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EJERCICIO DE EVALUACIÓN DE RIESGOS SOBREBENCENO
Por: Carlos Machado de Freitas
CENTRO PANAMERICANO DE ECOLOGIA HUMANA Y SALUD – ECO
ÍNDICE
CAPÍTULO I: O CONCEITO DE RISCO
CAPÍTULO II: IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO
CAPÍTULO III: AVALIAÇÃO DOSE-RESPOSTA
CAPÍTULO IV: AVALIAÇÃO DE EXPOSIÇÃO
CAPÍTULO V: CARACTERIZAÇÃO DE RISCO
CAPÍTULO VI: AVALIAÇÃO DE RISCOS, PROCESSOS DECISÓRIOS EGERENCIAMENTO DE RISCOS
CAPÍTULO VII: ESTUDOS DE CASO DOS TRABALHADORES EXPOSTOS AOBENZENO EM UMA REFINARIA DE PETRÓLEO
CAPÍTULO I - O CONCEITO DE RISCO
I.1. Origem do Conceito de Risco
De acordo com Freitas et al. (1997), o termo risco surge com o próprio processo de
constituição das sociedades contemporâneas a partir do final do Renascimento e início das
revoluções científicas. Nesse período ocorreram intensas transformações sociais e culturais
associadas ao forte impulso nas ciências e nas técnicas, às grandes navegações e à ampliação
e fortalecimento do poder político e econômico de uma nascente burguesia. Tem sua origem
na palavra italiana riscare, cujo significado original era navegar entre rochedos perigosos.
Esta palavra foi incorporada ao vocabulário francês pôr volta do ano de 1660 (Rosa et al.,
1995).
O conceito de risco que se conhece atualmente provém da teoria das probabilidades,
sistema axiomático oriundo da teoria dos jogos na França do século 17 (Douglas, 1987). Tem
pôr pressuposto a possibilidade de prever determinadas situações ou eventos pôr meio do
conhecimento – ou, pelo menos, possibilidade de conhecimento – dos parâmetros de uma
distribuição de probabilidades de acontecimentos futuros pôr meio da computação das
expectativas matemáticas (FGV, 1987).
O conceito probabilístico de risco é predominante na atualidade e está associado ao
potencial de perdas e danos e de magnitude das consequências. Porém, até o período anterior
à Revolução Industrial o que dominava era sua compreensão como manifestação dos deuses.
Da Antiguidade até meados do século 18, eventos como incêndios, inundações, furacões,
maremotos, terremotos, erupções vulcânicas, avalanchas, fomes e epidemias eram
compreendidos como manifestações da providência divina, de modo que para revelá-los e
prevê-los tornava-se necessário interpretar os sinais "sagrados" (Theys, 1987).
Covello et al. (1985), apresentando uma perspectiva histórica da avaliação e do
gerenciamento de riscos, consideram o grupo denominado Asipu, que viveu na Mesopotâmia
pôr volta de 3.200 a.C., como um dos primeiros que realizavam algo similar ao que hoje
entendemos como “avaliação de riscos”. Em suas análises, esse grupo identificava as
importantes dimensões do problema em questão e as ações alternativas face ao mesmo,
coletando dados sobre os possíveis resultados de cada alternativa. Os melhores dados
disponíveis eram considerados sinais dos deuses, que os sacerdotes do grupo Asipu estavam
especialmente qualificados para interpretar, selecionando a partir deles a melhor alternativa
(Freitas, 1996).
O processo de laicização das situações e eventos considerados perigosos e sua
transformação em riscos, implicando na previsibilidade a partir da probabilidade, ocorreu de
modo mais sistemático somente a partir da Revolução Industrial. Esteve relacionado a
filosofia iluminista, ao fim das epidemias de pestes e a conversão da ciência e da tecnologia
enquanto eixos de poderosas transformações na sociedade e na natureza. Nesse processo,
através do desenvolvimento científico e tecnológico e das conseqüentes transformações na
sociedade, na natureza e na própria característica e dinâmica das situações e eventos
perigosos, o homem passa a ser responsável pela geração e remediação de seus próprios
males. O conceito de risco tal como é predominantemente compreendido na atualidade
resulta desse processo, cabendo ao próprio homem a atribuição de desenvolver, através de
metodologias baseadas na ciência e tecnologia, a capacidade de os interpretar e analisar para
melhor os controlar e remediar (Freitas et al., 1997).
I.2. O Conceito de Risco no Mundo Contemporâneo
A compreensão das transformações que levaram ao modo contemporâneo de pensar e
enfrentar as situações e os eventos perigosos e sua transformação em riscos inevitavelmente
nos remete à compreendermos as mudanças em sua própria natureza e dinâmica. Se, pôr um
lado os avanços científicos e tecnológicos contribuíram para a redução da prevalência de
determinadas doenças associadas a fome e as pestilenças, pôr outro fez surgir e aumentar
novos riscos, como os radioativos, químicos e biológicos. Estes riscos gerados pelo próprio
homem são fundamentalmente diferentes em termos de características e magnitude dos
encontrados no passado. Fazem parte do quotidiano de milhões de pessoas e podem ser
encontrados nos seus locais habitação ou trabalho, na cadeia alimentar, no solo que pisam, no
ar que respiram, nas águas que consomem (Freitas et al., 1997).
O caso dos riscos químicos industriais é paradigmático nesse processo. Conforme
demonstra Freitas (1996), a partir da II Guerra Mundial, o crescimento e a ampliação da
economia em escala mundial contribuíram imensamente para o desenvolvimento e a expansão
da indústria química. Essa indústria teve o papel de criar e suprir a demanda pôr novos
materiais e produtos, como medicamentos, polímeros sintéticos, corantes, aditivos, solventes,
combustíveis, explosivos e agrotóxicos, entre outros. A natureza altamente competitiva dessa
indústria e o crescimento da economia mundial, aliados à mudança na base do carvão para o
petróleo e ao rápido avanço na tecnologia de sínteses químicas e de processos industriais,
possibilitaram o aumento das dimensões das plantas industriais e da complexidade dos
processos, bem como da capacidade de produção, armazenamento e transporte de produtos
químicos (Haguenauer, 1986; UNEP, 1992).
Segundo Freitas et al. (1995), a comercialização mundial de produtos químicos
orgânicos nesse período, pôr exemplo, possibilita dimensionar o crescimento e a expansão da
indústria química, que passou de 7 milhões de toneladas, em 1950, para 63 milhões em 1970,
250 milhões em 1985 e 300 milhões em 1990 (Korte et al., 1994). Uma planta para craquear
nafta e produzir 50.000 toneladas/ano de etileno era considerada de grande porte até os anos
60. Nos anos 80, essa dimensão seria considerada antieconômica, e plantas industriais 10
vezes maiores para a produção de etileno e propileno ultrapassariam a escala de produção de 1
milhão de toneladas (Weyne, 1988; Theys, 1987). Ainda nesse período, a capacidade de
transporte dos navios petroleiros passou de 40.000 para 500.000 toneladas, e o
armazenamento de gás, de 10.000m3 para 120.000/150.000m3 (Theys, 1987).
De acordo com Porto et al. (1997), dados do Programa Internacional de Segurança
Química, demonstram que existem mais de 750.000 substâncias conhecidas no meio
ambiente, sendo de origem natural ou resultado da atividade humana (IPCS, 1992a). Cerca de
70.000 são cotidianamente utilizadas pelo homem, sendo que aproximadamente 40.000 em
significantes quantidades comerciais (IPCS and IRPTC, 1992). Desse total, calcula-se que
apenas cerca de 6.000 substâncias possuam uma avaliação considerada como minimamente
adequada sobre os riscos ao homem e ao meio ambiente. Para os autores, acrescente-se à este
quadro a capacidade de inovação tecnológica no ramo químico, que não só vem
complexificando os sistemas tecnológicos de produção, como colocando disponível no
mercado a cada ano entre 1.000 e 2.000 novas substâncias (Porto et al., 1997).
Além das mudanças nas dimensões das plantas industriais e na capacidade de produção,
transporte e armazenamento de produtos perigosos, do aumento do número de pessoas
expostas a riscos e da transformação na natureza dos riscos, acrescentam-se outros fatores que
contribuíram para uma mudança radical no status social dos riscos. Nos países centrais da
economia mundial, Theys (1987) observa que mais de 80% do público e 60% dos dirigentes
consideraram que, globalmente, os riscos nos anos 80 eram mais importantes do que 20 ou 40
anos ou até um século antes, evidenciando a mudança.
Covello e Mumpower (1985), em abordagem histórica de análise e gerenciamento de
riscos, principalmente nos E.U.A., apontam nove fatores que consideram importantes para a
compreensão das transformações que levaram ao modo contemporâneo de pensar e enfrentar
os riscos nos países centrais da economia mundial.
O primeiro seria a mudança na própria natureza do risco. As principais causas de óbito
foram deixando de ser atribuídas às doenças infecciosas para privilegiar as crônicas
degenerativas. O mesmo aconteceu com os acidentes. Até meados do século 19 os acidentes
de trabalho, como os que ocorriam nas minas de carvão, apresentavam taxas altas. Em anos
recentes, essas taxas, se comparadas àquelas do passado, caíram bastante. Fenômeno
semelhante envolve os desastres naturais. Entretanto, enquanto esses tipos de acidentes
vieram diminuindo, outros cresceram. No início do século, era insignificante o número de
acidentes com veículos automotores, que, entretanto, nos anos 80, responsabilizavam-se pôr
elevados números de óbitos.
O segundo fator seria o aumento na média de expectativa de vida. Na Idade Média a
expectativa de vida era de 20 a 30 anos. No início deste século era de 51 anos para mulheres
e 48 anos para homens. Já em 1975 alcançava os 75 anos para mulheres e 66 para homens.
O terceiro foi o crescimento de novos riscos, fundamentalmente diferentes em termos de
características e magnitude, dos encontrados no passado e atribuídos à natureza ou a Deus.
Riscos radioativos, químicos e biológicos, todos gerados pelo desenvolvimento da ciência e
da tecnologia, passaram a fazer parte do quotidiano de milhões de pessoas, na forma de
acidentes ou não. Além desses, acrescentam-se outros, de caráter global, como o buraco na
camada de ozônio, o aquecimento do planeta e as chuvas ácidas.
O quarto foi o desenvolvimento de testes de laboratório, métodos epidemiológicos,
modelagens ambientais, simulações em computadores e avaliação de riscos na engenharia, os
quais possibilitaram avanços na habilidade dos cientistas em identificar e medir os riscos.
Esses avanços passaram a permitir aos cientistas detectar falhas em projetos de sistemas de
engenharia extremamente complexos e estabelecer nexos causais – embora algumas vezes
frágeis – entre determinados perigos e resultados adversos, mesmo os potencialmente
causados pôr quantidades de substâncias carcinogênicas ou mutagênicas muitíssimo
pequenas, tal como partes pôr trilhão (ppt).
O quinto fator foi o aumento no número de cientistas e analistas que passaram a ter
como foco de seu trabalho os riscos à saúde, segurança e ao meio ambiente. A análise de
risco emerge, nos anos recentes, como uma disciplina e profissão, com sociedades próprias,
reuniões anuais, livros, periódicos científicos e newsletters.
O sexto foi o crescimento no número de análises quantitativas formais produzidas e
utilizadas para os processos decisórios sobre gerenciamento de riscos. O aumento no volume
de processos decisórios apoiados em análises de riscos quantitativas altamente técnicas,
refletiu uma tendência para prever, planejar e alertar em vez de dar respostas ad hoc às crises
geradas pelos riscos.
O sétimo fator foi a ampliação do papel do governo federal na avaliação e no
gerenciamento de riscos. Esse crescimento deu-se mediante: a) desenvolvimento da
legislação no campo da saúde, segurança e do meio ambiente; b) crescimento das agências
públicas encarregadas do gerenciamento desses riscos; c) aumento dos casos relacionados ao
assunto que alcançaram a esfera judicial.
O oitavo foi o crescimento de grupos de interesses que procuravam participar cada vez
mais no gerenciamento social do risco, o que tornou cada vez mais politizadas as atividades
de análise e gerenciamento de riscos à saúde, segurança e ao meio ambiente, com intensa
participação daqueles grupos representando a indústria, os trabalhadores, os ambientalistas, as
organizações científicas, entre outros. O crescimento desses grupos equivale ao da
sofisticação científica de seus modos de operação.
O nono e último fator diz respeito ao aumento do interesse e da preocupação do público
geral com os riscos, demandando cada vez mais proteção, e foi apontado pôr Covello e
Mumpower (1985).
I.3. Os Debates Sobre os Riscos Químicos
Particularmente a partir dos anos 70, alguns fatores – como a publicização na imprensa
de crianças com deformações congênitas, como no caso da talidomida, e de livros como
"Primavera Silenciosa" (sobre a revolução verde e os altos riscos para a saúde e o meio
ambiente gerados pelo uso intensivo de agrotóxicos), de Rachel Carson, da "descoberta"da
dioxina, substância química altamente perigosa, como contaminante presente no herbicida
"Agente Laranja", largamente utilizado em plantações e na Guerra do Vietnã, eventos como
os acidentes químicos de Seveso (1976) e de Bhopal (1984), e das discordâncias entre os
especialistas sobre as causas dos acidentes e de seus riscos à saúde e ao meio ambiente,
tornada possível mediante a cobertura da imprensa e massificação dos meios de comunicação
– contribuíram também para essa mudança no status social dos riscos (Freitas, 1996). Esta
mudança significou o aumento e o fortalecimento da oposição pública aos riscos químicos,
que vinha desde os anos 60. Possibilitaram o fortalecimento de argumentos e intervenção de
novos atores, como organizações ambientalistas, associações de moradores, grupos de
interesse, organizações não-governamentais e partidos políticos nos debates e processos
decisórios acerca de riscos químicos, além dos próprios sindicatos de trabalhadores que já
vinham desde a II Guerra Mundial se organizando de maneira mais intensa para manifestar
sua insatisfação e questionamentos aos riscos químicos que se encontravam expostos no seu
processo de trabalho (Freitas, 1996).
Com a emergência de novos atores no cenário dos processos decisórios sobre riscos
industriais, a tradicional relação entre instituições de segurança (governo e associações de
profissionais de segurança industrial), sindicatos e industriais passou a sofrer transformações.
Iniciou-se o processo de constituição e fortalecimento de um modelo baseado na participação
de outros atores, incluindo, além dos industriais e governo, aqueles que vinham
desenvolvendo a consciência tanto dos perigos associados aos riscos químicos, como de seu
peso nos processos decisórios sobre riscos químicos. Isso significou alteração na relação de
poder e processo de formação de consenso para o estabelecimento de padrões de segurança e
aceitabilidade de riscos (Freitas, 1996).
Nos E.U.A., pôr exemplo, aqueles que acreditavam ter sido prejudicados ou colocados
sob riscos pelas indústrias químicas passaram a entrar com ações na justiça para assegurar
tratamentos privados a danos causados à saúde, exigir indenizações pôr danos e ampliar o
acesso às informações sobre os perigos industriais. Esse processo significou mudança de
atitudes dos diversos atores envolvidos nos debates sobre riscos industriais – comente
denominados na literatura como o público –, passando de atitudes passivas e de confiança na
proteção de riscos conduzida pelas indústrias e pelo governo para atitudes ativas de
mobilização e enfrentamento contra os denominados “criadores de riscos” (Freitas, 1996).
Passaram a exigir que os processos decisórios e de controle fossem coletivos, incluindo todos
os que tivessem algum interesse na questão. Essa mudança de atitude provocou não só maior
desgaste da imagem das indústrias químicas como também aumento nos custos de
investimentos em segurança, proteção ambiental e à saúde, dados a regulamentação
governamental mais abrangente que passava a ser exigida e o colapso do mercado de seguros
de indústrias químicas com a grande elevação do valor financeiro dos contratos (Freitas,
1996).
O conceito de riscos que atualmente prevalece em diversos campos do conhecimento
técnico e científico, tais como na toxicologia, na epidemiologia, na engenharia e,
posteriormente, nas ciências sociais não pode ser dissociado dessa história. Traduz tanto os
conflitos sociais e de interesses de uma sociedade onde a tecnologia de produção de
substâncias químicas ocupa um papel central na vida do homem contemporâneo, como
também e simultaneamente a busca de respostas para um problema que, em maior ou menor
grau, atinge a vida dos seres vivos e do meio ambiente em nosso planeta.
I.4. A Avaliação de Riscos na Toxicologia e Epidemiologia
Para Freitas (1996), o fato de o discurso dos novos atores que procuravam intervir nos
debates e processos decisórios sobre riscos focalizar, entre outras coisas, os riscos químicos
fez com que a comunidade científica, principalmente especialistas das indústrias e do
governo, procurasse desenvolver e aplicar métodos científicos para estimar os riscos de
maneira quantitativa e probabilística (Renn, 1985). Pôr um lado, desenvolveram-se os testes
de laboratórios, métodos epidemiológicos, modelagens ambientais, simulações em
computadores e avaliações de riscos na engenharia, de tal modo, que possibilitaram o
incremento na identificação e mensuração dos riscos (Covello et al., 1985). Pôr outro,
cresceu o número de especialistas que passaram a ter como foco principal de seu trabalho os
riscos à saúde, à segurança industrial e ao meio ambiente, contribuindo, assim, para a
profissionalização e institucionalização da avaliação de riscos. É nesse processo que se
desenvolve uma abordagem de cunho mais multidisciplinar e centrada na intervenção sobre o
ambiente, ao contrário da abordagem médico-biologicista e centrada no indivíduo, o qual
predominou até a II Guerra Mundial.
A idéia principal que norteou o desenvolvimento dos métodos científicos de
avaliações de riscos e do trabalho dos especialistas era a de que as decisões regulamentadoras
de riscos seriam menos controversas se pudessem ser tecnicamente mais rigorosas e baseadas
em firme base "fatual". Essa base deveria ser construída a partir dos dados disponíveis,
suplementados pôr cálculos, extrapolações teóricas e julgamentos "objetivos” oriundos de
análises estatísticas e sistêmicas, de modo a se chegar a um valor esperado, que é a unidade
básica das avaliações de riscos, correspondendo à freqüência relativa de um evento ou de uma
doença calculada sobre o tempo (Starr et al., 1976; Otway, 1985; Renn, 1985 e 1992) e
expresso na seguinte fórmula básica (Freitas, 1996):
Risco = Probabilidade de Danos x Magnitude das ConseqüênciasTempo
Nessa perspectiva, o conceito de risco pode, de acordo com Canter (1989), envolver as
seguintes definições: 1) função da probabilidade de um evento ocorrer e de que a magnitude
ou a severidade do evento deva ocorrer; 2) medida da probabilidade e da severidade de efeitos
adversos; 3) possibilidade de dano, perda ou lesões; 4) chance coletiva ou probabilidade de
acidentes e doenças, resultando em lesões ou óbitos. A avaliação de riscos se constitui como
uma etapa intermediária entre a pesquisa e o gerenciamento de riscos (ver Quadro I.1). Suas
etapas são:
1) identificação de perigo: determina qualitativamente e quantitativamente as
substâncias químicas ambientais presentes que podem significar perigos para a
saúde;
2) avaliação da relação dose-resposta: avalia as relações entre a exposição à uma dada
concentração de uma substância química e a incidência de efeitos adversos em seres
humanos. Se realiza primariamente e principalmente em animais;
3) avaliação de exposição: determina as condições sob as quais os indivíduos podem ser
expostos as substâncias químicas e as doses que podem ocorrer como resultado da
exposição;
4) caracterização de riscos: descreve a natureza dos efeitos adversos que podem ser
atribuídos as substâncias químicas, estima sua probabilidade nas populações
expostas, avalia o grau de confiabilidade das evidências e as incertezas associadas às
mesmas.
É somente a partir desta última etapa, a caracterização de riscos, que são tomadas as
decisões para o desenvolvimento de estratégias de gerenciamento de riscos, havendo aí uma
maior e mais explicita interferência dos fatores culturais, os sociais, os políticos e os
econômicos (Freitas, 1993).
Na toxicologia o conceito de risco está associado a estimativa da probabilidade de
desenvolvimento de uma doença como resultado de um certo nível de exposição. Para as
substâncias cancerígenas nenhum nível de exposição (limite de tolerância) é assumido como
sendo sem risco, ao contrário das substâncias não cancerígenas em que são estabelecidos
limites de tolerância, ou seja: limites de exposição considerados "seguros". Na toxicologia, as
estimativas de probabilidades são baseadas nos resultados de testes em que animais de
laboratório que são submetidos à doses maiores do que as esperadas para seres humanos.
Nessas estimativas modelos probabilísticos são utilizados para extrapolar as curvas de dose-
respostas resultantes dos altos níveis de exposição para níveis mais baixos até o ponto zero de
exposição. O resultado é usualmente expresso como uma unidade de valor-dose, tal como o
risco pôr parte pôr milhão (ppm) de uma dada substância no ar ou na água, pôr exemplo. Esta
unidade de valor-dose, multiplicada pelos níveis de exposição para calcular o risco individual
e pelo número de pessoas expostas gera as estimativas de incidência de uma dada doença
causada pela substâncias específica (Porto et al., 1997).
Na epidemiologia, o conceito de risco corresponde a probabilidade de um membro de
uma população definida desenvolver uma dada doença em um período de tempo. Nessa
perspectiva, a epidemiologia tem seu modelo explicativo nos fatores de risco. De acordo com
Almeida-Filho (1989), embora a epidemiologia se ocupe das populações, é interessante
observar que ela conserva a “qualidade biologicista do enfoque individual da clínica”, e reduz
o social ao coletivo, isto é, um somatório de indivíduos, ignorando o contexto e suas
interrelações nos ambientes em que vivem ou trabalham. De acordo com Guilan (1996), em
epidemiologia os riscos se expressam, de modo geral em risco absoluto, risco relativo e risco
atribuível.
O risco absoluto de uma doença corresponde a incidência da doença (Gordis, 1988),
traduzindo a idéia de intensidade com que acontece a morbidade em uma população
(Rouquayrol, 1987), sendo esta intensidade relacionada à unidade de intervalo de tempo (dia,
semana, mês ou ano). Em termos operacionais, utiliza-se o coeficiente de incidência, o qual
pode ser matematicamente expresso da seguinte maneira:
nº de casos novos de uma doença ocorrentes emCoeficiente de = determinada comunidade em certo período de tempo x 10n incidência nº de pessoas sob risco de adquirir a doença no referido período
Quando se diz, pôr exemplo, que a incidência de casos de leucemia pode ser de 3,6 pôr
100.000 pessoas em determinado ano, o que se quer dizer é que o risco absoluto de uma
pessoa adquirir leucemia neste período é de 3,6/100.000. Gordis (1988) ressalta a
importância deste indicador, alegando que uma pessoa exposta à determinado tipo de agente
causador de doenças não está interessada no risco relativo, mas no risco absoluto de adoecer.
O risco relativo (RR) é expresso pela seguinte razão:
Risco = Risco da doença em indivíduos expostosRelativo Risco da doença em indivíduos não expostos
Esta razão pode se comportar de três maneiras:
1) o risco relativo é igual a 1, isto é, o risco de doença na população exposta é o mesmo
que na população não exposta, o que parece indicar não haver associação da exposição à
doença em questão;
2) o risco relativo é maior que 1, isto é, o risco da doença é maior em indivíduos
expostos do que nos não expostos, podendo indicar uma associação da exposição à doença.
Um exemplo clássico desta situação é a associação entre fumo e câncer de pulmão: num
estudo hipotético, podemos comparar a incidência de câncer de pulmão em fumantes e em não
fumantes, e obter o seguinte resultado: RR = 4.6 (Hennekens et al., 1987). Este resultado
quer dizer que o risco de fumantes adquirirem câncer de pulmão é 4.6 vezes maior do que os
não fumantes.
3) o risco relativo é menor que 1, isto é, o risco da doença é menor em indivíduos
expostos do que nos não expostos, o que sugere que a exposição possa ter um papel protetor
em relação à doença estudada. Este resultado pode ser encontrado quando estudamos, pôr
exemplo, a eficácia de uma vacina. O risco relativo é uma medida de associação. Este
índice se refere à intensidade com que uma determinada exposição se relaciona com a doença
em estudo.
O risco atribuível é uma diferença entre riscos. Suponha-se duas populações, uma
exposta e outra não exposta, e que o risco de uma doença é maior entre os expostos. O nível
de risco nos não expostos pode ser visto como risco de fundo (background risk), um risco que
é compartilhado pôr ambos os grupos. Se o que se procura é saber quanto do risco total nos
expostos pode ser realmente atribuível à exposição propriamente dita (e não ao risco de fundo,
o qual os dois grupos apresentam), deve-se tomar o risco total nos expostos e subtrair o risco
nos não expostos (risco de fundo). De forma similar, pode ser avaliado o impacto que uma
exposição específica pode ter na população, com respeito a um evento particular. Pôr
exemplo, “a taxa de mortalidade pôr câncer de pulmão para não fumantes (0.07) pode ser
subtraída da taxa de mortalidade pôr câncer de pulmão na população total (0.65); o resultado
obtido pode ser chamado de risco atribuível ao câncer de pulmão relacionado ao hábito de
fumar. Se esta estimativa for aplicada a outra população, sua frequência de exposição deve
ser semelhante à primeira. O conceito de risco atribuível populacional é útil na medida em
que ele estima o quanto a incidência de uma doença particular pode ser reduzida se uma
exposição específica for removida (MacMahon et al., 1970) (ver Quadro I.2).
Em outras palavras, o risco atribuível pretende responder a seguinte pergunta: “o
quanto de risco da doença, em indivíduos expostos, pode ser atribuído à uma exposição
específica? O quanto de risco da doença em indivíduos expostos podemos esperar de eliminar
se pudermos diminuir ou eliminar a exposição?” (Gordis, 1988). O risco atribuível é assim
uma medida do benefício potencial de uma medida preventiva.
A avaliação de riscos à saúde realizada pela toxicologia (experimentos em animais de
laboratório) e pela epidemiologia (populações expostas aos agentes tóxicos comparadas com
populações não expostas), procura identificar e quantificar as relações entre os potenciais
agentes de risco e os danos biológicos observados nos seres vivos, humanos e não humanos.
Mediante modelagens, o agente causal é isolado das variáveis intervenientes ou confounders.
O que há de comum entre essas perspectivas é tanto procurar avaliar e prever potenciais danos
biológicos aos seres vivos e/ou ecossistemas – pôr meio de cálculos sobre o tempo e o espaço,
utilizando freqüências relativas para poder especificar as probabilidades, como reduzir o risco
a uma única dimensão, representando uma média sobre espaços, tempos e contextos sociais,
ambientais e tecnológicos estáveis (Freitas, 1996).
I.5. A Contribuição das Ciências Sociais à Avaliação de Riscos
Para as ciências sociais, ao contrário da toxicologia e da epidemioligia, não há nenhum
consenso sobre o que pode constituir um conceito de risco. Os estudos na sua perspectiva são
marcados pôr uma multiplicidade de abordagens teórico-metodológicas e de temas de
investigação. Grande parte da produção científica nesse campo do conhecimento tem sido no
sentido de, em maior ou menor grau e de diferentes modo, criticar o conceito tradicional de
riscos predominante nas avaliações técnicas de riscos, e seus supostos fundamentais, ou
sejam: de um lado a perspectiva utilitarista e o paradigma do ator racional, do outro a
concepção elitista de democracia (Freitas, 1996; Freitas et al, 1997; Porto et al., 1997).
Na perspectiva utilitarista e paradigma do ator racional os indivíduos são abstraídos de
seus contextos sociais e considerados como não influenciados pôr família, círculo de amigos,
grupos sociais e instituições a que pertencem, pôr seus valores socioculturais e emoções. São
tratados como frios e calculistas, agindo ou devendo agir com o objetivo de ordenar o caos e
maximizar os ganhos de cada ação, distinguindo estratégias e projetando as conseqüências de
cada uma delas de modo a determinar a capacidade de escolhas de alternativas, avaliando
permanentemente os riscos e os benefícios das possíveis ações (Freitas, 1996; Freitas et al.,
1997).
De acordo com Freitas et al. (1997), para a concepção elitista de democracia a
objetividade é alcançada pôr meio da ênfase em determinados resultados das análises
quantitativas (óbitos, custos, benefícios, probabilidade de eventos, magnitude das
conseqüências, entre outros). Ignora o processo social de escolhas, de poder, de relações, de
interesses. Para esta concepção, os resultados quantitativos servem para, numa abordagem
unidimensional, estabelecer critérios e padrões de aceitabilidade de riscos, definindo, pôr
exemplo, que 10-6 para o caso de acidentes industriais (particularmente em indústrias
químicas e usinas nucleares) e que a exposição à X partes pôr milhão da substância Y numa
jornada de trabalho ou durante o período médio de vida são valores aceitáveis. Nessa
concepção, os interesses dos cidadãos são atendidos quando os processos decisórios de
escolhas de tecnologias e de justiças distributivas dessas tecnologias estão de acordo com os
modelos técnicos de avaliação de riscos e o consenso das elites dominantes (Menkes, 1985;
Fiorino, 1989; Rosa et al., 1995)
I.6. Considerações Finais
Conforme verificou-se neste capítulo, o conceito de risco resulta de um processo
histórico que remonta desde a Antiguidade, passando pelo Renascimento, pela Revolução
Industrial e pela II Guerra Mundial. Porém, o conceito de risco que se conhece na atualidade
resulta de um processo histórico mais recente e dos conflitos que lhe fizeram parte, podendo
os anos 60 e 70 deste século se constituírem como marcos. É neste contexto mais recente que
se desenvolvem muitos dos atuais métodos de avaliação de riscos.
A avaliação de riscos é um procedimento utilizado para sintetizar as informações
disponíveis e os julgamentos sobre as mesmas com o objetivo de estimar os riscos associados
à exposição a substâncias químicas. Essa estimativa é expressa em termos probabilísticos,
variando entre 0 (zero) e 1 (um), sendo um valor igual ao primeiro (0) um indicador da
certeza de que não ocorrerá dano e um valor igual ao segundo (1) um indicador da certeza de
que ocorrerá dano (Quadro I.3) (OPAS/EPA, 1996). Tem como objetivo: (Quadro I.4)
• determinar a possibilidade de efeitos adversos em humanos, outras espécies e
ecossistemas expostos aos agentes químicos;
• proporcionar a mais completa informação possível aos responsáveis pôr controlar os
riscos, especificamente àqueles que estabelecem políticas e normas.
Através da avaliação de riscos os potenciais efeitos adversos derivados da exposição
humana às substâncias químicas são caracterizados através dos seguintes elementos
(OPAS/EPA, 1996): (Quadro I.5)
• descoberta dos possíveis efeitos adversos através de resultados epidemiológicos,
toxicológicos e ambientais;
• extrapaloção de resultados anteriores (estudos toxicológicos e epidemiológicos) para
predizer tipo e magnitude dos efeitos em saúde humana sob dadas condições de
exposição;
• avaliação da quantidade e características das pessoas expostas a diferentes
intensidades e duração;
• detecção da presença e magnitude global do problema para a saúde pública;
• caracterização das incertezas inerentes ao processo de inferência dos riscos.
É importante observar que o desenvolvimento da avaliação de riscos e dos debates em
torno dos seus resultados vem contribuindo para que inclua um amplo espectro de disciplinas
científicas (ver Quadro I.6).
Jasanoff (1993) na busca de integrar as diversas disciplinas e perspectivas que atuam na
relação entre avaliação de riscos e gerenciamento de riscos considera que não podemos
separar "o que se deseja conhecer acerca de um determinado problema" - o que é realizado
pelas avaliações técnicas de riscos na toxicologia e epidemiologia, pôr exemplo - do que se
deseja fazer acerca desse mesmo problema - o que é proposto e realizado no desenvolvimento
das estratégias de gerenciamento de riscos. Para Jasanoff (1993), o modo de se perceber a
realidade e de organização os fatos a ela pertinentes tem implicações, embora nem sempre
visíveis, tanto nas avaliações de riscos, como nos aspectos das políticas públicas e da justiça
social: quem se deve proteger de determinados riscos, a que custo e deixando de lado que
alternativas.
Muito da crítica ao reducionismo científico presente nas avaliações técnicas de riscos e
no desenvolvimento de estratégias de gerenciamento, ao qual corresponde também uma
redução da possibilidade de incorporação e participação de inúmeros e diferentes outros
atores, valores e perspectivas. Essas críticas baseiam-se no fato de que as questões
relacionadas aos riscos não podem ser restringidas somente aos processos físicos, químicos e
biológicos, já que o mundo em que se situam, o mundo dos seres humanos em suas relações
sociais, é constituído pôr outros aspectos, tais como os estilos de vida e as relações
interpessoais, as interações simbólicas e os movimentos sociais, as questões de poder e de
distribuição de riscos, controle social e instituições sociais (Freitas, 1996). Diante desse
quadro, torna-se necessário e cada vez mais integrar as diversas perspectivas e disciplinas que
atuam nas avaliações de riscos e no estabelecimento de estratégias de gerenciamento, pois
verifica-se que nenhuma sozinha será capaz de dar conta de um problema tão complexo,
sejam a toxicologia, a epidemiologia ou as ciências sociais.
CAPÍTULO II - IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO
II.1. Introdução
A etapa de identificação do perigo tem pôr objetivo obter e avaliar as informações
relacionadas as propriedades tóxicas inerentes a cada substância, ou o potencial para causar
dano biológico, doença ou óbito, sob certas condições de exposição (ver Quadro II.1).
Também pode incluir a caracterização do comportamento de uma substância dentro do corpo
e as interações que esta tem com órgãos, células ou componentes celulares. Informações
deste tipo podem ser valiosas para que se possa confirmar se efeitos comprovadamente
tóxicos de uma determinada substância, em certas condições experimentais, também podem
ser produzidos em seres humanos, ou seja, se é cientificamente correto inferir que os efeitos
tóxicos observados em um meio ocorram em outros. Um exemplo desse questionamento
refere-se a possibilidade de substâncias carcinogênicas ou teratogênicas em animais
produzirem o mesmo efeito em seres humanos (EPA, 1991).
A informação sobre as propriedades tóxicas das substâncias químicas são obtidas a
partir de estudos em animais, investigações epidemiológicas controladas em populações
humanas expostas e estudos clínicos ou informes de casos sobre seres humanos expostos.
Outras informações toxicológicas são obtidas através de estudos experimentais em sistemas
que não são completos (órgãos isolados, células ou componentes celulares) e da análise da
estrutura molecular da substância de interesse (Quadro II.2) (EPA, 1991).
Para algumas substâncias, a base de dados disponível pode incluir informações
valiosas sobre os efeitos em seres humanos e em animais experimentais, assim como pode
também incluir informações sobre os mecanismos biológicos básicos para a produção de uma
ou mais formas de toxicidade. Em outros casos, a base de dados pode ser sumamente limitada
e pode incluir somente alguns estudos de experimentação animal. Há situações onde todos os
dados disponíveis podem apontar claramente em uma só direção, deixando pouca
ambigüidade acerca da natureza da toxicidade associada a uma dada substância. Entretanto,
em alguns casos, os dados podem incluir conjuntos de achados epidemiológicos ou
experimentais aparentemente em conflito. Uma avaliação apropriada do perigo deve conter
uma revisão crítica de cada conjunto de dados pertinentes e da base total de dados sobre
toxicidade. Também deve incluir uma avaliação das inferências sobre toxicidade em
populações humanas que podem ter sido expostas (EPA, 1991).
Os estudos clínicos ou informes de casos de uma investigação, apesar de serem
informações muito importantes, raramente constituem o corpo central de informações para a
avaliação de risco. Estas duas últimas fontes de informação são consideradas indicadores
menos seguros e precisos do potencial tóxico. As provas em animais e de estudos
epidemiológicos constituem as principais fontes de dados sobre toxicidade. Porém, ainda
assim, apresentam dificuldades interpretativas que pôr vezes são bastante sutis e pôr vezes
bastante controversas (EPA, 1991).
A identificação do perigo deve fornecer informações sobre:
• validade e significado da informação toxicológica;
• evidências cientificamente bem fundamentadas de que uma substância causa efeitos
tóxicos;
• o potencial de que os efeitos observados na população X possam ocorrer na
população Y.
II.2. Informações Sobre Toxicidade a Partir de Estudos em Animais
II.2.1. Uso de Dados Sobre Toxicidade em Animais
Os estudos toxicológicos em animais estão baseados principalmente na suposição de
que os efeitos em seres humanos podem ser previstos a partir dos efeitos em animais (Quadro
II.3). De uma maneira geral essa suposição está correta. Todas as substâncias que
demonstraram ser carcinogênicas em seres humanos, com exceção do arsênico, são
carcinogênicas em algumas espécies de animais de experimentação. Pôr outro lado, as doses
de toxicidade aguda de muitas substâncias são similares para seres humanos e para uma
diversidade de animais de experimentação. Este princípio de extrapolação de dados de
animais para seres humanos tem sido amplamente aceito nas comunidades científicas e
normativas (EPA, 1991).
Entretanto, apesar do princípio geral de inferir efeitos para seres humanos a partir de
efeitos em animais de experimentação ser bem fundamentado, existem numerosas exceções.
Muitas delas estão relacionadas as diferenças na maneira como diversas espécies interagem
com a substância a que estão expostas e com as diferenças de metabolismo, absorção,
distribuição e eliminação (os aspectos toxicocinéticos) destas substâncias no organismo.
Devido a estas diferenças potenciais, é essencial avaliar cuidadosamente todas as diferenças
entre espécies ao inferir toxicidade para seres humanos a partir de resultados de estudos
toxicológicos em animais (EPA, 1991).
Em casos particulares, para avaliar o potencial carcinogênico de uma substância a
partir de estudos à longo prazo em animais adultos, certas observações gerais, como o
aumento do número de tecidos afetados pela substância, aumentam as evidências de que a
mesma é carcinogênica. De modo similar, um aumento no número de espécies animais, cepas
e sexo utilizadas na experimentação e que mostram uma reposta carcinogênica contribuem
para aumentar as evidências de riscos de carcinogenicidade da substância. Outros aspectos
importantes são (EPA, 1991):
• a presença de relações equivocadas de dose-resposta nos dados avaliados;
• a obtenção de um alto nível de significância estatística no aumento da incidência de
tumores em animais tratados versus animais controle;
• a redução de danos relacionados à diminuição da dose e/ou período de exposição;
• um aumento na proporção de tumores que são malignos relacionado com o aumento
da dose.
II.2.2. Natureza Geral dos Estudos de Toxicidade em Animais
Os estudos sobre toxicidade tem o objetivo de identificar a natureza do dano à saúde
produzido pôr uma substância e os níveis de doses na qual este dano é produzido (Quadro
II.4). O ponto de partida para esta investigação é o estudo de dose aguda (uma única dose) de
uma substância em animais de experimentação (Quadro II.5). Os estudos de toxicidade
aguda são necessários para calcular as doses que não são letais para animais utilizados em
estudos de longa duração. Além disso, estes estudos proporcionam uma estimativa da
toxicidade comparativa da substância e podem indicar os órgãos alvo para toxicidade crônica
( pôr exemplo, rins, pulmão ou coração). A partir dos estudos de toxicidade aguda pode-se
determinar o valor da DL50 (a dose que causa a morte de 50% da população exposta), um
parâmetro comparativo do grau de toxicidade de diferentes substâncias para uma mesma
espécie de animal. Em um grupo de substâncias, as que apresentam DL50 menores são mais
tóxicas que as que tem valores superiores (Quadro II.6) (EPA, 1991).
