MDA, DHLou escores histológicos. Estes dados estão expressos naTabela 2.

Para o teste do MTT, não houve diferença estatis-ticamente significativa entre os grupos tratados e o grupocontrole (p= 0,72). A média dos valores basais foi de 533,7+ 12,7 para o grupo controle, 536,9 + 27,5 para o gruporamipril, 526,8 + 69,2 para o grupo sinvastatina e de 541,8+ 9,1 densidade óptica x 1000/mg de tecido para o gruporamipril + sinvastatina. Houve diferença estatisticamentesignificativa entre os tempos de preservação zero e 24horas e entre 24 e 48 horas (p< 0,0001). A tabela 2 mostraas médias da percentagem de viabilidade em relação aotempo zero nos tempos 24 e 48 horas e os desvios-padrãode nove experimentos. Foram realizados dez experimentos,mas devido a problemas técnicos com o espectrofotômetro,um dos experimentos não foi considerado.

Quanto à determinação do MDA, não houve dife-rença estatisticamente significativa entre os grupos tratadose o grupo controle (p= 0,69). A média dos valores basais foide 309,8 + 153,4 para o grupo controle, 337,5 + 721 para ogrupo ramipril, 314,6 + 207,2 para o grupo sinvastatina ede 356,9 + 212,8 nmol/mg para o grupo ramipril + sin-vastatina. Não houve diferença estatisticamente signi-ficativa entre os tempos de preservação zero e 24 horas eentre 24 e 48 horas (p> 0,09). A tabela 2 mostra as médiase os desvios padrões dos aumentos percentuais nos níveisde MDA nos tempos 24 e 48 horas em relação ao valorobtido no tempo zero (100% de viabilidade) nos diferentesgrupos experimentais.

Em relação à liberação de DHL, não houve dife-rença estatisticamente significativa entre os grupos tra-tados e o grupo controle (p= 0,21). A média dos valores

Tabela 1. Percentagem de liberação de DHL dos fragmentoscorticais após 24 horas de preservação a frio em solução de ECcontendo ramipril e sinvastatina, em relação aos valores basais.

DHL Log10(DHL)

GRUPOS N (%) DP (%) DP

EC 6 180,50 43,04 2,24 0,112EC + R1 6 166,33 39,13 2,21 0,095EC + R5 6 174,33 67,70 2,22 0,163EC + R10 6 173,33 40,31 2,23 0,098EC + R 25 6 151,17 25,42 2,17 0,078EC + S1 6 189,67 57,61 2,26 0,134EC + S5 6 171,67 32,27 2,23 0,083EC + S25 6 200,00 100,00 2,26 0,218EC + S100 6 164,50 45,89 2,20 0,119

ANOVA: p = 0.6664EC=Euro-Collins, R= ramipril, S= sinvastatina Números 1, 5, 10, 25 e 100 nos nomes dos grupos referem-se aconcentração das drogas (em µmol/L)

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basais foi de 14,5 + 2,6 para o grupo controle, 14,8 + 3,6para o grupo ramipril, 14,6 + 3,7 para o grupo sinvastatinae de 16,1 + 6,3 U/L/mg de tecido para o grupo ramipril +sinvastatina. Houve diferença estatisticamente significati-va entre os tempos de preservação zero e 24 horas e entre24 e 48 horas (p< 0,0001). A tabela 2 mostra as médias dapercentagem de liberação de DHL em relação ao tempozero (100%) nos tempos 24 e 48 horas e os desvios-padrão de dez experimentos. Quanto ao efeito do capto-pril diluído à solução de EC, não foi observado diferençaestatisticamente significativa entre o grupo exposto aocaptopril e o grupo controle.

Quando foram comparados os escores histológicostotais (edema da célula tubular + perda da borda emescova + condensação nuclear), não houve diferençasignificativa entre os tratamentos em cada um dos temposavaliados e nem entre os tempos em cada tratamento(p>0,05). Foram realizados dez experimentos, mas doisforam desconsiderados por problemas no processamentodas lâminas. Nas Figuras 1, 2 e 3, apresentamos imagensrepresentativas do exame histológico da cortical de rinsde ratos do grupo controle em diferentes tempos depreservação a frio (zero, 24 e 48 horas, respectivamente).

