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Elen Cristina Carvalho Nascimento
Arte Eletrnica: elo perdido entre Cincia, Design e Tecnologia
Dissertao de Mestrado
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Design do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Design.
Orientador: Prof. Jorge Roberto Lopes dos Santos
Rio de Janeiro Maro de 2017
DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512209/CA
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Elen Cristina Carvalho Nascimento
Arte Eletrnica: elo perdido entre Cincia, Design e Tecnologia
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Design do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Design. Aprovada pela Comisso Examinadora abaixo assinada.
Prof. Jorge Roberto Lopes dos Santos Orientador
Departamento de Artes & Design PUC-Rio
Prof. Joo de S Bonelli Departamento de Artes & Design PUC-Rio
Prof. Roberto Charles Feitosa de Oliveira Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO
Profa. Monah Winograd Coordenadora Setorial do Centro de Teologia e Cincias Humanas
PUC-Rio
Rio de Janeiro, 23 de maro de 2017.
DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512209/CA
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Todos os direitos reservados. proibida a reproduo total ou parcial do trabalho sem autorizao da universidade, da autora e do orientador.
Elen Cristina Carvalho Nascimento
Graduou-se em Cincias Sociais pela Universidade Federal Fluminense em 1994. Realizou estudos tcnicos de Msica na Uni-Rio. Desenvolveu pesquisas cientficas como bolsista do CNPq, com o Departamento de Cincia Poltica da UFF, FGV e Arquivo Histrico. Atua como artista, mu-sicista e performer. Realizou sua primeira exposio individual em 2009, em formato de instalao multimdia imersiva, utilizando novas tecnolo-gias para a expresso da performance e de interao sonora com o p-blico. Pesquisa softwares, sistemas e recursos computacionais e de ele-trnica h mais de dez anos, assim como tcnicas tradicionais relaciona-das a vrios campos da Arte e do Design.
Ficha Catalogrfica
CDD: 700
Nascimento, Elen Cristina Carvalho
Arte eletrnica : elo perdido entre cincia, design e tecnologia / Elen Cristina Carvalho Nascimento ; orientador: Jorge Roberto Lopes dos Santos. 2017.
189 f. : il. color. ; 30 cm
Dissertao (mestrado)Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, Departamento de Artes e Design, 2017.
Inclui bibliografia
1. Artes e Design Teses. 2. Design. 3. Cincia. 4. Arte. 5. Tec-nologia. I. Santos, Jorge Roberto Lopes dos. II. Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Departamento de Artes e Design. III. Ttulo.
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s cuidadoras, na sua dedicao: mi-nha av Dulce (in memorian) por todo carinho, e minha me, Eli, que sempre encheu a casa de livros, favorecendo minha imaginao e apreo ao conhe-cimento.
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Agradecimentos
CAPES, ao orientador Jorge Lopes dos Santos, e a todos que colaboraram com
esta pesquisa, cedendo entrevistas, trocando e-mails, informaes e dedicaram
os mais diversos apoios no decorrer deste trabalho.
Agradecimentos (em ordem alfabtica):
Alberto Cipinuk , Andreas Broeckmann, Ana Miccolis, Alessandra Mendes de
Souza, Andreas Broeckmann, Ana Kiffer, Bruno Pontes, Bruno Chagas, Bruno
Trindade, CAPES, Charles Feitosa, Cludia MontAlvo, Claudia Usai Gomes,
Cludio Magalhes, Dado Sutter, Denise Filippo , Denise Portinari, Doris Kos-
minsky, Eli de Almeida Carvalho, Fernando Reiszel, Gerson Ribeiro, Giselle Bar-
reto Martins, Hugo Fuks, Joo Bonelli , Joo Whitaker Pontes, Jackeline Farbiartz,
Jorge Roberto Lopes dos Santos, Leandro Nascimento, Leonardo Crescenti, Liana
Brazil, Luiza Novaes, Luiz Antonio Coelho, Luiz Camillo Ozorio, Maira Fres, Mar-
cio Cunha, Marcos Giusti, Marcos da Costa Braga, Mario Lima, Mauro Pinheiro,
Marcelo Castaneda, Natascha Scagliusi, Nilton Gamba Jr., Pauxy Gentil-Nunes,
Rafael Cardoso, Rejane Cantoni, Rejane Spitz, Ricardo Artur Carvalho, Ricardo
Nascimento, Rita Maria Couto, Roger Malina, Rogrio Loureno, Russ Rive.
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Resumo
Nascimento, Elen Cristina Carvalho; Santos, Jorge Roberto Lopes dos (Orientador). Arte Eletrnica: elo perdido entre Design, Cincia e Tecnologia. Rio de Janeiro, 2017. 189p. Dissertao de Mestrado - Departamento de Artes & Design, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.
Este trabalho prope a reflexo sobre a relevncia da Arte Eletrnica no
processo de formao e produo para o conhecimento contemporneo, bem
como suas afinidades com o campo do Design, desde os princpios histricos at
as prticas de produo e experimentao transdisciplinares que ampliam os limi-
tes entre Arte, Cincia e Tecnologia. Os captulos refletem os problemas episte-
molgicos encontrados e trazem anlise, conceitos e exemplos de obras de Arte
Eletrnica, desde estgios iniciais de experimentao at modelos publicamente
apresentados. Foram tambm realizadas entrevistas com professores, alunos, es-
pecialistas e pesquisadores de reas relacionadas para auxiliar em anlises com-
parativas de interpretao.
Palavras-chave
Design; Cincia; Arte; Tecnologia.
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Abstract
Nascimento, Elen Cristina Carvalho; Santos, Jorge Roberto Lopes dos (Advisor). Electronic Art: the missing link between Design, Science and Technology. Rio de Janeiro, 2017. 189p. Dissertao de Mestrado - Departamento de Artes & Design, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.
This work proposes to reflect on the relevance of Electronic Art in the process
of formation and production of the contemporary knowledge, as well as its affinities
with the field of Design, from historical principles to practices of transdisciplinary
production and experimentation that expands the boundaries between Art, Sci-
ence, and Technology. The chapters reflect the epistemological problems encoun-
tered, and bring the analysis, concepts, and examples of works of Electronic Art,
from initial stages of experimentation, to publicly presented models. In addition,
interviews were conducted with teachers, students, specialists, and researchers
from related areas to assist in comparative analysis of interpretation.
Keywords
Design; Science; Art; Technology.
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Sumrio
1.INTRODUO 12
1.1. Panorama de localizao (ou deslocamento) de pensamento 12
1.2. Desafios conceituais e temporais 16
1.3. Saber: Desligar, Religar, Criar, Recriar, Comunicar 24
2. DESIGN E UTOPIA 29
2.1. Introduo 29
2.2. A dialtica da contradio 31
2.3. Design: utopia da Arte? 34
2.4. Porque e para qu serve uma utopia? 38
2.5 So realidades artificiais utopias? 41
2.6 Design: Cincia? 43
3. A METODOLOGIA, DENTRO, E FORA DA CAIXA 48
3.1. Brainstorm 49
3.2. Opo 55
3.3. A informao de dentro das coisas: das ferramentas
simples s complexas 62
4. PRAXIS POIESIS 67
4.1. Projeto Inicial 67
4.2. Pictogramas Sonoros Interativos 70
4.2.1.Cubos Sonoros 72
4.2.2.Roupas e Cubos para Efeitos Sonoros 74
4.2.3 Adesivos Sonoros 75
4.2.4.Estdio de Som e Mscaras Sonoras Interativas 76
4.2.5.Vestveis para Performance e Pinturas para Trilha Sonora 78
4.2.6. Experimentos na PUC-Rio (LIFE Laboratrio de
Interfaces Fsicas Experimentais). 80
4.2.7. Novos Pictos 82
4.2.8. Anlise das Experincias 83
4.2.9. Questionrio 84
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4.2.10. Dilogo Intersubjetivo 85
4.3. Todos Budas 88
4.3.1. Etapas de desenvolvimento 91
4.3.2. Consideraes 93
4.4. Mensageira das Galxias 95
4.4.1. Verso 1.0 97
4.4.2. Verso 2.0. 101
4.4.3. Comentrios 103
5- ARTE, DESIGN E TECNOLOGIA 104
5.1 Alguns hbridos e intangveis 104
5.1.1 Discusso 115
5.2. O que h entre a Arte e o Design? 119
5.2.1. Informaes preliminares 120
5.2.2. Territrios 120
5.2.3. Processos de construo na Arte Eletrnica e no Design 123
5.2.4. Consideraes adicionais sobre as distines e fronteiras
aplicadas s Artes e ao Design 128
5.3. Arte eletrnica como engajamento cultural, ou quando a
Arte encontra a Cincia (e vice-versa). 132
5.4. Da Interao Inter-Relao 143
5.5.Onipresena e Ontologia 150
5.5.1. Viso Geral 151
5.5.2. Conectividade 157
5.6. A forma Informa 159
6. CONCLUSO 165
7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 175
8.APNDICES 182
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Percebe-se que os discursos lineares nem sempre podem ser usados como modelos para uma abordagem metdica do mundo.
(FLUSSER, 2007)
Para colocar a questo de maneira mais provocativa, eu diria que Design um dos termos que substituiu a palavra revoluo!
(LATOUR, 2014)
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Figura 1: Exemplo de experimento cientfico onde o corpo humano o meio. Sculo XVIII: This plate shows some of the effects of static electricity on an electrically isolated person standing on a piece of resin: small metal particles are attracted; hair stands on end combed ax attached to clothes moves in a similar way [57]. Fonte: (ELSENAAR; SCHA, 2002)
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1 - INTRODUO
o conhecimento no mais alcanado diretamente por uma conformao de ideias que seguem uma ordem fixa da natureza. O conhecimento alcanado por um novo tipo de arte que direciona seu caminho atravs das mudanas. (BUCHANAN 1992)1
.
1.1 - Panorama de localizao (ou deslocamento) do pensamento
Conhecemos o elo perdido como uma lacuna no conhecimento sobre o de-
senvolvimento da espcie humana.
Em Arte Eletrnica: elo perdido entre Design, Cincia e Tecnologia o elo
perdido no se refere apenas s peas perdidas de um quebra cabeas que
dificultam entender plenamente o que ocorre com a nossa espcie. O elo perdido
tambm uma licena potica para indicar que encontrar o que est perdido faz
parte do momento presente, de um caminho de transio.
Para Buckminster Fuller, o primeiro a anunciar o Design como Cincia, o elo
perdido a materializao dos seus sonhos atravs das suas invenes.