Os estudos de DL50 revelam um dos princípios básicos da toxicologia: nem todos os
indivíduos expostos a mesma dose de uma substância responderão da mesma maneira. Deste
modo, para uma mesma dose de uma substância, em alguns animais será observado um efeito
letal, em outros uma doença que poderá ser revertida e em um outro grupo parecerá que
nenhum efeito foi ocasionado (EPA, 1991).
Cada tipo de estudo em toxicologia tem um objetivo diferente, para que se possa
identificar como o período de exposição afeta a resposta tóxica. Os animais podem receber
uma única dose, podem ainda receber doses repetidas continuamente pôr várias semanas ou
meses (estudo de toxicidade sub-crônica) (Quadro II.7) ou pôr cerca de toda sua vida
(toxicidade crônica) (Quadro II.8). Em geral os objetivos dos diferentes estudos de
toxicologia podem ser resumidos da seguinte maneira (EPA, 1991):
• identificar os órgãos ou sistemas específicos do corpo que podem ser afetados pôr
uma substância;
• identificar anomalias ou enfermidades específicas que podem ser produzidas tais
como câncer, defeitos de nascimento, desordens do sistema nervoso ou problemas de conduta;
• estabelecer as condições de exposição e doses que causem formas específicas de
danos ou doenças;
• identificar a natureza e a evolução específica do dano ou doença produzidos pôr uma
substância;
• identificar os processos biológicos que fundamentam a produção do dano ou doença
observados.
II.2.3. Desenho e Aplicação de Estudos de Toxicidade
Ainda que hajam desenhos relativamente padronizados para a constituição de vários
tipos de provas de toxicidade (pôr exemplo, bioensaios para carcinogenicidade) desenvolvidas
pôr agências normativas e públicas, existem outros desenhos utilizados nos experimentos de
toxicidade. De qualquer modo, existem questões que devem ser considerados em todos os
desenhos de estudos de toxicidade (EPA, 1991)
Seleção de espécies animais
Os roedores, geralmente ratos e camundongos, são os animais de laboratório mais
utilizados em estudos de toxicidade. Outros roedores como os hamsters ou cobaias, são
utilizados com menor frequência. Muitos experimentos utilizam coelhos, cães e primatas não
seres humanos, tais como monos e babuínos. Pôr exemplo, ainda que os primatas sejam
considerados os animais de eleição para alguns tipos de estudos sobre reprodução, devido aos
sistemas reprodutivos serem semelhantes aos do homem, para provas de toxicidade dérmica
freqüentemente se utilizam coelhos porque sua pele é mais sensível (EPA, 1991).
Os ratos e camundongos são a alternativa mais comum porque são baratos e podem ser
manejados de modo relativamente fácil. Além disso, fatores tais como antecedentes genéticos
e a susceptibilidade a doenças estão bem estabelecidos para estas espécies. A expectativa total
de vida para estes roedores é de dois a três anos, de modo que os efeitos de exposição à uma
dada substância ao longo da vida, podem ser medidos de forma relativamente rápida em
comparação com um cão ou macaco, que vivem muito mais (EPA, 1991).
Doses e duração dos estudos
Freqüentemente, o primeiro experimento que se realiza é uma DL50, no qual se
utilizam doses mais altas de uma substância. Após completar estes experimentos, os
investigadores estudam os efeitos de doses menores administradas durante períodos de
exposição maiores. O objetivo é encontrar a margem de doses na qual ocorrem efeitos
adversos e identificar o NOEL (No Observed Effect Level) para estes efeitos (ainda que este
último nem sempre se busque e se alcance). Um experimento de toxicidade tem um valor
limitado, a menos que se chegue a uma dose de magnitude suficiente para causar algum tipo
de efeito adverso dentro da duração do experimento. Se não forem detectados efeitos em
todas as doses administradas, as propriedades tóxicas das substâncias não terão sido
caracterizadas e neste caso, o investigador terá que repetir o experimento com doses mais
altas ou aumentar a duração do estudo (EPA, 1991).
Os estudos freqüentemente são identificados de acordo com a duração da exposição.
Os estudos de toxicidade aguda incluem uma dose única ou exposições de duração muito
curta (pôr exemplo, 8 horas de inalação). Os estudos crônicos incluem exposições durante
quase toda a vida dos animais de experimentação. Os experimentos de duração que variam
entre estes dois extremos são denominados estudos sub-crônicos (Quadro II.7 e II.8) (EPA,
1991).
Nível de doses
Geralmente são utilizados dois ou três níveis de doses, especialmente em estudos
crônicos. Experimentos que utilizam apenas uma dose deixam uma grande incerteza acerca
da faixa de doses na qual se observam os efeitos (EPA, 1991).
Controles
Nenhum experimento de toxicidade poderá ser corretamente analisado se forem
omitidos os animais do grupo controle. Este grupo não será administrado com a substância
testada e os animais devem ser da mesma espécie, cepa, sexo, idade e estado de saúde que os
animais tratados, e devem ser mantidos sob as mesmas condições durante todo o estudo
(EPA, 1991).
Via de exposição
O objetivo da maioria dos estudos de toxicidade é gerar informações sobre as quais
serão baseadas as decisões de segurança para os seres humanos, e pôr esta razão, geralmente
os animais são administrados pôr uma via que seja a mais próxima possível daquela pela qual
os seres humanos são expostos. Entretanto, em alguns casos, o investigador deve usar outras
vias ou condições de administração para chegar a dose experimental desejada. Pôr exemplo,
algumas substâncias são administradas pôr sonda gástrica porque são muito voláteis ou
apresentam um sabor ruim, o que impede que sejam adicionadas a dieta dos animais, nas
concentrações altas necessárias para alguns estudos (EPA, 1991).
Desenhos específicos
Geralmente os animais são expostos e qualquer efeito observado sob as condições do
experimento será registrado. Entretanto, quando é necessário testar hipóteses muito
específicas sobre a substância (pôr exemplo, se a substância causa efeitos de nascimento ou
afeta o sistema imunológico), devem ser utilizados desenhos especiais. Assim, pôr exemplo,
para testar a hipótese de que uma substância é teratogênica (que cause defeitos de
nascimento), as fêmeas grávidas devem ser expostas em períodos críticos da gravidez. Uma
dos estudos específicos mais complexos é o bioensaio de carcinogenicidade. Estes estudos são
usados para testar a hipótese de carcinogenicidade, ou seja, a capacidade de uma substância
de produzir tumores (EPA, 1991).
II.2.4. Realização e Interpretação de Estudos de Toxicidade
Muitos fatores devem ser considerados quando estudos de toxicidade são aplicados,
para assegurar o seu êxito e a sua utilidade. Ao se avaliar os resultados desses testes, certas
perguntas devem ser formuladas sobre o desenho e a condução do experimento, para que se
tenha uma avaliação crítica. Os principais questionamentos são (EPA, 1991):
• O desenho experimental foi adequado para testar a hipótese?
• A realização geral do estudo esteve de acordo com as normas de boas práticas de
laboratório?
• As concentrações da substância estudada foram determinadas corretamente através
de análise química?
• A substância foi adequadamente caracterizada com respeito a natureza e o grau de
impurezas?
• Os animais receberam realmente a substância?
• Os animais que morreram durante o estudo foram examinados adequadamente?
• Suas mortes podem ser associadas à substância em estudo?
• Quão cuidadosamente foram observados os animais durante a realização do
estudo?
• Que testes foram aplicados aos animais (pôr exemplo, exame de sangue, testes
clínicos) e se foram feitos adequadamente?
• Os animais foram examinados histopatologicamente? O exame foi feito pôr um
patologista qualificado?
• A magnitude do exame do animal e de seus tecidos foi adequada?
• Os dados clínicos e patológicos foram tabelados apropriadamente?
• Os testes estatísticos foram corretamente empregados e analisados?
• As informações do estudo foram suficientemente detalhadas para poder contestar
estas perguntas?
Uma avaliação apropriada asseguraria que estas e outras perguntas possam ser
respondidas e incluiria uma lista de qualificações sobre resultados de testes em áreas nas quais
existem poucas respostas ou onde estas são insatisfatórias (EPA, 1991).
II.3. Informação a Partir de Estudos em Seres Humanos
A informação sobre efeitos adversos em populações humanas são obtidas a partir de
quatro fontes (EPA, 1991):
1. estudos epidemiológicos.
2. estudos de correlação (nos quais as diferenças nas taxas de doença em populações
humanas estão associadas a diferenças de condições ambientais);
3. informes de casos preparados pôr equipes de médicos;
4. resumo dos sintomas informados pelas próprias pessoas expostas;
Os primeiros três tipos de estudos podem ser caracterizados como epidemiologia
descritiva e são úteis para chamar atenção para problemas que ainda não tenham sido
observados previamente. Mesmo que não se possa identificar uma relação causa-efeito, são
importantes pôr gerar hipóteses que poderão ser provadas mais tarde. Os estudos
epidemiológicos incluem a comparação do estado de saúde de um grupo de pessoas que foram
expostas a uma substância sob suspeita, com o estado de saúde de um grupo comparável não
exposto (EPA, 1991).
A maioria dos estudos epidemiológicos realizados nos países industrializados são
estudos de casos e controles ou estudos de coortes, predominando os estudos descritivos nos
países em industrialização. Em estudos de casos e controles, um grupo de indivíduos com
uma doença específica é identificado e são investigados pontos em comum em situações de
exposições que estes indivíduos possam ter sofrido no passado (Quadro II.9). As
propriedades carcinogênicas do dietilestilbestrol foram descobertas através deste tipo de
estudos. Nos estudos de coorte, são examinadas as condições de saúde dos indivíduos que
foram submetidos a uma mesma exposição, para determinar se alguma condição específica ou
causa de morte se manifesta como excessiva quando comparada a uma população controle
apropriada (Quadro II.10). A leucemiogênese do benzeno foi estabelecida através deste tipo
de estudo. Geralmente, os epidemiologistas se dedicam de preferência a situações
ocupacionais ou a pacientes tratados com certos fármacos para realizar seus estudos (EPA,
1991).
Quando as informações epidemiológicas conduzem a resultados convincentes, são
muito úteis porque proporcionam informações sobre seres humanos em condições reais de
exposição a uma substância específica. Portanto, na avaliação da base total de dados, os
resultados destes estudos, bem desenhados e controlados apropriadamente, tem mais peso que
os estudos em animais. Mesmo que nenhum estudo possa proporcionar uma segurança
completa de que não existe risco, os dados negativos de estudos epidemiológicos podem ser
utilizados para estabelecer o nível de risco que com alguma segurança não será ultrapassado
na exposição à uma determinada substância (EPA, 1991).
Mesmo que os estudos epidemiológicos sejam decisivos quando existem diferenças
claras, vários pontos devem ser considerados na interpretação dos resultados (EPA, 1991):
• É difícil formar os grupos de controle adequadamente pareados porque os fatores que
levam à exposição do grupo estudado (pôr exemplo, ocupação ou residência) as vezes
estão associados a outros fatores que afetam a condição de saúde (pôr exemplo, estilo de
vida e condições sócio-econômicas).
• É difícil controlar fatores de risco relacionados (pôr exemplo, tabagismo) que tem efeitos
importantes na saúde.
• Poucos tipos de efeitos na saúde (além do óbito) são registrados de forma sistemática em
populações humanas (e mesmo a informação sobre a causa de morte é de confiabilidade
limitada). Pôr exemplo, a infertilidade, os abortos e as doenças mentais não são registradas
sistematicamente como regra nos serviços de saúde pública.
• Poucas vezes são disponíveis dados exatos sobre o grau de exposição a substâncias
potencialmente perigosas, especialmente quando aconteceu no passado. Nestes casos,
estabelecer relações dose-resposta é freqüentemente impossível.
• Para a investigação de doenças que levam muito tempo para se desenvolver, tais como
câncer, é necessário esperar muitos anos para confirmar a ausência de um efeito. Além
disso, a exposição a substâncias suspeitas poderia continuar durante estes períodos
extensos e assim, aumentar o risco.
• O poder estatístico de detecção dos estudos epidemiológicos é limitado, a menos que
populações muito grandes sejam estudadas.
Pôr estas razões, os estudos epidemiológicos estão sujeitos a muitas incertezas.
Geralmente é necessário ter evidências de confirmação independentes, tal como um resultado
concordante em um segundo estudo epidemiológico, ou informação de apoio proveniente de
estudos em animais de experimentação. Dadas as limitações da epidemiologia, também
devem ser interpretados com cuidado dados de achados negativos (EPA, 1991).
II.4. Identificação de Perigo de Substâncias Carcinogênicas
II.4.1 - Definição de Substâncias Carcinogênicas
Câncer é o termo utilizado para caracterizar o crescimento anormal das células que
pode resultar na invasão de tecidos normais ou na difusão para órgãos distantes, em um
processo conhecido como metástase. Substâncias químicas carcinogênicas são substâncias
que foram descritas como capazes de induzir o crescimento anormal ou descontrolado de
células (tumores) em animais de laboratório ou em seres humanos (EPA, 1996)
A carcinogênese é o termo utilizado para a indução ou formação de tumor. É um
processo com múltiplos estágios que requer um evento inicial (geralmente uma alteração
genética da célula) seguida de vários estágios de crescimento de uma célula afetada até o
aparecimento do tumor (EPA, 1996). (Quadro II.11)
Uma substância carcinogênica é qualquer uma capaz de aumentar a incidência de
câncer na população exposta. Dentre as substâncias carcinogênicas temos (EPA, 1996):
• iniciadoras: são aquelas capazes de iniciar o câncer através da alteração do material
genético da célula;
• completas: tanto dão início como promovem o aparecimento do tumor;
• promotoras: são as que aumentam a incidência de tumor somente quando a exposição às
mesmas dá-se após a iniciação. Diferentemente das iniciadoras e completas, a
manifestação dos efeitos dos promotores requer exposição contínua pôr um longo período
de tempo, sendo revertida pelo término da exposição. Desta forma, as características da sua
curva dose-resposta podem ser diferentes daquelas das iniciadoras e completas;
II.4.2 - Atribuição de Pesos às Evidências para a Determinação do Potencial
Carcinogênico em Seres Humanos
A avaliação das evidências é uma coleção de avaliações de todas as informações sobre
carcinogenicidade pertinentes. Desta forma é adequado considerar o impacto da plausibilidade
biológica e da coerência da associação entre um agente determinado e seu potencial
carcinogênico. A identificação e caracterização da carcinogenicidade humana é baseada em
dados de seres humanos e animais. A atribuição de diferentes pesos para as evidências, que
estes dados fornecem, envolve considerações sobre a qualidade e adequação dos dados e a
consistência das respostas induzidas pelo agente em questão (EPA, 1996).
Visões iniciais sobre um tipo de evidência podem mudar significativamente quando
outras informações são trazidas para a interpretação. Pôr exemplo, um resultado positivo
sobre carcinogenicidade em animal pode ser enfraquecida pôr outro dado chave; ou, uma
associação frágil resultante de estudos epidemiológicos pode ser reforçada pôr considerações
de outros dados e achados em animais. Geralmente, não é um único fator que determina o
peso total de uma evidência. Os fatores não são contados mecanicamente através da adição de
mais ou menos peso, eles são julgados em combinação (EPA, 1996).
II.4.3. Avaliação das Evidências de Animais
Evidências obtidas a partir de experimentos de longa duração (crônicos) ou outros
estudos de carcinogenicidade em animais de laboratório, constituem a primeira maior classe
de informação utilizadas. Para que um estudo seja considerado de longa duração é necessário
que possua os seguintes requisitos (EPA, 1996):
• ter duração de 2 a 7 anos (dependendo da espécie estudada);
• que a espécie seja selecionada com base em resultados de estudos farmacodinâmicos
realizados em várias espécies, ou mesmo sejam utilizadas duas espécies animais;
• que seja utilizado, no mínimo, dois níveis de dose;
• que se utilize a via de administração adequada;
• que sejam realizadas avaliações do estado de saúde de todos os animais
semanalmente através de exame físico completo e, em intervalos de 3 a 6 meses, provas
funcionais e análises bioquímicas de sangue e urina;
• que todos os animais sejam submetidos a uma autopsia completa, onde se inclua
exame histológico de todos os órgãos.
Cada estudo precisa ser revisto e avaliado em relação à adequação de seu desenho e
desenvolvimento, bem como a significância estatística e a relevância biológica de seus
achados. Os fatores que usualmente aumentam sua confiança em predizer câncer em seres
humanos a partir dos resultados de estudos em animais são (Quadro II.13) (EPA, 1996):
• a multiplicação das observações em estudos independentes;
• a severidade da lesão, latência e progressão da lesão;
• consistência das observações.
Para substâncias carcinogênicas, a demonstração de que quase todas as substâncias
carcinogênicas para seres humanos são carcinogênicas na maioria das espécies de animais de
laboratório, tem sido usada para dar suporte à avaliação de risco de câncer, tendo como
premissa à tese de que uma substância comprovadamente carcinogênica em animais, é
provavelmente carcinogênica em seres humanos. Existem algumas objeções quanto ao uso
desta suposição na avaliação de risco, dentre as quais estão as seguintes (EPA, 1996):
1) O fato de que quase todas as substâncias carcinogênicas para seres humanos são
carcinogênicas para animais, não prova que a relação inversa é correta; isto é, não foi provado
que todas as substâncias carcinogênicas para animais também o são para seres humanos. De
fato, evidências da existência de diferenças entre seres humanos e outras espécies em relação
a susceptibilidade à substâncias carcinogênicas são respaldadas com os achados sobre
diferenças qualitativas na resposta a substâncias carcinogênicas entre diferentes espécies de
animais de laboratório.
2) Os experimentos com animais usados nos testes de carcinogenicidade podem prover
resultados que não são relevantes para a estimativa de risco em seres humanos. Existem
quatro critérios principais quanto ao uso de dados obtidos com experimentos realizados com
animais, relacionados abaixo:
a) as doses as quais os animais são expostos nos experimentos são muito altas e não
são preditivas para efeitos nos níveis de exposição humana à baixas doses;
b) algumas espécies de animais utilizadas em experimentos são tão biologicamente
diferentes dos seres humanos, que os resultados obtidos com elas não possuem valor;
c) algumas espécies de animal ou certos órgãos, utilizados em experimentação, são
intensamente sensíveis a substâncias carcinogênicas e esta sensibilidade invalida o uso dos
resultados obtidos com estas espécies ou órgãos;
d) a relevância de tumores benignos em testes com animais para risco de
câncer em seres humanos é desconhecida.
II.4.4. Avaliação das Evidências de Seres Humanos
Os dados epidemiológicos são extremamente úteis na avaliação de risco porque eles
fornecem evidências diretas que uma substância produz câncer em seres humanos. Desta
forma, evita-se o problema resultante da extrapolação dos dados encontrados em
experimentações animais, onde se faz necessária uma dedução, a partir dos resultados
encontrados em uma espécie, para os resultados que podem ocorrer em outra espécie. Esta
dedução nem sempre pode ser feita de modo apropriado, tendo em vista as diferenças
fisiológicas existentes entre as espécies animais estudadas e o ser humano. Portanto, quando
dados resultantes de estudos em seres humanos são disponíveis em grande quantidade e sendo
de boa qualidade, são geralmente preferidos aos dados obtidos a partir de estudos
experimentais com animais, devendo merecer um peso maior na caracterização do risco
(EPA, 1996).
O julgamento das evidências é feito em função do quanto os dados que a originaram
satisfazem os critérios estabelecidos para um bom estudo epidemiológico, e o quanto eles
estão longe destes critérios. A existência de uma relação temporal, forte associação, dados de
exposição confiáveis, presença de correlação entre dose-resposta, ausência de vieses e fatores
de confundimento, e alto nível de significância estatística estão entre os fatores que aumentam
a confiança na conclusão de causalidade (EPA, 1996).
Geralmente, o peso de uma evidência humana aumenta com o número de estudos
adequados que mostram resultados comparáveis de populações expostas, a mesma substância,
sob diferentes condições. As análises levam em conta todos os estudos considerados de alta
qualidade, mesmo que apresentem associações positivas ou resultados nulos, ou até mesmo
aqueles que apresentem como resultado o fato da substância em questão apresentar efeitos
protetores, ou seja, indivíduos expostos ao agente apresentam menor risco de desenvolver
câncer quando comparados com aqueles não expostos. Quando se atribui peso a estudos
positivos contra estudos nulos, possíveis razões para resultados inconsistentes devem ser
procurados, e aos resultados de estudos julgados como de alta qualidade são dados maior peso
que aqueles julgados como sendo metodologicamente inferiores. Como metodologicamente
inferiores são considerados os estudos em que (EPA, 1996):
• os grupos de indivíduos que fazem parte do mesmo não tenham sido selecionados de
forma correta;
• não existe uma caracterização adequada da exposição bem como considerações
apropriadas sobre vieses e fatores de confundimento;
• não existe validade na determinação das causas de morbidade ou mortalidade pôr
câncer;
• o tamanho da amostra e a duração do acompanhamento não são adequadas para que
se possa evidenciar um efeito;
• ou mesmo quando a metodologia utilizada para coleta e análise dos dados se mostra
inadequada.
Geralmente, um fator sozinho não é determinante. Pôr exemplo, a força de associação
é um critério causal. Uma associação forte (isto é, um grande risco relativo - ver capítulo I) é
mais indicativo de causalidade que uma associação fraca. Entretanto, achados de grande
excesso de risco em um único estudo devem ser contrabalançados com a falta de consistência
refletida pôr resultados negativos de outros estudos igualmente bem desenhados e bem
conduzidos. Nesta situação a associação positiva de um único estudo pode tanto sugerir a
presença de vieses ou confundimentos, quanto refletir condições de exposição diferentes. Pôr
outro lado, evidências de uma fraca, porém consistente associação através de vários estudos,
sugerem tanto causalidade, quanto que alguns fatores de confundimento podem estar
operando em todos estes estudos (Quadro II.12) (EPA, 1996).
II.4.5 - Avaliação de Outras Evidências
Informações adicionais usadas na avaliação qualitativa do potencial carcinogênico
podem ser obtidas a partir de estudos comparativos de farmacocinética e metabolismo,
estudos de genotoxicidade, análises de relação entre a atividade biológica e a estrutura
química, e outros estudos sobre as propriedades do agente. As informações obtidas com estes
estudos ajudam a elucidar modos de ação potenciais e o metabolismo e o destino biológico. O
conhecimento dá suporte as interpretações sobre estudos relacionados ao câncer em seres
humanos e animais e fornece uma fonte adicional de informações sobre o potencial
carcinogênico (Quadro II.14) (EPA, 1996).
II.4.6 - Avaliação da Totalidade das Evidências
Estendendo a visão quanto à totalidade das evidências todos os dados e inferências são
avaliados em conjunto. De fato, a possibilidade de conferir pesos para as evidências estende-
se sobre um amplo prolongamento que não pode ser compartimentalizado (Quadro II.14)
(EPA, 1996).
II.4.7 - Classificações dos Pesos das Evidências
A classificação de risco utiliza três categorias para descrever o potencial carcinogênico
humano: conhecido/provável; não pode ser determinado e não provável. Cada categoria
estende-se sobre uma grande variedade de conjuntos de dados e pesos de evidências. Desta
forma, sempre haverão gradações, áreas de interseção e casos fronteiriços. O uso destas
categorias dentro de uma narrativa preserva e mostra a sua complexidade que é uma parte
essencial da classificação do perigo. Uma única substância pode ser categorizada de mais de
uma forma se, pôr exemplo a substância é provavelmente carcinogênico pôr uma via de
exposição, mas não pôr outra (EPA, 1996).
Conhecido/provável: Esta categoria é apropriada quando efeitos de tumores ou outros
dados chave disponíveis são adequados para demonstrar convincentemente o potencial
carcinogênico para seres humanos, e inclui (EPA, 1996):
a) substâncias reconhecidas como carcinogênicas em seres humanos, baseados tanto em
evidências epidemiológicas quanto em combinações de evidências de estudos experimentais
em animais e epidemiológicas, que demonstram causalidade entre exposição humana e
câncer;
b) substâncias que devem ser tratadas como tal, se eles são reconhecidos como carcinogênicos
seres humanos, baseados na combinação de dados epidemiológicos que demostram uma
associação causal plausível (não demonstrada como definitiva) e forte evidência de estudos
experimentais em animais;
c) substâncias que são reconhecidos como capazes de produzir câncer em seres humanos
devido a produção antecipada de tumores pôr mecanismos de ação que são considerados
relevantes ou assumidos como relevantes para carcinogenicidade humana.
Não pode ser provado: Esta categoria é apropriada quando efeitos de tumores ou
outros dados chave disponíveis são sugestivos ou conflitantes ou apresentam quantidade
limitada e, desta forma, não são adequados para demonstrar convincentemente, o potencial
carcinogênico para seres humanos. Nesta categoria estão (EPA, 1996):
a) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, mas para as quais
existe evidência sugestiva que levanta suspeitas sobre efeitos carcinogênicos;
b) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, porque a evidência
existente é composta pôr dados conflitantes;
c) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, porque existem
dados inadequados para realizar uma avaliação;
d) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, porque não existe
disponibilidade de dados para conduzir uma avaliação.
Não provável: Este categoria é apropriada quando a evidência de estudos
experimentais em animais é satisfatória para decidir que não existe base para suspeita de
perigo para seres humanos, como os seguintes (na ausência de dados de seres humanos que
sugerem um efeito potencial de câncer) (EPA, 1996):
a) substâncias não prováveis de serem carcinogênicos para seres humanos porque foram
avaliados em pelo menos dois estudos bem conduzidos em duas espécies apropriadas de
animais sem demonstrar efeitos carcinogênicos;
b) substâncias não prováveis de serem carcinogênicos para seres humanos pelo fato de terem
sido avaliados apropriadamente em animais e demonstraram efeitos carcinogênicos
irrelevantes para seres humanos;
c) substâncias não prováveis de serem carcinogênicos para seres humanos quando a
carcinogenicidade é dependente da dose ou da via de exposição;
d) substâncias não prováveis com sendo carcinogênicos para seres humanos baseado em uma
extensiva experiência com seres humanos que tenha demonstrado falta de efeito.
As ações regulamentadoras para definir o método apropriado para avaliação de risco
têm levado em conta todos estes critérios. Geralmente, é assumido pelas agências
responsáveis pela determinação de normas a serem seguidas pelos avaliadores de risco que, na
ausência de uma forte evidência do contrário, para uma substância química, os resultados
obtidos em experimentação animal com altas doses, realizado em diferentes vias de
exposição, em espécies de roedores de curta duração de vida, associado com órgãos
“sensíveis” (como fígado de rato), e tumores benignos são suficientes para predizer o risco de
câncer em seres humanos com finalidade de avaliação de risco (EPA, 1996).
As diferentes classes de substâncias são categorizadas de acordo com a força das
evidências encontradas em relação as mesmas. Conforme pode se observar a seguir a
categorização é a seguinte (Quadro II.16) (EPA, 1996):
⇒ A - Carcinogênico humano comprovado: evidências suficientes em seres humanos.
⇒ B1 - Provável carcinogênico humano: dados em seres humanos limitados e dados
suficientes em animais.
⇒ B2 - Provável carcinogênico humano: dados em seres humanos inadequados e
dados suficientes em animais.
⇒ C - Possível carcinogênico humano: dados em seres humanos inadequados e dados
limitados em animais.
⇒ D - Não classificado como carcinogênico em seres humanos: dados inadequados
tanto em seres humanos quanto em experimentos com animais.
⇒ E - Evidências positivas de que não é carcinogênico para seres humanos: evidências
negativas em animais e sem informação em seres humanos
II.5. Identificação de Perigo: Resumo
Para algumas substâncias, a base de dados disponíveis pode incluir informação valiosa
sobre os efeitos em seres humanos e em animais experimentais, assim como pode também
incluir informação sobre os mecanismos biológicos básicos para a produção de uma ou mais
formas de toxicidade. Em outros casos, a base de dados pode ser sumamente limitada e pode
incluir somente alguns estudos em animais experimentais.
Em alguns casos, todos os dados podem apontar claramente em uma só direção,
deixando pouca ambigüidade sobre a natureza da toxicidade associada com uma dada
substância; em outros os dados podem incluir conjuntos de achados epidemiológicos ou
experimentais aparentemente em conflito. Para uma substância bem estudada, não é raro
obter resultados contraditórios em provas de toxicidade. Se as provas são realizadas
adequadamente, os resultados positivos geralmente influenciam os resultados negativos. A
confusão pode ser devido a observação de que o tipo, a gravidade ou órgão alvo da
toxicidade podem variar segundo as espécies de animais expostos. Ainda que se aceite que os
resultados em animais são e tem sido úteis para prever efeitos em seres humanos, tem
ocorrido exceções notáveis, como pôr exemplo a talidomida. Este complexo tema,
brevemente mencionado aqui, deve ser considerado para cada substância examinada.
A apresentação anterior da avaliação de perigo foi feita para exposições à um só
substância química. Entretanto, os seres humanos raramente estão expostos a uma só
substância, tanto pelo fato de as substâncias comerciais conterem impurezas, como pelo fato
de as substâncias usadas combinadas e as alternativas de estilo de vida (pôr exemplo, fumar,
beber) poderem modificar os efeitos da exposição. Quando os seres humanos estão expostos a
duas ou mais substâncias, podem ocorrer muitos resultados, devendo-se observar que a
avaliação de perigo de misturas de substâncias é bastante complexa e ainda não se encontra
totalmente padronizada.
Para o caso específico das substâncias carcinogênicas, o objetivo da identificação de
perigo é revisar e avaliar os dados existentes e pertinentes tendo como orientação duas
questões:
1) se a substância representa um perigo carcinogênico para os seres humanos;
2) sob quais circunstâncias um perigo identificado pode ser expresso.
Não significa apenas a reunião de uma série de avaliações separadas, mas a construção
da análise de um caso total examinando as informações sobre os efeitos carcinogênicos como
um todo, seus modos de ação e implicações.
CAPÍTULO III - AVALIAÇÃO DOSE-RESPOSTA
III.1. Introdução
O passo seguinte na avaliação de risco é estimar as relações entre dose e resposta para
as diversas formas de toxicidade mostradas pela substância em estudo (Quadro III.1). Ainda
que se tenha bons estudos epidemiológicos, raramente há dados quantitativos confiáveis sobre
a exposição. Na maioria dos casos, os estudos dose-resposta são obtidos a partir estudos em
animais. A avaliação dose-resposta implica considerar três problemas (EPA, 1991):
• geralmente, os animais em estudos experimentais estão expostos à doses altas e os
efeitos à doses baixas em humanos devem ser previstos utilizando-se teorias
relativas na forma da curva dose-resposta;
• os animais e os seres humanos freqüentemente diferem em suscetibilidade, ao
menos em diferença de tamanho e metabolismo;
• a população humana é muito heterogênea, de modo que alguns indivíduos são mais
suscetíveis que a média.
Convencionalmente são feitas duas suposições gerais sobre a forma das relações dose-
resposta em doses baixas (EPA, 1991):
• para efeitos que envolvem alterações do material genético (incluindo a iniciação do
câncer), há razões teóricas para crer que eles podem ocorrer a níveis de doses muito
baixas; tem-se proposto vários modelos matemáticos específicos de relações dose-
resposta;
• para a maioria dos outros efeitos biológicos, geralmente se assume que existem
níveis “limite”. Entretanto, é muito difícil utilizar tais medidas para prever níveis
”seguros” nos seres humanos;
• se assumimos que os seres humanos e os animais são, em média, intrinsecamente
similares em suscetibilidade, espera-se que os seres humanos tenham respostas
mais variadas as substâncias tóxicas.
III.2. Aspectos Gerais da Relação Dose-Resposta
As respostas tóxicas podem ser de vários tipos, independente do órgão ou sistema
afetados. Para algumas, a gravidade do dano aumenta a medida que aumenta a dose, ou seja, o
efeito é proporcional a dose. Como exemplo dessa situação, podemos imaginar uma
substância que afete o fígado. As doses mais altas podem matar células hepáticas, talvez
tantas o suficiente para destruir o fígado e causar a morte de alguns ou todos os animais de
experimentação. Com a diminuição das doses, menos células são destruídas mas podem haver
outras formas de dano que causem alterações em seu funcionamento, pois ainda que não haja
morte de nenhuma célula, podem surgir leves alterações de função ou da estrutura celular.
Finalmente, pode-se chegar à um nível de dose onde não se observe nenhum efeito ou no qual
existam somente alterações bioquímicas que não produzam efeitos adversos conhecidos na
saúde do animal. Sobre esta questão deve-se ressaltar que alguns toxicologistas consideram
qualquer alteração como adversa, mesmo se suas consequências a longo prazo sejam
desconhecidas, não havendo um consenso claro sobre este aspecto. Uma das metas dos
estudos de toxicidade é determinar, na curva dose-resposta, o nível de efeito não observado,
que é a dose na qual não se observa nenhum efeito, conhecida como a NOEL1 (No Observed
Effect Level) (EPA, 1991).
Em outros casos, a gravidade do efeito em um animal de experimentação pode não
aumentar com a dose, mas a incidência do efeito aumentará com um aumento da dose. Nestes
casos, o número de animais que experimentam um efeito adverso a uma determinada dose é
menor que o número total e a medida que a dose aumenta, a fração que experimenta efeitos
adversos, ou seja, a incidência da enfermidade ou dano, aumentará. Para uma dose
suficientemente alta, todos os animais em experimentação apresentarão o efeito. Estas últimas
respostas são propriamente caracterizadas como probabilísticas. Aumentar a dose aumenta a
probabilidade, ou seja, o risco de que se desenvolva a anomalia em uma população exposta.
Para alguns efeitos tóxicos, incluindo câncer, tanto a gravidade quanto a incidência aumentam
conforme se eleva o nível de exposição. O aumento na gravidade é resultado de um dano
acentuado com doses mais altas, enquanto que o aumento na incidência é um resultado das
diferenças de sensibilidade individual. Além disso, o lugar onde uma determinada substância
atua (pôr exemplo, fígado, rins) pode mudar quando muda a dose (EPA, 1991).
Geralmente, a medida que aumenta a duração da exposição, diminuem tanto o NOEL
como a dose na qual aparecem os efeitos. Em alguns casos aparecem novos efeitos, que não
foram observados com exposições de menor duração. Também podem ser encontradas
diferenças no grau de reversibilidade do efeito. Em alguns casos, um efeito desaparecerá
quase que imediatamente após o término da exposição. Num outro extremo, algumas
exposições acarretarão em um dano permanente, pôr exemplo, um defeito grave de
nascimento pôr ação de uma substância que danifica irreversivelmente o feto, em um
momento crítico do seu desenvolvimento. A maioria das respostas tóxicas se dá dentro desses
1 Corresponde a dose experimental mais alta na qual não há, estatisticamente e biologicamente, nenhumcrescimento na freqüência ou severidade dos efeitos tóxicos vistos na população exposta comparada com umapopulação apropriada não exposta (EPA, 1989).
dois extremos. Entretanto, em muitos experimentos, o grau de reversibilidade não pode ser
observado pelo investigador (EPA, 1991).
A gravidade é outra característica de uma resposta tóxica. Certos tipos de dano tóxico
são claramente adversos e são uma ameaça definitiva contra a saúde. Entretanto, outros tipos
de efeitos observados durante os estudos de toxicidade não tem uma importância clara para a
saúde. Pôr exemplo, para uma determinada dose, pode não ficar claro se ocorreu uma
verdadeira resposta adversa. Determinar se estas alterações leves são significativas para a
saúde, é um dos temas críticos ao avaliar a segurança, e até hoje não foi totalmente
esclarecido (EPA, 1991).
III.3 Modelos de Curva Dose-Resposta
Qualquer que seja a resposta selecionada para a medida, a relação entre o grau da
resposta do sistema biológico e a quantidade da substância tóxica a qual este sistema foi
exposto, é referida como a relação dose-resposta. Este tipo de relação tem como exemplo
clássico a DL502 (índice de letalidade), uma dose única estatisticamente derivada, de uma
substância, que causa o óbito de 50% da população exposta. Em toxicologia, a resposta
quântica é usada com frequência, ou seja, um efeito específico é identificado (óbito, no
exemplo), e a dose requerida para produzir este efeito, para cada indivíduo na população, é
determinada. A determinação da dose letal média (DL50), tomada como exemplo, é
geralmente o primeiro experimento realizado com uma substância química. Se um grande
número de doses é usado com um grande número de animais pôr dose, uma curva dose
resposta sigmoidal é observada, como mostram os Quadros III.2 e III.3 (EPA, 1991).
Neste tipo de curva, os valores que estão no eixo da abcissa (doses) são transformados
para valores logarítmicos. A ordenada é geralmente expressa em percentual do efeito ou do
número de indivíduos. Quando os valores da ordenada são apresentados como percentual da
frequência do efeito (% de mortalidade, no exemplo), observa-se que a relação dose-resposta
exibe uma distribuição normal ou gaussiana (Quadro III.3). A interpretação do perfil de uma
curva dose-resposta (inclinação e localização no eixo das ordenadas) permite que se tire
conclusões sobre a potência e a eficácia de uma substância, variação individual da resposta,
2 A dose letal (DL50) – que se relaciona à absorção de substâncias pelo organismo via dérmica e oral – e aconcentração letal (CL50) – que se relaciona à absorção de substâncias pelo organismo por inalação – sãoparâmetros toxicológicos que correspondem à dose necessária para provocar o óbito de 50% da populaçãoexposta, de modo que, quanto mais baixa a DL50, maiores são o perigo da substância e a probabilidade de óbitosimediatos em caso de exposição. Geralmente estes parâmetros toxicológicos são baseados na extrapolação deresultados obtidos em testes de laboratórios como animais in vivo – freqüentemente são empregados roedorespara esses tipos de testes. As estimativas podem variar bastante, dependendo do modelo de dose-respostaadotado e das escalas dos fatores inter-espécies – peso do corpo, área de superfície e taxa metabólica (Smith,1992; IPCS, 1992b).
valores de NOEL (No Observed Effect Level) e NOAEL3 (No Observed Adverse Effect
Level). Deve-se ressaltar, entretanto, que a resposta quântica do tipo tudo (vivo) ou nada
(morto), não limita-se a letalidade. Curvas dose-resposta semelhantes podem ser construídas
para câncer, lesões hepática, e outros tipos de respostas tóxicas assim como respostas
terapêuticas, como anestesia (Klaassen et al., 1991).
Uma curva sigmoidal de distribuição normal, apresenta respostas próximas de 0%, à
medida que as doses diminuem, e de 100% à medida que as doses aumentam. Porém,
teoricamente, nunca chega a 0 ou 100%. Entretanto, a dose mínima efetiva para qualquer
substância química que deflagra uma resposta quântica é denominada de dose limite, e doses
abaixo desse limite apresentam probabilidade zero de elicitar uma resposta (Klaassen et al.,
1991).
