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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Ulysses da Silva Paulo R.A. 003200500491 ELEIÇÃO DE FORO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS São Paulo 2009

ELEIÇÃO DE FORO NOS CONTRATOS INTERNACIONAISlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1789.pdf · Aos amigos e familiares, que sobreviveram ao longo desta jornada e continuam

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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Ulysses da Silva Paulo

R.A. 003200500491

ELEIÇÃO DE FORO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS

São Paulo

2009

Ulysses da Silva Paulo

R.A. 003200500491

ELEIÇÃO DE FORO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS

Trabalho de conclusão de Curso Apresentado à

Coordenação do Curso de Direito da Universidade São

Francisco, como requisito parcial para a obtenção do

Título de Bacharel em Direito, orientado pelo Professor

Ms. Alessandro Rodrigo Urbano Sanchez.

São Paulo

2009

P356e Paulo, Ulysses da Silva

Eleição de Foro nos Contratos Internacionais /

Ulysses da Silva Paulo. – São Paulo: USF, 2009.

87 p.

Monografia (graduação) – Universidade São

Francisco, 2009.

Orientador : Alessandro Rodrigo Urbano Sanchez

1. Princípios Contratuais 2 . Soberania 3. Contratos

Internacionais I. Título. II. Sanchez, Alessandro Rodrigo

Urbano. III. Universidade São Francisco.

Ulysses da Silva Paulo

R.A. 003200500491

ELEIÇÃO DE FORO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em ___/___/______, na Universidade São Francisco,

pela Banca Examinadora constituída pelos professores:

__________________________________________

Professor Ms. Alessandro Rodrigo Urbano Sanchez

__________________________________________

Professora Especialista Vanessa Cristina Moretti

__________________________________________

Professor Ms. Luciano de Almeida Pereira

A humanidade não se divide em heróis e tiranos. As suas paixões,

boas e más, foram-lhe dadas pela sociedade, não pela natureza.

(Charles Chaplin)

Dedico:

À Deus criador onipotente,

à minha mãe pela oportunidade e dedicação incondicional e

à minha esposa pela compreensão e paciência.

Agradeço:

A Educafro, pela confiança e oportunidade da bolsa de

estudos, que possibilitou meu acesso

à academia jurídica.

Aos profissionais do Itaú Unibanco S.A., por auxiliarem

meus primeiros passos profissionais na carreira jurídica e o

primeiro contato com o Direito Internacional;

especialmente aos gestores André Sotnik e

Aline Correa De Meo Ferreira.

Aos amigos e familiares, que sobreviveram ao longo

desta jornada e continuam ao meu lado.

PAULO, Ulysses da Silva. Eleição de Foro nos Contratos Internacionais. 87 p. 2009. Trabalho

de Conclusão de Curso da Graduação – Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, Universidade

São Francisco, São Paulo 2009.

RESUMO

Após a implementação da globalização, onde destacamos as facilidades locomoção de

pessoas, a formação de blocos econômicos, a velocidade na troca de informações, sistema

logístico intermodal e praticamente um único sistema financeiro e mercado de capitais. Os

contratos por sua vez, também ultrapassaram as fronteiras das nações soberanas. Assim, com

apoio do Direito Internacional Privado, os contratos ditos internacionais precisam de um

profundo estudo, buscando um amparo jurídico que lhe confira confiança nas transações

comerciais, como por exemplo em qual jurisdição as partes deverão se submeter em um possível

litígio. A autonomia de vontade das partes, no direito internacional privado, significa que as

próprias partes podem escolher o direito aplicável. O elemento é a própria vontade manifestada

pelas partes, vinculada a um negócio jurídico de direito privado com conexão internacional. (…)

Diariamente, advogados atuantes nessa área deparam-se com a cláusula, que lhes toma tempo

precioso dedicado às negociações dos contratos internacionais. A liberdade contratual não é

limitada, mesmo nos países que a permitem de forma ampla, havendo unanimidade quanto à

existência de limites. É preciso estudar a cláusula de lei aplicável em conjunto com a cláusula de

eleição de foro e a cláusula arbitral, sem se descuidar, no caso brasileiro, das questões relativas à

competência internacional da justiça brasileira. Eleger um foro, no ordenamento jurídico

brasileiro tem como objetivo optar dentre as jurisdições competentes qual será adotada pelas

partes contratantes, com intuito de resolverem futuros discussões que possam emergir desta

relação.

Palavras-chave: Contratos internacionais, lex fori, autonomia da vontade, lei aplicável e

competência concorrente.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10

SEÇÃO 1 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

1.1 – Princípios contratuais na teoria tradicional........................................................... 11

1.1.1 – Princípio da autonomia da vontade .......................................................... 11

1.1.2 – Princípio do consensualismo .................................................................... 14

1.1.3 – Princípio da força obrigatória ................................................................... 15

1.1.4 – Princípio da boa fé .................................................................................... 16

1.2 – Princípios contratuais no novo Código Civil......................................................... 17

1.2.1 – Princípio da boa fé objetiva....................................................................... 17

1.2.2 – Princípio do equilíbrio econômico do contrato......................................... 19

1.2.3 – Princípio da função social do contrato...................................................... 21

1.3 – Conceituação dos contratos.................................................................................... 23

SEÇÃO 2 SOBERANIA

2.1 – Breve histórico da soberania.................................................................................. 25

2.2 – Teorias.................................................................................................................... 27

2.2.1 – Teoria da soberania absoluta do rei........................................................... 27

2.2.2 – Teoria da soberania popular...................................................................... 27

2.2.3 – Teoria da soberania nacional..................................................................... 28

2.2.4 – Teoria da soberania do Estado................................................................... 29

2.2.5 – Teoria negativista da soberania................................................................. 30

2.2.6 – Teoria realista ou institucionalista............................................................. 30

2.3 – Conceito de soberania............................................................................................ 31

2.4 – A soberania como princípio constitucional brasileiro........................................... 32

SEÇÃO 3 CONTRATOS INTERNACIONAIS

3.1 – Definição de contratos internacionais.................................................................... 34

3.2 – A Lex Mercatoria e Lex fori.................................................................................. 36

3.3 – Negociação dos Contratos Internacionais.............................................................. 37

3.4 – Lei aplicável e autonomia da vontade nos contratos internacionais...................... 42

3.5 – Elementos de conexão........................................................................................... 50

3.5.1 – Competência Internacional........................................................................ 52

3.6 – Eleição de Foro nos Contratos Internacionais....................................................... 57

3.6.1 – Eleição de foro X soberania...................................................................... 61

3.7 – Eleição de foro no Mercosul e o Protocolo de Buenos Aires................................ 63

3.7.1 – Declaração de foro competente................................................................. 64

3.7.2 –Aplicação do Protocolo de Buenos Aires e aplicação na Lex fori.............. 66

3.7.3 – Contratos Internacionais não contemplados pelo Protocolo..................... 67

3.7.4 – Foro genérico e Foro específico................................................................ 67

3.7.5 – Momento da escolha do foro..................................................................... 68

3.7.6 – Validade do foro em virtude de obscuridades e omissões do Protocolo... 69

3.7.7 – Redução legal da possibilidade da escolha do foro................................... 71

3.8 – Arbitragem internacional e outros mecanismos para solução de litígios............... 72

3.9 – Principais Convenções e Tratados Internacionais sobre contratos ....................... 76

CONCLUSÃO ................................................................................................................... 79

REFERÊNICAS ................................................................................................................ 81

10

INTRODUÇÃO

Este presente estudo tem como escopo a pesquisa sobre a eleição de foro nos contratos

internacionais, com muita simplicidade buscaremos demonstrar a importância crescente deste

instrumento nas relações supranacionais, enfocando as relações particulares, especialmente entre

empresas, afastando-nos dos contratos com Estados.

Considerando os efeitos da globalização, que já deixou de ser uma tendência tornando-se

uma realidade cada vez mais intrínseca em nosso dia-a-dia. Onde destacamos a integração de

pessoas, de países, de informações, de economias, a formação de blocos econômicos, culturas e

intensificação das relações comerciais, elevando a importância do Direito Internacional Privado,

uma vez que muitos conflitos surgiram com o implemento de tais relações.

Com primazia, buscaremos apontar o amparo legal sobre o qual repousa o direito dos

contratantes elegerem o foro competente em contratos internacionais, para dirimir eventuais

litígios que possam advir de tal relação obrigacional.

Singelamente, abordaremos os Tratados e Convenções Internacionais que tratam do

assunto, bem como o choque entre a competência brasileira concorrendo com competência

alienígena.

Almejamos relatar a discussão doutrinária da questão do risco de afronta da soberania

nacional, nos contratos que elegem foro estrangeiro em detrimento do nacional, as causas de

afastamento da apreciação do judiciário brasileiro previstos no Código de Processo Civil

Brasileiro, bem como a Lei de Introdução ao Código Civil, no Decreto-Lei nº 4.707, de 1942,

bem como o tratamento do instituto da eleição de foro no MERCOSUL.

A crescente tendência da opção pela arbitragem internacional para estes tipos de contratos,

por desconfiarem do despreparo do ordenamento jurídico e dos juízes, no enfrentamento destas

questões.

11

SEÇÃO 1 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

1.1 – Princípios contratuais na teoria tradicional

Entendemos que seja necessário, antes de avançarmos em nossa pesquisa na análise da

eleição de foro nos contratos internacionais, fazermos breves anotações acerca dos princípios

contratuais. Sucintamente faremos referência aos princípios clássicos da teoria liberal dos

contratos, bem como os princípios contratuais no novo Código Civil brasileiro (NCC),

destacando algumas mudanças principiológicas, ou como exemplificam alguns na mutação dos

princípios após o advento do NCC, em 2002.

Sobre os princípios clássicos da teoria liberal dos contratos, citando o professor Antonio

Junqueira de Azevedo explica o professor Humberto THEODORO JÚNIOR1:

Todo o sistema contratual se inspira no indivíduo e se limita, subjetivamente à

esfera pessoal e patrimonial dos contratantes. Três são, portanto, os princípios

clássicos da teoria liberal do contrato: a) o da liberdade contratual, de sorte que

as partes, dentro dos limites da ordem pública, podem convencionar o que

quiserem e como quiserem; b) o da obrigabritoriedade do contrato, que se

traduz na força da lei atribuída às suas cláusulas (pacta sun servanda); e c) o da

relatividade dos efeitos contratuais segundo o qual o contrato só vincula as

partes da convenção, não beneficiando nem prejudicando terceiros (res inter

alios acta neque nocet neque prodest) – pg.1 e 2. (grifamos)

Encontramos dificuldade em classificar os princípios contratuais, na obra dedicada ao

estudo dos contratos, do memorável professor baiano Orlando GOMES2, encontramos

classificação diversa, ele classificou os princípios fundamentais do regime contratual como: a)

princípio da autonomia da vontade; b) princípio do consensualismo; c) princípio da força

obrigatória; e o d) princípio da boa fé.

Para os fins de nossa pesquisa adotaremos o a classificação de GOMES, abordando os

principais pontos de cada princípio contratual em sua concepção tradicional.

1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008 - 3ª

edição, p. 1 a 8. 2 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1977 - 6ª edição, p. 1 a 52.

12

1.1.1– Princípio da autonomia da vontade

Intimamente ligado à liberdade de contratar3, o princípio da autonomia da vontade

segundo GOMES:

Significa o poder dos indivíduos e suscitar, mediante declaração de vontade,

efeitos reconhecidos o tutelados pela ordem jurídica. No exercício desse poder,

toda pessoa capaz tem aptidão para provocar o nascimento de um direito, ou

para obrigar-se. A produção de efeitos jurídicos pode ser determinada assim pela

vontade unilateral, como pelo concurso de vontades. Quando a atividade jurídica

se exerce mediante contrato, a autonomia privada ganha extensão. Outros

conceituam a autonomia privada como aspecto da liberdade de contratar, no

qual o poder atribuído aos particulares é o de se traçar determinada conduta para

o futuro relativamente às relações disciplinadas na lei.

Para a professora Mariana Ribeiro SANTIAGO4 o princípio da autonomia da vontade na

concepção tradicional dos contratos, lembrando dos ensinamentos de Enzo Roppo:

Etimologicamente, como ressalta Enzo Roppo, autonomia significa poder de

modelar por si, e não por imposição externa, as regras da sua própria conduta. O

princípio da autonomia da vontade é o princípio que confere aos indivíduos o

poder de criar relações na órbita do direito.

Destaca SANTIAGO também a distinção importante feita por Kant, entre a autonomia e a

heteronomia: “sendo que autonomia seria o campo a liberdade, em que o homem estabelece

regras para si mesmo, e a heteronomia seria o campo da natureza, que o homem não pode

modificar”.

Segundo a definição do dicionário jurídico a autonomia da vontade é o “princípio em

virtude do qual, dentro de limites estabelecidos na lei, a vontade livremente expressa tem o poder

de criar, modificar e extinguir relações jurídicas”.5

Segundo professora Gisele LEITE6:

3 Segundo Orlando GOMES a liberdade de contratar abrange os poderes de auto-regência de interesses, de livre

discussão das condições contratuais e, por fim a escolha do tipo de contrato conveniente à atuação da vontade.

Manifesta-se, por conseguinte, sob tríplice aspecto: a) liberdade de contratar propriamente dita; b) liberdade de

estipular o contrato; c) liberdade de estruturar o conteúdo do contrato. – em GOMES, Orlando. Contratos. Rio de

Janeiro: Editora Forense, 1977 - 6ª edição, p. 30. 4 SANTIAGO, Mariana Ribeiro. Princípio da função social do contrato. Curitiba: Juará Editora, 2008 - 2ª edição,

p. 1 a 68. 5 PRATA, Ana. Dicionário Jurídico. 3. ed., ver. E atual. Coimbra: Almedina, 1995. p.113. Apud. SANTIAGO,

Mariana Ribeiro. Princípio da função social do contrato. Curitiba: Juará Editora, 2008 - 2ª edição.

13

A autonomia privada das vontades sob o rigor exacerbado do princípio da força

obrigatória dos pactos, no final do século XIX e início deste, foi contida pela

interferência do Estado nas relações contratuais que já havia se iniciado com a

Revolução Industrial. Contudo, tornou-se mais evidente tal interferência estatal

entre as duas Guerras Mundial, surgindo, destarte, o que se denominou dirigismo

contratual limitando-se a liberdade de contratar, para que fossem evitados

abusos em algumas relações contratuais.

Ressalta THEODORO JÚNIOR como era o Estado no século XIX onde vigia tais

princípios contratuais, suas influências e motivações que levaram a repensar nos princípios

contratuais, evidenciados no seguinte trecho:

O Estado social impô-se, progressivamente, a partir dos fins do século XIX e

princípios do século XX, provocando o enfraquecimento das concepções liberais

sobre a autonomia da vontade no intercâmbio negocial, e afastando o

neutralismo jurídico diante do mundo da economia. A conseqüência foi o

desenvolvimento dos mecanismos de intervenção estatal no processo

econômico, em graus que têm variado, com o tempo e com as regiões

geográficas, revelando extremos de uma planificação global da economia em

moldes das idéias marxistas; ou atuando com moderação segundo um dirigismo,

apoiado em modelo em que o controle econômico compreende uma atuação

mais sistemática e com objetivos determinados; ou, ainda, elegendo uma terceira

atitude de intervencionismo assistemático, caracterizado pela adoção de medidas

esporádicas de controle econômico, para fins específicos.

Superado o modelo Estado liberal puro, alheio por completo aos problemas

econômicos, pois não há mais Estado que se abdique da atuação reguladora da

economia, o que variam são os níveis internos e externos dessa atividade

controladora. ) – pg. 2

Seguindo o que o professor leciona sobre os princípios clássicos contratuais, onde destaca o

contrato como principal responsável para implementação da circulação de riquezas, que era visto

como nova postura do Estado na época, neste período portanto, “não se abandonam os princípios

clássicos que vinham informando a teoria do contrato sob o domínio das idéias liberais, mas se

lhe acrescentam outros (…) – p.3.

Assim, não podemos considerar que os princípios contratuais da teoria clássica foram

extintos ou substituídos por novos princípios, afim de fecharmos tal entendimento recorremos

mais uma vez professor Humberto THEODORO JÚNIOR que ensina assim: “Nessa altura é

inegável que o direito contratual não se limita aos três princípios clássicos da liberdade

contratar, da força obrigatória das convenções e da relatividade de seus efeitos.” – p.4.

6 LEITE, Gisele. O Contrato Contemporâneo. Revista Jus Vigilantibus, ISSN 1983-4640, Sexta-feira, 20 de

novembro de 2009. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/16891>. Acesso em: 20 nov. 2009.

14

Intimamente ligado à liberdade de contratar, o princípio da autonomia da vontade

segundo GOMES:

Significa o poder dos indivíduos e suscitar, mediante declaração de vontade,

efeitos reconhecidos o tutelados pela ordem jurídica. No exercício desse poder,

toda pessoa capaz tem aptidão para provocar o nascimento de um direito, ou

para obrigar-se. A produção de efeitos jurídicos pode ser determinada assim pela

vontade unilateral, como pelo concurso de vontades. Quando a atividade jurídica

se exerce mediante contrato, a autonomia privada ganha extensão. Outros

conceituam a autonomia privada como aspecto da liberdade de contratar, no

qual o poder atribuído aos particulares é o de se traçar determinada conduta para

o futuro relativamente às relações disciplinadas na lei.

1.1.2– Princípio do consensualismo

Com o princípio do consensualismo na teoria clássica do direito contratual, afastou-se o

formalismo e o simbolismo observado anteriormente, conforme podemos observar nos

ensinamentos de GOMES:

A idéia de que o simples consentimento basta para formar o contrato é conquista

recente do pensamento jurídico. Nas civilizações anteriores, dominavam o

formalismo e o simbolismo. A formação dos contratos subordinava-se à

observância de determinada forma ritual.

Fala ainda GOMES sobre a evolução do formalismo até aceitação do princípio do

consensualismo.

A evolução do Direito Contratual em Roma prova que o ritual tinha

importância. Os contratos reais realizavam-se per aes et libram, solenidade

executada pelo libriprens, que consistia no ato simbólico de pesar numa balança.

Os contratos verbais, pela stipulatio. Os contratos literais só se perfaziam com a

relação de um escrito – litteris – , o qual não servia apenas para a prova, mas

para lhes dar existência. Formavam-se pelas nomina transpticia e pelos

chirographa e syngraphae. Somente no contratos consensuais chegaram a

admitir a formação pelo simples consentimento. Eram, porém, de número

escasso.

No Direito hodierno vigora o princípio do consensualismo, pelo qual o acordo

de vontades é suficiente à perfeição do contrato. Em princípio, não se exige

forma especial. O consentimento – solo consensu – forma os contratos, o uqe

não significa sejam todos simplesmente consensuais, alguns tendo sua validade

15

condicionada à realização de solenidades estabelecidas na lei e outros só se

perfazendo se determinada exigência for cumprida. Tais são, respectivamente, os

contratos solenes e os contratos reais As exceções não infirmam, porém, a

regra, segundo a qual a simples operação intelectual do concurso de vontades

pode gerar o contrato. – pg. 43

Para o professor GOMES, “o princípio do consensualismo é considerado, por alguns,

manisfestação do liberalismo, mas foi conservado nas legislações que se libertaram dessa

influência, posto se note sua inclinação para o formalismo em novas fases”.

1.1.3– Princípio da força obrigatória

O princípio da força obrigatória nos contratos, pode ser traduzida pela expressão de que o

contrato faz lei entre as partes, também conhecida pela consagrada expressão jurídica “pacta sun

servanda”.

Didaticamente Nelson ZUNINO NETO7 conceitua o pacta sun servanda:

Os contratos existem para serem cumpridos. Este brocardo é tradução livre do

latim pacta sunt servanda. É muito mais que um dito jurídico, porém. Encerra

um princípio de Direito, no ramo das Obrigações Contratuais. É o princípio da

força obrigatória, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes. – pg. 1

Em suas lições GOMES explica:

O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é

lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos pressupostos e

requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se

suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O contrato obriga os

contrates, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser

cumprido. Estipulado validamente seu conteúdo, vale dizer definidos os direitos

e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes

força obrigatória. Diz-se que é intangível, para significar-se a irretratabilidade

do acordo de vontades. Nenhuma consideração de eqüidade justificaria a

revogação unilateral do contrato ou da alteração de suas cláusulas, que somente

se permitem mediante novo concurso de vontades. O contrato importa na

restrição voluntária da liberdade; cria vínculo do qual nenhuma das partes pode

7 ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Jus Navigandi,

Teresina, ano 3, n. 31, maio 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=641>. Acesso em:

21 nov. 2009.