A Arte Eletrnica o caminho de transio, prtica artstica e cientfica. Elo
perdido do Design com a Cincia e a Tecnologia.
Transdisciplina uma disciplina que surge da combinao entre disciplinas
distintas que no apenas se comunicam separadamente em processo como na
dinmica interdisciplinar, mas se fundem. No entanto, ao tornar-se disciplina a
transdisciplinar cercada de fronteiras que procuram definir as disciplinas. Neste
sentido, enquanto o trans procura transcender o normativo, o hbrido um pro-
cesso marginal norma, e, no a tendo como referncia procura se desprender
dela para encontrar outros espaos, saindo das definies fronteirias.
Estes termos sero mencionados com frequncia, estando claro que a Arte
Eletrnica linguagem e expresso hbrida, enquanto o Design procura desenvol-
ver dentro de um processo transdisciplinar para tornar-se disciplina. Neste ponto
o Design abandona a vocao hbrida, mutvel, e marginal para conformar sua
transversalidade norma.
A medida que o Design se estabelece como campo de conhecimento e de
prtica profissional no incio do Sculo XX, influenciado por perspectivas idealistas
e utpicas, ele apresenta contradies ao longo de sua breve histria, por conse-
quncia das suas relaes com a indstria e mercado.
1 Traduo da autora.
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As perspectivas idealistas e utpicas aparecem dentro da Histria do De-
sign2 em um perodo de buscas por novos modelos de mundo e organizao so-
cial, em meados do Sculo XIX at o incio do Sculo XX. Este foi o momento do
surgimento do Design como especializao e categoria profissional. Trata-se de
uma passagem na histria bastante especial, quando se buscava, no apenas
formular o novo, como tambm reintegrar o que havia sido desintegrado pela Re-
voluo Industrial.
Entender o Design como um fenmeno que acontece, impulsionado por de-
sejos de mudana, traa sua aproximao com as novas proposies sobre o
modo de viver e ver o mundo, o humano e a sociedade.
Embora exista um outro elo perdido entre Arte e Cincia na Filosofia da An-
tiguidade, na Renascena artistas como Leonardo Da Vinci extrapolam tais fron-
teiras anunciando um novo perodo histrico marcado pela Cincia e revolues
no modo de viver e pensar.
Este foi um ambiente de novas descobertas cientficas e um marco inspira-
dor para projees futuristas nos sculos que se seguiram. Um ambiente de ebu-
lio similar no mundo surge no incio do Sculo XX, onde expresses de futu-
rismo em novas formas de pensar no exerccio da Arte surge na Rssia3 (SMIR-
NOV 2013).
Os Robs da Antiguidade4 de Leonardo da Vinci podem ter se referenciado,
a partir de um histrico de invenes anteriores, advindas especialmente do Ori-
ente, onde a automao foi utilizada de diversas maneiras, estando presente em
objetos para fins decorativos de entretenimento, ou utilitrios.
Desse modo, a mudana de viso de mundo, centrada na cincia e no hu-
mano torna-se determinante na valorizao e ateno de fenmenos que condu-
ziriam a novos descobrimentos.
A mudana de paradigma presente neste perodo referenda a liberdade de
criao e experimentao do artista e cientista, para obteno de melhores e mais
significativos resultados. E os robs de Da Vinci mostram saberes ento esqueci-
dos, ou escondidos, ou ainda, menosprezados por fazerem parte de um mundo
alheio s aspiraes do Ocidente.
2 As referncias principais consultadas neste tema foram (CARDOSO, 2008), (SOUZA, 2008) e (DROSTE, 2002). 3 Palestra realizada no Festival Eye for an Ear em junho de 2013, vdeo no link https://vi-meo.com/132042713 , (SMIRNOV, 2013) , senha: russiafuturismo 4 History Channel: https://www.youtube.com/watch?v=oZzY37BeORs (Acesso em 06/11/2016)
https://vimeo.com/132042713https://vimeo.com/132042713https://www.youtube.com/watch?v=oZzY37BeORsDBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512209/CA
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O exerccio de linguagem da Cincia como Arte e da Arte como Cincia
atravessam estes momentos histricos dentro das vanguardas artsticas e cienti-
ficas. O sapere videre (saber ver) de Leonardo da Vinci sugere uma integrao
entre as Artes e as Cincias Humanas, quando identifica que os pintores deve-
riam estudar os humanos no seu dia-a-dia e tentar entender suas motivaes la-
tentes. (WILSON, 2002)5. Toda a obra de Leonardo Da Vinci demonstra como as
Artes e as Cincias esto relacionadas; quando a sua viso esttica e criao
plstica transbordavam na execuo de projetos tcnicos visionrios, onde ele
conjugou saberes da Arquitetura e Engenharia. Sua prtica representa o que de
mais elevado se poderia esperar de genialidade em um designer, supondo que
ele foi muito alm do que se espera de um artista. Ele procurou criar elementos
que sublimassem o cotidiano e a viso que se tem dos objetos (os autmatos);
assim como dar solues para tarefas difceis como criar ferramentas de com-
bate, ou as consideradas impossveis como fazer humanos voarem (HISTORY
CHANNEL, 2011)6.
Outro marco histrico importante a ser referenciado nesta pesquisa o dos
Sculos XVIII e XIX, quando apareceram novos conhecimentos no campo da f-
sica sobre a eletricidade e o eletromagnetismo. No perodo que segue at o incio
do sculo XX, abrem-se novos campos de pesquisa sobre a fsica atmica, a me-
cnica quntica, a teoria da complexidade e a teoria da relatividade. Tais fatos
eram apenas reflexo do conjunto de mudanas rpidas que estavam por vir e que
mudariam radicalmente o modo de viver no planeta Terra.
Com tamanhas mudanas, como permanecer com os mesmos mtodos, o
mesmo modo de pensamento e as mesmas prticas para criar solues e enten-
der os problemas? Neste caminho, a problematizao sobre a metodologia cien-
tfica vm ganhando espao entre os pensadores da Filosofia, Cincias Sociais e
do Design, desde que o ambiente integrado que favoreceu a efervescncia do
perodo renascentista foi se fragmentando no mundo Moderno, dificultando refle-
xes mais aprofundadas sobre novos fenmenos em descoberta.
A partir do Sculo XVII, alm da fratura entre razo e f, comea a ser gestada outra fratura, agora entre Cincia e Filosofia, o que suscitou, no Sculo XVIII a se-
5 Pgina 494. 6 : https://www.youtube.com/watch?v=oZzY37BeORs (Acesso em 12 de outubro de 2016). Os documentrios no so considerados fonte primria desde que h maior liberdade do au-tor em apresentar uma viso pessoal e parcial. No caso do episdio citado, Os robs da Antiguidade, o documentrio se atm a apresentar exemplos de autmatos produzidos antes da Era Moderna, sendo uma fonte complementar s anlises deste trabalho, apoi-ada em sua bibliografiaConh.
https://www.youtube.com/watch?v=oZzY37BeORsDBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512209/CA
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parao de algumas Universidade Europeias em Faculdades de Cincias e Facul-dades de Letras, gerando a partir de ento uma separao praticamente intranspo-nvel entre as Cincias Exatas e as Cincias Humanas, que at ento haviam sido quase sempre complementares para a preparao de uma percepo de totalidade ou de felicidade. (SOMMERMAN 2006, p.23)
Para entender tais questes, estudos de Design Thinking, Filosofia do De-
sign e Epistemologia da Cincia vm se agregando histria mais recente do
Design que, de acordo com Nigel Cross, elabora o seu prprio caminho de enten-
dimento sobre os fenmenos e conceitos estudados.
Para Cross, encontrar uma natureza especfica no campo de estudo do De-
sign tem sido ato falho, cada vez mais comum, nos estudos tericos (CROSS,
2001, p.224). O que este trabalho procura demonstrar que, dentro dos debates
atuais, as separaes entre cincias da natureza e cincias humanas, tm o De-
sign como um terceiro elemento que estuda o mundo artificial, ou seja, o mundo
modelado pelos humanos. No entanto, estas separaes passam a fazer cada vez
menos sentido, desde que tais fenmenos esto entrelaados.
Por outro lado, importante notar que a caracterstica interdisciplinar do De-
sign lhe confere um modo de saber que rene o natural e o artificial, natureza
e cultura, fazendo com que sua aventura epistemolgica agregue potencialmente
reflexes importantes para melhor conhecimento dos fenmenos atuais, onde se
discute a relao do humano com as tecnologias.
O Design Thinking um mtodo prprio ao Design, aplicado para que a
pesquisa no fique reduzida a formas de saber e a mtodos existentes
(BUCHANAN, 1992). Assim, o Design Thinking, em busca de novas relaes para
construo de metodologias aplicadas aos casos em estudo, transforma-se tam-
bm em produto, quando prope que o mercado, ou seja, empresas, adotem equi-
pes multidisciplinares para estudos de processos de criao envolvendo as ne-
cessidades de consumidores, funcionrios e especialistas; unindo Arte, Cincia e
Tecnologia para solues inovadoras7. Entretanto, o Design Thinking, como bran-
ding para o mercado, ainda bastante limitado, se consideramos os projetos de
aquisio de conhecimento e busca de solues inovadoras na esfera cientifica.
A concepo sobre o mtodo a ser aplicado na pesquisa agrega fundamen-
tos, j que o conhecimento no neutro, ele toma partido. (BOMFIM 1997, p.15)
Perguntas sobre como uma epistemologia apropriada da prtica do Design
pode ser importante para uma metodologia no Design? (FINDELI 2001, p.2), e
sobre que bases os designers devem gerar as formas dos objetos virtuais?
7 (SILVA et al., 2012)
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(MARGOLIN 1995, p.22) despontam em novos conceitos onde o Design deve sair
do foco sobre a forma para pensar o processo. Entende-se ainda que as nomen-
claturas tais como forma, matria, funo trazem noes fechadas de verdades.
Assim, se o enriquecimento do conhecimento humano requer a reintegra-
o (BUCHANAN, 1992), observamos uma lacuna epistemolgica no desenvol-
vimento do pensamento moderno que pode ser exemplificada pela distncia entre
o que projetado no mundo virtual e o que de fato realizado. Estamos, no
apenas exemplificando sobre o virtual como conhecido no Sculo XXI, mas tam-
bm sobre a virtualidade das teorias e construes ideais e do seu distanciamento
das realizaes prticas e formais.
