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CONDIÇÕES DO TRABALHO DOCENTE NO CONTEXTO DE CRISE: Precarização e intensidade no trabalho Elen Lúcia Marçal de Carvalho 1 RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar teoricamente os estudos em torno das condições de trabalho dos/as docentes no ensino superior. O tema tem despertado interesse pelo momento de crise estrutural do capital, bem como, pela forma ao qual este vem aprofundando a intensificação e precarização no trabalho, a partir da reestruturação produtiva. A classe trabalhadora passa por um desmonte de seus direitos sociais e trabalhistas, significando profundos retrocessos a sua sobrevivência. Tais ataques demonstram que na atual conjuntura este projeto de retirada dos direitos, (estes que foram duramente conquistados ao longo do tempo), estão intimamente ligados às transformações operadas pelo capital. Palavras-chave: Capitalismo, Crise, Trabalho, Trabalho docente, Ensino superior. ABSTRAC: The purpose of this article is to present theoretically studies on the working conditions of teachers in higher education. The theme has aroused interest in the moment of structural crisis of capital, as well as the way in which it has deepened the intensification and precarization in the work, from the productive restructuring. The working class goes through a dismantling of their social and labor rights, meaning deep setbacks to their survival. Such attacks demonstrate that at the present juncture this project of withdrawal of rights, (which have been hard won over time), are closely linked to the transformations operated by capital. Keywords: Capitalism, Crisis, Work, Teaching, Higher education 1 Docente da Faculdade de Serviço Social da UFPA, Mestre em Serviço Social, Doutoranda em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGED/UFPA

Elen Lúcia Marçal de Carvalho RESUMO · mundo do trabalho, indicam que na contemporaneidade o trabalho passa por profundas transformações, em que traz no bojo das relações de

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  • CONDIÇÕES DO TRABALHO DOCENTE NO CONTEXTO DE CRISE: Precarização e

    intensidade no trabalho

    Elen Lúcia Marçal de Carvalho1

    RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar teoricamente os estudos em torno das condições de trabalho dos/as docentes no ensino superior. O tema tem despertado interesse pelo momento de crise estrutural do capital, bem como, pela forma ao qual este vem aprofundando a intensificação e precarização no trabalho, a partir da reestruturação produtiva. A classe trabalhadora passa por um desmonte de seus direitos sociais e trabalhistas, significando profundos retrocessos a sua sobrevivência. Tais ataques demonstram que na atual conjuntura este projeto de retirada dos direitos, (estes que foram duramente conquistados ao longo do tempo), estão intimamente ligados às transformações operadas pelo capital. Palavras-chave: Capitalismo, Crise, Trabalho, Trabalho docente, Ensino superior.

    ABSTRAC: The purpose of this article is to present theoretically studies on the working conditions of teachers in higher education. The theme has aroused interest in the moment of structural crisis of capital, as well as the way in which it has deepened the intensification and precarization in the work, from the productive restructuring. The working class goes through a dismantling of their social and labor rights, meaning deep setbacks to their survival. Such attacks demonstrate that at the present juncture this project of withdrawal of rights, (which have been hard won over time), are closely linked to the transformations operated by capital. Keywords: Capitalism, Crisis, Work, Teaching, Higher education

    1 Docente da Faculdade de Serviço Social da UFPA, Mestre em Serviço Social, Doutoranda em Educação do

    Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGED/UFPA

  • 1 INTRODUÇÃO

    Na atualidade os/as trabalhadores/as vivenciam um acirramento das questões que

    envolvem o trabalho na sociedade capitalista contemporânea. As transformações oriundas

    no mundo do trabalho e do ensino superior demandam ao trabalhador (a) e em especial

    aos/as docentes determinações concretas que alteram a dinâmica de seu trabalho bem

    como suas relações sociais na sociedade capitalista.

    Para entender esta dinâmica recorrente no mundo do trabalho é necessário que

    façamos uma breve incursão acerca das contradições que aparecem no conjunto da

    sociedade capitalista, no qual o trabalho é necessariamente constitutivo de determinações

    oriundas das transformações operadas no aprofundamento da crise estrutural do capital.

    Neste sentido, o/a trabalhador/a é ao mesmo tempo parte da exploração e da dominação,

    visto que se encontra no bojo do processo de produção capitalista, enquanto mediador de

    suas necessidades sociais e humanas e da reprodução de antagonismos de interesses do

    capital, essa dicotomia é resultante do constante conflito, entre capital e o trabalho.