16

desligar-se sob o fundamento de que a execução a arruinará ou de que não o

teria estabelecido se houvesse previsto a alteração radical das circunstâncias.

(grifamos) – pg. 44

O princípio da força obrigatória dos contratos atribuída pela lei, segundo GOMES traduz-se

na “pedra angular da segurança do comércio jurídico”, alerta ainda que, “as cláusulas

contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão invocada por uma das

partes”. Extraímos também, a importante lição que tal princípio está fundamentada “regra

moralde que todo homem deve honrar a palavra empenhada” 8

.

Sobre a interferência do poder judiciário analise GOMES:

(…) Justifica-se, ademais, como decorrência do próprio princípio da autonomia

da vontade, uma vez que a possibilidade de intervenção do juiz na economia

do contrato atingiria o poder de obrigar-se, ferindo a liberdade contratar.

A necessidade lógica de preservar de estranhas interferência a esfera da

autonomia privada conduziu necessariamente ao robustecimento do princípio da

intangibilidade do conteúdo dos contratos. No contexto normal desse

princípio, não seria possível admitir que a superveniência de

acontecimentos determinantes da ruptura do equilíbrio das prestações

pudesse autorizar a intervenção do Estado, pelo órgão da sua magistratura,

para restaurá-lo ou liberar a sacrificada. Cada qual que suporte os prejuízos

provenientes do contrato. Se aceitou condições contratuais extremamente

desvantajosas, a presunção de que foram estipuladas livremente impede se

socorra da autoridade judicial para obter a suavização, ou a libertação. Pacta

sunt servanda. Ao Direito é indiferente a situação a que fique reduzido para

cumprir cada palavra dada. – pg. 44 e 45

1.1.4– Princípio da boa fé

Na teoria clássica contratual o princípio da boa fé nos contratos, preocupa-se muito mais

com a intenção que visam as partes ao contratarem, evidenciados nas lições do professor

GOMES, conforme seguinte trecho:

O princípio da boa fé entende mais com m a interpretação do contrato do que

com a estrutura. Por ele se significa que o literal da linguagem não deve

prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela

inferível. Ademais, subentendem-se, no conteúdo do contrato, proposições que

decorrem da natureza das obrigações contraídas, ou se impõem por força de uso

regular e da própria eqüidade. Fala-se na existência de condições subentendidas.

8 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1977 - 6ª edição, p. 44.

17

Admitem-se, enfim, que as partes aceitaram essas conseqüências, que realmente

rejeitariam se as tivessem previsto. No caso, pois a interpretação não se resume à

simples apuração da intenção das partes. – pg. 49

Demonstrando também uma outra significação ao princípio da boa fé.

Ao princípio da boa fé empresta-se ainda outro significado. Para traduzir o

interesse social de segurança das relações jurídicas diz-se, como está expresso

no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança

recíprocas. Numa palavra, devem proceder com a boa fé. Indo mais adiante,

aventa-se a idéia de que entre o credor e o devedor é necessário a colaboração,

um ajudando o outro na execução do contrato. A tanto, evidentemente, não se

pode chegar, dada a contraposição de interesses, mas é certo que a conduta, tanto

de um como de outro, subordina-se a regras que visam a impedir dificulte uma

parte a ação da outra. – pg. 49

1.2– Princípio contratuais no novo código civil

Da mesma forma que tratamos os princípios clássicos do direito contratual, singelamente

preencheremos nossa pesquisa com os assim chamados novos princípios contratuais. Com o

advento do NCC, que segundo o professor THEODORO JÚNIOR: “o novo código civil

incorpora três novos princípios” relata-nos os três princípios como, “o da boa-fé objetiva, o do

equilíbrio econômico do contrato e o da função social do contrato”. – p. 9

1.2.1– Princípio da boa fé objetiva

O princípio da boa-fé objetiva encontra amparo jurídico no artigo 422 do NCC, que assim

reza:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do

contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

18

A mestra Andreza Cristina Baggio TORRES9 faz um espoco histórico para a melhor

compreensão do princípio da boa-fé objetiva:

O Direito Contratual, ao longo do século passado, (…), enfrentou profundas

mudanças em seus fundamentos clássicos. A tão festejada autonomia da vontade

das partes, resultante dos anseios da burguesia emergente quando a Revolução

Francesa, cedeu lugar, no cenário pós-moderno, à função social do contrato e à

preocupação com os Direitos Fundamentais do homem no momento da

contração.

A noção de abuso, com enfoque objetivo, foi absorvida pelo princípio da boa-fé

que impera na relação contratual, o qual passou, ao lado da vontade, a originar

deveres laterais de condutas.

Para THEODORO JÚNIOR:

O princípio da boa-fé objetiva: Não é apenas a convenção (acordo de vontades)

que obriga as partes contratantes. Por força de lei, são eles obrigados a guardar,

assim na conclusão do contrato, ao lado dos vínculos criados pelo acordo de

vontades, deveres paralelos, que a moderna doutrina civilista chama de deveres

acessórios aos que foram expressamente pactuados.

Ressalta TORRES a importância e o papel da boa-fé contratual:

Assim, o princípio da boa-fé ganhou importância para o Direito Contratual, já

que serve de verdadeiro limitador à autonomia privada e à prática de

contratações abusivas. Destaca-se como colorário da proteção à dignidade da

pessoa humana, como base de parâmetro para avaliação dos resultados do

contrato, ou seja, se o pacto firmado é apto a entender às legítimas expectativas

daqueles que contratam. – p.47

Sobre a boa-fé objetiva leciona assim, SANTIAGO:

Pelo Princípio da boa-fé objetiva, as partes devem se auxiliar mutuamente

tanto na celebração quanto na execução do contrato, comportando-se com

lealdade, honestidade e confiança. Daí se conclui que a boa-fé objetiva tem

uma funçãonegativa, visando impedir a ocorrência de comportamentos desleais

(obrigação de lealdade); bem como uma função positiva, objetivando promover

a cooperação entre as partes (obrigação de cooperação).

A boa-fé objetiva deve ser observada até mesmo após a extinção do contrato,

pois existem deveres que permanecem para as partes, mesmo depois da extinção

do contrato, como o dever de sigilo profissional, tendo em vista que a revelação

de segredos da parte com quem se negociou poderia provocar danos a esta.

9 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria Contratual Pós-Moderna – As Redes Contratuais na Sociedade de

Consumo. Curitiba: Editora Juará, 2007 - 1ª edição, p. 21 a 58.

19

Na prática, a boa-fé objetiva se observa quando as partes se esforçam em

esclarecer todos os fatos relevantes atinentes à contratação, procurando

equilibrar realmente as prestações, expressando-se com clareza,

preservando os segredos profissionais, mesmo após a extinção do contrato, e

agindo de forma a evitar o enriquecimento indevido de uma das

partes.(grifamos) – p.63 e 64

Apoiada nas lições de Ludwig Enneccerus a professora Maria Cristina Vidotte Balanço

TARREGA10

faz referência ao status de importância do princípio da boa-fé frente a outros

princípios.

(…) a doutrina e a jurisprudência consagram como princípio supremo e absoluto

quele, segundo o qual, de todas as relações de obrigação, em todos aspectos e

em todo seu conteúdo estão sujeitas ao império da boa-fé. Sob a égide do

voluntarismo, a boa-fé, como cláusula geral era aplicada tendo-se em conta que,

nos negócios jurídicos, o conteúdo da dívida se determina em primeiro lugar

pela vontade dos interessados. Hoje, com a decadência do voluntarismo, aplica-

se a boa-fé como cláusula geral nos aspectos objetivos, tendo-se em conta as

circunstâncias do negócio, sua realizabilidade e sua função social. O elemento

volitivo interno tem relevância subsidiária. – p.115

1.2.2– Princípio do equilíbrio econômico do contrato

Para melhor compreensão do princípio em questão, valemo-nos das lições de André Borges

de Carvalho BARROS11

, que nos remete ao Direito Romano com um breve histórico, sobre

medidas que visavam garantir a alteração do contrato, visando garantir um equilíbrio entre as

partes, conforme podemos observar no trecho subsequente:

No Direito Romano, Sêneca já afirmava que na base do dever moral de cumprir

uma promessa estaria também o poder de não cumpri-la diante de uma alteração

do estado de fato. Da mesma forma, Cícero defendia que a mudança das

circunstâncias poderia justificar o não cumprimento de promessas feitas.

Utilizava-sede exemplos como o do depositário de uma espada, que não deveria

devolvê-la caso o depositante se tornasse louco; ou do advogado que poderia

abandonar uma causa na hipótese de seu filho adoecer. – p.315 e 316

10

TARREGA, Maria Cristina Vidotte Balanço. Autonomia Privada e Princípios Contratuais no Código Civil.

São Paulo: RCS Editora, 2007 - 1ª edição. 11

BARROS, André Borges de Carvalho. Direito Contratual –Temas Atuais – A Onerosidade Excessiva como

Fundamento da Revisão ou da Resolução do Contrato no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor

(coordenação: Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tarluce). São Paulo: Editora Método, 2007 - 1ª

edição, p. 315 a 330.

20

Com os devidos créditos a Carlos Roberto Gonçalves, BARROS cita a hipótese no Código

Hammurabi que em seu artigo 48 já existia previsão para a possibilidade de revisão contratual,

que versava o seguinte: “Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou

destrói a colheita, ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano

dar trigo ao credor, deverá modificar a tábua de contrato e não pagar juros por esse ano”.

(grifamos) – p. 315

O princípio do equilíbrio econômico do contrato, tem sua inteligência legal amparada no

artigo 478 do NCC, a saber:

Art. 478 – Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de

uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a

outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o

devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar

retroagirão à data da citação.

Leciona o professor THEODORO JÚNIOR sobre o princípio do equilíbrio econômico do

contrato:

O sinalagma contratual leva a ordem jurídica a proteger o contratante contra

lesão e a onerosidade excessiva. No primeiro caso, torna-se anulável o contrato

ajustado, por quem age, sob premente necessidade ou por inexperiência,

obrigando-se a prestação manifestadamente desproporcional ao valor da

prestação oposta (Código Civil, art. 157). Na hipótese de superveniência de

acontecimentos extraordinários, que tornem a prestação excessivamente onerosa

para uma das partes contratantes e extremamente vantajosa a outras, o que a lei

faz é permitir a resolução do contrato ou a revisão de seus termos, para

restabelecer o equilíbrio econômico entre a prestação e contraprestação (Código

Civil, arts. 478 e 479).

Com previsão legal também no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078/1990

também dispõe sobre o onerosidade excessiva superveniente, em seu artigo 6º, inciso V, no

capítulo que trata dos direitos básicos do consumidor, seguimos com o texto legal:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações

desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as

tornem excessivamente onerosas;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,

coletivos e difusos;

(…)

21

Observa BARROS:

De plano observa-se que, ao contrário do dispositivo no Código Civil, o Código

de Defesa do Consumidor não faz qualquer menção à imprevisibilidade ou

extraordinariedade do evento que desequilibra o contrato, bastando a

onerosidade excessiva para que as obrigações contratuais possam ser alteradas

ou até mesmo extintas.

Essa distinção acba por tornar muito mais fácil a revisão contratual. Todavia,

para que o dispositivo legal possa ser invocado pela parte prejudicada, primeiro

terá que ser comprovada a existência da relação de consumo, cuja

caracterização, ao contrário do que se pensa, nem sempre é fácil.

1.2.3– Princípio da função social do contrato

Antes dos breves comentários ao princípio da função social do contrato, achamos por bem,

examinarmos, o dispositivo legal que respalda o princípio da função social do contrato, de acordo

com artigo 421, do NCC, a saber:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função

social do contrato.

Leciona o professor Antônio Junqueira de AZEVEDO12

:

(…) procura a integração dos contratos “numa ordem social harmônica, visando

impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade quanto os que

prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas”.

Ressalta o professor AZEVEDO que “a idéia de função social do contrato está claramente

determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o calor social

da livre iniciativa (art.1, inc. IV)”

Sobre a inspiração da Constituição Federal para o princípio da função social, comenta

Carlos Alberto Ferreira PINTO13

:

12

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Apud. THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social.

Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008 - 3ª edição, p. 12 13

PINTO, Carlos Alberto. O princípio da função social dos contratos no direito societário. Academia Brasileira

de Direito; Disponível em <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=&categoria= Comercial > Acesso em:

25 de novembro de 2009

22

O artigo 421 do novo Código Civil é conseqüência dos princípios

constitucionais da função social da propriedade e da igualdade, atendendo

aos interesses sociais, já que limita o arbítrio dos contratantes, criando condições

para o equilíbrio econômico-contratual.

O princípio da função social vem a ser um desdobrar do direito constitucional à

propriedade, uma garantia prevista nos direitos individuais. A Constituição

Federal de 1988 condicionou que a livre iniciativa deva ser exercida de

acordo com o princípio da função social da propriedade (art. 170, inc III da

CRFB/88), depreendendo-se assim que o contrato implicitamente também é

afetado pela cláusula da função social da propriedade, uma vez que, o

contrato se traduz num poderoso instrumento de circulação de riqueza.

Muito embora a Constituição Federal não faça referência expressa a função

social do contrato, o faz de maneira implícita, nas diversas passagens onde se

refere à função social da propriedade (arts. 5º, inc XXIII; 182, §2º; 186). Desta

forma a função social do contrato tem viés constitucional.

Nesse desenrolar, devemos entender que não há incompatibilidade entre a

liberdade de contratar e a função social do contrato, pois esta se traduz num

limite positivo, a possibilidade de fixação do conteúdo contratual. (grifamos)

Para Tereza NEGREIROS14

:

(…) o princípio da função social do contrato encontra respaldo constitucional no

princípio da solidariedade, ao exigir que contratantes e terceiros cooperem entre

si, respeitando situações jurídicas anteriormente já constituídas, ainda que

pendentes de eficácia real, mas desde que sejam conhecidas as existências das

mesmas pelas pessoas envolvidas. – p. 2

Comenta Haina Eguia GUIMARÃES15

:

[…] o princípio da função social encontra fundamento constitucional no

princípio da solidariedade, a exigir que os contratantes e terceiros colaborem

entre em si, respeitando as situações jurídicas anteriormente constituídas, ainda

que as mesmas não sejam providas de eficácia real, mas desde que a sua prévia

existência seja conhecida pelas pessoas implicadas. Numa sociedade que o

constituinte quer mais solidária, não deve ser admitido que, sob o pretexto de

que o direito de crédito é um direito relativo, possa tal direito ser desrespeitado

por terceiros, que argumentam não ter consentido para a sua criação. – p. 3

14

NEGREIROS, Teresa. Apud. GUIMARÃES, Haina Eguia. A função social dos contratos em uma perspectiva

civil-constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 475, 25 out. 2004. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5814>. Acesso em: 25 nov. 2009. 15

GUIMARÃES, Haina Eguia. A função social dos contratos em uma perspectiva civil-constitucional. Jus

Navigandi, Teresina, ano 8, n. 475, 25 out. 2004. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5814>. Acesso em: 25 nov. 2009.

23

Com uma análise etimológica o professor THEODO JÚNIOR assim, explica o princípio da

função social do contrato:

Com efeito, função quer dizer “papel a desempenhar”, “obrigação a cumprir,

pelo indivíduo ou por uma instituição”. E social qualifica o que é “ concernente

à sociedade”, “relativo à comunidade, ao conjunto dos cidadãos de um país”.

Logo só se pode pensar em função social do contrato, quando este instituto

jurídico interfere no domínio exterior dos contratantes, isto é, no meio social

em que estes realizam o negócio de seu interesse privado. (grifamos) – p. 13

THEODO JÚNIOR esclarece também, a questão da autonomia privada frente ao princípio

da função social do contrato, conforme podemos observar:

Diante do reconhecimento da moderna função social atribuída ao contato, a

autonomia privada não desaparece e continua sendo base de sustentação do

instituto jurídico. Limitado, porém, é o poder individual que dela agora

deflui, pela agregação das idéias de justiça e solidariedade social, que

passam a figurar também como princípios a se observar no campo de

direito do contrato. Daí falar-se em acréscimo de novos princípios como o da

boa-fé eo da função social. (grifamos) – p. 13 e 14

Conclui THEODO JÚNIOR com os seguintes lições:

O contrato deixa de ser coisa apenas dos contratantes, passando a refletir

positiva e negativamente também em relação a terceiros. Sua eficácia, no tocante

às obrigações contratuais, é sempre relativa, mas sua oponibilidade é absoluta,

quando em jogo interesses de terceiros ou da comunidade. É assim que se

cumprirá o princípio de solidariedade preconizado pela ordem constitucional,

cuja observância toca aos contratantes, bem como a qualquer pessoa que possa

influir nos efeitos da relação contratual ou suportar suas conseqüências.

(grifamos) – p. 15

1.3 – Conceituação de contrato

Depois de termos abordado em nossa pesquisa, a teoria clássica dos contratos e os novos

princípios contratuais, por ordem do estudo, apontaremos o conceito de contratos na visão de

alguns autores.

O professor Orlando GOMES assim conceituou os contratos:

Contrato é negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à

observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam. – p. 17

24

Apoiando-se nas lições de Pothier, o professor José Lopes de OLIVEIRA16

definiu os

contratos como “uma convenção de duas ou mais pessoas prometem e se obrigam a dar, fazer ou

não fazer alguma coisa”. – p. 2

16

OLIVEIRA, José Lopes de. Contratos. Recife: Editora Livrotécnica, 1978 - 1ª edição, p. 21 a 58.

25

SEÇÃO 2 SOBERANIA

2.1 – Breve histórico da soberania

Com origem na Grécia a soberania surge nas cidades-Estados onde visava sua auto-

suficiência, porém a expressão soberania não era conhecida, os gregos a conheciam como auto-

suficiência, o que significava a independência de uma polis com relação a outras.17

Neste sentido o ilustre magistrado Federal Venillto Paulo NUNES JUNIOR18

leciona em

seu artigo “O conceito de soberania no século XXI”, publicado na Revista de Direito

Constitucional e Internacional, o seguinte ensinamento que nos trás clareza acerca da auto-

suficiência para os gregos:

Era um atributo da polis, consistia em sua auto-suficiência, posto que era

considerado o Estado uma comunidade social perfeita, capaz de suprir as

necessidades dos cidadãos, sem qualquer auxílio exterior. Àquela época não se

questionava o exercício do poder, questão fundamental ao estudo da soberania,

como hoje conceituada.

A soberania só foi possível com a evolução do conceito de Estado, o que gregos e romanos

desconheciam, salientamos que para os romanos tenham havido um pequeno avanço.

Tal posicionamento é confirmado pelos apontamentos de Telma BERARDO19

,

No direito grego não havia sido desenvolvida a idéia de Estado, em

conseqüência, não houve sequer a menção da idéia de soberania. Apesar de no

Império Romano também não existir a idéia de Estado, em Roma havia o

reconhecimento da existência de graus diferenciados de poder, em razão disso,

podemos dizer que os romanos apesar de não conhecerem o conceito de

soberania, de certo modo se aproximaram.

A noção de soberania, distinta da que conhecemos hoje, só foi conhecida na Idade Média,

tal distinção se faz pelo fato da soberania estar intrinsecamente ligada à relação súdito X

17

CARNEIRO, Cristiane Dias. Revista de Direito Constitucional e Internacional: A convivência dos princípios

constitucionais da soberania, integração política e econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 16,

outubro-dezembro de 2008. n.65, p. 294. 18

NUNES JUNIOR, Venilto Paulo. Revista de Direito Constitucional e Internacional: O Conceito de Soberania

no século XXI. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 11, janeiro-março de 2003. n.42, p. 145. 19

BERARDO, Telma. Revista de Direito Constitucional e Internacional: Soberania, um novo conceito?. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 10, julho-setembro de 2002. n.40, p. 23.

26

soberano. A soberania surge com objetivo da promover a paz social, impondo alguns limites na

tentativa de organizar a sociedade daquela época. Os principais anseios eram unificar o poder,

para as metas, manter a ordem política, proteger as fronteiras e expandir o espaço econômico,

uma vez que, somente com a unificação do poder seria possível aumentar o mercado e circulação

de mercadorias. As relações feudais começaram a espalhar-se com as guerras, cada cidade-Estado

se viu obrigada a delimitar seus espaços para conseguir melhor vigiar seus habitantes.