III.4. Efeitos Com Limiar e Efeitos Sem Limiar
As substâncias que produzem resultados tóxicos distintos do câncer e mutações
genéticas são referidas como “tóxicos sistêmicos”, devido a seus efeitos no sistema de
funcionamento de vários órgãos. É importante observar que as substâncias que causam câncer
e mutações genéticas geralmente também provocam outros efeitos tóxicos, ou seja, também
possuem uma toxicidade sistêmica. Em função de mecanismos homeostáticos adaptativos,
que devem ser vencidos antes de que se manifeste um resultado tóxico, a toxicidade sistêmica
é tratada como se existisse um limiar de exposição identificável, tanto para o indivíduo como
para as populações, sob o qual não existem efeitos adversos observáveis. Esta característica
distingue os resultados sistêmicos dos de carcinogenicidade e mutagenicidade, os quais, com
frequência, são tratados como processos sem limiar. No caso de substâncias carcinogênicas,
supõe-se que um número pequeno de alterações moleculares pode produzir alterações em uma
só célula, a qual pode desencadear uma proliferação celular descontrolada. Este mecanismo é
conhecido como sem limiar, já que teoricamente não há um nível de exposição para tal
substância que não represente uma probabilidade pequena, mas finita de gerar uma resposta
carcinogênica (EPA, 1991).
O conceito de limiar é importante no contexto da regulamentação. A hipótese de
limiar individual sustenta que uma gama de exposições desde zero até certo valor finito, pode
ser tolerada pelo organismo com essencialmente nenhuma probabilidade de expressão do
efeito tóxico. Além disso, é necessário focalizar os membros mais sensíveis de uma
3 Corresponde a dose experimental mais alta na qual não há, estatisticamente e biologicamente, aumentosignificativo na freqüência ou severidade de um efeito adverso à saúde na população exposta comparando-secom uma apropriada população não exposta. Efeitos podem ser produzidos neste nível, porém não sãoconsiderados como adversos (EPA, 1989)
população, e para tanto, os esforços reguladores geralmente são feitos no sentido de manter as
exposições abaixo do limiar que a população mais sensível apresenta, o qual se define como o
mais baixo dos limiares dos indivíduos dentro de uma população (EPA, 1991).
Ao se avaliar uma relação dose-resposta surgem certas dificuldades. Pôr exemplo, se
deve decidir acerca do resultado crítico que se vai medir como “resposta”. Também se deve
decidir a medição correta da “dose”, levando-se em consideração a dose administrada versus a
dose absorvida versus a dose que alcança o órgão alvo. Atualmente estas questões têm sido
alvo de numerosas investigações (EPA,1991).
III.4.1. Efeitos Com Limiar
Para a avaliação da relação dose-resposta de efeitos com limiar um dos primeiros
passos é identificar o NOAEL utilizando-se o estudo crítico realizado com a espécie mais
sensível, para a partir daí calcular a Dose de Referência (DRf) ou Concentração de Referência
(CRf), dependendo da via de exposição (Quadro III.4). Os princípios gerais que orientam a
avaliação da relação dose-resposta baseiam-se nas seguintes suposições (ver Quadro III.5)
(EPA, 1991):
• as informações obtidas a partir de estudos epidemiológicos em seres humanos são
preferíveis do que as obtidas a partir de estudos experimentais de laboratório com animais;
• os seres humanos são tão sensíveis como a espécie animal mais sensível;
• o risco significativo de sofrer algum efeito tóxico sistêmico só ocorre quando se
extrapola a dose limiar para o dito efeito;
• a implicação normativa do conceito de dose limiar para as substâncias que não
causam efeitos carcinogênicos é a Dose de Referência (DRf) ou a Concentração de Referência
(CRf).
Seleção do Estudo Crítico
O estudo crítico é aquele que determina o NOAEL que será utilizado como base para o
cálculo da DRf. Ao avaliar dados provenientes de estudos em animais, geralmente se faz uma
série de julgamentos profissionais que incluem, entre outros, a consideração da qualidade
científica dos estudos. Quando são apresentados dados de vários estudos em animais, o
avaliador do risco deve verificar primeiro o modelo animal que é mais pertinente para os seres
humanos, utilizando para isso os dados biológicos mais bem fundamentados e contundentes
(pôr exemplo, os dados farmacocinéticos comparativos). Na ausência da espécie claramente
mais pertinente, os avaliadores usam a espécie mais sensível, ou seja, a que apresentou um
efeito tóxico decorrente da dose mais baixa administrada, uma vez que não há nenhum
segurança de que os seres humanos não sejam, intrinsecamente, tão sensíveis quanto a espécie
mais sensível testada. Este processo de seleção é mais difícil quando as vias de exposição em
estudos com animais são distintas daquelas associadas a situação humana sob investigação.
Para utilizar dados de estudos controlados ou de animais geneticamente homogêneos, o
avaliador deve também extrapolar de animais para seres humanos, e de altas doses
experimentais até exposições ambientais comparativamente baixas, levando em consideração
a heterogeneidade humana e as possíveis exposições múltiplas em seres humanos (EPA,
1991).
Em termos simplificados, um nível de exposição experimental é selecionado a partir
do estudo crítico, representando o nível mais alto testado que não produziu nenhum "efeito
adverso". Na prática, isto corresponde ao fato de, quando se tem vários NOAELs igualmente
confiáveis, se eleger o valor mais baixo encontrado. Este NOAEL é a informação chave
extraída do estudo da relação dose-resposta e tradicionalmente é a base primária para
avaliação científica do risco que os tóxicos sistêmicos representam para os seres humanos.
Este enfoque se baseia na suposição de que se o efeito tóxico crítico é evitado, também serão
evitados todos os outros efeitos tóxicos. Mais formalmente, o NOAEL é definido como a dose
experimental mais alta de uma substância, na qual não há um aumento estatísticamente
importante na frequência ou gravidade de um efeito adverso, em indivíduos de um grupo
exposto, quando se compara com indivíduos de um grupo controle apropriado. Como pode se
observar, podem haver diferenças profissionais de opinião ao julgar se uma resposta particular
é adversa ou não. Além disso, o NOAEL é uma função do tamanho da população em estudo.
Nos estudos com um número pequeno de animais, é menos provável que sejam detectados
efeitos com doses baixas que em estudos que utilizem grandes números de animais. Também,
se o intervalo entre doses em um experimento é grande, é possível que o NOAEL
determinado experimentalmente, seja menor que o que se observaria em um estudo que utilize
doses sobrepostas (EPA,1991).
O resultado crítico é o efeito tóxico utilizado como base para o cálculo da DRf. Em
estudos com determinadas substâncias, pode-se obter mais de um efeito tóxico, até em um
mesmo animal em estudo ou em testes de mesma ou diferentes durações de exposição
(estudos de exposição aguda, sub-crônica e crônica). Em geral, os NOAELs para estes efeitos
serão diferentes. O resultado crítico utilizado na avaliação de dose-resposta é aquele efeito
que mostre o menor NOAEL (Quadros III.6 e III.7) (EPA, 1991).
Estabelecimento da Dose de Referência (DRf)
A DRf é uma dose derivada operacionalmente do NOAEL através da aplicação
consistente de fatores de incerteza (FI), geralmente em várias ordens de magnitude, que
refletem os diversos tipos de critérios utilizados para calcular as DRfs (Quadros III.8 e
III.9). Pôr exemplo, um NOAEL crônico e válido para animais, se divide normalmente entre
um FI de 100. Além disso, as vezes se utiliza um fator de ponderação (FP) baseado em um
julgamento profissional sobre a base da qualidade dos dados que levaram ao NOAEL
(OPS/EPA, 1996)
A abordagem padrão tradicional, para estabelecer níveis “aceitáveis” de exposição
para substâncias que produzem efeitos com limiar, determina que o NOAEL deve ser
reduzido de um FI, que leve em consideração diferenças intra e interespécies. Um FI de 10 foi
proposto nos raros casos onde dados válidos de exposição crônica em seres humanos são
disponíveis. Este fator de 10 é geralmente utilizado para contemplar a variabilidade
interindividual entre seres humanos, embora seja insuficiente para proteger a maioria de
indivíduos susceptíveis, na existência de idiossincrasias (Klaassen et al., 1991).
Na maioria das vezes, dados confiáveis de exposição em seres humanos, não são
disponíveis para uma determinada substância, devendo-se então extrapolar estes dados a partir
de estudos de exposição crônica em animais. Um FI de 100 é geralmente empregado, sendo
que um fator de 10 refere-se a diferenças interindividuais na população humana e um fator de
10 refere-se a diferenças interespécies (10 x 10). Quando são analisadas substâncias para as
quais não existem dados confiáveis de exposição crônica em animais, adiciona-se um FI de 10
ao fator 100 anterior, e portanto, um FI de 1000 deve ser utilizado. O objetivo principal do
uso de fatores de incerteza (FI) é estabelecer níveis de exposição que sejam “protetores” para
a saúde humana (Klaassen et al., 1991)).
Estes fatores e as indicações de como utilizá-los ao derivar a DRf são apresentados
nos (Quadros III.10 e III.11)
A DRf é determinada através da equação(Quadro III.12):
DRf = NOAEL / (FI x FP)
Em geral, a DRf é o cálculo (com uma incerteza que talvez ultrapasse uma ordem de
magnitude) de uma exposição diária na população humana (incluindo grupos sensíveis) que
pode ocorrer durante a vida sem um risco apreciável de efeitos deletérios. A DRf em geral se
expressa em unidades de mg pôr kilograma de peso corpóreo pôr dia (mg/kg-dia) (ver
Quadro III.9) (Klaassen et al., 1991).
A DRf é útil como um ponto de referência a partir do qual é possível medir efeitos
potenciais da substância em outras doses. Geralmente, não se associam doses menores da DRf
com riscos adversos para a saúde, e portanto, é menos provável que estas tenham um interesse
normativo. A medida que aumenta a frequência ou a magnitude de exposições que excedam a
DRf, aumenta a probabilidade de efeitos adversos em uma população humana. Entretanto, não
se deve concluir categoricamente que todas as doses abaixo das DRfs sejam aceitáveis (ou
estejam livres de risco) e que todas as doses acima da DRf sejam "inaceitáveis" (ou que
resultem em efeitos adversos) (EPA, 1991; Klaassen et al., 1991).
Os FI e FP servem para categorizar a qualidade e a solidez das evidências disponíveis
e a partir daí estabelecer a DRf (Quadro III.13). Os elementos de juízo para esta
categorização são (Quadro III.14) (OPS/EPA, 1991):
a) a qualidade da informação;
b) o poder estatístico dos estudos;
c) a quantidade e o tipo de efeitos estudados;
d) a consistência das observações nos diferentes tipos de estudos;
e) a relevância da duração e das vias de exposição utilizadas, tanto para as espécies
animais utilizadas em estudos experimentais, quanto para seres humanos;
f) a relevância das doses administradas e das espécies utilizadas para a situação
humana;
g) as informações sobre toxicocinética.
Estes elementos de juízo para avaliação e categorização das evidências permitem
categorizá-las como (Quadro III.15) (OPA/EPA, 1991)
1) suficientes - aquelas que incluem resultados que coletivamente proporcionam
informações suficientes para decidir se existe a probabilidade de que a substância
produza efeitos adversos para a saúde
2) suficientes em seres humanos - aquelas que incluem informações provenientes de
estudos epidemiológicos que proporcionam evidências suficientes que permitam
decidir se existe uma relação causal entre a exposição e os efeitos adversos;
3) suficientes em animais, mas limitadas em seres humanos - aquelas que incluem
informações obtidas a partir de estudos experimentais em animais e/ou evidências
limitadas provenientes de estudos em seres humanos, que proporcionem evidências
convincentes sobre o potencial de uma substância produzir efeitos adversos. As
evidências mínimas necessárias para julgar o potencial de riscos incluem a
demonstração do efeito de um estudo bem realizado em pelo menos uma espécie
animal. A evidência mínima necessária para julgar que o potencial de risco não
existe, inclui a informação proveniente de estudos bem realizados em pelo menos
duas espécies diferentes de animais;
4) insuficientes - aquelas em que não há a evidência mínima suficiente(Quadro
III.15).
III.4.2. Efeitos Sem Limiar
Atualmente, somente as substâncias que mostram propriedades carcinogênicas são
tratados como se não mostrassem níveis de tolerância (ainda que alguns cientistas sugiram
que alguns teratogênicos e mutagênicos podem se comportar de forma similar). Em outras
palavras, a curva de dose resposta para carcinogênicos na população humana somente chega à
risco zero se as doses de exposição forem zero; conforme a dose aumenta acima de zero, o
risco se torna imediatamente finito e pôr tanto aumenta em função da dose. O risco é a
probabilidade de câncer, e em doses muito baixas o risco pode ser extremamente pequeno
(isto variará de acordo com a potência da substância carcinogênica). A este respeito, as
substâncias carcinogênicas não são muito diferentes de outras substâncias (EPA, 1991).
O Processo Carcinogênico
Se ocorre algum tipo particular de dano ao material genético (ADN) de até uma só
célula, esta pode sofrer uma série de mudanças, que em um dado momento, terá como
resultado a produção de um tumor; entretanto o tempo requerido para todas as mutações
necessárias que culminam no câncer pode ser uma porção substancial da vida de um animal
ou de um humano (Quadro III.16). As substâncias carcinogênicas também podem afetar em
número variável as etapas de transição no desenvolvimento do câncer. Algumas substâncias
carcinogênicas parecem capazes somente de iniciar o processo (se chamam ”iniciadores“).
Outros cuja natureza ainda não se conhece bem, atuam somente em etapas posteriores (os
chamados promotores, que podem atuar em uma ou mais etapas). Existem substâncias
carcinogênicas que podem atuar em várias etapas. Alguns cientistas postulam que uma
quantidade arbitrariamente pequena de uma substância carcinogênica, até uma só molécula,
poderia afetar a transição de células normais em células cancerosas em uma ou várias das
diversas etapas, e que uma quantidade maior da mesma substância somente aumenta a
probabilidade de que ocorra uma dada transição. Sob estas circunstâncias, há poucas
possibilidades de um nível de tolerância absoluto sob o qual não haja efeito no processo
(inclusive se o efeito fosse sumamente pequeno) (EPA, 1991).
Esta descrição do processo carcinogênico está ainda sob uma extensa investigação
científica e de nenhuma forma está confirmado. Entretanto, é o modelo dominante e tem
bastante suporte. Este modelo multifásico tem influenciado o desenvolvimento de alguns dos
modelos usados para a avaliação de dose-resposta (Quadro III.17). Antes de analisar estes
modelos, é útil revisar a informação experimental sobre dose-resposta obtida dos bio-ensaios
e estudar porque se necessitam tais modelos (EPA, 1991).
Potência e Extrapolação de Doses Altas a Doses Baixas
Suponhamos que uma substância tenha sido administrada em ratos e camundongos de
ambos os sexos e se encontrou câncer hepático em ratos machos. Um resumo típico dos
dados de tal experimento seria o seguinte (Quadro III.18) (EPA, 1991):
A incidência de câncer hepático se expressa como uma fração, e é o número de
animais que foram encontrados com tumores hepáticos dividido pelo número total de animais
sob risco. A probabilidade (P) de câncer é simplesmente a fração expressada como um
decimal (pôr exemplo, 25/50 = 0,5).
Ainda que se tenha um “não-efeito” com uma exposição de 125 mg/kg/dia, deve-se
considerar que, de qualquer forma, a resposta é compatível com um risco em torno de 0,05
(5%), devido as incertezas estatísticas associadas com o pequeno número de animais usados.
Este experimento revela que se os seres humanos e os animais são mais ou menos
igualmente suscetíveis à substância, uma exposição de 250 mg/kg/dia em seres humanos
aumentará seu risco durante a vida em 20% . Se 1.000 pessoas forem expostas à esta dose da
substância em questão durante sua vida, se esperara que 200 delas desenvolvam câncer. Este
é um risco extremamente alto e obviamente nada o justificaria. Entretanto, está perto do
extremo inferior da margem de riscos que podem ser detectados em experimentos com
animais (EPA, 1991). Para continuar com a ilustração, suponhamos que é possível estimar a
dose diária de uma substância na população humana. Para este exemplo, suponhamos que a
população humana exposta receba uma dose de 1,0 mg/kg/dia. Deste modo surge o interesse
de saber o risco para ratos com 1,0 mg/kg/dia (EPA, 1991).
Há uma grande diferença entre as doses usadas experimentalmente e a dose de
interesse. Os riscos que provavelmente existiriam em uma dose de 1,0 mg/kg/dia são bastante
pequenos e para determinar se existem, se necessitariam de muitos animais (talvez centenas
ou milhares). No entanto, sob estas circunstâncias, para estimar o risco potencial é necessário
se basear em outros meios que não sejam a experimentação (EPA, 1991).
Os cientistas tem desenvolvido vários modelos matemáticos para estimar os riscos em
doses baixa a partir de riscos em doses alta. Tais modelos descrevem a relação quantitativa
esperada entre risco (P) e doses (d), e se usam para estimar um valor para P (o risco) a dose de
interesse (em nosso exemplo, a dose de 1,0 mg/kg/dia). A exatidão de P projetada para a dose
de interesse, d , é uma função de o quanto exatamente o modelo matemático descreve a
verdade, porém não é medido, a relação entre dose e risco em níveis de dose baixa (EPA,
1991).
Estes modelos matemáticos são bastante complexos para serem expostos
detalhadamente em um material introdutório. Os diversos modelos podem conduzir a
estimação de riscos muito diferentes. Nenhum é específico para uma determinada substância;
isto quer dizer que cada um está baseado em teorias gerais de carcinogenicidade. Nenhum
pode ser aprovado ou desaprovado através da informação científica atual, ainda que os
resultados futuros da investigação possam aumentar nosso entendimento de carcinogenicidade
e ajudar a refinar estes modelos. As agências regulamentadoras atualmente usam os modelos
de impacto único (ou de um evento), multifásico e próbit. Entretanto, geralmente as decisões
regulamentadoras se baseiam geralmente nos resultados de modelos de impacto único ou
multifásico. Também se utilizam os modelos de impactos múltiplos (ou de múltiplos eventos),
o weibull e o lógit para a avaliação de risco (Quadro III.17). De um modo geral, a escolha
do modelo implicará em resultados diferenciados para uma mesma substância, conforme pode
se verificar no Quadro III.19 (EPA, 1991).
Se estes modelos se aplicam aos dados registrados anteriormente para uma substância
hipotética, se obtém diferentes estimativas de risco durante a vida dos ratos machos4
utilizados no experimento à uma dose de 1,0 mg/kg/dia (Quadro III.20) (EPA, 1991).
Pode não haver base experimental para decidir que estimativa é a mais próxima da
realidade. Entretanto, é possível mostrar que o risco real, pelo menos para os animais
submetidos à exposição, dificilmente será maior que o risco mais alto previsto pelos diversos
modelos (EPA, 1991).
Em casos em que existam dados pertinentes sobre mecanismos de ação biológicos, a
seleção de um modelo deve ser coerente com esses dados. Entretanto, em muitos casos, tais
dados são muito limitados, tendo pôr resultado uma grande insegurança na seleção de um
modelo para a extrapolação em doses baixa. Atualmente, o entendimento dos mecanismos do
processo de carcinogenicidade é ainda bastante limitado. Entretanto, a evidência biológica
indica a linearidade da iniciação tumoral e, em conseqüência, as agências regulamentadoras
freqüentemente utilizam os modelos lineares (EPA, 1991).
O modelo de impacto único sempre fornece a estimativa mais alta de risco em doses
baixa. Este modelo está baseado na teoria biológica de que somente um “impacto“ de alguma
quantidade crítica mínima de um carcinógeno em um alvo celular pode iniciar uma série
irreversível de acontecimentos que em um dado momento conduzirão a um tumor (EPA,
1991).
O modelo multifásico, que fornece estimativas de risco iguais ou menores que o
modelo de impacto único, se baseia na mesma teoria de iniciação de câncer. Entretanto, este
modelo pode ser mais flexível, permitindo considerar os dados na margem observável
influenciando o risco extrapolado para doses baixa. Também se baseia na teoria multifásica
do processo carcinogênico e pôr isso tem uma base científica plausível. A EPA geralmente
usa o modelo multifásico linearizado para a extrapolação em doses baixas devido a sua base
4 De acordo com o exemplo apresentado no texto da EPA (1991), todos os riscos são para uma exposição diáriadurante toda a vida. O tempo de vida é a unidade de medida porque os dados experimentais refletem o riscoexperimentado por animais durante suas vidas completas. Os valores demonstrados são limites de confiançasuperiores do risco.
científica, pois ainda que limitada, é considerada a mais sólida dos modelos de extrapolação
disponíveis atualmente. Os modelos de estimativas de riscos que são considerados
conservadores representam um limite superior plausível para o risco. Em outras palavras, é
pouco provável que o risco “real “ seja maior que o risco previsto sob este modelo (EPA,
1991).
Extrapolações entre Espécies
Para a maioria das substâncias, a avaliação da dose-resposta envolve, principalmente,
análise de provas realizadas em animais de laboratório, porque geralmente não existem dados
úteis sobre seres humanos. Ao extrapolar para seres humanos os resultados destas provas em
animais, as doses administradas devem ser ajustadas para diferentes tamanhos e taxas
metabólicas. As diferenças de metabolismo podem influenciar na validade da extrapolação de
animais para o homem se, pôr exemplo, o material que realmente produz o efeito
carcinogênico é um metabólito da substância em estudo e se a espécie animal difere dos seres
humanos significativamente em seu metabolismo (EPA, 1991).
Se tem desenvolvido vários métodos para ajustar as doses usadas em provas com
animais para ter em conta as diferenças de tamanho e metabolismo. Estes supõem que os
riscos em seres humanos e em animais são equivalentes quando as doses estão medidas em
(EPA, 1991):
• miligramas pôr quilograma de peso corporal pôr dia;
• miligramas pôr metro quadrado de superfície corporal pôr dia;
• partes pôr milhão no ar, na água ou na dieta;
• miligramas pôr quilograma pôr tempo de vida.
Atualmente, não se tem estabelecido uma base científica para usar um método de
extrapolação em vez de outro (EPA, 1991).
III.5. Avaliação da Relação Dose-Resposta de Carcinogênicos
A avaliação da relação dose-resposta para substâncias carcinogênicas se dá em duas
partes: A primeira consiste na avaliação dos dados classificados de acordo com observações
empíricas. O prosseguimento é realizado através de extrapolações tanto através de
modelagens, se existem dados suficientes para dar suporte ao modelo, ou através de um
procedimento padrão baseado o máximo possível, em informações sobre o modo de ação da
substância. O que veremos a seguir abrange a avaliação de dados observados e procedimentos
de extrapolação, seguido pôr seções sobre análises de dados de respostas e análises de dados
de dose. A seção final discorre sobre a caracterização da dose-resposta (EPA, 1996).
III.5.1. Relação Dose-Resposta
Na discussão que se segue, a referencia a dados de “respostas” inclui medidas de
formação de tumor tanto quanto respostas relacionadas à carcinogenicidade. As outras
respostas podem incluir efeitos como trocas no DNA, cromossomos, ou outras
macromoléculas chave, efeitos na tradução do sinal de crescimento, indução de trocas
hormonais ou fisiológicas, efeitos na proliferação celular, ou outros efeitos que possuam papel
importante neste processo. Outras respostas além da formação de tumor podem ser
consideradas como fazendo parte da classificação observada com a finalidade tanto de
ampliar a análise da dose-resposta de tumor ou informar isto. A(s) resposta(s) de não tumor
também pode(m) ser usada(s) no lugar de dados tumorais se forem consideradas como
representantes de mais informações sobre o processo carcinogênico de uma substância (EPA,
1996).
A EPA geralmente realiza análises do limite de exposição para acompanhar
estimativas de doses ou concentrações de referência (DRf, CRf) para respostas de não câncer5
. O procedimento para a análise do limite de exposição para uma resposta relacionada a
carcinogenicidade é operacionalmente análoga. A diferença está no fato de que a linearidade
para as respostas de câncer não é necessariamente presumível. Se, em um caso particular, a
evidência indica um limiar, como no caso onde a carcinogenicidade é um efeito secundário
em relação à outro efeito tóxico que apresenta limiar, a análise do limite de exposição para a
toxicidade é a mesma que aquela realizada para uma resposta de não câncer, e o DRf ou CRf
para esta toxicidade também pode ser estimado e considerado na avaliação de câncer (EPA,
1996).
Para dar sustentação às suposições do gerenciador de risco sobre o limite de
exposição, são utilizadas informações obtidas na avaliação de risco sobre os conhecimentos
do fenômeno que pode estar acontecendo com o decréscimo substancial da dose (exposição)
observado nos dados. O objetivo é fornecer um grande número de informações sobre a
redução do risco que acompanha a diminuição da exposição. É necessário que se atinjam
alguns pontos para que se cumpra este objetivo. São eles (EPA, 1996):
• a inclinação da curva de dose-resposta observada no ponto de partida e suas
incertezas e implicações na redução do risco associada à redução da exposição
(pouca inclinação sugere menos redução que uma inclinação mais pronunciada);
• a natureza da resposta utilizada para avaliação dose-resposta;
5 Conforme viu-se anteriormente, uma rd ou RFA é uma estimativa que compreende, em ordem de magnitude, aexposição diária para uma população humana (incluindo subgrupos sensíveis) onde não ocorram efeitosdeletérios para a saúde durante todo o período de vida. É obtida através dos dados de efeitos, obtidosempiricamente, divididos por fatores de incertezas que levam em consideração as variabilidades entre e intra-espécies, estendidas a dados de todos os resultados de toxicidade de exposições crônicas, e quando possível osdados de exposições subcrônicas
• a natureza e extensão da variabilidade humana na sensibilidade ao fenômeno
envolvido;
• a persistência da substância no corpo;
• a sensibilidade humana ao fenômeno, comparada com a dos animais em
experimentação;
Como uma suposição padrão para dois destes pontos, um fator não menor que 10
vezes pode ser empregado para dar conta da variabilidade humana e das diferenças na
sensibilidade entre as espécies, quando seres humanos podem ser mais sensíveis que animais.
Quando os seres humanos são considerados menos sensíveis que os animais, um fator padrão
não menor que 1/10 pode ser empregado para dar conta desta diferença. Caso exista
disponibilidade de informações sobre a variabilidade humana ou diferença entre as espécies,
estas informações são utilizadas no lugar dos padrões ou para modificá-los, caso seja
apropriado. No caso da análise baseada em estudos com seres humanos, obviamente as
diferenças entre as espécies não serão consideradas. É preciso notar que a relação dose-
resposta e a variabilidade na sensibilidade inter e intra-espécies são independentes. Isto é, a
redução da dose reduz os riscos, mas isto não altera a variabilidade. Para dar suporte a
aceitação do limite de exposição pelo gerenciador de risco, a avaliação leva em consideração
todos os fatores de perigo e dose-resposta juntos; desta forma, os fatores de diferenças inter e
intra-espécies não são considerados sozinhos como números-padrão para a aceitação de um
limite de exposição (EPA, 1996).
III.5.2. Dados de Resposta
Dados de resposta incluem dados obtidos com seres humanos e com estudos em
animais sobre a incidência de tumor, além de dados de outras respostas relacionadas com a
carcinogenicidade da substância, como efeitos nos processos de controle de crescimento
celular ou em macromoléculas celulares ou outros efeitos tóxicos. Dados de incidência de
tumores são geralmente a base da avaliação dose-resposta, entretanto algumas outras
respostas podem enriquecer a avaliação ou fornecer uma avaliação paralela de
carcinogenicidade ou de outro efeito importante (EPA, 1996).
Dados de processos carcinogênicos fundamentados em efeitos tumorais podem ser
usados para dar suporte a modelos biologicamente baseados ou caso-específicos. Existem
outras opções para estes dados. Se existe uma grande confiança na relação entre efeito
precursor e efeito de tumor, a avaliação da incidência do tumor pode ser extrapolada a baixos
níveis de dose através da relação da incidência de tumor com a avaliação do efeito precursor.
Mesmo que uma relação quantitativa não seja apropriada, a avaliação de um efeito precursor
pode fornecer uma idéia da forma da curva de dose-resposta para incidência de tumor
conforme a classificação das observações de tumor. Se respostas outras, que não a incidência
de tumor, forem consideradas como melhores representações da carcinogenicidade da
substância, elas podem ser usadas no lugar das respostas de tumor. Pôr exemplo, se for
concluído que o efeito carcinogênico é secundário a outro efeito tóxico, a relação dose-
resposta para este outro efeito será muito mais pertinente à avaliação de risco. Como outro
exemplo, se a disfunção da atividade hormonal é a chave do modo de ação de uma substância,
os dados da atividade hormonal podem ser usados no lugar dos dados de incidência de tumor
(EPA, 1991).
Caso existam dados de resposta positiva em seres humanos, epidemiologicamente
adequados, eles são capazes de fornecer uma base vantajosa para análise, uma vez que não
ocorreriam problemas com extrapolações inter-espécies. A adequação de dados de exposição
humana para quantificação é uma consideração importante para decidir se os dados
epidemiológicos são a melhor base para análise de um caso em particular. Se existem dados
de exposição adequados, em um estudo epidemiológico bem desenhado e bem conduzido, que
não detectam efeitos, pode ser possível obter uma estimativa do limite superior do risco
potencial para seres humanos para checar a plausibilidade de estimativas existentes baseadas
em tumores em animais ou outras respostas (EPA, 1996)
Quando são utilizados estudos com animais, dados de resposta de uma espécie que
responde de forma mais semelhante aos seres humanos devem ser usados caso existam
informações sobre este efeito. Se isto não for conhecido, e a substância tiver sido testada em
vários experimentos envolvendo diferentes espécies animais, cepa, e sexos em várias doses e
diferentes vias de exposição, todos os conjuntos de dados são considerados e comparados. A
partir daí é realizado um julgamento para decidir qual o dado a ser utilizado para melhor
representar os resultados observados e as importantes características biológicas como o modo
de ação. As opções apropriadas para apresentar os resultados incluem (EPA, 1996) :
• uso de um único conjunto de dados;
• combinação dos dados de diferentes experimentos;
• apresentação dos resultados de análises de mais de uma resposta de tumor
estatisticamente significativa baseada em diferentes modos de ação;
• representação da resposta total em um único experimento, combinando animais
com tumores estatisticamente significativos em mais de um local;
• a combinação de todos estes tópicos.
A abordagem definida como a que melhor representa o dado é apresentada com a
prova do julgamento, incluindo as considerações biológicas e estatísticas envolvidas. A seguir
temos alguns pontos que devem ser considerados (EPA, 1996):
• qualidade do protocolo e da execução do estudo;
• proporção de neoplasias malignas;
• período de latência para o aparecimento da neoplasia;
• número de amostras para definir a relação dose-resposta;
• background de incidência em testes com animais;
• diferenças no conjunto de respostas entre espécies, sexos e cepas;
• maioria de espécies sensitivas;
• disponibilidade de dados que relatam eventos precursores ao desenvolvimento do
tumor.
Análises de efeitos carcinogênicos outros que não a incidência de tumor devem ser
apresentados de forma similar e avaliados segundo suas contribuições para um melhor
julgamento em relação sobre como apresentar um dado biológico para avaliação dose-
resposta.
III.5.3. Dados de Dose
Quando as fontes dos dados utilizados na avaliação dose-resposta são estudos com
animais ou estudos epidemiológicos, algumas questões precisam ser levadas em consideração
para que se possa ter uma medida apropriada da dose para antecipar uma exposição ambiental.
São eles (EPA, 1991):
• se a dose está expressa em concentração ambiental, dose aplicada ou dose presente
no órgão alvo;
• se a dose esta expressa em termos da substância original, um ou mais metabólitos,
ou ambos;
• o impacto do padrão e do tempo de dosagem quando significativos;
• a conversão da dose usada em animais para seres humanos, quando os dados
provêm de estudos com animais;
• a conversão entre as vias de exposição, quando necessária e apropriada.
Na prática, existe pouca ou nenhuma informação sobre a concentração ou identidade
da forma ativa da substância no seu alvo. O ideal, o que raramente acontece, é ser capaz de
comparar a dose aplicada e a que atinge o órgão alvo, em diferentes vias e espécies. Mesmo
assim, o objetivo é usar dados disponíveis para obter a medida mais correta possível da dose
interna ou distribuída (EPA, 1996).
III.5.4. Ajuste da Dose entre Espécies
Quando existem dados adequados, as doses utilizadas em estudos com animais podem
ser ajustadas para doses equivalentes em seres humanos, tendo como base, informações
toxicocinéticas sobre a substância. Os métodos utilizados devem ser moldados segundo a
natureza do dado, devendo ser realizada uma avaliação caso a caso. Em alguns casos raros,
também pode ser possível fazer ajustes baseados em considerações toxicodinâmicas6. Na
maioria dos casos, entretanto, não existem dados suficientes para que se possa fazer a
comparação de doses entre as espécies. Nestas situações, a estimativa da dose equivalente
para seres humanos se baseia em suposições padrões da política científica. Os padrões
descritos abaixo podem ser modificados ou remodelados quando nenhum dado comparativo
de toxicocinética7 ou nenhuma relação metabólica está disponível (EPA, 1996).
Para exposições orais, a suposição padrão é que as doses recebidas se relacionam com
a dose aplicada em função do peso corpóreo. Esta suposição tem como base as similaridade
geralmente encontrada nos mamíferos em relação à anatomia, fisiologia e bioquímica. Esta
suposição é mais apropriada quando se trata de baixas concentrações de dose aplicada, onde
as causas de não linearidade, como a saturação ou indução da atividade enzimática, são mais
difíceis de acontecer. Para estimar uma dose oral equivalente para seres humanos a partir de
dados obtidos com experimentação animal, o procedimento padrão consiste em graduar as
6 É a parte da toxicologia que se ocupa com o estudo sobre o modo como uma substância exógena exerce seusefeitos nos organismos vivos. Os estudos de toxicodinâmica (farmacodinâmica é um sinônimo), tem porobjetivo definir os processos físico-químicos fundamentais que conduzem aos efeitos biológicos observados(IPCS, 1992).7 É a parte da toxicologia que se ocupa em definir, através de medições ou modelagens, a absorção, distribuição,metabolismo e excreção de substâncias exógenas nos sistemas biológicos em função do tempo (EPA, 1989)
doses aplicadas diariamente em um período de vida prolongado com o peso do corpo elevado
a 0,75 (P0,75). Expressar a concentração em partes por milhão (ppm), para comida e água, é
uma versão alternativa para o mesmo procedimento padrão, porque a ingestão diária destes
está em proporção com P0,75. A definição deste fator se baseia em observações empíricas que
demonstram que as taxas dos processos fisiológicos tendem a manter proporção com P0,75.
Quando possível, informações como níveis da substância no sangue, ou provenientes de
biomarcadores de exposição ou outros dados disponíveis para comparação entre espécies, são
utilizadas para melhorar as análises (EPA, 1996).
III.5.5. Análises Toxicocinéticas
Os modelos matemáticos baseados em dados fisiológicos são, potencialmente a forma
mais compreensível para explicar processos toxicocinéticos influenciados pela dose. Os
modelos são construídos sobre modelos de compartimentos fisiológicos e visam incorporar a
dinâmica da perfusão dos tecidos e a cinética das enzimas envolvidas no metabolismo de uma
substância administrada (EPA, 1996).
Para que exista um modelo abrangente, é necessário que se tenha disponibilidade de
dados empíricos na atividade carcinogênica em relação as substâncias originais e seu (s)
metabólito (s), e dados sobre os quais se possa comparar a cinética, o metabolismo e a
eliminação entre as espécies. A discussão sobre a confiança acompanha a apresentação dos
resultados do modelo. Isto inclui considerações sobre a validade e as análises de sensibilidade
que esgotam a performance preditiva do modelo. Quando a medida da dose distribuída em
animais é usada para extrapolação de dados de dose-resposta para seres humanos, é necessário
que se avalie a hipótese de que a toxicodinâmica do tecido alvo será a mesma em ambas as
espécies. Dados de toxicocinética podem melhorar a avaliação dose-resposta explicando os
fatores responsáveis por mudança na proporção entre dose aplicada e dose interna e dose
distribuída. Muitos dos fatores que potencializam a falta de linearidade envolvem saturação
ou indução de processos enzimáticos em situações de dose alta. Uma análise que leva em
consideração a falta de linearidade (por exemplo, devido a cinética de saturação enzimática)
pode auxiliar a evitar a super ou subestimação da resposta de baixas doses, que desta maneira
resultam de extrapolações de uma parte sub ou supralinear da curva experimental de dose-
resposta. Os processos toxicocinéticos tendem a se tornarem lineares em baixas doses, uma
expectativa que é mais robusta que a linearidade da resposta em baixas doses. Relatos
toxicocinéticos de não linearidade levam a uma melhor descrição da forma da curva em níveis
de doses relativamente altas na série de observações, mas não pode determinar linearidade e
não linearidade das respostas em níveis baixos de dose (EPA, 1996).
Os resultados de modelagens toxicocinéticas podem ser apresentados como o método
preferido para estimar a dose equivalente para humano como uma discussão paralela para
suposições padrões, dependendo da confiança relativa da modelagem (EPA, 1996).
III.5.6. Extrapolação Via-a-Via.
Freqüentemente precisam ser realizados julgamentos sobre a carcinogenicidade de
uma substância através de uma via de exposição diferente daquela utilizada em experimentos
selecionados. Por exemplo, a exposição de interesse pode ser a inalatória de uma substância,
que tenha mostrado resultados positivos em estudos de exposição inalatória ocupacional em
seres humanos e que foi primeiramente testado através de estudos de experimentação animal.
A extrapolação via-a-via tem aspecto tanto qualitativo quanto quantitativo. Para o
aspecto qualitativo, o avaliador pesa o quanto um resultado positivo, através de uma via de
exposição em estudos com animais ou seres humanos, é capaz de sustentar o julgamento de
que resultados similares seriam observados em estudos apropriados usando a via de exposição
de interesse. Em geral, a confiança do julgamento é fortalecida quando efeitos de tumor são
observados em um lugar distante da via de penetração e quando a absorção através da via de
exposição de interesse é similar a absorção através das vias testadas. Na ausência de dados
contrários, a suposição qualitativa padrão é que, se a substância é absorvido por uma via e
fornece uma dose interna, ele pode ser carcinogênico por esta via (EPA, 1996).
Mesmo quando a extrapolação qualitativa pode ser sustentada, a extrapolação
quantitativa pode ainda ser problemática na ausência de dados adequados. A diferença dos
processos biológicos entre as vias de exposição (oral, inalatória, dérmica) pode ser maior, por
causa, por exemplo, dos efeitos de primeira passagem e resultados diferentes devido a
diferentes formas de exposição. Na ausência de dados de boa qualidade sobre a substância de
interesse, não existe qualquer método aplicável para dar conta destas diferenças nos processos
de absorção na extrapolação quantitativa via-a-via de dados de dose-resposta. Entretanto, a
extrapolação via-a-via de dados de dose conta com numa análise caso-a-caso dos dados
disponíveis. Quando os dados de boa qualidade da substância são limitados, uma análise de
extrapolação pode ser baseada nas perspectivas das propriedades físicas e químicas da
substância, nas propriedades e dados específicos da via de substâncias estruturalmente
análogas, ou nos dados obtidos in vitro ou in vivo da substância. Modelos via-a-via de
absorção podem ser aplicados, se os parâmetros deste modelo forem apropriados para a
substância de interesse. Estes modelos são freqüentemente considerados métodos
“intermediários”, e o seu desenvolvimento mais aprofundado bem como a sua validação
aguarda o desenvolvimento de dados mais extensivos. Para o screening da classificação do
perigo, a extrapolação via-a-via deve se basear na comparabilidade quantitativa assumida
como um padrão, tanto como é racional assumir a absorção em vias comparadas. Quando a
extrapolação via-a-via é utilizada, o grau de confiança do avaliador tanto na extrapolação
qualitativa, quanto quantitativa precisa ser discutida na avaliação e evidenciada na
caracterização da dose-resposta (EPA, 1996).