Enquanto houver esta lacuna, no haver como o Design tirar o Modernismo do seu beco sem sada histrico. (LATOUR 2014, p.21)
1.2- Desafios Conceituais e Temporais
Percebe-se tambm que os discursos lineares (sobretudo as explicaes causais e os processos lgicos do pensamento) nem sempre podem ser usados como mo-delos para uma abordagem metdica do mundo. Essa crise da cincia (...), no apenas comea com Hume e Kant, como acompanha sotto voce todo o discurso do Ocidente. (FLUSSER, 2007)
Para se estabelecer novas conexes na esfera do pensamento, de modo a
favorecer a implementao de diferentes modelos que venham a ser propostos
pelo Design, os desafios esto na dificuldade que temos em analisar e entender
as influncias no sistema emocional e cognitivo humano. Cada vez mais se busca
entender o crebro, atravs dos mais diversos meios cientficos e auxlio da tec-
nologia. Em grande parte, percebe-se que todo o sistema emocional e as crenas
so os que realmente comandam os sentidos e percepes sobre o meio.
As demandas de desenvolvimento de uma Inteligncia Artificial vm impul-
sionando estudos sobre o crebro, de modo que, no incio do Sculo XXI, neuro-
cientistas tm novas descobertas a lidar, que apresentam paradigmas diferentes
das crenas anteriores relacionadas ao funcionamento biolgico do corpo como
mquina que possui peas separadas, com funes distintas.
O mirror neurons, ou espelhamento sensorial, um exemplo disto, pois re-
vela a descoberta de um mecanismo que unifica a percepo e a execuo de
uma ao (RIZZOLATTI, GIACOMO; FABBRI-DESTRO, MADDALENA;
CATTANEO, 2009). Esta referncia citada como forma de demonstrar que aes
executadas por outros atuam no aprendizado do observador de maneira ativa.
Dentro desta perspectiva se torna mais fcil compreender que experincias no
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contexto da arte no so meros entretenimentos e possuem uma responsabili-
dade, em termos de conceito, na mesma medida que influenciam novas compre-
enses e aprendizados. No se trata contudo, de restringir a experincia esttica
a modelos que tenham funes educativas, sociais e inclusivas, mas de entender
que elas possuem tal alcance, independentemente do fim a que se propem. As-
sim, experincias artsticas propostas pelo Design, seja ele com foco em tecnolo-
gias interativas e/ou nas proposies que valorizam a experincia emocional com
produtos e servios, so mediadas por aspectos onde a subjetividade constituinte
de uma inteligncia coletiva j encontra fundamentos materializados por estas no-
vas descobertas na Neurocincia.
Figura 2: Exemplo de mirror neurons8
Entretanto, estas so informaes ainda no assentadas, o que mantm o
desafio no elo Arte-Cincia-e-Tecnologia presente no Design, desde que tal elo
reflita mundos paralelos em conflito, onde as rupturas propostas pela cincia ps-
moderna9, tambm anunciadas por autores como Buckminster Fuller e Vilm Flus-
ser, procuram demonstrar uma viso mais ampla e atualizada para as cincias,
8 Fonte: https://technologyinspires.wordpress.com/2016/05/07/watching-someone-do-something-can-make-you-experience-it-as-if-you-are-doing-it-yourself-hard-to-believe/ (Acesso em 12/02/2017). Embora a descoberta do mirror neurons seja algo novo para a Cincia, vale lembrar que na Potica, Aristteles nota que havia um efeito purificador produzido naqueles que assistem s tragdias e que so afetados pelos acontecimentos no palco como se os estivessem vivendo e, desta forma, so levados a uma vivncia e a um amadurecimento (MARCONDES, 1997). 9 O conceito de cincia ps-moderna citado segundo a perspectiva proposta por Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 1988). Neste conceito, o autor trabalha uma perspectiva de reencontro e dilogo entre as Cincias como uma tendncia da ps-modernidade. Ele indica os problemas para-
https://technologyinspires.wordpress.com/2016/05/07/watching-someone-do-something-can-make-you-experience-it-as-if-you-are-doing-it-yourself-hard-to-believe/https://technologyinspires.wordpress.com/2016/05/07/watching-someone-do-something-can-make-you-experience-it-as-if-you-are-doing-it-yourself-hard-to-believe/DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512209/CA
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alertando que suas contradies impactuam a educao, a cultura, e a vida pol-
tica e social, sendo estas as questes para as quais, segundo eles, o Design ne-
cessita estar alerta se quer realmente estar frente em proposies de inovao.
Estudos de Neuroesttica10 realizados por pesquisadores na Dinamarca, h
cerca de dez anos, demonstram que, desde conhecimentos prvios at as crenas
mais vulgares sobre o que , ou no, considerado agradvel e belo so os
elementos que mais influenciam a mobilizao dos sentidos acionados a partir de
julgamentos.11
O problema do julgamento que os conhecimentos so produzidos com
base em crenas que fazem parte de um imaginrio social, ou seja, da cultura.
Desse modo, entender a Cincia como um elemento em construo a base de
uma nova perspectiva epistemolgica.
Pensar a tecnologia de modo criativo tarefa e interesse, tanto da Arte Ele-
trnica como do Design. No entanto, as implicaes funcionais no Design procu-
ram ser problematizadas nesta pesquisa atravs de autores que pensam a tecno-
logia dentro de um conceito de atualizao, como Andrew Feenberg,12 e de siste-
matizao, como Herbert Simon que sugere o Design como uma nova metodolo-
gia cientfica.
As questes norteadoras para este trabalho moldaram-se, inicialmente, pela
busca do entendimento de projetos de Arte Eletrnica, em grande parte intang-
veis, sem objetivos e funes claras. Foram, sim, encontradas consonncias des-
tas caractersticas, com os conceitos de projetos de Design de Interao e Design
de Experincia. Com os experimentos narrados no prximo captulo, buscou-se
tambm verificar as hipteses de como tais projetos realizaro contribuies no
campo sensorial e cognitivo humano, desde que sejam eles capazes de promover
inspirao (ou facilitar insights), bem-estar, reflexo, motivao e movimento. No
entanto, com o alcance restrito a pequenos grupos, os experimentos narrados
digmticos da Cincia Moderna nas dificuldades de anlise das subjetividades, assim como a vul-nerabilidade das Cincias Humanas que procurou se desenvolver sob os mesmos paradigmas da objetividade e neutralidade. Tal perspectiva se afina com os demais autores citados neste trabalho que sugerem uma reviso sobre a ideia de separao entre natureza e cultura. 10 Neuroesttica um campo de estudo relativamente recente que adota investigao emprica para averiguar critrios de juzo esttico atravs dos conhecimentos, mtodos e ferramentas da Neuroci-ncia, como forma de melhor compreender os fenmenos do crebro associados a valores culturais. 11 Os textos consultados no campo da Neuroesttica foram Modulation of aesthetic value by se-mantic context: An fMRI study (KIRK et al., 2009a), Brain correlates of aesthetic expertise: A pa-rametric fMRI study (KIRK et al., 2009b), The neural foundations of aesthetic appreciation (CELA-CONDE et al., 2011), The Copenhagen Neuroaesthetics conference: Prospects and pitfalls for an emerging field (NADAL; PEARCE, 2011) 12 (FEENBERG, 2002)
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buscam tambm compreender o processo de sua elaborao, onde as dificulda-
des enfrentadas so avaliadas sob uma perspectiva epistemolgica que diz res-
peito aos diferentes modos do fazer artstico e cientfico. Dentro de uma interdis-
ciplinaridade, se os dilogos se tornam difceis, muitas vezes preciso reinventar
a tcnica em uma nova perspectiva, sendo a demanda do empreendimento, mui-
tas vezes, mais dispendiosa do que os investimentos e tempo disponveis para
sua execuo.
Em outras palavras, para entender qual seria o elo perdido aqui proposto,
constatou-se que as relaes com a Tecnologia esto subtendidas quando, atra-
vs do desenvolvimento cientfico presente em reas como biotecnologia, robtica
e territrios afins, emergem demandas interdisciplinares. Neste contexto, pode-se
elaborar como hiptese que o Design apresenta elos de ligao entre Arte e Ci-
ncia, atravs de metodologias criativas e propostas inovadoras. Por outro lado,
enquanto a Arte Eletrnica um territrio livre de experimentao, capaz de sus-
citar questes, levantar problemas, exercer a crtica e alimentar fluxos de dilogos
intersubjetivos para a cena contempornea, o Design permanece, majoritaria-
mente, como solucionador de problemas.
A fronteira que supe separar o Design da Arte, em outras palavras, a se-
parao do Design do seu olhar criativo sobre o projeto analisada nos captulos
Design e Utopia e Arte, Design e Tecnologia. Nestes emergem as questes
epistemolgicas que envolvem metodologia para as Cincias, assim como o olhar
sobre as fronteiras entre Arte, Design e Cincia nas falas de seus realizadores
(artistas, designers, pesquisadores).
Os desafios enfrentados pelas produes estticas relacionadas ao que se
entende como intangvel necessitam de debates, medida em que a produo
cientfica se constitui, ou no se constitui, como um ato de criao.
Assim, no Captulo 2, a pesquisa busca novos insights para estimular a lei-
tura das experincias sob a tica inspiradora do Design como Utopia, onde so
relembrados aspectos da histria do Design, suas relaes entre Arte e Tecnolo-
gia, como representao de um devir de futuro, concebendo novas vises sobre
a maneira de ser e de estar no mundo.
Este devir se constitui atravs da dimenso tica presente no Design e h
ainda muito por refletir, se tal dimenso possui suas razes no humanismo, j que,
segundo Latour as contradies conceituais dos humanistas esto em acusar as
pessoas de tratar os humanos como objetos. O que faz com que eles estejam
tratando injustamente os objetos. Assim, ele acusa os humanistas de estarem
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interessados apenas nos seres humanos; o resto, para eles, mera materialidade
ou objetividade fria (LATOUR 2014, p.16)
O Design da utopia, no entanto, no estava frente do seu tempo, mas de
acordo com ele. Questionando os valores traados pelo Iluminismo de Rousseau
e de Kant, o gnio do artista era levado para outros campos de atuao, fora do
ambiente sacralizado da arte. A proposta era realizar novas formas de experincia
esttica, capazes de transformar percepes sobre os comportamentos desejados
em uma nova condio, onde viver com estilo se tornava acessvel tambm aos
trabalhadores, atravs de artefatos inteligentes realizados com baixo custo.