A soberania com a conotação que conhecemos hoje, só foi possível com o surgimento dos

Estados, grande parte da doutrina dá os créditos para a formulação da teoria da soberania ao

jurista francês Jean Bodin, que em 1576 publicou sua teoria na obra “Le six livres de la

Republique” (Os Seis Livros da República), onde defendeu a soberania como um “poder absoluto

e perpetuo”, delimitando a soberania na pessoa do rei,20

encontrando limitação apenas no direito

natural.

José Blandes SALA21

comenta a expressão de Bodin:

Bodin se refere, pois, a um poder absoluto e perpétuo, sem procurar ainda

estabelecer qualquer critério para avaliar o valor da sua origem ou da sua

verdadeira natureza, podendo, segundo ele, advir tanto da monarquia quanto da

aristocracia ou da democracia. – p. 707

A inspiração de Bodin para o desenvolvimento da teoria da soberania, estava fundada na

concentração total do poder nas mãos do rei, condicionando ao povo a obediência. Em total

consonância com o entendimento de Raquel Fratantonio PERINI22

.

A idéia de poder absoluto de Bodin está ligada à sua crença na necessidade de

concentrar o poder totalmente nas mãos do governante. Para esse autor, o poder

conferido ao soberano é o reflexo do poder divino, e, assim, os súditos devem

obediência ao seu soberano.

Bodin, entende, ainda, que a obediência devida às leis natural e divina deriva

uma terceira regra, pela qual o príncipe soberano é limitado pelos contratos que

celebra, seja com seu súditos, seja com estrangeiros, e deve respeitar tais

acordos.

20

CARNEIRO, Cristiane Dias. Revista de Direito Constitucional e Internacional: A convivência dos princípios

constitucionais da soberania, integração política e econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 16,

outubro-dezembro de 2008. n.65, p. 294. 21

SALA, José Blanes. Contratos internacionais e Direito Econômico no MERCOSUL – O conceito de soberania

do Estado ante o fenômeno de integração econômica e união política (Paulo Borba Casella, coordenador) . São

Paulo: Editora LTr, 1996 - 1ª edição, p.707 a 720. 22

PERINI, Raquel Fratantonio. A soberania e o mundo globalizado . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 76, 17 set.

2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4325>. Acesso em: 06 abril 2009

27

Para José do Patrocínio GALLOTI23

, somente com o surgimento das nações, foi que a idéia

de soberania popular mudou de status, transformando-se em soberania nacional.

2.2 – Teorias

2.2.1 – Teoria da soberania absoluta do rei

Como já vimos esta teoria teve inicio na França por meio de Jean Bodin , o rei literalmente

era o representante de Deus na terra24

, detinha em suas mãos a concentração de todos os poderes,

podendo expedir e derrogar leis por mera conveniência ou simplesmente para suprir suas

vaidades humanas, seu poder era ilimitado perante qualquer pessoa.

O grande objetivo da teoria da soberania absoluta do rei, era por fim as guerras civis do

período, pois acreditava-se que com a concentração do poder seria possível atingir a paz pública e

em menor espaço de tempo.

Com uma bela interpretação dos ensinamentos deixados por Jean Bodin, Cristiane Dias

CARNEIRO demonstra as confusões e consequências desta teoria:

Entretanto, os monarcas franceses levaram o absolutismo às suas últimas

conseqüências, identificando na pessoa sagrado rei, não só o próprio Estado, mas

também a soberania e lei (justiça) e acabaram, por fim, usufruindo os poderes

concedidos em benefício próprio.

2.2.2 – Teoria da soberania popular

Somente com as idéias defendidas por Francisco Suárez, a teoria da soberania absoluta do

rei foi colada em xeque. Suárez era um jesuíta neo-escolástico das Escolas de Salamanca e

Coimbra, não contestou a origem divina da soberania, porém, afirmava que, para o rei que

23

GALLOTI, José do Patrocínio. A soberania nacional e as liberdades. Apud. Cristiane Dias Carneiro… 24

CARNEIRO, Cristiane Dias. Revista de Direito Constitucional e Internacional: A convivência dos princípios

constitucionais da soberania, integração política e econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 16,

outubro-dezembro de 2008. n.65, p. 294.

28

pudesse governar soberanamente existia uma delegação do exercício por parte do povo25

, o que o

legitimava-o. Também que os poderes do rei deveriam ser limitados pelas leis do Estado, ou seja,

deixando de lado a condição de representante das vontades divinas.

O rei ainda era soberano, porém, de forma totalmente distinta, uma vez que seu poder não

advinha mais de Deus e sim do povo, o novo detentor da soberania.

2.2.3 – Teoria da soberania nacional

A teoria da soberania nacional teve inspiração nos ideais liberalistas da Revolução

Francesa, onde o poder do rei começou a ser questionado, os liberalistas opuseram o símbolo da

coroa ao símbolo da nação. Sahid MALUF26

citando Renard em sua obra de Teoria Geral do

Estado, lecionou sobre este ponto de debate. Como frisou Renard, “a Coroa não pertence ao Rei;

o Rei é que pertence à Coroa. Esta é um princípio, é uma tradição, de que o Rei é depositário;

não proprietário”.

Os defensores desta teoria, também conhecidos doutrinariamente como a Escola Clássica

Francesa, onde podemos destacar Rousseau como o principal destaque, afirmavam que a

soberania era da nação, assim, condenando a teoria popular que dizia que o povo era o detentor

da soberania. E a nação compreendida se tratavam de todos os residentes excluídos os

alienígenas, ressalvado os nacionalizados, uma vez que poderiam exercer direitos políticos.

A Escola Clássica Francesa, que definiu os elementos de composição da soberania,

afirmando que a soberania deveria ser una, indivisível, inalienável e imprescritível.

Sob a justificativa de que seria inadmissível a existência de poderes idênticos em um

mesmo território, ou seja, um poder dividido sob um território de mesmas normas jurídicas.

Explicando assim, a necessidade da característica una da soberania.

Com a delegação de funções a soberania consegue repartir competências, porém cada

função que é delegada exerce a soberania em sua totalidade, a exemplo do que acontece com a

divisão clássica da divisão de poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, onde cada um na

25

CARNEIRO, Cristiane Dias. Revista de Direito Constitucional e Internacional: A convivência dos princípios

constitucionais da soberania, integração política e econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 16,

outubro-dezembro de 2008. n.65, p. 294. 26

MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado: Soberania. São Paulo: Editora Saraiva, 1982.ed. 13, p. 48.

29

esfera de sua competência, exerce a soberania em sua totalidade, dando assim a soberania o

caráter de indivisível.

O caráter de ser inalienável da soberania está fundado na vontade personalíssima da nação,

uma vez que a vontade da nação está subentendida como a soma das vontades individuais, não

sendo passível de alienação ou transferência. Os delegados e os representantes eleitos são

exercem o poder limitados a Constituição e leis, por meio da vontade da nação.

A soberania não sofre limitações temporais, quando uma nação faz a opção pelo forma de

organização do Estado soberano, sempre o faz em caráter definitivo e eterno. Sendo inaceitável a

soberania temporária ou por um espaço de tempo, sendo assim considerada imprescritível.27

2.2.4 – Teoria da soberania do Estado

A teoria da soberania do Estado é oriunda das Escolas alemã e austríaca, onde podemos

destacar e liderança para Jellinek na Escola Alemã e para Kelsen na Escola Austríaca.

Segundo os ideais destas Escolas a soberania era um direito do Estado, que sua natureza é

estritamente jurídica, e que não estava passível de qualquer limitação, uma vez que não

reconheciam a existência do direito natural, legitimando assim, toda e qualquer forma de coação

do Estado, porque estaria realizando a vontade do Estado28

. A vontade do Estado era a própria

soberania, logo, o exercido do Estado em realizar sua vontade de forma coercitiva, nada mais era

que exercer a soberania do Estado.

Analisando a teoria da soberania do Estado, MALUF em sua obra Teoria Geral do Estado,

leciona o seguinte ensinamento, que vai ao encontro com nosso entendimento exposto:

Para as ESCOLAS ALEMÃ e AUSTRÍACA, lideradas, respectivamente, por

Jellinek e Kelsen que sustentam a estatalidade integral do Direito, a soberania é

de natureza estritamente jurídica, é um direito do Estado e é de caráter absoluto,

isto é, sem limitação de qualquer espécie, nem mesmo do direito natural cuja

existência é negada.

Sustentam que só existe o direito estatal, elaborado e promulgado pelo estado,

eis que a vida do direito está na força coativa que lhe empresta o Estado, e não

há que falar em direito sem sanção estatal. Negam a existência do direito natural

27

MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado: Soberania Nacional. São Paulo: Editora Saraiva, 1982.ed. 13, p. 49. 28

CARNEIRO, Cristiane Dias. Revista de Direito Constitucional e Internacional: A convivência dos princípios

constitucionais da soberania, integração política e econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 16,

outubro-dezembro de 2008. n.65, p. 297

30

e de toda e qualquer normatividade jurídica destituída da força de coação que só

o poder público pode dar. Daí a conclusão de Austin, com base na doutrina

mestre vienense, de que não existe direito internacional por falta de sanção

coercitiva.

O absolutismo e o totalitarismo da teoria da soberania do Estado, tiveram papel importante

no pensamento político, dando base ao desenvolvimento inúmeras teorias estadistas, que serviram

de suporte à Estados totalitários, como o nazista e o fascista, que somente foram contidos com a

intervenção de uma força superior humana liberal29

.

2.2.5 – Teoria negativista da soberania

A noção de soberania na teoria negativista simplesmente não existe, teoria criada por Leon

Duguit evoluindo pensamentos de Ludwig Gumplowicz, esta teoria tem a mesma essência da

teoria absolutista.

O principal argumento é a defesa da não existência concreta da soberania, existindo apenas

a crença na soberania. A soberania seria apenas uma noção de serviço público, Duiguit acreditava

que a soberania era inútil, sendo perda de tempo tentar demonstrá-la uma vez que ele a

considerava indemonstrável e indemonstrada. A consequência da teoria Duiguit, para seus

opositores seria o reino da força.

2.2.6 – Teoria realista ou institucionalista

A teoria realista ou institucionalista, vem ganhando cada vez mais espaço no novo cenário

mundial. Os seguidores desta teoria acreditam que a soberania é originariamente da nação, quanto

à origem do poder, mas, afirmam que a soberania do Estado encontra seu fundamento para o seu

exercício, somente com o amparo jurídico.

Em busca da distinção da soberania, relativamente quanto ao seu poder e seu exercício,

Fernando de Magalhães FURLAN30

expôs a seguinte análise:

29

MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado: Soberania. São Paulo: Editora Saraiva, 1982.ed. 13, p. 48. 30

FURLAN, Fernando de Magalhães. Supranacionalidade nas Associações do Estado - Repensando a

Soberania: A Soberania. Curitiba: Editora Juará, 2008.ed. 22, p. 49.

31

(…) Se for certo que Nação e Estado são realidades distintas, uma sociológica e

outra jurídica, certo é também que ambas compõem uma só personalidade no

campo do Direito Público Internacional. E neste campo não se projeta a

soberania como vontade do povo, senão como vontade do Estado.

Assim, podemos analisar o Estado como apenas um ente organizador do direito, fundado

nos direitos dos indivíduos que compõem o Estado, com a finalidade de alcançar o bem comum,

encontrando limitação apenas no direito natural.

Para MALUF,

(…) Passado o momento genético da sua manifestação na organização da ordem

constitucional, concretiza-se a soberania do Estado, que passa a exercê-la em

nome e interesse da Nação.

A existência de vários Estados soberanos no cenário internacional, implica na convivência

pacífica entre os mesmos, uma vez que não podem invadir a esfera do exercício da soberania de

outros Estados, portanto a soberania será inquestionável desde que não ultrapasse suas

limitações31

.

2.3 – Conceito de soberania

Para Miguel REALE32

a soberania é “uma espécie de fenômeno genérico do poder”. Uma

forma histórica do poder que apresenta configurações especialíssimas que não encontram senão

esboços nos corpos políticos antigos e medievos.

Pinto Ferreira, conceituou a soberania como “a capacidade de impor a vontade própria, em

última instância, para a realização do direito justo”.

Celso Ribeiro BASTOS33

anota os seguintes ensinamentos, contribuindo para a

conceituação acerca da soberania:

31

LEAL, Julien. Apud. CARNEIRO, Cristiane Dias. Revista de Direito Constitucional e Internacional: A

convivência dos princípios constitucionais da soberania, integração política e econômica. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, ano 16, outubro-dezembro de 2008. n.65, p. 297 32

REALE, Miguel. Apud, Sahid Maluf. Teoria Geral do Estado: Soberania Nacional. São Paulo: Editora Saraiva,

1982.ed. 13, p. 46 33

BASTOS, Celso Ribeiro. Apud, PERINI, Raquel Fratantonio. A soberania e o mundo globalizado . Jus

Navigandi, Teresina, ano 7, n. 76, 17 set. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4325>.

Acesso em: 04 maio 2009.

32

soberania é a qualidade que cerca o poder do Estado. [...] indica o poder de

mando em última instância, numa sociedade política. […] a soberania se

constitui na supremacia do poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a

ordem externa, só encontrar Estados de igual poder. Esta situação é a

consagração, na ordem interna, do princípio da subordinação, com o Estado no

ápice da pirâmide, e, na ordem internacional, do princípio da coordenação. Ter,

portanto, a soberania como fundamento do Estado brasileiro significa que dentro

do nosso território não se admitirá força outra que não a dos poderes

juridicamente constituídos, não podendo qualquer agente estranho à Nação

intervir nos seus negócios.

2.4 – Soberania como princípio constitucional brasileiro

A Constituição Federal Brasileira, de 1988 (CF/88), consagrou a soberania como um dos

fundamentos do Estado Democrático de Direito Brasileiro, propositalmente, de forma a

demonstrar a sua importância, foi disposta no art. 1º (inciso I) da CF/88.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático

de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

Com adoção da soberania como princípio constitucional brasileiro, esclarece para todos,

sua independência e não subordinação a nenhum outro Estado, afastando toda e qualquer forma

de interferência em suas decisões no âmbito de seus limites territoriais. Condição que nem

sempre foi assim, a soberania não pode ser sub-valorada, pois sabemos que outrora, o Estado

brasileiro não gozava de independência alguma, sendo condicionado a direcionamentos externos,

ou seja, sendo subordinado a outros Estados.

De forma à ratificar a soberania do Estado como fator determinante para sua independência,

recorremo-nos aos apontamentos de RAMOS34

:

De fato, existem Estados não detém soberania, por estar sua autoridade limitada

a outro poder (por exemplo, o caso da Escócia, que se encontra submetida ao

Poder do parlamento inglês).

Lógico, contudo, que não é o caso do Brasil, que tem como um dos seus

fundamentos a soberania, que significa, em última análise, que a ele, ou seja, ao

34

RAMOS, Guillermo Frederico. Revista de Processo: Foro de eleição nos contratos internacionais e a jurisdição

brasileira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 33, setembro de 2008. n.163, p. 223.

33

Estado brasileiro, é quem compete decidir acerca de toda e qualquer norma

jurídica, sem se subordinar a nenhum outro tipo de poder externo.

O princípio constitucional da soberania foi reafirmado pelo art. 4º, da CF/88 (incisos I e

IV), solidificando seu poder perante outros Estados soberanos.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais

pelos seguintes princípios:

I – independência nacional

IV – não-intervenção

Marcus Cláudio ACQUAVIVA35

, citando os aspectos interno e externo da soberania

lecionados por Darcy Azambuja, bem exemplifica os conceitos de independência nacional e da

não intervenção, supramencionado nos incisos.

(…) pode ser considerada sob os aspectos interno e externo. Pelo primeiro, o

poder do Estado impera sobre qualquer outro no âmbito de seu território.

Indivíduos e sociedades formadas por estes submetem-se ao poder do Estado,

autolimitado pela própria lei. Pelo segundo, observa-se que, nas relações

recíprocas entre os Estados, não há subordinação nem dependência, mas

igualdade.

35

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro: Soberania. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira,

1995.ed. 7, p. 1295.

34

SEÇÃO 3 CONTRATOS INTERNACIONAIS

3.1 – Definição dos Contratos Internacionais

Ponto de muita discussão entre os estudiosos do Direito Internacional, a conceituação dos

Contratos Internacionais não encontra repouso pacífico. O consenso não foi alcançado pelos

doutrinadores nem tampouco pela legislação. Destacamos as duas principais correntes de origem

francesa que caracterizam os Contratos Internacionais, sendo as correntes econômica e a jurídica.

Sobre a corrente econômica Sandra Yuri YONEKURA36

, leciona que, “Para a corrente

econômica seria internacional o contrato que simplesmente permitisse um duplo trânsito de bens

ou valores, do país para o exterior e vice-versa”.

Para a corrente econômica seria internacional o contrato que simplesmente

permitisse um duplo trânsito de bens ou valores, do país para o exterior e vice-

versa.

No Brasil prevaleceram os critérios caracterizadores da chamada corrente

jurídica, mais abrangente que a primeira, em que a internacionalidade do

contrato se verifica quando contenha ele algum “elemento de estraneidade”, que

pode ser o domicílio das partes, o local da execução de seu objeto ou outro

equivalente.

Irineu STRENGER37

com todo seu brilhantismo jurídico-pegagógico, reproduz em seus

ensinamentos, lições do notável José Maria Espinar Vicente, com propósito de definir o contrato

econômico internacional:

a) são contratos que desenvolvem o intercâmbio de mercadorias, serviços e

capitais, entre empresas pertencentes a diferentes países;

b) são contratos nos quais ao menos uma das partes desempenham papel

preponderante no meio econômico internacional, no que concerne a matéria

objeto do acordo;

c) são contratos que – devido à concentração oligopolista dos bens e à atual

estrutura do comércio mundial – não só afetam aos Estados diretamente

conectados à operação que instrumentalizam, mas todos os países que integram a

área dos bens ou serviços aos quais se referem;

36

YONEKURA, Sandra Yuri. O contrato internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 146, 29 nov. 2003.

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4527>. Acesso em: 22 nov. 2009. 37

STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do Comércio. São Paulo: Editora LTr, 2003 - 4ª edição, p. 34 e

35.

35

d) são contratos que – em razão da organização transacional dos poderes

econômicos privados – põem em jogo, direta ou indiretamente, os interesses

corporativos do conjunto de empresas que se inclua na operação;

e) normalmente, a forma desses contratos responde a caracteres peculiares, entre

os quais se destacam: a homogeneidade de suas disposições, a existência de

cláusulas de submissão, a arbitragem e o emprego de terminologia unificada.

STRENGER38

assim define os contratos internacionais, o qual adotamos como o conceito

para os fins de nossa pesquisa:

São contratos internacionais do comércio, todas as manifestações bi ou

plurilaterais da vontade livre das partes, objetivando relações patrimoniais ou de

serviços, cujos elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos

extraterritoriais, pela força do domicílio, nacionalidade, sede principal dos

negócios, lugar do contrato, lugar da execução, ou qualquer circunstância que

exprima um liame indicativo de Direito aplicável. – p. 44

Nadia de ARAÚJO39

caracterizou os Contratos Internacionais da seguinte forma:

O que caracteriza o contrato internacional é a presença de um elemento de

estraneidade que o ligue a dois ou mais ordenamentos jurídicos nacionais. Por

exemplo, basta que uma das partes seja domiciliada em um país estrangeiro ou

que um contrato seja domiciliada em país, para ser cumprido em outro. Nesses

casos, as partes podem procurar prever situações futuras, estabelecendo regras

de direito substantivo no bojo do contrato, para resolver essas situações, e ainda

procurar determinar onde e como o litígio dali decorrente será julgado através de

cláusulas de foro e de arbitragem. – p. 27

Marcelo Mansur HADDAD40

, utiliza-se de uma interpretação estritamente jurídica para

definir os Contratos Internacionais como, “aquele acordo de vontades que está potencialmente

sujeito a dois ou mais sistemas jurídicos”.

Porém HADDAD esclarece a importância da distinção de um contrato internacional e um

contrato nacional, para fundamentar a discussão de lei aplicável e de eleição de foro por exemplo,

enfatizando que é inconcebível tais discussões incidam sobre um contrato interno. Reforçando

sua idéia o professor HADDAD explica que:

38

STRENGER apud, MELO, Jairo Silva. Contratos Internacionais e cláusulas hardship. São Paulo – Editora

Aduaneiras, 2000- 4ª edição, p. 44 39

ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais – Autonomia de vontade – MERCOSUL e Convenções

Internacionais. Rio de Janeiro - Editora Renovar, 2003 - 3ª edição, p. 27. 40

HADDAD, Marcelo Mansur. Direito do Comércio Internacional – Aspectos Fundamentais (Antonio Carlos

Rodrigues do Amaral, coordenador): Aspectos Fundamentais dos Contratos no Comércio Internacional. São Paulo -

Editora Aduaneiras, 2004, p. 217 e 219.