III.5.7. Cálculo da Média de Dose.
A dose recebida cumulativa no período de vida, expressa como dose diária média, é
usualmente considerada a medida padrão apropriada para exposição a carcinogênicos. Existe
a suposição de que a alta dose de um carcinogênico recebida em um curto período de tempo é
equivalente a uma dose baixa durante todo o período de vida. Tendo em vista que esta dose é
uma suposição padrão baseada em considerações teóricas, são esperadas algumas alterações.
Em alguns casos, outras abordagens são necessárias, como quando são notados efeitos
proporcionais à dose (ex. formaldeído). A dose cumulativa pode ser substituída
apropriadamente e justificadamente pelos dados, por outras medidas de doses. Em alguns
casos, modificações nas suposições padrão são feitas para dar conta destes efeitos (EPA,
1996).
Nos casos onde o modo de ação ou outras características biológicas que tenham sido
identificadas representem implicações especiais na dose para populações sensíveis (ex.
diferentes efeitos por sexo ou impactos desproporcionais da exposição no início da vida),
estes são explicados e registrados na avaliação da exposição e caracterização do risco.
Problemas especiais surgem quando a situação de exposição humana sugere regimentos de
exposição (ex. relação com dose e via) que são substancialmente diferentes daqueles
utilizados nos experimentos com animais. Estas questões são exploradas e colocadas como
ponto de atenção na avaliação da exposição e caracterização do risco (EPA, 1996).
III.5.8. Discussão das Incertezas
A exploração de incertezas significativas nos dados de dose e repostas e nos
procedimentos de extrapolação faz parte da avaliação. Existe uma diferença entre incerteza de
modelo e incerteza dos parâmetros. Incerteza do modelo é aquela sobre uma questão biológica
básica. Por exemplo, como padrão, a extrapolação linear dose-resposta deve ser feita baseada
em tumor ou outra evidência que sustente o fato de que o modelo para o modo de ação da
substância é um processo reativo do DNA. A discussão sobre a confiança na extrapolação é
feita apropriadamente de forma qualitativa ou mostrando os resultados para alternativas que
são igualmente plausíveis. Não é usual, por exemplo, conduzir uma análise de incerteza
quantitativa usando formas múltiplas de modelos lineares (EPA, 1996)
As incertezas dos parâmetros relacionam-se às representações estatísticas dos
números, ou medidas analíticas da variância, ou erros nos dados ou estimativas. Incertezas
nos parâmetros são descritas quantitativamente, caso seja possível, através de análises de
sensibilidade e análises de incertezas estatísticas. Com a recente expansão da capacidade
disponível nos computadores, os métodos computacionais estão sendo adaptados para criar
dados biológicos simulados que são comparados com informações observadas. Estas
simulações podem ser usadas para análise de sensibilidade, por exemplo, para analisar até que
ponto, possíveis variações nos dados observados poderiam afetar as estimativas de dose-
respostas. Estas simulações também podem fornecer informações e sobre incertezas
experimentais, incluindo a distribuição das estimativas que são compatíveis com os dados
observados. Pelo fato destas simulações estarem baseadas em dados observados, elas não são
capazes de avaliar a possibilidade de que estes dados, observados como um todo, são devidos
à idiossincrasias e não típicos de uma situação real. Se não é possível realizar uma análise
quantitativa, as incertezas significativas dos parâmetros são descritas qualitativamente. Em
qualquer dos casos, a discussão evidencia incertezas que são específicas da substância
avaliada, diferentemente daqueles que são genéricos na maioria das avaliações (EPA, 1996).
A estimativa da dose aplicada em estudos com seres humanos apresenta numerosas
incertezas como as variações da exposição em seres humanos, quando comparada com a
exposição controlada que os animais recebem no teste. Em um estudo de coorte prospectivo,
existe a possibilidade de monitorar a exposição e o modelo de atividade humana em um
período de tempo que dá suporte a uma dose aplicada. Em um estudo retrospectivo, a
exposição deveria ser baseada em dados de monitoramento ambiental mas, geralmente é
baseada em modelos de atividade humana e reconstrução de níveis a partir de dados
históricos, dados contemporâneos, ou a combinação de ambos. Cada reconstrução é
acompanhada da análise das incertezas levadas em consideração através de análises de
sensibilidade na estimativa de dose. Estas incertezas também podem ser avaliadas para algum
fator de confundimento envolvido no ajuste quantitativo de dados de dose-resposta (EPA,
1996).
III.5.9. Caracterização Técnica da Dose-Resposta.
Assim como na caracterização do perigo, a caracterização da dose-resposta tem por
objetivo apresentar a caracterização técnica da avaliação dos resultados e dar suporte à
caracterização do risco (EPA, 1996).
A caracterização apresenta os resultados de análises de dados de dose, de dados de
respostas e dados de dose-resposta. Quando abordagens alternativas são plausíveis e
convincentes para selecionar dados de dose, dados de respostas, ou procedimentos de
extrapolação, a caracterização segue o caminho alternativo da análise e apresenta os
resultados. A discussão abrange as questões sobre a possibilidade de uma abordagem ser
preferida em relação a outra, porque ela (ou elas) representa de forma melhor os dados
disponíveis ou correspondentes, do ponto de vista do mecanismo de ação desenvolvido na
avaliação do perigo. Os resultados para diferentes tipos de tumor relacionados com sexo e
espécies, são fornecidos juntamente com aqueles preferidos. Similarmente, se forem
apropriados, resultados para outras respostas, que não a incidência de tumor, são mostrados
(EPA, 1996).
Estimativas numéricas de dose-resposta são apresentadas como uma figura
significativa. Números são qualificados como se eles representassem uma tendência central
ou limite superior e se o método usado é mais recomendado para super ou subestimar (EPA,
1996).
Em casos onde as diferenças no modo de ação, ou em outra característica biológica,
sejam capazes de provocar diferenças no efeito de uma substância química, em uma situação
de exposição (como por exemplo sexo ou diferença de sensibilidade de subpopulações), estas
devem ser descritas e explicadas. Similarmente, não é descrita nenhuma perspectiva de que
altas doses de exposição podem alterar a figura do risco para alguma parte da população.
Estas e outras perspectivas são relatadas no guia de avaliação de exposição e caracterização
do risco (EPA, 1996).
A análise das incertezas, se possível qualitativa e quantitativa, é evidenciada nesta
caracterização (EPA, 1996).
A caracterização da dose-resposta rotineiramente inclui (EPA, 1996):
• identificação dos tipos de dados disponíveis para avaliação de dose-resposta;
• resultados de avaliação;
• discussão das implicações da variabilidade na suscetibilidade humana, incluindo
susceptibilidade de subpopulações;
• aplicabilidade dos resultados em diferentes cenários de exposição, vias de
exposição, taxa de dose, freqüência e duração;
• discussão das contribuições e limitações (incertezas) dos dados e análises que são,
tanto qualitativas, quanto quantitativas; e
• questões especiais relacionadas à interpretação dos dados como:
∗ seleção dos dados de dose, dados de respostas e abordagens dose-resposta;
∗ uso de metanálises;
∗ análise quantitativa das incertezas.
III.6. Avaliação Dose-Resposta: Resumo
Para substâncias que não mostram propriedades carcinogênicas ou para os efeitos não
carcinogênicos dos carcinógenos, a avaliação de dose-resposta consiste em descrever as
relações entre dose e resposta observada e identificar os NOELs experimentais. Os NOELs
podem ser usados para estabelecer DRf ou para caracterizar o tipo de risco.
Para as substâncias carcinogênicas, se aplicam diversos modelos para projetar a curva
de dose-resposta a partir de uma linha de dose-resposta observada até a nível de doses
humanas esperadas. Depois de estimar a dose humana conhecida ou esperada, se pode
caracterizar o risco do carcinógeno. Ainda que os modelos em uso fornecem uma variedade
de relações dose-resposta, é muito provável que as projeções dos modelos mais protetores não
subestimem o risco, ao menos para os animais experimentais. Nenhum dos modelos inclui um
nível de tolerância. Em alguns casos, existem dados sobre dose-resposta em estudos
epidemiológicos e podem ser usados no lugar da informação sobre animais para a
extrapolação em doses baixa.
CAPÍTULO IV - AVALIAÇÃO DE EXPOSIÇÃO
IV.1. Introdução
As medições e estimativas da exposição de seres humanos em contato com substâncias
químicas, associadas com as apropriadas suposições acerca dos efeitos à saúde, constituem
um método padrão utilizado para determinar os níveis de exposições de determinadas
populações sob determinadas condições (Quadro IV.1). A exposição é definida como o
contato que uma pessoa tem à uma ou mais agentes (químicos, físicos e biológicos) ao nível
dos limites exteriores do seu organismo durante um período de tempo. A avaliação da
exposição envolve a determinação ou estimativa da magnitude, da freqüência, da duração e a
identificação das vias de exposição (Quadro IV.2). Seu objetivo é fornecer subsídios para a
proteção e a promoção da saúde pública (EPA, 1991).
IV.2. Aspectos Gerais da Avaliação de Exposição
A avaliação de exposição em humanos inclui a estimativa da quantidade de pessoas
expostas e a magnitude, duração e tempo da exposição. Nesta etapa os diversos aspectos que
contribuem para que determinados grupos populacionais se encontrem expostos aos perigos
da exposição à determinadas substâncias devem ser considerados na avaliação (Quadro
IV.3). Em alguns casos, é claramente mais rápido medir diretamente a exposição em
humanos, seja medindo os níveis das substâncias perigosas no meio ambiente ou utilizando
monitores pessoais. Entretanto, na maioria dos casos se necessita de um conhecimento
detalhado dos fatores que contribuem para a exposição humana, incluindo aqueles que
determinam o comportamento da substância depois de ter penetrado no meio ambiente. São
necessárias as seguintes informações para este tipo de avaliação da exposição (EPA, 1991 e
1996b; Sexton et al., 1996):
• os fatores que contribuem para as substâncias atinjam o meio ambiente e suas formas
de penetração no mesmo;
• as quantidades da substância que são emitidas ou descarregadas, assim como a
localização e o período em que isto ocorre;
• os fatores que contribuem para o destino e transporte da substância no ambiente
depois de ser liberada, incluindo os fatores que contribuem para sua persistência e degradação
(os produtos da degradação podem ser mais ou menos tóxicos que a substância original);
• os fatores que contribuem para o contato humano com a substância, incluindo o
tamanho e a distribuição de populações humanas vulneráveis e as atividades que facilitam ou
previnam o contato;
• a incorporação da substância em humanos.
A quantidade de informação disponível para cada um dos ítens anteriormente citados
varia bastante em cada caso, sendo difícil analisá-la em termos gerais. Para algumas
substâncias, há informação bastante detalhada sobre as fontes de liberação para o meio
ambiente e sobre os fatores que contribuem para as quantidades liberadas. Para outras há um
conhecimento muito limitado dos fatores que controlam a dispersão e o destino depois da
emissão. Freqüentemente é difícil medir o transporte e a degradação no meio ambiente, dado
sua complexidade, de modo que é mais comum confiar nos modelos matemáticos dos
processos físico-químicos básicos, suplementados com estudos experimentais levados a cabo
sob condições simplificadas. Tais modelos tem sido desenvolvidos minuciosamente para
radiosótopos, mas não se desenvolveu profundamente para outros agentes físicos e químicos
(EPA, 1991 e 1996b).
A toxicologia e a epidemiologia são os principais componentes da avaliação da
exposição, que se encontra ainda em uma etapa muito primária de desenvolvimento. Exceto
em circunstâncias afortunadas, nas quais o comportamento de uma substância no ambiente
seja simples, o que não é comum, as incertezas que surgem das avaliações da exposição são,
freqüentemente, tão grandes quanto aquelas que surgem nas avaliações inerentes a toxicidade.
Algumas questões orientam a avaliação da exposição em seres humanos, tais como
(Quadro IV.4) (EPA/OPAS, 1996)
• Onde se encontra a substância?
• Como as pessoas se encontram expostas?
• Quais são as vias de exposição?
• Qual o grau de absorção pelas diversas vias de exposição?
• Quem está exposto?
• Há grupos de alto risco?
• Qual a magnitude, duração e freqüência da exposição?
Estas questões se baseiam em algumas suposições sobre a exposição, as quais a
avaliação de exposição tem por objetivo examinar. São elas (Quadro IV.5) (OPS/EPA,
1996):
• Examinar o grau e a freqüência da exposição de seres humanos considerando:
⇒ quanto?
⇒ com que freqüência?
⇒ com que certeza?
• Qual o método ou instrumento disponível para a avaliação: modelos ou
monitoramento;
• Identificar o número de pessoas expostas;
• Calcular o grau de absorção por diversas vias de exposição;
• Tomar como referência para a avaliação o padrão médio dos indivíduos e os grupos
de alto risco.
As informações sobre exposição são avaliadas considerando-se situações (cenários)
possíveis de exposição e diversas suposições sobre a absorção de substâncias em seres
humanos. São avaliados dois tipos de cenários para abordar a margem de possíveis
exposições, ou seja (Quadro IV.6) (OPS/EPA, 1996):
1. caso de tendência central;
2. caso extremo.
Todo este processo, até chegar aos dois tipos de cenários que devem ser avaliados, tem
como procedimento o levantamento de informações e análise das mesmas de acordo com as
seguintes etapas (Quadro IV.7) (OPS/EPA, 1996):
• monitoramento ambiental e análise dos dados;
• destino e transporte das substâncias;
• cálculo da dose;
• populações expostas.
A estas informações, uma vez trabalhadas e analisadas sucedem:
• caracterização de riscos;
• caracterização das incertezas.
IV.3. Monitoramento e Análise de Dados
Nesta etapa, os dados são organizados segundo (Quadro IV.8) (OPS/EPA, 1996):
• componente ambiental (meio);
• situação determinada (cenário);
• período.
Na análise da informação sempre deve-se considerar (Quadro IV.9) (OPS/EPA,
1996):
• a qualidade dos dados disponíveis;
• as rotas ambientais de exposição (ar, água, solo, cadeia alimentar)
• a distribuição das freqüências de exposição;
• as concentrações de níveis basais.
Os níveis basais podem ser definidos como (Quadro IV.10) (OPS/EPA, 1996):
• as concentrações em áreas remotas não contaminadas;
• as concentrações causadas por fontes de caráter regional, mais não aquelas de tipo
local;
• qualquer concentração de áreas vizinhas.
Os dados disponíveis sobre a exposição e cálculos das doses devem ser resumidos para
a exposição crônica e a exposição aguda (Quadro IV.11) (OPS/EPA, 1996).
Os resultados são resumidos e caracterizados para determinar a necessidade de
(Quadro IV.12) (OPS/EPA, 1996):
• amostra de outras substâncias;
• séries adicionais de amostras;
• locais adicionais;
• técnicas analíticas específicas.
IV.4. Destino e Transporte de Substâncias
De um modo geral, as substâncias químicas emitidas ao ambiente são transportadas de
um meio para outros (água, solo, ar, biota e sedimentos)(Quadro IV.13). Para que este
transporte ocorra, existem diversos mecanismos, tais como (Quadro IV.14) (OPS/EPA,
1996):
• volatilização;
• escorrimento superficial/erosão;
• depósito seco e úmido;
• lixiviação/transporte por água subterrânea;
• transporte por água superficial/ressuspensão e depósito em sedimentos;
• bioacumulação.
Além dos processos de transporte, existem também os de transformação das
substâncias, tais como (Quadro IV.15) (OPS/EPA, 1996):
• hidrólise/fotólise;
• oxidação/redução;
• biodegradação;
• reações de precipitação;
• metilação/alquilação.
Diversos fatores contribuem para ambos os processos, transporte e transformação. No
que se refere as substâncias os fatores são (Quadro IV.16) (OPS/EPA, 1996):
• estado físico;
• solubilidade;
• pressão de vapor (volatilidade);
• constante ionização;
• reatividade química;
• tamanho das partículas;
• coeficiente de repartição;
• biodegradabilidade;
• adsorção à particulas ou solos;
• sedimentação;
• tamanho molecular;
• interação com outras substâncias.
No que se refere ao meio ambiente os fatores são (Quadro IV.16) (OPS/EPA, 1996):
• temperatura;
• quantidade de oxigênio;
• radiação UV;
• pH;
• intensidade lumínica (fotólise);
• ação microbiana;
• degradação química (hidrólise, oxidação).
Os mecanismos que contribuem para o destino e transporte de substâncias de um meio
para outro são (Quadro IV.17) (OPS/EPA, 1996):
• ar (fotólise, reações com OH; reações com o ozônio, outras reações);
• água (hidrólise, fotólise, oxidação/redução; biodegradação);
• solo (fotólise; hidrólise, biodegradação; oxidação/redução);
• biota (bioacumulação; metabolismo);
• sedimento (hidrólise; degradação microbiana; oxidação/redução).
IV.5. Cálculo da Dose
O cálculo da dose absorvida se dá a partir da dose potencial. A dose potencial
(Quadro IV.18) corresponde a quantidade de uma substância contida no material ingerido, no
ar respirado ou no material que entra em contato com a pele. Já a dose interna ou dose
absorvida corresponde a quantidade de uma substância que atravessa, por meio de
mecanismos físicos ou químicos, uma barreira de absorção (limite de intercâmbio) de um
organismo. As etapas para o cálculo da exposição são (Quadro IV.19) (OPS/EPA, 1996):
1. medição das concentrações ambientais da substância;
2. identificação da rota ambiental de exposição;
3. estabelecimento de um padrão local da duração e freqüência do contato dos seres
humanos com o meio (água, ar, solo, etc.) contaminado;
4. conhecimento da taxa de absorção para cada via de exposição;
5. identificação de quais as vias de exposição em que está ocorrendo o ingresso da
substância;
6. assumir os valores padrões para estimar o contato e o ingresso da substância no
meio contaminado no organismo (2 L de água/dia, 23 m3 de ar/dia, etc.)
7. aplicar as equações para estimar a dose diária.
O seguimento destas etapas permitirá que possa se empregar a equação para a dose em
estado estável, sendo esta o cálculo da dose absorvida a partir da dose potencial (Quadro
IV.20).
C x TI x DEDose Potencial =
PC x PT
Dose Absorvida = Dose Potencial x FA
Em que:
C: concentração da substância no meio ambiente;
DE: duração da exposição;
PC: peso corporal;
FA: fração da dose potencial que é absorvida;
TI: taxa de ingresso;
PT: ponderação temporal.
As fórmulas para o cálculo da dose de exposição são (Quadro IV.21) (OPS/EPA,1996):
C x TI x TA x DEDose (mg/kg/dia) =
PC
Em que:
C = concentração da substância no meio ambiente (mg/m3, mg/l, mg/kg, etc);
TI = taxa de ingresso no organismo da substância ou material contaminado (m3 de ar
por dia, litros de água por dia, gramas de alimentos por dia, gramas de terra por dia,
etc.);
TA = taxa de absorção expressa em % (0, 20; 0,50; etc);
DE = duração da exposição em horas, caso o cálculo seja para um dia; podendo ser
também em dias, meses, anos, etc.
PC = peso corporal, em quilos
C x TI x TA DEDose = X
PC PTEm que:
DE = número de dias em que a exposição realmente ocorreu;
PT = ponderação temporal, habitualmente é o total de dias do período no qual as
exposições intermitentes ocorreram.
Os fatores médios de exposição por inalação são (QuadroIV.22) (OPS/EPA, 1996):
• adultos - repouso = 0,5 m3/h
- atividade moderadas = 2,1 m3/h
• crianças - repouso = 0,4 m3/h
- atividade moderada = 2,0 m3/h
Entretanto, quando se desconhecem os padrões de atividade, se recomenda que se
utilize 20 m3/dia como ingresso médios.
Para a ingestão, as unidades de exposição são (Quadro IV.23) (OPS/EPA, 1996):
DE: subcrônica/crônica = sucedem ou dias/dias durante a vida ou 365 dias/ano x
ano/tempo de vida.
TI: litros/dia, grama/dia, etc.
C: mg/l (água), mg/kg (alimento) mg/kg (terra).
A ponderação temporal (PT) deve ser nas mesmas unidades que DE, ou seja, para:
• efeitos agudos: PT = 1 dia;
• câncer: PT = 70 anos;
• efeitos crônicos não cancerígenos PT = DE
É importante salientar que variáveis tais como C, TI e PC variam com o tempo,
possuindo uma dependência temporal. As constantes ponderadas de acordo com a duração da
exposição simplificam a análise e podem proporcionar estimações adequadas da exposição e
da dose (Quadro IV.24) (OPS/EPA, 1996).
Na avaliação da exposição se utiliza tanto a tendência central como a tendência de
extremo superior. Na exposição de tendência central se utiliza para o cálculo da dose média
experimentada os valores médios ou mediana de concentrações da substância no meio
ambiente. Os parâmetros para a exposição de tendência central utilizados geralmente são
(Quadro IV.25) (OPS/EPA, 1996):
• inalação do ar = 20 m3 por dia;
• ingestão de água potável:
- crianças = 1 litro de água por dia;
- adultos = 1,4 litros de água por dia;
• duração da exposição = 9 anos;
• peso corporal:
- crianças = 15 kg;
- adultos = 70 kg.
Os parâmetros para a exposição de tendência de extremo superior utilizados
geralmente são (Quadro IV.26) (OPS/EPA, 1996):
• inalação do ar = 30 m3 por dia;
• ingestão de água potável:
- crianças = 1 litro de água por dia;
- adultos = 2 litros de água por dia;
• duração da exposição = 30 anos;
• peso corporal:
- crianças = 15 kg;
- adultos = 70 kg.
IV.6. Populações Expostas
No que se refere as populações expostas, a avaliação da exposição fundamentalmente
considera (RA, 1996EPA, 1996b):
• a população exposta que tenha sido, esteja sendo ou possa ser exposta às
substâncias químicas no meio ambiente;
• o conjunto de atividades pelas quais a população é exposta, sendo isto denominado
de cenários de exposição.
As populações expostas, real ou potencialmente, à substâncias químicas no meio
ambiente podem ser definidas de diversos modos. Uma das abordagens mais diretas é a
geográfica. Nesta abordagem, por exemplo, se considera como população exposta, todas as
pessoas vivendo próximas a uma área de uma fonte de descarga de substâncias no rio,
levando-se em consideração as variáveis de fluxo de água, direcionamento, proximidade e
uso da água deste rio, direta ou indiretamente, pôr uma determinada população. Outros
exemplos referem-se a exposição de trabalhadores à uma ou mais substâncias em uma
indústria específica. Na verdade, tais exemplos apontam para populações com potencial de
exposição (RA, 1996; EPA, 1996b), cujas condições ambientais e as características físico-
químicas das substâncias ou misturas, são fundamentais para a definição do nível de
exposição ambiental/ocupacional.
Uma população definida como exposta pode ser muito heterogênea, possuindo
indivíduos ou grupos de indivíduos bastante diferentes. Os membros de uma população
podem variar demograficamente (idade, etnicidade, status nutricional, etc) e em termos de
fatores mais específicos que influenciam a probabilidade de aumentar a exposição em uma
dada situação de contaminação. Por exemplo, crianças que costumam brincar com terra em
uma área contaminada podem ter modos e níveis exposições muito diferentes, do que adultos
residindo na mesma área ou ainda na mesma casa (RA, 1996; EPA, 1996b). Para a
identificação das populações e sub-populações expostas quatro fatores devem ser
considerados, pois contribuirão para determinar suas especificidades. São eles (Quadro
IV.27)(OPS/EPA, 1996):
• localização;
• demografia;
• atividades;
• condições saúde/doença.
Para os subgrupos de populações potencialmente expostas, padrões diferenciados
podem ser definidos em dois conjuntos de características:
• características inerentes da população: exposição e riscos descrevem fatores
inerentes a população (ex: peso do corpo). Podem haver variações consideráveis
entre populações nestas características inerentes, assim como considerável
diferenças no peso corporal de adultos e crianças;
• características da população que afetam cenários específicos de exposição:
descrevem diferenças entre atividades e membros de uma mesma população.
Alguns grupos, por exemplo, podem dispender mais tempo em áreas contaminadas
ou comer mais peixes locais contaminados.
Ambos os tipos de variação devem ser consideradas na definição de uma população
exposta.
O processo de especificação de um conjunto de substâncias químicas e suas
concentrações em um ou mais meios ambientais define a população potencialmente exposta.
As concentrações de substâncias químicas geralmente irão refletir uma área particular no
espaço e no tempo e a população com o potencial de exposição das pessoas que estão na
mesma área. Para objetivos práticos de estimativa de exposição, entretanto, é mais útil
subdividir a população geral em subgrupos com padrões similares de exposição. As
características básicas de uma população (altura, peso, etc.) tendem a ter grande influência na
exposição, a despeito do cenário de exposição. Em parte, isto reflete fundamentalmente a
biologia, mas também reflete as medidas de exposição que são geralmente adotadas na
avaliação de riscos. Estes fatores são peso do corpo, tempo de vida, período de exposição, etc
(RA, 1996; EPA, 1996b).
No que se refere ao peso do corpo, para muitas substâncias para as quais efeitos
tóxicos específicos tem sido identificados, a dose (quantidade de uma substância por unidade
do peso do corpo) tem provado ser o indicar de exposição mais comum do que a quantidade
recebida. Isto se encontra de acordo com a experiência geral, por exemplo dos efeitos do
álcool ou de medicamentos (RA, 1996; EPA, 1996b).
Quando outros fatores são similares (e raramente são), a exposição à uma substância
química no meio ambiente será inversamente proporcional ao peso do corpo, ou seja uma
pessoa de baixa estatura e pouco peso recebe uma dose maior, no mesmo contexto, do que
outras de maior estatura e maior peso. Este efeito é de grande importância quando comparado
com exposições de crianças em relação à adultos. O valor do peso do corpo é o peso médio
do corpo sobre o período de exposição. Se a exposição ocorre somente durante os anos da
infância, o peso médio do corpo de uma criança deve ser utilizado como parâmetro durante o
período de exposição considerado (15 kg para crianças de1 à 6 anos ou 16 kg) (RA, 1996;
EPA, 1996b).
O tempo de vida para a exposição tem sido considerado como uma variável
importante, sendo o resultado de uma abordagem que a comunidade científica tem tomado
para avaliar o risco de câncer, ou mais especificamente, para especificar os perigos relativos
de substâncias químicas carcinogênicas. O pressuposto subjacente é que a dose sobre o
período de vida total é uma variável crítica para carcinogênicos, assim como as breves e
intensas exposições podem ser consideradas equivalentes para pequenas exposições que
duram por um período de tempo mais longo. Em muitos casos, isto não é realístico (uma
breve e intensa exposição pode ser pior do que uma longa exposição à baixos níveis), porém a
pressuposição tem sido considerada razoável para uma ampla gama de durações de
exposições (RA, 1996; EPA, 1996b).
O período de exposição pode ser considerado como a extensão do período de tempo
que uma população atualmente ou potencialmente exposta permanece na área contaminada
ou, alternativamente, o período de tempo que a área permaneceu contaminada. O período de
exposição é utilizado em combinação com o período de vida, para ajustar a dose atualmente
recebida para um período de vida equivalente de exposição à uma dose na avaliação de risco
(RA, 1996; EPA, 1996b).
As populações de um país, estado, cidade, localidade ou área de trabalho (urbana,
industrial, rural, agrícola) podem ser completamente heterogêneas em muitos aspectos.
Pessoas que vivem em uma região mais quente, por exemplo, podem dispender
significativamente mais tempo fora de casa ou viver em habitações com mais trocas de ar.
Pessoas de diferentes bases étnicas ou culturais podem possuir diferenças significantes na
dieta, uma distinção que se aplica também as populações urbanas e rurais. A ordem de
variáveis que influenciam as exposições em uma determinada área podem ser bastante
grandes. De qualquer modo, cada avaliação de exposição deve considerar a possibilidade de
uma população exposta conter subgrupos que serão particularmente sensíveis aos efeitos
tóxicos de uma dada substância (RA, 1996; EPA, 1996b).
Populações sensíveis podem tomar diversas números de formas. Crianças representam
um exemplo óbvio, assim como aquelas que possuem determinadas condições de saúde pré-
existentes que podem contribuir para diminuir sua habilidade para tolerar a exposição à uma
determinada dose, como idosos, por exemplo. A presença de escolas, hospitais e asilos na
área de contaminação, por exemplo, servem como indicador da potencial presença destas sub-
populações sensíveis (RA, 1996; EPA, 1996b)
Outras sub-populações sensíveis podem ser menos óbvias. Exposições prévias ou
atuais à uma substância química, por exemplo, podem aumentar os impactos que resultam da
exposição à uma fonte particular que está sendo investigada. Um mecanismo pelo qual isto
podem ocorrer é a bioacumulação. Assim, a história de uma exposição prévia à cádmio, o
qual tem uma meia via extremamente grande no corpo, pode marcar uma população como
uma sub-população sensível para subsequente exposições à cádmio. Outra fonte potencial é o
sinergismo. Algumas substâncias são conhecidas por afetar a função do fígado de um modo
que diminui ou aumenta a produção de metabólitos tóxicos para determinadas substâncias
(RA, 1996; EPA, 1996b).
Além das diferenças básicas entre o peso do corpo ou tempo de moradia ou trabalho
em uma área determinada, existem algumas diferenças nas populações que afetarão os
cenários específicos de exposição. Por exemplo, algumas populações raramente consomem
peixes frescos, enquanto outras consomem mais peixes do que a quantidade média geralmente
consumida pela população. Outras populações podem consumir grande quantidade de
vegetais. Assim, estas populações diferem no que diz respeito aos cenários específicos de
freqüência de exposição, duração e taxas de ingestão oral. A seleção das populações
específicas não somente influenciam os parâmetros gerais apresentados, mais também os
cenários de exposição. (RA, 1996; EPA, 1996b).
IV.7. Resumo: Avaliação de Exposição
Conforme pode-se observar, a avaliação de exposição constitui um método padrão
utilizado para determinar os níveis de exposições de determinadas populações através de
medições e estimativas da exposição que, associadas com as apropriadas suposições acerca
dos modos e vias de exposição sob determinadas condições, bem como sobre os efeitos à
saúde. Objetiva determinar ou estimar a magnitude, a freqüência, a duração e a identificação
das vias de exposição, de modo a fornecer subsídios para a proteção e a promoção da saúde
pública. Suas etapas básicas são constituídas pelo monitoramento e análise dos dados,
visando estabelecer medidas das das concentrações ambientais da substância; pela
identificação da rota ambiental de exposição; pela determinação do destino e transporte das
substâncias; pelo estabelecimento da duração e freqüência do contato dos seres humanos com
o meio (água, ar, solo, etc.) contaminado e pelo conhecimento da taxa de absorção para cada
via de exposição para cálculo das doses; pela identificação das populações e sub-populações
expostas.
CAPÍTULO V - CARACTERIZAÇÃO DE RISCO
V.1. Introdução
O processo de caracterização do risco inclui uma análise integrada dos resultados mais
importantes da avaliação de risco. A análise integrada reúne as informações das etapas de
identificação de perigo, da avaliação da relação dose-resposta e da avaliação de exposição,
para fazer estimativas do risco para os cenários de exposição de interesse. Seu objetivo é
fornecer um relato dos objetivos, do alcance e nível de detalhamento dos resultados e da
abordagem utilizada na avaliação, identificando o(s) cenário(s) de exposição utilizado(s).
Estima a distribuição da exposição entre os membros da população exposta tanto quanto os
dados permitem e identifica e compara a contribuição de diferentes fontes, vias e modelos de
exposição. As estimativas de magnitude, duração e freqüência são incluídas com os resultados
de modelos, monitoramentos disponíveis ou outros permitidos pelo método. As forças e
limitações (incertezas) dos dados e dos métodos de estimativa são expostas de forma clara
(EPA, 1991 e 1996a). Ao final, apresenta um perfil qualitativo e/ou quantitativo do excesso
de risco em seres humanos provocados pela exposição as substâncias tóxicas (Quadro V.1).
Seus objetivos são (Quadro V.2) (EPA, 1991):
• integrar e resumir a identificação do perigo, a avaliação da relação dose-resposta e a
avaliação de exposição;
• desenvolver estimativas de riscos para a saúde pública;
• desenvolver um marco para definir o significado do risco;
• apresentar as suposições, incertezas e juízos científicos.
V.2. Aplicação da Caracterização do Risco
A caracterização do risco é uma parte necessária na geração de qualquer relatório
sobre risco, uma vez que o relatório é usado de forma preliminar para dar suporte à alocação
de recursos para estudos mais avançados ou dar suporte às decisões reguladoras. No primeiro
caso, os detalhes e a sofisticação da caracterização são apropriadamente pequenos, enquanto
que no último devem ser mais extensos. Mesmo que um documento cubra somente algumas
partes da avaliação de risco (por exemplo análise do perigo e da dose-resposta), os seus
resultados devem ser caracterizados.
A avaliação de risco é um processo interativo que cresce em profundidade e alcance em
diversos estágios que buscam estabelecer prioridades, realizar estimativas preliminares e
examinar a situação do modo mais completo possível para dar suporte à tomada de decisões
regulamentadoras. Considerações padrões são utilizadas em todos os estágios, apesar de se
considerar o fato de que nenhuma base de dados é sempre completa. Uma vez conhecido o
espectro de prioridades e de problemas, bem como o alcance e a profundidade das avaliações,
nem todas as caracterizações do risco podem ou devem ser iguais. O avaliador de risco
precisa decidir cuidadosamente quais questões, em particular, são importantes para serem
apresentadas, selecionando aquelas que são dignas de atenção pelo seu impacto nos
resultados. Por exemplo, avaliações de efeito à saúde contam tipicamente com dados de
animais uma vez que os dados de seres humanos raramente são disponíveis. O objetivo da
caracterização do uso de dados de animais não é dar conta das questões genéricas sobre
interpretação e uso de dados de animais. Pelo contrário, o objetivo é evidenciar qualquer
questão significativa que tenha sido levantada dentro da avaliação que esta sendo
caracterizada e informar o leitor sobre o significado das incertezas que afeta as conclusões.
V.3. Procedimentos Para Caracterizar os Riscos
Os procedimentos básicos para caracterizar os riscos são (OPS/EPA, 1996):
• apresentar os procedimentos para estimar o risco mediante a combinação do cálculo
da dose com os dados sobre dose-resposta;
• analisar a somatória de riscos;
• apresentar os descritores de risco;
• assinalar as incertezas.
Para as substâncias não carcinogênicas os procedimentos são (Quadro V.3)
(OPS/EPA, 1996):
1. Comparar a exposição atual com a DRf ou IDA (índice de perigo - IP):
Exposição Medida (mg/kg-peso/dia)IP =
DRf ou IDA (mg/kg-peso/dia)
2. Estimar a margem de exposição (ME):
NOAEL (estudo crítico)ME =
Exposição Medida
Para substâncias carcinogênicas os procedimentos são (Quadro V.3) (OPS/EPA,
1996):
1. conhecer a “unidade de risco” e a “unidade de dose” para a substância;
2. estimar o excesso de risco individual para toda a vida:
unidade de dose x exposição atual (dose medida)
unidade de risco x concentração atual da substância no ambiente
3. Estimar o risco de cancêr na população:
risco individual x população exposta
Estes procedimentos são também acompanhados de uma descrição qualitativa do
risco.
O estimado para a “unidade de risco” para uma substância carcinogênica presente no
ar se define como o risco de contrair cancêr durante todo o período de vida que se apresenta
em uma população na qual todos os indivíduos estão continuamente expostos, desde o
nascimento até o final de sua vida, à uma concentração da substância de 1 µg/m3 no ar que
respiram (OPS/EPA, 1996).
O estimado para a “unidade de risco” para uma substância carcinogênica presente na
água se define como o risco de contrair cancêr durante todo o período de vida que se
apresenta em uma população na qual todos os indivíduos estão continuamente expostos, desde
o nascimento até o final de sua vida, à uma concentração da substância de 1 µg/m3 na água
que bebem (OPS/EPA, 1996).
Os estimados nas unidades de riscos se utilizam com dois objetivos:
• comparar várias substâncias entre si, em termos de potência carcinogênica;
• dar uma indicação geral dos riscos para a saúde humana que poderiam estar
associados com a exposição à estas substâncias, caso se conheçam as exposições reais.
O cálculo do risco individual de cancêr é realizado do seguinte modo (Quadro V.4)
(OPS/EPA, 1996):
• potência da substância segundo “unidade de dose”(FPC) x dose medida;
• potência da substância segundo “unidade de risco (UR) x concentração da
substância em um meio específico.
O cálculo do risco populacional de cancêr é realizado do seguinte modo(Quadro V.4)
(OPS/EPA, 1996):
• incidência de cancêr = risco individual x população exposta.
Para melhor explicitar estes cálculos será utilizado o exemplo hipotético do berílio, um
carcinogênico pulmonar. Seus dados são os seguintes (OPA/EPA, 1996):
• FPC = 8,4 por mg/kg/dia;
• UR = 2,4 x 10-3 por µg/m3
• exposição por via respiratória
• concentração de Be determinada no ar = 0,4 µg/m3
• taxa média de ventilação pulmonar de um adulto = 20m3/dia
• peso médio de um adulto = 70 kg
• população total = 1 milhão de pessoas
De acordo com estes dados, o cálculo do risco individual ficaria do seguinte modo:
0,0004 mg/m3 x 20 m3
• segundo o FPC = 8,4 x70 kg
= 8,4 x 0,000114
= 0,00096 ou 9,6 x 10-4
• segundo a UR = 2,4 x 10-3 x 0,4 = 9,6 x 10-4
Para o risco populacional o cálculo da incidência de casos de cancêr pulmonar seria:
incidência de casos de câncer pulmonar = 9,6 x 10-4 x 1.000.000 = 960 casos
A partir destes cálculos é realizado o somatório de riscos das diferentes substâncias,
sendo que (Quadro V.5) (OPA/EPA, 1996):
• para substâncias carcinogênicas, supõe-se que os riscos são aditivos no mesmo
órgão;
• para substâncias não carcinogênicas, somam-se os índices de perigo (IP) para cada
tipo de manifestação toxicológica, como por exemplo:
IP = Dose A + Dose B = ... DRfa DRfb
É também realizado o somatório das diferentes rotas e vias de exposições devendo-se
(Quadro V.6) (OPA/EPA, 1996):
• verificar a suposição de que o indivíduo está exposto através de múltiplas rotas;
• corrigir de acordo as diferentes taxas de absorção quando as rotas que levam a
ingestão compreendem vários transmissores;
• somar somente as rotas que afetam o mesmo órgão para os riscos não
carcinogênicos;
• utilizar, de modo ideal, modelos farmacocinéticos.