DISCUSSÃO

A injúria da isquemia/reperfusão (I/R) de rinstransplantados pode causar necrose tubular aguda, levan-do à função retardada do enxerto e reduzindo a sobrevidadeste34,35. As soluções de preservação são usadas parareduzir a injúria isquêmica durante a preservação a frio,minimizar a atividade enzimática, a depleção de subs-tratos energéticos e a peroxidação lipídica36,37.

Estatinas e inibidores da enzima conversora daangiotensina podem reduzir a injúria da preservação, por-tanto decidimos testar os efeitos da adição de captopril,ramipril e sinvastatina à solução de EC durante preser-vação a frio e os efeitos da administração de ramipril e

sinvastatina ao rato doador 18 horas antes da nefrectomiana injúria da preservação a frio.

Em nossos estudos, a adição de ramipril (1, 5, 10,25µmol/L), captopril (500µmol/L) ou sinvastatina (1, 5, 25e 100µmol/L) à solução de EC utilizada para preservarhipotermicamente por 24 horas (para o grupo ramipril esinvastatina) e 48 horas (para o grupo captopril) fragmentoscorticais de rins de ratos não produziu efeito citoprotetorsignificativo, utilizando-se a liberação tissular de DHL noestudo referente ao ramipril e sinvastatina e o mesmo testeacrescido de avaliação histológica para o grupo captopril.

Uma das possibilidades de não verificação deefeito citoprotetor das drogas testadas adicionadas à so-lução de EC pode ter sido a dose utilizada e, no caso do

Tabela 2. MTT, MDA, DHL, e escores histológicos após o pré-tratamento com ramipril e/ou sinvastatina.

Testes DHL MTT MDA Histológico(N=10) (N=9) (N=10) (N=8)

Tempo de isquemia T24 T48 T24 T48 T24 T48 T24 T48Controle 5,0 ± 0,20 5,38 ± 0,15 77,0 ± 6,6 69,1 ± 8,0 346,5 ± 176,5 403,6 ± 159,1 17 (11-24) 19.5 (15-25)Ramipril 5,1 ± 0,24 5,32 ± 0,17 78,8 ± 6,3 67,7 ± 6,0 309,4 ± 86,2 400,4 ± 130,3 18 (10-24) 18.5 (14-24)Sinvastatina 5,1 ± 0,27 5,37 ± 0,22 81,7 ± 12 69,7 ± 9,9 364,5 ± 260,2 420,6 ± 188,1 19 (14-21) 19 (15-23)Ramipril + Sinvastatina 5,2 ± 0,22 5,29 ± 0,31 80,4 ± 11 67,2 ± 8,4 316,6 ± 180,9 354,8 ± 172 18 (14-23) 20 (15-23)Captopril 5,2 ± 0,22 5,43 ± 0,15 22 (15-26) 25 (17-26)

ANOVA para testes laboratoriais e Teste de Friedman para análise histológica (valores mínimo e máximo entre parenteses). p > 0.05para todos os testes. Transformação logaritímica foi usada na liberação de DLH. DHL, MTT, e MDA foram apresentados como reduçãode percentagem (MTT) ou aumento (DHL e MDA) em relação aos valores basais. Captopril foi adicionado a solução de EC e ramipril esinvastatina foram administrados como pré-tratamento aos ratos doadores.

Figura 1. Exame histológico em fragmento cortical renal no tempozero de preservação a frio. Corte histológico de rim de rato emgrande aumento (400x). Coloração: Hematoxilina-Eosina. Observa-se área de córtex renal apresentando túbulos proximais. As célulasmantêm arquitetura histológica preservada, núcleos com visua-lização adequada da carioteca (seta azul), cromatina finamentegranular e homogênea e nucléolos focalmente evidentes. O cito-plasma é amplo, acidófilo, granular, notando-se membrana citoplas-mática preservada (seta vermelha) evidenciando contornos intralu-minais preservados, com espessamento periférico que representaa borda em escova (seta amarela), adequada para o fixador utili-zado (formalina).