36

Por mais paradoxal que possa parecer, como a caracterização de um contrato

como internacional é feita a partir de uma perspectiva interna, cada país adota

seus próprios critérios de interpretação, sendo assim, o que num país pode ser

um contrato internacional, pode não ser em outro país. – p. 217

3.2 – A Lex Mercatoria e a Lex Fori

Julgamos necessário destacarmos os significados dos termos Lex Mercatoria e Lex fori,

ambos de extrema importância o Direito Internacional Privado, pois o primeiro termo nos remete

aos contratos de venda internacional, já o segundo nos remete a lei do lugar (foro) competente

para solução de um litígio, ambos necessários para melhor compreensão da pesquisa.

A Lex Mercatoria segundo a professora Maria Helena DINIZ41

:

Direito internacional privado. Teoria fundada na constatação de que os

contratantes pretendem unificar o regime jurídico da venda internacional e as

operações complementares mediante contratos. O jus gentium dos empresários,

designado de Lex mercatoria, consiste num sistema de relações onde se

misturam o direito, os princípios ou usos mercantis de eqüidade. O jus

mercatorum ou a nova Lex mercatoria está desvinculado de qualquer

ordenamento jurídico estatal, sendo anacional, ou seja, um direito corporativo

autônomo, decorrente do comércio internacional. Constitui, tão-somente, um

conjunto de normas originárias de operações de comércio internacional, ou

melhor, de relações econômicas internacionais, que não se submetem a nenhum

direito estatal. Trata-se de um direito uniforme regido por normas de origem

profissional ou consuetudinárias e por princípios emanados de sentenças

prolatadas em juízo arbitral. Conseqüentemente, a new merchant law seria um

direito internacional mediante usos ou práticas uniformes no comércio

internacional. – p. 128

Explica DINIZ sobre a Lex fori: “locução latina. Lei do for onde se resolve o litígio,

proferindo decisão, sendo competente, portanto para reger a forma do processo”. – p.128

Na definição do Vocábulo Jurídico, de De Plácido e SILVA42

, encontramos:

Traduz-se a lei do foro. É a expressão usada para indicar a regra ou princípio

legal que deva dominar, nas disposições de Direito Interno ou Internacional,

referentemente ao processo trazido ao conhecimento do juiz ou tribunal.

41

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico – volume 3 J –P. São Paulo – Editora Saraiva, 2005- 2ª edição,

revisada, atualizada e ampliada, p. 128. 42

SILVA, De Plácido e. Vocábulo Jurídico (Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho, atualizadores). Rio de Janeiro –

Editora Forense, 2006- 27ª edição, p. 841.

37

Lex fori, pois, quer exprimir a lei reguladora dos atos processuais ou o conjunto

de regras que estabelece a forma do processo ou o meio pelo qual se administra

a justiça.

Afinal, a Lex fori exprime o princípio legal que rege a forma dos atos

processuais. – p. 841

Para Berthold GOLDMAN43

“a lex mercatoria seria um conjunto de princípios,

instituições e regras provenientes de diversas fontes, que nutre constantemente as estruturas

legais e a atividade específica da coletividade dos operadores do comércio internacional”.

3.3 – A negociação dos contratos internacionais

Dedicamos esta seção para sucintamente falarmos da negociação dos contratos

internacionais. A fase da negociação é classificada doutrinariamente dentro da fase pré-

contratual, é de extrema importância para nosso estudo porque é este o momento que se

recomenda eleger o foro competente.

Após a implementação da globalização, onde destacamos as facilidades locomoção de

pessoas, a formação de blocos econômicos, a velocidade na troca de informações, sistema

logístico intermodal e praticamente um único sistema financeiro e mercado de capitais. Os

contratos por sua vez, também ultrapassaram as fronteiras das nações soberanas. Assim, com

apoio do Direito Internacional Privado, os contratos ditos internacionais precisam de um

profundo estudo, buscando um amparo jurídico que lhe confira confiança nas transações

comerciais, como por exemplo em qual jurisdição as partes deverão se submeter em um possível

litígio.

Fazemo-nos valer dos ensinamentos de Marcelo de NARDI44

, que trata da carência de

doutrinas específicas para falar com a exata importância do tema:

(…) não tem conhecido ultimamente no Brasil doutrinadores exaustivos, grandes

estadistas, no sentido que houve até a década de mil novecentos e setenta. À

míngua de grandes obras enciclopédicas aprofundadas sobre o tema, a produção

43

GOLDMAN, Berthold.Apud. AMARAL, Ana Paula Martins. Lex mercatoria e autonomia da vontade. Jus

Navigandi, Teresina, ano 9, n. 592, 20 fev. 2005. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6262>. Acesso em: 29 nov. 2009. 44

NARDI, Marcelo de. Contratos Internacionais (João Grandino Rodas – coordenador). São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2002 - 3ª edição revisada, atualizada e ampliada, p.122 e 194.

38

acadêmica específica e dedicada tem suprido, não sem a inerente dificuldade de

divulgação e de preservação da coerência sistemática, a falta de grandes manuais

NARDI ressalta ainda que o tema depende ainda de analise mais profunda, para solucionar

as eventuais disputas oriundas dos contratos internacionais, fazendo-se necessário analisar sob a

ótica detalhada do Direito Processual Internacional. Segundo o autor, somente com tal disciplina

poderá avaliar as controvérsias relativos a competência, bem como os limites da jurisdição dos

Estados, ou seja, até onde sua soberania não poderá ferir a soberania de outro Estado.

A liberdade de contratar, a possibilidade de escolher livremente as condições de

vinculação das partes contratantes, e especialmente a lei que regerá o contrato,

dados característicos da contratação internacional, incluem, do ponto de vista do

Direito Processual Internacional, especialmente do Direito Processual Civil

Internacional, a liberdade de escolher a qual jurisdição se hão de submeter os

contratantes, em caso insolúvel pelos meios transacionais. A escolha das partes

contratantes de submeter-se a determinada Corte jurisdicional diversa da

indicada pelas circunstâncias do contrato internacional, antecipando a

prorrogação de competência, é o instituto aqui examinado: a eleição de foro em

contratos internacionais.

A discussão da eleição de foro nos contratos internacionais insere-se na fase de negociação

do contrato, mais especificamente na fase de negociação pré-contratual, onde permeiam desde

discussões jurídicas até as estratégias econômicas. As partes buscam alinhar suas expectativas e

vontades para a formação do contrato, nesta fase é demandado grande parte tempo e concentra a

decisão de formação ou não do contrato.

Melissa Franchini CAVALCANTI45

contribuiu muito, com seu estudo sobre os aspectos de

negociação dos contratos internacionais, ao qual nos baseamos em seus apontamentos para

elucidar nossa pesquisa.

O primeiro e mais essencial elemento do contrato é o consenso entre as partes.

Deve existir o consenso de duas mentes numa única e mesma intenção. Mas para

que este consenso possa produzir um contrato que a lei reconheça, outras

condições devem ser atendidas.

CAVALCANTI, demonstra a dificuldade das partes para alcançar o devido consenso

necessário e indispensável para a celebração do contrato.

45

CAVALCANTI, Melissa Franchini. Novas Vertentes do Comércio Internacional (Jete Jane Fiorati e Valerio de

Oliveria Mazzuoli – coordenadores). São Paulo: Editora Manole, 2003 - 1ª edição, p.105 e 129.

39

Dificilmente será imediato esse consenso, ou melhor, esse acordo de vontades

entre as partes, principalmente por envolver diversos interesses, ordenamentos

jurídicos e nacionalidades. Assim, antes da formação de um contrato

internacional haverá uma fase de negociações preliminares, também chamada de

fase pré-contratual, na qual cada parte possui uma equipe responsável pela

condução e conclusão.

Segundo CAVALCANTI, nesta fase pré-contratual as equipes (partes) negociadores

dividem-se por aspectos, sendo eles técnicos e jurídicos. Onde respectivamente, são negociados

da seguinte forma:

Os aspectos técnicos são discutidos e negociados por especialistas, isto é, em

caso de um produto ou tecnologia específica, por engenheiros, ou pelo próprio

executivo responsável pela negociação, em caso de produtos e serviços ligados a

sua área de atuação. Serão acordadas as características do produto ou serviço em

termos de qualidade, quantidade, consumo etc.

Já os aspectos jurídicos são discutidos por advogados, que na fase de

negociação dos aspectos técnicos também devem estar presentes, ouvindo as

tratativas, para posteriormente opinar sobre a aplicação do ordenamento jurídico.

Nessa fase serão determinados por meio de possíveis cláusulas que

formaram o contrato: a data de entrega, a modalidade do pagamento, as

consequências de não-cumprimento do contrato, a técnica de redação, a lei que

regerá o contrato, o foro para dirimir controvérsias ou a possibilidade de

arbitragem e o acordo de segredo quando necessário. (grifamos)

A importância da presença de advogados atuado ativamente nas negociações fica

evidenciados nos apontamentos de Marilda Rosado de Sá RIBEIRO46

, conforme podemos

observar no seguinte trecho: “A multiplicidade de ordenamentos jurídicos a que pode estar

vinculados um contrato internacional torna a indagação sobre o direito aplicável.”

Tamanha é a importância das negociações em uma economia cada vez mais competitiva,

onde as vontades nitidamente tirânicas perdem espaço para o diálogo e cedendo à habilidosos

negociadores, como bem sintetiza José Maria Rossani GARCEZ47

:

Os mecanismos tradicionais como a força, o poder e a autoridade perderam,

assim, espaço no mundo contemporâneo, cedendo lugar aos métodos negociais,

em que cada vez mais se tem consciência da necessidade de se obter o

consentimento da outra parte como método construtivo e de resultados

duradouros para a produção de contratos e resolução de controvérsias.

46

RIBEIRO, Marilda Rosa de Sá. Contratos Internacionais (João Grandino Rodas – coordenador). São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2002 - 3ª edição revisada, atualizada e ampliada, p.251 e 295. 47

GARCEZ, José Maria Rossani. Técnicas de Negociação – Resolução Alternativa de Conflitos: ADRS,

Mediação, Conciliação e arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002 - p.5.

40

Esta fase negociação é de suma importância para a escolha do foro no contrato

internacional como podemos observar, pois na discussão para a definição dos aspectos jurídicos é

essencial que o negociador/advogado conheça o sistema jurídico da outra parte, porque além da

segurança jurídica para assegurar a legalidade e validade do contrato, a determinação da eleição

do foro também definirá o idioma de será redigido o contrato.

Leciona CAVALCANTI:

É fundamental que o negociador conheça o sistema jurídico da outra parte,

sendo recomendado que ouça um parecer de um ou mais colegas que

trabalhem nesse país, assegurando a validade e a legalidade do contrato

pretendido, pois somente o profissional do país estrangeiro é capaz de opinar de

forma precisa.

A escolha da língua em que o contrato será redigido também se apresenta como

difícil tarefa, pois a língua do foro prevalece sobre a língua da redação, o que

nem sempre é possível. Destaca-se aqui imprescindível ao advogado-negociador

o conhecimento de direito comparado e habilidade nos idiomas utilizados.

(grifamos)

Podemos concluir que há uma demanda crescente por advogados especializados em

negociações, exigindo um conhecimento e uma preparação macro de outros ramos além das

tradicionais cadeiras jurídicas, como por exemplo, dominar outros idiomas, ser capaz de analisar

operações com um viés econômico nas relações comerciais, transações financeiras, culturas de

regiões e países. Tais habilidades poderão, sem dúvidas, facilitar e viabilizar o sucesso nas

negociações de contratos internacionais, podendo assim atingir o objetivo principal, que é a

celebração do ato contratual.

No mesmo sentido Antonio Carlos Rodrigues do AMARAL e Clever Mazzoni CAMPOS,

analisam as habilidades desejadas de tais profissionais:

Com o desenvolvimento da economia mundial as negociações de comércio

internacional ampliaram seu escopo e assumiram um grau maior de sofisticação

e complexidade, passando a incluir no seu objeto, além de matérias-primas e

bens manufaturados, a prestação de serviços, a transferência de tecnologia, os

serviços intermodais de transporte e de logística, as operações bancárias de

natureza cambial, financeira, securitária e de investimentos.

A condução das negociações de comércio internacional em ambiente tão

complexo que os profissionais que atuem na área sejam dotados de expertise em

várias áreas de conhecimento, tais como: marketing, economia, administração,

engenharia, direito, finanças.

41

AMARAL E CAMPOS, alertam para uma série de pontos que precisam serem vistos com

muita prudência e cautela, conforme segue.

No mais das vezes, um negócio jurídico complexo envolve vários profissionais.

Isso será bastante positivo para a boa qualidade e verificação da adequada

abrangência e validade do documento. Mesmo quando o trabalho for

essencialmente individual, peça sempre para alguém criteriosos e, conforme o

caso, não diretamente envolvido com o negócio, ler o documento antes de ser

finalizado. Assim sendo, seja fruto de um trabalho em equipe ou individual, ter

um revisor que não esteja inteiramente a par do que as partes estão pretendendo

com a transação ajudará a clarificar algum ponto que se faça oportuno e

necessário para o benefício de todos, se já não servir para, no mínimo, rever o

idioma, a grafia correta e a boa e adequada apresentação das cláusulas em

particular e do contrato como um todo. Lembre-se de que alguém revise a grafia

de nomes, números de documentos, datas, cálculos, cláusulas, figuras ou

números apresentados ao longo do contrato e de seus anexos. Esta última dica é

tão importante que, se necessário, diante da complexidade do negócio e dos

documentos que o espelham, repita seus passos.

No mesmo sentido José Maria Rossani GARCEZ48

destaca algumas premissas para a

negociação de contratos internacionais, consolidando lições do manual de Roger Fischer e

William Ury49

.

1) separar as pessoas dos problemas ;

2) focalizar os interesses e não as posições;

3) criar opções para utilidade mútua;

4) insistir no critério objetivo;

5) conhecer sua “melhor alternativa para um acordo negociado”.

Não nos esquecendo das importantes lições Dante P. MARTINELLI50

sobre a importância

dos princípios éticos que devem sempre nortear as negociações de contratos internacionais, na

seguinte contribuição:

A ética é importante nas negociações. Como a negociação normalmente é parte

de um processo competitivo, no qual as partes estão competindo por recursos

48

GARCEZ, José Maria Rossani. Contratos Internacionais Comerciais – Planejamento, Negociação, Solução de

Conflitos, Cláusulas Especiais, Convenções Internacionais. São Paulo: Editora Saraiva, 1994 - p.105. 49

Segundo GARCEZ, Roger Fischer e William Ury, são professores integrantes do Harvard Negociation Project,

um projeto conduzido pela Universidade Harvard voltados para a disseminação de métodos de negociação e

mediação de problemas, em seu manual Getting to Yes Negotiation Agreement (New York, Penguin Books). 50

MARTINELLI, Dante P. VENTURA, Carla A. A..MACHADO,Juliano R. Negociação Internacional. São Paulo:

Editora Atlas, 2008 - p.191.

42

escassos e para conseguirem o melhor acordo possível, elas freqüentemente

estão dispostas a se mover, de um comportamento honesto, para um tipo de

comportamento que se pode considerar como desonesto, dependendo,

evidentemente, do ponto de vista de quem avalia.

Verificamos que a prática de mercado, se faz necessário a atuação de advogados brasileiros

em conjunto com um escritório de advocacia sediado em países com o qual estejam negociando

algum contrato, buscando a maior compreensão da legislação local e para definir estratégias para

ampliar a sua segurança contratual, com intuito de entender como os tribunais locais tratam

determinado assunto e qual a tendência e as motivações dos legisladores locais em modificar as

leis que afetarão o futuro contrato.

Normalmente os advogados brasileiros, somente emitem suas opiniões aos seus clientes ou

a seus superiores hierárquicos, se por acaso os advogados forem funcionários de empresa que está

negociando um contrato internacional, sempre respaldados em consultas e pareceres de

escritórios externos de advocacia. Que para o sucesso deste intercambio jurídico, se faz

necessário todas as habilidades abordadas neste tópico.

3.4 – Lei aplicável e Autonomia da Vontade nos contratos internacionais

Embora nosso trabalho almeje pesquisar o tema foro de eleição nos contratos

internacionais, esclarecemos que se faz necessário dedicarmos espaço para anotarmos breves

linhas sobre outros temas que constantemente rodeiam as negociações em contratos

internacionais, onde destacamos as cláusulas de lei aplicável e cláusula arbitral. Cláusulas

intimamente ligadas à escolha de foro competente para reger estes tipos de contratos.

A professora Nadia de ARAÚJO51

, faz um alerta quanto a necessidade do estudo das

cláusulas mencionadas serem feitas em conjunto, vejamos:

(…) Diariamente, advogados atuantes nessa área deparam-se com a cláusula,

que lhes toma tempo precioso dedicado às negociações dos contratos

internacionais. A liberdade contratual não é limitada, mesmo nos países que a

permitem de forma ampla, havendo unanimidade quanto à existência de limites.

É preciso estudar a cláusula de lei aplicável em conjunto com a cláusula de

51

ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais: Contratos Internacionais e a Jurisprudência Brasileira: Lei

Aplicável, Ordem Pública e Cláusula de eleição de Foro. São Paulo - Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 196 a

211.

43

eleição de foro e a cláusula arbitral, sem se descuidar, no caso brasileiro, das

questões relativas à competência internacional da justiça brasileira.

Para abordarmos este tópico de nossa pesquisa, além do respaldo doutrinário e do

ordenamento jurídico, buscaremos também, fundamentação nos tratados e convenções

internacionais que tratam do tema de lei aplicável aos contratos internacionais.

A cláusula de lei aplicável aos contratos começa a ser pensada na fase de negociação dos

contratos, ponto longe de ser pacífico, pois esta fundada no princípio da Autonomia de Vontade

das partes (Lex Voluntatis), por meio deste importante instituto, as partes e contrapartes buscam

se salvaguardarem de futuros litígios. Amparados em leis que desconheçam ou que não lhes

sejam interessantes, do ponto de vista da estratégia dos objeto do contrato, por exemplo uma

exposição excessiva aos riscos de ter seu contrato apreciados por juízes que não estão

familiarizados com a complexidade de seus negócios. Gerando uma tendência crescente a opção

pela arbitragem comercial internacional, que teremos o prazer de tecer alguns comentários em

momento oportuno em nossa pesquisa.

Jairo Silva MELO52

demonstra a toda a importância e motivações que se fazem necessárias

acerca das escolha da lei aplicável nos contratos internacionais, tal posicionamento fica elucidado

na seguinte anotação.

A forte motivação para alcançar a pretendida certeza e segurança do contrato

internacional faz com que os operadores do comércio internacional recorram a

um contrato o máximo possível resguardado juridicamente, valendo-se de

instrumentos como a autonomia da vontade, escolhendo voluntariamente a lei

aplicável, a fim de possibilitar que o contrato esteja ligado a uma ordem jurídica

que lhes seja favorável. Todas as conseqüências jurídicas e a competência

jurisdicional para regulamentação da relação pretendida deverão ser

antecipadamente previstas.

Segundo o entendimento de MELO a autonomia privada:

A autonomia privada constitui, assim, o poder de auto-regulação dos interesses

particulares exercido através do contrato, sendo reconhecida pela grande maioria

dos sistemas jurídicos ocidentais. Ocorrem, todavia, limitações a esse poder,

tanto de ordem conjuntural. Aliada à vontade individual, que traduz a noção de

autonomia de vontade, deverá ser considerado como autolimitação, o elemento,

legalidade, de acordo com o nosso Direito Positivo, compreendendo a ordem

52

MELO, Jairo Silva. Contratos Internacionais e cláusulas hardship. São Paulo - Editora Aduaneiras, 2000, p. 64.

44

pública, a soberania nacional e os bons costumes, bem como a fraude no plano

da intencionalidade individual.

A controvérsia na doutrina nacional, durante muito tempo rodeou a autonomia da vontade,

para fazermos um sucinto resgate histórico, adotaremos as importantes apontamentos do

indipensável professor Armando Alvares GARCIA JÚNIOR53

, em seu dedicado estudo a lei

aplicável aos contratos internacionais:

Mesmo ao tempo da antiga Introdução ao Código Civil (Lei nº 3.071, de 1º de

janeiro de 1916 que, segundo a doutrina da época, expressa menção a ela fazia

(“salvo estipulação em contrário”), seu âmbito de aplicação era questionável.