Toda esta série de procedimentos permitem, por exemplo, caracterizar os riscos nos
seguintes modos extremos (Quadro V.7) (OPA/EPA, 1996):
• A substância A é provavelmente carcinogênica para seres humanos, possuindo um
risco unitário de câncer de 5 x 10-3. Os seres humanos expostos à esta substância
apresentam um excesso de risco de cancêr de 1 x 10-5 ou de 1 em 100.000.
• A substância A foi identificada como causando cancêr em animais de laboratório,
de modo que é prudente limitar a exposição de seres humanos, ainda que não
tenhamos provas de carcinogenicidade em seres humanos.
Os descritores de risco individual baseiam-se nos cálculos de tendência central de média,
mediana e/ou ambos (Quadro V.8). Os cálculos de extremo superior devem (Quadro V.9)
(OPA/EPA, 1996):
• descrever a exposição, a dose e o risco para os indivíduos a nível de ou acima do
percentual de 90% na distribuição populacional;
• não serem maiores que o indivíduo com a exposição, dose ou risco mais alto.
Já o risco populacional é uma projeção probabilística da incidência do efeito em uma
população exposta por toda a vida (70 anos), a qual divide-se por 70 para obter-se o risco
anual, sendo (Quadro V.10) (OPA/EPA, 1996):
• risco populacional = Σ de riscos individuais = tamanho da população x média do
risco individual.
Os descritores de riscos populacionais tem por objetivo (Quadro V.11) (OPA/EPA,
1996):
• estimar o número de indivíduos afetados em uma população em um dado período
de tempo específico;
• estimar o percentual da população ou o número de pessoas que estejam acima de
um nível específico de risco, de DRf, de CRf ou de um nível de interesse especial.
É extremamente importante observar que todo o processo de avaliação de riscos, da
identificação do perigo à avaliação da exposição é marcado por diversas incertezas que
surgem. Estas incertezas também devem ser avaliadas e apresentadas na caracterização do
risco, tendo por objetivo (QuadroV.12) (OPA/EPA, 1996):
• localizar os resultados em um contexto;
• agregar integridade à análise;
• orientar novas coletas futuras de dados.
As incertezas, que representam a falta de conhecimento acerca de o quanto corretas
são as medições ou os cálculos, diferem da variabilidade, que consiste na diferença nos níveis
de exposição entre os indivíduos (Quadro V.13) (OPA/EPA, 1996). Os modos de expressar
a variabilidade são (Quadro V.14) (OPA/EPA, 1996):
• calcular as medidas de tendência central e de dispersão da exposição;
• calcular a exposição no extremo superior;
• calcular a exposição em um limite superior teórico.
V.4. Apresentação da Caracterização de Risco
A caracterização de risco costuma ser seguida por um Sumário da Caracterização do
Risco. Este sumário é apresentado de um modo que minimiza o uso de termos técnicos de
modo a tornar os resultados inteligíveis para o leitor não especialista. É uma apreciação
científica que dá suporte ao gerenciador de risco para tomar decisões na área de saúde
pública, assim como em outras áreas como econômica, social ou tecnológica. Ele também
serve às necessidades de outros leitores interessados. O sumário é uma fonte de informações
para o preparo da comunicação do risco. Porém, por suas características, não constitui-se por
si só em um veículo usual para a comunicação do risco para o público em geral.
Os resultados apresentados na caracterização de riscos podem ocupar-se de diferentes
cenários, enquanto que outros podem examinar, por exemplo, somente os riscos associados à
água de beber. Podem também conter as análises quantitativas das incertezas.
Os valores definidos pela caracterização de risco através do processo de avaliação
devem ser transparentes o bastante para a tomada de decisão, claros o suficiente para uma
efetiva comunicação e consistentes no núcleo das considerações das políticas científicas caso
a caso. Uma vez que a análise integrada é apropriada para a proteção da saúde e do ambiente,
o senso comum e a aplicação racional das considerações são essenciais para obter estimativas
de risco, tendo em vista as incertezas. Tanto as análises integradas quanto o Sumário da
Caracterização de Risco devem apresentar um quadro equilibrado e integrado da avaliação do
perigo, da avaliação da relação dose-resposta e da avaliação da exposição. O analista de risco
deve fornecer o resumo das evidências e dos resultados, e descrever a qualidade dos dados
disponíveis e o grau de confiança a ser utilizado na estimativa do risco. Informações sobre os
dados disponíveis, o nível de conhecimento das questões científicas significativas e acerca das
escolhas cientificas devem ser incluídas. As escolhas realizadas sobre o uso de considerações
ou dados padrões no processo de avaliação de riscos são discutidas detalhadamente e se a
escolha é uma questão importante, ela tem que ser evidenciada no sumário
V.5. Revisão da Caracterização do Risco
Todo o processo de avaliação de riscos obviamente é mais extenso do que aquilo que é
apresentado no Sumário da Caracterização do Risco. Esta avaliação pode ser revisada por
pares científicos ou ser submetida ao comentário público, de modo que a preparação de uma
decisão por uma agência pública de saúde e/ou meio ambiente possa ser mais ampla e
abrangente no escopo e no impacto desejado.
A revisão, tanto pela equipe que preparou a avaliação de riscos, como por pares científicos ou
por membros representantes do público leigo é importante para que se evite que alguns fatores
contribuam para subestimar os riscos, tais como (Quadro V.15) (OPA/EPA, 1996):
• análise demasiadamente limitada da rota ou da exposição;
• não avaliação de todos os contaminantes presentes em uma mistura;
• comparar as concentrações da exposição com níveis basais inapropriados;
• limites de detecção não sensíveis;
• desconhecimento de outras possíveis rotas de exposição.
Também devem ser evitados os fatores que contribuem para sobrestimar os riscos, tais como
(Quadro V.16) (OPA/EPA, 1996):
• parâmetros de exposição demasiadamente conservadores;
• apresentação das exposições possíveis como se fossem exposições reais;
• utilização da forma linear da equação de riscos para os riscos mais altos.
Além da subestimação e sobrestimação dos riscos, existem uma série de fatores que podem
contribuir para uma representação errônea dos riscos, tais como (Quadro V.17 e V.28)
(OPA/EPA, 1996):
• quantidade inadequada de cifras significativas;
• erros de computador;
• uso inadequado de fatores de exposição;
• descrição insuficiente de incertezas;
• fatores de absorção inapropriados;
• definições inadequadas de riscos em que:
⇒ não se apresentam as estimativas do excesso de risco para toda a vida;
⇒ predição de óbitos por cancêr;
⇒ não apresentação do peso das evidências.
V.6. Apresentação do Sumário da Caracterização do Risco
A apresentação é uma discussão não técnica das conclusões importantes, questões e
incertezas e análises integradas do perigo, dose-resposta e exposição para fornecer o suporte
técnico. O suporte técnico primário dentro da avaliação de risco consiste na caracterização do
perigo, da dose-resposta e da exposição. A caracterização do risco é derivada destas.
Geralmente, a caracterização do risco inclui os itens importantes contidos na
caracterização do perigo, dose-resposta e exposição:
• conclusões primárias sobre perigo, dose-resposta e exposição, incluindo
alternativas igualmente plausíveis,
• natureza das informações chave de suporte e de métodos analíticos,
• estimativa de risco e as incertezas associadas, incluindo o uso de
considerações padrões quando existir perda de dados,
• relatório do grau de extrapolação do risco estimado de dados observados para
os níveis de interesse (ou seja, margem de exposição) e suas implicações de certezas e
incertezas na quantificação do risco,
• peso significativo e limitações dos dados e análises, incluindo quaisquer
questões importantes,
• comparação apropriada com a análise de risco da EPA ou não, com a qual as
pessoas possam se familiarizar, e
• comparação com a avaliação do mesmo problema por outra organização.
V.7. Resumo: Caracterização de Risco
O processo de caracterização do risco inclui uma análise integrada dos
resultados mais importantes da avaliação de risco. A análise integrada reúne as informações
das três etapas do processo para fazer estimativas do risco para os cenários de exposição de
interesse. Seu objetivo é fornecer um relato dos objetivos, do alcance e nível de detalhamento
dos resultados e da abordagem utilizada na avaliação, identificando o(s) cenário(s) de
exposição utilizado(s). Estima a distribuição da exposição entre os membros da população
exposta tanto quanto os dados permitem e identifica e compara a contribuição de diferentes
fontes, vias e modelos de exposição. As estimativas de magnitude, duração e freqüência são
incluídas com os resultados de modelos, monitoramentos disponíveis ou outros permitidos
pelo método. As forças e limitações (incertezas) dos dados e dos métodos de estimativa são
expostas de forma clara (EPA, 1991 e 1996a). Ao final, apresenta um perfil qualitativo e/ou
quantitativo do excesso de risco em seres humanos provocados pela exposição as substâncias
tóxicas.
CAPÍTULO VI - AVALIAÇÃO DE RISCOS, PROCESSOSDECISÓRIOS E GERENCIAMENTO DE RISCOS
VI.1. Introdução
A avaliação de riscos inclui um amplo espectro de disciplinas e perspectivas que vão
desde as preocupações acerca da poluição ambiental e seus efeitos sobre a saúde até as
questões econômicas envolvidas nos processos decisórios. Consiste num enfoque sistemático
e racional para a identificação e avaliação dos riscos relacionadas à saúde e ao meio ambiente
(EPA/OPS, 1996) e tem como principal objetivo dar suporte ao processo decisório,
determinando, por exemplo, se uma substância química é suficientemente segura para ser
utilizada ou se um determinado sítio é apropriado para disposição de resíduos (Canter, 1989).
Emerge e se desenvolve com o objetivo de fornecer à sociedade respostas acerca dos riscos à
saúde e ao meio ambiente associados ao rápido crescimento da indústria química e outras
atividades de produção, transporte e armazenamento de produtos perigosos, as quais tem
contribuído para a circulação, emissão e deposição em larga escala de substâncias químicas
no meio ambiente.
Nesse processo verifica-se, por um lado, uma maior demanda e organização do público
(consumidores, ambientalistas, organizações não governamentais, sindicatos e comunidades
vizinhas aos sítios perigosos) na demanda para o acesso às informações sobre os riscos destas
substâncias. Por outro lado a necessidade dos gerentes de indústrias e distribuidoras de
produtos perigosos também conhecerem seus possíveis riscos tanto para dar respostas às
demandas do público, como para terem elementos que subsidiem tomadas de decisões mais
adequadas quanto ao seu manuseio. Este processo vem colocando nos últimos anos a
necessidade de o desenvolvimento de produtos ser guiado não somente pelas informações
sobre eficácia e custos econômicos, mas também pelas informações sobre os efeitos para a
saúde e o meio ambiente, desempenhando a avaliação de riscos um papel extremamente
importante (Canter, 1989)
O gerenciamento de riscos também emerge e se desenvolve neste processo. Consiste na
seleção e implementação das estratégias mais apropriadas para o controle e prevenção de
riscos, envolvendo a regulamentação, a disponibilidade de tecnologias de controle, a análise
de custos e benefícios, a aceitabilidade de riscos, a análise de seus impactos nas políticas
públicas e diversos outros fatores sociais e políticos (Canter, 1989).
VI.2. Opções e Ações Para o Gerenciamento de Riscos
O gerenciamento de riscos é a etapa em que dentro de várias opções, ações para o
controle e a prevenção de riscos são selecionadas considerando-se diversos aspectos tais como
(Quadro VI.1) (OPS/EPA, 1996):
• diferenças nos objetivos a serem alcançados;
• a escassez dos recursos financeiros disponíveis para as ações;
• a ausência de informações completas tanto sobre os riscos em questão, como sobre as
ações que podem ser tomadas;
• os requisitos legais;
• os impactos sociais e econômicos das ações possíveis;
O pressuposto básico desta etapa é que os riscos podem ser controlados (Quadro
VI.2) através de uma gama de opções que podem ser combinadas de diversos modos (Quadro
VI.3) (OPS/EPA, 1996). Vejamos cada uma destas opções.
• comando e controle
É constituído de três tipos básicos de ações. A primeira é a aplicação de medidas
drásticas sobre as consequências da exposição das populações aos riscos ao invés de corrigir
as causas. A segunda consiste em ações corretivas e de remediação através do
desenvolvimento de tecnologias. A terceira consiste no emprego da melhor tecnologia ou
estratégia de controle disponível (Quadro VI.4).
• ações preventivas
O método mais prático e eficaz de se reduzir determinado risco é prevenir na fonte, o
que pode ser realizado pela redefinição de processos de produção, substituição de
determinadas substâncias por outras de menor toxicidade, checagem prévia de novas
substâncias antes que sejam comercializadas, desenvolvimento de sistemas de transporte e
práticas de manuseio com menor risco de contaminação (Quadro VI.5). Exemplos de
problemas que exigem ações preventivas através da correção das causas são o aquecimento
global do planeta, a contaminação de águas nos pontos de origem, a contaminação
proveniente de veículos automotores (Quadro VI.6). Dentre as diversas opções para o
gerenciamento de riscos, as ações preventivas constituem as mais vantajosas, pois além de
resultar na redução ou eliminação dos riscos, muitas vezes apresentam vantagens como
aumento da produção e redução dos custos (Quadro VI.7).
• incentivos econômicos
Os incentivos econômicos podem desempenhar um importante papel no
gerenciamento de riscos. Para empresas poluidoras, por exemplo, podem se dar através de
incentivos na forma de créditos para a adoção de tecnologias com menor potencial de
poluição, como pelo boicote de consumidores aos produtos da empresa até que a mesma mude
suas práticas de gerenciamento dos riscos ambientais (Quadro VI.8).
• requisitos legais
Os requisitos legais podem se dar através de normas regulamentadoras de projetos, de
processos de produção, disposição de resíduos e tratamento dos mesmos, de produtos e seu
manuseio. Podem desde restringir o uso de uma determinada tecnologia ou produto, como
especificar pautas específicas de produção de uma dada substância. Também podem incluir o
monitoramento como forma de controle (Quadro VI.9).
• medidas científicas ou técnicas
Dentre estas medidas podemos destacar o desenvolvimento de técnicas que permitam
tanto melhor identificar um problema específico de exposição aos riscos, como proporcionar
ações corretivas de redução do perigo nos processos de produção, disposição, tratamento e
manuseio de substâncias. Neste último aspecto as inovações tecnológicas desempenham um
importante papel desde que voltadas para a difusão de tecnologias com menor potencial de
poluição. Outra contribuição é o desenvolvimento de métodos científicos que permitam
antecipar problemas futuros antes que alcancem um estado crítico (Quadro VI.10)
• fornecimento e difusão da informação
O fornecimento e a difusão de informações técnicas e científicas tanto sobre os riscos,
como sobre as possíveis estratégias de gerenciamento, assim como o intercâmbio das mesmas,
constitui-se em importante e poderoso instrumento (Quadro VI.11).
• cooperação entre agências governamentais e entre países
O intercâmbio de informações e de técnicas ao nível interinstitucional e internacional
não só contribui para o desenvolvimento de objetivos comuns na redução e eliminação de
determinados riscos, como também contribui para evitar ações duplicadoras ou conflitivas
(Quadro VI.12).
• acordos públicos privados e programas de redução de riscos
Os acordos públicos privados resultantes de processos de negociação e os programas
voluntários resultantes de processos de conscientização ou pressão pública constituem
alternativas para o gerenciamento de riscos não diretamente controladas pelos órgãos do
governo, mas que atendem anseios da sociedade como um todo (Quadro VI.13).
Na verdade, todas estas opções de controle anteriormente citadas só podem ser
compreendidas como resultantes de um processo que basicamente integra o objetivo geral do
desenvolvimento das estratégias de gerenciamento de riscos com as alternativas de controle
disponíveis e as informações disponíveis (Quadro VI.14). A caracterização do risco e a
análise de fatores políticos, sociais e econômicos, junto com as diversas opções de controle
disponíveis resultarão, ao final, em uma decisão normativa para o gerenciamento (Quadro
VI.15) que poderá incluir objetivos tais como (Quadro VI.16) (OPS/EPA, 1996):
• redução de riscos para a saúde pública;
• redução de riscos ecológicos;
• redução de riscos para o bem estar geral;
• redução de riscos para limites abaixo do nível crítico;
• fomentar a participação do público;
• fomentar o uso de tecnologias disponíveis;
• responsabilizar o causador da contaminação;
• proteger os locais de trabalho;
• maximizar o uso eficaz de recursos;
• maximizar custo/benefício das ações;
• maximizar o custo efetivo das ações.
Assim, as informações fornecidas pela avaliação de riscos constituem apenas parte das
informações necessárias para o gerenciamento de riscos, já que devem ser incluídas aquelas
sobre as tecnologias disponíveis, os impactos destas tecnologias na redução dos riscos, a
opinião pública, a avaliação econômica e a legislação vigente (Quadro VI.17). Estas
informações irão subsidiar a tomada de decisão que deve ser orientada por critérios como: a
magnitude da redução do risco que se objetiva; as responsabilidades; os custos/benefícios e
efetividade das ações que serão tomadas; a factibilidade e facilidade de tomar atitudes; a
existência de transferência do risco para outras localidades, estados ou países (Quadro
VI.18). Através destes critérios existe uma gama de possíveis decisões para o gerenciamento
de riscos, que podem ser: 1) não intervir; 2) adoção de medidas drásticas sobre as
consequências e não sobre as causas; 3) adoção de medidas baseadas em incentivos
econômicos; 4) adoção de ações preventivas; 5) evolução de uma cadeia de decisões baseada
no desenvolvimento de tecnologias de controle e prevenção; 6) combinação de decisões
(Quadro VI.19) (OPS/EPA, 1996).
VI.3. Importância de Processos Decisórios e Gerenciamentos de Riscos Participativos
Além destas questões que, apesar de envolverem uma série de interpretações, escolhas e
decisões, são muitas vezes classificadas como "objetivas" pelos especialistas, existem outras
relativas ao público e que consideram mais "subjetivas", que irão influenciar bastante todo o
processo (Schwartz et al., 1995; HRI, 1996), tais como:
1) o valor que possui a saúde, a vida humana, a proteção ambiental e a preocupação com
as gerações futuras;
2) eqüidade na distribuição dos riscos, isto é: quem está exposto e quem recebe os
benefícios das atividades que causam riscos;
3) a compreensão que o público tem dos dados e o modo como percebem ou aceitam os
riscos;
4) a habilidade das lideranças envolvidas no processo para persuadir/motivar, negociar,
resolver os objetivos conflitantes e os interesses em competição;
5) a existência ou não de um fórum para o debate entre as partes envolvidas e que
permita a inclusão de outros subsídios, além dos fornecidos pela avaliação técnica, no
estabelecimento de políticas públicas;
6) a ênfase atribuída ao planejamento para o futuro - responsabilidade do governo na
proteção do público em relação à futuros danos;
7) o grau de colaboração entre o governo, as empresas e as organizações não
governamentais;
8) o modo como se dá o processo regulamentador;
9) os processos judiciais movidos contra os denominados "criadores de riscos";
10) o envolvimento dos meios de comunicação;
11) o modo como são preparadas e dirigidas as mensagens para os tomadores de
decisão.
Na verdade, todas estas questões acabam obrigando que os modelos de avaliação de
riscos, para que possuam um amplo escopo e possibilidade de impacto na definição das
estratégias de gerenciamento e maior legitimidade política nas tomadas de decisões que
viabilizam sua implementação, tenham todos os seus pressupostos, informações, resultados e
os próprios processos decisórios examinados por todas as partes interessadas (Canter, 1989).
Uma maior participação do público no processo decisório não é só desejada, mas necessária
para que seja efetivo, devendo serem observadas algumas características no processo de
avaliação - que envolve a análise das informações existentes e a identificação da necessidade
de mais informações - e gerenciamento de riscos - que envolve a identificação de opções e
alternativas para o controle e a prevenção - para finalmente resultar nas tomadas de decisões
(Schwartz et al., 1995). De acordo com Schwartz et al. (1995) estas características são:
1) Envolver a maior parte do público interessado, garantindo-se e estimulando-se um
amplo debate envolvendo as diversas perspectivas e valores, de modo a conduzir à alguns
compromissos acerca dos objetivos e métodos, o que assegura um amplo suporte da sociedade
como um todo.
2) Criar mecanismos pelos quais as avaliações técnicas e de políticas públicas possam
ser geradas, distribuídas e criticadas pelos interessados.
3) Prover mecanismos pelos quais os resultados das avaliações possam ser apresentados
aos tomadores de decisões e outros interessados na sociedade, para informar aos grupos os
custos, os benefícios e os impactos das propostas de gerenciamento consideradas.
4) Criar mecanismos para que os interesses conflituosos possam ser ouvidos e
discutidos de modo controlado, para que as opiniões divergentes na sociedade possam surgir
e, ao máximo possível, acomodadas na implementação das propostas de gerenciamento.
5) Criar mecanismos pelos quais a sociedade possa chegar às decisões e adotar ações
úteis, ainda que estas possam ser menos do que o que possa ser considerado "objetivamente"
ideal.
A determinação de padrões claros e precisos na avaliação, bem como a definição de
estratégias de gerenciamento de modo a subsidiar e facilitar os processos decisórios não é
tarefa fácil, pois desde o início envolve interpretações e decisões que nem sempre serão
aceitas pelos que estão ou serão envolvidos. Isto não significa que, como solução, se espere
que os envolvidos nos processos decisórios também sejam diretamente envolvidos no
processo de avaliação técnica. Deve-se garantir, embora isto ainda seja um processo em
construção e de aprendizado mútuo, que tanto sejam explicitados os pressupostos que
orientaram a avaliação e as incertezas acerca das evidências existentes, como que a
participação de todos que tenham interesse direto no problema seja o mais efetiva, tornando
isto possível através do aprendizado dos modos de pensar e avaliar as informações sobre
saúde, de maneira que compreendam as implicações das incertezas das informações e também
o seu valor para os processos decisórios.
VI.4. Resumo: Avaliação de Riscos, Processos Decisórios e Gerenciamento de Riscos
Conforme observado na conclusão capítulo I, Jasanoff (1993) na busca de integrar as
diversas disciplinas e perspectivas que atuam na relação entre avaliação de riscos e
gerenciamento de riscos considera que não podemos separar "o que se deseja conhecer acerca
de um determinado problema" - o que é realizado pelas avaliações técnicas de riscos - do que
se deseja fazer acerca desse mesmo problema - o que é proposto e realizado no
desenvolvimento das estratégias de gerenciamento de riscos. Para Jasanoff (1993), o modo de
se perceber a realidade e de organização os fatos a ela pertinentes tem implicações, embora
nem sempre visíveis, tanto nas avaliações de riscos, como nos aspectos das políticas públicas
e da justiça social: quem se deve proteger de determinados riscos, a que custo e deixando de
lado que alternativas.
As implicações e inter-relações entre as etapas da avaliação de riscos e as opções e
ações para o gerenciamento tornam necessário que os processos decisórios, para que sejam
mais amplo no seu escopo e impacto na redução e eliminação de riscos, incorporem também
aqueles que vivenciam os eventos e situações de riscos no seu dia-a-dia, ou seja: trabalhadores
e comunidades expostas.
CAPÍTULO VII – ESTUDO DE CASO DOS
TRABALHADORES EXPOSTOS AO BENZENO EM UMA
REFINARIA DE PETRÓLEO
VII.1. A EXPOSIÇÃO DOS TRABALHADORES AO BENZENO NOSPROCESSOS INDUSTRIAISVII.1.1. O Benzeno e Suas Principais Fontes de Emissão
O benzeno é um hidrocarboneto aromático naturalmente encontrado no petróleo bruto,
variando de 1-4% em volume, podendo também ser encontrado na água do mar, em
concentrações de até 0,8 ug/l, nas proximidades de depósitos naturais de petróleo e de gás
natural (IARC/1989). A sua alta volatilidade em função de sua pressão de vapor de 95,2
mmHg a 25oC., e o seu relativamente baixo ponto de ebulição (80,1oC.) são as principais
características físico-químicas responsáveis pôr sua rápida evaporação para a atmosfera (ver
Quadro VII.1).
Na atualidade, as principais fontes ambientais de benzeno produzidas pelo homem
incluem a exaustão e as operações de abastecimento de veículos automotores, e, em menor
escala, as emissões industriais, sendo que os gases da exaustão de automóveis contribuem
com cerca de 80 a 85% das emissões para a atmosfera (Burroughs et al.,1995). Os gases
emitidos pelos veículos que utilizam combustíveis derivados do petróleo podem conter até
100 diferentes tipos de hidrocarbonetos (Mendes,1987).
Vários trabalhos e pesquisas, a nível mundial, têm atualmente se direcionado para os
estudos de avaliação da poluição ambiental, onde o benzeno se destaca nas diversas linhas de
pesquisa, devido as evidências epidemiológicas de suas propriedades carcinogênicas. O
monitoramento ambiental dos contaminantes atmosféricos tem adquirido cada vez mais
importância na avaliação das condições ambientais (Barbosa, 1997).
As concentrações atmosféricas de hidrocarbonetos aromáticos podem refletir o nível
de poluição do ar, sendo o benzeno atualmente considerado como um indicador de poluição
urbana, com suas concentrações ambientais variando de acordo com as condições climáticas e
diretamente com os picos de maior ou menor tráfego de veículos automotores, que, pôr sua
vez, confirma a influência da exaustão de gases provenientes da queima de combustíveis na
origem da poluição urbana (Fustinoni et al.,1995).
A presença do benzeno na gasolina, seja pelo seu emprego como anti-detonante ou
pela sua própria formação no motor pôr desalquilação de outros hidrocarbonetos aromáticos e
pela sua ampla utilização na indústria petroquímica, podem resultar em emissões
significativas para o meio ambiente. A exposição humana ocorre principalmente através da
inalação deste ar contaminado, particularmente, em áreas de intenso tráfego automotivo, nos
postos de abastecimento de combustíveis e outros locais de armazenamento e distribuição de
petróleo e seus derivados, incluindo também, a exposição à fumaça de cigarros
(ATSDR,1991).
As concentrações atmosféricas podem variar de 0,2 ug/m3 em áreas rurais, até 349
ug/m3 em grandes centros urbanos industriais, podendo chegar a níveis de 10 mg/m3 durante o
reabastecimento de automóveis (CONCAWE,1994a). Brugnone et al.(1992), comparando a
exposição ao benzeno entre populações rural e urbana, demonstraram que a média das
concentrações sangüíneas do benzeno, em populações de áreas rurais, era de
aproximadamente 200 ng/l, e apresentava-se bem inferior em relação aos níveis de 296 ng/l.
encontrados em populações urbanas.
Em relação a população em geral, uma das fontes de exposição não ocupacional ao
benzeno é, provavelmente, a fumaça dos cigarros. Em ambientes fechados, como os
residenciais, as concentrações de benzeno podem alcançar os níveis de 500 ug/m3. Os
fumantes inalam, em média, aproximadamente 1.800 ug de benzeno pôr dia, comparados com
50 ug pôr dia dos não fumantes. Os níveis sangüíneos de benzeno entre os fumantes
apresentam-se 90% superiores aos de não fumantes, e são diretamente proporcionais ao
número de cigarros fumados (Brugnone et al.,1992).
VII.1.2. O Benzeno nos Processos Industriais
O benzeno foi isolado pela primeira vez pôr Faraday, em 1825, na fração leve do gás
resultante da degradação térmica do carvão mineral (hulha). O início da produção industrial
do benzeno se deu a partir de 1849, como subproduto da destilação seca do carvão mineral,
nas coquerias das usinas siderúrgicas. O coque metalúrgico, quando utilizado e aquecido em
altas temperaturas, emana um vapor composto pôr mais de 100 tipos diferentes de
hidrocarbonetos, sendo o benzeno um dos principais. Nas coquerias o benzeno é separado na
fração de óleos leves de alcatrão, denominado BTX siderúrgico, constituído pôr misturas de
benzeno, tolueno e xileno, da qual o benzeno é o componente em maior proporção (Barbosa,
1997).
O processo carboquímico nas usinas siderúrgicas teve grande importância industrial, e
representou a principal fonte de produção de benzeno pôr mais de um século, onde seu
principal destino eram as indústrias de artefatos de borracha e pneus, couro e calçados, cola e
adesivos, ceras e resinas, tintas e vernizes, solventes e diluentes, além das indústrias gráficas e
de móveis, e de vários outros ramos industriais. A forma de produção e a utilização difusa do
benzeno até então, acabariam pôr determinar a exposição acentuada e os sérios riscos para a
saúde de um grande número de pessoas, incluindo trabalhadores e a população em geral
(Kasahara et al.,1987; Inoue et al.,1983; Kumai et al.,1983).
A obtenção de gasolinas, óleos combustíveis e lubrificantes, cada vez mais
aprimorados e de melhor qualidade, tornou-se essencial na indústria após o advento do
automóvel e de outros motores a combustão. O rápido crescimento da indústria automotiva,
após a I Guerra Mundial, passou a gerar uma demanda sempre crescente no mercado
consumidor, impulsionando a indústria de refino com a introdução de modificações no seu
processo, a fim de possibilitar o craqueamento de frações mais pesadas do óleo cru e a
produção de misturas mais leves (Barbosa, 1997).
A partir da II Guerra Mundial, o benzeno e outros hidrocarbonetos aromáticos
passaram a ser obtidos a partir de matérias-primas originárias do petróleo, através de
processos industriais que envolvem reformas catalíticas e sínteses químicas nas refinarias e
indústrias petroquímicas, possibilitando, assim, a produção dessas substâncias de forma mais
econômica e com maior grau de pureza e qualidade (Barbosa, 1997).
Os processos industriais existentes até a década de 40 foram, a partir de então,
radicalmente modificados com a introdução do petróleo nos diversos modelos de produção.
As indústrias petroquímicas passaram a gerar novas matérias-primas e novos produtos, o que
diminuiu a necessidade do uso do benzeno de origem carboquímica. Ao passo que,
paralelamente, crescia a demanda de produção de benzeno para a utilização em sínteses
químicas nas indústrias de transformação. Portanto, dos anos 40 aos anos 70, verifica-se uma
modificação no perfil de produção e consumo do benzeno, onde o benzeno de origem
carboquímica obtido nas siderúrgicas foi perdendo sua importância industrial e econômica, a
ponto de representar, em 1987, menos de 10% do benzeno produzido mundialmente.
(FUNDACENTRO,1993).
No Brasil, as principais fontes de produção do benzeno encontram-se, atualmente,
concentradas nos parques de produção petroquímica e de refino de petróleo: Camaçari-BA,
Triunfo-RS, Capuava-SP e Cubatão-SP, que são responsáveis pôr aproximadamente 95% da
produção nacional (ver Quadro VII.2). O restante provem da destilação fracionada de óleos
leves do alcatrão (BTX siderúrgico) obtida a partir do carvão mineral, através dos processos
de destilação seca nas principais companhias siderúrgicas nacionais: Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA), AÇOMINAS e USIMINAS
(Barbosa, 1997).
Aproximadamente 95% do total do benzeno consumido no Brasil, é utilizado como
matéria-prima para síntese de produtos petroquímicos básicos como etilbenzeno, cumeno,
caprolactama, alquilbenzeno linear e anidrido maléfico. Esses produtos, pôr sua vez, tornam-
se intermediários de novas sínteses químicas para a produção de plásticos, resinas,
elastômeros, tintas, pesticidas, e muitas outras substâncias industrializadas. E, menos de 5%
dessa produção é destinado ao mercado produtor de álcool anidro, sendo adicionado à
gasolina como combustível, a nível nacional, além de, uma outra pequena parcela restante, ser
consumida como solvente em processos industriais específicos e em laboratórios de ensino e
pesquisa (ABIQUIM,1990).
VII.1.3. O Refino do Petróleo
O petróleo, em estado natural, é uma mistura de hidrocarbonetos, além de, em
proporções bem menores, compostos oxigenados, nitrogenados, sulfurados e metais pesados,
considerados como contaminantes. O processo industrial de refino do petróleo passa pôr uma
série de operações de beneficiamento para a obtenção dos mais variados produtos de ampla
utilização na indústria em geral. A primeira etapa deste processo é a destilaçao primária, onde
são extraídas as suas principais frações que dão origem à gasolina e ao óleo diesel, à nafta, aos
solventes e querosenes (de iluminação e aviação), além de parte do GLP (gás de cozinha).
Numa segunda etapa, o resíduo da destilação primária é processado na destilação a vácuo, na
qual é extraída do petróleo mais uma parcela de diesel, além de frações de um produto pesado
chamado gasóleo, destinado à produção de lubrificantes ou a processos mais sofisticados,
como o craqueamento catalítico, onde o gasóleo é transformado em GLP, gasolina e óleo
diesel. O resíduo da destilação a vácuo pode ser usado como asfalto ou na produção de óleo
combustível. Uma série de outras unidades de processo transformam frações pesadas do
petróleo em produtos mais leves e colocam as frações destiladas nas especificações para o
consumo (Barbosa, 1997.
Conhecer a qualidade do petróleo a destilar é fundamental para as operações de
refinação, pois sua composição e aspecto variam em larga faixa, segundo a formação
geológica do terreno de onde o petróleo foi extraído e a natureza da matéria orgânica que lhe
deu origem (Barbosa, 1997).
Atualmente, a indústria mundial de refino de petróleo produz mais de 2.500 produtos,
incluindo gás liquefeito (GLP), gasolina, querosene, óleo diesel, combustível de aviação, e
uma variedade de outros óleos combustíveis e lubrificantes, além de diversos insumos para a
indústria petroquímica. No Brasil, pôr exemplo, só a Petrobrás produz, atualmente, em suas
11 refinarias mais de 80 produtos diferentes, como gás natural, naftas, gasolinas, querosenes,
óleos diesel e combustíveis, asfaltos, solventes de borracha, lubrificantes, e, inclusive, o
próprio benzeno, como uma importante matéria-prima para a indústria de transformação
química e petroquímica (Barbosa, 1997).
Os produtos originários da indústria de refino de petróleo podem ser utilizados nas
mais diversas indústrias nacionais e internacionais, que vão desde a produção de propelentes e
detergentes biodegradáveis até a produção de alumínio. Exemplo disto é o aproveitamento
pelas refinarias da Petrobrás de cada barril de petróleo, o que corresponde, atualmente, em
média a (Barbosa, 1997):
• 9,6% de Gases Liquefeitos (GLP);
• 19,3% de Gasolinas Automotivas e de Aviação;
• 9,1% de Naftas e Solventes;
• 4,5% de Querosenes de Iluminação e Aviação;
• 35,4% de Óleo Diesel;
• 16,6% de Óleos Combustíveis;
• 5,4% de Derivados diversos.
VII.4. A Exposição dos Trabalhadores ao Benzeno
Em relação a exposição de trabalhadores ao benzeno na indústria do petróleo, dois
importantes trabalhos foram realizados pela CONCAWE ( European Organization Oil
Companies for Environmental and Health Protection) e pôr associações da indústria
petrolífera européia (European National Petroleum Industry Associations), nos períodos de
1977-1985 e 1986-1992, em diferentes linhas de trabalho na indústria e comércio do petróleo
na Europa. Essas avaliações concluíram que mais de 90% dos trabalhadores das áreas de
refino, distribuição, e comércio do petróleo estariam expostos a concentrações ambientais de
benzeno inferiores a 1 ppm (CONCAWE,1994c). Considerando especificamente os
trabalhadores das indústrias de refino de petróleo, foi verificado que 96% dos operadores de
Unidades de Reforma Catalítica, 94% dos técnicos de Laboratórios de Controle de Qualidade
e 90% dos operadores de Plantas de Aromáticos encontravam-se expostos a níveis inferiores a
1 ppm nesses respectivos postos de trabalho (ver Quadro VII.3) (Barbosa, 1997).
Kawai et al.(1990) ao monitorarem, individualmente, 83 trabalhadores de uma
refinaria de petróleo japonesa, observaram que somente três desses trabalhadores
encontravam-se expostos a concentrações de benzeno superiores a 1 ppm, e que as médias
entre os grupos avaliados variaram de 0,07 a 0,71 ppm.
De acordo com o “National Institute for Occupatinal Safety and Health” (NIOSH), em
1983, os Estados Unidos possuíam 285 refinarias que empregavam 70 mil trabalhadores, e,
pôr estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do “American Petroleum
Institute” (API), a indústria mundial de refino de petróleo empregava, entre os anos de 1986 a
1987, aproximadamente 500 mil trabalhadores distribuídos em 700 refinarias.
Esses trabalhadores estariam sujeitos a uma série de riscos potencialmente graves para
a saúde nos seus ambientes de trabalho, devido a exposição, principalmente, a
hidrocarbonetos presentes no óleo cru ou formados durante os processos de refino, através do
contato direto com a pele e pela inalação dos seus gases e vapores. Normalmente, as
concentrações desses contaminantes ambientais variam na ordem de Partes Pôr Bilhão (ppb) a
frações de Partes Pôr Milhão (ppm), sendo que o principal risco de exposição ocorre durante
as operações de rotina de coleta de amostras, diretamente na planta de processo (Barbosa,
1997).
Nas últimas décadas, a indústria de refino tem alcançado um considerável nível de
automação dos seus processos operacionais, juntamente com a introdução gradual de medidas
de controle sobre as emissões fugitivas e uma maior atenção em relação a exposição ao
benzeno. As unidades de processamento das refinarias são compostas pôr sistemas fechados e
isolados, e altamente automatizados, onde praticamente todo o processo industrial é
controlado e monitorado através de salas de controle (Barbosa, 1997).
A exposição dos trabalhadores ao benzeno nas refinarias é atualmente considerada
como uma das mais importantes sob o ponto de vista da prevenção e do controle. Ocorre
principalmente durante a coleta e análise das amostras da nafta reformada pelos trabalhadores
envolvidos nessas respectivas etapas operacionais (IARC, 1989; Burgess,1994)
VII.1.5. A Exposição dos Trabalhadores ao Benzeno no Brasil
No Brasil, desde a década de 40, as publicações científicas já alertavam para o risco da
exposição ocupacional ao benzeno (Wakamatsu & Fernícola,1980). E, durante os anos 60 e
70, foram produzidos alguns trabalhos utilizando o fenol urinário como indicador biológico de
exposição, além de estudos de casos de anemia aplástica, e de determinação da presença do
benzeno em solventes (Timossi & Andrade,1971).
Em 1983, o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Santos-SP, denunciou a
existência de diversos casos de leucopenia pôr exposição ocupacional ao benzeno entre os
trabalhadores da COSIPA - Companhia Siderúrgica Paulista, em Cubatão-SP. Entre 1983 a
1987, centenas de trabalhadores foram afastados com diagnóstico de “benzenismo”, devido a
exposição ao gás de coqueria resultante do processo siderúrgico. As concentrações de
benzeno, tolueno, e xileno (BTX) neste gás, podiam alcançar níveis entre 30 e 40 ppm
(Barbosa, 1997).
Os relatórios das inspeções realizados na época, pôr órgãos governamentais de
fiscalização das condições de trabalho e saúde, revelaram que havia contaminação ambiental,
afetando não somente os trabalhadores das atividades de risco primário. O Sindicato dos
Trabalhadores da Construção Civil de Santos-SP, em 1984, também relatou ocorrências
similares entre trabalhadores de manutenção e montagem industrial (Barbosa, 1997).