O Captulo 3 discute a Metodologia atravs de uma perspectiva da Filosofia
da Cincia, ou melhor, da Filosofia do Design. Vamos sugerir, em linhas gerais,
que, se pensar fora da caixa tornou-se expresso de um clich vazio, exercer
seu significado continua sendo muito difcil, quase mesmo impossvel, devido a
padres que sero apresentados, analisados e questionados neste texto.
Os questionamentos vm, inicialmente, dos tpicos relacionados Filosofia
da Cincia, e se expandem para os aspectos emocionais e cognitivos, onde o
conceito inicial de racionalidade nas organizaes metodolgicas das cincias so
identificados como barreiras a novos desenvolvimentos, novos modos de pensar,
que coexistem com as influncias de pensamentos de perodos histricos anteri-
ores (quando vistos em sua perspectiva linear). Assim, identifica-se que existem
dentro do Design, como em uma perspectiva mais ampla, proposies crticas que
no encontram lugar de fluncia quando a prudncia requer deixar os problemas
complexos e duvidosos em caixas que, para a manuteno de uma suposta ob-
jetividade cientfica, no convm ousar incluir nas anlises dos fenmenos e te-
mas em estudo.
Os desafios do mtodo, segundo Lcia Leo, so: renunciar aos princpios
vlidos da cincia clssica, como o princpio da neutralidade, princpio da simpli-
ficao, princpio da separao, princpio da reduo, princpio da generalizao,
entre outros (LEO, 2016, p.98)
Autores como Bruno Latour, Buckminster Fuller e Guilherme Bonfim so ci-
tados atravs das provocaes que trazem para se pensar a cincia e as prticas
cientficas.
Quando se discute Opo, no subcaptulo 3.2, so reunidas informaes
para demonstrar como as vises cientficas e/ou de interpretaes dos fatos po-
dem ser tendenciosas desde que possuem conhecimentos embutidos e naturali-
zados de modo que se torna difcil dar conta de tais influncias. Os tpicos seguem
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se complementando quando no tema seguinte, 3.3 A informao de dentro das
coisas: das ferramentas simples s complexas h um aprofundamento para que
se entenda a estrutura do pensamento materializada em objetos e processos.
Para tal entendimento so acessados os filsofos Gilbert Simondon, Vilm Flus-
ser, Bruno Latour e Peter-Paul Verbeek.
No captulo 4 sero apresentados alguns dos trabalhos experimentais reali-
zados pela autora e estes foram meios de aproximar teoria e prtica, assim como
compreender como as questes conceituais em pauta no exerccio da Arte Eletr-
nica e no campo do Design manifestam-se em pequenos trabalhos, dos mais sim-
ples aos mais complexos.
O Captulo 5 inicia com exemplos de produes hbridas onde Arte, Cincia
e Tecnologia se encontram numa compreenso de desenvolvimentos processuais
representativos das vises de mundo e do conhecimento, onde se sugere que tais
prticas auxiliam no reencontro dos elos perdidos, quando conhecimentos dis-
tintos se mesclam representando obras e criaes originais, as quais possuem
como metas abrir caminhos no percorridos, esquecidos, apagados. Caminhos
que reacendem memrias, geram reflexes, fortalecem prticas no-comuns e
impedem possveis isolamentos.
Os tpicos seguintes deste captulo iro averiguar as fronteiras entre a Arte
Eletrnica e o Design, atravs de anlises de exemplos, opinies e relatos de
quem experimenta, produz, cria e pesquisa nestes campos.
Os avanos tecnolgicos que influenciam as produes do Design e da Arte
Eletrnica, em especial no campo da comunicao, so contextualizados em seus
aspectos de onipresena e interao.
Foram observados, tanto na literatura acessada, quanto nos exemplos cita-
dos, que tais avanos aceleram as relaes transdisciplinares e tendem a favore-
cer um ambiente de experimentao e interatividade para ser compartilhado com
o pblico como forma de aprendizado dos sistemas e processos.
A imaginao se materializa em mundos virtuais e paralelos, e tpicos como
5.6 A forma Informa sugerem uma contextualizao em relao ideia formada
no conceito de materialidade.
Embora os questionamentos acerca da materialidade tenham sido impulsio-
nados por descobertas no campo da Fsica desde o Sculo XIX e tenham ganhado
corpo na voz de muitos pensadores a partir da segunda dcada do Sculo XX,
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pelas questes apresentadas no Captulo 3, entende-se que tais conceitos de ma-
terialidade permanecem hegemnicos no campo do pensamento acadmico e ci-
entfico.
Em A Forma Informa, o que se prope aprofundar a anlise sobre o pro-
cesso de formao dos seres na natureza desde uma no distino sobre o que
humano e no-humano. Tal exerccio visa tambm conduzir a um redimensi-
onamento quanto aos conceitos empregados para anlise dos fenmenos na na-
tureza quando um ps-humanismo poder ser visto como um conceito em cons-
truo que trata da simbiose entre humanos e no-humanos, sendo ambos
parte e reflexo da prpria natureza.
Estas so questes atuais que se conflitam e, portanto, entram como tema
de ateno nesta pesquisa desde que as relaes entre corpo e mquinas estejam
presentes nos dilogos do Design e das Artes com a Cincia e a Tecnologia. As
reaes advindas destas relaes podem ser expressas na afirmao de Latour:
at compreensvel que, quando Sloterdijk levantou a questo de como os seres humanos poderiam ser elaborados atravs do Design ou seja, criados artificial-mente isso tenha evocado o antigo fantasma das manipulaes eugnicas. (LATOUR 2014, p.17)
Fato a estar atento que o avano dos saberes, atravs de especializaes
que se isolam do conhecimento e das reflexes sobre o todo, vem dificultando
dilogos interdisciplinares. Por consequncia, h um aumento das controvrsias
e resistncias s associaes criativas, necessrias ao trfego das mudanas e
buscas por novas compreenses conceituais na anlise dos fenmenos mais atu-
ais, os quais fazem parte do foco de ao do Design.
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Figura 3 e 4: Modelos de Design produzidos na Vkhtemas pelos alunos de Rodchenko. Fonte: (MARGOLIN, 1997).
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Desse modo, no possvel pensar o Design sem o seu potencial transfor-
mador que requer refletir sobre as bases do humanismo, e, por que no, apresen-
tar outros conceitos que poderiam ser um humanismo crtico ou um ps huma-
nismo como opes que ampliem a anlise de fenmenos que aparecero como
contraditrios se encaixados em uma ou outra forma de compreenso.
A proposio crtica reflexiva de tais aspectos encontra-se presente em Vi-
lm Flusser, assim como referncias mais atuais, em Peter Paul Verbeek, para
citar dois autores que se dedicam a pensar o Design no contexto do pensamento
frente a novas mudanas tecnolgicas.
1.3. Saber: Desligar, Religar, Criar, Recriar, Comunicar
Minha condio humana me fascina. Conheo o limite de minha existncia e ignoro por que estou nesta terra, mas s vezes o pressinto. Pela experincia cotidiana, concreta e intuitiva, eu me descubro vivo para alguns homens, porque o sorriso e a felicidade deles me condicionam inteiramente, mas ainda para outros que, por acaso, descobri terem emoes semelhantes s minhas. (EINSTEIN 1981)
Este trabalho visa sublinhar e lembrar os desafios histricos desde que
sabido, atravs de um conhecimento comum compartilhado, que houve um tempo
onde os campos de saber eram integrados. Eles trabalhavam em conjunto para
compreenso dos fenmenos da natureza. Nas sociedades ocidentais estas re-
ferncias esto na Antiguidade, Idade Mdia e Perodo Barroco.
J na Era Moderna, iniciamos um novo perodo onde toda nossa noo de
tempo e espao se transforma.
Passados os distintos perodos que so avaliados profundamente por histo-
riadores, dentro de uma escala majoritariamente linear, reencontramos, nos dias
de hoje, uma necessidade constante de religao entre os saberes, de modo a
buscar uma melhor compreenso do mundo. Esta necessidade anunciada pelos
que buscam aprofundar os dilogos entre os campos do conhecimento de modo
a colaborar para novas conquistas e descobertas.
No entanto, o que se pergunta : como podemos operar esta religao
quando nossas estruturas de pensamento buscam familiaridade com os tpicos
que nos so apresentados, assim como o conforto de acreditar no que j est
validado por meios confiveis?
Buscar familiaridade algo que se opera nos sentidos humanos das mais
diversas maneiras. Levamos em considerao que o ato de recuperar informao
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na memria diz respeito a cognio (HIGAWA 2014)13. So estes atributos res-
ponsveis pela capacidade humana de compor imagens a partir da experincia.
Tendo j sido observado que no possvel enxergar sem que haja informao
prvia memorizada, ainda que fisiologicamente no exista problema algum de vi-
so14.
Na msica, desde que se organizaram escalas que eram relacionadas a
eventos e estados de esprito (GORMAN, 1979)15, estamos habituados, por mais
de um milnio, a perceber os modos de uma msica e conect-las aos nossos
sentimentos de tristeza, alegria, melancolia, etc. O padro que todo tipo de com-
posio musical que termine em sua fundamental16 seja percebida como algo es-
tranho, especialmente por leigos em Msica. Assim, se qualquer pessoa for a um
concerto em que o compositor ouse no terminar em acordes fundamentais, ele-
gendo combinaes atpicas, geralmente presentes em estilos de msica atonal e
dodecafnica, o ouvinte julgar a partir da sua incompletude emocional, se atravs
da performance ficou-lhes a impresso de que a obra no se concluiu. Quanto
menor a flexibilidade do ouvinte, mais severas podero ser as crticas, onde at
mesmo o primor de realizao e qualidade da composio podero ser descarta-
das. Estes so exemplos que demonstram as dificuldades em se operar quebras
de padro no pensamento, quando artistas, designers e intelectuais tomam o risco
de inovar e propor novas leituras, abordagens, aplicaes, audies, obras e ob-
jetos.
Por outro lado, tem se tornado misso, em especial no campo da Arte, que-
brar padres, ainda que isto signifique causar desconforto emocional, ou seja,
deslocar o indivduo da sua zona de conforto para um confronto dentro de um
dilogo intersubjetivo17.