Segundo GARCIA JÚNIOR, citando o memorável professor da Faculdade de Coimbra

Alvaro da Costa Machado Villela, como um dos primeiros juristas que se insurgiu contra a teoria

da autonomia de vontade. Villela entendia que:

(…) cada relação jurídica deve ter uma lei que regule imperativamente, naquilo

em que as relações jurídicas são reguladas imperativamente pela lei, e dentro da

lei competente para reger uma relação jurídica é que pode mover-se a autonomia

de vontade.

Compartilha do mesmo entendimento Miguel Maria de Serpa LOPES54

, quando afirma que

“o domínio da liberdade das partes é admissível, desde que dentro dos limites das leis

facultativas”.

Para Villela, conforme afirma GARCIA JÚNIOR, “só isso atenderia às exigências da

razão jurídica e só isso corresponderia à vocação evolutiva do direito internacional privado

quanto ao problema dos conflitos de leis, que tem sido no sentido de fixar a lei competente para

regular as relações jurídicas do direito privado”. No sentido de fechar o entendimento de

Villela, anotou as seguintes lições:

A função do direito internacional privado, no problema dos conflitos de leis,

consiste em fixar a competência de uma lei interna para regular as diferentes

relações jurídicas, e é evidente que as leis internas são declaradas competentes

com a organização que têm, isto é, com os seus preceitos imperativos e com seus

preceitos supletivos.

53

GARCIA JÚNIOR, Armando Alvares. Lei aplicável aos contratos internacionais. São Paulo - Editora

Aduaneiras, 2004 – 2ª edição, p.29 a 35. 54

Apud. GARCIA JÚNIOR, Armando Alvares. Lei aplicável aos contratos internacionais. São Paulo - Editora

Aduaneiras, 2004 – 2ª edição, p.29 a 35

45

Mas, se a lei interna competente deve conservar o caráter imperativo ou

supletivo que o legislador lhe tiver atribuído, também é evidente que as partes

podem substituir os preceitos supletivos da mesma lei por uma lei diferente

(1921, p. 320).

Relata também GARCIA JÚNIOR que até a consagração da autonomia de vontade, o

instituto foi utilizada indiscriminadamente e de forma inconsequente, aproximadamente até

meados da década de 70, onde claramente as partes que negociavam o contrato faziam opção

pelas leis de um terceiro país, somente com o intuito de afastar a incidência das leis do

ordenamento jurídico brasileiro. O que é reafirmado por ele no seguinte caso: “É o que ocorreria,

por exemplo, se uma empresa brasileira exportasse bens para uma empresa sediada em

Trinidade Tobago e as partes contratantes optassem pelas leis espanholas.”

O princípio da autonomia da vontade, conforme lições de RECHSTEINER55

utilizado para

as partes optarem pela lei que regerá seus contratos, caracteriza o elemento de conexão dos

contratos internacionais, como bem observamos com o seguinte trecho.

A autonomia de vontade das partes, no direito internacional privado, significa

que as próprias partes podem escolher o direito aplicável. O elemento de aqui é a

própria vontade manifestada pelas partes, vinculada a um negócio jurídico de

direito privado com conexão internacional.

Se as partes forem omissas na escolha da lei aplicável, ao formalizarem o contrato,

deixando assim, de utilizarem-se do uso autônomo de suas vontades, ficará por conta do direito

interno ou externo, bem lembrado por Irineu STRENGER.

Embora, em nossos dias, se admita quase que unanimemente que os

parceiros de um contrato internacional têm o direito de designar

expressamente a lei que os rege, muitos contratos não registram esta escolha

e, portanto, se sujeitam às regras que viabilizam a determinação de Direito

alienígena ou local, segundo o regime jurídico constantes das normas de

conflitos dos países perante os quais a questão se coloca, seja na esfera

judicial ou arbitral.

Significa que os contratos sem cláusula de lei aplicável estão sujeitos aos

elementos de conexão vigentes nos ordenamentos positivos do Direito

Internacional Privado. Nesta hipótese, a escolha vai depender não só da

qualificação como dos critérios que o próprio contrato enseja adotar (p.126).

(grifamos)

55

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo - Editora Saraiva,

2005, p. 142 a 150.

46

O consentimento da escolha da lei aplicável está condicionado a aceitação do Estado

soberano, por meio de devida previsão em seu ordenamento jurídico. No caso do Brasil,

encontramos em nosso pátrio ordenamento jurídico um direcionamento, quanto à escolha de qual

lei aplicar aos contratos internacionais, mais especificamente no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de

setembro de 1942, Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), em seu artigo 9°, que dispõe da

seguinte forma:

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se

constituírem.

§ 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma

essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira

quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que

residir o proponente.

Apoiados nas lições de SKITNEVSKY56

, buscamos interpretação do aludido artigo da

LICC:

A LICC, em seu art. 9°, consagra como regra geral a lex loci contractus para as

obrigações entre presentes, estabelecendo, para ausentes, a submissão à lei da

residência do proponente, privilegiando o princípio da territorialidade: “Para

qualificar qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se

constituírem”. Mais adiante, no § 2°, prescreve que “a obrigação resultante do

contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”.

O dispositivo acima precisa ter a conotação de norma supletiva, uma vez que,

dentro do princípio assente em Direito Internacional, existe a prevalência da

autonomia da vontade, que permite a escolha pelas normas regência dos

contratos. Caso as partes deliberem sobre a lei de regência, então subornar-se-ão

às normas de qualificação contidas nos art. 9° e seu § 2° da LICC. Assim,

poderão ser importantes na indagação dessa regência os documentos pré-

contratuais, como as propostas, cartas ou qualquer outra comunicação entre as

partes. O preceito do art. 9° deriva, como faz notar Haroldo Valladão, do contido

no Código de Direito Internacional Privado, conhecido como Código

Bustamante, firmado em Havana em 1928, que dispõe, em seu art.164 de forma

concisa: “O conceito e a classificação das obrigações subordinam-se à lei

territorial”.

Para os advogados Antonio Felix de Araujo CINTRA57

e Renato BERGER a melhor

interpretação do artigo 9º da LICC seria.

56

SKITNEVSKY, Karin H. . Revista de Direito Constitucional e Internacional: A formação dos contratos

internacionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 16, outubro-dezembro de 2008. n.65, p. 135.

47

O art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, datada de 1942, é a

base das discussões: “Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei

do país em que se constituírem”. Ao nosso ver, a melhor forma de interpretar

esse artigo é concluir que ele se aplica apenas quando o contrato for omisso

acerca da lei aplicável. Somente nesse caso o artigo é necessário, já que o

ordenamento jurídico supre uma lacuna deixada pelas partes que inviabilizaria a

aplicação do contrato.

Defendem ainda CINTRA e BERGER a aplicação da autonomia da vontade na escolha da

lei aplicável aos contratos internacionais, justificando com as motivações que inspiram as partes a

escolherem determinada lei:

Não há porque supor que, contrariando a regra geral de autonomia da vontade

em matéria contratual, as partes fossem impedidas de escolher a lei mais

adequada para reger seu contrato internacional. Ao contrário do que afirmam

alguns, isso não representa qualquer ofensa à ordem pública brasileira.

Naturalmente, a escolha da lei aplicável possui limitações, mas a própria lei

brasileira se encarrega disso ao afirmar que não prevalecerão as disposições da

lei estrangeira que contrariarem a ordem pública brasileira, os bons costumes ou

a soberania nacional.

É importante ter em mente que aqui nos interessam as operações comerciais e

financeiras legítimas, onde partes capazes e conscientes simplesmente escolhem

a lei que lhes parece mais apropriada para regular sua relação. Os motivos que

determinam tal escolha são igualmente legítimos. Geralmente são escolhidas as

leis consideradas mais sofisticadas para o objeto do contrato, advindas do

país onde o negócio em questão foi mais desenvolvido e, consequentemente,

onde a lei pôde ser refinada e apreciada com maior profundidade ao longo

dos anos.

Exatamente isso tem sido experimentado no mercado internacional pelas

empresas brasileiras. São negociados projetos de infra-estrutura, operações

financeiras e os mais variados contratos comerciais com partes estrangeiras.

No âmbito das negociações, as partes identificam a lei que deve reger sua

relação e a indicam em seus contratos. Tudo de forma consciente e sem qualquer

ofensa ao direito brasileiro. (grifamos)

Alertam ainda, os advogados o risco da interpretação pura do artigo 9º da LICC, referente à

escolha da lei nos contratos que deverão ser a do país onde as obrigações forem contraídas,

demonstrando uma prática muito utilizada para burlar a regra, assim conseguindo escolher

licitamente a lei estrangeira.

57

CINTRA, Antonio Felix de Araujo; BERGER, Renato. Lei aplicável: Uma questão de escolha . Jus Navigandi,

Teresina, ano 8, n. 250, 14 mar. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4942>. Acesso

em: 18 nov. 2009.

48

Aqueles que defendem ser obrigatória a aplicação da lei do país onde a

obrigação foi constituída afirmam que, para saber qual lei é essa, basta

identificar o país onde as partes fisicamente assinaram o respectivo contrato.

Ora, essa constatação fulmina qualquer pretensão de tornar obrigatório o art. 9º

acima transcrito. Isso porque é reconhecida a liberdade das partes se deslocarem

ao país cuja lei querem ver aplicada e, com isso, garantirem a aplicação de tal

lei. Ou mais curioso ainda, como consta ter sido feito no passado, as partes

poderiam simplesmente se dirigir ao consulado do país estrangeiro para

assinar o contrato, garantindo assim a assinatura em território estrangeiro

e portanto a aplicação da lei desse país. Se as partes têm essa liberdade de

escolha, é evidente que têm a liberdade de simplesmente apontar a lei aplicável

no próprio contrato, poupando assim uma viagem ao exterior ou uma corrida de

táxi até o consulado mais próximo. (grifamos)

Verificamos entre os defensores da limitação da autonomia da vontade, destacamos o

posicionamento de Clovis BEVILAQUA58

que assim nos ensina:

Certamente não se erige o querer individual em força dominadora cujo imperio

desfaça as determinações das leis. De modo algum. A vontade individual para

produzir effeitos juridicos tem de collocar-se sob a egide da lei qual tira toda a

sua efficacia social. Assim é que as leis de ordem publica impedem que a

vontade produza effeitos juridicos em contrario ás suas prescrições.

Destacamos ainda, baseando-nos as lições de José Inácio Gonzaga FRANCESCHINI59

que

lembra de Amílcar de Castro, Osiris Rocha, Wilson Batalha, Serpa Lopes e Haroldo Valladão,

unidos pela negativa à autonomia da vontade do poder de definir a lei aplicável.

A verdade é que, como cientificamente anota Amílcar de Castro, “não existe,

portanto, a imaginada autonomia da vontade em Direito Internacional Privado: o

objeto próprio da vontade das partes é a „escolha do lugar‟ onde queiram realizar

o contrato, e não a escolha „do direito‟”. Em resumo, diz Osiris Rocha:”a

referência à autonomia da vontade é uma impropriedade jurídica, ainda que

muito divulgada”. No mesmo sentido, Wilson Batalha: “Face à Lei de

Introdução ao Código Civil não pode pairar dúvida: inaceitável é a autonomia da

vontade para a indicação da lei aplicável. A autonomia da vontade só pode

exercer-se-á, no âmbito do Direito substantivo (e não do Direito Instrumenta) do

país em que constituída a obrigação, quais as normas supletivas sobre as quais

poderão as partes contratantes fazer prevalecer os princípios da liberdade

contratual”. Observa Haroldo Valladão, no que foi secundado por Oscar

Tenório, que a Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942, premida, de um

lado, pela crítica surgida contra o critério da liberdade de escolha e, de outro

58

BEVILAQUA, Clovis. Princípios Elementares de Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro. Editora Rio,

1978 - 6° histórica, p.263. 59

FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Contratos Internacionais – A lei e o foro de eleição em tema de

contratos internacionais. (João Grandino Rodas – coordenador). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002 - 3ª

edição revisada, atualizada e ampliada, p.66 e 121.

49

lado, pela natureza férrea do regime político da época, ano se referiu à

autonomia da vontade em tema de obrigações (art. 9º), fazendo intencional

omissão da expressão “salvo disposição em contrário”, encontradiça no art. 13

da antiga Introdução.

FRANCECHINI apóia-se novamente em Amílcar de Castro para explicar:

(…) os contratos em geral são essencialmente dominados pela „liberdade das

convenções‟, mas isso não quer dizer que as partes possam fugir do direito que

lhes deva ser imposto, escolhendo outro mais se seu agrado, e sim que, dentro de

certos limites, mais ou menos amplos, „traçados por disposições imperativas‟, as

disposições facultativas deixam a vontade dos particulares a regulamentação

contratual „de seus interesses privados‟, o que é coisa muito diferente de escolha

do direito por autonomia da vontade. (…) Pode-se dizer que, em matéria de

obrigações convencionais, a vontade das partes tem a liberdade de pássaro

na gaiola: pode mover-se em certos limites, mas em qualquer direção

encontra barreira intransponível.(grifamos)

Para Nadia de ARAÚJO:

No Brasil, a regra de conexão utilizada para os contratos internacionais é a Lex

loci contractus, na forma estabelecida pelo art.9º da Lei de Introdução ao

Código Civil, de cuja exegese não se extrai a permissão à teoria da autonomia da

vontade, antes consagrada na introdução ao Código Civil para as normas da Lei

de Introdução ao Código Civil, de 1942, e que até hoje está em vigor, nasceu

uma nova discussão na doutrina, sobre a exclusão ou não do princípio, em face

da supressão da expressão salvo estipulação em contrário, que antes a permitia.

A polêmica perdurou, pois enquanto muitos acharam que isso significava a

vontade do legislador em eliminá-la, outros entenderam que a simples

supressão da expressão não poderia eliminar um princípio jurídico

anteriormente aceita. (grifamos)

A tese apresentada por Irineu Strenger sobre A autonomia da vontade no Direito

Internacional Privado, defendida em sua apresentação à livre-docência, é lembrada por Nadia de

ARAÚJO60

para embasar seu posicionamento sobre a aceitação da autonomia da vontade.

(…) Strenger continua a tratar dos contratos internacionais, e esclarece ter a

autonomia ampla aceitação na prática do comércio internacional, tanto

pelos tribunais nacionais como por tribunais arbitrais. Em São Paulo, outros

estudiosos da matéria continuaram a defender o princípio da autonomia da

vontade. – p. 111 (grifamos)

60

ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais – autonomia da vontade, Mercosul e convenções

internacionais. Rio de Janeiro. Editora Renovar, 2004 – 3ª edição, p.111.

50

3.5 – Elementos de conexão

A forma mais didática e sucinta que encontramos para definirmos os elementos de conexão

foi a de RECHSTEINER, como podemos observar:

Os elementos de conexão, como parte da norma indicativa ou indireta do

direito internacional privado, com a ajuda da qual é possível determinar o

direito aplicável, diferenciam-se conforme o direito internacional privado

de cada Estado. Todavia, o direito comparado denuncia que determinados

elementos de conexão são idênticos ou similares entre si em um grande número

de Estados. (grifamos)

Sobre os elementos de conexão explica a professora Nadia de ARAUJO61

:

A especificidade do Direito Internacional Privado conssiste em sua característica

de ser um “direito do ditreito” (sobre-direito) que regulamenta a vida social das

pessoas privadas implicadas na ordem internacional. Assim, em todos os

sistemas jurídicos há regras próprias criadas expressamente para determinadas

categorias de situações conectadas a mais de um sistema jurídico, que são

chamadas de regras de conexão ou normas indiretas. – p.25

Para Amílcar de CASTRO62

:

Circunstâncias de conexão, motivos de ligação, elementos de referência são

particularidades do fato anormal que põem em relação com dois, ou mais, meios

sociais. Assim, a nacionalidade, o domicílio, a residência dos interessados, a

situação da coisa, a localização do nascimento ou do falecimento, da

consumação do delito, da constituição do contrato ou do cumprimento das

obrigação. Essas circunstâncias, em regra, inócuas, estabelecidas

involuntariamente ou de boa-fé, podem, por exceção, ser simuladas, nocivas,

propositadamente estabelecidas de má-fé, para o efeito de evitarem os

simuladores certo direito, e conseguirem observância de outro, em prejuízo de

elevados interesses sociais ou individuais; … (grifamos).

Segundo o professor, os elementos mais analisados e discutidos do direito internacional

privado, com a aceitação pelo direito internacional privado brasileiro são os seguintes: “aqueles

de nacionalidade e do domicílio da pessoa física”. Explica que, quando um Estado adota como

61

ARAUJO, Nadia de. Contratos internacionais – autonomia da vontade, MERCOSUL e convenções

internacionais. Rio de Janeiro. Editora Renovar, 2004 – 3ª edição revisada e ampliada …, p.25. 62

CASTRO, Amílcar de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2005 - 6° Edição, p.11.

51

elemento de conexão (a nacionalidade ou domicílio da pessoa), “o direito aplicável se determina

de acordo com esses dois princípios”.

Para melhor direcionamento de nossa pesquisa, não abordaremos o detalhamento da

nacionalidade para nos dedicarmos ao domicílio da pessoa física, pois a adoção da nacionalidade

como elemento de conexão no direito internacional privado vem perdendo espaço, como bem

observa RECHSTEINER: “A tendência atual é a de que este elemento de conexão perca,

paulatinamente, a relevância de outrora, pois em virtude da crescente mobilização da população

no mundo inteiro, muitas pessoas possuem duas ou mais nacionalidades – p. 89”.

Em oposta importância atualmente, o domicílio como elemento de conexão, segundo

RECHSTEINER: “O elemento de conexão do domicílio opõe-se àquele da nacionalidade e é o

elemento de conexão predominantemente no direito internacional privado. – p. 91”. Para o

professor, “O conceito do domicílio no direito internacional privado tem várias acepções, e o

seu conteúdo deve ser interpretado conforme as normas do direito internacional privado da Lex

fori. – 91”.

RECHSTEINER fala sobre outros elementos de conexão tradicionais no direito

internacional privado a lex rei sitae , que significa “expressão latina que indica a lei do lugar

onde se encontra a coisa objetivada numa relação jurídica” 63

e lex loci delicti commissi, que

segundo as lições do professor “corresponde à lei do lugar onde um ato ilícito foi cometido”. –

p. 95

Noticia Antonio Carlos Rodrigues do AMARAL e Clever Mazzoni CAMPOS64

sobre a

aceitação da autonomia da vontade como elemento de conexão.

No que tange à discussão sobre a aceitação ou não da vontade como elemento de

conexão relacionado às obrigações, deve-se analisar a antiga Lei de Introdução

ao Código Civil brasileiro, promulgada em 1917 e revogada em 1942 com

advento da nova lei, tendo em vista que esta última não deu, pelo menos

expressamente, margem ao princípio da autonomia da vontade.

63

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro: Lex loci rei sitae. São Paulo: Editora Jurídica

Brasileira, 1995.ed. 7, p. 894. 64

AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do e CAMPOS, Clever Mazzoni. Direito do Comércio Internacional –

Aspectos Fundamentais. Antonio Carlos Rodigues do Amaral (Coordenador). São Paulo: Editora Aduaneiras, 2004,

p.217 a 230..

52

Posiciona-se de forma a não reconhecer a autonomia da vontade como elemento de

conexão, FRANCESCHINI, invocando Haroldo Valladão e Oscar Tenório para salvaguardar seu

posicionamento, evidenciados nas seguintes apontamentos:

Chega-se, assim, à inarredável conclusão de que, perante o Direito Internacional

Privado brasileiro, em face da meridiana mens legis, produto de momento

histórico de fácil interpretação, a autonomia da vontade não pode ser

reconhecida como elemento de conexão contratual. (grifamos) – p. 71

3.5.1 – Competência Internacional

Passaremos a tratar da competência internacional, tema que, assim como outros desta

pesquisa precisa ser, mesmo que sucintamente abordado, uma vez que a eleição de foro nos

contratos internacionais nos remete a questão de competência internacional.

Cabe-nos antes de iniciarmos a pesquisa da competência internacional, estabelecer a

distinção entre os termos “jurisdição e competência”, onde acolhemos para fins de diferenciação

o posicionamento de Luiz Rodrigues WAMBIER65

:

É preciso estabelecer, desde logo, a diferença entre jurisdição e competência, de

modo que se compreenda este último conceito que, embora seja extremamente

vinculado ao de jurisdição, deste é substancialmente diferenciado.