Em 1985, o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas de Volta
Redonda-RJ denunciou a existência de 50 casos de leucopenia em trabalhadores da CSN -
Companhia Siderúrgica Nacional, e, em 1986, o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias
Químicas de Santo André-SP confirmou outros 60 casos entre os trabalhadores da Fábrica de
BHC das Indústrias Químicas Matarazzo, em São Caetano do Sul-SP (Barbosa, 1997).
No ano de 1990, a Nitrocarbono S.A., uma importante indústria química do Polo
Petroquímico de Camaçari-BA, foi interditada pela DRT-BA (Delegacia Regional do
Trabalho), em decorrência de 2 óbitos pôr benzenismo, incluindo o de um médico do trabalho,
desencadeando um processo de investigação epidemiológica e monitoramento ambiental e
biológico nesta companhia e em outras empresas do polo (FUNDACENTRO,1993).
VII.1.6. A Legislação Sobre o Benzeno no Brasil
Em relação à exposição de trabalhadores ao benzeno, a legislação brasileira reconhece,
desde 1932, qualitativamente a existência de riscos gerados pela utilização do benzeno em
algumas atividades industriais, como a destilação do carvão mineral e os trabalhos que
envolvem a manipulação de solventes, e outros produtos voláteis e inflamáveis. Em 1939, a
Portaria Ministerial No SCM 51, de 13/04/39, do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio relaciona o benzeno no quadro de atividades industriais consideradas perigosas e
insalubres, para as quais se atribuía um adicional de insalubridade (Barbosa, 1997).
Nos Estados Unidos, em 1934, o Departamento de Indústria e Trabalho de
Massachusetts, determinou, a princípio, o limite de exposição ao benzeno de 75 ppm sendo
imediatamente após reduzido para 35 ppm, níveis estes, que permaneceram até 1948, quando
a “American Conference of Governmental Industrial Hygienists” (ACGIH) passou a
regulamentar esses limites, mantendo ainda um LTMPT (Limite de Tolerância Média
Ponderada pelo Tempo/8 horas) de 35 ppm (Barbosa, 1997).
Em 1978, a legislação trabalhista brasileira, seguindo essa tendência internacional,
definiu e regulamentou uma lista de aproximadamente 145 substâncias químicas cujas
concentrações ambientais deverão obedecer parâmetros quantitativos, também chamados de
Limites de Tolerância Ambientais, entre os quais encontra-se o benzeno. A Portaria 3.214, de
08 de junho de 1978, através da Norma Regulamentadora No 15 (NR-15), Anexo 11, define
em termos legais Limite de Tolerância Ambiental como “concentração ou intensidade
máxima ou mínima relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não
causará dano à saúde do trabalhador, durante sua vida laboral”, e determina um limite de 8
ppm para o benzeno (Vasconcelos,1995; Araújo et al.,1993; Arcuri et al.,1991).
Nos últimos anos, várias organizações governamentais internacionais responsáveis
pela fiscalização e legislações referentes à saúde do trabalhador passaram a recomendar novos
limites (Rappaport,1995). Nesse processo, muitas conquistas têm sido obtidas no sentido de
se reduzir cada vez mais esses limites, e, atualmente, importantes agências de reconhecimento
internacional, como a “Occupational Safety and Health Administration” (OSHA) e o
“National Institute for Occupacional Safety and Health” (NIOSH), adotam um LTMPT de 0,1
ppm, enquanto a própria ACGIH, apesar de recomendar oficialmente ainda 10 ppm, se propõe
a reduzi-lo para 0,3 ppm (ACGIH,1995; Aldridge,1995; Aitio et al.,1995).
A indústria brasileira, em 1993, segundo dados oficiais da Fundação Jorge Duprat
Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO, do Ministério do
Trabalho, empregava cerca de 116 mil trabalhadores na produção e consumo do benzeno, dos
quais, aproximadamente, 38 mil encontravam-se potencialmente expostos a essa substância
(Quadro VII.4) (Barbosa, 1997).
Atualmente, estima-se que esses números sejam bem mais expressivos, o que
contribuiu para a regulamentação da Portaria No.14, de 20 de dezembro de 1995, da SSST-
Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho, do Ministério do Trabalho, com a inclusão do
Anexo 13-A e das Instruções Normativas No 001 (Avaliação das Concentrações do Benzeno
em Ambientes de Trabalho) e No 002 (Vigilância da Saúde do Trabalhador na Prevenção da
Exposição Ocupacional ao Benzeno) (Barbosa, 1997).
Esta nova Portaria regulamenta as ações, atribuições e procedimentos da prevenção da
exposição dos trabalhadores ao benzeno, e amplia a participação dos trabalhadores neste
processo, através do compromisso firmado entre estes e algumas empresas das áreas
petroquímica e metalúrgica, pela assinatura do denominado Acordo do Benzeno (Barbosa,
1997).
O Acordo do Benzeno representa um importante avanço em relação ao controle das
condições de segurança e saúde dos trabalhadores, quanto a exposição ocupacional ao
benzeno, pois se aplica a todas as empresas e indústrias que produzem, transportam,
armazenam, utilizam ou manipulam o benzeno ou suas misturas líquidas, contendo 1% ou
mais em volume (Barbosa, 1997).
Na assinatura deste Acordo, várias indústrias e entidades reconhecidas nacionalmente
estavam representadas:
• Confederação Nacional da Indústria-CNI;
• Associação Brasileira da Indústria Química-ABIQUIM;
• Instituto Brasileiro de Siderurgia-IBS;
• Sindicato da Indústria de Produtos Químicos para Fins Industriais e da
Petroquímica no Estado de São Paulo-SINPROQUIM;
• Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria-CNTI;
• Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos-CNTM;
• Central Única dos Trabalhadores-CUT;
• Força Sindical;
• Ministério do Trabalho-MTb;
• Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho-
FUNDACENTRO;
• Ministério da Saúde
• Ministério da Previdência e Assistência Social
Em relação às concentrações ambientais do benzeno, essas empresas tinham prazo até
31/12/97 para se adequarem a um novo valor limite -Valor de Referência Tecnológico (VRT)-
, que substitui o antigo Limite de Tolerância para o benzeno ouTLV (“Threshold Limit
Value”). Este valor limite ficou estabelecido em 1 ppm, com exceção para as companhias
siderúrgicas e produtoras de álcool anidro, cujo limite é de 2,5 ppm. Esse novo conceito do
VRT provém do conhecido TRK alemão, que vem a ser um limite adotado na Alemanha para
substâncias carcinogênicas e mutagênicas (FUNDACENTRO,1996).
O acordo estabelece ainda as competências do Ministério do Trabalho (SSST e
Fundacentro), do Ministério da Saúde, das Empresas e dos Trabalhadores, com a criação de
dois importantes organismos: a Comissão Nacional Permanente do Benzeno (CNP-Benzeno),
como órgão tripartite de discussão, negociação e acompanhamento do acordo; e o Grupo de
Representantes dos Trabalhadores do Benzeno (GTB), destinado a acompanhar a elaboração,
implantação e desenvolvimento do Programa de Prevenção da Exposição Ocupacional ao
Benzeno - P.P.E.O.B., e os prazos de adequação das Empresas aos novos valores permissíveis
nos ambientes de trabalho (Barbosa, 1997).
VII.1.7 A Refinaria de Petróleo
Inaugurada nos anos 60, a refinaria de petróleo que servirá de caso-referência tem
capacidade para o processamento diário de 36,4 mil metros cúbicos de petróleo, que
corresponde a, aproximadamente, 20% da capacidade de refino de toda a empresa, que possui
diversas outras refinarias espalhadas pelo país. O petróleo processado nas unidades da
refinaria em questão vem, principalmente, da Arábia Saudita e dos poços de produção
marítima da região de exploração e produção da Bacia de Campos, no Estado do Rio de
Janeiro (Barbosa, 1997).
São produzidos pelas Unidades de Processamento da Refinaria 53 tipos de derivados,
entre combustíveis, lubrificantes e insumos para a indústria petroquímica. Parte desta
produção é exportada, onde a gasolina, o óleo diesel, e o óleo combustível vão principalmente
para os Estados Unidos, Ásia, Uruguai e Argentina; enquanto os lubrificantes também para os
Estados Unidos, Ásia, e Índia; e as parafinas para a América do Sul (Barbosa, 1997).
As Unidades da Refinaria estão organizadas em 4 Plantas Operacionais, assim
distribuídas:
• Planta de Matérias Primas;
• Planta de Combustíveis e Petroquímicos;
• Planta de Lubrificantes e Parafinas;
• Planta de Utilidades.
A Planta de Matérias Primas é constituída pôr Unidades de Destilação Atmosférica e a
Vácuo e Unidades de Desfaltação a Solvente e a Propano. A Planta de Lubrificantes e
Parafinas pôr Unidades de Hidrogenação, Desaromatização, Desparafinação e Desoleificação.
A Planta de Utilidades pôr casas de bombas, caldeiras, separadores de água e óleo, torres de
refrigeração, central termoelétrica e estação de tratamento de água, efluentes hídricos e
esgoto. Pôr fim, a Planta de Combustíveis e Petroquímicos, onde se localiza a Unidade de
Reforma Catalítica, uma das mais importantes desta refinaria, em termos de exposição dos
trabalhadores ao benzeno. A Unidade de Reforma Catalítica é responsável pela produção de
gasolina de alta octanagem, através da transformação dos hidrocarbonetos parafínicos e
naftênicos da nafta pesada em aromáticos (Barbosa, 1997).
VII.2 - IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO DO BENZENO
VII.2.1. Antecedentes do Benzeno
O benzeno é um hidrocarboneto aromático, cuja fórmula química é C6H6 e o peso
molecular 78,11g/mol. É um líquido incolor estável em temperatura ambiente e pressão
atmosférica normal. Possui um odor aromático característico, um ponto de ebulição (80.1 ºC)
relativamente baixo e uma alta pressão de vapor que causa uma rápida evaporação em
temperatura ambiente. É uma substância altamente inflamável e muito solúvel em água, se
misturando facilmente com outros solventes orgânicos (IPCS, 1993).
O benzeno está presente como constituinte em óleos combustíveis sendo usado como
solvente de gorduras, ceras, resinas óleos, tintas, plásticos e borracha. Ele também é utilizado
na produção de detergentes, explosivos, drogas farmacêuticas e na extração de óleos de
sementes (IPCS, 1993).
VII.2.2. Avaliação do Perigo do Benzeno
A.II.2.1. Alguns Princípios Para a Avaliação do Perigo do Benzeno
1) O objetivo da avaliação do perigo é identificar os tipos de efeitos adversos que
podem estar associados com a exposição ao benzeno e caracterizar a qualidade e a
solidez das evidências que apoiam esta identificação.
2) O perigo específico que nos preocupa nesta revisão é o câncer, ainda que também
deva-se considerar os efeitos tóxicos sistêmicos.
3) Os estudos epidemiológicos são, geralmente, considerados a melhor fonte de
informação para identificar o perigo para humanos. Entretanto, para a maioria das
substâncias químicas estes estudos não existem. Além do mais, é muito difícil se
estabelecer nexos causais sólidos entre a exposição e as doenças crônicas.
4) Os estudos experimentais em animais também fornecem uma informação útil para a
identificação do perigo. São estudos controlados e podem, mais facilmente,
estabelecer nexos causais. Entretanto, os resultados destes estudos tem a limitação
óbvia de os animais utilizados em experimentos não pertencerem a mesma espécie
que nos interessa: o homem.
5) Com a possível exceção do arsênico, todas as substâncias conhecidas como
carcinogênicas em seres humanos são também em uma ou mais espécies de
animais. Entretanto, na maioria das substâncias carcinogênicas em animais não se
tem verificado o mesmo efeito em seres humanos.
6) As informações disponíveis sobre mecanismos biológicos confirmam o enunciado
de que as respostas biológicas obtidas com animais utilizados em experimentos são
similares em seres humanos. Entretanto, sem dúvida, as respostas biológicas à
algumas substâncias podem diferir consideravelmente entre espécies diferentes.
7) Os locais de formação de tumores em seres humanos podem em algumas situações
específicas diferir dos observados em animais experimentais.
8) As informações obtidas a partir da administração em animais de uma substância
pela mesma via de exposição que é vivenciada pelos seres humanos é considerada
com valor mais preditivo do que a informação obtida pela administração pôr vias
diferentes de exposição. Entretanto, deve se considerar que, sem dúvida, se os
tumores se formam no interior do organismo, a via de exposição não é tão
importante.
9) Em geral, uma resposta múltipla em animais experimentais - formação de tumores
ou efeitos sistêmicos em várias espécies e em ambos os sexos, resultante de níveis
de exposições diferentes, com intensidade/freqüência de respostas diretamente
relacionadas com a magnitude da exposição, e em vários locais do corpo - fornece
evidências mais convincentes sobre o potencial carcinogênico ou o dano sistêmico
para o ser humano do que uma resposta limitada a uma só espécie, a um só sexo, a
locais do corpo onde freqüentemente não ocorrem tumores ou a efeitos sistêmicos
em animais que não estão submetidos à exposição (pôr exemplo, tumores de fígado
em ratos machos do grupo controle).
VII.2.2. Dados sobre os Danos à Saúde Causados pelo Benzeno
Efeitos Agudos
1) A exposição simultânea ao benzeno e ao etanol pode aumentar a toxicidade do
mesmo (ATSDR, 1991);
2) Os sintomas neurológicos em seres humanos associados à exposição ao benzeno
incluem tonteira, dor de cabeça e perda de consciência. A ingestão de grandes
quantidades de benzeno pode resultar em vômito, tonteira, convulsão e óbito em
seres humanos (ATSDR, 1991);
3) A exposição ao benzeno em seu estado de vapor ou líquido pode irritar a pele,
olhos e o trato respiratório superior. A exposição dérmica ao benzeno pode resultar
em irritação e formação de bolhas (ATSDR, 1991; Sittig, 1985);
4) Estudos com animais mostraram efeitos neurológicos, imunológicos e
hematológicos a partir de exposições orais e via inalação ao benzeno (ATSDR,
1991);
5) Testes sobre exposição aguda em animais, como testes de CL50 e DL50 em ratos,
camundongos, coelhos e cobaias, têm demonstrado que o benzeno apresenta baixa
toxicidade aguda pôr inalação, toxicidade aguda moderada pôr ingestão e
toxicidade aguda moderada ou baixa pôr exposição dérmica (RTECS, 1993).
Efeitos Crônicos
1) A inalação prolongada de benzeno causa alterações hematológicas em seres
humanos. O benzeno afeta especificamente a medula óssea (o tecido que produz as
células sangüíneas). Podem ser desenvolvidas anemias plásticas, hemorragia
excessiva e danos no sistema imune (através de alterações nos níveis sangüíneos de
anticorpos e perda de células brancas do sangue) (ATSDR, 1991);
2) Em animais, a exposição crônica ao benzeno via oral e via inalação crônica ao
benzeno produz os mesmos efeitos vistos em seres humanos (ATSDR, 1991);
3) O benzeno causa aberrações cromossômicas, tanto numéricas quanto estruturais,
em seres humanos (ATSDR, 1991);
4) A CRf e a DRf para o benzeno estão sendo revistos pela EPA (IRIS, 1993).
Efeitos Reprodutivos e de Desenvolvimento, Embriotoxicidade e
Teratogenicidade
1) Foram observadas alterações menstruais e diminuição do tamanho dos ovários em
mulheres expostas ocupacionalmente a altos níveis de benzeno (ATSDR, 1991);
2) Vários estudos epidemiológicos de mulheres expostas ocupacionalmente sugerem
que o benzeno pode reduzir a fertilidade em mulheres expostas a altos níveis.
Entretanto, estes estudos são limitados devido à falta da história da exposição,
exposição simultânea a outras substâncias e falta de seguimento (ATSDR, 1991);
3) Os dados disponíveis sobre os efeitos de desenvolvimento em seres humanos são
inconclusivos, devido à exposição concomitante a outras substâncias químicas,
tamanho de amostragem inadequado e falta de dados quantitativos de exposição
(ATSDR, 1991);
4) Quando da exposição ao benzeno, via inalação, de animais grávidas, foram
observados efeitos adversos no feto, incluindo baixo peso ao nascer, atraso na
formação dos ossos e danos na medula óssea (ATSDR, 1991).
Risco de Câncer
1) Em seres humanos expostos ao benzeno, tem sido observado o aumento na
incidência de leucemia (câncer no tecido que forma as células brancas do sangue)
(ATSDR, 1991; IRIS, 1993);
2) A EPA e o IARC tem classificado o benzeno como integrante do Grupo A,
reconhecido como carcinógeno em seres humanos (IRIS, 1993);
Mecanismo de Ação Tóxica
Os mecanismos de ação tóxica do benzeno não estão ainda totalmente esclarecidos,
mas existem fortes evidências que sugerem que esses efeitos dependem diretamente do
metabolismo, isto é, da ativação metabólica desta substância nos organismos vivos. Os
principais produtos do metabolismo do benzeno são o fenol, o catecol, a hidroquinona, e os
derivados de anel aromático aberto, como o ácido trans,trans-mucônico (Barbosa, 1997).
A toxicidade do benzeno pode se dar pôr sua ação direta ou através de seus
metabólitos, podendo ainda agir de forma sinérgica. Na medula óssea as “stem cells” e as
células do estroma são consideradas órgãos-alvo em potencial para a ação tóxica do benzeno.
A toxicidade medular do benzeno deve-se à capacidade de ligação de um ou de mais de seus
metabólitos, formados a partir da biotransformação, com macromoléculas como o DNA e
proteínas (Barbosa, 1997).
A ação do benzeno sobre a medula óssea determina uma lesão central que é
responsável pelas alterações hematológicas periféricas que se instalam e que podem ser
tardias e inespecíficas. Pelo fato da medula óssea ser parte integrante dos sistemas imune e
hematopoiético, suas alterações podem resultar em distúrbios em ambos aparelhos. Um dos
clássicos modelos de indução de atrofia da medula óssea é através da administração do
benzeno, onde a medula é ocupada pôr tecido adiposo permeada pôr focos isolados de células
hematopoiéticas e linfopoiéticas (Barbosa, 1997).
VII.2.3 Transporte, Distribuição e Transformação do Benzeno no Meio Ambiente
O benzeno apresenta-se no ar predominatemente na forma de vapor, e o tempo de
persistência no ambiente pode variar de horas a dias, de acordo com o clima, e em função da
concentração de radicais de hidroxila, dióxido de enxofre e nitrogênio. O benzeno presente no
ar é carreado com a chuva contaminando as águas superficiais e subterrâneas, sendo solúvel
na razão de aproximadamente 1.000 mg/litro. Devido, fundamentalmente, a sua volatização, o
tempo de persistência do benzeno em água é de poucas horas, e sua adsorção pelos
sedimentos é praticamente nula (IPCS, 1993).
O benzeno presente no solo pode passar para o ar pôr volatização, e para as águas
superficiais pela correnteza. Se enterrado ou liberado em camadas inferiores à superfície, será
transportado pelas águas subterrâneas (IPCS, 1993).
Em condições aeróbicas o benzeno presente na água e no solo é rapidamente
degradado, pela ação bacteriana, a lactato e piruvato, através da formação de produtos
intermediários como fenol e catecol. Entretanto, em condições anaeróbicas (pôr exemplo em
águas subterrâneas) a degradação bacteriana requer semanas ou meses. Não havendo
degradação bacteriana o benzeno pode acumular. Não existem provas de uma
bioconcentração8 ou bioacomulação9 do benzeno em organismos aquáticos ou terrestres
(IPCS, 1993).
VII.2.4 - Dados Experimentais sobre a Toxicidade do Benzeno
Estudos com Animais
A exposição de roedores ao benzeno, tanto pôr entubação, quanto pôr inalação,
resultou no desenvolvimento de neoplasias. Estudos nos quais o benzeno foi administrado,
8 Refere-se ao aumento da concentração de uma substância química no organismo (EPA, 1989)9 Refere-se ao crescimento progressivo de uma quantidade de uma substância química no organismo ou parte doorganismo que ocorre pôr conta da taxa de ingresso que excede a habilidade do organismo de remover asubstância do corpo (EPA, 1989)
através de entubação (nos níveis de dose 0, 50, 250 e 500 mg/kg de peso corpóreo), a grupos
de 30 a 40 ratos machos e fêmeas, da linhagem Sprague-Dawley, durante toda a vida
demonstraram um aumento da incidência de tumores mamários, dose-dependente, em fêmeas
e carcinomas de glândula Zimbal, carcinomas da cavidade oral e leucemias/linfomas em
ambos os sexos (Barbosa, 1997).
Em outro estudo (NTP, 1986), onde o benzeno também foi administrado pôr
entubação (nos níveis de dose 0, 50, 100 e 200 mg/kg de peso corpóreo), a grupos de 50 ratos
da linhagem F344/N de ambos os sexos, e grupos de 50 camundongos da linhagem B6C3F1
de ambos os sexos (nos níveis de dose 0, 25, 50 e 100 mg/kg de peso corpóreo), os animais
foram tratados 5 vezes pôr semana em um total de 103 semanas. Os resultados deste estudo
revelaram um aumento significativo (p<0,05) da incidência de vários crescimentos
neoplásicos em ambos os sexos e em ambas as espécies. Tanto em ratos como em
camundongos, machos e fêmeas, aumentou a incidência de carcinomas da glândula Zimbal.
Ratos machos e fêmeas apresentaram tumores na cavidade oral e os machos mostraram
aumento na incidência de tumores na pele. Os camundongos de ambos os sexos tiveram
aumento na incidência de linfomas e tumores no pulmão, observou-se nos machos tumores
nas glândulas harderiana e prepucial, enquanto nas fêmeas foram observados tumores nas
glândulas mamárias e nos ovários. Em geral o aumento da incidência foi dose-dependente.
Pequenos aumentos na incidência de neoplasia hematopoiética foram relatados em
camundongos machos C57Bl expostos pôr inalação a 300 ppm de benzeno durante 6 horas
pôr dia, 5 dias na semana, pôr 488 dias. Não houve aumento na incidência de tumor em
camundongos machos AKR ou CD-1 similarmente expostos a 100 ppm ou 100 a 300 ppm de
benzeno, respectivamente. Da mesma forma, ratos machos Sprague-Dawley expostos pôr
inalação a 300 ppm de benzeno não apresentaram aumento na incidência de neoplasias
(Snyder et al., 1981).
Em outro estudo utilizando ratos machos e fêmeas Sprague-Dawley (com 13 semanas
de idade) expostos: a 200 ppm de benzeno 4 horas pôr dia, 5 dias pôr semana (durante 7
semanas); 200 ppm 7 horas pôr dia, 5 dias pôr semana (durante 12 semanas); 300 ppm 7 horas
pôr dia, 5 dias pôr semana (durante 85 semanas), foi observado um aumento significativo de
carcinomas da glândula Zimbal e hepatomas. Com base neste estudo calculou-se o TWA10
igual a 241 ppm, considerando 8 horas pôr dia em 5 dias pôr semana (Maltoni et al., 1983).
Em diversos estudos, nos quais roedores (ratos e camundongos) foram expostos via
inalação a níveis de benzeno que variavam de 3,2 a 15 600 mg/m3 ( 0,99 e 4 836 ppm), em um
10 Time-Weighted Average - constitui uma abordagem para calcular a média de exposição em um determinadoperíodo de tempo.
período de tempo de no mínimo 3 e máximo 32 semanas, com um regime de exposição
equivalente, de uma forma geral, a 7 horas/dia, cinco dias pôr semana , puderam ser
observados efeitos tóxicos sistêmicos como leucemia, alterações tanto numéricas quanto
morfológicas das células sangüíneas, aumento no peso de órgãos como o baço e rins,
aparecimento de várias células pluripotentes e lesões nodulares no baço, entre outros (Quadro
VII.5).
O benzeno também tem demostrado ser carcinogênico após exposições via oral. Os
experimentos sumarizados no Quadros VII.6 e VII.7, que demonstram tanto os desenhos
experimentais em animais como os principais efeitos observados, permitem-nos concluir que
a administração do benzeno via oral ou via inalação provoca vários tipos de neoplasias em
ratos e/ou em camundongos. Entre os diversos tipos de neoplasias epitelial, pôr exemplo,
foram observados os da glândula Zimbal, fígado, tecido mamário e cavidades nasais, além de
alguns linfomas e leucemias.
Estudos com Humanos
Os efeitos em seres humanos após a exposição ao benzeno são qualitativamente os
mesmos para a população em geral e os trabalhadores expostos nos locais de trabalho. No que
se refere especificamente ao câncer, o fato do benzeno ser um leucemiógeno tem sido bem
estabelecido pôr estudos de caso e estudos epidemiológicos, referindo-se na maioria das
vezes, aos trabalhadores expostos no processo industrial. Alguns estudos de casos são
apresentados no Quadro VII.8. e estudos epidemiológicos que possuem dados quantitativos
suficientes sobre exposições e efeitos para permitir referências para o estabelecimento da
relação dose-resposta são apresentados no Quadro VII.9.
Aksoy et al. (1974) relatou os efeitos da exposição ao benzeno em trabalhadores
turcos de uma indústria de sapato. A duração média do período empregatício foi de 9,7 anos
(faixa de variação 1-15 anos) e a idade média de 34,2 anos. Os níveis máximos de benzeno
durante o período de exposição foram de 210-650 ppm. Foram observados 34 casos de
leucemias ou pré-leucemias, correspondendo a uma incidência de 13/100.000 (em
comparação com a incidência de 6/100.000 na população em geral). Através do
acompanhamento deste grupo, relatou-se posteriormente 8 casos adicionais de leucemia, bem
como, evidências que sugerem o aumento de outras malignidades (Askoy, 1980).
Em um estudo de mortalidade do tipo coorte retrospectivo (Infante et al., 1977 a,b)
foram examinados os efeitos leucemiogênicos da exposição ao benzeno em 748 homens
brancos expostos durante o período que foram empregados de uma fábrica de produtos de
borracha. A exposição ocorreu de 1940-1949, sendo o estudo realizado em 1975. Um
aumento estatisticamente significativo (p ≤ 0,002) de leucemias foi observado quando
comparado com a população em geral dos EUA. Não existiu evidência de exposição a outro
solvente. As concentrações do benzeno observadas no ar, geralmente estavam abaixo do
limite recomendado na época do estudo (1940-49).
Em outro estudo de mortalidade do tipo coorte retrospectivo (Rinsky et al., 1981)
foram observadas 7 mortes pôr leucemia entre os 748 trabalhadores expostos ao benzeno e
acompanhados pôr pelo menos 24 anos (17.020 pessoas-ano). Este aumento na incidência foi
estatisticamente significativo; a taxa de mortalidade padrão (SMR) foi de 560. Para as 5
mortes pôr leucemia que ocorreram entre os trabalhadores com mais de 5 anos de exposição, a
SMR foi de 2.100. As exposições, as quais variaram de 10 a 100 ppm, considerando um TWA
de 8 horas, foram descritas como menores que os padrões recomendados para o período de
tempo de 1941-1969. Na seqüência deste estudo, os autores acompanharam o mesmo coorte
até 31/12/81 (Rinsky et al., 1987). No estudo anterior, a exposição cumulativa foi derivada
dos dados históricos de amostragem de ar ou baseados em estimativas de interpolação dos
dados existentes. As taxas padronizadas de mortalidade foram de 109 nas exposições
cumulativas ao benzeno abaixo de 40 ppm/ano e aumentaram monotonicamente para 6.637 (6
casos) acima de 400 ppm/ano. Os autores encontraram um risco significativamente elevado
para leucemia nos casos de exposições cumulativas menores que o padrão corrente para
exposição ocupacional igual a 10 ppm pôr um período de 40 anos de trabalho.
Otto et al. (1978) observaram 3 mortes pôr leucemia entre 594 trabalhadores
acompanhados pôr pelo menos 23 anos em um estudo de mortalidade do tipo coorte
retrospectivo, mas o aumento não foi estatisticamente significativo. As exposições variaram
de < 2 a > 25 ppm considerando TWA de 8 horas.
Wong et al. (1983) relataram a mortalidade de homens empregados em uma indústria
química, que haviam sido expostos ao benzeno pôr pelo menos 6 meses durante os anos de
1946-1975. A população de estudo (4062 pessoas) foi retirada de sete indústrias químicas
sendo os trabalhadores categorizados em relação à exposição máxima. Aqueles com pelo
menos 3 dias pôr semana de exposição (3036 indivíduos) foram posteriormente categorizados
com base na TWA de 8 horas. Os indivíduos do grupo controle desenvolviam o trabalho nas
mesmas indústrias, pôr pelo menos 6 meses, porém nunca estiveram expostos ao benzeno. Foi
observado um aumento, dose-dependente, no número de leucemias, câncer linfático e câncer
hematopoiético. A incidência de leucemia foi a maior responsável pôr este aumento.
Observou-se que a significância deste aumento se deveu ao fato da incidência de neoplasias
nos indivíduos não expostos ser menor do que a esperada.
Os resultados das evidências em seres humanos indicam ser o benzeno
reconhecidamente causador de vários efeitos prejudiciais a saúde. Entre os quais se destacam,
pela sua freqüência, a depressão da medula óssea, o que leva a anemia aplástica. Na exposição
a altas concentrações é provável uma alta incidência destas doenças.
Está demostrado que o benzeno tem um efeito carcinogênico nos seres humanos. Os
estudos epidemiológicos realizados sobre os trabalhadores expostos ao benzeno têm
demostrado a existência de uma relação causal entre a exposição ao benzeno e a incidência de
leucemia mieleogênica. A relação entre a exposição ao benzeno e a produção de linfoma e
múltiplo mieloma ainda precisa ser esclarecido (IARC, 1982).
VII.2.5 - Avaliação dos Dados Experimentais
Vários investigadores têm observado significativos aumentos de aberrações
cromossômicas em células da medula óssea e em linfócitos periféricos de trabalhadores
expostos ao benzeno (IARC, 1982). O benzeno também foi capaz de induzir aberrações
cromossômicas em células de medula óssea de coelhos, camundongos e ratos. Alguns
pesquisadores têm relatado resultados positivos para ensaios com micronúcleos de
camundongo e benzeno. O benzeno não foi mutagênico em alguns sistemas bacterianos ou de
leveduras e no ensaio relacionado ao sexo de mutação letal recessiva com Drosophila
melanogaster (IRIS, 1993).
VII.2.6 - Considerações sobre as Evidências dos Efeitos Carcinogênicos do
Benzeno em Animais e no Homem
Evidências em Animais
1) As informações a partir de estudos experimentais em animais estão de acordo com
os princípios do item VII.2.1 (Alguns Princípios da Avaliação do Perigo),
particularmente com o princípio nº 9?
2) Considerando os princípios do item VII.2.1, existem razões para concluir que o
benzeno não é carcinogênico em animais experimentais?
3) Deve-se considerar que os tumores causados em animais submetidos a exposição
ao benzeno possuem alguma relação com risco de tumores causados em seres
humanos submetidos à baixas exposições?
4) As informações obtidas pela exposição de animais pôr via oral devem ser
consideradas pertinentes do que diz respeito à exposição de seres humanos pôr via
inalatória?
5) Existem razões para considerar que a exposição de seres humanos ao benzeno
representam riscos de se desenvolverem diversos tumores?
6) Diante das informações disponíveis existe algum modo de determinar se as
respostas em seres humanos seriam similares às obtidas em ratos e camundongos?
7) As informações obtidas em experimentos animais fornecem evidências suficientes
para demonstrar que o benzeno é carcinogênico em animais? Esta informação é
limitada ou inadequada?
Evidências em Humanos
1) As informações obtidas a partir de estudos de casos e estudos epidemiológicos
alteram as conclusões obtidas a partir das informações provenientes de estudos
experimentais em animais? Se sim, como? Se não, porque?
2) As informações obtidas a partir de estudos de casos e estudos epidemiológicos
fornecem evidencias suficientes para provar que o benzeno é realmente causador de
câncer em seres humanos? As informações disponíveis são limitadas ou
inadequadas?
VII.2.7 - Considerações sobre os Riscos de Câncer pôr Substâncias Tóxicas
Relembrando o item II.4.7 do capítulo II, de um modo geral, para ações
regulamentadoras, categorizaram-se diferentes classes de substâncias de acordo com a força
das evidências a partir de estudos em animais e em seres humanos encontradas em relação as
mesmas. Conforme pode se observar a seguir a categorização é a seguinte (Quadro II.16)
(EPA, 1996):
⇒ A - Carcinogênico humano comprovado: evidências suficientes em seres humanos.
⇒ B1 - Provável carcinogênico humano: dados em seres humanos limitados e dados
suficientes em animais.
⇒ B2 - Provável carcinogênico humano: dados de seres humanos inadequados e dados
em suficientes em animais.
⇒ C - Possível carcinogênico humano: dados em seres humanos inadequados e dados
limitados em animais.
⇒ D - Não classificado como carcinogênico em humanos: dados inadequados tanto
em seres humanos quanto em experimentos com animais.
⇒ E - Evidências positivas de que não é carcinogênico para humanos: evidências
negativas em animais e sem informação em seres humanos
Deve-se observar no Quadro II.16, que a categoria “sem informação” significa
apenas que não existe informação disponível que indique que a substância seja carcinogênica.
A categoria “negativa” significa, para seres humanos, que não se encontrou nenhuma
associação entre a exposição e um aumento do risco de canceres em estudos epidemiológicos
analíticos bem feitos e desenhados. Quando se revisa as informações obtidas a partir de
estudos em animais, “negativa” significa que não se encontrou um aumento na incidência de
neoplasias em pelo menos dois estudos em animais (com potências e doses adequadas e em
diferentes espécies) bem desenhados e bem feitos.
VII.2.8. Algumas Conclusões Possíveis Sobre a Carcinogenicidade do Benzeno
1) O benzeno é um carcinogêno humano (Grupo A), pois existem evidências
epidemiológicas suficientes para dar suporte a associação causal entre a exposição
ao benzeno e o câncer.
2) O benzeno é um provável carcinógeno humano (Grupo B2), pois existem
evidências de carcinogenicidade em animais, demonstrada pelo aumento da
incidência de tumores em vários órgãos em múltiplas espécies (ratos e
camundongos), em experimentos múltiplos que incluem diferentes vias de
administração (inalação e oral), e em níveis de doses diferentes. As evidências
sobre carcinogenicidade em estudos epidemiológicos são inadequadas.
3) O benzeno é um possível carcinogêno humano (Grupo C), pois as evidências
existentes acerca de carcinogenicidade em animais são limitadas.
4) O benzeno não pode ser classificado quanto a carcinogenicidade humana (Grupo
D), pois consideradas as condições extremas sobre as quais se produziram tumores
nos experimentos animais, não há razão para crer que o benzeno seja um possível
carcinógeno humano. As evidências sobre carcinogenicidade são inadequadas em
estudos epidemiológicos.
5) Outra alternativa (formule sua própria conclusão).
VII.3 - AVALIAÇÃO DA RELAÇÃO DOSE-RESPOSTA PARA O BENZENO
VII.3.1. Considerações Iniciais
Normalmente esta informação não seria revisada pôr aquele que está realizando a
avaliação de risco, uma vez que, geralmente, está disponível através de bases de dados já
revisadas. Entretanto, como discutido anteriormente, deve-se ter juízo crítico quanto a
qualidade das informações disponíveis. Concentrando-se em pontos chave que serão
apresentados a seguir, pode-se usar melhor as informações sobre a relação dose-resposta.
Inicialmente será descrito o método que a EPA utiliza para avaliar as relações dose-
resposta. Em seguida serão apresentados os métodos alternativos para que se conheça como
outros grupos científicos tratam este assunto.
• O que se pode dizer sobre os riscos para as margens de exposição humana? Ao menos
três propostas gerais para abordar esta pergunta tem sido feitas pôr especialistas.
Proposta 1: Baseando-se nas teorias gerais de como os carcinogênicos atuam para produzir
câncer (derivadas principalmente de estudos experimentais e dados
epidemiológicos), qualquer nível finito de exposição produzirá um risco finito. A
magnitude do risco diminuirá ao diminuir a magnitude da exposição (incluindo os
dados sobre animais).11
Se a relação quantitativa entre exposição e risco é conhecida para todas as
exposições, os riscos para roedores expostos à níveis muito baixos poderiam ser
previstos a partir dos dados resultantes das medições de exposição-risco medidos.
Os riscos para seres humanos poderiam ser previstos a estes níveis muito baixos,
se fosse conhecida a relação entre a susceptibilidade humana e a susceptibilidade
dos roedores. Mesmo que não se possa conhecer estas relações com exatidão,
pode ser previsto um limite superior de risco para seres humanos com exatidão
suficiente para usá-lo como guia para tomar decisões sobre risco. O risco humano
real, provavelmente, não excederá o limite superior, podendo ser menor. Este é o
método geralmente adotado pela EPA para avaliar o risco associado com a
exposição a baixos níveis de carcinogênicos.
Proposta 2: As relações quantitativas entre os riscos pôr alta e pôr baixa exposição em
roedores e as relações quantitativas entre riscos em roedores e em seres humanos,
não são suficientemente conhecidas para que possam ser utilizadas na avaliação
do risco. Além do que, não existe uma teoria confiável a partir da qual se pode
concluir, com segurança, que a exposição humana a baixo nível (pôr exemplo,
abaixo da margem que produz riscos detectáveis) não representa risco. Como no
caso de outros efeitos tóxicos, a carcinogenicidade se iniciará em um indivíduo
quando um nível crítico de exposição (limiar) for ultrapassado. Em tais
circunstâncias, o único caminho razoável é informar a magnitude da margem de
exposição (MdE) na qual os seres humanos estão protegidos. A MdE é a
quantidade máxima de exposição que não produz uma resposta de tumor
mensurável em animais (NOAEL), dividida pela quantidade de exposição humana
real. A MdE dá informação adequada ao gerenciador de risco para decidir se as
exposições devem ser reduzidas ou eliminadas para proteger o ser humano. Uma
MdE relativamente grande é desejável, porque é provável que o limiar de toda a
população seja mais baixo do que o observado nos pequenos grupos de animais
usados em experimentação. Este enfoque geralmente se aplica quando se avalia o
risco da maioria dos efeitos que não são carcinogênicos
Proposta 3: Mesmo que exista uma teoria adequada e alguma evidência para concluir que os
seres humanos estão sob risco finito em todos os níveis de exposição finitos, o
conhecimento é insuficiente para permitir a estimativa de risco em termos
quantitativos. O avaliador deve simplesmente procurar fazer a descrição
qualitativa do risco, talvez ligando esta descrição com alguma informação sobre a
potência do composto e sobre a magnitude da exposição humana. Este tipo de
apresentação é adequada para o gerenciador de risco, que não deve preocupar-se
unicamente com a magnitude quantitativa do risco.
Cada uma destas perspectivas, bem como outras, possuem seus méritos. A primeira
proposta é usada pela maioria das agências federais de saúde pública e agências federais
normativas americanas, incluindo a EPA. Estas agências acentuam o fato de que os riscos
numéricos estimados não são conhecidos com precisão, mas pela natureza dos modelos que
são utilizados para calcula-los, constituem-se provavelmente nos limites superiores de risco
humano. Um limite superior é aquele que provavelmente apresenta um risco inferior ao risco
verdadeiro, possivelmente excedendo o mesmo (o qual pode ser zero).