Discute-se tambm, como o Design pode passar a ser um criador de pro-
blemas (PORTINARI 2016), e no apenas se ater a ser o solucionador de pro-
blemas. O Design desempenhando um papel de abertura de perspectivas prefe-
rveis para a humanidade, ou seja, pensar o Design deslocando-o do paradigma
13 Estudos de Cincia Cognitiva, pela autora, a partir de SIMON e NEWELL (1956) 14 A construo da imagem como processo criativo e sua relao com a memria apre-sentada em detalhes em Essencials of Neuro Science and Behavior (KANDEL, E. R., SCHWARTZ, J.H., JESSEL, 1995) 15 Tambm na resenha Pitgoras e a Msica Csmica (NAS, [s.d.])Acesso em 13/10/2016. 16 Na msica, dentro do sistema tonal, se chama nota fundamental (del italiano basse fondamen-tale) ou simplemente fundamental a principal nota de um acorde, a partir da qual se constroem as notas seguintes do acorde.(Fonte: Wikipedia) 17 O dilogo intersubjetivo atravs de projetos e objetos um conceito desenvolvido por Flusser (FLUSSER, 2007).
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de pensar as solues mais imediatas e objetivas com aquele Design utpico que
dedica-se a estimular a imaginao (HALDRUP, 2015).
Tais provocaes reaproximam o Design da Arte e se tornam necessrias
desde que os limites e padres da Cincia que separam o mundo material do
imaterial agregam complexidade aos desafios de criao, dentro da academia e
para a sociedade.
Segundo Lyotard, o material complemento do sujeito. O imaterial produz incer-teza as pessoas, pois ameaa sua identidade como humano (HIGAWA 2014)18
Dentro das controvrsias sobre o que vem a ser material e imaterial, as-
sim como o que vem a ser a identidade do humano, h uma tendncia crtica
quanto ao excesso de materialidade na anlise dos fenmenos que esto como
foco de estudo. Para que seja possvel apresentar alternativas a tal excesso,
busca-se afinidade no caminho da crtica ao tipo de racionalidade que molda as
cincias e todos os elementos regentes da sociedade.
As controvrsias seguem quando as concepes em conflito no se colocam
em oposio umas as outras, mas elas podem seguir em paralelo, muitas vezes
dentro de um nico campo de estudo especfico.
Os desafios da Tecnologia vm tornando as cincias exatas menos exa-
tas e tambm gerando constantes dilemas na compreenso do aspecto imaterial
de muitos dos fenmenos fsicos. So eles os mesmos desafios para o Design.
Assim, o Design, por seu carter transdisciplinar, o link capaz de encontrar os
caminhos para uma Cincia que considere os aspectos intangveis e imateriais
dos processos. No entanto, necessrio estar ciente desta meta e possibilidade,
para que no se caia em prticas metafsicas que se resumem a fechar-se em
dogmas no discutveis, dentro da metodologia aplicada s cincias.
Para que o Design seja capaz de desenvolver-se em tais desafios neces-
srio revisitar as bases do saber cientfico e desenvolver mtodos que possam vir
a ser aplicados, de maneira criativa, passando atravs dos problemas insolucio-
nveis com um olhar prprio.
Feenberg, como Felinto19, alm de outros tericos e estudiosos que se de-
param com as questes relacionadas epistemologia da Cincia, identificaram
18 A autora cita como referncia A condio ps-moderna (LYOTARD, 2009) 19 Em Felinto foram consultados os textos: Pensamento Potico e Pensamento Calculante: o Di-lema da Ciberntica e do Humanismo em Vilm Flusser e Flusser e Warburg: Gesto, Imagem, Comunicao, (FELINTO, 2012) e (FELINTO, [s.d.]), respectivamente. Deste ltimo, acesso em 13/10/2016.
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alguns modelos emergentes de propostas para construo de uma nova Cincia,
no Sculo XX, advindas de campos distintos do conhecimento.
A crtica de Marcuse s implicaes repressivas do pensamento tecno-cientfico ps-moderno tambm culmina em um projeto de cincia sucessora.(FEENBERG 2002).
O Design um ator importante neste desejo de uma disciplina que trans-
borda para outros campos e se constitui como uma nova Cincia. Buckminster
Fuller reconhecido como o primeiro a levantar a hiptese do Design como Cin-
cia e, depois dele, o debate segue em estudos como o de Herbert A. Simon20, e
permanece com questionamentos e controvrsias, o que pode ser um indicador
das dificuldades para se identificar as bases tericas de fundamentao para o
campo do Design, assim como um dilogo aberto quanto ao que seria uma teoria
crtica para o Design.
Os fatores conflitivos presentes neste debate podem ser identificados na fala
de Simon:
A Cincia natural se ocupa de explicar como as coisas so () o Design, por outro lado, procura mostrar como as coisas devem ser. (SIMON 1996, t.m.)
Projetar como as coisas devem ser depende de um conjunto de valores e
crenas, que, alimentadas pelas caractersticas visionrias utpicas, tendero a
apresentar alternativas distintas do previsvel.
No entanto, o Design, diferente das cincias naturais que procuram investi-
gar como as coisas so em realidade, est focado em mostrar como as coisas
devem ser, atravs da elaborao de artefatos para atingir metas, segundo o pr-
prio Simon complementa.
Esta viso mais materialista do Design, com foco no objetivo e no objeto,
ser uma tese criticada por reforar a crena do pensamento moderno de que
existem algumas verdades incontestveis relacionadas cincia e natureza.
Assumir que existe uma nica verdade sobre como as coisas so tende a falhar
por ignorar uma gama de associaes, assim como as influncias subjetivas pre-
sentes nos artefatos e nas metas embutidas no processo de sua construo.
O caminho que o discurso ir se desenvolver de maneira reflexiva na prtica do Design ainda no est claro. De todo modo, acredito que o tema central que dever ser endereado neste novo discurso sobre o artificial e as suas fronteiras. (MARGOLIN, 1995)21
20 Para este trabalho foram consultados, de Herbert Simon, A cincia do Artificial e A Cincia do Design: criando o Artificial, (SIMON, 1969) e (SIMON, 1988), respectivamente. 21 Traduo da autora.
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A Ciberntica (WIENER 1948) e a Comunicologia de Flusser (FELINTO
2012) se apresentaram como modelos de Cincia para o mundo contemporneo
e, o que a presena destes projetos alternativos ir sugerir que, alm da crtica
ao modelo de cincia em voga, entende-se que h que se confrontar com a com-
plexidade e dilemas que tal feito (fazer Cincia) requer.
Desse modo, o imaginrio criado pela Cincia Moderna segue em diferentes
discursos e ramificaes. O que foi identificado nos discursos de Buckminster Ful-
ler ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos anos 60, e registrados em
Utopia or Oblivion (FULLER, 1970), foi uma crtica contundente metodologia
cientfica por seu distanciamento da realidade, a criao de excessivas abstraes
e os aspectos pouco abertos criatividade que dificultaram a ruptura de barreiras
para avanos no conhecimento. Fuller demonstrava, em contraposio metodo-
logia aplicada nas Cincias, como as prticas artsticas, na Msica ou Artes Visu-
ais, conseguiam atingir objetivos lidando com problemas complexos.
Trata-se de enxergar o mundo invisvel e entender que existem caminhos e
respostas dentro de planos sem estatutos de formalidade, ou ainda que o caos
pulsa em movimento contnuo gerando energia informada que agrega conheci-
mento dentro de uma lgica prpria.
Entender as lgicas em suas diversidades o exerccio criativo que gerou
comunicao, linguagem e, consequentemente, impulsionou aprendizados e co-
nhecimento.
Se possvel desprogramar a mquina humana e faz-la voltar mais de
mil anos em busca de respostas a problemas essenciais por meios criativos, que
outro e novo tipo de conhecimento este ser ps-humano do Sculo XXI poder
conceber?
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2 - DESIGN E UTOPIA
Figura 5: Buckminster Fullers "Dome over Midtown Manhattan", 1960 Museum of the Phantom City
Esse um sonho meu realizado, esta a matria com que se realiza o meu sonho, a integrao da natureza e arquitetura. O elo perdido. (BUCKMINSTER FULLER)22
2.1 - Introduo
Como a mensagem de um nufrago em uma garrafa (FIRPO, 2005), uma
esperana, um sonho, ou quimera, a utopia tornou-se sinnimo de fantasia, no
entanto, ela possui defensores determinados a provar sua relevncia dentro de
um projeto racional de superao dos desafios humanos pela crena nas suas
capacidades de desenvolvimento como grupo integrado.
O nufrago, ao colocar sua mensagem em uma garrafa, faz uma tentativa,
uma aposta, pois necessita que sua mensagem seja encontrada por quem poder
codifica-la, compreend-la. E mais do que isso: a esperana, neste caso, precisa
tambm encontrar uma vontade de fazer o bem.
E precisamente desta vontade de bem que se origina o projeto de uma sociedade fundada sobre a liberdade, sobre a justia, sobre a igualdade, sobre a paz. Isto ,
22 Fonte: Ecological Design: Inventing the Future (DANTIZ. 1995), verso dublada disponvel em https://www.youtube.com/watch?v=7neWgExucQU (Acesso novembro de 2015).
https://www.youtube.com/watch?v=7neWgExucQUDBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512209/CA
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nasce a conscincia projetual, a que se liga o empenho, ou melhor, a tenso reali-zadora. (QUARTA, 2006).
O Design, ao pensar na construo do que ainda no existe, e, mais ainda,
ao transbordar a esfera da manufatura de objetos para a construo de modelos
que busquem respostas ao convvio humano com os desafios colocados pela na-
tureza, assim como a relao entre os seres humanos entre si, suas invenes,
que modificam a cultura e os meios de comunicar, apresenta-se como o prprio
desgnio da Utopia.
Dessa maneira, a Utopia vista, dentro de uma leitura contempornea,
como a representao de uma conscincia critico-projetual, portadora de grande
tenso realizadora.
A Utopia no se realiza em projetos pontuais, pois sua caracterstica uma
nova, outra, e diferente concepo da realidade que necessita uma radicalidade
para alcanar o resultado da materializao de uma ideia.
Para projetar o futuro, necessrio tambm manter a conscincia aberta, e
h uma sntese otimista no presente, onde um vir a ser uma soma da consci-
ncia crtica sobre a qual se projeta a utopia, com um empenho tico de tornar o
projeto possvel. Para alm do sonho impalpvel, a utopia o seu desdobramento.
E, quando o sonhador sonha, quem sonha: ele ou o mundo? (JAPIASSU, 1977,
p.74)
Assim, h na utopia motivaes ticas como a vontade do bem. Esta von-
tade est expressa no pensamento de bem estar em comunidade, assim como a
conscincia da inter-relao entre todas as coisas.