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ramipril, a utilização de uma pré-droga. Na literatura, nãoencontramos relatos de uso de ramipril adicionado a solu-ções de preservação de órgãos. Utilizamos doses cres-centes (1, 5, 10 e 25µmol/L) de ramipril na tentativa deencontrar dose citoprotetora. Não há, também, relato deuso de captopril ou de sinvastatina dissolvidos emsoluções utilizadas para preservação renal.

No caso do captopril, o qual foi incluído no estudocom o intuito de verificar eventual efeito protetor de umiECA que não precisa de pré-ativação para se tornar ativo,utilizamos a dose de 500µmol/L, mesma dose utilizada nasolução de perfusão com posterior preservação a frio por18 horas e reperfusão de 2 horas de pulmões de ratos emque foi observado redução da injúria da I/R22. Entretanto,captopril não alterou a qualidade da preservação quandoadicionado à solução de EC. Nesta parte do estudo, utili-zamos apenas um teste de viabilidade (liberação de DHLdos fragmentos), o que pode ser uma limitação do estudo,entretanto mostramos, recentemente, correlação negativaentre a liberação de DHL e o teste do MTT em fragmentosde rins de ratos no modelo utilizado neste estudo31.

Quanto à adição de sinvastatina à solução de EC, amesma foi ativada in vitro, utilizando hidrólise alcalina30,e adicionada nas concentrações de 1, 5, 25, e 100µmol/L.Di Napoli e colaboradores15, em modelo cardíaco de I/R,utilizaram concentrações de sinvastatina variando de 10 a100µmol/L e observaram nítida proteção com 25µmol/L,proteção menos evidente com 50µmol/L e efeito deletériocom 100µmol/L. Neste modelo de perfusão de corações

isolados de ratos e reperfusão na presença de sinvastatina,observou-se melhora na disfunção miocárdica e danoendotelial com redução da resistência na microcirculaçãoe prevenção da redução na síntese de NO. Em nossomodelo, não testamos o efeito da reperfusão sanguíneaapós exposição do tecido renal à solução de preservação afrio com sinvastatina. Futuros estudos serão necessáriospara avaliar o efeito da sinvastatina diluída à solução depreservação a frio na injúria da I/R, utilizando modelo deautotransplante ou transplante isogênico.

Inibidores da ECA e estatinas têm mostrado efeitoprotetor contra a injúria associada a I/R após pré-tra-tamento do doador quando utilizados por alguns dias5, 35-

40. No caso de doadores renais falecidos, não é possíveladministrar estas drogas muitos dias antes da nefrectomia,o que seria possível no caso de doadores vivos, porém,nestes casos, o tempo de isquemia fria é curto e a necrosetubular aguda é rara. Portanto, resolvemos testar ramiprile sinvastatina em dose única 18 horas antes da ne-frectomia.

Na literatura, iECAs utilizados em vários esque-mas de doses, tempos e vias de administração têm mostra-do redução no dano da I/R renal experimental. Adminis-tração endovenosa de captopril (250µg/kg) quatro horasantes da isquemia renal bilateral de 30 minutos ou imedia-tamente antes da reperfusão, com mais três doses admi-nistradas durante o período de reperfusão de 24 horas, re-duziu a injúria avaliada pela peroxidação lipídica e peloexame histológico. Em estudo paralelo, lisinopril admi-

Figura 2. Exame histológico em fragmento cortical renal no tempo24 horas de preservação a frio. Corte histológico de rim de rato emgrande aumento (400x). Coloração: Hematoxilina-Eosina. Área cor-tical demonstrando células com intensa condensação (picnose) nu-clear (seta amarela), restando escassas células com visualizaçãocromatínica. Os citoplasmas demonstram vacuolização difusa (setaazul), fragmentação citoplasmática moderada e perda moderadados contornos celulares e também da borda em escova (seta ver-melha).

Figura 3. Exame histológico em fragmento cortical renal no tempo48 horas de preservação a frio. Corte histológico de rim de rato emgrande aumento (400x). Coloração: Hematoxilina-Eosina. Área decórtex apresentando túbulos proximais com intensa picnose nu-clear, redução da afinidade tintorial citoplasmática e nuclear, au-mento da fragmentação e descamação citoplasmática e celular deforma acentuada e difusa.