Para este exercício, serão calculados os riscos em baixa exposição utilizando-se o
modelo que a EPA emprega atualmente. Um modelo é uma fórmula matemática que descreve
11Estas duas frases são expressões apropriadas ao conceito de “sem limiar”. Não significa que todas asexposições finitas causarão câncer, mas significa que todas as exposições finitas aumentarão a probabilidade(risco) de que o câncer ocorra.
as relações entre várias medidas e uma variável que se deseja estimar. São necessários dois
modelos para predizer os riscos sob baixa exposição.
• Modelo de extrapolação de alta para baixa exposição: é utilizado para estimar os
riscos em baixos níveis de exposição em roedores a partir dos dados resultantes de medições
em exposições à doses altas. Atualmente, a EPA usa um “modelo linear de etapas múltiplas”
para este propósito. Este modelo se baseia em teorias gerais (que não são específicas para
cada substância) sobre os processos biológicos fundamentais da carcinogênese de ampla
aceitação. Ao aplicar o modelo nos dados de exposição de roedores, este produz um cálculo
de risco para toda a vida, para cada unidade de exposição, na região de baixa exposição. Esta
é a unidade de risco de câncer ou o risco unitário de câncer. O modelo linear de etapas
múltiplas é utilizado para assegurar que o risco unitário de câncer seja um cálculo do limite
superior do risco.
• Modelo de extrapolação entre espécies: que é utilizado para extrapolar os riscos
unitários de roedores para os riscos unitários dos seres humanos. A EPA supõe que roedores e
seres humanos possuem o mesmo perigo a partir de uma mesma exposição, medida em
miligramas do carcinógeno pôr metro quadrado da superfície corporal pôr dia. Os modelos de
extrapolação entre espécies são freqüentemente chamados de “fatores de escala”, porque
permitem o ajuste de doses entre diferentes espécies. A seleção destes modelos pela EPA, se
baseia no entendimento que estes são os melhores para se calcular o limite superior de risco.
Existem modelos alternativos para ambas as formas de extrapolação, sendo igualmente
aceitáveis. Na maioria dos casos, o uso de modelos alternativos plausíveis produzirá cálculos
de risco mais baixos que aqueles estimados pelos modelos mencionados. Em geral, estas
diferenças são relativamente pequenas, quando considera-se que a baixas exposições as
relações são lineares. Quando usamos relações do tipo não linear as diferenças entre os
resultados dos diferentes modelos podem ser elevadas.
VII.3.2. Estimativas Quantitativas de Risco a partir da Exposição Via Oral ou Via
Inalação
O risco quantitativo estimado do benzeno é apresentado de três formas: primeiro, o
coeficiente de inclinação da reta, que exprime a relação entre dose-resposta, usando-se um
modelo de extrapolação de altas para baixas doses; o coeficiente de inclinação é apresentado
como o risco pôr mg/kg/dia; a segunda forma é a unidade de risco que é uma estimativa
quantitativa em termos, tanto de risco pôr µg/L de água bebida quanto de risco pôr µg/m3 de
ar respirado; a terceira forma na qual o risco é apresentado, são as concentrações no ar ou
água que apresenta riscos de câncer na proporção 1 : 10.000; 1 : 100.000 e 1:1.000.000.
VII.3.2.1. Coeficiente de Inclinação, a partir de Modelos de Extrapolação de Altas
para Baixas Doses
O coeficiente de inclinação foi derivado de dados provenientes de estudos em seres
humanos para exposições ao benzeno via inalação. Foi considerada uma taxa respiratória
humana igual a 20 m3/dia e o consumo de água como igual a 2 L/dia. As frações absorvidas
das doses administradas via inalação e através da água de beber foram consideradas como
sendo iguais (IRIS, 1994).
• Coeficiente de Inclinação: 2,9 x 10-2 pôr (mg/kg/dia)
obs1: isto significa, pôr exemplo, que uma população exposta pôr via inalatória a uma
dose de 1 mg de benzeno/kg de peso corpóreo/dia, durante toda a vida, apresenta uma
probabilidade de ocorrência de câncer de 3 em 100.
VII.3.2.2. Unidade de Risco do Benzeno, a partir de Modelos de Extrapolação de
Altas para Baixas Doses
A unidade de risco estimada é a média geométrica de quatro pontos de concentração
média (CM), estimados usando os dados agrupados dos estudos de Rinsky et al. (1981) e Ott
et al. (1978), sendo posteriormente ajustada para os resultados do estudo de Wong at al.
(1983).
A unidade de risco não deve ser utilizada se a concentração de benzeno na água
exceder 1 x 104 µg/L ou 100 µg/m3 no ar, uma vez que as extrapolações utilizadas para o
cálculo da unidade de risco podem não ser apropriadas para concentrações maiores que estas.
• Unidade de risco: 8,3 x 10-6 pôr (µg/m3)
obs2: assim estima-se que, se um indivíduo respira ar contendo benzeno a 0,1 µg/m3
pôr todo o seu período de vida, esta pessoa não deveria ter, em teoria, uma chance maior que
um em um milhão de desenvolver câncer como resultado desta exposição. De forma similar,
estima-se que respirar ar contendo 1,0 µg/m3 pode resultar no aumento da chance de
desenvolver câncer menor do que um em cem mil, e ar contendo 10,0 µg/m3, não deve
resultar em um aumento na chance de desenvolver câncer maior que 1 em 10.000 pessoas.
VII.3.2.3. Concentrações de Benzeno na Água e no Ar, que Causam Riscos de
Câncer nas Proporções - 1 : 10.000, 1 : 100.000 e 1:1.000.000
Uma outra forma de expressar a unidade de risco, talvez até mais clara, é através das
concentrações de benzeno no ar e na água capazes de induzir determinados níveis de risco
específicos (vide obs3).
Nível de Risco benzeno no ar (µg/m3) benzeno na água (µg/L)
1 : 10.000 10 100
1 : 100.000 1 10
1 : 1.000.000 0,1 1
obs3: deve-se notar que a unidade de risco está relacionada à concentrações ambientais
do poluente, enquanto o coeficiente de inclinação está relacionado a dose que um indivíduo
está exposto. Entretanto ambos os parâmetros consideram a exposição ao longo de toda a
vida, quando utilizados para avaliar riscos de câncer.
obs4: pôr fim cabe ressaltar que este risco calculado, refere-se ao risco adicional
(expresso em termos de probabilidade), que um determinado indivíduo ou população adquire,
devido a exposição a um poluente específico, não sendo considerado o risco que o indivíduo
ou a população em geral já possui, devido a outros fatores aos quais também está exposta.
VII.3.2.4. Discussão da Confiança
Os estudos de coorte agrupados foram suficientemente grandes e seguidos pôr um
período de tempo adequado. O aumento na incidência de leucemias foi estatisticamente
significativo e dose-relacionado em um dos estudos. Wong et al. (1983) discordam que as
exposições relatadas pôr Rinsky et al. (1981) estejam de acordo com os padrões
recomendados. Considerando as cinco mortes pôr leucemia em pessoas expostas a cinco ou
mais anos, o autor notou que os níveis médios de exposição (15-70 ppm) excediam o padrão
recomendado de 25 ppm em 75 % dos locais de trabalho amostrados. Um total de 21
estimativas de unidades de risco foram calculadas usando 6 modelos e várias combinações de
dados epidemiológicos. A faixa de variação foi de um pouco mais de uma ordem de
magnitude. A média geométrica destas estimativas é 2,7 x 10-2. Modelos de regressão geraram
estimativas similares a média geométrica.
O coeficiente de inclinação estimado acima, baseado na reconsideração dos dados de
Rinsky et al. (1981) e Ott et al. (1978), é muito próximo do citado pela EPA (1980) de 2,4 x
10-2, baseado nos dados de Infante et al. (1977 a e b), Ott et al. (1978) e Aksoy et al. (1974).
Na opinião dos autores de EPA (1985) a avaliação da exposição realizada pôr Aksoy et al.
(1974) foi muito imprecisa para sua utilização na avaliação de dose-resposta.
Estimativas de risco utilizando os dados baseados nos estudos com animais expostos
pôr entubação gástrica, geram riscos 5 vezes maiores que os obtidos através dos dados
provenientes de estudos com seres humanos. Dados farmacocinéticos que podem contribuir
para elucidar esta questão, estão sendo avaliados, podendo resultar na alteração da avaliação
de risco do benzeno.
VII.3.2.5. Avaliação da Relação Dose-Resposta para Substâncias Carcinogênicas
sem Extrapolação Formal
Outra abordagem já referida, baseia-se na premissa que os estudos de dose-resposta
possuem uma imprecisão que não permite uma extrapolação formal de seus resultados para o
cálculo do risco. Assim uma alternativa é relatar, a partir dos estudos existentes na literatura,
as doses nas quais não se observou o surgimento de câncer ou não se observou o surgimento
de câncer significativamente diferente do controle (o nível de dose que poderia ser o NOAEL,
caso este exista). Esta não é a abordagem que é utilizada pela EPA para substâncias
carcinogênicas. A EPA considera que para substâncias carcinogênicas não existe um nível
seguro de exposição e portanto o risco zero somente ocorre quando da exposição zero, não
havendo NOAEL (sem limiar).
VII.3.2.6. Considerações sobre a Avaliação de Dose-Resposta da
Carcinogenicidade do Benzeno
1) Ao fazer os cálculos do coeficiente de inclinação: deveriam se usados somente os
modelos atualmente preferidos pela EPA ou deveriam se apresentar também os
resultados de outros modelos?
2) Que informação da literatura deve ser usada para calcular o coeficiente de
inclinação?
3) Como pode-se descrever as incertezas associadas ao uso dos modelos?
4) São os NOAELs apresentados no Quadro VII.10 níveis reais de nenhum efeito ou
estes NOAELs podem ser resultados de imperfeições dos desenhos experimentais
utilizados? Como pode se descrever esta incerteza?
5) A EPA tem adotado a proposta 1, usando coeficiente de inclinação, para extrapolar
os efeitos em doses baixas a partir de doses altas de exposição e/ou extrapolando
resultados em animais para seres humanos. Como você poderia argumentar em
favor desta abordagem em detrimento das outras (proposta 2 e
VII.3.2.7. Algumas Conclusões Possíveis sobre a Avaliação de Dose-Resposta da
Carcinogenicidade do Benzeno
Qual das seguintes conclusões melhor caracteriza a informação que foi vista?
1) Os coeficientes de inclinação obtidos com os modelos alternativos são 10 a 100
vezes mais baixos que aqueles obtidos com o modelo atualmente utilizado pela
EPA.
2) Deve-se oferecer informações sobre todos os coeficientes de inclinação para todos
os modelos possíveis e todos os cálculos devem ser apresentados sem distorções.
3) Não é necessário calcular nem dar informações sobre o coeficiente de inclinação. A
margem de exposição (MdE) é a informação crítica utilizada para entender a
importância que a exposição a baixos níveis tem para a saúde pública. O cálculo da
MdE é feito com base nos valores de NOAEL para efeitos carcinogênicos.
4) Nem o coeficiente de inclinação nem o NOAEL são indicadores confiáveis do risco
humano; nenhum dos dois devem ser considerados para o cálculo de risco. As
relações de dose-resposta para o benzeno não são conhecidas em uma população
humana e, desta forma; o risco deve ser descrito somente em termos qualitativos.
5) Outra (formule sua própria conclusão).
VII.4 - AVALIAÇÃO DA EXPOSIÇÃO HUMANA AO BENZENO
VII.4.1. Alguns Princípios Utilizados para Avaliação da Exposição
1. O objetivo de avaliar a exposição dos trabalhadores ao benzeno é identificar a
magnitude, a freqüência e a duração da mesma, bem como as vias pelas quais se
encontram expostos. Outras informações úteis definidas nesta etapa dizem respeito
ao número de pessoas expostas bem como suas características (exemplos: sexo,
idade, peso, etc.).
2. O cálculo da exposição é feito através da determinação da quantidade do benzeno
nos meios ambientais adequados (no caso em questão, se considera prioritariamente
o benzeno ar) e conhecendo-se a taxa de consumo pelo homem pôr unidade de
tempo (m3 ou l/dia), sob diferentes condições de atividade.
3. Alguns indivíduos podem estar expostos através de diferentes meios contaminados,
neste caso deve-se considerar o consumo de todos os meios.
4. Considerando-se que a determinação dos níveis do contaminante no ambiente é
feita a partir de um número limitado de amostras do mesmo, temos sempre uma
incerteza associada à esta amostragem. Assim deve-se planejá-la cuidadosamente
de modo a obter amostras representativas do meio estudado.
5. As vezes as concentrações dos contaminantes no ar e na água são estimadas
utilizando modelos matemáticos. Mesmo quando estes modelos fornecem valores
prognósticos, nem sempre são considerados confiáveis.
6. Geralmente se utilizam valores médios padrões ou faixas de variadas substâncias
encontradas nos diferentes ambientes pelo homem. Entretanto, caso haja
informações mais adequadas e precisas sobre estes valores, estas devem ser
preferencialmente usadas.
Neste exercício de avaliação do risco de trabalhadores expostos ao benzeno, utilizou-
se os dados do estudo de Barbosa (1997) sobre os trabalhadores expostos ao benzeno no seu
processo de trabalho. Em seu estudo, Barbosa (1997) realizou, entre outras coisas, o
monitoramento ambiental de uma refinaria de petróleo situada no Estado do Rio de Janeiro,
no período de outubro de 1996 a janeiro de 1997.
O monitoramento ambiental da exposição ocupacional ao benzeno foi realizado
através da utilização de monitores passivos individuais para compostos orgânicos voláteis,
dispostos ao nível da zona respiratória dos trabalhadores amostrados, isto é, empregados
como dosímetros de lapela. Além desta amostragem individual dos trabalhadores, foi
realizada uma amostragem ambiental, nos prováveis pontos ou atividades específicas
responsáveis pôr emissões de benzeno (Barbosa, 1997).
Os monitores passivos para vapores orgânicos de todos os trabalhadores monitorados,
de todos os grupos, foram recolhidos ao final de cada turno de trabalho dos trabalhadores
amostrados e lacrados com uma tampa plástica de vedação e mantidos imediatamente sob
refrigeração (-4oC) até o momento da análise laboratorial. O período de armazenamento dos
monitores sob refrigeração variou de uma a nove semanas (Barbosa, 1997).
VII.4.2. Descrição da Área de Estudo e do Processo de Trabalho
A etapa de reconhecimento do processo de trabalho baseou-se na coleta de
informações através de visitas aos setores e entrevistas com os próprios trabalhadores. A
partir de “layouts” dos locais de trabalho, buscou-se uma descrição dos fluxos dos processos
produtivos, procedimentos operacionais, e equipamentos considerados como prováveis fontes
de emissão de benzeno (Barbosa, 1997).
Foram também consideradas as informações sobre ventilação, temperatura e umidade
relativa do ar, nos diferentes postos e ambientes de trabalho, caracterizando-se aqueles
abastecidos pôr sistemas de ar condicionado, como ambientes fechados, e aqueles sob
ventilação natural, como abertos (Barbosa, 1997).
Com base nestas informações, selecionou-se para o monitoramento trabalhadores da
Unidade de Reforma Catalítica (URC) e do Setor de Qualidade (QLD), devido a sua provável
exposição ao benzeno, durante a execução de determinadas atividades operacionais nos seus
respectivos postos de trabalho (Barbosa, 1997).
VII.4.2.1. Unidade de Reforma Catalítica
A Unidade de Reforma Catalítica tem como objetivo a produção de gasolina de alta
octanagem através da reforma da nafta pesada com a conversão dos hidrocarbonetos
parafínicos e naftênicos em aromáticos. Esta Unidade recebe como carga diária cerca de 1.900
m3 de nafta pesada, proveniente do processo de destilação atmosférica, para a produção final
do chamado “reformado aromático”, que chega a apresentar em sua composição final, em
termos proporcionais, cerca de 4% de benzeno (Barbosa, 1997)..
Os procedimentos operacionais desta Unidade são executados e desenvolvidos, pôr
seus trabalhadores, basicamente em dois principais ambientes de trabalho: Sala de Controle e
Planta de Processo. A Sala de Controle está localizada praticamente ao lado da Planta de
Processo, em uma construção de um pavimento de aproximadamente 150 m2, abastecida pôr
um sistema próprio de ar condicionado, onde estão localizados também o vestiário, o banheiro
e uma copa-cozinha para uso exclusivo dos seus operadores. Todo o processo operacional
automatizado da Unidade é acompanhado e controlado pelos operadores, através de leituras
periódicas dos painéis de controle localizados no interior desta sala (Barbosa, 1997)..
A Planta de Processo da Unidade é dividida em três seções:
⇒ Tratamento;
⇒ Reformação Catalítica;
⇒ Estabilização.
• Tratamento: Consiste no hidroacabamento da nafta pesada (carga) com hidrogênio
a fim de remover os compostos nitrogenados, oxigenados, sulfurados, halogenados
e os metais, que são prejudiciais ao catalisador da seção de Reforma. Esta remoção
é realizada em leito catalítico, envolvendo o cobalto e o molibidênio, como
catalizadores, a uma temperatura de 320oC e atmosfera rica em hidrogênio (25
Kgf/cm2). Os compostos são transformados, através de hidrogenação, em H2S, NH3
, H2O, e as olefinas são saturadas e os metais são adsorvidos no leito catalítico
(Barbosa, 1997).
• Reformação Catalítica: Consiste na transformação de hidrocarbonetos parafínicos
e naftênicos em aromáticos, através de leitos catalíticos a uma temperatura de
515oC e atmosfera rica em hidrogênio (35 Kgf/cm2). Estas reações produzem Gases
Liquefeitos do Petróleo (GLP) e Hidrogênio como sub-produtos desta unidade
(Barbosa, 1997).
• Estabilização: Consiste na remoção do GLP e do Gás Combustível, responsáveis
pôr aproximadamente 30% da carga, agregados ao reformado aromático como
resultado das reações catalíticas (Barbosa, 1997).
VII.4.2.2. Setor de Qualidade
O Setor de Qualidade da Refinaria é responsável pelo Controle de Qualidade de todos
os seus produtos, através do gerenciamento e execução de serviços técnicos de laboratório em
petróleo, derivados de petróleo, produtos intermediários de processo, produtos residuais, água,
catalisadores, produtos químicos e despejos industriais, voltados ao controle da qualidade da
produção, otimização dos processos e preservação do meio-ambiente. É responsável, também,
pela emissão e fornecimento de certificados de ensaios dos produtos destinados à
comercialização (Barbosa, 1997).
Dentre os produtos intermediários de processo, podemos destacar aqueles
provenientes da Unidade de Reforma Catalítica, como possíveis fontes de benzeno (Barbosa,
1997).
De acordo com o regime de trabalho e as características das operações e atividades
desenvolvidas pôr seus trabalhadores, este setor também pode ser dividido em dois ambientes
de trabalho: um de atividades de rotina e outro de atividades de turno. Considerou-se, para
fins do estudo, como atividades de rotina aquelas executadas pelos trabalhadores de regime de
trabalho em horário administrativo e como de turno, as desenvolvidas pelos trabalhadores de
turno propriamente ditos (Barbosa, 1997).
As atividades consideradas de Rotina são aquelas desenvolvidas na sala de controle de
qualidade laboratorial e nas três salas da área de química analítica: sala de controle ambiental,
sala de absorção atômica e potenciometria, e sala de cromatografia (Barbosa, 1997).
As atividades ou procedimentos operacionais desenvolvidos pelos trabalhadores de
turno são aqueles executados na área de controle de qualidade de produtos (CQP),
compreendida pelas demais salas do setor: sala de turno, sala do analista II, sala de fulgor,
sala de descarte de material do turno, sala de octanagem e salas de ensaios físicos (Barbosa,
1997).
As salas maiores e principais como as salas de turno, sala do analista II, sala de
química ambiental e cromatografia são abastecidas pôr sistemas de refrigeração a base de
aparelhos de ar condicionado próprios, com capacidade de renovação do ar insuficiente para
as dimensões destas salas. As dimensões destas salas variam de 60 a 180 m2 e apresentam um
pé direito de aproximadamente cinco metros. Deve-se ressaltar que a sala de turno é um dos
principais ambientes de trabalho dos trabalhadores deste setor, onde são realizados cerca de
80 % dos ensaios e testes dos produtos provenientes das diversas unidades de processo da
refinaria. Esta sala é a maior do setor, possuindo um sistema de ventilação e refrigeração de
ar, com troca restrita de ar com o meio externo (Barbosa, 1997).
VII.4.3. Caracterização dos Grupos Expostos
Foram monitorados 78 trabalhadores divididos em 4 grupos, considerados
homogêneos quanto as condições de exposição, de 2 setores da refinaria (Unidade de Reforma
Catalítica e Setor de Qualidade). De forma a caracterizar melhor o excesso de risco resultante
somente da exposição ao benzeno no processo de trabalho, considerou-se também um outro
grupo de 30 trabalhadores da mesma refinaria, não expostos ocupacionalmente, durante o
mesmo período (Administrativo) (Barbosa, 1997)..
Considerou-se a possibilidade dos trabalhadores amostrados estarem expostos a outras
fontes não ocupacionais do benzeno, como o cigarro (Barbosa, 1997)..
Os trabalhadores foram monitorados durante a execução de suas atividades e
procedimentos operacionais da rotina diária de trabalho, isto é, durante toda a jornada ou
turno de trabalho, que correspondeu a aproximadamente oito horas (Barbosa, 1997)..
A caracterização dos grupos de trabalhadores, baseou-se no regime e na duração da
jornada de trabalho, nos postos específicos de trabalho, na descrição das funções e atividades
desenvolvidas, e na freqüência e tempo dispensado para cada uma das atividades ou
procedimentos de trabalho, levando-se também em consideração a relação desses
trabalhadores com as diferentes fontes de exposição identificadas (Barbosa, 1997).
VII.4.3.1. Unidade de Reforma Catalítica
As atividades de trabalho da Unidade de Reforma Catalítica são desenvolvidas pôr
cinco turnos de trabalhadores, em três períodos do dia: das 8 às 16 h, das 16 às 0 h e das 0 às 8
horas. As principais atribuições dos trabalhadores desta Unidade, durante o turno de trabalho,
são divididas em função do cargo de cada um destes (Barbosa, 1997)..
No início de cada jornada, os trabalhadores deste setor dividem-se entre os dois grupos
homogêneos de exposição (sala de controle e planta de processo), de acordo com os diferentes
postos de trabalho, no dia da realização da amostragem (Barbosa, 1997).
Nesta Unidade, somente três operadores foram identificados comofumantes e constatou-se também, que a quantidade de cigarros fumadospôr cada trabalhador não chegavam a 5 cigarros pôr turno. Foi verificada aexistência, nesta Unidade, de um local específico para o ato de fumar,conhecido como “fumódromo”, localizado na área externa, isto é, fora dasala de controle, e não muito próximo da planta de processo (Barbosa,1997).
Foram avaliados 11 trabalhadores da planta de processo e 10 da salade controle, durante as 8 horas de trabalho. Foram considerados os temposde amostragem individualmente, para cada trabalhador, em minutos.Foram monitorados 3 grupos de turnos no período das 8 às 16 horas e mais2 grupos no período das 16 às 24 horas (Barbosa, 1997).
Quanto ao monitoramento ambiental do ar da Unidade de ReformaCatalítica foram monitoradas a sala de controle e os principaisprocedimentos e atividades específicas da planta de processo, considerando-se os períodos de cada amostragem e a temperatura e umidade do ar.Foram avaliados 6 pontos na planta de processo, sendo 2 na seção detratamento, 3 na seção de reforma e 1 na seção de estabilização (Barbosa,1997).
A escolha desses locais como pontos específicos para a avaliação de emissões do
benzeno, através do monitoramento ambiental, foi definida após a fase de reconhecimento dos
postos e processos de trabalho, a partir de dados obtidos dos próprios operadores de processo
desta Unidade, baseados no fluxograma de processo de cada seção (Barbosa, 1997).
VII.4.3.2. Setor de Qualidade
Os trabalhadores do setor de qualidade são divididos em um grupo de turno e outro de
rotina (horário administrativo). Em função da divisão pôr regime de trabalho, os trabalhadores
deste setor desenvolvem suas atividades nas três áreas distintas do setor: química analítica,
controle de qualidade de produtos e controle de qualidade laboratorial (Barbosa, 1997).
Os trabalhadores de turno executam suas atividades na área de controle de qualidade
de produtos, que corresponde ao principal ambiente de trabalho dos técnicos do QLD. Os
turnos também são realizados nos períodos de 8 às 16 h., de 16 às 0 h. e de 0 às 8 horas. Cada
turno é composto pôr aproximadamente onze trabalhadores (Barbosa, 1997).
Os trabalhadores de rotina, desenvolvem suas atividades nas áreas de química analítica
e controle de qualidade laboratorial, diariamente, no período das 8 às 16 horas (Barbosa,
1997).
Os trabalhadores do grupo de turno almoçam no próprio setor, em uma pequena copa,
enquanto os do grupo de rotina almoçam no refeitório central, e, com isso, ausentam-se pôr,
aproximadamente, uma hora dos seus postos de trabalho. Em relação ao fumo no ambiente de
trabalho, constatou-se que os trabalhadores fumantes, apenas dois do turno e um da rotina,
não podem fumar dentro das salas de laboratório do setor, e, para isso, eles se utilizam dos
corredores ao lado destas salas (Barbosa, 1997).
Foram monitorados 27 trabalhadores deste setor, 20 trabalhadores de turno,
correspondendo a dois turnos, e 7 trabalhadores do grupo de rotina (Barbosa, 1997).
Ainda no Setor de Qualidade, foram avaliados alguns postos de trabalho como a sala
de turno, a sala de fulgor, a sala de descarte de material do turno, a sala de cromatografia e a
sala de octanagem. Foram, também, monitorados alguns procedimentos de análise das
amostras provenientes da URC (Barbosa, 1997).
VII.4.3.3. Grupo não exposto ocupacionalmente
Foi considerado como grupo de trabalhadores não ocupacionalmente expostos, um
grupo composto pôr 20 trabalhadores do setor administrativo (ADM) e 10 trabalhadores do
setor de contabilidade (CONT), totalizando 30 trabalhadores (Barbosa, 1997).
Para a avaliação dos trabalhadores deste grupo também foram considerados alguns
critérios utilizados para a identificação e reconhecimento dos postos de trabalho e
caracterização dos grupos homogêneos de exposição. As principais características
consideradas foram aquelas relacionadas ao posto de trabalho, como a distribuição dos
trabalhadores pelo espaço físico e a quantificação dos cigarros fumados em cada um destes
postos, para controle do provável confundimento gerado pelo hábito de fumar (Barbosa,
1997).
O grupo de trabalhadores desses dois setores trabalham em regime de horário
administrativo, perfazendo uma jornada diária de 8 horas de trabalho, em salas abastecidas
pôr um sistema de ar condicionado central. Deste grupo 6 são fumantes, com diferentes níveis
de consumo de cigarros, havendo ainda locais onde não há fumantes (Barbosa, 1997).
Aproximadamente 70% desses trabalhadores almoçam no refeitório central da
refinaria, e, para isso permanecem pôr cerca de uma hora ausentes dos seus postos de trabalho
(Barbosa, 1997).
Os trabalhadores deste grupo também foram monitorados através da utilização dos
monitores passivos para vapores orgânicos, sendo que os 20 do setor administrativo utilizaram
monitores individuais de lapela, durante toda a jornada de trabalho; enquanto a monitorização
dos 10 trabalhadores do setor de contabilidade do setor foi realizada pôr somente dois dos
mesmos monitores passivos, dispostos em dois pontos fixos, no principal posto de trabalho
destes últimos trabalhadores (Barbosa, 1997).
VII.4.4. Dados Sobre os Níveis de Benzeno no Ambiente
O monitoramento do ambiente e postos de trabalho consistiu na determinação das
concentrações médias do benzeno ponderadas pelo tempo, experimentadas pôr cada um destes
trabalhadores, durante todo o período de suas jornadas de trabalho. Utilizou-se como método
de agregação dos dados a média geométrica, que de acordo com a literatura é o procedimento
matemático mais adequado para exprimir concentrações de poluentes atmosféricos dispersos
em um dado ambiente. Nestes casos, os dados podem variar bastante, possuindo até diferentes
ordens de grandeza (Barbosa, 1997).
No cálculo da unidade de exposição, além da média geométrica, se utilizou também o
limite superior de confiança dos dados. Isto porque na abordagem metodológica utilizada pela
EPA, a avaliação da exposição pode ser feita de duas maneiras: primeira através da exposição
média esperada na população estudada, calculada a partir da média ou mediana dos dados,
dita de tendência central; a segunda através das exposições mais elevadas esperadas em certos
indivíduos da população estudada, calculada a partir do limite superior de confiança dos
dados, dita de tendência de extremo superior. Deve-se ressaltar que este último tipo de
abordagem é bastante útil quando temos uma grande variação no grau de exposição entre
grupos de uma população devido a variação das concentrações ambientais do poluente ou
mesmo sub-grupos em uma população que pôr algum motivo são mais susceptíveis a
desenvolver um determinado efeito. Esta abordagem não é, entretanto, a análise do pior caso
possível, que seria a avaliação através das concentrações máximas observadas num dado
ambiente (Barbosa, 1997).
Através do monitoramento ambiental (Quadro VII.11), verificou-se que todos os
trabalhadores não expostos ocupacionalmente, da ADM e CONT, encontravam-se em
ambientes com concentrações de benzeno, inferiores a 0,01 ppm. Assim considerou-se,
conservadoramente, 0,01 ppm como a concentração ambiental do benzeno a qual este grupo
de trabalhadores está exposto. Já os 48 trabalhadores da URC e QLD, expostos
ocupacionalmente, estão submetidos a concentrações ambientais de benzeno em média de
0,07 ppm; portanto sete vezes maior que a média do grupo de trabalhadores não expostos
ocupacionalmente (Barbosa, 1997).
Considerando-se os valores obtidos, entre os trabalhadores dos dois setores onde
existe a exposição ocupacional ao benzeno - URC e QLD - observa-se uma significativa
diferença, em relação ao grau de exposição ao benzeno. Esta diferença significativa (Kruskal-
Wallis = 18,9 ; p < 0,0001) é evidente através da comparação das médias das concentrações
ambientais do benzeno neste dois setores (Quadro VII.12). Enquanto que os trabalhadores
do QLD estão expostos a concentrações em média de 0,15 ppm, os trabalhadores da URC
encontram-se expostos a concentrações em media de 0,02 ppm (Quadro VII.11) (Barbosa,
1997)
O Quadro VII.13 apresenta a distribuição dos resultados das concentrações do
benzeno, entre os trabalhadores desses dois Setores amostrados: URC e QLD. Cerca de 90%
dos trabalhadores da URC estão expostos a concentrações ambientais do benzeno inferiores a
0,1 ppm, contra aproximadamente 26% dos trabalhadores da QLD. Em relação as
concentrações ambientais de benzeno superiores a 0,5 ppm, nenhum dos trabalhadores da
URC estão sujeitos a tais níveis de exposição, enquanto 15% dos trabalhadores da QLD
encontram-se expostos a valores superiores a estes (Barbosa, 1997).
Com base nestes resultados, conclui-se que os trabalhadores do Setor de Qualidade
estão expostos, durante as suas jornadas de trabalho, a concentrações ambientais de benzeno
superiores às observadas entre os trabalhadores da Unidade de Reforma Catalítica (Barbosa,
1997).
Considerou-se também as diferenças de exposição dentro de cada um dos setores com
exposição ocupacional ao benzeno (URC e QLD). Os resultados obtidos através do
monitoramento ambiental dos quatro grupos de trabalhadores, já descritos, quanto à exposição
ocupacional ao benzeno, são apresentados no Quadro VII.14 (Barbosa, 1997).
• Unidade de Reforma Catalítica
A partir destes resultados do monitoramento ambiental do benzeno, pode-se observar
uma nítida diferença, em relação ao grau de exposição, dos trabalhadores da Planta de
Processo em relação aos trabalhadores de Sala de Controle, ambos os grupos da Unidade de
Reforma Catalítica (Barbosa, 1997).
A média das concentrações do benzeno entre os operadores de Planta (0,04 ppm) foi
quatro vezes maior que a média de exposição de 0,01 ppm, observada nos operadores de Sala
de Controle (p < 0,001). As concentrações do benzeno entre os operadores de Planta variaram
de 0,01 a 0,15 ppm, enquanto a variação encontrada entre os operadores de Sala de Controle
foi de 0,01 a 0,06 ppm (Barbosa, 1997).
Na Unidade de Reforma Catalítica, foram também avaliados alguns pontos do
fluxograma de processo, considerados como prováveis fontes de emissão e de exposição ao
benzeno, incluídos na rotina diária de trabalho dos operadores desta unidade. As atividades
operacionais, principalmente a de coleta de amostras de nafta, executadas nesses respectivos
pontos, foram acompanhadas e monitoradas, separadamente, durante a jornada de trabalho
dos operadores (Barbosa, 1997).
Os dois principais Postos de Trabalho desta unidade, Planta de Processo e Sala de
Controle, foram monitorados durante, aproximadamente, seis das oito horas de turno de
trabalho. Os resultados obtidos, através do monitoramento dessas atividades, são apresentados
no Quadro VII.15 (Barbosa, 1997).
Durante a amostragem ambiental de 360 minutos, realizada próxima a coleta de nafta
reformada (Planta de Processo), a concentração média do benzeno foi de 0,11 ppm, sendo dez
vezes maior do que a concentração média obtida, para o mesmo período de coleta (360
minutos), na Sala de Controle (0,01 ppm). Pode-se ainda notar que durante algumas
atividades do processo produtivo, realizadas na Planta de Processo, detectou-se, em pequenos
períodos de amostragem, altos níveis de benzeno no ar (0,89 - 1,36). Portanto, nestas
atividades os trabalhadores estão sujeitos a níveis de exposição mais altos (Barbosa, 1997).
• Setor de Qualidade
A partir dos dados do Quadro VII.14, pode-se observar que a média dos níveis de
benzeno aos quais os trabalhadores de turno do QLD estão expostos (0,24 ppm), é seis vezes
superior a média observada entre os técnicos da rotina (0,04 ppm). Assim pode-se concluir
que o nível de exposição ao benzeno é significativamente (p < 0,004) maior para os
trabalhadores de turno, que para os trabalhadores de rotina (Barbosa, 1997).
A avaliação de algumas atividades e postos da rotina diária de trabalho, dos
trabalhadores do Setor de Qualidade, considerados como prováveis fontes de emissão e de
exposição em relação ao benzeno, é apresentada no Quadro VII.16. Os ensaios e testes de
laboratório, especialmente aqueles realizados nas naftas tratada e reformada provenientes da
URC, foram acompanhados e monitorados durante a jornada de trabalho desses trabalhadores
(Barbosa, 1997).
Os resultados do monitoramento dessas atividades e postos de trabalho são
apresentados de acordo com as atividades específicas desenvolvidas nas principais salas do
setor: sala de turno, sala de octanagem e sala de fulgor, para as atividades do turno; e, sala de
cromatografia e sala de descarte para aquelas da rotina (Barbosa, 1997).
Na amostragem ambiental, de aproximadamente seis horas, realizada durante as
atividades e postos do Turno, a concentração média do benzeno foi de 0,22 ppm. Esta
concentração foi vinte vezes maior que a concentração média obtida entre os postos de
trabalho da Rotina, de 0,01 ppm. As concentrações variaram de 0,03 ppm a 1,08 ppm para o
Turno e foram inferiores a 0,01 ppm para todos os postos amostrados dos trabalhadores de
Rotina (Barbosa, 1997).
Para alguns testes e ensaios específicos desenvolvidos pelos técnicos de Turno, como:
destilação, pressão de vapor e dosagem de enxofre, de duração média aproximada de sessenta
minutos; a concentração média do benzeno foi de 0,40 ppm. Dentre eles, a destilação da nafta
reformada, proveniente da Unidade de Reforma Catalítica é a atividade na qual ocorre maior
emissão de vapores de benzeno. A concentração medida de benzeno durante este teste foi de
1,24 ppm (Barbosa, 1997).
Pôr fim, os dados deste estudo (Barbosa, 1997), não são conclusivos sobre os efeitos
da exposição concomitante ao benzeno através de atividades laborais e do hábito de fumar.
Isto é devido principalmente a dois fatores: primeiro ao pequeno número de fumantes nos
grupos de trabalhadores estudados expostos ocupacionalmente ao benzeno e segundo a
dificuldade na quantificação precisa da influência do benzeno proveniente apenas da fumaça
do cigarro (Barbosa, 1997).
VII.4.5. Quantificação da Exposição
As concentrações ambientais, resumidas nos Quadro VII.14, VII.15 e VII.16 são o
ponto de partida para calcular a exposição dos trabalhadores ao benzeno.
O meio no qual o poluente está presente determinará a possível via de exposição. No
caso o meio contaminado é o ar e via de exposição a sua inalação no ambiente de trabalho,
fechado e aberto (indoor e outdoor).
Para calcular a exposição através da concentração do poluente no meio contaminado, a
qual uma dada população está exposta, são estabelecidas algumas suposições e utilizam-se
informações sobre a freqüência e duração do contato com o meio contaminado e do grau de
absorção do poluente para cada via de exposição, no presente caso quando o benzeno inalado
é efetivamente absorvido nos pulmões.
No método de cálculo da dose de exposição utilizam-se certos valores padrão de
contato com meio contaminado de acordo com a via de exposição, no caso a inalação do ar
contaminado (ex. 23 m3 dia-1).
A seguir, apresentamos as suposições utilizadas para o cálculo da exposição dos 4
grupos de trabalhadores expostos ocupacionalmente ao benzeno, na refinaria avaliada, já
definidos anteriormente.
⇒ Suposições:
Peso médio dos trabalhadores: 70 kg
Tempo de vida: 70 anos
Período de exposição: 25 anos
Freqüência da exposição: 201 eventos pôr ano
Período de exposição em relação ao tempo de vida: 15 %
Duração do evento: 8 horas pôr evento
Cenários de exposição: inalação
Taxa de inalação: 23 m3. dia-1
Taxa de absorção pulmonar do poluente: 50 %
⇒ Cálculo
Unidade de Exposição = concentração do benzeno no ambiente em mg/m3 (ex. planta
de processo, sala de controle, etc.) * taxa de inalação em m3/dia * porcentagem do
período de exposição em relação ao tempo de vida * taxa de absorção do poluente /
peso do trabalhador em kg.
VII.4.6. Considerações sobre os Dados da Avaliação da exposição Humana
1. O estudo de Barbosa (1997) caracterizou, de forma adequada, a contaminação do
benzeno no ar na refinaria estudada? Caso sua resposta seja negativa, que tipo de
informações adicionais deveriam ser fornecidas e pôr quê?
2. O monitoramento realizado para a obtenção das concentrações de benzeno no ar, as
quais os trabalhadores estão expostos foi adequado? Caso sua resposta seja
negativa, como você realizaria este monitoramento?
3. O método de agregação utilizado é apropriado para a obtenção das concentrações
médias de benzeno no ar e para caracterizar a exposição humana.? Caso você não
concorde, qual método deveria ser utilizado?