Cruzando momentos histricos distintos, possvel realizar uma crtica para
conscincia, onde a utopia, ou seja, na traduo do grego o lugar que no existe,
foi inspirada pela descoberta de novos lugares, aparentemente, inabitados e pa-
radisacos nas Amricas. Estas novas realidades enchiam de sonhos e esperan-
as o mundo renascentista, favorecendo a proliferao de novas ideias e o desejo
em conhecer mais sobre a natureza e o mundo.
A cincia deste perodo ganhava elementos para firmar-se em suas prprias
bases, destacando-se, idealmente, dos contextos de poder poltico e das crenas
religiosas.
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2.2 - A dialtica da contradio
"Estamos vivendo em um momento (...) onde o real no pode ser tomado como certo, ele precisa ser arrancado do artificial." (MARGOLIN 1995)23
Se a Utopia de Morus24 sonhava com um mundo sem guerras, a utopia da
cincia passava a dominar o imaginrio do mundo. Por outro lado, alguns sculos
depois, constatou-se que se tratava de um mundo no menos metafsico, quando
a cincia perdeu boa parte da liberdade conquistada para servir aos interesses do
poder poltico-econmico. A razo abandonada em nome de um racionalismo
ou, em outras palavras, a crise da Razo constitui uma revolta da racionalidade
contra a irracionalidade do racionalismo e da racionalizao (JAPIASSU, 2006).
Este contexto diz respeito a exausto do modelo inaugurado na era mo-
derna, que propiciou a Revoluo Industrial. A sujeio do humano a novas con-
dies lideradas pelas mquinas, dentro de um novo paradigma de simplicidade
proposto pela matemtica25, comeava a apresentar problemas, quando cria o que
se classifica como a ideologia da barbrie que
o cientificismo que grassa em nosso mundo desde meados do sculo XIX. Ela carrega em seu interior a enorme contradio entre o acrscimo do conhecimento tcnico e o definhamento das prticas humanas. Delineiam-se, pois, as praticas da barbrie (GIUSTI, 2015).
Estas, concernindo prxis, estendem-se, consequentemente, ao campo
da tica. Mas a tica deve ser entendida, inicialmente, em sua prpria constituio
subjetiva. Ela no somente um conjunto de regras e valores que pautam os
comportamentos externos aos indivduos. A tica nasce da autoafeco subjetiva,
da empatia, isto , da capacidade de uma subjetividade viva sensibilizar-se en-
quanto faz a experincia de si mesma (GIUSTI, [s.d.])
Foi dentro destes enormes conflitos ticos que a sociedade, na voz de inte-
lectuais como Karl Marx, passou a propor novas utopias. Marx, faz um estudo da
tcnica e encontra nela o seu processo dialtico: se a excessiva especializao
23 Traduo da autora. 24 O livro Utopia foi escrito em latim pelo ingls Thomas Morus em 1516, onde o tema um modelo de sociedade ideal. No perodo que foi escrito utopia era apenas uma palavra que se traduzia como no-lugar, ou o lugar que no existe. Utopia foi sua principal e mais conhecida obra literria e, a partir deste livro, a palavra utopia foi agregada ao vocabulrio a partir de um significado mais amplo, ainda discutido, desde que remete a tradio humanista do Renascimento, da qual Morus faz parte. 25 A ideia de que a matemtica instaura o paradigma da simplicidade como linguagem da nova ci-ncia emprico racional citada em Inter ou Transdiciplinaridade (SOMMERMAN 2006, p. 53).
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aliena o trabalhador de todo processo de produo que antes dominava por in-
teiro26 , por outro lado, este mesmo trabalhador entra em uma nova configurao
de cooperao entre as partes deste mesmo processo (OLIVEIRA 2011)
(OLIVEIRA, 2011). Assim, se por um lado, a diviso social do trabalho favorece a
ignorncia e alienao, por outro h uma situao de co-dependncia que pode
reverter-se em unio para busca de novas solues.
o aumento das foras materiais sobre a natureza tem degradado a vida humana, criando-se um antagonismo entre indstria moderna, cincia e tcnica, de um lado, degradao e misria, de outro. (OLIVEIRA 2011)
Desse modo, cabe lembrar que o designer uma criao da indstria, desde
que a intensiva diviso das funes no trabalho propicia o aparecimento daquele
que no mais o arteso ou o artista, mas o desenhista, o que vai criar modelos
a serem fabricados pelas mquinas. O Design passa a ser uma etapa do processo
produtivo. Inicialmente, destaca-se na indstria txtil e o sucesso de vendas de
alguns dos padres desenhados, passa, ento, a conferir um status aos trabalha-
dores que demonstram estas capacidades especficas de criao.
Neste sentido, podemos acreditar que, a partir da, o Design passe a se ra-
mificar em maiores especificidades, onde o que se busca preencher os interva-
los e separaes entre as partes, suprindo lacunas com projetos e interstcios com
interfaces. (CARDOSO, 2008)
O Design ento um hbrido que se delineia, na segunda metade do Sculo
XIX, para buscar sua prpria identidade dentro dos movimentos de mudana os
processos de utopia que impulsionaram o incio do Sculo XX27.
Estes processos se refletem na histria do Design, em suas bases constru-
tivistas, onde, atravs da confeco de objetos, procurava-se embutir argumentos
capazes de empoderar as pessoas para mudanas (MARGOLIN, 1997, p.86)
Os argumentos poderiam ser vistos em moblias interativas, desde que es-
tas requeriam uma ao do usurio em transformar, por si prprio, o espao n-
timo, quando uma cama pode virar uma mesa, ou uma cadeira pode deslocar o
26 NO Capital, Marx explica que, enquanto nas sociedades pr-industriais cada arteso realiza todas as operaes pertinentes a seu ofcio, na sociedade industrial h um parcelamento dos processos implicados na confeco do produto em numerosas operaes executadas por diferentes trabalha-dores com o objetivo de produzir maiores quantidades de mercadorias (BRAVERMAN, 1981). Esta nova realidade resulta em diversas implicaes, como a alienao sobre o processo da criao. 27 A afirmao parte do pressuposto do Design como campo de trabalho organizado, e, posterior-
mente como campo de conhecimento que inicia sua estruturao j no Sculo XX, sendo, ainda hoje, um campo de investimento novo, em programas de Ps Graduao. J atribuir a prtica do Design a uma nomenclatura genrica, como desenho, arte ou projeto, pode levar diversos au-tores a especulaes de considerar sua presena em diversos perodos histricos e sociedades, sejam elas pr-histricas, antigas, ou atuais.
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panorama de viso frontal para uma viso que est acima da cabea. Cabe lem-
brar, no entanto, que tais moblias experimentais, no momento em que foram cri-
adas, no suscitavam qualquer interesse da indstria28, j que representavam um
modo de viver confortavelmente com menores custos. Assim, as produes de
escolas como Vuthemas e Bauhaus representavam uma vanguarda, inicialmente
acolhidas pelos pares das artes, diretores de cinema e teatro, que procuravam,
na integrao das artes, colaborar para construo de novos contedos simbli-
cos, onde a utopia se realizava atravs de prticas artsticas. (MARGOLIN, 1997)
28 Em Struggle for Utopia... Margolin (1997), demonstra que a indstria atuava de acordo com o pensamento dominante da poca, que no se preocupava em produzir mveis prticos e de baixo custo, mas sim produzir mveis que fariam lembrar o luxo palaciano, para quem pode pagar: cadei-ras estofadas com belas estampas, lustres pesados, etc. O conceito de mveis inteligentes que pudessem ser tambm acessveis aos trabalhadores era ainda uma utopia, um passo a frente, ou seja, atitude restrita a vanguarda.
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2.3 - Design: utopia da Arte?
Definir o que seja Design empreendimento a que se dedicam quase todos os tericos e profissionais envolvidos com esta atividade, e a insistncia em delimitar o conceito revela mais a ausncia de consenso, provocada, em grande parte, pelo vis ideolgico embutido nas definies, do que tendncia natural de afirmao de uma atividade nova no panorama profissional. (BOMFIM 1997, p.31)
Figuras 6, 7 e 8: Mascara de Oskar Schlemmer (Foto de 1925); Pintura Yellow-Red_Blue de W. Kandinsky (1925) e imagem do Filme Metrpolis de Fritz Lang (1927).
O Design surge, como campo de estudo, nos movimentos que criaram a
possibilidade para o surgimento de uma escola como a Bauhaus (DROSTE 2002).
Ou seja, surgiu atravs de uma utopia de reintegrao dos conhecimentos tcnico-
cientficos, com a criatividade representada pelas artes.
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Entendendo os momentos histricos que propiciam a organizao do profis-
sional do Design por uma conjugao de saberes e aspiraes humanas, pode-
se supor que a meta de pensar fora da caixa poder obter maior sucesso em um
Design motivado por utopias, um Design que no est separado da Arte, um De-
sign que representa um projeto de nova arte, um Design que um dia foi a prpria
arte de vanguarda.
Arte e tecnologia: uma nova unidade a base do modelo filosfico da Bauhaus, que nos anos que se seguiram, com a Nova Bauhaus, passou a integrar as trs dimenses principais do conhecimento para o Design: Arte, Cincia e Tecnologia. (FINDELI, 2001)
Enquanto havia uma desiluso com os modelos da Cincia e do sistema do
capitalismo industrial, as inovaes e descobertas continuavam a exercer fascnio
na sociedade, e tal fascnio se nota nos pensamentos e produes compartilhadas
por escritores, artistas e intelectuais.
As vanguardas ento surgiam dentro de um lirismo dos tempos modernos,
onde buscavam-se novos conceitos para a esttica. A arte e a esttica mecnica
aliada a produo eram temas de manifestos e trabalhos, de Corbusier a Du-
champ, passando pelos futuristas italianos, enquanto os construtivistas russos
eram ainda mais radicais chegando a propor a abolio da Arte (SOUZA 2008)
(SOUZA, 2008), devido ao seu atrelamento com as ideologias vigentes da socie-
dade burguesa. Lembrando que a ideologia burguesa moldada pelos preceitos
do Iluminismo, citados, a partir da referncia Ideologia da Esttica, de Terry Ea-
gleton.
Os futuristas29 russos procuravam conceituar os seus prprios modelos, cri-
ando mtodos como o projecionismo (SMIRNOV, 2013). Buscava-se no so-
mente levar a arte para todos, como tambm tornar seu discurso acessvel, pro-
movendo, em paralelo com a inteno de proporcionar inspirao, e no entrete-
nimento, um projeto de educao cultural das massas. Os artistas ento decidiam
mostrar a obra em processo, e no a obra acabada. A pintura de um retrato, por
exemplo, mostrava as linhas traadas pelo artista para obter os contrastes do
claro/escuro, enquanto os concertos eram iniciados com palestras explicativas.