    Na atual conjuntura há um endurecimento das relações entre capital e trabalho

    advinda de mais uma crise estrutural do capital que acentua as exigências no trabalho, este

    deve ser flexível, polivalente e multifacetado, acirrando ainda mais os conflitos. Nestes

    termos, é demandado/a ao/a trabalhador/a e em especial aos/as docentes, condições

    concretas que transformam a dinâmica de seu trabalho bem como suas relações sociais na

    cotidianidade da sociedade capitalista.

    1. O processo de transformação do trabalho na reestruturação produtiva.

    Para entender a categoria trabalho e seus desdobramentos no processo de

    produção capitalista é pertinente traçar uma reflexão acerca do processo de trabalho,

    produção e reprodução do(a) trabalhador(a) como ser social.

    O trabalho enquanto processo que transforma a sociedade humana tem relação com a

    classe-que-vive do trabalho e o que caracteriza o trabalho como atividade especificamente

    humana é o fato de que este se constitui em uma atividade consciente. A forma final do

    objeto é prefigurada na mente do trabalhador, antes mesmo da realização do processo de

    trabalho. A atividade produtiva humana é assim atividade subordinada a um fim. Como

    ressalta Matos (2013), com base em Marx e Engels, onde para estes:

  • O trabalho é uma atividade fundamental para o homem, porque é através dele – na relação que estabelece com a natureza – que o homem busca a satisfação de suas necessidades. O homem é o único ser que, em contato com a natureza e no processo de transformá-la (para satisfação de suas necessidades), projeta o resultado que pretende alcançar, ou seja, antecipa sua mente o resultado. Para isso constrói instrumentos com vistas a auxiliá-lo na transformação da natureza. (MATOS, 2013, p.25)

    O trabalho é atividade vital consciente e isso distingue o homem dos animais. Assim o

    trabalho, por um lado é afirmação do homem como ser carente, objetivo, submetido a

    necessidades externas; mas por outro lado, a forma especificamente humana de satisfazer

    essas necessidades implica na sua afirmação como um ser livre e consciente. O trabalho se

    configura na necessidade humana de produção e reprodução de sua própria existência.

    O trabalho então é a necessidade intrínseca de sobrevivência humana, é nesta condição

    que a precarização do trabalho se inscreve na medida em que no modo de produção

    capitalista o fenômeno se mostra de forma desumana na história humana. A partir do

    momento em que o trabalhador passa a ser uma mercadoria para o capital, ocorre o

    trabalho alienado2 do homem sobre a produção do seu próprio trabalho, o seu valor salário,

    depende da oscilação do mercado e da demanda disponível.

    O salário, valor que o trabalhador recebe em troca da sua força de trabalho, visa unicamente a sua subsistência O trabalho é um fardo, algo penoso, em que o trabalhador produz para quem o contrata, não dispondo dos meios. O trabalhador não se vê no resultado final da sua ação, se sente exterior ao que produziu, e, mais do que isso, o resultado do seu trabalho não é algo apenas estranho, mas autônomo em relação a ele, o trabalhador. (MATOS, 2013, p.28-29)

    Sobre esta questão autores da área da sociologia do trabalho como Antunes (2002, 2011,

    2013), Teixeira (2008), Sadi Dal Rosso (2006, 2008, 2011), Alves(2011), ao estudarem o

    mundo do trabalho, indicam que na contemporaneidade o trabalho passa por profundas

    transformações, em que traz no bojo das relações de trabalho grandes e profundos

    prejuízos aos trabalhadores com um elevado índice de intensificação do trabalho. Sobre a

    intensificação, Dal Rosso (2006), argumenta que:

    Fala-se de intensificação quando os resultados do trabalho são quantitativa ou qualitativamente superiores e quando a obtenção desses resultados requer um consumo maior de energias do trabalhador. Há intensificação quando ocorre maior

    2 “Marx indicou o trabalho alienado como a conexão essencial entre todo o estranhamento e o sistema do dinheiro. A

    propriedade privada é considerada somente como o produto, a consequência necessária do trabalho alienado, isto é “da

    relação externa do trabalhador com a natureza e consigo mesmo””(Mészáros, 2006, p. 136).

  • gasto de energias do trabalhador no exercício das atividades quotidianas. Quando se trata de trabalho físico, os resultados aparecem em medidas tais como o número de veículos montados por dia por pessoa etc. Quando o trabalho não é físico, mas de tipo intelectual ou emocional, os resultados podem ser encontrados na melhoria da qualidade e na quantidade de serviços. (DAL ROSSO, 2006, p.69).