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nistrado antes da oclusão arterial e também após 8 e 20horas de reperfusão, foi menos efetivo que o captopril38.Em modelo canino de perfusão renal ex-vivo, utilizando-se solução de Collins, captopril, na dose de 1,25mg/kgpor administração intra-arterial, no momento do início daperfusão, reduziu o dano à microcirculação renal39.

Vargas e colaboradores20 submeteram rins de ratos a60 minutos de isquemia por clampeamento de artéria renalesquerda e, em seguida, realizaram nefrectomia con-tralateral. A utilização de Captopril (1mg/kg, EV) ou deenalapril (0,8mg/kg, EV) 5-10 minutos antes do clam-peamento, durante a reperfusão, ou 30 minutos após a re-perfusão, reduziu o dano da I/R ao rim previamenteremanescente (redução na creatininemia e no dano histo-lógico nos animais tratados aos dois e sete dias pós-expe-rimento).

Na área da transplantação renal clínica, Lorenz ecolaboradores40, utilizando iECA ou bloqueador dosreceptores de Angio II no pós-transplante imediato de 260receptores de rim com doador cadáver, observaram recu-peração mais rápida da NTA nos pacientes que receberamuma destas classes das drogas. Portanto a redução daprodução de Angio II ou o bloqueio dos seus receptoresparece uma estratégia promissora segura quando realizadano receptor no pós-operatório imediato.

De maneira semelhante, estatinas têm sido utili-zadas em modelos de I/R em ratos, demonstrando efeitoprotetor em estudos em que as drogas são pré-adminis-tradas por alguns dias. A lovastatina mostrou proteçãofuncional renal quando utilizada por dez dias41. A cerivas-tatina, utilizada por três dias, mostrou efeito protetor nafunção renal e na injúria tubular11. O pré-tratamento compravastatina por cinco dias, antes da indução de I/R,atenuou a injúria renal42.

Inman e colaboradores43, em modelo de I/R renal,utilizando, concomitantemente, por gavagem, ciclospo-rina (5mg/kg) e sinvastatina (10mg/kg) por cinco a setedias, verificaram melhora da função renal em relação aogrupo controle que recebeu ciclosporina apenas. Jones ecolaboradores12, em modelo de I/R miocárdica de ratos,utilizaram sinvastatina intraperitoneal 18 horas antes danefrectomia com seguimento por seis meses, observandoredução no dano secundário à I/R avaliada pela diminui-ção no tamanho do infarto e melhor preservação da fun-ção miocárdica.

Em nosso estudo, o pré-tratamento de ratos doa-dores dos rins com ramipril e/ou sinvastatina não reduziua injúria da preservação a frio. Administramos ambas asdrogas 18 horas antes da nefrectomia porque o pré-trata-mento com sinvastatina (1mg/kg, intraperitonealmente),18 horas antes de isquemia miocárdica atenuou adisfunção miocárdica após I/R12.

Devido à falta de dados na literatura sobre a dosede ramipril utilizada agudamente, optamos por 10mg/kg,administrados por gavagem aos ratos doadores. A mesmadose utilizada durante dois meses tem se mostrado prote-tora em reduzir a fibrose pulmonar em camundongos comsíndrome de Alport44; e, oralmente, na dose de1mg/kgdurante 6 semanas, tem mostrado ser capaz de reduzir ainjúria da I/R miocárdica em ratos45.

Limitações deste estudo incluem o uso do ramiprilin vitro, que é uma pró-droga, por não disponibilidade doramiprilato. Por este motivo, utilizamos também o capto-pril, que não necessita metabolização hepática. Outralimitação foi a utilização de apenas um teste de viabi-lidade na parte 1 (DHL), porém, em outro estudo33 publi-cado recentemente, mostramos que DHL apresenta corre-lação muito boa com o teste do MTT neste modelo.

Em conclusão, apesar de iECAs e estatinas redu-zirem a injúria da I/R de vários órgãos, não conseguimosmostrar efeito protetor em nosso modelo. Estudos adicio-nais são necessários para esclarecer o papel destas drogasna injúria da I/R.

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