29 Historicamente pode-se designar tambm futuristas os russos e seus movimentos neste perodo, embora o seu futurismo seja conhecido conceitualmente como construtivismo. Uma forma de diferenciar-se de outros movimentos autodenominados futuristas, como os dos italianos. Andrei Smirnov apresenta um resgate histrico que mais atual j que o construtivismo russo aparece mais para o ocidente atravs das experincias notrias que influenciaram a arquitetura e o design grfico. Smirnov revela experincias sonoras e audiovisuais completamente inovadoras e desconhecidas at mesmo para os russos. Ele tambm rev as experincias e inovaes propostas em todo o contexto das artes, do teatro e da pintura.
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Neste momento, os concertos tampouco eram concertos tradicionais. Eles mos-
travam experimentaes audiovisuais bastante impressionantes, alm de um par
de inovaes, muitas ainda de difcil compreenso, at mesmo para os russos no
sculo XXI, que perderam total contato com esta histria por conta das destruies
das guerras (SMIRNOV, 2013).
O que a utopia do incio do Sculo XX busca delinear um outro modelo de
sociedade, ainda dentro de um contexto industrial, em um cenrio onde aparecem
mais descobertas no campo da cincia, desencadeando uma sequncia de inova-
es que vo atingir, em especial, os sistemas de comunicao.
O grande marco indicativo de mudana na relao do ser com o mundo, que
havia sido a Revoluo Industrial, inaugurando o incio da Era Moderna, tem, a
partir das inovaes que proporcionaram novas formas das pessoas se comuni-
carem no planeta, um novo marco que viria, em poucas dcadas, a se tornar a
Era da Comunicao.
Estes marcos foram fundamentais provocadores de adaptaes comporta-
mentais, como tambm trouxeram, e ainda trazem, desafios cognitivos quanto a
nossa relao com as mquinas, fatos que vm inspirando as Artes e colocando
desafios projetuais ao campo do Design, em decorrncia da velocidade com que
se implantam novos sistemas de interface, que continuamente vm a requerer
atualizaes no aprendizado.
Faz-se necessrio pontuar que, em virtude da velocidade de inovaes tec-
nolgicas, especialmente nas ltimas trs dcadas do Sculo XX, algumas novas
utopias inauguradas no campo do Design por criadores como Buckminster Fuller
tendem a ficar estritas a uma viso datada, ou seja, restrita a uma poca, fa-
zendo com que os vrios campos de estudo e atuao do Design percam o contato
com tais conhecimentos, sua relevncia e significado30.
Seus conceitos demonstram o gnio criativo de um pensador peculiar, que
hoje mais lembrado pelos pesquisadores com foco de interesse nos estudos de
EcoDesign, Design Social e na temtica Design e Educao, entretanto, ele faz
parte da histria na formao dos estudantes do MIT nos anos 60 e 70. Por este
motivo, ao tratar do Design como utopia, sugere-se que resgatar o legado deixado
30 Aqui se sugere, por outras palavras, a possibilidade do ensino acadmico do Design eleger auto-res e realizadores principais, a serem levados ao conhecimento dos estudantes de Design, em pla-taformas de ensino sistematizadas, de modo a fortalecer as reflexes no campo, do mesmo modo que Freud e Lacan para a Psicologia, Weber e Durkheim para a Sociologia, e assim por diante. Ao tomar contato com os autores, relacionados a fundao e aos marcos histricos importantes para o campo do conhecimento em Design, os estudantes podero vir a colaborar com futuras reflexes, estando ou no de acordo com tais autores/realizadores, tendo ou no afinidade com suas proposi-es.
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por Fuller tambm mostrar que o polo de inovao criativa que se tornou o MIT
diz respeito as sementes utpicas l deixadas por estes pioneiros.
Em Utopia or Oblivion (FULLER, 1970), h uma crtica arrogncia de cientistas
e engenheiros que fundamentada a partir de uma crtica ao pensamento cientificista.
Fuller defende que muitos dos pressupostos cientficos perderam contato com a reali-
dade e, diante das transformaes em curso no mundo, naquele perodo, manter estes
pressupostos como mitos intocveis constitua-se um empecilho as possibilidades de
inovao. Neste sentido ele ir chamar ateno para como o inusitado e o metodolo-
gicamente incorreto das experincias artsticas e criativas, muitas vezes, chegava a
resultados mais acertados do que os resultados apresentados pelo ambiente acad-
mico/cientfico.
Assim, a ideia de Utopia neste trabalho resgatada, especialmente para mostrar
como a Arte cria e inspira a Cincia, seja atravs da Literatura, ou de planos mais am-
biciosos de mudanas expressas em manifestos, ou atravs do Design em vozes,
como a de Buckminster Fuller31 que vivenciou os momentos de grandes mudanas na
passagem do Sculo XIX ao Sculo XX.
O Design, este novo campo que busca se afirmar como teoria, cincia, viso de
mundo, a partir do Sculo XX, mais precisamente a segunda metade, ganha atribuies
visionrias, que retomam, em um novo contexto, algumas utopias esquecidas entre as
guerras, desde o fechamento de projetos importantes da sua histria, como a lendria
Bauhaus.
A hiptese defendida neste texto a do Design, como utopia da Arte, e a Arte
como um exerccio epistemolgico em favor da reflexo para construo de novas uto-
pias, onde a viso do indivduo para a sua comunidade, e vice-versa, se construa atra-
vs de processos conduzidos por prticas interdisciplinares.
A vanguarda artstica no estava simplesmente interessada em formas inovadoras. Eles queriam que estas formas trouxessem o significado de um novo esprito. Sua ambio era criar uma nova funo social para a arte, de modo a tornar o artista um atuador signi-ficante na construo e organizao da vida social. (MARGOLIN, 1997)
31 Em Utopia or Oblivion: The Prospects for Humanity publicado em 1970 por Allen Lane The Pen-guin Books, Fuller anuncia a realizao da Utopia como totalmente possvel, delineando conceitos como a Cincia do Design, a Msica como capaz de indicar alguns caminhos de maneira mais efi-ciente que a Cincia e a importncia dos artistas para construo de uma nova sociedade.
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2.4 Por que e para qu, serve uma Utopia?
...foram ideais que suscitaram meus esforos e me permitiram viver. Chamam-se o bem, a beleza, a verdade. Se no me identifico com outras sensibili-dades semelhantes minha e se no me obstino incansavelmente em perseguir este ideal eternamente inacessvel na Arte e na Cincia, a vida perde todo o sentido para mim. Ora, a humanidade se apaixona por finalidades irrisrias que tm por nome a riqueza, a glria, o luxo. (EINSTEIN 1981)
Para entender a reao dos artistas sobre a esttica vigente no incio do
Sculo XX, interessante relembrar que, pertencente aos domnios da esttica,
esto os valores comportamentais, assim como a ordenao a estes, dados pelos
pensadores do Iluminismo. Um conjunto de regras relacionadas ao comporta-
mento e as percepes sobre o que , e no , adequado foi delineado de modo
a ter uma utilidade dentro de um plano de controle social32.
Assim, para estes artistas, a esttica liberta dos preceitos artsticos tradicio-
nais e estimula a criao de uma arte produtiva, como queriam os russos
(SOUZA 2008), e muitos artistas, descrentes com os ensinamentos clssicos, bus-
cavam na tecnologia, na indstria, e por extenso, no Design o que prometia em
termos de novos padres para a organizao das suas atividades (CARDOSO
2008).
Vemos ento que os designers, tanto fizeram parte das trincheiras de traba-
lhadores explorados e alienados dos meios de produo, em um primeiro mo-
mento, como o Design passou a trazer consigo este devir, o vir-a-ser de uma nova
era moldada em conflitos, revolues e utopias.
A caracterstica de fazer planos, de projetar a interveno humana sobre as
realidades, traz consigo a responsabilidade que requer a conscincia de que o
Design e o designer recriam o mundo com as suas aes. (FINDELI 2001)
certo que as consequncias do posicionamento dos designers que assu-
miram um papel no mercado durante o Sculo XX, so as mesmas consequncias
de exausto de um modelo de economia industrial baseado na ideologia da bar-
brie citada em 2.2. Dialtica da Contradio, mas, por enquanto, neste traba-
lho, vamos nos ater aos aspectos ldicos que motivam a criao de utopias.
As propostas de utopias, por suas caractersticas de esquerda, e/ou van-
guarda, foram atacadas, quando no massacradas, por processos histricos de
guerras por conquistas de territrios e poderio poltico-econmico.
32 Um estudo feito sobre a conceituao da esttica por filsofos ao longo da histria oci-
dental A ideologia da Esttica, de Terry Eagleton(1993).
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Neste sentido, Margolin lembra, em Struggle for Utopia (1997), que os ata-
ques as vanguardas utpicas no estiveram restritos a um nico sistema. En-
quanto os socialistas e nazistas as perseguiam por no estarem de acordo com
os modelos de propaganda do Estado, os capitalistas ignoravam suas demandas
ticas, apropriando-se de suas criaes dentro de uma submisso de mercado.
Entre outras questes, examina-se o impacto das cincias do sculo XX numa ci-vilizao que, por mais dedicada ao progresso que fosse, era incapaz de compre-end-las, e por elas foi enfraquecida; a curiosa dialtica entre a religio pblica, numa poca de secularizao acelerada, e as artes, que perderam o antigo rumo, mas no conseguiam encontrar um novo, nem por meio de sua prpria busca mo-dernista ou vanguardista de progresso, na competio com a tecnologia, nem por meio de alianas com o poder, nem, ..., por uma desiludida e ressentida submisso ao mercado (HOBSBAWN 2013).
Grupos genunos como os dadastas e surrealistas fizeram surgir a pop art
nos anos 50 e eram gupos de combate (HOBSBAWN 2013) que se manifesta-
vam, individual ou coletivamente, atravs de publicaes, propostas, trabalhos e
imagens para refletir os seus temores sobre o presente e as esperanas no futuro.
Assim, as utopias futuristas tiveram como combustvel, durante a primeira
metade do Sculo XX, as vanguardas artsticas e movimentos sociais. Da se-
gunda metade do Sculo XX em diante, novos impactos histricos iro operar com
as transformaes advindas dos meios de comunicao a novas prticas de mer-
cado. Estas iro pulverizar o impacto das utopias conscientes de suas ideologias,
atravs de processos midiatizados, construo de mitos e novos sistemas de in-
fluncia no imaginrio e controle dos corpos. Uma nova era, na qual estamos,
onde novos sistemas de computao ubqua iro propiciar a vivncia de realida-
des virtuais e um crescente foco na esfera individual, fenmeno que ser discutido
no tpico 5.5.2 - Conectividade, onde avanos tcnicos possibilitam ao prprio
indivduo monitorar-se, ser seu prprio mdico, cientista e inventor.