    O trabalho intensivo, portanto, representa na atualidade um esforço a mais que o

    trabalhador deve fazer para produzir mais em menos espaço de tempo, leva este

    trabalhador a uma fadiga e cansaço físico e mental na mesma proporção. A intensificação

    no trabalho pode ser caracterizada pela ação organizativa dos trabalhadores, ou seja, na

    forma deste trabalho requerer a “cooperação destes trabalhadores”.

    Se o trabalho for organizado de forma a produzir mais resultado, exercerá impactos sobre o grau de esforço físico, intelectual e emocional exigido do trabalhador, consumirá mais energia dele e produzirá mais resultados, mais valores. Elevando-se a intensidade do trabalho, aumenta-se a produção do valor. Dessa forma isola-se um componente organizativo da teoria do valor. A intensificação do processo de trabalho resulta em mais trabalho na mesma duração da jornada com o mesmo número de trabalhadores e o mesmo padrão tecnológico. (DAL ROSSO, 2006, p.48)

    Dentro desta perspectiva, o trabalho docente passa por transformações que se fazem sentir

    a partir e dentro do trabalho. Seu trabalho intensificado se configura no dizer de Maués e

    Junior, (2011, p. 397) nas “injunções estruturais e conjunturais por que vem passando o

    capitalismo”. Estas questões, portanto incidem sobre o trabalho docente que é cada vez

    mais interpelado a produzir indiscriminadamente, até fora do seu horário de trabalho,

    caracterizando com isso numa superexploração do trabalho docente. Maués e Junior, (2011)

    nos esclarecem que:

    As mudanças no mundo do trabalho, desde a crise do fordismo até os atuais modelos de acumulação flexível, bem como a revolução tecnológica do último quartel do século XX, impactaram de modo indelével, e não raro negativamente, a natureza do trabalho docente. A inclusão das novas tecnologias da informação não trouxe somente avanços no que se refere ao maior e mais ágil acesso à informação, mas também tem servido de instrumento de intensificação do trabalho por parte dos gestores e empresários da educação, na medida em que o professor passa a levar trabalho para fazer em casa ou mesmo porque o uso do computador e da internet permite que as tarefas de preparação e organização do trabalho docente sejam agilizadas, permitindo assim maior concentração de trabalho numa mesma unidade de tempo. (MAUÉS e JUNIOR, 2011, p. 397)

    Nestes termos, o trabalho precarizado se gesta nas transformações ocorridas nas relações

    de trabalho a partir da sua flexibilização, que surge sob a égide do capitalismo global,

    trazendo consigo novas formas do que (Alves, 2011), denomina de “jornada de trabalho

  • flexível”, e de “precarização do homem-que-trabalha”. Nestes termos a precarização do

    trabalho é entendida por este autor:

    A precarização do trabalho que ocorre hoje, sob o capitalismo global, seria não apenas “precarização do trabalho” no sentido de precarização da mera força de trabalho como mercadoria; mas seria, também, “precarização do homem que trabalha”, no sentido de desefetivação do homem como ser genérico”. (ALVES, 2011, p. 39).

    A partir de então, a intensidade e a precarização no trabalho docente, se apresentam como

    problemáticas que nos aflige na atualidade e para que possamos redefinir as alternativas de

    resistências temos que nos aprofunda cada vez mais no enfrentamento da relação capital

    trabalho.

    2. Reestruturação Produtiva: A precarização e intensidade no trabalho docente

    A conjuntura atual impõe que o trabalho do docente deva se adequar as

    determinações do capital. A educação como um todo e em especial a educação superior

    privada, que vem se expandindo e adota cada vez mais um modelo de educação

    mercantilizada, acentuando assim, as formas de gestão e exploração da força de trabalho.

    Antunes (2017) analisa a degradação do trabalho no modelo toyotista, onde a empresa

    utiliza mecanismo para envolver o/a trabalhador/a e assim poder aumentar a exploração

    sobre eles/elas.