4. É apropriado utilizar um resumo estatístico da concentração média encontrada nos
vários setores monitorados para caracterizar a exposição dos trabalhadores? Deve-
se usar, como alternativa conservadora, o limite superior de confiança dos dados
para a avaliação da exposição? Você concorda com o procedimento conservador
adotado no estudo de Barbosa (1997) de utilizar o limite de detecção (0,01 ppm)
para as amostras nas quais as concentrações do benzeno estavam abaixo deste
limite?
5. As suposições utilizadas para os cálculos de exposição, como a freqüência e
duração do evento, taxa respiratória e o fator de absorção são aceitáveis? Alguma
destas deveria ser substituída ou complementada com outras?
6. Deveriam ser consideradas outras vias de exposição ao benzeno?
7. A avaliação da exposição dos trabalhadores ocupacionalmente expostos ao benzeno,
deve ser realizada dentro do mesmo contexto que os trabalhadores não expostos?
VII.4.7. Algumas Conclusões Possíveis sobre a Exposição Humana ao Benzeno
1. O uso da estimativa de exposição não é adequado para a avaliação de riscos. As
informações atualmente disponíveis somente fornecem subsídios para descrever a
exposição em termos qualitativos. Desta forma, nenhuma avaliação quantitativa de
risco deve ser desenvolvida até que informações mais adequadas sejam fornecidas.
2. As estimativas de exposição ao benzeno presente no ar são dignas de confiança e
podem ser utilizadas para a avaliação de risco.
3. Todas as estimativas de exposição, baseadas em informações e suposições, são
adequadas e suficientes para a avaliação de risco. O gerenciador de risco deve estar
consciente das incertezas inerentes aos meios utilizados para a coleta dos níveis de
benzeno no ar, bem como ao método de agregação. Entretanto, deve desenvolver
uma avaliação quantitativa do risco.
4. Outra (formule sua própria conclusão).
VII.5 - CARACTERIZAÇÃO DO RISCO
VII.5.1.- Objetivo
Nesta última etapa da avaliação de risco as informações obtidas e analisadas, durante
as primeiras etapas, são integradas para caracterizar o excesso de risco para os seres humanos
expostos. De acordo com os métodos alternativos para descrever as relações de dose-resposta,
pelo menos quatro enfoques podem ser utilizados nesta etapa:
1. Fornecer um cálculo numérico do excesso de risco de câncer durante a vida para
cada grupo exposto, ao multiplicar o coeficiente de inclinação pelo número de
unidades de dose de exposição a que está submetido cada grupo:
Excesso de risco durante toda a vida = coeficiente de inclinação x unidades de
exposição.
Nesta equação o excesso de risco não tem unidade, sendo uma probabilidade.
2. Para o risco de efeitos carcionogênicos comparar a exposição real de cada grupo
com DRf (dose de referência).
3. Calcular a margem de exposição para cada grupo, dividindo o NOAEL (do estudo
crítico usado para calcular a DRf) pela exposição real de cada grupo.
4. Descrever qualitativamente os riscos para cada grupo da população.
A caracterização do risco, normalmente, inclui uma combinação destes quatro
enfoques junto com a descrição das qualidades de cada um deles. É também essencial que, ao
estimar a magnitude dos riscos sobre a saúde, se descrevam concomitantemente as incertezas
inerentes ao processo, contidas na amostragem ambiental, descrição da população,
extrapolações matemáticas, etc.
VII.5.2. Quantificação do Risco
O excesso de risco dos trabalhadores expostos ao benzeno é calculado através da
multiplicação da dose de exposição pelo coeficiente de inclinação estimado para o benzeno
(2,9 x 10-2)12, determinada através de estudos de dose-resposta pôr inalação, em humanos
(IRIS, 1995). No Quadro VII.18 estão descritos os excessos de risco individuais estimados
para os diferentes grupos de trabalhadores monitorados durante o estudo.
⇒ Cálculo
Excesso individual de risco = Dose de exposição x Coeficiente de inclinação da Relação
Dose-Resposta
12 Também chamado Fator de Potência Carcinogênica (FPC).
Neste caso, calculou-se o excesso de risco do benzeno, utilizando o coeficiente de
inclinação da relação dose-resposta em substituição a unidade de risco, mesmo sendo a
exposição dos trabalhadores pôr via inalatória, devido as seguintes razões:
- a taxa de absorção do benzeno inalado pelo homem é conhecida através da literatura.
- o peso médio da população exposta é conhecido.
Assim, a partir destas informações pode-se calcular a dose absorvida via inalação (mg/
kg pôr dia) e utilizar-se do coeficiente de inclinação da dose-resposta para o cálculo do
excesso do risco. Entretanto pode-se também utilizar, como já citado anteriormente, o produto
da unidade de risco pela concentração do benzeno no ar, para calcular o excesso individual de
risco de substâncias tóxicas pôr inalação. Realizamos ambas abordagens e os resultados
obtidos foram da mesma ordem de grandeza.
O excesso de risco individual calculado neste estudo, baseado nas concentrações
ambientais de benzeno medidas pôr Barbosa (1997), está de acordo com estimativas da EPA
(IRIS, 1995) para o risco ao benzeno. Segundo a relação dose-resposta utilizada pela EPA
para riscos de inalação do benzeno (unidade de risco 8,3 x 10-6), a chance de um indivíduo
desenvolver câncer durante sua vida, devido a inalação contínua de ar contendo 0,1 µg/m3 de
benzeno não se torna maior (risco em excesso) que um em um milhão (< 1:1.000.000). De
forma análoga, a exposição ao benzeno através da inalação de ar contendo 1,0 µg/m3 de
benzeno pôr toda a sua vida, resulta na probabilidade igual ou inferior a um em cem mil (<
1:100.000),de um indivíduo desenvolver câncer.
Pode-se observar que os valores obtidos com a estimativa do excesso de risco
individual estão acima do limite aceito pela EPA (1 x 10-6), como níveis razoáveis de risco e
chegam mesmo a ultrapassar o limite de 1 x 10-4, considerado como o risco máximo
admissível para substâncias cancerígenas.
VII.5.3. Pontos a Considerar
1. São os resultados do Quadro VII.18 uma caracterização adequada do risco do
benzeno na área estudada? O que mais se poderia adicionar?
2. É apropriado calcular o número de casos de câncer, multiplicando o risco
individual pelo tamanho da população? Qual risco é mais importante, o risco
individual ou o populacional?
VII.5.4. Algumas Possíveis Conclusões Sobre os Riscos do Benzeno
Qual das seguintes conclusões caracteriza melhor a informação descrita?
1. Os excessos de câncer nos trabalhadores expostos ao benzeno são aqueles que
estão apresentados adequadamente no Quadro A.V.1.?
2. Deve-se informar o excesso de risco de câncer mostrados no Quadro A.V.1., assim
como aqueles obtidos através de outras abordagens válidas. Este tipo de
apresentação fornece ao gerenciador uma perspectiva das incertezas nos riscos
calculados.
3. Os resultados apresentados no Quadro A.V.1. são suficientes para determinar o
excesso de risco de câncer de forma conservadora para todos os grupos expostos.
As incertezas são descritas de maneira correta nesta seção.
4. Outra? Alguma combinação das conclusões acima?
VII.5.5. Incertezas do Processo de Avaliação de Risco do Benzeno
Toda avaliação de risco possui uma série de incertezas que são intrínsecas ao processo.
Isto porque, este método nada mais é que uma avaliação probabilística dos riscos que um
determinado composto poluente acarreta em uma população de uma determinada área, a partir
de condições de exposição específicas. Esta análise probabilística baseia-se sobretudo em dois
grupos de informações:
1. caracterização do poluente, incluindo seu perigo para o homem, a relação entre sua
dose e o seus efeitos.
2. caracterização da população e das condições de como se dá a exposição.
Cada um destes itens pode se basear em dados primários, ou mais usualmente, em
dados secundários e ainda podem ocorrer situações onde se utiliza premissas de acordo com o
discernimento do avaliador - pode-se pôr exemplo adotar uma postura conservadora sempre
que houver uma ausência de dados primários ou secundários.
No primeiro caso, tem-se um maior controle sobre a qualidade dos dados e suas
limitações, pôr exemplo até onde podemos extrapolar os dados da amostra coletada para o
ambiente estudado. As imperfeições do seu levantamento de dados, que pode ser tanto no
monitoramento das concentrações ambientais do poluente avaliado como nos estudos
epidemiológicos da população exposta, são melhor conhecidas e mais facilmente consideradas
e descritas.
Já no segundo caso, é fundamental que se tenha juízo crítico quanto os dados obtidos
pôr outros pesquisadores. Avaliar criteriosamente se estes dados se aplicam a situação
estudada e se podem ser utilizados para a avaliação de risco. Muitas vezes é difícil saber até
que ponto pode-se extrapolá-los, existindo sempre uma área de incerteza que deve ser
descrita.
No último caso, deve-se sempre deixar bem claro no processo, em que se basearam as
suas premissas e justificar a abordagem utilizada. Se não existem dados, sobre um
determinado ponto que se utiliza para os cálculos de risco, e o avaliador se utiliza de seu juízo
crítico e experiência para atribuir-lhe um valor, isto deve ser explicitado na avaliação de risco
para que as pessoas que se utilizem de seu trabalho para tomada de decisões tenha isso bem
claro.
Pôr fim, podem existir casos onde as incertezas existentes na avaliação de risco, são de
tal magnitude, que justificam seu uso apenas qualitativamente ou mesmo para identificar,
através de comparação, grupos ou áreas que possuem maior risco dentro do cenário de
exposição avaliado.
Baseado no que foi descrito, consideramos pontos de maior fragilidade deste estudo,
as seguintes questões:
1. Utilizou-se neste trabalho apenas dados secundários, o que torna mais difícil avaliar
a qualidade dos resultados. No caso da avaliação da exposição, os dados ambientais
são provenientes apenas de uma indústria (Barbosa, 1997), o que não é o mais
adequado do ponto de vista da representatividade de amostras ambientais,
especialmente ao longo do tempo.
2. O monitoramento dos trabalhadores se restringiu a um período de apenas 2 meses,
que podem não ser representativos do ano todo. O tempo de amostragem ambiental
foi muito variado, desde 10 minutos a 360 minutos, onde se observou uma grande
faixa de variação das concentrações. Não se correlacionou o monitoramento
ambiental com o monitoramento feito na zona respiratória dos trabalhadores. A
exposição ao cigarro é desconsiderada devido ao menor grau de importância a ela
atribuído, porém sua quantificação precisa não foi feita.
3. Embora o estudo de Barbosa (1997) descreva o processo de trabalho de forma
detalhada, na caracterização dos grupos expostos, algumas informações necessárias
não são fornecidas, como: peso e tempo de vida médios dos trabalhadores expostos,
adotou-se valores médios de trabalhadores adultos; a freqüência da exposição dos
trabalhadores não é descrita, embora se saiba que esta é distinta para trabalhadores
de horário de turno e horário administrativo adotou-se um valor único, médio para
ambos os grupos, obtido a partir de comunicação pessoal com trabalhadores do
setor; as taxas de inalação específica dos diferentes grupos de trabalhadores
expostos não foi determinada, utilizou-se apenas um único valor padrão para todos
os grupos - com base na literatura internacional.
4. A metodologia da EPA, aplicada neste estudo, segue um encaminhamento lógico
específico. Se utilizássemos outras abordagens, poderíamos obter diferentes
resultados; o ideal seria utilizar diferentes abordagens e comparar os resultados
obtidos.
VII.6. - O PROCESSO DE GERENCIAMENTO E VIGILÂNCIA DOS RISCOS DO
BENZENO NO BRASIL
VII.6.1. Contextualização Histórica
O controle sanitário do benzeno no Brasil se inicia em 1983 na Baixada Santista, São
Paulo, com a identificação de casos de leucopenia, relacionados ao trabalho em siderurgia,
mais especificamente, ao trabalho no setor de coqueria. Trata-se de um setor de produção de
gás de coque, rico em benzeno, tolueno e xileno, que podem ser lavados em um sistema
industrial, entretanto, dependendo de sua eficiência, pode haver contaminação ao longo de
sistemas pôr onde passa, ou onde é utilizado o gás.
Esse primeiro momento de identificação do problema, se caracteriza pôr uma fase de
vigilância popular, em que o Sindicato de Metalúrgicos de Santos, age como elemento
aglutinador das informações. Com a articulação do sindicato com os serviços de saúde
pública do estado, é desenvolvida uma das primeiras experiências de programa de saúde do
trabalhador no interior do sistema de saúde. Essa participação transforma o processo de
vigilância, ao incorporar a notificação compulsória de casos de benzenismo na região, e ao
organizar com a FUNDACENTRO investigações e debates da situação com a empresa, em
uma fase do gerenciamento de riscos, que pode-se chamar de vigilância epidemiológica, em
que há uma intervenção focalizada nos efeitos. Como fruto positivo desse momento, há a
normatização dos critérios de diagnóstico e suspeição de benzenismo pelo escritório regional
da Previdência Social e o afastamento da exposição a agentes mielotóxicos de cerca de 2.000
leucopênicos - trabalhadores que apresentaram de modo persistente uma leucometria de até
5.000 leucócitos.
Paralelamente há uma amplificação da discussão no âmbito do movimento sindical e
das instituições públicas relacionadas à previdência social, ao trabalho e a saúde nas regiões
das grandes usinas siderúrgicas, em Volta Redonda no Rio de Janeiro, Vale do Aço em Minas
Gerais e em Vitória no Espirito Santo. Na seqüência desse processo começa a haver a
identificação de casos de benzenismo também em outros ramos de atividades, principalmente
na indústria química, petroquímica e petroleira.
A generalização das atividades envolvidas fazem com que a vigilânciase concentre no gerenciamento do risco da exposição ao benzeno,caracterizando uma ação preventiva focalizando a contaminação no localde origem, que é o método mais prático e eficaz de redução do risco.
Outra vez, acontece um salto qualitativo configurando um nível decomplexidade compatível com a vigilância em saúde do trabalhador,integrando informação e intervenção, configurando um modelo matricialque se fundamenta na inter-relação entre a exposição e o efeitocontextualizado em uma atividade e em um território, vértices da matrizrepresentada na Figura VII.6.1 (Machado, 1996).
Figura 1. Matriz de Gerenciamento de Risco em Saúde doTrabalhador
Em termos técnicos, no processo de avaliação do risco, é evidenciada a diversidade
intrínseca às atividades. As situações específicas estabelecem-se pelas características
tecnológicas e pelas formas de organização do trabalho, que geram exposições múltiplas e de
intensidade variáveis e que empregam contingentes distintos de trabalhadores, estabelecendo
resistência biológica e quantidade de exposição distintas durante um dado período de tempo.
Uma atividade pode estar associada a vários tipos de danos, quanto maior a gama de
atividades causadoras de um tipo de agravo, maior a tendência de aumento de sua incidência e
da necessidade de disseminação de estratégias múltiplas de controle de exposição.
Nos casos de um tipo de agravo resultante de várias atividades e de atividade
causadora de danos múltiplos é patente a necessidade da territorialização dos eventos, pois a
delimitação espacial racionaliza a operação de vigilância, delimitando territorialmente sua
intervenção nos efeitos ou nas situações de risco (Machado,1996).
Então, tanto quanto um agravo pode ser causado pôr várias atividades, uma atividade
pode causar vários tipos de agravos. Essa multiplicidade é mediada pela exposição, dado que
várias atividades podem ter o mesmo tipo de exposição e uma atividade pode conter vários
tipos de exposição, o território se constituindo no espaço de intervenção e configurando um
quadrilátero de atuação, com dois pólos de intervenção, risco(exposição) e agravo(efeito), e
dois pólos de delimitação, atividade(contexto) e território(organização).
As ações de intervenção se deslocam do viés estritamente sanitário epidemiológico
para um campo do controle da exposição, que esteve permanentemente posto enquanto
pressuposto teórico, porém pela sua natureza diferenciada só entra em cena quando há um
amadurecimento do processo pela sua generalização e pela ação interdisciplinar com ênfase
crescente na discussão de alternativas tecnológicas e a consolidação de um processo negocial
tripartite, que se corporifica no Acordo Nacional do Benzeno assinado em março de 1996 e no
seu posterior acompanhamento pela Comissão Nacional Permanente de Acompanhamento do
Acordo do Benzeno CNP-Benzeno.
VII.6.2. As Bases do Gerenciamento de Riscos - Contexto Setorial/Atividade Territorial
As reflexões e propostas aqui apresentadas estão em debate principalmente pela
bancada governamental do CNP-Benzeno.
A matriz de vigilância construída a partir desse processo pode ser representada pela
Figura VII.6.1, substituindo os pontos dos vértices pôr, benzeno no lugar de risco,
benzenismo no lugar de agravo, regiões onde se concentram as atividades de risco no lugar de
território e coqueria, transporte, carga e descarga de benzeno, operadores de processos
químicos, petroquímicos e petroleiros que envolvem a exposição ao benzeno no lugar das
atividades, configurando o início do processo de gerenciamento de risco em relação ao
benzeno no país.
Em termos de concentração territorial do risco podem ser selecionados os estados em
que se concentram as atividades siderúrgicas, químicas, petroquímicas e petroleiras, Rio
Grande do Sul, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Espirito Santo, pois
segundo Freitas e Arcuri (1996).
“ No Brasil, a produção industrial do benzeno passa a ser significativa a partir do final
da década de 50 e início dos anos 60, com o aumento da produção comercial de petróleo e a
instalação do parque siderúrgico nacional, com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), no
Rio de Janeiro, e a Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA), em São Paulo. Há um
incremento na capacidade produtiva nacional a partir dos anos 70, quando são instalados os
Pólos Petroquímicos de Capuava-Mauá /SP, Camaçari/BA e Triunfo/RS, até atingir o volume
aproximado de 600.000 toneladas em 1987, que aparentemente se mantém estabilizado
(ABIQUIM, 1992). De país importador de benzeno, o Brasil passou a ser exportador a partir
de 1981, segundo Novaes (1992).
As principais fontes de produção de benzeno no Brasil, atualmente, são as centrais de
matérias-primas dos pólos petroquímicos citados e a Refinaria Presidente Bernardes da
Petrobrás em Cubatão, o que corresponde a cerca de 95% da produção nacional. O restante
5% da produção nacional, provém das plantas siderúrgicas existentes, ou seja, COSIPA, CSN,
USIMINAS (Ipatinga/MG), AÇOMINAS (Ouro Branco/MG) onde é produzido a partir das
coquerias e plantas carboquímicas. Na Companhia Siderúrgica Tubarão (CST), de Vitoria/ES,
também é produzido benzeno, porém nessa siderúrgica ele é todo utilizado como combustível,
sem ser separado do gás de coqueria.” Sendo portanto, essas regiões em que se concentram a
exposição industrial ao benzeno.
De acordo com dados de 1993, da FUNDACENTRO (1995), nas indústrias que
empregam benzeno no país existiam cerca de 58.447 trabalhadores diretos e 116.635
trabalhadores de empreiteiras, sendo 35.634 diretamente expostos em seu processo de
trabalho. Não há estimativa de populações vizinhas às indústrias diretamente expostas,
devendo, pelos menos em casos onde existam disponibilidade de dados, ser estabelecido o
potencial de riscos para as mesmas.
Utilizando-se o índice de masculinidade da mortalidade pôr leucemia como indicador
de efeito da exposição ao benzeno nas regiões de maior exposição industrial ao benzeno,
tendo em vista a predominância do sexo masculino nas atividades de risco de exposição ao
benzeno, parte-se do pressuposto que, um índice acima de 1, pode corresponder ao excesso de
mortalidade relacionado a exposição ocupacional, na qual o benzeno seria o principal agente
mielotóxico. Conforme dados da Tabela VII.6.1, observa-se índices significativamente
maiores nas áreas que concentram as indústrias siderúrgica e petroquímica 2.50, siderúrgicas
2.00 e petroquímica 1.28, quando comparamos os dados de regiões com alta densidade
populacional.
Esses dados afirmam a necessidade de aprofundamento das informações, tendo em
vista as incertezas decorrente da situação apresentada, que coloca como risco potencial
relacionado ao benzeno de um aumento de 150% a 28% dos casos de leucemia nas áreas de
concentração industrial em que o benzeno está presente, evidenciando a premissa de
prioridade de saúde pública devido a gravidade do impacto da exposição ocupacional ao
benzeno, nesse sentido, justificando o seu destaque dos vários objetivos institucionais.
Os procedimentos de avaliação do risco, os requisitos legais, os impactos econômicos
e os fatores sociais envolvidos são alguns dos elementos envolvidos para as decisões acerca
das estratégias para um gerenciamento eficaz do risco, estando presentes no caso do benzeno
e serão objeto de discussão a seguir.
TABELA VII.6.1, - TAXA DE MASCULINIDADE POR LEUCEMIACONSIDERANDO OS CASOS DE 1980 A 1995, NA FAIXA ETÁRIA DE 35 A 64
ANOS, EM REGIÕES DE ALTA EXPOSIÇÃO AO BENZENO E DAS CAPITAISDOS ESTADOS DE MG,BA,SP,RJ, REGIÕES ONDE SE CONCENTRAM OS
COMPLEXOS INDÚSTRIAIS MENCIONADOS.Base Territorial Índice de Masculinidade
Complexo Siderúrgico 2,00
Complexo Petroquímico 1,28
Complexo Siderúrgico e Petroquímico 2,50
Rio de Janeiro 1,06
Salvador 0,75
Belo Horizonte 0,92
São Paulo 1,04
Fonte: Machado & Moreno (1997)
Os dados de morbidade relacionada ao benzeno (Giraldo 1991; Costa,1996a) e do
índice de masculinidade, acima exposto, revelam o impacto social potencial dos casos com
alterações hematológicas afastados das atividades em situação de exposição a agentes
mielotóxicos, e colocam a siderurgia como setor prioritário nas ações de gerenciamento. o que
justifica o montante dos gastos em reformas das coquerias, visando a redução da exposição a
níveis preconizados pelos instrumentos legais de 2,5 ppm para esta atividade da siderurgia e
secundariamente os setores químico, petroquímico e petroleiro que tem como indicativo legal
de exposição de 1ppm, que ainda representa um nível de risco inaceitável pela Environmental
Protection Agency (EPA, 1991).
A falta de informação do setor sucro-alcoleiro e contraditoriamente a disposição em
realizar uma mudança tecnológica no sentido da eliminação do benzeno no processo de
produção do álcool a partir da cana de açúcar, coloca esse setor em foco secundário de
acompanhamento dessas alterações.
Em relação ao setor de transportes de cargas destaca-se a sua importância, do ponto de
vista de quantidade de empresas, entretanto, pela dificuldade de intervenção devido sua
dispersão e a relativa pouca exposição ocupacional no seu processo de trabalho, pode ser
secundarizado e atingido pela ação de gerenciamento no interior das empresas produtoras e
consumidoras do benzeno.
Portanto, até aqui foram traçadas duas diretrizes do gerenciamento do risco de
exposição ao benzeno, delimitando os objetivos da intervenção regionalmente e setorialmente.
Quando o foco das ações se direcionam aos efeitos, ou seja, no nosso caso, a
morbimortalidade relacionada ao benzeno, como apresentado anteriormente, na discussão da
matriz de gerenciamento de risco em saúde do trabalhador, um tipo de exposição tem um
potencial de efeitos múltiplos e relacionados diretamente com a natureza do risco e com a sua
contextualização em relação a atividade em que está presente.
Os efeitos relacionados ao benzeno e a caracterização do risco foram abordados em
outros capítulos anteriores, entretanto, deve ser destacado que a escolha do efeito e seu
indicador também consiste em uma decisão de gerenciamento de risco. No nosso exemplo, a
citopenia, anemia, leucopenia e outras alterações hematológicas, a anemia aplástica, leucemia
mielóide aguda e crônica, leucemia linfocitária, mieloma múltiplo, linfoma não Hodgkin’s,
alterações alérgicas e imunológicas, efeitos neuropsicológicos e associação com casos de
surdez em efeito sinérgico com o ruído, fazem parte de uma síndrome de benzenismo, em que
existem situações mais claramente associadas e outras em que permanecem as suspeitas,
porém não podemos descartar as possibilidades de relação entre a exposição e o efeito mesmo
quando não está devidamente comprovado epidemiologicamente (Checkoway, 1993),
principalmente do ponto de vista preventivo.
A metodologia aqui empregada concentra-se no risco de carcinogênese, o que
corresponde ao risco associado às leucemias e linfomas, que consiste em um indicador
relevante pela sua gravidade.
VII.6.3. Indicativos do Método de Gerenciamento de Risco
O princípio básico do gerenciamento do risco é de ser um processo desenhado para
poder identificar e confrontar os riscos considerados piores, porém ao mesmo tempo, mais
controláveis.
O benzeno como observamos na identificação do perigo, pode ser considerado um
risco de grande importância, pelo seu potencial impacto sanitário pôr ser uma substância
tóxica carcinogênica e genotóxica, evidenciado primeiro no homem e posteriormente
comprovado experimentalmente (Barale, 1995). A confluência de seu alto grau de toxicidade
e de difusão coloca o controle da exposição e efeito do benzeno como uma questão
incontestável para a saúde pública. Além da relevância epidemiológica, o combate ao benzeno
no Brasil reveste-se de uma característica social, refletida nas lutas sindicais deflagradas pelos
sindicatos de trabalhadores siderúrgicos, petroleiros e petroquímicos, que, a partir do Instituto
Nacional de Saúde no Trabalho da Central Única dos Trabalhadores, lançaram a Campanha
Nacional de Caça ao Benzeno e organizaram em abril de 1991 o Seminário Nacional Sobre o
Benzeno (INST/CUT, 1991). Pode-se dizer que há pelo menos 14 anos trabalhadores e
técnicos de saúde e higiene industrial realizam ações de vigilância em saúde do trabalhador
relacionadas ao benzeno.
Pôr sua vez, também é passível de controle, selecionando um curso de ação
apropriado, tendo pôr base levar em consideração os seguintes critérios de avaliação de risco,
dos impactos econômicos e dos fatores sociais. A partir de estratégias de redução de
exposição conduzidas pela CNP-Benzeno, representando uma instância nacional de comando
e controle. Aplicando medidas de suporte aos trabalhadores com alterações de saúde
provenientes da exposição ocupacional ao benzeno, de correção, reduzindo a concentração do
benzeno em produtos acabados, estabelecendo Grupos de Representação dos Trabalhadores
do Benzeno (GTB-Benzeno) nas empresas responsáveis pelo acompanhamento das medidas
de controle nos locais de trabalho, homologando o Certificado de Utilização Controlada do
Benzeno (CUC-Benzeno) para as empresas que estejam adequadas aos parâmetros do Acordo
e cadastrando as empresas que produzem, utilizam e transportam o benzeno, identificando o
universo de exposição ocupacional, estabelecendo o Programa de Prevenção da Exposição
Ocupacional ao Benzeno (PPEOB), onde está definido o instrumental técnico principal de
prevenção (Costa,1996a). Estabelecendo a substituição do benzeno na produção de álcool
anidro e em outra situação em que se apresente tecnologia substitutiva.
Em termos técnicos, o acordo enquanto instância de comando e controle, apresenta
ainda a consolidação da discussão de que não há padrões seguros de exposição para o benzeno
e estabelece não mais limites de tolerância, e sim o conceito de Valor de Referência
Tecnológico, específico para os setores de maior risco e com impossibilidade atual de
substituição tecnológica. Ainda outro objetivo técnico é definir os Indicadores Biológicos de
Exposição a serem aplicados em substituição ao fenol urinário em níveis de exposição
ambiental entre 5 e 0.1 ppm de benzeno.
As ações preventivas desencadeadas nesse processo se concentraram no redesenho de
processos de produção, como no exemplo das siderúrgicas que estão introduzindo novas
formas de enfornamento do coque, colocando um material mais flexível nas portas das
coquerias e instalando sistemas de exaustão no topo das baterias de coque. E no exemplo das
empresas produtoras de álcool anidro que estão investindo na troca e uso de insumos de
menor toxicidade em relação ao benzeno.
Como vantagens das ações preventivas temos a redução da exposição de trabalhadores
e a redução no consumo de insumos perigosos.
As bases legais tem sido desenvolvidas no âmbito do Acordo Nacional do Benzeno e
acompanhadas pela CNP-Benzeno, se referem basicamente ao texto do acordo propriamente
dito que se refere as atribuições dos atores envolvidos (governo, trabalhadores e
empregadores) e coloca como necessidade técnica imediata, tendo em vista o referido acima,
a redefinição dos Indicadores Biológicos de Exposição através da criação de um grupo
temático específico para esse fim, em que a avaliação do ácido trans-trans-mucônico na urina
(Barbosa,1997), como um desses indicadores se inseriu, sendo os seus resultados
correlacionados positivamente com as avaliações ambientais apresentadas no Apêndice IV.
Coloca ainda os prazos de cumprimento do cadastro, enquadramento nos valores técnicos de
referência, da substituição do benzeno, as atribuições da CNP-Benzeno e estabelece
penalidades. Nesse mesmo processo de negociação foram publicadas as Instruções
Normativas, n°1 e n°2 de 20 de dezembro de 1995, que dispõem respectivamente, sobre a
avaliação das concentrações de benzeno em ambientes de trabalho e sobre a vigilância da
saúde dos trabalhadores na prevenção da exposição ocupacional ao benzeno.
Os temas mais polêmicos dentre os que estão sendo discutidos na CNP-Benzeno são
os direitos dos trabalhadores afastados do trabalho como casos de benzenismo e as formas de
acompanhamento regional do acordo nas quais a comissão não quer se envolver, mas,
localmente todos estão de fato envolvidos e mesmo há uma necessidade técnica de pelo
menos os órgãos do governo e trabalhadores de avaliar in loco o cumprimento dos ítens do
acordo que se realizam no âmbito das empresas, como a aplicação do PPEOB, a formação dos
GTB, as realizações das medidas propostas nas instruções normativas nº1 e nº2.
Entretanto, a experiência e a perspectiva de aprofundamento técnico, de difusão de
informações, de estabelecimento de parcerias entre o público e o privado e o cumprimento dos
textos legais é bastante positiva na avaliação desse processo costurado pelo acordo e
estruturado na CNP-Benzeno.
Com o objetivo de difundir informações e dinamizar a participação da bancada do
governo nas ações de acompanhamento do acordo referido acima, em abril de 1997 foi
organizada uma oficina de trabalho para discussão e avaliação das perspectivas de ação
governamental em relação ao acordo e com vistas a regionalização das ações de
acompanhamento nos estados que concentram as atividades de risco (São Paulo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Espírito Santo) em que foram apresentados as bases
necessárias para o acompanhamento técnico científico do acordo que sintetizam as estratégias
de gerenciamento de risco da exposição ao benzeno no Brasil. Estas bases são:
1. Revisão e validação dos Indicadores Biológicos de Exposição em níveis de
exposição que variam de 0,1 a 5 ppm, segundo documento do Grupo de Trabalho para
protocolos de estudos para implantação do indicador biológico de exposição, oficina e
seminário realizado em 1996.
2. Estudo de Caso Companhia Siderúrgica Paulista Cosipa, sob coordenação da
FUNDACENTRO e da Delegacia Regional do Trabalho DRT-SP, com o Sindicato de
Metalúrgicos da Baixada Santista e o Ministério Público, análise da série histórica dos
hemogramas dos leucopênicos da Cosipa, a qual apresentou uma incidência de 46,95% de
alterações hematológicas em 5 anos de acompanhamento de 328 trabalhadores, sendo 15,85
% persistentes, (alterações em três ou mais exames). Representa ainda, campo para avaliação
do monitoramento de indicadores de efeito precoces e de avaliações ambientais, relatório
apresentado na CNP-Benzeno (Costa,1996b).
3. Estimativa de risco, sob coordenação e execução do CESTEH/ENSP/FIOCRUZ, tendo
início com o projeto financiado pela OPAS que resulta neste trabalho e que tem como
objetivo realizar um exercício prático da metodologia de avaliação e gerenciamento de risco.
O estudo da exposição, ou um tipo de risco, como o benzeno, abre uma alternativa de
entendimento do processo de trabalho enquanto um determinante da situação de saúde, ou
seja, abordagens mais sofisticadas de quantificação da exposição tendem a esclarecer
situações de risco e suas variações
A avaliação do risco em refinaria apresentada no Apêndice Vestabelece um índice que varia de 1 x 10-3 a 5,22 x 10-5, entretanto, aoestabelecermos uma regulamentação que propõe valores de referência de2,5 ppm para siderurgia e 1 ppm para indústrias de processo (químicas,petroquímicas e petroleiras), temos um impacto potencial da mudança nasbases legais de redução de 630 casos (720-(30+60)), considerando que aantiga legislação estabelecia 8 ppm como limite de exposição e de 18 casos(48-30) na siderurgia, considerando 4 ppm como média observada pelasavaliações realizadas pela CSN em 1990 e a existência de 6 miltrabalhadores expostos diretamente na siderurgia e de 60 mil nas indústriasde processo.
A Tabela VII.6.2 apresenta os riscos para cada concentraçãoatmosférica e individual segundo os mesmos padrões de exposiçãoapresentados no item VII.5 .
TABELA A.VI.2 - CONCENTRAÇÃO INDIVIDUAL DE EXPOSIÇÃO ERISCO DE CANCER OCUPACIONAL SEGUNDO ÍNDICES DE
EXPOSIÇÃO ATMOSFÉRICA AO BENZENO (PPM).
EXPOSIÇÃOATMOSFÉRICA em ppm
8 4 2,5 1
CONC.INDIVIDUAL em mg/m3
25,60 10,07 8,00 0,25
CASOS DECANCER
720* 48** 30** 60***
RISCO 2X10-2 8X10-3 5X10-3 2X10-3
obs: 8ppm representa o índice permitido na legislação anterior ao acordo; 4 ppm representa a
média observada na Companhia Siderúrgica Nacional em 1990, e 2,5 e 1 ppm são os novos
índices propostos como VTR para siderurgia e indústrias de processo respectivamente.
* Considerando 36000 trabalhadores diretamente expostos
** Considerando 6000 trabalhadores siderúrgicos expostos diretamente
*** Considerando 30000 trabalhadores da indústria química, petroquímica e petroleira
VII.6.4. Monitoramento de Morbi-mortalidade
O Ministério da Saúde e o CESTEH/ENSP/FIOCRUZ, com apoio dos programas
estaduais e municipais de saúde do trabalhador, tem como tarefa estabelecer o inicio de um
processo de vigilância ao benzenismo através de um projeto de monitoramento da morbi-
mortalidade pôr benzeno em sete estados brasileiros com alta exposição. Os objetivos são:
• implantar o monitoramento da morbimortalidade dos trabalhadores expostos ao benzeno;
• estabelecer a incidência de benzenismo e de casos suspeitos na população
ocupacionalmente exposta.
As etapas são:
• realizar levantamento junto as empresas do cadastro de trabalhadores das empresas
siderúrgicas, petroquímicas, petroleiras, químicas que estão ou estiveram expostos ao
benzeno;
• estabelecer fluxo de informações entre as empresas e os departamentos de dados vitais do
SUS;
• tornar factível a verificação anual junto ao sistema de mortalidade a possível morte e a
causa mortis dos trabalhadores cadastrados.
A área de abrangência e a seguinte: Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Espirito Santo e Bahia.
Esses estados foram escolhidos, como vimos anteriormente, pôr reunirem a maior parte das
indústrias siderúrgicas, petroleiras, petroquímicas e químicas, que produzem e utilizam o
benzeno no Brasil.
Os procedimentos são:
• constituição da equipe;
• treinamento da equipe;
• visitas as empresas principais (mais de 100 trabalhadores expostos)
• correspondência para todas empresas cadastradas junto a SSST/MTb da região;
• levantamento inicial de casos de morbidade e de suspeição;
• instituição da vigilância da mortalidade associada ao benzeno;
• consolidação de informe anual.
VII.6.5 Considerações Finais Sobre o Gerenciamento de Riscos do Benzeno
A Universidade de São Paulo, a FUNDACENTRO e o CESTEH/ENSP/FIOCRUZ
coordenarão a realização de estudos exploratórios e indicarão procedimentos de vigilância à
saúde estabelecendo critérios de uso e valor prognóstico desses indicadores. Para isto será
realizado:
• acompanhamento da diminuição do benzeno nos produtos acabados;
• mapeamento do benzeno, tornando o cadastramento das empresas instrumento de
vigilância
• avaliação das alternativas tecnológicas de substituição do benzeno no setor
alcoleiro e açucareiro.
• treinamento dos GTBs
• avaliação das alternativas tecnológicas para diminuição da exposição ao benzeno
nos setores químico, petroleiro, petroquímico e siderúrgico.
Como estratégia complementar está sendo previsto a criação de um sistema de
informações, no sentido de estabelecer o manejo e a difusão das informações oriundas dessas
avaliações técnicas.
Em termos de relevância e contextualização dos critérios de gerenciamento adotados,
destacamos que o universo dos locais de trabalho, inicialmente acompanhados, compreende as
indústrias dos setores siderúrgico, petroquímico e de refino de petróleo, configurando um
grupo de empresas com diferentes níveis de exposição ambiental ao benzeno, variando de
2.120 à 0,1 ppm (FUNDACENTRO, 1995), conforme informações iniciais das próprias
empresas. Isto coloca os diferentes grupos homogêneos em contato com valores de exposição
considerados críticos pôr um determinado grupo e seguros para outros, notoriamente a
contradição dos valores de referência de exposição da OSHA e da CGIH (Klaassen, 1996).
Sendo que os níveis de risco relacionados aos níveis de exposição previstos nos Valores de
Referência Tecnológicos, são considerados inaceitáveis pela EPA que prevê um limite de
aceitabilidade de 1 x 10-6 (EPA,1991; Konz et al, 1989) mesmo os níveis verificados no
apêndice V na refinaria (Barbosa,1997), o que coloca um longo caminho a ser percorrido.
Das opções de controle para o gerenciamento de riscos, os requisitos legais, as
medidas científicas ou técnicas, o manejo e difusão de informações, a cooperação entre
agencias governamentais e entre países, a relação público e privado e programas voluntários
de eliminação de riscos estão dispostos a partir do acordo nacional do benzeno que é
acompanhado pela CNP-Benzeno, estabelecendo todas as formas preconizadas no método
geral apresentado no escopo desse trabalho, apenas não há o incentivo econômico direto
visando a eliminação ou controle do benzeno.
Inclusive o gerenciamento do risco de exposição ao benzeno se enquadra nos seguintes
exemplos objetivos de medidas preventivas no método da OPS, evidenciando mais uma vez a
relevância do caso.
1. Redução de riscos para a saúde pública
2. Redução dos riscos ecológicos
3. Redução dos riscos para o bem estar geral
4. Fomentar a participação pública
5. Fomentar o uso de tecnologias disponíveis
6. Penalização econômica do causador da contaminação
7. Proteger os locais de trabalho
8. Maximizar o uso eficaz dos recursos
9. Maximizar o custo/benefício das ações
10. Maximizar o custo efetivo das ações
Essas ações estão na ordem do dia no gerenciamento coordenado pela CNP-Benzeno
no Brasil e significam um caso paradigmático de interação entre governo, empresas e
trabalhadores no sentido comum de redução e eliminação de risco no Brasil.