Desse modo, no apenas o artista, o inventor, o cientista, o professor se
tornam os Performers que expem tambm a seus corpos, para demonstrar uma
ideia, desejo, vontade atravs de atitudes que expressam conceitos. As pessoas,
nos mais diversos contextos, demonstram querer participar e se expor, como ma-
neira de auto expresso: torna-se impossvel perceber que esse tipo de auto ex-
posio pode ser uma importante fonte de autoconhecimento (NICOLACI-DA-
COSTA 2002).
Neste contexto de ideias que se expandem para todas as coisas que produ-
zimos atravs do conhecimento, das tecnologias, das interfaces e dos sistemas,
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somos uma represa que fora a barragem de caixas fechadas por pequenas bre-
chas. Estas brechas se tornam contedos que circulam e se propagam, atravs
dos meios de produo de imagem, ao alcance de todos nos dias de hoje.
O novo homem no mais uma pessoa de aes concretas, mas sim um performer (...)Para ele a vida deixou de ser um drama e passou a ser um espetculo. No se trata mais de aes, e sim, sensaes. O novo homem no quer ter ou fazer, ele quer vivenciar. Ele deseja experenciar, conhecer e sobretudo, desfrutar. (FLUS-SER 2007)
Esta forma de vivenciar, experimentar, criar personagens pode vir a auxiliar
tambm na quebra de antigos paradigmas, em prol da construo de novos. Po-
rm, as quebras de paradigmas no seguem um curso linear de inteno, deciso,
debate e desenvolvimento. Em grande parte das vezes, fatos constatados a partir
de anlises ontolgicas, utopias, se criam dentro da necessidade em buscar res-
postas do que precisa ser revisto, remodelado, pensado de outra maneira. E o que
pode nos auxiliar na reflexo sobre este processo de grandes transformaes tec-
nolgicas, assim como os seus impactos no nosso mundo subjetivo, tambm
entender que no h aprendizado prvio sobre como proceder frente a um desafio
que no foi ainda mapeado pelos campos do conhecimento.
Se existe uma mudana no significado geral do mundo e das coisas, a partir
da revoluo nos meios de nos comunicar, como apontado por Flusser, podemos
crer, dentre os conflitos advindos destes novos processos, que se a razo no
passado significava a anlise dos mitos, diz Flusser, no futuro significar a desi-
deologizao.
E o que nos conduz neste processo de transio, segundo ele? A tecnologia.
A anlise estrutural de linguagem, na informtica como fonte da tecnoimagina-
o.
A dialtica novamente aparece, quando a cultura da tecnoimagem ve-
neno e cura:
as imagens so mediaes entre o sujeito e o mundo objetivo, e como tais esto submetidas a uma dialtica interna: elas imaginam o objeto que apresentam. (FLUSSER 2007)
Nesta perspectiva, a chamada crise da cincia faz parte da crtica cientifi-
cista e, desse modo, toda linearidade proposta como mtodo subvertida por uma
outra estrutura de informaes digitais. Para Flusser, novas maneiras de calcular
provocam mudanas na estrutura do pensamento, ganhando assim, de volta, a
possibilidade de abstrao absoluta e, com ela, uma imaginao renovada.
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Dentro do nosso tema, se a utopia pode ser vista como ferramenta, ela a
ferramenta da imaginao renovada que transborda o seu sentido literrio e pa-
rentesco com as artes, para uma ideia mais elaborada, um plano projetual.
2.5 - So realidades artificiais utopias?
Ns construmos um sistema industrial que brilhante em meios, mas bastante desesperado nos fins. Podemos entregar desempenhos surpreendentes, mas esta-mos cada vez mais perdidos sobre o que, e por qu, fazer. (THACKARA 2005, t.m.).
Figura 9- Projeto Eden33
Segundo os realizadores do Projeto Eden34, o ponto de partida de seu
plano foi baseado nas ideias e realizaes de Buckminster Fuller, expressas em
33 https://www.edenproject.com/ a maior estufa do mundo, localizada na Regio da Cornulia, na Inglaterra. Composto de biomas artificiais com espcies de plantas de todas as regies do planeta, o local, que levou de 1995 a 2005 para ser construdo, abriu ao pblico em 2001 e, um plo turistico que j recebeu mais de 13 milhes de pessoas Fonte: https://www.edenproject.com/sites/default/fi-les/documents/annual-report-2013-14.pdf (Acesso em novembro de 2015). 34 https://www.edenproject.com/eden-story/behind-the-scenes/architecture-at-eden
(Acesso em novembro de 2015).
https://www.edenproject.com/https://www.edenproject.com/sites/default/files/documents/annual-report-2013-14.pdfhttps://www.edenproject.com/sites/default/files/documents/annual-report-2013-14.pdfhttps://www.edenproject.com/eden-story/behind-the-scenes/architecture-at-edenDBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512209/CA
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conceitos similares que foram materializados anteriormente em 1960, com a aber-
tura do Climatron35, o Jardim Botnico do Missouri (EUA), assim como a constru-
o da Montreal Biosphre36 para a Expo 6737, que em 1995 veio a se tornar o Museu
do Meio Ambiente38 pertencente ao Governo do Canad.
O domo geodsico39 um dos legados deixados por Buckminster Fuller40 e, den-
tre as suas invenes, a que mais foi reproduzida, tendo influenciado muitos projetos
no mundo, como o Eden.
Independentemente do fato de Fuller ser um grande inspirador para o surgimento
do EcoDesign, vamos lembrar aqui que os seus projetos representam o que ele come-
ou a delinear como uma design science revolution (CROSS, 2001). Um, dentre todos
os seus projetos utpicos que culminou na dcada da cincia do Design, por ele anun-
ciado, nos anos 60. Um momento de pice para as suas propostas, algo que certa-
mente ele no conseguiria imaginar, quando estava a beira de cometer um suicdio,
nos anos 30, desde que sofria as consequncias da Crise de 192941, fato devastador
no mbito geral, social, at o ntimo familiar.
Fuller estava ciente das mudanas pelas quais passava o mundo, e os campos
do conhecimento e, por este motivo, passou a defender e mencionar mtodos conside-
rados no-cientficos para exercitar e adquirir conhecimentos. Ele no estava criando
um mtodo cientfico a ser empregado por todas as cincias como fez Descartes, mas
estava fazendo correlaes entre as cincias, com o objetivo de projetar realidades ar-
tificiais, apresentando o Design como um conjunto de elementos que, reunidos, consti-
tuam uma cincia, ou seja, uma matria do conhecimento que ia muito alm da criao
de objetos e suas funcionalidades.
Se provncias inteiras podem ser reelaboradas atravs do Design, ento o termo j no tm nenhum limite. (LATOUR 2014)
35 http://www.missouribotanicalgarden.org/gardens-gardening/our-garden/gardens-con-
servatories/conservatories/climatron.aspx 36 https://en.wikipedia.org/wiki/File:Montreal_Biosphere.JPG (Acesso em nov. 2015) 37 https://en.wikipedia.org/wiki/Expo_67 (Acesso em nov. 2015) 38 http://www.ec.gc.ca/biosphere/ (Acesso em nov. 2015) 39 https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%BApula_geod%C3%A9sica (Acesso em nov. 2015) 40 https://pt.wikipedia.org/wiki/Buckminster_Fuller (Acesso em nov. 2015) 41 https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Depress%C3%A3o
https://en.wikipedia.org/wiki/File:Montreal_Biosphere.JPGhttps://en.wikipedia.org/wiki/Expo_67http://www.ec.gc.ca/biosphere/https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%BApula_geod%C3%A9sicahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Buckminster_Fullerhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Depress%C3%A3oDBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512209/CA
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2.6 - Design: Cincia?
Compreender um objeto luz de uma cincia tarefa relativamente simples, mas entend-lo simultaneamente como objeto de duas ou mais cincias significa ou um compromisso de concesses em nvel extracientfico (filosofia, ideologia etc.) ou o desenvolvimento de uma nova linguagem. (BONFIM, 1997, p.35)
Figura 10: Silk Pavilion do Mediated Matter Group/ MIT Media Lab42
42 O Silk Pavilion explora a relao entre o digital e o biolgico na fabricao de produtos e esca-las arquitetnicas. A estrutura principal foi criada de 26 painis poligonais feitos de fios de seda montados por uma mquina CNC. 6,500 bichos-da-seda foram colocados na estrutura, e, a partir da eles trabalharam como impressoras biolgicas, tecendo os fios atravs dos seus movimentos no painel. Fonte: http://www.dezeen.com/2014/02/10/designs-of-the-year-2014-shortlist-announ-ced/ e Matria Completa em http://www.dezeen.com/2013/06/03/silkworms-and-robot-work-to-gether-to-weave-silk-pavilion/ (Acesso em 17/07/2016, t.m.)
http://www.dezeen.com/2014/02/10/designs-of-the-year-2014-shortlist-announced/http://www.dezeen.com/2014/02/10/designs-of-the-year-2014-shortlist-announced/http://www.dezeen.com/2013/06/03/silkworms-and-robot-work-together-to-weave-silk-pavilion/http://www.dezeen.com/2013/06/03/silkworms-and-robot-work-together-to-weave-silk-pavilion/DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512209/CA
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Tratar do conhecimento como tema geral ambicioso. Em uma palestra na
Casa da Cincia43, o filosofo Fernando Santoro, especializado em filosofia nda
antiguidade clssica, chamava de "corpos errantes" os astros do cu. Eles eram
"errantes" pois, segundo a traduo do grego, se movimentavam. Tais conceitos
acompanham a humanidade, atravs dos sculos, no apenas nas teses cientfi-
cas que eventualmente so contestadas e modificadas. Eles esto presentes na
linguagem, nos mitos, nas formas de comunicar, na maneira que o olhar resolve
o entendimento do que est no seu campo de viso.
Pode-se constatar, atravs da pesquisa histrica e filosfica, que, nas anti-
gas concepes do ser, s havia o estvel e o instvel, o movimento e o repouso;
a metainstabilidade no lhes era conhecida (DAMASCENO 2007). Entretanto, o
ser mltiplo