    É um sistema que estrutura no trabalho em equipe, rompendo com o caráter parcelar típico do fordismo, baseando-se num processo produtivo flexível onde o/a trabalhador/a opera simultaneamente várias máquinas. O toyotismo tem como princípio o just in time, metodologia que busca reduzir continuamente todo “estoque” de tempo e de efetivos. Esta baseia-se num aparato de informação e reposição de produtos chamado de kanban. Conforma-se, por fim, uma estrutura produtiva mais horizontalizada, aspecto que se estende também a toda a rede de subcontratação das empresas ampliando a chamada terceirização. (ANTUNES, 2017, p.64)

    Neste contexto, a partir do exposto, entendemos a necessidade de refletir sobre o

    mundo do trabalho na contemporaneidade, visto que este, vem passando por

    transformações preocupantes, refletidas exatamente nas exigências de adequação do

    trabalhador/a aos princípios de competitividade, individualidade e produtividade,

    paradigmas, também presentes no trabalho docente.

    O/A trabalhador/a, nestes termos, é ao mesmo tempo parte da exploração e da

    dominação, eis a contradição fundante, visto que, deve se reproduzir como ser social ao

  • mesmo tempo em que também reproduz o capital para o capitalista. O(a) trabalhador(a) se

    encontra no centro do processo de produção e reprodução do capital, haja vista que é o

    trabalho enquanto mediador de suas necessidades sociais e humanas o responsável pela

    reprodução de antagonismos de interesses do capital, essa dicotomia leva a um constante

    conflito, entre capital e o trabalho.

    As transformações que ocorrem no mundo do trabalho contemporâneo trazem

    inúmeros prejuízos aos trabalhadores em geral. Ao serem transportados para o âmbito

    acadêmico, esses trabalhadores passam a sofrer os reflexos dessas transformações,

    caracterizadas pela reestruturação da educação e a expansão das universidades no modelo

    privado-mercantil, aumentando assim a necessidade de pesquisas sobre a implementação

    do projeto de educação que vem sendo executado no Brasil, trazendo em seu bojo a

    intensificação e precarização do trabalho.

    Pensar o trabalho docente enquanto processo em transformação e sua relação com

    a expansão da educação superior privado mercantil é fundamental, para entender o

    processo de intensificação no trabalho que o/a trabalhador/a docente está inserido na

    atualidade, visto que, temos presenciado a ofensivamente do capital a partir da década de

    1990 com feroz ataque aos direitos dos trabalhadores.

    A expansão da economia no âmbito global está associada à incorporação de avanços tecnológicos que demandam conhecimentos cada vez mais especializados que resultam em maior complexificação do processo produtivo, o qual, por sua vez, passa a exigir nova qualificação da força de trabalho e diminuição de seu custo, ao mesmo tempo em que se modificam o processo de acumulação, de valorização do capital, bem como a reprodução social e a sociabilidade do trabalhador. (SILVA JUNIOR, SGUISSARD, 2013, 121).

    Com o aprofundamento da política de cunho neoliberal, temos presenciado o firme

    propósito desta ofensiva na retirada de direitos historicamente conquistados pela

    trabalhadora. Nesta conjuntura, o trabalhador precisa assumir o propósito imposto pela

    empresa enxuta e/ou polivalente, fincado na competitividade e individualidade,

    especialmente com o desenvolvimento tecnológico. Como nos mostra Antunes (2011).

    Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a expressão mais profunda da crise estrutural que assola a (des)sociabilização contemporânea: destrói-se força humana que trabalha; destroçam-se os direitos sociais, brutalizam-se enormes contingentes de homens e mulheres que vivem do trabalho; torna-se predatória a relação produção/natureza, criando-se uma monumental “sociedade do descartável”, que joga fora tudo o que serviu como “embalagem” para as mercadorias e o seu sistema, mantendo-se, entretanto, o circuito reprodutivo do capital. (ANTUNES, 2011, p.191)

    A condição de trabalho na reestruturação produtiva está intimamente ligada à busca

    incessante por capacitação e adequação aos “novos” e urgentes incrementos da

  • competitividade organizacional. Esses paradigmas, portanto, são transformados em ideários

    que devem ser seguidos pelos trabalhadores, se estes quiserem se adequar as exigências

    do mercado de trabalho.

    3. O Trabalho docente no contexto do ensino superior

    Uma questão que se coloca é a forma como o ensino superior vem sendo conduzido no

    Brasil, ao ser vendido no mercado como uma mercadoria, ele se consolida no plano privado

    e se expande. Este processo se corporifica principalmente pelos acordos multilaterais

    estabelecidos entre o governo brasileiro e organismos internacionais através de

    “recomendações”, como ressalta Maués (2010).

    As recomendações emanadas de organismos internacionais (BM, 1994, OCDE, 2008) têm apontado para a adaptação dos sistemas educacionais, sobretudo os de nível superior, às exigências do mercado, colocando as universidades a serviço das empresas. (MAUÉS, 2010, p. 142).