Define ainda a jurisdição para melhor destacá-lo da competência:

Jurisdição é a função do Estado, decorrente de sua soberania, de resolver os

conflitos, na medida em ela sejam apresentados, em lugar daqueles que no

conflito estão envolvidos, através da aplicação de uma solução contida no

sistema jurídico. Enquanto se trate de uma das formas de exercício do poder do

Estado, a jurisdição é uma.

Para o autor, a competência:

São justamente as normas de competência que atribuem concretamente a função

de exercer a jurisdição aos diversos órgãos da jurisdição, pelo que se pode

65

WAMBIER, Luiz Rodrigues (coordenador). Curso Avançado de Processo Civil v.1 – Teoria Geral e Processo de

Conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006- 8ª edição revista, atualizada e ampliada, p.89 a 115.

53

conceituá-la como instituto que define o âmbito de exercício da atividade

jurisdicional de cada órgão dessa função encarregado.

Depois de estabelecer a distinção WAMBIER, faz o seguinte comentário sobre a

competência internacional:

A primeira observação que se deve inexoravelmente fazer é a de que, na

verdade, aqui se está diante de um problema de jurisdição e não de competência,

como diz a lei. (…) as regras de competência são aquelas segundo as quais há

uma espécie de “divisão de trabalho” entre os órgãos de um mesmo Poder

Judiciário. Todos têm jurisdição: o que as normas de competência fazem é

determinar em que momento e sob quais circunstâncias devem exercê-la.

Buscaremos novamente, os ensinamentos de NARDI por considerarmos uma boa fonte de

pesquisa, no seguinte trecho o autor fala sobre a função jurisdicional do Estado.

A jurisdição, monopólio estatal constituído com objeto de evitar a reparação

privada desmedida, ou sua forma evoluída, a Lei de Talião, é pilar da construção

social com pretensão de estabilizar as relações entre indivíduos que a integram, e

admite a possibilidade de estarem eles em eventual conflito.

Explica ainda que, “o exercício da jurisdição é delegado pelo Estado a agentes designados

conforme a organização própria de cada um, e a repartição do poder entre esses agentes, a

limitação do poder dos atores individuais é estabelecida pela competência”.

No mesmo sentido o professor Antonio Carlos MARCATO66

diz:

Deve o Estado, antes de transferir o poder jurisdicional aos órgãos que irão

exercê-lo, definí-lo em seus contornos, conteúdo e extensão, em confronto com

o de outros Estados que compõem a comunidade internacional.

Busca ele, através dessa definição, salvaguardar a sua soberania e, ainda, evitar a

emissão de decisões totalmente esvaziadas de autoridade, enquanto inexeqüíveis

em território alheio.

Tratando dos limites da jurisdição pela competência, no direito interno Vera Maria Barrera

JATAHY67

leciona:

66

MARCATO, Antonio Carlos. Breves considerações sobre jurisdição e competência . Jus Navigandi, Teresina,

ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2923>. Acesso em: 16 nov.

2009. 67

JATAHY, Vera Maria Barrera. Do conflito das Jurisdições – A Competência Internacional da Justiça Brasileira.

Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p.10.

54

Em razão da competência a repartição interna da jurisdição, por não existir

órgão supra-estatal regulamentador da competência internacional do Estados, a

crítica tem justificativa: é o próprio Estado que, orientado por princípios gerais e

adotando seus próprios critérios, elabora regras que fixam os limites da sua

jurisdição. Contudo, a designação torna-se apropriada, quando adotada nas

convenções internacionais ou regionais onde, por consenso, os Estados-partes

estabelecem regras repartidoras de competência internacional da matéria

específica regulamentam.

JATAHY interpretando o posicionamento de Machado Villela, sobre o instituto da

competência, justifica a utilização da terminologia Competência Internacional assim:

(...) justifica sua opção pela expressão competência internacional por entender

que não se trata de resolver questões entre nações, mas simplesmente de fixar a

competência dos tribunais de um Estado em relação aos tribunais de outros.

No ordenamento jurídico brasileiro, encontramos previsão da Competência Internacional no

Código de Processo Civil (CPC), dispõe o artigo 88 do CPC:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Sobre o competência internacional tratada pelo CPC, Guillermo Federico RAMOS68

cita a

crítica à terminologia empregada, segundo posicionamento do professor Ovídio Batista da Silva,

como podemos observar:

Em primeiro lugar, para melhor elucidação da matéria, esclareça-se que, embora o

Código de Processo Civil empregue a terminologia “competência internacional” nos arts.

88 e 89, tecnicamente não se trata de “competência”, mas sim de limites da jurisdição

brasileira perante a jurisdição de outros Estados soberanos.

O professor Arruda ALVIM69

, interpretou o inciso I do artigo 88 do CPC, para a

possibilidade da opção do Judiciário Brasileiro como foro internacional, sendo assim competente

para analisar a lide.

68

RAMOS, Guillermo Federico. Revista de Processo: O foro de eleição nos contratos internacionais e a jurisdição

brasileira: a deferência devida ao art. 88 do CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 33, setembro de

2008. RePro 163, p. 221 a 233. 69

ALVIM, Arruda. Direito Processual Civil V.1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002 – Coleção Estudos

e Pareceres II, p.125.

55

Seja, portanto, pela regra do art. 88, I, citado, seja pela eleição do Brasil como

for internacional , a Justiça brasileira é competente para conhecer da ação

proposta. Há, pois, dois títulos para justificar a competência da Justiça

brasileira.

No caso do inciso II, do aludido artigo, tomaremos como exemplo o caso exposto por

ALVIM em que, baseado em uma relação obrigacional, exige-se o pagamento oriundo de uma

garantia, sendo os réus domiciliados no Brasil, e que existia expressamente na cláusula que prevê

a competência da jurisdição brasileira, “rezando a cláusula que isso diz respeito serem

competentes: “[os] Tribunais da República Federativa do Brasil, ou de qualquer de suas

subdivisões políticas”.

Para ALVIM:

Isso significa que, conquanto pudesse a ação ser proposta em outro for, v.g., no

de Nova York, entre os foros internacionais concorrentes encontra-se,

expressamente referido o da Justiça brasileira.

Adotaremos o posicionamento de Moacyr Amaral dos SANTOS70

, para condensarmos os

limites da jurisdição.

Prefixando as atribuições dos órgãos jurisdicionais, nos limites das quais podem

eles exercer a jurisdição, a lei está a definir-lhes a competência. Diz-se que um

juiz é competente quando, no âmbito de suas atribuições, tem poderes

jurisdicionais sobre determinada causa Assim a competência limita a

jurisdição, é a delimitação da jurisdição. (grifamos)

A jurisdição é classificada por NARDI como a “expressão da soberania, e a natureza

monopolística impõe a exclusão de qualquer outro poder que com ele se possa confrontar”,

porém, faz um grande alerta para a flexibilização da interpretação do conceito, pois do contrário

seria como não reconhecer outros Estados, o que não seria na bom atualmente, considerando

principalmente os aspectos políticos e econômico.

(…) Tomar o conceito de forma absoluta implicaria desconhecer a existência de

outros Estados soberanos no concerto político mundial. A convivência com

outros entes equivalentes, por isso, induz a necessidade de limitar o exercício da

jurisdição no âmbito de dominação política do ente que a patrocina.

70

SANTOS, Moacyr Amaral dos. Apud. NARDI…

56

Sintetiza RAMOS sobre a previsão legal da competência internacional no CPC, como: “o

art. 88 trata dos casos em que a jurisdição brasileira é concorrente com a dos outros Estados,

enquanto o art. 89, por sua vez, ressalva os casso da jurisdição brasileira exclusiva”.

Nelson NERY JR. e Rosa Maria de Andrade NERY, considera competência concorrente

quando a mesma ação pode ser instaurada no Brasil e em país estrangeiro. O CPC no artigo 90

nega efeitos, no Brasil, da litispendência eventualmente exixtente, pelo fato de a mesma ação ter

sido ajuizada no país estrangeiro.71

Afastando-se assim, o artigo 89 do CPC, que trata da competência exclusiva do judiciário

brasileiro do nosso foco de pesquisa.

Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer

outra:

I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o

autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

Segundo Lauro GAMA JR.72

.

(…) o artigo 88 do Código de Processo Civil regula a competência internacional

concorrente da Justiça brasileira: admite que certos litígios (disputas contratuais,

por exemplo) sejam julgados no Brasil ou no exterior. Ao reverso, as causas

visadas pelo artigo 89 do código sujeitam-se exclusivamente aos tribunais

brasileiros.

Quanto a possibilidade de cláusulas contratuais, em que por vontades das partes em

elegerem foros diverso ao brasileiro nos contratos internacionais, encontramos posicionamento

divergente, e ao nosso ver longe de uma pacificação. Dos quais destacamos alguns

posicionamentos, com suas críticas e fundamentações.

Baseado na análise do artigo 88 do CPC, defende RAMOS seu ponto de vista:

(…) por se relacionar à própria soberania, não podem as partes derrogar a

jurisdição, ampliando-a ou restringindo-a, em cláusulas contratuais que

estabeleçam que as demandas originadas da aplicação do ordenamento jurídico

71

NERY JR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação

Extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 326. 72

GAMA JR, LAURO. A escolha de foro estrangeiro em contratos. Jornal Valor Econômico, São Paulo, 23 de

outubro de 2008. Seção E2 – Legislação & Tributos.

57

dos envolvidos no negócio contratual não poderão ser ajuizadas perante o

Estado que tem jurisdição para a causa.

Com posicionamento discrepante GAMA JR., defende:

(…) não faz sentido proibir a eleição de foro estrangeiro, tornando privativa do

Judiciário brasileiro uma competência que o próprio sistema reconhece e

qualifica como relativa.

GAMA JR. reforça sua defesa com a súmula nº335 do Supremo Tribunal Federal73

, que nos

dá o seguinte direcionamento: “É válida a cláusula de eleição de foro para os processos

oriundos do contrato”.

3.6 – Eleição de foro nos contratos internacionais

Eleger um foro, no ordenamento jurídico brasileiro tem como objetivo optar dentre as

jurisdições competentes qual será adotada pelas partes contratantes, com intuito de resolverem

futuros discussões que possam emergir desta relação.

Tal instituto encontra-se amparado no artigo 111, do CPC, que reza o seguinte preceito:

Art.111. A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por

convenção das partes; mas estas podem modificar a competência em razão do

valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de

direitos e obrigações.

§ 1º O acordo, porém, só produz efeito, quando constar de contrato escrito e

aludir expressamente a determinado negócio jurídico.

§ 2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

O dispositivo mencionado poderá ser utilizado no direito interno brasileiro, quando se

encontrar amparado por algum elemento de conexão, como demonstra Eduardo Yevelson

HENRY e Luciana Monteiro Cossermelli TORNOVSKY.74

73

Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula, acessado em 25 de

setembro de 2009. 74

HENRY, Eduardo Yevelson e TORNOVSKY, Luciana Monteiro Cossermelli. Direito do Comércio

Internacional – Aspectos Fundamentais: Outros contratos internacionais do comércio. São Paulo - Editora

Aduaneiras, 2004, p. 245 e 268.

58

No que concerne ao foro competente, a cláusula de eleição de foro é

notoriamente usual em contratos internos. Exige-se que o foro escolhido pelas

partes tenha alguma conexão, ou relação relevante, o que é extensivo a contratos

internacionais, em respeito, uma vez mais, ao princípio da autonomia da

vontade, cuja validade nesse tema é correntemente aceita sem discussão a partir

de seu acolhimento pelo Supremo Tribunal Federal.

Seguindo as lições de Arruda Alvim, o professor Iure PEDROZA MENEZES75

alerta para

a distinção de eleição de foro nos contratos com o foro do contrato, entendido como o lugar em

que as partes celebraram o contrato.

Não pode o foro de eleição, contudo, ser confundido com o foro do contrato.

Este se refere ao lugar de sua celebração; aquele, ao lugar escolhido pelas partes

para ser a base territorial-judiciária onde deverá correr a demanda tendente a

dirimir conflitos da avenca, conforme lecionado por Arruda Alvim, na obra

antes mencionada. Desta forma, o art. 111, § 2º, do CPC, deve ser interpretado

com a devida ponderação. Onde se lê “foro contratual”, entenda-se “foro de

eleição”.

Apoiado no memorável jurista Pontes de Miranda, NARDI defende tal distinção necessária,

com posicionamento semelhante, como podemos observar:

[…] Não se pode falar em foro de eleição e de foro de contrato (da feitura, ou

da execução) como sendo o mesmo. Quando os juristas encambulham os dois

conceitos, nenhuma confiança podem ter na conclusão dos seus raciocínios. A

mistura do direito processual com o direito material é, então, de lastimáveis

conseqüências. (grifamos) – p. 142

Na tentativa de diferenciar a confusão terminológica com fundamentos legais Celso

Agrícola BARBI76

, assim leciona: “O foro do contrato mencionado no art. 111 e seus parágrafos

ano se confunde com o foro determinado pelo lugar de execução da obrigação, previsto no art.

100, IV, d. Tanto assim que ele pode ser precisamente para evitar esse último foro”. – p. 142

Como já tivemos oportunidade de expor o artigo 111, do CPC, por sua vez, para melhor

analisarmos os ensinamentos proferidos por BARBI, façamos saber o que dispõe o artigo 100,

IV, d, do CPC.

75

MENEZES, Iure Pedroza. A natureza da competência decorrente de eleição de foro nos novos arts. 112 e 114

do CPC. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1469, 10 jul. 2007. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10131>. Acesso em: 17 nov. 2009. 76

BARBI, Celso Agrícola. Apud. NARDI, Marcelo de. Contratos Internacionais (João Grandino Rodas –

coordenador). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002 - 3ª edição revisada, atualizada e ampliada, p.142.

59

Art. 100.É competente o foro:

IV – do lugar:

d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se Ihe exigir o

cumprimento;

Noticia NARDI buscando respaldo nas lições de Chiovenda, sobre o instituto da eleição de

foro e sua devida diferenciação, onde encontra-se semelhança, como por exemplo na Itália:

Pode haver fórum prorogatum quando for relativa a competência. É o que se

pode estabelecer por dois modos: ou por convenção expressa, ou pelo fato da

eleição de domicílio (Cód. Civil, art. 19; Cód. Proc. Civil, arts. 95, 40). Quando,

enfim, aquele que é réu perante um tribunal, cuja incompetência relativa pode

excepcionar, não excepciona, produz-se, entretanto, por via da preclusão da

exceção de incompetência (adiante, n. 359, c, d, e) o efeito da prorrogação (Cód.

Proc. Civil, art. 187) [art. 148, I, Cód. Proc. Civil]; supra n.174. – p. 143

Já esclarecemos o que é a eleição de foro nos contratos internacionais, porém em tópico

específico utilizaremos as palavras do professor Marcelo NARDI para melhor definirmos,

“corresponde à obrigação das partes contratantes de submeterem a certa jurisdição a solução

de eventuais controvérsias sobre a relação jurídica negocial”. – p. 145

Explica ainda NARDI:

Nem todos os contratos conectados a mais de um ordenamento jurídico, todavia,

admitem a disposição das partes acerca do foro processual. É relevante

identificar as espécies contratuais em que o instituto utilizado com eficácia, a

fim de delimitar com precisão seu alcance. – p. 145

Os contratos ditos internacionais, por nossa pesquisa abordado, são os contratos utilizados

no comércio internacional. “apesar da eventual complexidade de prática, permitem identificação

dos conceitos ideais da relação obrigacional”77

.

Alerta ainda o professor NARDI:

De conseqüência, a escolha de foro processual em contratos internacionais com

potencial vício de vontade, como os de adesão ou os de consumo, ano tem

receptividade garantida, pois pode emergir da avença sobre jurisdição um

prejuízo à parte contratualmente mais fraca, a ser coibido pelo exercício dessa

jurisdição. – p. 146

77

NARDI, Marcelo de. Contratos Internacionais (João Grandino Rodas – coordenador). São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2002 - 3ª edição revisada, atualizada e ampliada, p.146.

60

Como observado anteriormente, no Brasil o legislador nacional admitiu a existência de

algumas hipóteses em que a competência brasileira concorra com a competência de outros

Estados, assim já sabemos que a escolha de foro em contratos internacionalmente conectados é

compatível com nosso ordenamento jurídico.

Todavia, mesmo que “o sistema jurídico brasileiro tem historicamente admitido o foro de

eleição, seja em termos de doutrina, seja de Jurisprudência e de Direito Positivo”78

. Explica

ainda, o professor José Inácio Gonzaga FRANDESCHINI sobre os limites que as partes

encontram ao exercerem sua liberdade ao contratarem.

A liberdade de contratual das partes, nesse aspecto, encontra, porém, limites em

preceitos vedativos específicos e em princípios de ordem pública que afetam,

por exemplo, os contratos celebrados por falidos, os contratos de trabalho e

certos contratos marítimos e de transporte aeronáutico. Da mesma forma, pode

ter sua expansão restrita ex vi disposivos covencionais, tais como o encontradiço

no art. 318 do Código Bustamante79

. – p. 116

Destacamos o importante alerta feito pela professora Nadia de ARAÚJO80

, sobre a

prudência na inclusão de cláusula de eleição de foro nos contratos internacionais, tendo em vista

o posicionamento dos tribunais brasileiros:

Assim as partes precisam ser cautelosas quando da redação de uma cláusula

desse tipo no contrato internacional, pois os tribunais brasileiros não enfrentam a

questão diretamente, nem parecem ter abraçado as teses pró-autonomia

defendidas mais recentemente, na esteira das modificações da legislação no

plano internacional. Só quando a LICC for modificada, ou for adotada a

Convenção Interamericana sobre o Direito aplicável aos Contratos

Internacionais (México, 1994), a incorporação do princípio da autonomia da

vontade ao direito brasileiro estará garantida.. – p. 212

78

FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Contratos Internacionais (João Grandino Rodas – coordenador). São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002 - 3ª edição revisada, atualizada e ampliada, p.116. 79

Assim reza o Art. 318 do Código Bustamante: O juiz competente, em primeira instancia, para conhecer dos pleitos

a que dê origem o exercicio das acções civeis e mercantis de qualquer especie, será aquelle a quem os litigantes se

submettam expressa ou tacitamente, sempre que um delles, pelo menos, seja nacional do Estado contractante a que o

juiz pertença ou tenha nelle o seu domicilio e salvo o direito local, em contrario.

A submissão não será possivel para as acções reaes ou mixtas sobre bens immoveis, se a prohibir a lei da sua

situação. 80

ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais – Contratos internacionais e a jurisprudência brasileira: lei

aplicável, ordem pública e cláusula de eleição de foro. (João Grandino Rodas – coordenador). São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2002 - 3ª edição revisada, atualizada e ampliada, p.195 a 229.

61

3.6.1 – Eleição de foro X soberania

Destinamos este espaço em nossa pesquisa, para apontarmos a discussão entre a eleição de

foro nos contratos internacionais como afronta à soberania brasileira. Em artigo destinado a

comentar o assunto, publicado no jornal Valor Econômico Lauro GAMA JR81

comenta o

posicionamento brasileiro e os riscos deste conflito.

Relata GAMA JR.:

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou ilegal uma

cláusula de eleição de foro estrangeiro - no caso, o Reino Unido - inserida

em um contrato de distribuição firmado entre uma empresa nacional e uma

fornecedora inglesa. Em síntese, decidiu que "para fixação de competência

internacional concorrente, não obstante as cláusulas de eleição de foro, o

Judiciário brasileiro é competente quando a obrigação principal tiver de ser

cumprida no Brasil (conforme o artigo 88, inciso II do Código de Processo

Civil), visto que é vedado às partes dispor sobre a competência concorrente

de juiz brasileiro por força das normas fundadas na soberania nacional,

não suscetíveis à vontade dos interessados." Ou seja, mesmo que as partes

contratem que suas disputas serão submetidas, com exclusividade, à Justiça

estrangeira, esse acordo de nada valerá quando as disputas também possam ser

apreciadas por tribunais brasileiros. (grifamos)

Critica GAMA JR., “A decisão do STJ é preocupante, porque reafirma a idéia de que esse

tipo de cláusula atenta contra a soberania nacional, configurando-se abusiva, por impedir ou

dificultar o acesso aos tribunais brasileiros” Segundo o professor, a decisão tem um viés

extremamente político, mas equivoca-se analisando sob o prisma jurídico e econômico.

O posicionamento defendido pelo professor, está em total alinhamento com nossa pesquisa,

como já tivemos oportunidade de apontarmos em algumas linhas sobre a autonomia de vontade

das partes nos contratos internacionais de escolherem a lei aplicável e o foro competente para

resolver seus eventuais conflitos. Bem como, com os casos de competência internacional tratados

pelo CPC.

Oportunamente, lembra o professor Marcelo NARDI de uma decisão do TJDF que

contraria o posicionamento do STJ exposto:

81

GAMA JR, LAURO. A escolha de foro estrangeiro em contratos. Jornal Valor Econômico, São Paulo, 23 de

outubro de 2008. Seção E2 – Legislação & Tributos.

62

Competência – Foro do Contrato – Caso em que é válida a submissão

voluntária à jurisdição estrangeira – Inexistência de ofensa à soberania

nacional (TJDF, Rio de Janeiro, 3º GrCâmCív, maioria, RRev 1.936 no AgIn

1.622,rel. Des. Martinho Garcez Netto, DJ 13.10.1955, apenso 234. (grifamos)

(…)

Em síntese, o art. 12, com exceção do disposto no seu § 1º, pode ser derrogado

ad libitum dos contratantes, mediante convenção expressa, pois o seu conteúdo

não é direito público e a norma que ele consagra não interessa à soberania

do estado brasileiro. (grifamos) – p. 165

LAURO JR. argumenta se posicionamento de crítica a aludida decisão do Superior

Tribunal de Justiça, fundamentando:

Ao contrário da respeitosa - mas equivocada - decisão do STJ, é evidente a

juridicidade da eleição de foro. A uma, ela é expressamente autorizada nos

contratos internacionais do Mercosul, conforme estabelece o Protocolo de

Buenos Aires, de 1996. A duas, é também permitida nos contratos internos,

confirme o artigo 111 do Código de Processo Civil e PC e a Súmula nº 335 do

Supremo Tribunal Federal (STF). E a três, encontra firme apoio na cláusula

constitucional de liberdade - o artigo 5º , inciso II da Constituição Federal -, que

não pode ser restringida sem previsão legal expressa. Em outras palavras, sem

uma vedação legal da eleição de foro estrangeiro, não é lícito ao intérprete criá-

la pela via jurisprudencial, restringindo a liberdade constitucional assegurada a

indivíduos e empresas. Daí que a opinião do STJ não apenas carece de suporte

legal, mas contraria um preceito fundamental da nossa Constituição.

Contrario aos que defendem que a liberdade das partes em escolherem o foro competente,

fundada no princípio da autonomia da vontade, atenta contra a soberania brasileira, pois afasta do

judiciário brasileiro a direito de apreciação da lide, é rechaçado pelo professor GAMA JR.,

evidenciados na seguinte argumentação:

A decisão do STJ é também politicamente incorreta. Dirão os nacionalistas que a

eleição de foro estrangeiro afronta nossa soberania porque subtrai a jurisdição

dos tribunais brasileiros sobre uma causa que poderia ser aqui julgada. Trata-se

de um mito, que não mais corresponde à realidade de um Brasil

globalizado. Fato pouco conhecido, nosso país já é parte em cerca de 30

tratados e convenções internacionais em matéria processual, nos quais

livremente assumiu obrigações perante outros países, abrindo mão de sua

soberania em prol da cooperação internacional. Como no Mercosul, a eleição

de foro é ampla na União Européia, conforme o Regulamento nº 44, de 2001.

Em 2005, a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, da qual o

Brasil faz parte, aprovou a Convenção sobre os Acordos de Eleição de Foro,

com o objetivo de tornar o contencioso judicial internacional tão seguro e

previsível quanto a arbitragem internacional sujeita à Convenção de Nova York,

de 1958, vigente em 142 países. Em suma: hoje em dia as normas processuais

visam assegurar a efetividade das cláusulas de eleição de foro, conferindo maior

63

certeza e previsibilidade às transações comerciais internacionais. E não o

contrário.

O mesmo Brasil, cuja soberania, segundo o STJ, restaria afrontada pela eleição

de foro estrangeiro, de modo igualmente soberano garante-a perante seus pares

nos contratos internacionais do Mercosul. E também optou, soberanamente, por

não proibi-la em lei, preservando a liberdade constitucional de sua escolha.

Portanto, na eleição de foro estrangeiro não está em jogo a soberania brasileira,

mas o respeito ao "pacta sunt servanda" - princípio aceito em todo o mundo e

pilar de sustentação dos contratos que estabelece que eles devem ser cumpridos.

(grifamos)

Conclui o professor, apontando os riscos econômicos do desrespeito a eleição de foro nos

contratos internacionais pelas cortes brasileiras, e tal posicionamento pode afetar as relações

brasileiras nas transações comerciais internacionais.

Se nossos tribunais, em nome de uma interpretação equivocada do artigo 88 do

Código de Processo Civil, insistirem em desrespeitar obrigações livremente

assumidas por contratantes bem informados - e o fazem freqüentemente em

favor da parte brasileira -, que tipo de mensagem enviarão à comunidade

internacional, da qual o Brasil é parte integrante e cada vez mais ativa?

É mais que chegada a hora de responsabilizar indivíduos e empresas por suas

próprias escolhas, eliminando o fardo estatista e paternalista que entrava o nosso

crescimento. Nesse contexto, o papel do Poder Judiciário é garantir contratos, e

não desrespeitá-los. A decisão do STJ onera o "custo Brasil", pois gera

desconfiança quanto ao cumprimento dos contratos. Assim, empresas

brasileiras passarão a pagar mais caro para negociar, elaborar e manter a

execução de seus compromissos internacionais, suportando custos de

transação mais elevados. (grifamos)

3.7 – Eleição de foro no Mercosul de acordo com o Protocolo de Buenos Aires

Nesta parte de nossa pesquisa dedicaremos ao estudo da eleição de foro no Mercado

Comum do Sul (MERCOSUL), tomaremos como fonte o “Protocolo de Buenos Aires sobre

Jurisdição Internacional em Matéria Contratual” (Protocolo de Buenos Aires), concluído em

5 de agosto de 1994, devidamente aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro, em

conformidade com os trâmites legais, por meio do Decreto Legislativo nº 129, de 5 de outubro de

1995 e promulgado executivamente pelo Presidente da República mediante o Decreto nº 2.095,

de 17 de dezembro de 1996.

64

Não temos o intuito de analisar sistematicamente o Protocolo de Buenos Aires, nos

focaremos as questões que envolvem apenas a eleição de foro no contratos internacionais no

MERCOSUL.

Esclarecemos que para o estudo deste tópico, basicamente utilizaremos a obra de Armando

Alvares GARCIA JÚNIOR82

, justifica-se por ser uma estuto totalmente dedicado a análise da

Jurisdição Internacional em Matéria Contratual no MERCOSUL.

3.7.1 – Declaração de foro competente

Relata GARCIA JÚNIOR a incidência do Protocolo de Buenos Aires e Declaração de Foro

Competente:

O Poder Judiciário (ou Junta Arbitral) brasileiro, argentino, paraguaio ou

uruguaio podem ser escolhidos como foros competentes para apreciar e

decidir eventuais ações judiciais decorrentes do incruprimento de contratos

empresariais internacionais, ainda que uma das partes contratantes ano tenha

domicílio ou sede-social em Estado-Parte da união aduaneira. (grifamos) – pg.

25

O professor faz clara referência ao fundamento legal do Protocolo de Buenos Aires,

fulcrada no artigo 4. Que assim dispõe:

Artigo 4:

1. Nos conflitos que decorram dos contratos internacionais em matéria civil ou

comercial serão competentes os tribunais do Estado-Parte em cuja jurisdição os

contratantes tenham acordado submeter-se por escrito, sempre que tal ajuste não

tenha sido obtido de forma abusiva.

2. Pode-se acordar, igualmente, a eleição de tribunais arbitrais.

Assim comenta o professor:

Está claro que empresários do Mercosul (ambos os contratantes com sede social

ou domicílio em Estados-Partes da união aduaneira), ao celebrarem contrato

internacional (por exemplo, importação/exportação de roupas), podem fixar

como foro competente para apreciar e decidir eventual demanda judicial

decorrente de incruprimento do contrato que ajustam entre si, qualquer dos

Estados-Partes do Mercosul.

82

GARCIA JÚNIOR, Armando Alvares. Jurisdição Internacional em Matéria Contratual no Mercosul. São

Paulo: Editora Aduaneiras, 2004.

65

Está é a situação ordinária. O Protocolo de Buenos Aires, porém, também

contempla – expressamente – a possibilidade de que qualquer dos Estados-

Partes da união aduaneira seja escolhido para funcionar juridicamente

como foro competente na apreciação de conflitos jurídicos decorrentes do

contrato internacional que celebram entre si. (grifamos) – pg. 25

Ratifica o ensinamento dizendo:

Desse modo, é perfeitamente possível, válido e eficaz, no campo jurídico, a

eleição, como foro competente, de qualquer dos Estados-Partes do Mercosul,

ainda que uma das partes contratantes tenha sua sede social em país não-

integrante da união aduaneira. (grifamos) – pg. 25

O professor GARCIA JÚNIOR, também fala sobre a disposição do Protocolo sobre a

escolha de países não-integrantes do Mercosul, para a escolha de foro:

Empresas sediadas em países não-integrantes da união aduaneira podem também

escolher como foro competente qualquer um dos Estados-Partes do Mercosul.

Contudo, essas escolha não será regulada pelo Protocolo de Buenos Aires, que

exige, ao menos, que uma das empresas envolvidas tenha sua sede em território

de algum Estado-Parte da união aduaneira.

Assim comenta:

A escolha do foro brasileiro, argentino, paraguaio ou uruguaio para empresários

de outros países é juridicamente possível, pois as partes contratantes são livres

para escolher o lugar (país) onde pretendem eventualmente submeter à

apreciação judicial ou arbitral uma questão contratual qualquer. – p. 28

Também nos demonstra um caso hipotético, com intuito de se fazer mais didático ao fechar

o entendimento.

Assim, por exemplo, se as duas partes contratantes (empresa peruana e empresa

venezuelana, cujos países não integram a união aduaneira) optarem por escolher

como foro competente para apreciar e decidir suas pendências contratuais Brasil,

Argentina, Paraguai ou Uruguai, a escolha, embora válida, não será regulada

pelo Protocolo de Buenos Aires, mas pela lei do foro (lex fori), que é a lei

nacional do país escolhido. – p. 27

66

3.7.2 – Protocolo de Buenos Aires diante da Lex Fori – aplicação do Protocolo e aplicação da

Lex fori

Da mesma forma, como já abordamos anteriormente em nossa pesquisa, onde a eleição de

foro nos contratos é o fator determinante para questões relacionadas a aspectos processuais e

relacionado a um futuro litígio que possa advir da relação contratual. GARCIA JÚNIOR fala da

relação do Protocolo de Buenos Aires diante da Lex Fori, conforme trecho subsequente:

A legislação interna pertinente dos países integrantes do Mercosul é

afastada, de pleno direito, sendo substituída pelo Protocolo de Buenos

Aires, sempre que a transação comercial internacional envolva empresas (ao

menos uma delas) com sede social na união aduaneira. (grifamos) – p. 31

No mesmo sentido, continua as lições complementando que:

Normalmente é a lei do foro (Lex fori) que determina uma infinidade de

questões relativas aos aspectos processuais e procedimentais relacionadas com a

demanda judicial

É a lei do país onde a questão será judicialmente apreciada que se impõe. Ela é

que determina quais são as normas jurídicas que devem servir de base para o

contrato de venda e compra internacional ou prestação internacional de serviços.

Em regra, tradicionalíssima no Direito de todos os países (e encontrada no

ordenamento jurídico dos Estados-Partes do Mercosul), não se aplica no caso

do Mercado Comum do Sul, pois foi substituída pelo Protocolo de Buenos

Aires, que passou a regular, assim, os aspectos mais relevantes do processo

e da jurisdição internacional dos Estados-Partes. – p. 32

O professor GARCIA JÚNIOR conclui ressaltando a aplicação do Protocolo de Buenos

Aires e a aplicação da Lex Fori, evidenciados nas seguintes ideias:

A aplicação das normas jurídicas e princípios jurídicos contidos no Protocolo de

Buenos Aires sempre prevalece e antecede à aplicação de eventuais normas

nacionais (brasileiras, argentinas, paraguaias e uruguaias) em casos que

envolvam contratos de natureza comercial ou civil celebrados entre empresas

com sede social em território de algum Estado-Parte do Mercado Comum do

Sul. – p. 32

67

3.7.3 – Contratos internacionais não contemplados pelo Protocolo

Preliminarmente, faz-se necessário esclarecermos que o Protocolo de Buenos Aires não

contemplou a aplicabilidade de suas regras para todos os tipos de contratos internacionais, e em

um rol taxativo, detalhou os contratos excluídos de sua aplicação. Com inteligência jurídica em

seu artigo 2.

Assim reza o artigo 2 do aludido Protocolo:

Artigo 2 – O âmbito de aplicação do presente Protocolo exclui:

1. as relações jurídicas entre os falidos e seus credores e demais procedimentos

análogos, especialmente as concordatas;

2. a matéria tratada em acordos no âmbito do direito de família e das sucessões;

3. os contratos de seguridade social;

4. os contratos administrativos;

5. os contratos de trabalho;

6. os contratos de venda ao consumidor;

7. os contratos de transporte;

8. os contratos de seguro;

9. os direitos reais;

GARCIA JÚNIOR levanta um ponto que ainda gera grandes discussões, acerca dos

contratos excluídos pelo Protocolo de Buenos Aires, segundo o professor “de todos esses

contratos excluídos, os que mais suscitam dúvidas são os contratos de venda ao consumidor”,

justificando que “a venda ao consumidor sempre se enquadra, dependendo da legislação do

país, como um ato de natureza civil ou comercial”. – p. 34

Segundo ele, “a explicação mais habitual que se faz sobre a exclusão é a de que o

Prolocolo de Buenos Aires procura regular os contratos de grande envergadura entre empresas,

e não entre essas e os clientes. – p. 35

3.7.4 – Foro Genérico e Foro Específico no Mercosul

Anota GARCIA JÚNIOR “a denominação “foro genérico” e foro específico” não se

constitui, em hipótese alguma, em uma falácia teórica”.

Sobre o foro genérico o professor comenta:

68

O Protocolo de Buenos Aires somente indica, genericamente, que serão

competentes os tribunais do país em que se verificar concretamente uma

dada hipótese legal (por exemplo, o país onde o litigante tiver sua sede social).

O Protocolo não designa – e nem poderia designar – como competente, o

tribunal coincide com a noção de foro genérico de um país e não com a de

„órgãos jurisdicionais colegiados‟ propriamente ditos. (grifamos) – p. 54

Por sua vez, comenta o foro específico no MERCOSUL:

Tanto o Protocolo de Buenos Aires como outros textos internacionais que

tenham por objeto a jurisdição internacional, abstêm-se de mencionar o

foro específico, pois esse foro é tema puramente doméstico, de organização

judiciária local.

O foro específico deve ser cuidadosamente analisado quando da propositura da

ação judicial, por parte do representante legal da empresa. O foro específico

somente é indicado pelas normas locais de organização judiciária do país.

(grifamos) – p. 55

Conclui o professor:

O Protocolo de Buenos Aires não exige a indicação de órgãos nacionais

específicos para a apreciação da causa (“Autoridade Designada”), como

tantas vezes encontramos em tratados internacionais. Ao contrário, deixa

apenas indicada a necessidade óbvia de apreciação pelo Poder Judiciário

nacional, abrindo também a possibilidade de apreciação por juízo arbitral.

(grifamos) – p. 56

3.7.5 – Momento da escolha do foro

Em total consonância com que já tivemos oportunidade de relatar, o momento melhor

momento para a escolha do foro competente, repousa na fase pré-contratual, ou seja, na fase de

negociação contratual. No âmbito do MERCOSUL, também é aconselhável que seja nesta fase,

que as partes acordem sobre este importante item.

Neste sentido recomenda GARCIA JÚNIOR:

O momento oportuno de escolha do foro competente em contratos internacionais

de natureza civil ou comercial tem se revelado de grande importância estratégica

no mundo dos negócios. Empresas e executivos que ainda não estejam muito

habituados ao mundo negocial devem ser extremamente cuidadosos no momento

de escolherem referido foro. – pg. 58

69

Apesar de altamente recomendável as partes acordarem sobre o foro competente, que

regerá suas relações em eventuais entraves, não é vedada as partes a escolha do foro competente

durante a vigência contratual.

Sobre a possibilidade das partes elegerem o foro competente, durante a plena vigência do

contrato, GARCIA JÚNIOR fala:

Este momento é menos problemático que o da escolha do foro competente após

surgido o dissenso entre as partes contratantes. No entanto, não é recomendável

deixar o tempo transcorrer sem que as empresas envolvidas indiquem o foro

competente, pois uma relação empresarial amistosa pode, a qualquer momento,

torna-se conflitiva (…)

Não é tão comum quanto a escolha do foro no mento da celebração do contrato.

Essa possibilidade temporal não traz os inconvenientes da escolha posterior ao

surgimento do problema entre as partes contratantes. – pg. 60

O professor fecha o entendimento com um alerta sobre, a faculdade das partes em elegerem

o foro, levando em conta o passar do tempo:

De qualquer modo, quanto mais tempo passa, sem que exista uma previsão

contratual do foro onde será eventualmente apreciado e decidido um pleito

judicial, maior é o risco que esse problema surja e a escolha se torne muito mais

complicada e até mesmo impossível, por falta de entendimento entre as partes. –

pg. 60

3.7.6 – A validade do foro competente em virtude das lacunas, obscuridades e omissões do

Protocolo

Seguimos na pesquisa da obra de GARCIA JÚNIOR, onde dos pontos analisados achamos

coerente dedicarmos um ponto sobre a validade do foro competente do Protocolo de Buenos

Aires, uma vez que, existem algumas lacunas e obscuridades, bem como algumas omissões do

referido Protocolo.

Bem observa GARCIA JÚNIOR.

Uma das maiores dificuldades do operador internacional é tentar tornar

inteligível e coerente sistematicamente o Protocolo de Buenos Aires, pois esse

70

corpo de normas internacionais apresenta em diversos pontos de seu texto

grotescas omissões e incoerências – pg. 69

Para o professor, “existe o seguinte dilema para os operadores do Direito na defesa

jurídica das empresas brasileiras no âmbito do Mercosul”:

Tomamos ciência por meio dos questionamentos subsequentes:

a) aplica-se a lex fori do Estado cujo juízo escolhido pelo autor (jurisdição

subsidiária)?

b) Aplica-se a lex fori do Estado envolvido e que teria jurisdição por suas

próprias regras internas? – pg. 69

Para o professor GARCIA JÚNIOR devemos fazer as seguintes observações para ajudar a

interpretação para os questionamentos propostos.

A letra a) pode ser sumariamente descartada porque a jurisdição subsidiária

somente se aplica na ausência de foro eleito pelas partes contratantes.

A letra b) pode ser descartada porque o dispositivo é expresso em relação à

jurisdição do Estado em conformidade com o estabelecido no Protocolo de

Buenos Aires, não em relação ao seu próprio direito interno. – pg. 70

Não existem outras regras pertinentes no Protocolo de Buenos Aires, assim a dúvida

permanece, sendo um ponto constante de questionamento. Assim, compara o professor falando da

validade da escolha do foro, “similarmente ao que ocorre com a lei aplicável no campo da

duvidosa autonomia da vontade perante o Direito Internacional Privado brasileiro – de ambos

Estados admitirem”. (grifamos) – p. 70

Complementa sobre a dupla admissão dos estados GARCIA JÚNIOR:

Essa dupla admissão pelos Estados ocorre quando o direito processual dos

países envolvidos não contempla a hipótese da escolha de foro como sendo

de competência exclusiva de suas autoridades judiciárias nacionais.

(grifamos) – pg. 70

Firma o entendimento o professor GARCIA JÚNIOR sobre a validade e os efeitos da

eleição de foro, onde temos a oportunidade de conferir no trecho seguinte:

71

Em suma, a validade e os efeitos da eleição de foro são redigidos pelo Direito

dos estados envolvidos. Ambos os estados devem admitir a eleição de foro e em

ambos a hipótese não pode enquadrar-se na competência exclusiva da autoridade

judiciária nacional.