    É nesta perspectiva, que o ensino superior vem se firmando principalmente e a partir das

    mudanças ocorridas no início da década de 1990, com a contrarreforma do Estado

    brasileiro, onde preconiza a minimização do Estado para as políticas sociais (saúde,

    educação, previdência), estabelecendo as regras de condução das ações em que este se

    isenta da responsabilidade. Para Maués (2010),

    A reforma do estado que vinha na esteira de uma das crises do capitalismo, propunha um Estado mínimo no tocante ás intervenções no mercado e máximo nas relações comerciais no plano internacional. A forma de operacionalizar esse novo modelo de estado exigia a criação de dois grandes núcleos, que foram denominados de burocráticos, responsáveis pelas funções exclusivas do Estado e o núcleo de serviços, responsável pelas funções não exclusivas a serem desempenhadas pelo Estado. (MAUÉS, 2010, p 143).

    A condução da educação de modo geral passa a ser não só de responsabilidade do

    Estado, ela nesta ótica, deve ser conduzida pelo mercado de forma a atender os desígnios

    do capital. Ao ser transformada em mercadoria é somente algo que está disponível para ser

    comercializada conforme as pretensões dos donos do capital, que significa que a educação

    passa a ser regida pela lógica do modelo econômico vigente, visto que em um determinado

    momento lhe é concedido investimento e em outro lhe é negado por meio de cortes de

    verbas. Assim o docente é induzido a buscar no mercado os recursos para o

    desenvolvimento de respostas por meio da lógica competitiva, como ressalta Lisboa (2013),

  • Se quiserem receber dinheiro para pesquisa, os docentes são obrigados a ingressar num sistema produtivista de atividades acadêmicas e de captação de recursos instituído pelo Ministério da Educação (MEC) por meio de órgãos de fomento à pesquisa. Se não se integrarem nesse sistema, nem sequer entrarão na disputa pelo dinheiro e pior não obterão boa avaliação de desempenho e não terão ascensão funcional [...]. (LISBOA, 2013, p.32).

    Essa política de indução para o mercado se gesta em uma estreita relação com os

    princípios da privatização por qual o ensino superior passa desde os anos 1990, trazendo

    profundas consequências ao trabalho docente, como ressalta Bosi (2007),

    Visualizar a totalidade desse processo requer adotar o pressuposto de que, para além da precarização do trabalho docente expresso nas “velhas” e “novas” formas de contratação, muitas mudanças foram introduzidas na rotina das atividades de ensino, pesquisa e extensão, desde, pelo menos, o governo Collor de Melo. Do ponto de vista do capital, trata-se de aumentar o trabalho docente em extensão e intensidade. Esse processo ainda inconcluso é objetivado na mercantilização da educação pública e, nesse sentido, progride combinado à transferência dos aportes patrimoniais, financeiros e humanos públicos, para a iniciativa privada, por meio, principalmente, de alterações na superestrutura jurídica do Estado. (BOSI, 2007, p.1511)

    Diante das especificidades que se colocam ao ensino superior no Brasil, cresce a

    agudização do trabalho docente decorrente exatamente da superexploração deste

    trabalhador (a) que deve ministrar aulas em salas lotadas, além de terem que cumprir com

    uma carga horária extensa, tendo seus planos de trabalhos “maquiados” (termo que

    caracteriza o excesso de horas de trabalho não somados) na maioria das vezes. Esta

    realidade que se torna cada dia mais frequente retrata o forte esquema de precarização e

    intensificação do trabalho docente, cuja consequência imediata se manifesta na saúde

    desse trabalhador/a como relata Alves (2013),

    Os adoecimentos laborais expressam uma das formas prementes de precarização do trabalho nas condições do capitalismo global: a precarização do homem-que-trabalha (no sentido de homem como ser humano genérico). A crise estrutural do capital é também crise de (de) formação do sujeito de classe, determinação tendencial do processo de precarização estrutural do trabalho. (ALVES 2013, p. 13).