(…)

Desse modo, sendo válida a escolha do foro competente pelas empresas

contratantes que comercializam bens e serviços dentro da união aduaneira do

Mercosul, os efeitos processuais resultantes dessa eleição de foro decorrem

naturalmente, sem necessidade de novas alegações por parte do departamento

jurídico das empresas (ou por intermédio de escritórios especialmente

contratados). – pg. 70 e 71

3.7.7 – Redução legal da possibilidade de escolha de Foro

Alerta o professor GARCIA JÚNIOR que “a aplicação rigorosa do Protocolo de Buenos

Aires implicaria excluir ao jurisdicionado o direito individual de postular em juízo perante o

Poder Judiciário de seu próprio país”: – p. 133

Ressalta o professor:

(…) se considerarmos rigorosamente as regras contidas no Protocolo de Buenos

Aires, teremos de compreender que esse acordo internacional exclui a

possibilidade de o contratante eleger como foro competente para a propositura

da ação judicial o Poder Judiciário de seu próprio país, na hipótese de ainda não

haver cumprido sua prestação obrigacional no contrato que celebrou. . – pg.

133

Para GARCIA JÚNIOR a “essa interpretação se infere diretamente da alínea “c” do

artigo 7 do protocolo”. Artigo que trata da ausência de acordo de foro entre as partes, assim, no

momento que autor de uma eventual demanda for propor a ação, poderá propô-la em seu próprio

domicílio ou sede social, “quando demonstrar que cumpriu sua prestação obrigacional no

contrato que celebrou”.

Faz-se sentido informar a disposição:

Artigo 7 - Na ausência de acordo, têm jurisdição à escolha do autor:

a) o juízo do lugar de cumprimento do contrato;

b) o juízo do domicílio do demandado;

c) o juízo de seu domicílio ou sede social, quando demonstrar que cumpriu

sua prestação. (grifamos)

72

Assim conclui GARCIA JÚNIOR:

Sendo assim, a contrario sensu, o autor não pode escolher para propor ação

judicial o juízo de seu próprio domicílio ou sede social quando não demonstrar

que cumpriu sua prestação obrigacional.

Apesar dos preceitos contidos no Protocolo de Buenos Aires, a melhor

orientação doutrinária – é a que conta com o respaldo da imensa maioria dos

magistrados brasileiros – é a que aponta para a plena possibilidade de o

contratante brasileiro (ou estrangeiro residente no Brasil) acionar o Poder

Judiciário nacional para que se pronuncie sobre o caso, ainda que não tenha o

autor cumprido sua prestação obrigacional decorrente do contrato internacional

que celebrou. – pg. 133 e 136

Assim, concluímos nossa pesquisa acerca da eleição de foro nos contratos do Mercosul,

reguladas pelo Protocolo de Buenos Aires.

3.8 – Arbitragem internacional e outros mecanismos de solução de litígio

Leciona sobre a arbitragem internacional o professor Irineu STRENGER:

O termo “arbitragem”, tout court, pode ter ampla extensão. A arbitragem

abrange, como sistema de solução de pendências, desde pequenos litígios

pessoais até as grandes controvérsias empresariais e estatais, em todos os planos

do Direito, que expressamente não estejam excluídos pela legislação. – pg. 332

Embora, no Brasil, não seja muito usual a adoção da arbitragem como instrumento para

resolução de conflitos, seguindo ainda as lições de STRENGER.

Especificamente o Brasil é o país doutrinariamente incipiente nessa matéria, pela

falta de hábito e prática na utilização do instituto, embora se consigne, na

sistemática processual, o juízo arbitral, como uma das modalidades da litigância

– pg. 332

Fernando MANTILLA-SERRANO83

demonstra a oportunidade para esta solução de

conflitos, bem como o espaço que o Brasil pode explorar no campo da arbitragem internacional.

83

MANTILLA-SERRANO, Fernando. Sócio do grupo de Arbitragem Internacional do escritório Shearman & Sterling de Paris e renomado especialista em arbitragem na América Latina, fez uma apresentação dirigida especificamente aos advogados do Jurídico do Itaú Unibanco e do Jurídico do Itaú BBA sobre os desafios da arbitragem internacional, palestra proferida no dia 22 de outubro de 2009, as 15:00 h.

73

Comparando a situação brasileira com a realidade da arbitragem em outros países. Destacando os

países onde a prática da arbitragem internacional é mais praticada.

Segundo o palestrante, os lugares que possuem as melhores práticas para a arbitragem

internacional os seguintes: em um primeiro grupo ficam Paris e Suíça, no segundo grupo

encontra-se Londres, Nova York e Washington, e por sua vez, um terceiro grupo Espanha e

Estocomo.

MANTILLA-SERRANO destaca alguns seguimentos que e principais soluções por meio

da arbitragem internacional, como o setor energético, construção e engenharia, organização de

negócios, seguros e finanças, bem como o setor aeroespacial, defesa, químico, telecomunicações

e tecnologia, matérias ambientais e propriedade intelectual.84

MANTILLA-SERRANO exemplificou as demandas mais comuns de alguns setores, como

podemos observar:

No setor energético, as principais demandas arbitradas são referentes à revisão

de preços, à tributação, à estabilização, ao cancelamento de contratos e às

relações de consórcios.

No setor de Construção e Engenharia, destaca-se casos de disputas com

empresas de energia elétrica, gás, petróleo e de outros setores de infraestrutura.

Na organização de negócios, destaca-se as fusões, aquisições e joint ventures,

também com relevância as disputas de mecanismos de reajuste dos preços e

direitos de preferência.

No ramo de Seguros e Finanças, os principais entraves são disputas relacionadas

a recapitalização de bancos e empréstimos, em matéria de resseguro e de

apólices de riscos políticos.85

No sentido de salientar a importância da arbitragem nos negócios globais e destacando os

países que a prática já se tornou um hábito, o professor Antonio Carlos Rodrigues do

AMARAL86

nos deixa o seguinte ensinamento:

Ademais, é de importância fundamental ao aprimoramento dos negócios

internacionais, uma vez que os países desenvolvidos há muitos anos praticam

84

Tradução livre da palestra (palestra proferida em inglês) de Fernando MANTILLA-SERRANO. 85

Material publicitário distribuído na palestra de Fernando MANTILLA-SERRANO, do Shearman & Sterling LLP,

de 22 de outubro de 2009. 86

AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional – Aspectos Fundamentais

(Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, coordenador) – Arbitragem no Comércioo Internacional e no Brasil . São

Paulo: Editora Aduaneiras, 2004 - 1ª edição, p. 333 a 342.

74

rotineiramente a arbitragem. É, destarte, assunto de amplo interesse econômico,

empresarial, social e sindical – e também do Poder Público, que poderá, com

isso, diminuir o dramático acúmulo de ações nos tribunais (que, assim, tenderão

a dedicar-se a questões que não possam ser solucionadas pela arbitragem). – pg.

333

Para Frederico Eduardo Zenedin GLITZ87

:

Embora já seja consagrada sua utilidade na esfera do Direito Público, a

arbitragem assume especial relevo no âmbito privado, em especial no que tange

ao Direito Comercial Internacional.

Com o incremento do fenômeno da globalização e a tendência de formação de

blocos econômicos, cresceu a necessidade de meios jurídicos que assegurassem

uma solução rápida, econômica, sigilosa e técnica para os conflitos de interesses

que surgissem em decorrência dessas relações. Desse modo, para se garantir um

tratamento equânime entre as partes, afastando a incerteza quanto a isenção de

Tribunais locais em conflitos entre nacionais e estrangeiros, implementou-se um

sistema moderno de arbitragem.

Explica GLITZ que a arbitragem é “uma via jurisdicional, porém não-judiciária, de

solução pacífica de litígios internacionais”, ressalta ainda que, “as partes devem: escolher um

árbitro, descrever a questão do conflito e a delimitação do direito aplicável”.

No mesmo sentido AMARAL anota, “que a Lei de Arbitragem é uma das mais importantes

medidas legais, no campo dos métodos alternativos ao Poder Judiciário para soluções de

controvérsias”. – p. 333

É importante destacar, de início, que a Lei de Arbitragem é uma das mais

importantes . – pg. 333

Sobre a aceitação da arbitragem nas relações comerciais internacionais, o professor Beat

Walter RECHSTEINER88

comenta:

Atualmente, estima-se que cerca de 90% dos contratos internacionais de

comércio contêm uma cláusula arbitral. Em contratos internacionais referentes à

construção de complexos industriais e projetos de construção similares, o índice

de cláusulas arbitrais e projetos de construções similares, o índice de cláusulas

arbitrais, inseridas nestes contratos, atinge cerca de 100%. Neste terreno, a

87

GLITZ, Frederico Eduardo Zenedin. A arbitragem internacional como sistema de solução privada de

controvérsias. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3260>. Acesso em: 22 nov. 2009. 88

RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem Privada Internacional no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1997 - 6ª edição, p. 1 a 52.

75

decisão das lides decorrentes de tais relações jurídicas é atribuída, basicamente,

a tribunais arbitrais e não aos tribunais estatais.

Sem nos aprofundarmos, tomaremos como referência outros meios de solução de conflitos,

da mesma forma alternativos ao judiciário, baseando-nos nas lições do professor AMARAL.

Em se tratando da solução de conflitos comerciais internacional, a experiência

estrangeira informa que a proporção substancial das controvérsias se dá por via

da arbitragem (além de outros métodos alternativos ao Poder Judiciário,

como a mediação). Diversas entidades concorreram de forma substancial para a

implementação dos métodos alternativos para a solução de disputas (através dos

programas designados por Alternative Dispute Resolutions – ADR’s), entre elas

a American Arbitration Association – AAA, sediada em Nova York e com

filiais em grande parte do território dos Estados Unidos e em alguma localidades

estrangeiras, a Câmara de Comércio Internacional (CCI), de Paris (com

arbitragens usualmente levadas a efeito em desenas de países, envolvendo partes

e árbitros das mais variadas nacionalidades), e a própria ONU. (grifamos) – pg.

334

Assim destaca GLITZ:

A experiência estrangeira tem demonstrado que cada vez mais se buscam esses

métodos alternativos de solução de controvérsias, justamente pelas inúmeras

vantagens que apresentam. E, assim, diversas entidades atuam para a sua

implementação. São elas, entre outras, por exemplo, a AAA (American

Arbitration Association), com sede em Nova York, a Câmara Internacional do

Comércio (CIC), de Paris, e a LCA (London Court of Arbitration). Também na

América Latina se encontram recentes esforços no sentido de viabilizar a

arbitragem e padronizar as legislações locais na superação dos entraves formais

e culturais quanto a arbitragem. É exemplo dessas medidas a Comissão

Interamericana de Arbitragem Comercial e as recentes legislações de

Bolívia, Colômbia, Peru e Venezuela. (grifamos)

A arbitragem internacional baseia-se, em muitos casos, pelas regras da UNCITRAL

(United Nations Comission for International Trade Law), em tradução livre Comissão das Nações

Unidas para a Legislação Comercial Internacional, bem lembrada pelo sábio professor José Maria

Rossani GARCEZ89

em seu estudo sobre a arbitragem internacional, evidenciados no trecho

subsequente:

A Uncitral – United Nations Comission for International Trade Law (Comissão

das Nações Unidas para Legislação Comercial Internacional) aprovou em 21 de

89

GARCEZ, José Maria Rossani. Arbitragem na Era da Globalização (José Maria Rossani Garcez, coordenador).

Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997 - 1ª edição, p. 163 a 201.

76

junho de 1985 um conjunto de Regras de Arbitragem, que podem ser utilizadas

pelas partes em procedimentos ad hoc ou avulsos, ou tem servido de modelo

para regulamentos de entidades arbitrais no âmbito de diferentes Estados. Tais

Regras, em 41 artigos, regulamentam os procedimentos arbitrais desde a

notificação sobre a arbitragem dada pela parte que a inicia a outra até a questão

do recolhimento ou depósito das custas procedimentais.– pg. 167

Acusa GLITZ para a prática do MERCOSUL.

No Mercosul, após o Protocolo de Brasília, existem dois sistema de solução de

conflitos. Para as controvérsias públicas, inicia-se o procedimento com

negociações diretas, passando-se a intervenção do Grupo Mercado Comum. Para

as reclamações particulares, é necessária prévia tentativa da Seção Nacional do

GMC, para então se adotar o sistema do Protocolo de Brasília. Esgotados os

mecanismos previstos no Tratado, passa-se ao procedimento arbitral (art. 8º do

Protocolo de Brasília – sendo desnecessário o compromisso arbitral).

Assim dispõe o artigo 8º do Protocolo de Brasília para solução de controvérsias,

Art. 8º Os Estados Partes declaram que reconhecem como obrigatória, ipso facto

e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição do Tribunal Arbitral que em

cada caso se constitua para conhecer e resolver todas as controvérsias a que se

refere o presente Protocolo.

3.9 – Principais Convenções e tratados internacionais sobre contratos

Nesse tópico de nossa pesquisa faremos a simples menção das principais de convenções e

tratados internacionais sobre a matéria contratual. Noticia a professora Nadia de ARAUJO90

, as

convenções oriundas das Conferências de Haia de Direito Internacional Privado sobre contratos

internacionais.

Convenção de Haia sobre a lei aplicável à venda de objetos móveis, de 1955;

Convenção de Haia sobre a transferência de propriedade, de 1958;

Convenção de Haia sobre a lei aplicável aos contratos de intermediários e

representação internacional de mercadorias, de 1986;

90

ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais – Autonomia de vontade – MERCOSUL e Convenções

Internacionais. Rio de Janeiro - Editora Renovar, 2003 - 3ª edição, p. 135.

77

Convenção de Haia sobre a lei aplicável aos contratos de venda internacional de

mercadorias, de 1986.

Oriunda da UNCITRAL91

(United Nations Commission on International Trade Law), órgão

criada pela ONU, destacamos a:

Convenção das Nações Unidas sobre Contratos para a Venda Internacional de

Mercadorias (CISG), 198092

.

Lembram Antonio Geraldo SCUPINARI93

, Caroline de ARAÚJO, Pablo Andrez Pinheiro

Gubert, Roseanne FONTANA das importantes regras provenientes do direito convencional:

A Convenção de Roma sobre a lei aplicável a obrigações contratuais, de 1980;

A Convenção do México sobre a lei aplicável aos contratos internacionais, de 1995.

Apontamos algumas convenções elaboradas pela UNIDROIT94

, que interessam a nossa

pesquisa:

Convenção relativa à Lei Uniforme sobre a Venda Internacional de Mercadorias,

1964;

Convenção relativa à Lei Uniforme sobre a Formação de Contratos para a Venda

Internacional de Mercadorias, 1964;

Convenção sobre a Agência, a Venda Internacional de Mercadorias, 1983;

Convenção sobre International Financial Leasing,

91

Disponível em: http://www.uncitral.org/ 92

Aprovado por uma conferência diplomática realizada em 11 de abril de 1980, a Convenção estabelece um código

completo de normas jurídicas que regem a formação de contratos de venda internacional de mercadorias, as

obrigações do comprador e do vendedor, os remédios por quebra de contrato e outros aspectos do contrato. A

Convenção entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1988. 93

SCUPINARI, Antonio Geraldo; ARAÚJO, Caroline de et al. Lei aplicável ao contrato de compra e venda

internacional. Estudo de caso. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2228>. Acesso em: 02 dez. 2009. 94

Segundo a professora Nadia de ARAUJO: UNIDROIT é o Instituto para Unificação do Direito Privado, foi criado

em 1926, pala Liga das nações, com a finalidade de preparar gradualmente a adaptação, por diversos Estados, de

uma legislação de direito civil uniforme. Em ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais – Autonomia de

vontade – MERCOSUL e Convenções Internacionais. Rio de Janeiro - Editora Renovar, 2003 - 3ª edição (…), p.

150.

78

Convenção sobre Factoring Internacional,1988. 95

No âmbito do MERCOSUL, como já anotado anteriormente, apontamos:

Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, de

1994.

95

Convenções disponíveis em: http://www.unidroit.org/

79

CONCLUSÃO

Acreditamos que nossa pesquisa tenha alcançado seu objetivo principal, que era fazer

algumas anotações acerca do instituto de eleição de foro nos contratos internacionais. Como ficou

evidente, encontramos muita dificuldade em encontrar um suporte doutrinário para tema

proposto, precisamos muita da contribuição acadêmica e de artigos científicos, tanto em revistas

especializadas, como em jornais e sites especializados.

No decorrer de nossa pesquisa, percebemos a importância de abordarmos outros temas

correlatos para melhor podermos compreender a eleição de foro nos contratos internacionais, tais

como: a soberania, o princípio da autonomia da vontade ou como preferem alguns, princípio da

autonomia privada, bem como a lei aplicável aos contratos, alguns aspectos econômicos sob o

prisma da globalização. Certamente a maioria destes pontos poderia ser alvo de uma pesquisa

dedicada, mas ao longo do trabalho conseguimos indicar relação com nosso tema central.

Fizemos algumas referências sobre o amparo legal no direito convencional, de forma

especial abordamos o funcionamento da eleição de foro nos contratos internacionais no

MERCOSUL, baseando-nos no Protocolo de Buenos Aires. Também tratamos da aceitação no

direito brasileiro, por meio dos elementos de conexão, como os casos que a lei permite uma

apreciação do judiciário brasileiro concorrendo com judiciário alienígena.

Apontamos alguns posicionamentos das cortes brasileiras sobre a validade da cláusula de

eleição de foro nos contratos internacionais, observamos posicionamentos discrepantes onde por

vezes, aceitou-se o direito dos contratantes exercerem sua liberdade contratual, mediante a

autonomia da vontade.

Não encontramos repouso pacífico em nenhum dos pontos de nossa pesquisa, nem

doutrinariamente, tampouco, no ordenamento jurídico pátrio e no judiciário brasileiro.

Concordamos, com as críticas do professor Lauro Gama Jr. que com muito rigor atacou

uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, que considerou ilegal uma cláusula que elegeu

como competente o foro estrangeiro em sua relação contratual. Com alegação de que tal instituto

suprimia a jurisdição brasileira e feria a soberania nacional.

Discordamos do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, pelo simples fato de

existir previsão em nosso ordenamento jurídico para a licitude da cláusula de eleição de foro nos

80

contratos internacionais, como demonstramos ma análise do artigo 9º da Lei de Introdução do

Código Civil, também encontramos fundamentos legais no Código de Processo Civil Brasileiro,

com início no artigo 88, quando trata dos casos de competência internacional, e a importante

súmula nº335 do Supremo Tribunal Federal, consolidando o entendimento de que “É válida a

cláusula de eleição de foro para os processos oriundos do contrato”.

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, caracteriza-se uma decisão

eminentemente política, afastando-se dos ditames jurídicos e da mesma forma econômico.

Manter uma decisão que privilegia o protecionismo da apreciação do judiciário brasileiro, aos

nossos olhos, gera um risco de o Brasil ser considerado pela comunidade internacional como um

péssimo local para transações internacionais.

Atualmente é comum que Estados soberanos, abram mão de parte de sua soberania para

aderir a tratados e convenções internacionais, que principalmente visam incrementar o comércio

internacional, contribuindo com o fomento da competitividade de suas empresas no cenário da

economia global. Perdendo credibilidade perante outros Estados, o Brasil seria muito afetado, por

exemplo com relação a atração de investimentos, o crédito à empresas brasileiras capitados no

exterior se elevaria, entre outros fatores negativos. Em síntese, tal posicionamento está na contra-

mão da tendência mundial.

Entendemos que além de licito e válido as partes acordarem sobre qual foro eleger em seus

contratos, consideramos também, um importante instrumento de estratégia dos negócios, levando

em conta que as partes antes de elegerem um foro, verificam o posicionamento do judiciário local

e a tendência dos legisladores em atualizarem as normas que poderão impactar seu contrato.

Tivemos a chance de observar a tendência por profissionais para negociar os contratos,

especialmente por advogados com expertise em ramos diversos, além do jurídico, tais como

conhecimento em outras línguas, fazer análises de cenários econômicos, conceitos de

contabilidade e comportamento culturais de outros países.

Finalizamos com a crescente opção pela arbitragem nos contratos internacionais, como

medida de alternativa ao judiciário brasileiro que, em vez, se mostra despreparado para enfrentar

algumas lides decorrentes de contratos internacionais de segmentos específicos, que exigem

conhecimento técnico na área, tais como: o setor energético, construção e engenharia,

organização de negócios, seguros e finanças, bem como o setor aeroespacial, defesa, químico,

telecomunicações e tecnologia, matérias ambientais e propriedade intelectual.

81

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