    Assim, a precarização e intensidade da atividade do(a) docente em seu processo

    de trabalho representa a reprodução da exploração da força de trabalho em seu aspecto

    brutal, levando ao consequente adoecimento no trabalho. Sabe-se que as restrições na

    autonomia do trabalho docente, condições de trabalho adequado, exigências as mais

    variadas, são pré-requisitos para que o docente almeje um mínimo de reconhecimento no

    seu trabalho; e passe a ser exigido e se exigir, excelência e competitividade exacerbadas

    em sua condição de docente pesquisador. Esse modelo de exploração do trabalho é típico

  • da sociabilidade do capital em âmbito mundial que atinge tanto os países do centro, como

    os da periferia do capitalismo, como nos mostra Alves (2007),

    O processo de precarização do trabalho e a constituição do precário mundo do trabalho são traços do novo sócio-metabolismo do capital nas condições de mundialização financeira. Ela atinge tanto os países capitalistas centrais, como países capitalistas periféricos como o Brasil. Inclusive no caso do capitalismo brasileiro, o processo de precarização do trabalho assume dimensões complexas, articulando tanto dimensões histórico-genéticas (originárias da nossa formação colonial), quanto dimensões histórico-sociais vinculadas à nova ordem da mundialização do capital. (ALVES, 2007, p.111).

    O trabalho na atualidade vem assumindo novas dimensões com investimentos por parte do

    capital em inovações tecnológicas que culmina com mais trabalho intensificado e mais

    produtividade, estas estratégias levam um maior dispêndio de energia por parte do

    trabalhador quer seja manual e/ou intelectual para gerar mais valor para o capitalista.

    Observa-se assim, uma complexidade na histórica divisão do trabalho, com a inclusão de

    novos elementos de exploração do/a trabalhador/a conforme Dal Rosso (2008),

    A divisão de trabalho intelectual e manual nada mais é do que a separação do trabalho entre seus componentes intrínsecos. O trabalho contemporâneo mantém muitos elementos da divisão entre trabalho manual e intelectual, mas acrescenta outros. Dentre eles, há uma proporção muito maior de pessoas trabalhando em condições que exigem fortemente a componente intelectual no exercício das atividades cotidianas. (DAL ROSSO, 2008, p.38)

    O processo de trabalho docente é oriundo das múltiplas questões que se gestam nas

    metamorfoses do mundo do trabalho, levando este/a trabalhador/a uma perversa condição

    de exploração sem precedentes, visto a crescente adequação das condições humanas as

    necessidades do capital. Isto vem se consolidando cada vez mais, com a educação

    mercantilizada, ocasionando uma intervenção de modo planejado e sistemático por parte do

    capital transnacional e do Estado na educação superior, atingindo o patamar elevado de

    exigências para o docente.

  • 4.Conclusão.

    A temática em quentão sobre as condições de trabalho docente nos reporta sobre a

    necessária análise sobre o mundo do trabalho. Estas breves considerações ainda que

    introdutórias, tem o propósito de fazer aflorar as questões sobre precarização e intensidade

    no trabalho docente, o que nos conduz a um debate que está se configurando cada vez

    mais presente e pertinente no âmbito acadêmico.

    O processo de mudança no trabalho docente (intensidade, precarização) é oriundo de

    múltiplas questões que se gestam nas metamorfoses do mundo do trabalho, levando a um

    processo perverso de adequação das condições humanas as necessidades do capital. Isto

    reforça a ideia de Lima (2004, p.79) em que “A carreira docente está, portanto, subordinada

    à lógica produtivista, meritocracia, centrada em critérios quantitativos de execução de

    tarefas”.

    A lógica de trabalho flexível e intensivo faz parte da ofensiva do capital sobre o trabalho, e

    reestruturação do Estado que a partir da década de 1990, assume as prerrogativas da lógica

    neoliberal e promove feroz ataque aos direitos dos/as trabalhador/as, concretizado com a

    retirada de direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora.

    O avanço do capital transnacional no Brasil exige que se tenha um Estado forte para fazer

    os ajustes necessários à manutenção da política macroeconômica, com políticas de

    austeridade que tem como principal alvo a retirada dos direitos sociais, como resultado

    destas injunções, temos o fortalecimento do setor privado no Brasil e em especial o setor

    empresarial da educação que teve todas as vantagens para crescer e se fortalecer.

    Nestes termos, é imperativo entender as estratégias de avanço da ofensiva do capital sobre

    o trabalho, que transforma não só o ensino superior como mercadoria, mas o ser humano,

    neste caso os/as docentes. A conjuntura nos impõe desafios e esta temática propicia

    discussão, que devidamente apropriada, possibilita análise das novas demandas trazidas

    por uma conjuntura cada mais agudizada e desafiadora que carrega em si o discurso da

    moralidade enquanto acentua a retirada de diretos dos/as trabalhadores/as docentes.

  • 5. Bibliografia

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